VII Webconferência Transcrição

54
A Memória e o Patrimônio no Espaço Urbano: A Avenida Goiás em Goiânia Danielle do Carmo Mestre em Memória Social e patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (2014), é graduada em História (Licenciatura) pela Universidade Federal de Goiás (2008). Participou do projeto de pesquisa Sistematização da Documentação Referente ao Patrimônio Cultural Imaterial do estado de Goiás (IPHAN-FUNAPE-MUSEU ANTROPÓLOGICO/UFG). Recentemente foi agraciada com o Prêmio Mario Rosa de Mérito Acadêmico em Geografia, Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais- Universidade Federal de Pelotas. Gostaria de agradecer primeiro à Marisa por ter me convidado e as pessoas que estão assistindo. Eu vou falar um pouco do meu trabalho e eu vou falar um pouco da parte subjetiva, que geralmente é algo que não aparece na dissertação no produto final. Como eu cheguei nesse tema, porque que eu cheguei nele e como que eu desenvolvi essa pesquisa. O título da minha pesquisa é A Memória e o Patrimônio no Espaço Urbano: A Avenida Goiás em Goiânia. A avenida Goiás é uma das principais avenidas que a gente tem na cidade e ela foi uma das primeiras da cidade, quando Pedro Ludovico resolveu construir Goiânia, ela constava no traçado original e eu sempre vivi no centro da cidade, onde se localiza essa avenida e quando pequena eu sempre

description

Webconferencia de psicologia

Transcript of VII Webconferência Transcrição

Page 1: VII Webconferência Transcrição

A Memória e o Patrimônio no Espaço Urbano: A Avenida Goiás em Goiânia

Danielle do CarmoMestre em Memória Social e patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (2014), é graduada em História (Licenciatura) pela Universidade Federal de Goiás (2008). Participou do projeto de pesquisa Sistematização da Documentação Referente ao Patrimônio Cultural Imaterial do estado de Goiás (IPHAN-FUNAPE-MUSEU ANTROPÓLOGICO/UFG). Recentemente foi agraciada com o Prêmio Mario Rosa de Mérito Acadêmico em Geografia, Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais- Universidade Federal de Pelotas.

Gostaria de agradecer primeiro à Marisa por ter me

convidado e as pessoas que estão assistindo.

Eu vou falar um pouco do meu trabalho e eu vou falar um

pouco da parte subjetiva, que geralmente é algo que não aparece

na dissertação no produto final. Como eu cheguei nesse tema,

porque que eu cheguei nele e como que eu desenvolvi essa

pesquisa. O título da minha pesquisa é A Memória e o Patrimônio

no Espaço Urbano: A Avenida Goiás em Goiânia. A avenida

Goiás é uma das principais avenidas que a gente tem na cidade

e ela foi uma das primeiras da cidade, quando Pedro Ludovico

resolveu construir Goiânia, ela constava no traçado original e eu

sempre vivi no centro da cidade, onde se localiza essa avenida e

quando pequena eu sempre passava por ela. Na minha época,

quando eu tinha uns 10 anos, eu ia para a escola eu passava por

ela e sentia muito medo, porque ela era toda suja, tinha o

comércio ambulante e eu fui crescendo e vendo as

transformações da paisagem dessa avenida e também quando

eu tinha uns 16 anos, eu vi uma grande transformação que teve

nessa avenida, que foi a requalificação do espaço. Quando eles

tiraram o comércio informal da avenida e restituíram os seus

jardins, aí depois disso eu acabei seguindo, fui para a

Page 2: VII Webconferência Transcrição

Universidade de História, e isso tudo veio de novo a me afetar de

uma forma mais objetiva, quando eu entrei para o mestrado.

Quando eu escolhi o meu tema de pesquisa, eu tinha uma ideia,

eu tinha escutado várias histórias da avenida Goiás, então

quando eu olhava a avenida Goiás eu não via só aquela

paisagem atual, eu via uma série de coisas. Eu tinha uma tia-avó

que ela me contava muito sobre o furtim da avenida Goiás na

época dela, isso era a década de 40 e a partir disso eu vi a

necessidade de coletar as narrativas memoriais desse espaço e

a partir disso também eu estava estudando muito a questão do

patrimônio, e eu fui estudar o processo de patrimonialização que

aconteceu em Goiânia em 2002, que alguns prédios e

monumentos em arte déco e algum traçado urbanístico da cidade

foram reconhecidos pelo IPHAN como patrimônio cultural

nacional. E estudando isso eu fui perceber que aquela

requalificação que eu tinha visto aos meus 16 anos, ela foi

consequência dessa valorização patrimonial de Goiânia, porque a

avenida como via ela tinha um entrado ela foi tombada, só a via

dela foi tombada, foram várias vias que era o traçado original do

centro e entre elas era a avenida Goiás e no espaço físico da

avenida Goiás, tinha alguns elementos, era o grande hotel, a

torre do relógio e o coreto que fica localizado nas ilhas centrais

da Avenida Goiás. Eles também tinham sido tombados pelo

IPHAN e nisso o poder público viu a necessidade de revitalizar

essa área, então eu notei que a transformação da paisagem da

avenida estava diretamente ligada ao processo patrimonial em

âmbito nacional. Bom e aí como é que eu fiz eu juntando todas

Page 3: VII Webconferência Transcrição

essas informações, eu no primeiro momento parti para a

pesquisa, então eu fui para o IPHAN, fui para a Secretaria de

planejamento procurar documentos sobre a avenida, então eu fiz

toda a parte documental e histórico e depois eu fui fazer

entrevistas sobre a avenida. Qual era o meu objetivo em fazer

entrevistas? Era ver o que fica na memória da paisagem do lugar,

porque no presente a gente vê, se a gente sai na rua, a gente vai

ver a avenida revitalizada, o comércio, os bares, mas se a gente

conversa com alguém mais velho que viveu aquele espaço em

outros tempos, eles vão contar uma série de coisas para gente

de comércios que existiam e não existem mais, de práticas

socioespaciais que existiam naquela época, como o futim

(footing) como eu tinha falado. O futim (footing) era conhecido

como o vai e vem, na década de 40 e 50 na frente do grande

hotel, os meninos andavam para um lado e as meninas andam

para o outro e piscavam, era o flerte da época. E isso tudo me

interessou muito, ver que havia todo um passado invisível e não

registrado também de certa forma e esparso, porque eu até

encontrei em algumas dissertações em alguns livros, mas era

muito esparso e eu achei muito interessante essa possibilidade.

E eu estava até conversando com a Marisa sobre a minha

escolha do grupo de amostra, sobre essa questão de quem

entrevistar e eu acabei entrevistando a minha família, entrei em

um discurso muito grande sobre ética, sobre se isso era ético ou

não, mas conversando muito com o meu orientador, que essa

pesquisa foi feita sob orientação do professor doutor Sidney

Vieira da Universidade Federal de Pelotas, a gente chegou na

Page 4: VII Webconferência Transcrição

conclusão de que não teria nenhum problema, porque a gente ia

trabalhar com a categoria a paisagem, aquilo que era visto, então

a gente não ia entrar em questões subjetivas, nem em histórias

de vida, porque isso não poderia ter algum problema. E a gente

optou por esse grupo, então foram entrevistados oito indivíduos

da minha família voluntariamente, eu perguntei quem queria, os

mais velhos e os filhos, a faixa etária era de 70 a 80 anos dos

mais velhos e os mais novos de 40 a 50 anos. Então o que

aconteceu nessas entrevistas, em um primeiro momento eu tentei

entrevistar um por um, e o que eu escutei muito? Eu escutei

muito: Ahh não fala para sua tia, que ela vai saber te explicar

mais, eu lembro que era assim, mas eu não tenho certeza.

