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MONTANDO QUEBRA-CABEÇASA DESFRAGMENTAÇÃO DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Roman Lopes*

RESUMO:

O presente artigo traz uma reflexão sobre a realidade do ensino da Língua Portuguesa, a partir da ideia de que esse ensino apresenta-se fragmentado em três áreas divididas, quais sejam: Gramática, Literatura e Técnicas de Redação. O mesmo propõe, então, que essa divisão seja desfeita e que o ensino da língua passe por uma reformulação, tendo como base a produção e análise textual, no sentido mais amplo que isso possa ter. Devido à grande diversidade de suportes textuais que existe, essa proposta de ensino poderia ser realizada mesmo no processo de alfabetização, uma vez que existem suportes textuais que não precisam ser necessariamente escritos. Com isso, o processo de domínio da língua por parte do aluno seria realizado de forma mais natural, fazendo com que a mesma se transforme em um instrumento efetivo de autoconhecimento, de reconhecimento e, consequentemente, de uso consciente dos vários discursos, sempre encarando-os como fenômenos representativos de atos sociais. Por fim, o ensino da língua, a partir dessas premissas, apresenta-se de forma mais abrangente e menos discriminatória, uma vez que não haverá uma norma padrão a ser seguida cegamente, e sim discursos construídos dentro dos mais diferentes universos, sempre como representações simbólicas de fenômenos da vida.

ABSTRACT:

This article presents a reflection on the reality of the teaching of Portuguese, from the idea that education is fragmented divided into three areas, namely: Grammar, Literature and Writing Techniques. The same is proposed that this division is undone and the teaching of the language undergoes a redesign, based on the production and textual analysis, in the broadest sense it may have. Due to the great variety of existing text media, the proposed teaching could be performed even in the process of literacy, since there are brackets textual need not be written. Thus, the process of mastering the language of the student would be performed more naturally, making it turn into an effective instrument for self-recognition and, consequently, the conscious use of the various speeches, always facing it phenomena as the representative of social acts. Finally, language teaching, from these premises, it presents a more comprehensive and less discriminatory, since there will be a standard procedure to be followed blindly, but constructed within discourses from different universes, where representations symbolic phenomena of life.

PALAVRAS-CHAVE: Língua Portuguesa, Desfragmentação, Educação Libertadora.

KEYWORDS: Portuguese, Defragmentation, Liberating Education.

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Por isso se chamou o seu nome Babel,porquanto ali confundiu o SENHOR a língua de toda a terra,

e dali os espalhou o SENHOR sobre a face de toda a terra.Gênesis 11:9

ESPALHANDO AS PEÇAS NA MESA

No episódio bíblico da Torre de Babel a impossibilidade de comunicação veio como um castigo divino à ambição humana. Os homens não entendiam mais nada, a construção do saber foi interrompida e Deus ficou tranquilo, no alto de sua onipotência sarcástica, olhando para os homens como pequenas peças de seu jogo de poder. No conto O Brasão da Cidade (1920), Kafka mostra que a impossibilidade de comunicação foi o resultado direto da ambição humana, sem a intervenção divina. A construção do saber era válida e positiva, mas os homens não se entendiam porque queriam utilizar esse saber em benefício próprio, para a obtenção ou a manutenção do poder.

Nos dois casos citados, o que parece muito claro é que existe uma relação muito forte entre a comunicação, o conhecimento e o poder. A evolução do conhecimento está diretamente ligada às formas de transmitir o conhecimento. E tudo isso influencia diretamente na manutenção ou não das estruturas de poder. Portanto, fica nítida a importância dos sistemas de comunicação na construção de qualquer estrutura social. Saber manipular os sistemas de comunicação é imprescindível para que um indivíduo possa inserir-se de forma integral dentro de um grupo social. E, dentro dos diversos sistemas de comunicação existentes, a língua falada no grupo social é, sem dúvida, o mais importante deles.

Todo indivíduo que pertence a um grupo social acaba aprendendo a falar a língua desse grupo, de uma forma ou de outra. É quase uma consequência natural da relação de pertencimento ao grupo. Entretanto, o que precisa ser analisada é a forma como acontece esse aprendizado, bem como o resultado social do mesmo. Nas sociedades ditas civilizadas existem instituições específicas para a obtenção do conhecimento e, consequentemente, para o aprendizado não só dos sistemas de comunicação em geral, mas também da língua oficial dessa sociedade. Essas instituições costumam ser chamadas de... Escolas...

A escola deveria, segundo uma lógica aparentemente óbvia, ser o espaço mais significativo para a obtenção do conhecimento e para o aprendizado dos sistemas de comunicação da nossa sociedade, entre eles, a língua. E isso pode até corresponder à nossa situação real. O que é importante analisar, porém, é a maneira como esse aprendizado se dá, principalmente no que diz respeito à Língua Portuguesa. O aprendizado e o consequente domínio da língua representariam, naturalmente, fatores de libertação do indivíduo. Esse domínio faria girar toda a engrenagem social, que levaria esse indivíduo a um estado de conhecimento maior e de uma consciência mais profunda dos fenômenos ao seu redor. No entanto, a realidade está longe disso, pois as escolas no Brasil têm uma estrutura histórica de fragmentação do conhecimento, apresentado em disciplinas totalmente desarticuladas. Isso faz com que o conhecimento não se construa totalmente, uma vez que o aluno não consegue ver relação entre as variadas disciplinas e, consequentemente, não consegue relacionar nenhuma dessas disciplinas com os fenômenos que estão ao seu redor.

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As teorias mais avançadas no campo da Educação apontam para uma direção em que a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade aparecem como opções de uma metodologia eficiente e enriquecedora, tanto para o trabalho do docente, que encontra apoio e possibilidades de uma reflexão profunda sobre o seu trabalho, como para o aluno, que é colocado em contato com universos mais amplos de conhecimento, podendo construir o seu próprio conhecimento de maneira sólida.

Unidades complexas, como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais: dessa forma, o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A sociedade comporta as dimensões histórica, econômica, sociológica, religiosa... O conhecimento pertinente deve reconhecer esse caráter multidimensional e nele inserir estes dados: não apenas não se poderia isolar uma parte do todo, mas as partes umas das outras... (MORIN, 2003, p. 38)

No entanto, a obediência cega às regras institucionais, que na maioria das vezes têm objetivos muito diferentes dos almejados pela Educação enquanto campo do desenvolvimento humano, oriunda do medo ou da falta de preparo por parte dos professores, faz com que esse trabalho interdisciplinar seja muito superficial nas escolas, além do caráter de eventualidade que ele acaba tendo.

Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos educandos vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação. A sua irrefreada ânsia. [...] Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. (FREIRE, 2003, p. 57)

Toda essa fragmentação é extremamente prejudicial a um processo educacional que visa à formação integral do indivíduo, colocando-o em contato pleno com o conhecimento real... Infelizmente, essa é a realidade!... Em grande parte das instituições de ensino e em todos os campos do conhecimento... No caso do trabalho com a Língua Portuguesa, existe ainda um agravante. Dentro do próprio campo do conhecimento existe uma fragmentação.

