VIII Seminário Nacional Sociologia ... -...
Transcript of VIII Seminário Nacional Sociologia ... -...
VIII Seminário Nacional Sociologia & Política
Maio, 2017, Curitiba
Grupo de Trabalho - 13
Interrupção de mandatos presidenciais e o fortalecimento do modelo neoliberal – o caso do
Brasil
Interrupção de mandatos presidenciais e o fortalecimento do modelo neoliberal – o caso do
Brasil
Vanessa Cristhina Zorek Daniel1
Resumo: Nos anos recentes a política latino-americana foi marcada por vitórias políticas de
partidos de esquerda e forças progressistas. Esse fenômeno chama a atenção pela história política
pregressa latino-americana, marcada por governos oligárquicos, ditaduras militares e governos
democráticos conservadores (SILVA,2015). Com a chegada desses novos governos ao poder,
houve a criação de políticas que pretendiam manter o neoliberalismo de modo flexibilizado,
dando atenção a algumas áreas através de políticas sociais (SADER, 2009). Ao longo dos
governos progressistas latino americanos houveram contínuos conflitos entre as elites políticas
conservadoras e os presidentes “progressistas”, os quais geraram crises e instabilidade
presidencial culminando em quedas presidenciais, mas não em quedas do regime democrático. O
intuito deste artigo é discutir o processo do crescimento da Direita na América Latina com foco no
caso Brasileiro, buscando mostrar que o cenário político nacional faz parte de um ciclo político
mais amplo, no qual a Direita ganhou espaço através das vitórias eleitorais de políticos com
discursos de cunho neoliberal na ordem econômica, e conservador na ordem comportamental,
como também através de governos não eleitos que passaram a substituir presidências
interrompidas através do processo de impeachment.
Palavras-chave: Presidências interrompidas, América Latina, Direita, Neoliberalismo
Nos anos recentes a política latino-americana foi marcada por vitórias políticas de
partidos de esquerda e forças progressistas em muitos governos da região. Iniciando-se com a
vitória política de Hugo Chávez na Venezuela em 1998, pelo partido Movimento V Republica
(MVR). Logo, em seguida, em 2000, Ricardo Lagos, do Partido Socialista do Chile (PSCh)
chega ao poder através da Concertación para la Democracia. No Brasil, em 2002, Luiz Inácio
1 Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteiras
pela Unioeste e graduada em Sociologia e Ciência Política Pela Unila.
Lula da Silva, do Partido dos
Trabalhadores (PT), na sequência, Nestor Kirchner resgata a tradição peronista e elege-se,
2003, na Argentina. Outro líder de esquerda, Tabaré Vázquez, da Frente Ampla (FA), foi
eleito em 2004 no Uruguai. Em 2005, o líder do movimento cocaleiro Evo Morales,
representante do Partido Movimento ao Socialismo (MAS) venceu as eleições na Bolívia. Em
2006, no Equador Rafael Correa, fundador do movimento Pátria Altiva e Soberana (PAIS.
Também em 2006, Daniel Ortega se elegeu pela Frente Sandinista de Libertação Nacional
(FSLN) na Nicarágua. No Paraguai, Fernando Lugo, elegeu-se através de uma aliança política
formada por movimentos sociais e sindicatos, denominado Alianza Patriótica por el Cambio
(APC). Em 2009, Mauricio Funes, da Frente Farabundo Martí para a libertação Nacional
(FMLN) é eleito em El Salvador.
Essa tendência política foi denominada por Silva (2014) de “onda rosa” latino-
americana, essa expressão busca demonstrar a ideia de uma não radicalidade em relação às
esquerdas, pois as políticas concretas das esquerdas latino-americanas contemporâneas não são
revolucionárias, se comparadas a momentos anteriores das esquerdas. A história política
pregressa latino-americana, é marcada por governos oligárquicos, ditaduras militares e governos
democráticos conservadores (SILVA,2015). Com a chegada desses novos governos ao poder,
houve por parte dos líderes representantes a criação de políticas que pretendiam manter o
neoliberalismo de modo flexibilizado, dando atenção a algumas áreas através de políticas
sociais, buscando uma integração econômica entre os países latino-americanos através de
instituições como: Mercosul, Unasul, e a Celac, além de outras alianças como exemplo da
Petrocaribe, que mostra um perfil mais solidário, no sentido de dar preferência comercial aos
países da região (SADER, 2009).
Sobre esse ciclo no qual a América Latina com os governos de cunho progressistas,
como Brasil, Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia e Uruguai promoveram diversas
reformas sociais muito importantes, as quais foram responsáveis por diminuir principalmente
a pobreza e as desigualdades sociais, passou nos último anos a ter um enfraquecimento nesse
sentido. Isso se deu principalmente em decorrencia da diminuição do preço do petróleo e com
um recúo no preço dos commodities, desencadeando uma desaceleração mundial, o que
impactou de forma negativa as economia dos países latinoamericanos. Neste sentido a Cepal
aponta quem em 2014 os paises da América Latina tiveram a menor taxa de crescimento em
cinco anos. Esse cenário recente favoreceu o crescimento da Direita na América Latina e
governos neoliberais. As quais podem ser observadas pela vitória de Macri na Argentina, os
golpes parlamentares em Honduras e no Paraguai, o crescimento da direita nas eleições
munipais no Equador em 2014, e a retirada da presidenta Dilma Roussef no Brasil em 2016
através de impeachment (LISBOA & CAMARGO, 2016, p.27-28).