E aí o que eu notei, que as pessoas acabavam não

conseguindo desenvolver, conseguiam não falar muito, e eu notei

que se eu colocasse essas pessoas em grupo, foi o que fiz na

verdade, uma se apoiava na memória das outras e isso foi

incrível, porque aí além de se apoiar, uma lembrava de uma coisa

que lembrava outra e isso era fantástico, foi uma experiência

fantástica. E dessa forma, escutando as narrativas eu fui

podendo perceber nas lembranças narradas, as diversas

paisagens da avenida, as diversas coisas que se faziam lá, e eu

também percebi e fui notar a questão do patrimônio, como é que

o patrimônio se apresentava nessas narrativas e isso tudo para

mim foi muito interessante. Enfim, eu vou apresentar agora

impress para vocês, o que é mais ou menos um roteiro da minha

pesquisa que eu acho que assim a gente consegue visualizar

bem como é que ela foi construída e narrada depois.

Page 5: VII Webconferência Transcrição

Então aí está a apresentação da dissertação, para ter uma

melhor visualização eu coloquei um mapa para a gente pode ver,

quem não conhece ou quem não veio à Goiânia, a avenida Goiás

ela é essa avenida aqui, ela liga a praça cívica à antiga estação

ferroviária. Então a avenida Goiás ela foi projetada para ser o

norte-sul da composição urbana de Goiânia, então a história

dessa avenida, como eu disse foi uma das primeiras, ela se

confunde um pouco com a história da cidade, até porque ela foi a

avenida que era para ser o centro comercial da cidade. Então

aqui a gente vê imagens do satélite, ela corta o centro da cidade

que é essa região e numa ponta dela a gente tem o Palácio das

Esmeraldas que é o centro do nosso governo do estado e na

outra gente tem a praça do trabalhador e a antiga estação

ferroviária e a rodoviária ela fica por aqui, fica na mesma região,

ou seja para chegar na cidade a gente tinha que cortar a avenida

Goiás. Em outubro de 2003, acontece a obra de requalificação

paisagística que eu disse que eu vi acontecer e isso gerou um

grande impacto na paisagem da avenida e portanto, na região

central da cidade, porque a avenida Goiás, assim como a região

central era um lugar de marginalidade, era um local degradado e

era feio e ninguém gostava de ir no centro da cidade e o que eu

percebi como moradora foi que foi mudando, a avenida começou

a ser mais frequentada, os comércios mais valorizados e

comprovei isso estudando e com a pesquisa que realmente isso

aconteceu e essa obra ocorre depois que o acervo Art Déco foi

reconhecido como um patrimônio da nação. Então depois de

mais de 20 anos de abandono, porque a avenida ela passou por

Page 6: VII Webconferência Transcrição

vários processos de requalificação do espaço, só que desde o

último faziam uns vinte anos , então a gente vê que o processo

patrimonial ele fez com que o poder público quisesse chamasse

atenção para o espaço e requalifica-se, então ele fez essa obra

paisagística que da autoria do arquiteto Jesus Cheregati que ele

diz no projeto que tem como inspiração a avenida nos primeiros

tempo da cidade e aí gente foi atrás para ver tem até umas fotos,

que eu vou mostrar e essas constantes metamorfoses da

paisagens dessa avenida, somadas a essas histórias que eu

escutava, foram justamente os pontos de partida das reflexões

que eu vi nessa pesquisa. E aí disso tudo eu construi meu

problema, como o patrimônio cultural edificado dialoga com as

narrativas memoriais que apresentam como pano de fundo

paisagens de diversas temporalidade da Avenida Goiás?

Aí eu tive que como eu queria saber a relação da narrativa

memorial e o patrimônio, eu fui estudar o patrimônio, o que esses

bens me dizem e aí eu me foquei no Grande Hotel, na Torre do

Relógio e no Coreto que são os elementos que se encontram na

Avenida Goiás. Esse é o Grande Hotel (foto), essa é a Torre do

Relógio (foto), e esse é o Coreto (foto) ele fica perto da praça

cívica, inclusive no processo patrimonial ele é considerado

conjunto da praça cívica, mas eu tomei a liberdade e destaquei

ele e selecionei porque ele fica exatamente no fim da Avenida

Goiás.

A Paisagem Atual

A paisagem atual é essa tem os bancos, tem as pérgulas,

tem a vegetação, a gente tem alguns prédios que passaram por

Page 7: VII Webconferência Transcrição

um processo de restauro, mas eles já estão todos pichados que é

um problema que a gente tem no centro e a gente pode observar

uma forte presença do comércio ambulante, mas não como era

antes mais nos canteiros lindeiros, tinha a Praça do Bandeirante

que deu lugar para o eixo Anhanguera e ele subiu, e eu percebi

também estudando a história da Avenida que ela é muito forte em

relação às manifestações políticas, que é o caso, eu tenho aí nas

últimas duas fotos que é a parada LGBT, quando UEG estava em

crise teve as manifestações, inclusive a grande manifestação de

2013 que foi marcada em Goiânia, foi na Avenida Goiás. E

estudando mais e escutando as narrativas, a Praça dos

Bandeirantes também era um local de discussões intensas de

política durante a década de 50. E aqui a vem a citação do

Santos que eu gosto muito que é a paisagem é líquida, ela não é

dada para todo o sempre?? É um objeto de mudanças é o

resultado e adições e subtrações sucessivas, que é o que a

gente pode observar , a gente tem aí uma vista aérea da Avenida

Goiás da década de 30, que a gente encontra só o Grande Hotel

ao fundo que foi a primeira construção, ao lado tem os canteiros

da Avenida Goiás da década de 40 e na década de 50 na baixo,

e hoje está muito semelhante a essa foto da década de 50, foi aí

a inspiração dessa época que trouxeram para os dias atuais.

Nessa outra fotinha onde tem um ônibus e as lonas azuis, era da

minha infância quando eu tinha medo do lugar. Que era bem

isso, você não conseguia passar, você não aproveitava esses

canteiros centrais e era só comércio e ônibus, era bem agitado.

Page 8: VII Webconferência Transcrição

E aí nesse trabalho a gente entende patrimônio como uma

forma da abordagem da memória, mas a gente tem consciência

também que o discurso patrimonial ele reproduz a narrativa da

história oficial, privilegiando alguns elementos de tempo em

detrimentos de outros. No caso do processo ocorrido em Goiânia,

o quê que o acervo arquitetônico urbanístico Art Déco privilegia?