Em grande parte das escolas, principalmente nas escolas da rede particular de ensino, a disciplina Língua Portuguesa apresenta uma estrutura fragmentada, sendo dividida em Gramática, Análise de Texto ou Leitura e Técnicas de Redação. Mesmo nas escolas da rede pública e nas escolas particulares onde essa estrutura não é explícita, a divisão acaba existindo de forma prática no trabalho do professor. A validade dessa divisão, no entanto, está longe de apresentar uma resposta que reflita uma posição de unanimidade entre os professores de Língua Portuguesa. Existem os que defendem essa divisão, existem os que criticam e existem aqueles que se mantêm neutros, achando que a existência ou a ausência dessa divisão não influenciam tanto na qualidade do ensino da língua.

A única vantagem na divisão da Língua Portuguesa em Gramática, Literatura e Redação me parece ser o fato de que se pode garantir aos alunos que aquele professor mais propenso para uma das áreas irá, de fato, trabalhar todas as frentes. Mas para se garantir o que deveria ser óbvio, fragmenta-se o estudo de uma única matéria: a própria língua. (1)

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A divisão dentro da Língua Portuguesa permite focar melhor os conteúdos. Pode-se oferecer dentro da mesma disciplina olhares diferentes para um mesmo assunto. Atualmente não consigo pensar no ensino da Língua Portuguesa sem essa divisão. Ela já faz parte da nossa realidade. (2)

Por mais que essa divisão possa ter feito sentido em algum momento e ainda hoje possa encontrar defesa no argumento de que ela, além de proporcionar abordagens diferentes da língua, permite maior aprofundamento de questões específicas a cada área de trabalho com a mesma, parece claro o quanto essa mesma divisão é prejudicial e atende a um ensino da língua que já não corresponde aos anseios não só da sociedade em geral, mas também das pesquisas no campo da Linguística e da Didática.

A visão interacionista da língua, desenvolvida pelas teorias mais modernas e progressistas da Linguística, que vê a língua como um instrumento de ação social, por isso sujeita a variações e modificações constantes, todas elas com o mesmo valor comunicacional, ainda está distante das salas de aula. O aluno ainda sofre sanções dos professores por não saber escrever ou ler corretamente. O ensino da Língua ainda se baseia em frases prontas e exercícios de repetição sistemática de regras. (LOPES, 2011, p. 01)

A língua, falada e escrita, é um fenômeno social. Os discursos são construídos a partir de relações sociais específicas, com objetivos e diretrizes que têm relação direta com esses fenômenos sociais. Não existe discurso vazio de propósito e, consequentemente, de intencionalidade. Entender e dominar (no sentido de saber manipular) a língua é, portanto, entender e dominar os fenômenos sociais que são representados pelos mais diversos discursos. E isso sem nenhum tipo de hierarquização. Não existe discurso mais importante. Todos os discursos são relevantes para a compreensão dos diversos fenômenos sociais.

Por tudo isso parece pertinente, mais do que afirmar, reafirmar a importância de um trabalho em Língua Portuguesa que não seja fragmentado e que se alie a outros campos do conhecimento para atingir seus objetivos reais e plenos. Não é possível mais aceitar um ensino da língua meramente operacional, que tem as estruturas de oração e as regras gramaticais como elementos únicos na aquisição de conhecimento linguístico, tratando a língua como algo pronto a ser dominado. A língua é construída diariamente, pelos mais diferentes agentes da sociedade.

O estudo da Língua Portuguesa, a partir dessas premissas, parece então impossível... Será?... Logicamente esse estudo seria muito mais complexo do que é agora... Espere um pouco: complexo para quem?... O professor, com certeza, teria que sair da sua posição autoidólatra de detentor absoluto do saber e aprender a compartilhar saberes diferentes com seus alunos... E o aluno teria que sair da posição submissa em que foi colocado historicamente para perceber-se como agente do seu próprio aprendizado... Como fazer isso?

É chegado o momento de nós, professores, pensarmos menos em todos os meandros teóricos do processo de leitura e nos debruçarmos carinhosamente sobre as características do leitor de carne e osso que está sentado ali na sala de aula. Uma criança ou um jovem que temos por obrigação fazer entrar - e nunca mais sair - do círculo dos alfabetizados/letrados... O objetivo do professor não é dar ou reproduzir o sentido protocolar dos textos, mas sim construir e adensar sentidos a partir de um trabalho coletivo com toda a classe. (SILVA, 2009, p. 102)

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COPIANDO A IMAGEM DA CAIXA

Os princípios do sistema educacional no Brasil sempre foram, para não usar palavras deselegantes, piadas de mau gosto. Começamos com os jesuítas, que organizaram um sistema de colégios e missões, com o objetivo principal de impor aos índios uma educação baseada nos preceitos católicos e numa ideia de educação para o trabalho. A imposição de um modelo pedagógico que não tinha relação nenhuma com os valores dos índios.

Quando os jesuítas chegaram por aqui eles não trouxeram somente a moral, os costumes e a religiosidade européia; trouxeram também os métodos pedagógicos... Não podemos deixar de reconhecer que os portugueses trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, o que não quer dizer que as populações que por aqui viviam já não possuíam características próprias de se fazer educação. E convém ressaltar que a educação que se praticava entre as populações indígenas não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu. (BELLO, 2001, p. 01)

Os jesuítas foram expulsos, veio o Império e a República... Muitas transformações e poucas mudanças... Apesar de sofrer inúmeras alterações, o sistema educacional brasileiro viu pouca coisa diferente na sua trajetória histórica. As escolas sempre foram instituições para servir aos interesses religiosos, políticos e econômicos do Estado. “A educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do mundo, que é a de manter o status quo para aqueles que frequentam os bancos escolares.” (BELLO, 2001, p. 02). Essa situação mostra que a escola no Brasil, para não dizer em outras partes do mundo, por mais que se modifique, serve sempre aos interesses de uma estrutura de poder. Com isso, ela deixa de cumprir o seu verdadeiro papel, o de ser um espaço de descoberta e libertação dos indivíduos, tornando-se um espaço de reprodução de valores, muitas vezes ultrapassados e sem sentido algum para os alunos.

E porque os homens, nesta visão, ao receberem o mundo que neles entra, já são seres passivos, cabe à educação apassivá-los mais ainda e adaptá-los ao mundo. Quanto mais adaptados, para a concepção "bancária", tanto mais "educados", porque adequados ao mundo... A concepção e a prática da educação que vimos criticando se instauram como eficientes instrumentos para este fim. Daí que um dos seus objetivos fundamentais, mesmo que dele não estejam advertidos muitos do que a realizam, seja dificultar, em tudo, o pensar autêntico. (FREIRE, 2003, p. 63)

Para cumprir o seu papel de reprodutora de valores e reprimir o pensamento livre, a escola lida com modelos. Esses modelos são criados pelas estruturas de poder que comandam os diversos grupos sociais. Valores morais e éticos são impostos sem nenhuma possibilidade de reflexão mais profunda. Existe o que é certo e o que é errado... Para quem?... “Na sociedade capitalista, a força que comanda o ciclo infernal de repetição, que submete a vida e o mundo do trabalho, é a necessidade de reprodução do capital.” (D’ANGÊLO, 2006, p. 13). A escola serve ao ideário de uma civilização capitalista, que trabalha para eliminar qualquer traço de pensamento livre que possa florescer. E para isso ela utiliza modelos de sucesso e respeito que colocam na cabeça do aluno, de forma totalmente artificial, sensações que não correspondem à sua natureza humana (se é que realmente existe uma natureza humana), mas que servem para fazer dele mais um reprodutor desses mesmos valores.

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Tudo degenera entre as mãos do homem. Ele força uma terra a alimentar as produções de outra, uma árvore a carregar os frutos de outra. Mistura e confunde os climas, os elementos, as estações. Mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo. Perturba tudo, desfigura tudo, ama a deformidade e os monstros. Não quer nada da maneira como a natureza o fez, nem mesmo o homem; é preciso que seja domado por ele, como um cavalo adestrador; é preciso apará-lo à sua maneira, como uma árvore de seu jardim. (ROUSSEAU, 1995, p. 07)

Nessa estrutura escolar, o ensino da Língua Portuguesa não poderia ser diferente. Um mero reprodutor de valores impostos como corretos e válidos. A gramática da língua é vista como algo pronto e os discursos já estão praticamente construídos, cabendo ao aluno apenas saber dominar esses discursos. Por mais variações discursivas que a escola apresente, variações essas introduzidas no conteúdo escolar muito mais por opção das próprias estruturas de poder, que querem tomar para si discursos de grupos que podem representar alguma ameaça, os discursos são sempre prontos. O aluno, por mais que consiga reconhecer o discurso, não participa diretamente da sua construção, pois a própria leitura do discurso é direcionada pelo professor, a partir de um conteúdo curricular pré-estabelecido. Não existe nenhuma possibilidade de construção coletiva dos discursos. Aos alunos são colocadas as metas a serem atingidas, quais sejam, comparar os vários discursos, tendo como referência a chamada norma culta da língua, para ver em que medida cada discurso se aproxima ou se distancia dessa norma referencial. Porém, é esse padrão de referência que comanda tudo. É a partir dele que se constrói o chamado discurso correto e os outros são vistos como peculiares e, às vezes, até exóticos, pois pertencem a grupos sociais específicos. Uma pessoa normal (um grifo dolorido) deve se utilizar do discurso padrão. Isso coloca o aluno diante de uma série de exclusões e inclusões completamente fragmentadas, mergulhando-o em um mar de significados desconexos, de onde emerge somente uma conclusão: ele deve aprender a ler e a escrever... Só isso... O resto não importa...

A linguagem comunicadora de conteúdos se perdeu numa vertigem de correspondências enlouquecidas, num jogo de significações que nunca se esgota, pois as significações remetem sempre a outras significações, e assim sucessivamente. Essa perversão da linguagem apaga sua dimensão expressiva e reforça a mitologização do cotidiano. (D’ANGÊLO, 2006, p. 13)

A escola no Brasil é estruturada a partir de conteúdos. Esses conteúdos já estão estabelecidos antes mesmo de qualquer processo educacional iniciar. No ensino da Língua Portuguesa isso não é diferente. Os materiais didáticos utilizados pelas escolas já apresentam o conteúdo que deve ser estudado em cada etapa do processo de aprendizado da língua. E nesses materiais os modelos já estão definidos. Por maior que seja a variedade desses modelos, eles não conseguem oferecer aos alunos uma verdadeira experiência de construção de um discurso próprio. Isso porque o aluno não é colocado diante de uma experiência real de construção de pensamento. E sem construção de pensamento, não há construção de discurso! É uma lógica natural... O discurso deve ser a representação simbólica de um pensamento, no sentido mais amplo e profundo do termo (um sentido que vai além do campo intelectual e perpassa os universos afetivos, sensoriais, impulsivos). Como não há espaço para a criação de um pensamento efetivo do aluno, uma vez que esse pensamento é determinado a priori pelos conteúdos estabelecidos, com metas padronizadas a serem atingidas por todos, não existe a possibilidade real da construção de discursos próprios por parte dos alunos...

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Nas aulas verbalistas, nos métodos de avaliação dos "conhecimentos", no chamado "controle de leitura", na distância entre o educador e os educandos, nos critérios de promoção, na indicação bibliográfica... Em tudo, há sempre a conotação "digestiva" e a proibição ao pensar verdadeiro. (FREIRE, 2003, p. 64)

Tudo é construído a partir de modelos! A análise sintática (que de análise não tem nada), que nessa absurda divisão do ensino da língua pertence ao campo da Gramática, já tem tudo definido. O que é sujeito, o que é objeto, qual discurso é subordinado a outro. Tudo isso com um objetivo que, por mais sutil que seja, direciona de forma contundente toda a maneira de pensar e de agir do aluno. O aluno não pode tentar descobrir por ele mesmo os elementos essenciais do discurso, porque esses elementos já estão estabelecidos... Quem estabeleceu?... Quem disse que esses elementos são essenciais ao discurso?... Quando alguém diz: “Não sei se poderei viajar nas férias”, o que é mais importante? Tentar descobrir as causas e as consequências que envolvem essa situação ou saber que Não sei é a oração principal, se a conjunção subordinativa integrante e se poderei viajar nas férias a oração subordinada substantiva objetiva direta?... Qual a utilidade disso tudo?... Esse discurso representa um fenômeno social, humano, envolvendo questões das mais diversas ordens... Por que Não sei é a oração principal?... Não sei... São os modelos, as normas... O próprio discurso aqui construído deve seguir normas sem sentido... Parágrafos, citações... Devaneios de quem se perdeu no meio do próprio discurso... Será que os acadêmicos responsáveis pela estruturação do ensino da língua se preocupam com esses elementos quando escrevem?... O pior é que se preocupam... Tantas coisas mais importantes para se preocuparem... O fato é que os modelos já estabelecidos direcionam a atenção do aluno para elementos que não têm nenhuma relação com a essência do discurso enquanto fenômeno. Isso distancia o aluno de uma compreensão verdadeira do discurso e, como consequência, do próprio fenômeno. O mais importante é seguir os modelos.

Portanto, é com essas disposições primitivas que deveríamos relacionar tudo, e isso seria possível se nossas três educações fossem apenas diferentes; que fazer, porém, se são opostas, se, em vez de educar um homem para si mesmo, queremos educá-lo para os outros? Este acordo torna-se, então, impossível. Forçado a combater a natureza ou as instituições sociais, é preciso optar entre fazer um homem ou um cidadão, pois não se podem fazer os dois ao mesmo tempo. (ROUSSEAU, 1995, p. 10)

O mais estranho em tudo isso são as justificativas dadas à necessidade de existência dos modelos... Os alunos precisam aprender o que é certo e o que é errado... Mas quem sabe isso?... Logicamente, não estamos defendendo nessas pretensiosas garatujas o relativismo absoluto. Existem determinados padrões de comportamento na própria natureza... O sol sempre vai nascer de um lado e se por de outro lado. Sempre será necessária a existência de água para que se possa produzir a chuva. Em uma região muito seca não chove. E isso influencia na existência ou não de vegetação, uma vez que as plantas necessitam de água.... Porém, quem disse que o lado em que nasce o sol é o leste? Isso é uma referência relativa, que depende de uma série de fatores e que não pode ser colocada em uma fórmula tão simples. Como é possível existir vegetação em regiões muito secas? A própria natureza quebra os seus padrões.