Privilegia a época da construção dos primeiros tempos da cidade,

quando a gente fala do acervo arquitetônico urbanístico Art Déco

não leva em conta as outras temporalidades, tem várias

construções da década de 60, 70 extremamente relevantes

arquitetonicamente e isso não foi levado em conta, justamente

pela característica, porque quando você se propõe um

tombamento nacional, tem que ter um significado para a nação

além de um significados regionais fazendo um estudo do dossiê,

eu percebi que o significado nacional e o valor se relacionam com

a época da volta das construções das cidades da marca Proeste

e da política do Getúlio Vargas, então Goiânia representa uma

forma de criar um novo momento de criação de cidades no país.

E, portanto, a também a Oste??? dizem algumas pesquisas que

eles dizem que Brasília foi possível , porque existia Goiânia,

porque para construir Goiânia o pessoal tinha que vir tudo de São

Paulo era a maior dificuldade e depois deu um suporte para a

construção de Brasília. Então a gente vê que a história que

evoca, é a história oficial dos primeiros tempos da cidade em um

nível regional. E o quê que significa a Art Déco? O Art Déco foi

um movimento artístico derivado da arte decorativa tem como

objetivo traços retos, a questão monumental sem grandes gastos

Page 9: VII Webconferência Transcrição

e o Déco foi uma das orientações arquitetônicas preferidas dos

estados totalitários , e aí a gente vê o governo do Getúlio Vargas

também, ou seja ele representa fortemente uma época, se a

gente for olhar em relação a nação e regional significa a vontade

de quebra com o passado, quando Pedro Ludovico resolveu

transferir a capital da cidade de Goiás para Goiânia, ele queria

que Goiânia representasse a modernidade e naquele momento a

modernidade era o Art Déco. Aqui a gente pode ver algumas

representações do Art Déco em filmes alemães como Metrópoles

que aquilo era o futuro, tanto que os prédios Déco em Goiânia

são poucos os que não são do poder público, que foram

construídos pelos governantes, a gente tem várias outras

orientações estilísticas que não entraram no tombamento até

porque nacionalmente, só o Art Déco não faz sentido.Aí a gente

vê a citação do Llorenç Prats que ele diz que a construção do

patrimônio cultural é um processo de legitimação simbólica das

ideologias que consiste na seleção de determinados bens a partir

de fontes de autoridade. Portanto nesse trabalho eu propus um

deslocamento de foco que pra além da memória oficial que

representa nesse tombamento ???? artístico urbanístico a gente

vai em busca de uma memória cotidiana da avenida, para isso eu

selecionei um grupo específico que é duas gerações de uma

mesma família. Aqui eu falo um pouco da metodologia, da

questão do levantamento bibliográfico, documental e das

entrevistas semi estruturadas, aqui tem uma outra citação de Bosi

que diz que cada geração tem de se sua cidade a memória de

acontecimentos que são pontos de amarração de sua história.

Page 10: VII Webconferência Transcrição

Então a geração representada por Lidoneta, Maricota, Helena,

Joaquim e Cacilda vive a avenida Goiás mais intensamente nas

décadas de 50 e 60 que é a época da juventude, que são a

maioria das narrativas dessas pessoas tem a ver com a época de

juventude delas. Já a geração de Eliane, Luciana e Cristiana nos

apresentou narrativas memoriais que se iniciam na década de 70

até os dias atuais que também é a época de infância e juventude

delas. Então nessa primeira etapa a gente tentou realizar a

entrevistas individuais, só que depois a gente viu que sempre

falavam Fulano tem melhor memória do que eu, então a gente

partiu para essas entrevistas dialógicas que eu chama, que foi

fantástico e aí a gente conseguiu muito material. Todos esses

dados, toda a documentação e como eu construi a minha

dissertação. Foi analisada sob o método progressivo regressivo

do Henri Lefebvre .O quê que é esse método? Se você para o

objeto no presente e descreveu o que você vê, vai ter uma parte

na minha dissertação que eu só descrevo a avenida Goiás como

ela é hoje, o que é realizado, o que as pessoas fazem nela , pra

quê que ela serve, o que ela representa hoje para a cidade e

como é a paisagem atual dela. Num segundo momento eu vou

para o passado, eu fiz toda pesquisa para entender como ela se

construiu, como as relações hoje que existem nela, as

contradições, como elas foram criadas, então eu só estudo o

passado, depois eu volto ao presente e relaciono o presente ao

passado, eu tento descobrir aonde de surgiram as coisas que

tem hoje e meu orientador me deu um exercício que foi na

verdade um desafio, que foi fazer uma projeção para o futuro.

Page 11: VII Webconferência Transcrição

Essa projeção para o futuro eu fiz com base em projetos que

estão em andamento, como o BRT que vai afetar a paisagem da

avenida, eu não consegui achar como porque no projeto ,disse

que a faixa da avenida Goiás está em estudo, o BRT é um

corredor de ônibus que passa direito específico para a avenida,

mas depende de estudo dessa parte, porque justamente eu

acredito que com o processo de tombamento eles não podem

modificar a largura dela, então eles estão em estudo nessa parte.