Certa vez houve uma discussão entre vários educadores sobre esse assunto... O que é certo?... Como exemplo, foi dado o conceito de que a Lua é um satélite natural da Terra. Aqueles que se colocavam contra a existência do certo desfilaram uma série de outros conceitos para a Lua, como uma bola de queijo, o lugar onde moram São Jorge e o dragão, a casa dos amantes... Aqueles que defendiam a existência do certo diziam que,

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apesar de aceitarem esses outros conceitos peculiares, o aluno deveria aprender, no fim das contas, o conceito correto... A Lua é um satélite natural da Terra... Quem disse isso? A Ciência...

A Ciência é considerada a matriz do conhecimento mais profundo. Apesar de reconhecer que o conhecimento científico é produzido dentro de um universo mais sistematizado, o que permite uma abordagem mais coerente e profunda sobre os fenômenos, não podemos descartar o fato de que existem outros universos de produção do conhecimento, às vezes mais profundos que a própria Ciência. No limiar do século XXI, a Ciência começa a questionar alguns paradigmas relacionados ao tempo, à capacidade de criação de seres em laboratório, à evolução da inteligência artificial. Todos esses assuntos já foram tratados pelo universo artístico, há muito mais tempo que a Ciência. Logicamente, o universo artístico trata desses assuntos de maneira ficcional, a partir da liberdade total da imaginação, sem os parâmetros sistematizados da Ciência e sem uma coerência aparente. No entanto, por que esse conhecimento não deve ser considerado? Por que a Ciência deve dar a palavra final sempre? A própria Ciência se contradiz com o passar do tempo. Plutão era um planeta, agora não é mais... O átomo era formado apenas por prótons, nêutrons e elétrons. Agora já existem outras partículas subatômicas... Quem disse que a coerência é o mais importante? Que graça teria o universo infantil se a Lua não fosse uma bola de queijo? O que seria dos apaixonados se a Lua não fosse a casa dos amantes? Tente convencer um apaixonado de que a Lua é um satélite natural da Terra... Provavelmente a resposta dele será uma sonora ou disfarçada (sempre em nome da chamada boa educação, coisa também sem muito sentido) risada...

Assim com nos outros campos da Ciência, os modelos utilizados no ensino da Língua Portuguesa também apresentam suas incoerências e contradições. O que é um Agente da Passiva? Que raio de paradoxo esquisito é esse? A justificativa de sua existência é que o foco da análise (há controvérsias sobre o termo, já expostas anteriormente) é sobre quem recebe a ação... Mas e quem executa a ação?... Esse tem a chamada voz ativa... Qual o objetivo de termos duas coisas para analisarmos a mesma coisa?... Quanta coisa!... O foco não deveria ser a ação em si?... Tanto faz dizer: “Cabral descobriu o Brasil” ou “O Brasil foi descoberto por Cabral”... O importante é analisar essa ação e perceber que, independentemente de construirmos um discurso a partir de quem fez ou de quem recebeu, estamos diante de uma mentira... O Brasil foi invadido... Cabral comandou uma expedição de invasão... E nesse caso o agente não tem nada de passivo. Portanto, nesse fenômeno não existe nenhuma voz passiva, a não ser a do aluno, que é calada com essa incoerência toda... Sujeito paciente!... Só se forem os índios (que nome chato, dado pelos invasores), que realmente ficaram doentes com toda a crueldade a que foram submetidos...

Os modelos não têm nenhuma utilidade! Por mais que o conhecimento novo sempre seja produzido a partir do conhecimento já existente, isso é muito diferente de seguir modelos. Muitas vezes isso significa justamente quebrar os modelos existentes. Aliás, nesses casos, o conhecimento produzido tem um valor muito maior, pois representa uma nova forma de ver o já visto anteriormente. A Educação como um todo e o ensino da Língua Portuguesa em particular devem colocar os modelos no seu devido lugar, que é o de simplesmente ser uma referência como outra qualquer, sem ser a referência a ser seguida, em detrimento das referências exóticas que são apenas objetos de curiosidade. O foco deve estar nos fenômenos em si e em como produzir discursos que realmente representem esses fenômenos, em todas as suas complexidades. E os fenômenos são

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tantos... As ações são tantas... Os sujeitos são tantos que não é possível colocá-los em grupos fechados de tipos. Dizer que na oração: “Choverá amanhã.” não existe sujeito é mais do que incoerente, é uma mentira... Uma pessoa crente achará isso um absurdo, pois onde foi parar a onipotência divina? Existe um sujeito... Mesmo no campo da Ciência isso pode ser uma mentira, uma vez que já existem tecnologias capazes de produzir nuvens de chuva em regiões secas. Nesse caso existem muitos sujeitos. Fora o caso do escritor (o grifo é meu e deveria vir acompanhado de muitas aspas) que afirmou em rede nacional de televisão que era capaz de fazer chover... Olha que sujeito!...

Enquanto o ensino da língua estiver estruturado a partir de modelos, não haverá uma real evolução desse ensino, no sentido de proporcionar aos alunos as experiências necessárias para a descoberta e a construção de discursos próprios, como representações efetivas de uma visão de mundo própria e autêntica. Chega de utilizar a língua com instrumento de reprodução de padrões ideológicos que só servem para manter os indivíduos atrelados a cadeias nas quais imperam o senso comum e o maniqueísmo vazio! Chega de criar identidades superficiais entre os indivíduos e os fenômenos, através da imposição de valores que só contribuem para a manutenção de uma situação de exclusão, qualquer que seja!

COMEÇANDO PELOS CANTOS

Toda ação é condicionada por pressupostos, sejam eles conscientes ou não. Esses pressupostos dão o impulso inicial à ação e estabelecem, no desenvolvimento dessa ação e nas suas relações de causas e cosequências infindas, as condutas a serem adotadas e as referências construídas a partir da ação primeira. Os pressupostos se baseiam nas visões de mundo que cada pessoa tem. No entanto, essas visões de mundo estão cada vez mais condicionadas por fatores externos ao indivíduo, que perde gradativamente sua capacidade de interagir de forma autêntica com os fenômenos da vida, submetendo-se a uma imposição de comportamento. Essa imposição tem origem em padrões estabelecidos por sistemas políticos e econômicos que enxergam os indivíduos como iguais, forçando-os a uma homogeneização cada vez mais intensa dos pressupostos que condicionam suas ações... Não existem indivíduos iguais!... Isso é como água molhada...

As experiências pelas quais passa um indivíduo não encontram equivalente em outro indivíduo, por mais que sejam as mesmas. Cada um experimenta a vida de uma forma diferente... Continuamos com a água molhada... Entretanto, esse mundo comandado por sistemas políticos e econômicos no qual vivemos criou paradoxos incríveis até para a mais avançada das filosofias. Estamos cada vez mais fechados em nós mesmos, uma vez que foi plantado em nós, no decorrer do tempo, o medo do compartilhamento das experiências. Esse medo tem origem na ideia simples de que o outro quer, de alguma maneira, aquilo que consideramos ser nosso (no caso, a experiência pela qual passamos e tudo o que dela resulta). Ao mesmo tempo, somos cada vez menos indivíduos, uma vez que somos obrigados a ter um comportamento cada vez mais padronizado, independentemente daquilo que desejamos e pensamos a partir das nossas experiências. Isso porque o desejo é libertador e o pensamento precisa de tempo para ser construído... Liberdade e tempo são os grandes paradoxos do mundo. Somos livres, mas estamos cada vez mais presos em nossas ilhas de isolamento... Temos tempo, mas tempo é dinheiro!... Isso explica quase tudo...

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As divisões que fomentam diferentes culturas entre classes e entre gerações, o ritmo cada vez mais rápido do desenvolvimento técnico e o caráter fragmentário do trabalho industrial se opõem ao ritmo artesanal da experiência humana. Paradoxalmente, a distância entre as pessoas parece aumentar na mesma proporção em que se inventam meios de comunicação capazes de aproximá-las. (D’ANGÊLO, 2006, p. 39)

A compreensão dos pressupostos que condicionam a nossa vida social é muito importante, uma vez que esses pressupostos condicionam também a estrutura dos sistemas de ensino, que por sua vez condicionam as estruturas das escolas, condicionando assim o ensino de todas as disciplinas do currículo escolar, entre elas o ensino da Língua Portuguesa... Efeito cascata!... Um banho de água fria!... Esses pressupostos estão aí, com todas as suas contradições, transformando todas as pessoas em seres reprodutores vazios, que têm apenas um objetivo, tornar-se uma força produtiva para colaborar com a engrenagem do sistema capitalista. E para isso, cada uma das pessoas deve ter uma função definida e não pode desviar-se do caminho traçado por essa função.

Os pressupostos precisam ser transformados! Não adianta a promoção de transformações pontuais e aparentes, uma vez que os pressupostos continuam os mesmos... Essas transformações tornam-se inúteis, pois elas não transformam nada (mais um paradoxo capitalista)... A transformação dos pressupostos deve seguir um sentido contrário ao do efeito cascata já apontado... Vamos escalar a cachoeira e subir o rio... Não adianta esperar a transformação de todos os pressupostos do sistema para que o ensino da Língua Portuguesa acabe sofrendo a consequência natural dessa transformação. Mudando efetivamente os pressupostos do ensino da Língua Portuguesa, será possível mudar os pressupostos que regem a escola e o próprio sistema de ensino. Logicamente não é somente o ensino da Língua Portuguesa que precisa mudar seus pressupostos. Todas as disciplinas juntas provocariam uma mudança mais eficiente. Com a mudança dos pressupostos das escolas e dos sistemas de ensino, todos acabariam tendo outra visão de mundo, o que provocaria a mudança dos pressupostos de todo o sistema social.

Primeiro pressuposto a ser transformado: a Língua Portuguesa não está pronta. Uma vez que ela não está pronta, é inútil aprendê-la no sentido de dominar suas regras. As regras mudam o tempo todo. E devem mesmo mudar... É a dinâmica natural da vida... A Língua Portuguesa é construída a todo o momento, através das diversas interações sociais. O que já existe deve ser considerado como elemento auxiliar no desenvolvimento contínuo e na construção permanente de língua. Não existem regras a serem seguidas! Existem fenômenos que devem ser representados simbolicamente através de discursos construídos, sendo que o mesmo fenômeno pode ser representado por vários discursos diferentes. E nenhum discurso deve ser visto como mais importante, pois todos devem servir igualmente para a compreensão do fenômeno e, consequentemente, para o compartilhamento dele. Falamos, ouvimos, escrevemos e lemos porque queremos compartilhar experiências de vida.

Na interpretação do pecado original como fenômeno essencialmente linguístico existe o reconhecimento implícito de que a linguagem humana é inseparável da dicotomia conhecimento/vida. O texto aponta para a superação desta dicotomia, resgatando a essência espiritual humana e, ao mesmo tempo, recuperando a linguagem, mais próxima do verbo divino. É ela, e não a linguagem comunicadora de conteúdos, que inscreve a natureza no mundo do sentido. (D’ANGÊLO, 2006, p. 12)

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Segundo pressuposto a ser transformado: a Língua Portuguesa não pode ser dividida em disciplinas específicas. O fato de a Língua ser tratada como uma disciplina específica já é incoerente. Isso serve também para os outros campos do conhecimento. Cada uma das ciências não pode ser estudada separadamente, como se as mesmas dessem conta, isoladamente, de interpretar os fenômenos da vida. A Língua é um elemento de representação e compartilhamento das experiências de cada indivíduo. E deve ser trabalhada no contexto dessas experiências. Não existem experiências especificamente gramaticais, especificamente literárias e especificamente redacionais. As experiências linguísticas envolvem tudo isso.

O que induz ou obriga a linguagem a reunir justamente estas representações numa unidade e designá-las com uma determinada palavra? O que a leva a selecionar certas configurações nas séries sempre fluentes e uniformes de impressões que ferem nossos sentidos ou brotam dos processos espontâneos da mente, fazendo com que se detenha diante delas e lhes confira uma "significação" particular? (CASSIRER, 2003, p. 43)

Quando lemos um texto, estamos absorvendo a estrutura de construção desse texto, sem a necessidade de explicitar as regras de construção. Estamos, também, absorvendo elementos que auxiliarão na construção dos nossos próprios textos. Portanto, o ensino da Língua Portuguesa deve ter como premissa o estudo de textos, entendendo-se como texto qualquer construção discursiva que represente alguma experiência. Mesmo os textos ficcionais se encaixam nessa ideia, uma vez que a própria criação do texto é uma experiência e, mesmo que o texto criado não tenha nenhuma relação direta com o processo de criação, nem com nenhuma experiência de vida do autor, ele representa as experiências vividas pelos personagens que, apesar do caráter ficcional, são entes vivos. E essas vidas também são ricas e importantes de serem compartilhadas com os outros.

...podem-se tomar categorias ao rico aparato conceitual dos estudos sobre as línguas; mas, ao mesmo tempo, é preciso evitar seguir docilmente as teorias correntes sobre a linguagem: pode ser que o estudo da narração nos faça corrigir a imagem da língua tal qual ela se encontra nas gramáticas. (TODOROV, 2003, p. 137)

O ensino a partir da leitura de textos, entendendo-se textos como discursos pertencentes a indivíduos ou grupos sociais definidos e contextualizados, traz um novo olhar sobre a construção, no aluno, de um discurso próprio, trazendo uma nova significação para o aprendizado da Língua Portuguesa. Esse trabalho a partir da leitura de textos pode ser desenvolvido em qualquer nível de ensino. Mesmo no trabalho de alfabetização ele pode ser aplicado, uma vez que os suportes textuais apresentam-se muito diversificados, fazendo com que até uma criança em fase inicial no processo da educação formal domine certos discursos. Imagens e sons, a própria expressão do corpo são elementos textuais ricos e importantes nesse processo. Conforme a criança vai construindo seu conhecimento, através da simbolização idiomática desses discursos imagéticos, sonoros e corporais, textos escritos vão sendo incluídos no trabalho, apresentados na sua diversidade de gêneros. Com tudo isso, a criança, em toda a sua trajetória escolar, acabará dominando a língua de forma mais ampla, tornando-a mais significativa para ela, percebendo que essa língua vai além dos padrões estabelecidos pela norma culta e pela elite social.