Outro projeto que eu coloco como algo que pode impactar a

avenida Goiás, é o processo de requalificação da praça Cívica

que já começou as obras e também vão requalificar a praça do

trabalhador que são as duas pontas dela, então eu acredito que

aí a gente pode ter impacto na paisagem da avenida. E aí nas

narrativas a gente vê coisas interessantes, a Luciana que hoje

tem 50 anos, ela disse: A nossa vida se resumiu aonde ? A

Avenida Goiás e Araguaia não é? Isso conversando comigo, com

a mãe e com as irmãs. Aí a Eliane ela vem e fala: A Avenida

Goiás representou muito na minha vida, em termos de emoção,

de sentimento, nossa vida girava em torno dela duas vezes por

semana, o tempo que eu passava lá na minha vó que a gente ia

passear o trajeto de chagar ao teatro Goiânia e nos cinemas tudo

era trajeto, tinha que obrigatoriamente passar pela Avenida Goiás

então era marcante. A Eliane é filha de Maricota, tem uma

senhora na foto, mais gordinha e de cabelo branquinho aí no

meio ela avó Clementina, ela era matriarca da família. Então até

mesmo os filho que moravam no interior iam para casa dela

todos os finais de semana. A Eliane é a neta da Clementina, aí

Page 12: VII Webconferência Transcrição

eu não vou ler tudo porque são muito grandes as narrativas, mas

algumas coisas se repetiram em várias entrevistas que a primeira

geração falou muito do futim (footing) que era esse vai e vem que

as mulheres iam flertar, que era a sorveteria da época e na

entrevista do homem surgiu o bar Royal, que era onde os

rapazes da época ficavam tomando cerveja. Também outra coisa

que apareceu de uma forma muito forte foi os desfiles e as

paradas cívicas, a segunda geração mais assistiu do que

participou, só que a primeira participou ativamente, porque

estudavam em escolas e os desfiles e as paradas cívicas eram ali

na região da Avenida Goiás. A feira Hippie que existe até hoje,

mas com uma característica mais industrializada vamos dizer

assim, na praça do trabalhador, ela começou na praça cívica e

passou grande parte do tempo na avenida Goiás, e aí a segunda

geração que viveu muito isso fala que lá tinha artesanato e era

hippie de verdade. E uma coisa fantástica que eu encontrei nas

narrativas foi a questão da rodovia quando se olhava para

Goiânia, via o que a Eliane chama de um bolo de noiva, que

eram os primeiros prédios da avenida Goiás, da cidade aliás, os

grandes prédios de quase de 3 , 4 metros subiram na avenida

Goiás. Ela disse que de longe ela via um bolinho de noiva, então

a gente pode notar a verticalização da paisagem da avenida

Goiás nas narrativas e a metamorfose da paisagem, que aí elas

falam da época que tinham um canteiro, depois tiraram o

canteiro, porque o canteiro central ele foi diminuindo de tamanho

várias vezes para as passagens de ônibus, e aí a gente vê isso

em várias narrativas cada uma falando de uma época específica,

Page 13: VII Webconferência Transcrição

e aí o que eu que conclui com isso, com essas narrativas que a

memória compartilhada da avenida está presente nas vozes do

escopo familiar, que por meio das memórias individuais nos

permitiram conhecer as paisagens, os espaços e as práticas dos

espaços que foram elaborados na avenida Goiás entre os anos

de 1950 e 1990, essas pessoas acompanharam tanto as

mudanças das paisagens, do espaço físico, quanto das

apropriações das práticas sócio culturais que ocorreram nos

espaços da avenida Goiás. E agora antes de falar um pouco do

desdobramento do processo patrimonial, eu vou falar um pouco

sobre como o patrimônio aparece nessas narrativas memoriais. E

é interessante que ele aparece, o Grande Hotel aparece, A Torre

do relógio aparece, mas nunca por um festa, porque quando eu

fui ler a memória dos fundadores da cidade e das pessoas

importantes da cidade que foram selecionadas assim, falavam

das grandes festa no Grande Hotel que foi só uma elite que

participou. Já não o que se falou no Grande Hotel que o futim

(footing) que era em frente ao Grande Hotel, o que se falou da

Torre do relógio , que se marcava o horário para se encontrar na

Torre do Relógio, então nada especificamente ligada à

arquitetura ou à forma de edificação, mas o que se fazia em

relação a edificação. O coreto tocava bandinhas de música ou

até era usada até mesmo para discursos políticos. Então dessa

forma como eu vi o patrimônio se relacionar com essas

narrativas.

E o desdobramento desse processo foi a requalificação

paisagístico que eu falei e o projeto cara limpa que tinha como

Page 14: VII Webconferência Transcrição

objetivo ressaltar os prédios que tivessem orientação Art Déco da

Avenida , ele acabou não sendo concluído, mas ele está ainda na

prefeitura. E o futuro que eu acho que são as coisas que vão

afetar de alguma forma, tem a requalificação da praça Cívica, a

restauração da antiga ferroviária, a VLT que é o veículo leve

sobre trilhos e o BRT que é o ônibus de transporte rápido. Enfim,

aqui tem a conclusão da dissertação que a memória patrimonial

ela revela nuances dos primeiros tempos da cidade, a ideologia

dos seus idealizadores e de seus construtores, já as narrativas

memoriais cotidianas nos permitiram acessar cicatrizes da

Avenida Goiás, sua historicidade e suas contradições, essas

testemunhas nos indicam que para além das formas físicas, o

espaço que foi praticado e apropriado de acordo com os arranjos

socioculturais de cada época, tentamos nesse trabalho

demonstrar as dimensões temporais de Goiás, a norma e

cotidianos por aqui abordados, projetos do passado e do

presente mudaram a morfologia e a dinâmica urbana, o futuro da

paisagem da avenida Goiás será determinado pela escolha

determinada no presente. Essas modificações serão realizadas

pelo poder público, conforme os seus interesses com base nos

seus próprios interesses e interesses do mercado, cabe à

sociedade civil se organizar para reivindicar e promover a

execução de projetos que sejam de seu interesse para melhorar

as condições de vida e garantir o acesso aos espaços da cidade,

principalmente aqueles que fazem parte da memória coletiva.

Então nesse dá pra ver muito claro a questão da rua, e do

espaço urbano, como parte da vida e da vida cotidiana e se a

Page 15: VII Webconferência Transcrição

sociedade civil não se organizar para dizer: Esse espaço pra mim

é importante afetivamente ou funcionalmente, o poder público ele

vai fazer. O patrimônio é extremamente importante,

principalmente nesse momento de reconstrução da cidade que a

gente está vivendo que dia e noite a gente vê prédios históricos

em Goiânia modernos ou modernistas sendo destruídos, porque

que os Déco que a gente tem hoje eles não foram ao chão?

Porque o tombamento dessa forma ele serviu, para poder

conservá-los ali e a questão que é muito importante a gente ver

que os valores que estão agregados aos objetos patrimoniais e

os valores que esses objetos tem para a população. E o alerta

que ficou muito grande na minha dissertação foi a questão de os

idosos serem os guardiões da nossa memória e de uma memória

que as vezes não foi registrada, e um memória que é uma outra

abordagem que é um outro ponto de vista sobre a história oficial.

Goiânia tem 81 anos, os nossos idosos que viram essa cidade,

as práticas da cidade, o que acontecia na cidade nos primeiros

tempos hoje estão falecendo e na minha própria pesquisa três

dos meus entrevistados da primeira geração faleceram antes de

eu conseguir concluir, ou seja se eu não tivesse feito essa

entrevista antes eu não teria esses dados aqui hoje. Então os

estudantes da história da cidade, fica esse alerta de vai fazer a

entrevista ? Faça logo e isso é extremamente importante porque

uma vez que essas vozes fiquem caladas a gente não vai

conseguir recuperar essa parte.

Questionamentos

Page 16: VII Webconferência Transcrição

Quais foram os desafios e as vantagens da pesquisa com

fontes orais?

Então, as vantagens é que as fontes você pode navegar

nesse passado conversando com a pessoas, você pode

perguntar o que você quiser para elas, que elas vão te falar e

isso não acontece com as outras fontes. As outras fontes você

vai saber aquilo que foi registrado, você tem muitas vantagens,

mas a questão é que sempre é complicado todo o processo da

entrevista, sempre você tem que aprender a conduzir, são várias

vezes que tem que ser feitas caso você não consiga fazer o

registro, talvez você não tenha uma segunda chance. E também

exige de você fazer uma análise posterior, eu optei por fazer uma

análise de conteúdo temático, eu separei a hora que todos

falavam sobre verticalização do espaço, quando falavam sobre

os estabelecimentos comerciais, eu separei em categorias mas

não foi tão difícil, foi bem prazeroso lidar com esses dados.

Qual foi a parte mais difícil do seu projeto?

A parte mais difícil foi a delimitação de fato do problema e a

escolha do método, foram as partes mais difíceis, porque eu fui

levantando e levantando material e depois eu não sabia muito

bem como organizar isso, mas aí eu conversei muito com meu

orientador e a gente chegou a um método Henri Lefebvre que foi

assim fantástico e eu consegui organizar meu trabalho, só que o

método sempre é complicado e a delimitação do tema, a

definição do objeto, então sempre antes de começar é muito bom

pesquisar bastante e tentar estruturar essa parte do trabalho,

Page 17: VII Webconferência Transcrição

porque depois você chegar lá na frente e ter pesquisado um

monte de coisa, e de repente você ter que voltar atrás, porque o

que você delimitou, você não explorou.