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A autoamplificação refere-se ao fato de que um mesmo texto, em função dos elementos emocionais e cognitivos imbricados no momento da interação, sempre produz diferentes rumos e sentidos de leitura para dois ou mais leitores; aproveitar pedagogicamente esses vários rumos, adensando-os na discussão, gerando questionamentos e propondo novas sínteses a partir das amplificações pessoais é, para mim, uma das melhores didáticas para a formação de leitores maduros. (SILVA, 2009, p. 102)

Transformando esses dois pressupostos, juntamente com todas as mudanças práticas que essas transformações carregam, o ensino da Língua Portuguesa seguirá por um caminho mais rico e profundo, promovendo um aprendizado verdadeiro para todos os agentes envolvidos nesse processo (um terceiro pressuposto possível, uma vez que não existe, em um processo de aprendizado verdadeiro, aquele que ensina e aquele que aprende... Mas esse é um pressuposto mais complexo e deve ser pensado como consequência dos anteriores, apesar de sua importância). Os textos estão por aí, com toda a sua variedade de gêneros e suportes, como discursos representativos das mais diversas experiências de vida. Isso é conhecimento! A fragmentação desses textos em nome de regras absurdas não traz nada de aproveitável para quem tem contato com eles. É preciso analisar os textos integrais, e não parte deles em uma análise falsa. Somente a análise verdadeira permitirá a identificação real com o texto e o consequente compartilhamento da experiência que esse texto representa. A experiência não é fragmentada. Portanto, o discurso que representa essa experiência também não é. Então, o ensino da Língua Portuguesa deve seguir essa integralidade, que é da própria vida.

A compreensão humana comporta um conhecimento de sujeito a sujeito. Por conseguinte, se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la, não por medir o grau de salinidade de suas lágrimas, mas por buscar em mim minhas aflições infantis, identificando-a comigo e identificando-me com ela. O outro não apenas é percebido objetivamente, é percebido como outro sujeito com o qual nos identificamos e que identificamos conosco, o ego alter que se torna alter ego. Compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade. (MORIN, 2003, p. 95)

ENCAIXANDO AS PEÇAS

A transformação dos pressupostos do ensino da Língua Portuguesa leva, naturalmente, a novos caminhos práticos desse ensino. A língua passa a ser vista como um código simbólico para a real construção de representações vivas do mundo. E esse código não é fechado. Ele permite sempre a inserção de novos sinais e novos símbolos, importantes para representar toda a riqueza dinâmica do próprio mundo. E, o que parece mais importante, é que essas inserções vêm da própria dinâmica do mundo. Não são apenas os estudiosos da língua que trazem essas mudanças. Aliás, são sim... O que muda é que todos são estudiosos da língua... Isso leva, consequentemente, a uma visão da língua como um meio de comunicação e de expressão de conhecimentos, e não como um conhecimento em si mesma... Essa nova visão não diminui a importância da língua, nem do seu estudo. Pelo contrário... Ela amplia essa importância, na medida em que coloca a língua como representação de todos os conhecimentos e, portanto, necessária em todos os campos do saber... Será mais água molhada?...

A língua inserida como instrumento expressivo de todos os conhecimentos não só amplia a importância dela, como também aprofunda a sua relação simbólica com todas as áreas do conhecimento, seja ele formal ou informal (sobrenomes ilógicos). A

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consequência natural disso é que não existe ensino da língua de forma isolada. Como falar sobre a expressão de conhecimentos sem que esses conhecimentos estejam presentes? O discurso que o representa não é o conhecimento, por melhor elaborado que seja. Claro que essa representação discursiva carrega, em maior ou menor grau, dependendo da qualidade do discurso, a força do conhecimento gerado por determinada experiência. No entanto, um mergulho, mesmo que meramente analítico, na própria experiência do conhecimento, é muito mais significativo. E para isso acontecer, o discurso deve vir acompanhado do maior número possível de elementos do próprio conhecimento estudado. “E como se relacionam com a referida regra os princípios que governam outras esferas da significação ideacional, em especial, as regras da formulação mítica, religiosa, bem como os de nossos conceitos de conhecimento das ciências naturais?” (CASSIRER, 2003, p. 43). Isso remete a dois termos bem conhecidos, porém pouco utilizados efetivamente (os termos são muito utilizados enquanto termos, mas não enquanto realidades práticas): a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade.

Apesar de apresentarem algumas diferenças, as ideias de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade mantêm entre si uma relação profunda e indissociável. Para que possamos ultrapassar as barreiras da disciplinarização do conhecimento, sobretudo nas instituições de ensino de todos os níveis, transpassando esse conhecimento com outros tantos, numa espécie de cruzamento mútuo, precisamos aproximar esses conhecimentos e perceber o que existe de comum entre eles... É um jogo de pega varetas ao contrário... Tudo está entrelaçado e, para pegarmos um, devemos mexer com todos... Com isso, só temos a ganhar...

A prática da transdisciplinaridade e da interdisciplinaridade pressupõe um pensamento contextualizado do conhecimento. Nenhum conhecimento vem isolado. Conforme já citado, Morin (2003) defende a ideia do conhecimento como uma rede a ser tecida, sem que nenhuma das partes possa ser dissociada das outras e, consequentemente, do todo. O todo é mais do que a soma das partes. Ele só existe em função delas, assim como elas só existem em função dele. A contextualização do conhecimento é defendida por todas as pessoas que vêm a Educação como um instrumento de obtenção verdadeira do conhecimento, sendo primordial para a libertação do indivíduo.

Ao contrário do que se tem no Ensino Fundamental, onde o ensino é compartimentalizado, baseado no acúmulo de informações e descontextualizado, deve-se buscar, principalmente durante o Ensino Médio, dar significado ao conhecimento escolar (através da contextualização), evitar a compartimentalização (mediante a interdisciplinaridade) e incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender a relacionar os diversos campos do conhecimento. (3)

A prática da transdisciplinaridade leva ao conhecimento integral e o ensino da língua deve associar-se a essa prática. Uma vez que os discursos servem como elementos simbólicos de experiências, o trabalho com a língua deve acompanhar o trabalho com essas experiências, nos diversos espaços de aprendizagem. Não é mais possível aceitar uma aula de Língua Portuguesa onde a língua é trabalhada como um fim em si mesma... Estou chegando é mais do que um gerúndio... Pode representar toda uma experiência afetiva intensa, uma vez que a pessoa que está chegando pode ter ficado muito tempo fora... Ou então uma experiência angustiante, uma vez que a pessoa que está chegando pode representar uma enorme ameaça... São tantas possibilidades... Como podemos, então, chamar o gerúndio de forma de flexão verbal invariável?

(3) Entrevista concedida pela aluna Sabrina Leonzi D’Alessandro em 28/08/2011.