Com a revitalização da Av. Goiás o conceito de patrimônio

se perdeu para a população. Muitas pessoas veem o Coreto, o

Grande Hotel e a Torre do relógio apenas como elemento

decorativo. Como reverter esta situação?

Bom, primeiro é a questão da educação, porque as pessoas

não vão notar os objetos cotidianos se não houver alguém para

dizê-las. É interessante que o meu noivo morava em um setor

afastado do centro, quando ele começou a conviver comigo, eu

comecei a apontar para ele e ele começou a me falar: - Eu não

tinha percebido isso.

Então é essa mesma questão com a população é você

ensinar a enxergar, porque se não tiver ninguém para mostrar.

Ninguém vai ver, porque todo mundo toma a paisagem atual com

uma certa naturalidade, como se todos os elementos que

estavam lá sempre existiram não necessariamente como uma

história. Então é importante essa educação nesse caso, para

poder ter um valor patrimonial a de se educar para isso.

Achei interessante a questão da requalificação. Trabalho

com população em situação de rua e fiquei curiosa sobre a

retirada delas do espaço durante as requalificações no decorrer

do tempo. A pesquisa abarcou isso?

Page 18: VII Webconferência Transcrição

Não, aí já fugia muito do meu recorte. Mas uma coisa que

eu falo bastante, principalmente sobre a paisagem atual é que

por mais que agora requalificaram a paisagem, porque tem uma

parte dela da Paranaíba para cima, que ela é mais tranquila, da

Paranaíba para baixo até a estação ferroviária, a gente vê uma

situação de ambiente doméstico mesmo que os moradores de

rua continuam lá e as pontes de água servem inclusive para eles

tomarem banho. Então tem isso, mas eu não me aprofundei na

forma como foi retirado o comércio informal e tudo, eu sei que o

comércio informal passou para a avenida Paranaíba, eles

requalificaram também o espaço da avenida Paranaíba que corta

a avenida Goiás, mas eu não me aprofundei nessa questão.

Olá, em meu município estamos com um problema

parecido, pois a prefeitura está "modernizando" o centro da

cidade e assim mudando corredores arborizados e prédios

antigos. Neste ponto questiono como a comunidade goianiense

busca preservar os prédios e espaços históricos mesmo não

sendo Art Déco? Sua pesquisa flui sobre estes aspectos?

Bom na verdade não flui, mas de acordo com os meus

estudos a conclusão é essa a de se organizar a sociedade civil e

propor projetos e contestar projetos também por parte do poder

público. Porque a cidade ela não se faz, se for deixar na mão do

poder público, vai fazer o que está acontecendo, é importante

que a sociedade se organize e diga : - Olha isso é importante pra

gente.

Page 19: VII Webconferência Transcrição

É importante que a cidade se modernize, vamos dizer

assim, é importante porque a gente precisa adequar as formas

antigas às novas funções, faz parte do viver na cidade, essa

reconstrução da cidade, mas há determinados elementos que

cabe a sociedade virar e falar: - Olha, a gente prefere que o

trânsito seja mais lento, mas a gente quer conservar essa casa,

então eu não entro muito nisso na dissertação só que eu vi o

quanto é importante a questão da organização da cidade civil,

para reivindicar a permanência de certos espaços da cidade.

As etapas da pesquisa foram programadas ou foi surgindo

conforme o trabalho?

Bom, elas foram surgindo na verdade.Eu tinha um

cronograma, mas esse cronograma acabou virando outra coisa,

então elas foram surgindo, que não é a forma adequada, mas foi

assim que ela foi construída.

Ao apresentar sua dissertação, há uma aparência de

tranquilidade no processo de pesquisa. Quanto tempo foi preciso

para fazer toda a pesquisa? Quando você começou essa

pesquisa?

Eu comecei a pesquisa em 2010. Então eu tive bastante

tempo para amadurecer as questões, eu me perdi bastante, foi

uma pesquisa muito difícil de ser concluída , mas no final das

contas o tempo que eu ganhei, que eu perdi na verdade, mas que

eu ganhei foi muito importante, porque eu tinha um bom tempo

para ler, para refletir, para rever várias vezes a questão do

Page 20: VII Webconferência Transcrição

método e tudo isso. Então eu tive uns 3 anos para poder fazer

essa pesquisa.

Parece-me que a Avenida Goiás e sua história retrataram o

baixo nível de participação da sociedade nos processos

decisórios das políticas públicas. Certamente, em razão do

autoritarismo e da aristocracia nacional conhecidos. Algum

entrevistado reclamou essa situação em que os mesmos ficaram

alheios às mudanças?

Na verdade os mais idosos sempre tem uma resistência

muito grande, quanto às modificações, então a maioria das

pessoas não sabia que houve o processo de patrimonialização,

sendo que já faziam quase 10 anos. Os idosos sempre reclamam

mas em nenhum momento tocou nessa parte, eu acho que agora

que está despertando a consciência de que o coletivo pode

contribuir nas decisões em relações as formas da cidade. Acho

que até então os meus entrevistados não demonstraram um

descontentamento em relação das contrariedades e das

contradições.

Daniele, você ressaltou a necessidade da memória,

principalmente dos idosos, a oralidade, você considera que falta

a memória em outros documentos, como escritos, por exemplo?

Não, de certa forma documentos escritos eles também são

a memória, a questão é onde você busca esses documentos,

porque que eles foram escritos, então a gente tem um tipo de

memória, no caso se você for procurar nos documentos oficiais

Page 21: VII Webconferência Transcrição

você vai encontrar a memória oficial. Então a gente tem que

pensar que a nós temos uma abundância de pontos de vista dos

mesmos tempos, então aí a gente tem diversidade de memórias.

No meu caso,eu quis procurar a memória cotidiana, então eu

pesquisei moradores comuns, mas eu sinto que tem poucas

pesquisas que trabalham com esse tipo de público, que são os

moradores comuns, eu vi muito sobre relato de memória dos

fundadores e das pessoas importantes da cidade, mas eu sobre

os moradores comuns que viveram em outros lugares ou até em

outras regiões sem ser o centro da cidade, eu quase não

encontrei. Então eu acho que a gente precisa muito disso, de

pesquisas que explorem as memórias desses moradores

comuns.

Concordo quanto a Educação ser fundamental para reverter

uma situação. Mas ainda assim continuo a questionar como

trabalhar esta educação em forma de ação educativa, ou não

seria um projeto educacional direcionada as escolas públicas?

Pois infelizmente, o centro urbano de Goiânia é utilizado como

meio de locomoção e as pessoas não tem tempo para apreciar e

"ser educada". Como transformar esta realidade?