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Os discursos estão associados aos conhecimentos que eles representam. Essas representações estão além de uma mera descrição desse conhecimento, bem como são mais do que o simples conceito. A linguagem, seja ela qual for, é um símbolo profundo desse conhecimento, onde todas as características estão postas e devem ser analisadas. “Toda teoria semântica das partes do discurso deve fundar-se sobre a distinção entre descrição e denominação. A linguagem preenche igualmente as duas funções, e sua interpretação no léxico nos faz frequentemente esquecer sua diferença.” (TODOROV, 2003, p. 137).

Resistindo à tentação de uma proposição mais radical, onde não existem aulas de Língua Portuguesa, bem como não existe nenhuma aula de disciplina isolada, o que exigiria uma reformulação muito profunda nas estruturas dos sistemas de ensino, é necessário repensar o ensino da língua nas escolas, a partir de uma visão contextualizada do conhecimento. Existem certas ações que poderiam representar um avanço considerável nesse sentido. Ações que necessitam mais de boa vontade dos agentes do processo educacional do que de grandes mudanças estruturais.

Os materiais didáticos precisam ser repensados. Livros, apostilas, sejam quais forem, esses materiais representam hoje nas escolas a maior contribuição dessa fragmentação prejudicial do ensino. Eles são apresentados aos alunos de maneira completamente descontextualizada, como se o conteúdo ali presente fosse importante por si só. Também não existe nenhuma aproximação com outros campos do conhecimento ou, quando existe, é uma aproximação eventual e superficial. Os professores são as melhores pessoas, juntamente com os alunos, para criarem seus materiais didáticos. Partindo de uma análise dos materiais disponíveis, nos mais variados suportes, esse conjunto de agentes seleciona aqueles que consideram mais eficientes para auxiliarem no alcance dos objetivos do grupo, sempre pensando na evolução do conhecimento autêntico e libertador.

Em uma determinada escola, localizada em uma região propensa a enchentes, artigos de jornal que tratam do assunto, livros técnicos que tratam da estruturação de construções para minimizar efeitos de enchentes, livros que tratam da história da urbanização da cidade, músicas que falam de chuva e até o mito bíblico da Arca de Noé, são excelentes materiais didáticos, não só para a compreensão do fenômeno da enchente em si, mas também para a análise das possíveis causas, consequências e soluções para esse problema. Nesse conjunto de materiais todos os professores têm espaço de sobra para desenvolverem um bom trabalho.

O que todos esses materiais têm em comum? São suportes textuais. Esse é o trabalho do professor de Língua Portuguesa. Trabalhar com todos esses discursos. Analisá-los com os alunos (e com os outros professores), tendo sempre em mente que todos vivem esse fenômeno e, portanto, o entendem. Refletir sobre as diferenças de cada discurso dentro do contexto em que ele é apresentado, descobrindo sua intencionalidade e sua contribuição no contexto do fenômeno. Com isso, o aluno torna-se capaz de inserir nesse contexto um discurso próprio, pois está diante de elementos variados e suficientes para essa inserção.

Esse exemplo não apresenta uma fórmula. Logicamente, existem muito fenômenos importantes na vida de um grupo social e a escola não consegue trabalhar com todos eles. Entretanto, ele aponta uma possibilidade nova no desenvolvimento do material

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didático e na própria condução dos conteúdos de aprendizagem. E isso tudo sem grandes modificações estruturais. Basta que cada agente educacional saia da sua posição isolada e pense nesse processo como uma construção comunitária do conhecimento. Chega de livros e apostilas que só servem para enriquecer grupos editoriais, colocando alunos e professores em pé de guerra, entrincheirados em campos opostos dessa batalha! A guerra é contra um sistema imbecilizante, que faz de todos seres embrutecidos e sem opção de escolha, por mais que a aparência mostre o contrário.

Uma televisão com setecentos canais de escolha não significa liberdade, e sim coerção. A máquina que criamos exige ser assistida; fica balindo para nós: “Não há nada que eu não vá fazer para atrair a atenção de vocês.” Votamos pela imobilidade lobotomizada e chamamos a isso entretenimento. (MAMET, 2001, p. 55)

No caso dos materiais didáticos, a imobilidade se faz presente na própria construção do conhecimento, que acaba visto sempre como algo pronto a ser dominado. Ninguém domina a dinâmica da vida! Faz-se parte dela, de forma integral. Isso é a realidade! Os materiais didáticos à disposição dos agentes educacionais não representam opções verdadeiras de construção do conhecimento, pois eles seguem padrões que atendem aos interesses dos grupos econômicos que lucram com a sua produção e distribuição. O resultado é sempre um material fragmentado, superficial e, em alguns casos, com algumas aberrações do tipo: materiais cujos elementos principais são obras de arte e essas obras são apresentadas em branco e preto, caso contrário o custo seria muito grande. E o custo educacional? Quem vai pagar esse prejuízo?

Além da elaboração conjunta de materiais didáticos, e até mesmo para que ela seja possível, é necessária também a construção de espaços frequentes de avaliação conjunta do processo educacional. Planejamento das atividades, avaliação dos alunos e reuniões em geral não podem mais ser eventos esporádicos e vazios. São espaços de construção do conhecimento e fazem parte de um processo maior. Qual a validade de professores se reunirem por alguns dias antes do início das aulas e depois nunca mais retomarem as questões debatidas nesses encontros? Ou deixarem essas questões do lado de fora de suas práticas cotidianas? E por que os alunos não participam desses debates? Por que as avaliações continuam sendo meros instrumentos de medição quantitativa do conhecimento? Será que o aluno não tem capacidade para avaliar o seu desempenho juntamente com o professor? Será que existe alguma coisa dentro do universo escolar que não diga respeito ao aluno e ao professor? Todas essas questões são apenas pontos de partida (ou de chegada) que mostram o quanto pequenas mudanças de atitude por parte dos agentes educacionais podem significar transformações importantes no processo de construção do conhecimento. E, em tudo isso, sempre existem discursos a serem analisados em profundidade. Esse é o efetivo trabalho com a língua.

COLOCANDO A ÚLTIMA PEÇA

A consciência de que a língua não é algo pronto, fechado e de que ela não é um fim em si mesma, mas um código de representação simbólica das experiências e dos fenômenos da vida. O uso da língua como um instrumento de elaboração de discursos que representem individualidades autênticas, carregadas de intencionalidade verdadeira. A ideia de que o trabalho com a língua deve estar sempre acompanhado de outros vários campos do saber, tecendo a rede de conhecimento complexo e integral, muito importante para o desenvolvimento real das pessoas. Todos esses fatores, aliados a

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outros já citados, trazem uma nova proposição para o ensino da Língua Portuguesa. E para que todos eles possam ser praticados, o trabalho com a língua deve se basear em um elemento importante: o texto.

Voltando ao campo das obviedades... A insistência com a água molhada... Qualquer conjunto de caracteres que expressam um pensamento pode ser chamado de texto. Uma oração é um texto, assim como um livro, uma música, um filme, um quadro. São linguagens diferentes, cada uma com seus símbolos e suportes específicos, mas todos carregados de intencionalidade.