Então, é através de projetos mesmo. Eu vejo assim,

projetos voltados para a educação pública mesmo e um incentivo

a esses alunos buscarem os pais, os avós, os mais velhos para

poder fazer esse tipo de trabalho que é a integração da escola e

da comunidade, porque se a gente coloca o passado em uma

posição de valor, agente vai colocar os idosos também nessa

Page 22: VII Webconferência Transcrição

posição de valor, porque eles veem perdendo o espaço na

sociedade. Porque todo mundo quer saber o que está

acontecendo hoje das inovações tecnológicas e tudo e se você

deixa de querer saber do passado aquela lembrança do seu avô,

não vai fazer o mínimo de sentido para você. Então é uma forma

de até mesmo devolver o espaço do idoso, porque o idoso ele

era a fonte da sabedoria, a fonte do conhecimento, antes do

conhecimento ser tão fácil como é agora clica o mouse e está no

Google, eles eram os guardiões do passado, então eu acho que

é um processo que envolva a família e a comunidade e que

ensinem os alunos a conversarem com os avós. É assim que eu

enxergo uma possibilidade.

Você disse que em um certo momento da pesquisa,

percebeu que as entrevistas individuais eram mais difíceis do que

tentar trabalhar com os coletivos( memórias coletivas). Essa

mudança alterou algo no decorrer do seu trabalho?

Então, alterou para melhor porque alguns dos entrevistados

realmente não conseguiam individualmente só comigo, falar

alguma coisa, eles falavam: - Ahh mas eu não lembro isso.

- Fala com fulana que ela vai falar melhor.

Quando eu reuni todo mundo, lógico que eu tive que por quatro

pessoas ou três, porque até iria ficar difícil fazer a transcrição,

surgia assunto demais, porque não lembrava a mesma coisa que

o outro, um lembrava de uma forma, outro discutia falava que era

de outra forma, então aí um comentava, vamos dizer assim a

narrativa do outro, a memória era estimulada, o processo de

Page 23: VII Webconferência Transcrição

lembrar de estimular parece que era estimulado quando a gente

colocava um interlocutor que viveu a mesma época daquela

pessoa.

Tive dificuldades, mas gostaria de agradecer por

compartilhar conosco, professora. Na sua pesquisa sentiu uma

resistência a modernidade vindas das pessoas que vieram da

antiga capital?

Essa parte de qual foi a recepção das pessoas que vieram

da antiga para essa, isso não foi abordado e não apareceu.

Professora você considera Goiânia como símbolo do

Patrimônio goiano. Sendo que, o primeiro documento científico

refere-se a Igreja Nossa senhora do Rosário dos pretos em

Pirenópolis – IPAHN.

Não e aí está acontecendo uma confusão. No meu trabalho

eu utilizo o patrimônio edificado em Goiânia, porque o meu

recorte é Goiânia. Eu estudo especificamente esse acervo de

Goiânia por causa do recorte, não considero como sendo um

símbolo do patrimônio, o nosso patrimônio é muito diverso.

Na sua opinião, qual modelo de política pública que deu

certo e que poderia ser seguida por outros estados no que tange

a questão patrimonial de Goiás?

Bom eu não sei dizer. Porque cada região tem suas

especificidades, então o que deu certo em outras, talvez não

daria certo aqui. Eu acredito que tem que desenvolver uma

Page 24: VII Webconferência Transcrição

política pública com os moradores, eu acho que esse tipo de

política é que dá certo na verdade, que os moradores fazem

parte.

Daniele, no caso de modificação drástica da paisagem

original memorável, em desarmonia com os efeitos do

tombamento, como a população poderia interferir junto ao Poder

Público evitando que essa "revitalização" perca as referências,

em vez de preservá-las? A realidade da maioria dos municípios

brasileiros é que os programas de revitalização de sítios

históricos estão indo na contramão da preservação patrimonial,

justamente, dentre outros fatores, por causa da baixa

participação social na construção dessas políticas públicas.

Como reverter esse processo?

É bem complexo, mas eu acredito que tudo começa nas

associações de bairro, que é uma coisa bem difícil de ter nas

grandes cidades, onde as pessoas estão sempre ocupadas e

distantes umas das outras e conhecer também a questão

burocrática de projetos, conhecer como que é feita a gestão das

cidades e aí a gente entra na questão de participação política do

povo. Porque há um conselhos nas cidades e é só buscar essas

pessoas, por isso que é muito complexo de dizer qual política

pública, mas eu acho que aquela que começa no bairro, o que eu

encontrei pessoalmente foi estudar a questão de editais de

cultura, saber como faz para fazer projetos, saber como faz para

intervir, é entender a parte burocrática na verdade, e a partir

disso você consegue construir alguma coisa.

Page 25: VII Webconferência Transcrição

Olá Danielle, tendo em vista as suas pesquisas você

conseguiu identificar ou não se a população goiana consegue

identificar a importância e o valor dos patrimônios culturais do

centro da cidade de Goiânia ou como acham que são meros

enfeites para a paisagem de Goiânia?

Na verdade é engraçado, porque não há uma reflexão sobre

isso, há aquilo as pessoas sabiam que existia desde sempre,

algumas pessoas sabem que aquilo é de alguma forma valioso,

porque é história é antigo, porque a palavra é essa. Mas não

entendem muito bem por que. Aí que volta e eu vou bater na

mesma tecla, que é a questão da falta de memória no sentido da

memória dos mais antigos, que é a falta de você ter um diálogo

com o seu avô, para perguntar e ele te falar. Porque eu só

comecei a ter esse olhar em relação a avenida, uma olhar sobre

o passado o passado da avenida, porque eu tive quem me falar,

me contar essa história desde que eu era criança que era a

minha tia-avó. E eu andava com ela no centro e ela falava:

- Olha aqui antes eu usava para fazer o vai e vem, ali era a

única sorveteria que tinha.

Então porque eu tive alguém para me abrir esse olhar, que

eu consegui enxergar, então é isso que acontece com essas

outras pessoas, a gente não tem alguém para direcionar o olhar.

Então eu vejo que a maioria das pessoas realmente não sabem,

se bem que agora parece que a questão do Art Déco ela explodiu

tanto que qualquer jornal que eu abro, eles falam que a casa é

Art Déco, muitas vezes a casa nem é Art Déco, mas eles falam

que é Art Déco, porque eles tem como referência esse precesso

Page 26: VII Webconferência Transcrição

de tombamento ocorrido em 2002. Mas o que eu noto nisso? Eu

noto que agora a consciência patrimonial está chegando nos

jovens e é importante, eu acho que pelos meios de comunicação,

pelas redes sociais a gente consegue divulgar e dessa forma, os

nossos amigos também vão tomando consciência dessa

valorização.

Há Conselhos, Comissões, Comitês para que a sociedade

fiscalize, ajude a planejar e monitore políticas públicas. Ex.:

comitê gestor das políticas para a população em situação de rua,

saúde, assistência social, etc. Você conhece algo do gênero para

que a sociedade civil intervenha nas questões que você bem

apontou?

Não aqui em Goiânia não. Na verdade seria importante a

gente ter o órgão de patrimônio como Pernambuco tem que é um

órgão regional do Recife, por exemplo, forte. Aqui a gente tem as

divisões de patrimônio só que sempre elas são muito

abandonadas e muito deixadas de lado, era algo como esse

departamento tanto estadual quanto municipal, que a sociedade

poderia ter esse diálogo, mas aqui no estado ainda não é uma

realidade, os próprios departamentos eles existem mas não são

muito atuantes, por falta de pessoal qualificado e por falta de

verba, então eu não vejo um órgão assim aqui em Goiânia que a

gente possa dialogar.

E você conversou com muitos moradores para fazer esse

trabalho?

Page 27: VII Webconferência Transcrição

Não na verdade não. Eu conversei inevitavelmente com

amigos, com o resto da família, mas como a minha pesquisa era

qualitativa eu tive que fazer um recorte com poucas pessoas,

porque senão eu teria um trabalho de anos, então eu acabei que

conversei se for pensar nessa parte não formal do trabalho,

conversei até que razoavelmente.

Professora o que acha que seu trabalho mudou e mudará

em relação à cidade e história e vida das pessoas que convivem

neste local?

Bom o meu trabalho ele dá esse direcionamento de olhar

que eu acredito que é necessário, até pra você saber porque que

as coisas são como elas são, então para você poder andar na

cidade e entender porque a avenida tem aquele formato hoje.E

ela pode virar e eu já estou estudando a possibilidade dela virar

material didático, a partir desse trabalho e também a questão do

alerta para as memórias dos mais idosos, porque eu acho que

isso é a chave pra gente descobrir muita coisa que não descobriu

e a importância da ocupação do espaço urbano, que foi algo que

eu explorei menos nessa fala minha, mas é porque são várias

coisas na dissertação e ela é bem extensa e é um dos viés,

porque a rua é um espaço essencialmente democrático, ela é um

espaço de transição de um lugar entre o outro, então a rua é um

ambiente que gera lembranças, portanto ela é nossa e a gente

que tem que decidir como ocupar ela, que é essa a questão de

ocupação da rua que eu acho que é importante, porque eu vejo a

rua, a avenida Goiás totalmente abandonada e é um espaço para

Page 28: VII Webconferência Transcrição

realizações, é um espaço para a sociedade, é um espaço para as

reivindicações, é um espaço para as manifestações artísticas e

nem sempre isso é explorado e isso tem muito a ver com a

questão da segurança pública. Então aí da questão da ocupação

da rua a gente consegue levantar uma série de discussões

também.

Parabéns, Danielle, pela apresentação e pelo trabalho. Meu

questionamento remete a este embate entre Estado e Sociedade

em questões patrimoniais urbanistas. Parece que o Estado não

representa os interesses da Sociedade. Parece que a luta entre

ambos é constante e contínua e o Estado não tende em muitos

casos a servir os interesses sociais. Na sua opinião, como a

participação social pode enfrentar esta "representação negativa"

que não valoriza a educação patrimonial e cultutural como um

todo? Obrigado!

Então mais uma vez é a questão da união, eu achoq eu a

única forma é a gente começar a unir com os nossos amigos, as

nossas redes, o nosso bairro eu acho que o que falta é

exatamente isso. E uma força grande, se unir com forças políticas

também que isso é importante e a gente não pode esquecer que

gente vive em uma cidade política e a gente tem que se envolver

com a política. Eu vejo muitas iniciativas que são independentes,

mas iniciativas independentes se não tiver alguém que está

dentro do governo para poder ajudar, elas não vão elas param

onde começaram na verdade. Então tem que ter uma união das

Page 29: VII Webconferência Transcrição

pessoas em forma de associação, uma pessoa jurídica de fato e

incomodar os políticos eu acho que é a única forma.

Em algum momento de sua pesquisa ocorreram

divergencias significativas entre as narrativas cotidianas

pesquisadas por você em seu trabalho de pesquisa e os relatos

ditos como históricos obtidos dos fundadores de Goiânia e

documentos . Outro ponto. Ao estudarmos a história da

construção de Goiânia vemos a existência de uma primeira rua

onde ficavam os trabalhadores da construção, questiono nas

lembranças das memórias por você pesquisada se há algum

relato ou mesmo referente a estes trabalhadores e seus

destinos?

Sobre o bairro popular, enfim esse é outro recorte que eu

fiquei muito interessada em explorar mas eu não pude, porque já

estava bem extenso o meu trabalho, mas eu tomo a Avenida

Goiás como a primeira rua oficial, mas eu tenho consciência

dessas outras ruas formadas por esses trabalhadores, eu acabei

não explorando essa parte mas eu acho um trabalho super rico.

Eu acredito que são um bem eu vou dizer que isso é

extremamente necessário, houve até um processo de demolição

nessa região do bairro popular que foi para construir o

estacionamento do Mutirama, que é outra parte totalmente que

não está nos livros históricos da nossa cidade que é

extremamente importante e a gente tem construções

extremamente antigas. Já o grupo específico que eu pesquisei

ele vivia abaixo Paranaíba, porque no nosso mapa ele tem a

Page 30: VII Webconferência Transcrição

Goiás e a Paranaíba, acima que é a Paranaíba à Praça Cívica

era o local comercial onde vivia as pessoas mais ricas, que era

onde até as casas da rua 20 que eram as primeiras casas

residenciais construídas oficialmente e abaixo era o onde morava

o pessoal do bairro popular e a minha família, que é essa família

que eu pesquisei ela estava ali abaixo da Paranaíba, mas ela não

chegava ali tão próxima da estação ferroviária, que era o setor

industrial e eles eram de fora, eles vieram de Morrinhos para

Goiânia, eles tinham uma situação de classe média, então eu não

consegui pegar esse relato dos trabalhadores de fato de Goiânia,

não estava no meu recorte. Em relações às contradições o

engraçado é que não, eu não consegui encontrar, até porque eu

não encontrei nenhuma pesquisa ou nenhum documento que

fosse extenso sobre a modificação da paisagem, então as

pessoas não conseguiam localizar exatamente o que elas

estavam me relatando. Elas conseguiam lembrar: - Porque na

época de 70 era assim, assim, assim...

E isso me ajudou a pesquisar inclusive ir nos arquivos e

encontrar coisas e eu nunca encontrei muitas diferenças e

discrepâncias nos documentos oficiais com as narrativas não.

Daniele, você coloca que a Politica pública com os

moradores seria a resposta para a valorização do patrimônio.

Mas na realidade observamos um abandono público na Torre do

Relógio e até mesmo uma inexistência do Coreto(passam por ele

como se fosse uma placa de trânsito). Qual tem sido a postura do

mundo academico diante de tanto abandono? Já que a

Page 31: VII Webconferência Transcrição

Secretaria da Educação se tornou responsável também pela

Secretaria da Cultura. Como sermos copiados por outros

estados?