O texto, independentemente do seu tamanho, desde que seja a expressão de um discurso real e não uma construção meramente operacional, é a base do ensino da língua. Todo mundo fala, gesticula, dança, pinta e borda... São construções textuais!... E o ensino da língua deve aproveitar essas construções como o material mais rico para em efetivo aprendizado do idioma, bem como de todas as outras linguagens que formam o rico arcabouço expressivo das pessoas.

Respeitando as habilidades e limitações de cada aluno, levando em conta não só cada etapa do desenvolvimento, mas também fatores individuais, o professor sempre terá material textual para trabalhar em sala de aula. E um material muito rico. Basta que ele abandone definitivamente a ideia de que precisa atingir objetivos estabelecidos por instâncias completamente alheias ao processo educacional e coloque toda a sua energia no sentido de construir um conhecimento comunitário com seus alunos, a partir das individualidades.

Os discursos são construídos o tempo todo. Os textos estão ao alcance das mãos, dos olhos, dos ouvidos, dos corações. O professor precisa perceber esses textos e utilizá-los como o melhor material de trabalho que tem à sua disposição. Só assim ele será responsável, juntamente com os alunos e com os outros professores, pela evolução do saber autêntico, provocando a busca real pelo conhecimento, o prazer pela leitura e elaboração de discursos repletos de verdade e o êxtase pela vida.

Ao enfatizar os sentimentos e as emoções como os melhores disparadores de práticas de leitura, nada mais faço do que reiterar aquilo que muitos autores, de Rolland Barthes a Emília Ferreiro a Paulo Freire, já afirmaram a respeito da eroticidade existente entre o leitor e os textos. (SILVA, 2009, p. 102)

Evoé!

* Roman Lopes é pesquisador das formas de expressão humanas. Especialista em Teatro pela USP, em Arte em Educação e Saúde pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Estudos de Linguagem pela UNIGRAN. Professor nos cursos de Artes Visuais, Comunicação Social e Pedagogia da Universidade Guarulhos (UNG).

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APÊNDICE – AS ENTREVISTAS

As entrevistas realizadas pelo autor foram um instrumento auxiliar importante, pois deram um panorama do pensamento de alunos e professores sobre o trabalho com a Língua Portuguesa em sala de aula. Foram entrevistados dez professores e oito alunos, em duas escolas, uma da rede pública e outra da rede particular de ensino, ambas na cidade de Guarulhos. Entre todos os entrevistados foram selecionados três, dois professores e uma aluna. Essa seleção não obedeceu a critérios muito rígidos. O que era redundante foi deixado de lado e buscou-se, no caso dos professores, uma variação de posturas diante do ensino da Língua Portuguesa. No caso da aluna, buscou-se uma posição que fugisse do senso comum. Além disso, a aluna selecionada manifestou o desejo de ser professora de Língua Portuguesa, o que já dá a ela uma visão mais extensa da problemática do ensino.

Por razões de espaço e por conterem detalhes secundários, as entrevistas não serão colocadas integralmente. O resumo do que foi dito por cada um deles, além de um breve histórico da experiência com o ensino da Língua Portuguesa são suficientes para demonstrar a importância da contribuição dessas entrevistas.

O professor Valter Moraes é professor de Língua Portuguesa há 25 anos. Nesse tempo, teve uma experiência bastante diversificada, atuando nas mais diversas realidades: ensino público, rede particular, cursos preparatórios (para vestibulares e concursos), ensino fundamental I e II, médio, ensino técnico, orientador de ensino a distância, ensino superior. Algumas palavras dele:

“Seria, creio, saudosismo demais dizer que tudo piorou nesses 10 anos. Há uma evolução, especialmente no que se refere às contribuições do estudo da linguística. A consciência do preconceito linguístico de que tantos foram vítimas e a consequente mudança de postura do professor em sala de aula, por exemplo, é um inegável avanço... “

“Por outro lado, penso que a injustificável crença de que todo o passado foi feito de equívocos levou-nos a uma “involução” flagrante. Os próprios estudos da mesma linguística que nos esclareceu tanto foram mal traduzidos nas salas de aula...”

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“Não acredito que haja uma fórmula livre de erros, perfeita. Mas ainda acredito mais no uso de livros – vários – no lugar das apostilas. Os próprios meios digitais seriam o melhor material didático. Mas para isso seria necessário, como já disse, uma mudança geral. O ensino médio, por exemplo, teria que deixar de existir pensando só no vestibular das grandes universidades, ainda porque, o próprio vestibular passou da hora de mudar... “

A professora Cristina Gomes da Silva Andrade leciona há 20 anos. Algumas palavras dela:

“Aprendi que nossos alunos ainda não conseguem fazer pontes com  as informações adquiridas na escola. Ainda não é significativo para ele o aprendizado da língua mãe, pois ele acredita que o bastante é conseguir se comunicar...”

“Os vestibulares/ cursinhos/ provões estão abrindo caminho para o novo e os alunos tentam correr atrás do prejuízo...”

“A inserção de textos tem oferecido um novo olhar para o estudo das regras. É, hoje, muito mais importante ensinar o aluno a pensar, refletir, questionar por meio dos textos que ficar repetindo regras...”

A aluna Sabrina Leonzi D’Alessandro estudou sempre em escolas da rede particular de ensino. Quando foi entrevistada estava cursando o segundo ano do Ensino Médio e manifestou o desejo de ser professora de Língua Portuguesa e atuar em escolas da rede pública. Algumas palavras dela:

“Minha trajetória de aprendizado em Língua Portuguesa, principalmente durante o Ensino Fundamental, foi bastante semelhante a um "acúmulo de informações". Ao longo desse período de estudo, vejo que não se dá muito significado ao efeito (ao propósito) do conhecimento escolar, uma vez que não há contextualização, e menos ainda interdisciplinaridade entre as matérias...”

“Para mim, a divisão do ensino de Língua Portuguesa em três áreas tem o propósito de facilitar o aprendizado do aluno. Dessa forma, possui um valor didático. Porém, me parece necessário ampliar a interdisciplinaridade entre esses ramos...”

Interletras, volume 3, Edição número 16,outub.2012/març.2013 - p

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- BELLO, José Luiz de Paiva. Educação no Brasil: a História das rupturas, 2001. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br>. Acesso em 19/11/2011.

- CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. Trad. Jacó Guinsburg e Miriam Schnaiderman. 4ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003.

- D’ÂNGELO, Martha. Arte, Política e Educação em Walter Benjamin. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

- FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 37ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2003.

- LOPES, Roman. Camões ou peões? Eu prefiro todos os bordões. Revista Eletrônica Interletras. v. 2, nº 14. set/2011 a fev/2012. Disponível em: <http://www.unigran.br/interletras/#inicial>. Acesso em 18/11/2011.

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- MAMET, David. Três usos da faca. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2001.

- MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 8ª edição. São Paulo: Editora Cortez, 2003.

- ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio ou da educação. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1995.

- SILVA, Ezequiel Theodoro da. Criticidade e Leitura: ensaios. 2ª edição. São Paulo: Global Editora, 2009.

- TODOROV, Tzvetan. As Estruturas Narrativas. Trad. Leyla Perrone-Moisés. 4ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003.

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