Essa é uma pergunta que eu não tenho a mínima ideia na

verdade, porque a gente não tem política pública formatada e aí a

gente confusões entre as secretarias, então eu não sei como

esse governo, qual é o programa desse novo governo e dessa

nova forma de secretaria para o patrimônio em si. Realmente a

gente tem uma situação de abandono por parte do poder público,

a gente tem uma situação de inconsciência da população quanto

a importância desses bens e vamos ver o que vai acontecer. E eu

estou esperando para ver quais são essas novas políticas,

porque a gente sempre passa pela Secretaria de Cultura e não

consegue por enquanto, esse é um grande problema que u vejo

nas políticas públicas de patrimônio, que eu acho que é o mesmo

problema de qualquer outra política pública de qualquer outro

setor que é a questão da descontinuidade do governo, vem um

governo e propõe uma série de projetos em uma área específica

e depois descontinuou. Por exemplo, o processo de

requalificação que foi feito na avenida, ele só foi feito a primeira

etapa, a primeira etapa era fazer um canteiro central, a segunda

etapa era fazer os canteiros lindeiros. Nos canteiros dos lados

iam colocar em áreas específicas que foram reservadas no

canteiro central e isso nunca aconteceu, porque trocou de

governo e de partido e a gente teve uma descontinuação dessa

política. Então a gente nunca sabe o que pode acontecer.

Page 32: VII Webconferência Transcrição

Como ficou a relação da cidade com sua proposta de

trabalho?

Esse trabalho ele não foi levado muito à público aqui em

Goiânia, porque ele foi todo desenvolvido na Universidade

Federal de Pelotas que foi uma vantagem, porque eu pude

explorar várias nuances da cidade sem ter uma delimitação, sem

ter ninguém para me parar, mas também foi um problema porque

eu não entrei em questões mais profundas, por não ter

interlocutores que conhecessem a história da cidade, mas eu

pretendo de agora para frente divulgar mais e vamos ver o que

os órgãos responsáveis dizem sobre isso.

Você falou que abordou apenas alguns aspectos aqui. No

trabalho você aborda também algo relacionado à arte urbana?

Existem manifestações de cultura visual nessa linha na Avenida?

Eu não abordo porque o recorte não permitiu, só que é uma

das coisas que andam acontecendo, inclusive depois que eu

havia terminado a minha dissertação, eles fizeram a galeria

aberta na Avenida Goiás, que foi pintando as portas do comércio.

Eu vejo isso como extremamente positivo, há alguns que acham

que isso atrapalha na paisagem do patrimônio que existe

edificado. Eu já acho que tem que ter vida e a arte de rua é vida,

é atual arte, a gente não pode querer conservar só uma

contemporalidade, tem um projeto que diz que apagar os prédios,

de outros templos de outras orientações com cores neutras, pata

poder ressaltar os prédio em Art Déco, eu não concordo porque

eu acho que as nossa memórias e os nossos patrimônios não

Page 33: VII Webconferência Transcrição

deve congelar um tempo e uma coisa específica.Então para mim

essa manifestação de arte urbana é extremamente importante

para a nossa cidade e é também um registro histórico.

Como você observou nos discursos dos entrevistados aquilo

que derivava da memória e o que respectivamente poderíamos

caracterizar como “imaginação criativa”, “ilusória” de um

passado? Você levou essa hipótese em consideração ao analisar

os áudios coletivos, como lidou com esse desafio? Parabéns

pela pesquisa.

Obrigada e sim é uma preocupação que a gente sempre

tem quando lida com arte dos memoriais é a questão da verdade,

não é todo mundo que se prende no que exatamente aconteceu,

só que como eu estava trabalhando com uma questão da

paisagem, de memória da paisagem eu não tive esse problema,

porque eu tinha ali era que as vezes as pessoas se confundiam

com datas, mas isso com outras pessoas se resolvia rápido,

porque a pessoa falava a outra já questionava e eles já entravam

em um acordo e quando eu ia comparar com o documento oficial

eu acabava realmente a referência de determinadas coisas,

então pela minha escolha e do meu recorte específico do que

analisar nessas narrativas eu não tive esses problemas, porque

se fosse talvez história de vida, podia vir algum fato ou outro que

na verdade veio da imaginação, mas no caso de trabalhar com

objetividade que é a paisagem, com o que era visto e com o que

acontecia eu não tive grandes problemas, até porque eu me

Page 34: VII Webconferência Transcrição

apoiei nos documentos e na fala das outras pessoas também,

então isso ajudou também no processo.

nas pesquisas que ja fiz em minha cidade percebi que a rua

tinha um valor diferente de hoje, seu simbolismo é diferente de

hoje " todos que moravam nas cidades queriam estar o mais

próximos da rua era um local de socialização" hoje as ruas de

antes tem um caráter mais comercial visando o comércio, em

seu trabalho percebeu esta mudança também?

Sim, porque a rua era o local de socialização, as pessoas

iam pra rua para conversar, para encontrar as pessoas, hoje as

ruas e principalmente as grandes avenidas elas são lugar de

trocas comerciais,eu acredito que isso seja herança grande da

ditadura militar que as pessoas não podiam se encontrar na rua.

Rua era lugar de circular e não de ficar conversando, então acho

que até por uma questão histórica a relação das pessoas com a

rua mudou, só que no nosso atual contexto de democracia a

gente pode assim dize, a gente pode recuperar um pouco desse

significa que era de encontro antes e não só de trajeto.

Obrigada Danielle pelo esclarecimento. Você fala sobre a

busca e o resgate da memória coletiva de pessoas mais idosas

que vivenciaram a historiedade dos nossos patrimônios, mas

observando que cada vez mais as pessoas não tem esse tipo de

diálogo, devido a inserção e das tecnologias e suas ferramentas

que intermediam as mais diversas relações sociais. Você acha

que as políticas públicas e os projetos realizados atualmente

Page 35: VII Webconferência Transcrição

estão caminhando de mãos dadas com essas novas tecnologias

ou elas se constituem como novas barreiras para a

conscientização do cidadão goiano?

Eu acho que na verdade elas são mais uma ferramenta para

a conscientização, eu acho que usadas da forma correta, não sei

se tem uma forma correta, as coisas influenciam nas questões a

partir da forma que você as usa. Então hoje eu acho que vendo

pela minha experiência , as redes sociais ela estão sendo até

úteis nessas questões de patrimônio, por exemplo, tem uma casa

moderna que foi demolida que minha amiga me avisou pelo

telefone a gente postou pelo facebook e já surgiu uma série de

pessoas reclamando, então a gente vê que como mais um

instrumento de união social. A gente tem que se adaptar as

novas tecnologias que usar elas para os fins que a gente acredite

serem corretos, então eu acho que não é uma barreira e usada

da forma certa é mais um meio de educação e conscientização.

Você acredita que antigamente as pessoas eram mais

unidas e por que hoje o corre corre da vida as pessoas se

afastam umas das outras e atrapalha na memória e na

construção de um mundo melhor?

Eu acho que isso é o que nós temos colocado, os tempos

são outros, antes a gente vê que as famílias elas passavam mais

tempo juntas e tudo isso, hoje a nossa realidade já é a realidade

do corre corre, do aceleramento do tempo, menos tempo para

estar com as pessoas e aí a gente tem as ferramentas

tecnológicas e a internet que nessa separação, também é uma

Page 36: VII Webconferência Transcrição

forma da gente estar em contato. Na verdade eu não posso dizer

que a gente está construindo mundo melhor e como isso afeta na

memória, eu acho que isso até seria um campo de estudo

interessante.