Nesse sentindo o que nos chama a atenção nesse processo de esgotamento do ciclo
progressista e crescimento da Direita a frente de governos latino-americanos é o processo de
interrupções de presidências. O que nos leva a observar o paradoxo do surgimento de
democracias estáveis em governos presidenciais instáveis (LIÑÁN, 2008, 2007; SAMUELS &
HOCHSTETLER, 2011).
Após o período de redemocratização na América Latina na década de 1980, passou
a ser observado novos acontecimentos, a repetição do fenômeno da saída de presidentes antes
do fim do mandato (com ou sem julgamento político), como aconteceu por exemplo na
Bolívia em 1985 no governo de Hernán Siles Zuazo; na Argentina,1989 no governo de Raúl
Afonsín; no Brasil, 1992 com Fernando Collor de Mello; com Jorge Serrano na Guatemala,
1993; com Carlos Andrés Pérez na Venezuela em 1993, no governo de Joaquín Balaguer
na República Dominicana em 1996; Abdalá Ortiz no Equador em 1997; Raúl Cubas no
Paraguai, 1999; Jamil Mahuad no Equador em 2000, Alberto Fujimori no Peru em 2000;
Fernando de la Rúa na Argentina, 2001; Gonzalo Sánchez de Lozada, Bolívia em 2003;
Lucio Gutiérrez no Equador em 2005 (LIÑAN,2008) e ainda a queda do presidente
Manuel Zelaya em Honduras, 2009; Fernando Lugo no Paraguai, 2012; Dilma Rousseff no
Brasil, 2016.
Estes episódios que colocaram fim em presidências, mas deram continuidade ao modelo de
governo democrático, é para Liñán (2007, p. 3) consequência do momento histórico que
vivemos, e as lições aprendidas com as experiências das ditaduras militares nas décadas de
1960 e 1970, e o alto custo das pressões internacionais contra o autoritarismo. Desta forma
as elites civis não podem invocar os militares para intervir como meio para destituição
presidencial, assim o impeachment se tornou um dos principais mecanismos para deslocar
presidentes “indesejáveis” sem se colocar contra a ordem constitucional. Esses processos
contra a permanência de presidentes se dá geralmente quando existe uma tensão entre o chefe
do executivo e o legislativo; e que pode ser intensificado pela pressão das ruas, principalmente
quando a população passa a encarar o presidente como um do s principais responsáveis pelos
problemas na nação; desta forma a combinação destes dois pontos pode culminar no fim
prematuro de um mandato presidencial (Coelho, 2014).
Alguns conceitos foram cunhados para se referirem a tais fenômenos como o
desenvolvido por Liñan (2008) que utiliza o t e rmo “remoção de presidente”; Ollier (2008),
“instabilidade presidencial”; e “presidências interrompidas” por Valenzuela (2008). Seriam
várias denominações que expressam o mesmo fenômeno, nos quais os presidentes são
afastados do poder “ajenos a su voluntad ” (LIÑÁN, 2008, p. 107).
Os mandatos presidenciais interrompidos na América Latina, são frutos da tensão
institucional, principalmente entre o presidente e o Congresso (LIÑÁN, 2008; NEGRETTO,
2006). Para Ollier (2008) as instabilidades presidenciais são características de democracias de
baixa institucionalização, quando estas atravessam situações críticas, e possuem um presidente
com uma fraca liderança, sem recursos que lhe permita exercer uma forma de poder
concentrado; as chances de destituição do líder aumenta m, principalmente quando a oposição
se percebe com condições de ser sucessora.
Os casos recentes de quedas presidenciais na América Latina ocorreram em Honduras,
com a re t i rada do pres idente Manuel Zelaya2(2009), no Paraguai com o presidente
Fernando Lugo (2012), e no Brasil com a presidenta Dilma Rousseff (2016). O que chama a
atenção em relação a estes casos recentes, é que os governos citados fazem parte do que a
literatura especializada tem denominado de “onda rosa” (SILVA, 2015) ou “maré rosa”
(PANIZZA, 2006), expressões que remetem ao fato de partidos ou líderes políticos
progressistas e de esquerda terem sido eleitos em vários países da região5. Esses processos
de interrupções de mandatos recentes se colocam com um elemento distinto das quedas que
ocorreram nas décadas anteriores, um dos pontos contrastantes está sobre o aspecto notado
por Hochestetler (2008) de que as crises presidenciais e as quedas entre o fim dos anos 1980
e início dos anos 2000 estiveram em grande medida relacionadas à governos que adotaram
políticas neoliberais ortodoxas.
2 O afastamento de Zelaya do cargo presidencial não se deu através de julgamento político, mas a elite política
utilizou-se dos militares como ferramenta de ação para cumprir uma ordem do Congresso e da Suprema Corte e exilaram o presidente, logo em seguida foi declarado a vacância da presidência, assim foi nomeado como presidente o então presidente do Congresso Roberto Micheletti.
E em relação aos governos neoliberais da década de 1990 e as políticas adotadas,
teriam sido segundo Panizza (2006), um dos principais motivos da ascensão das forças
progressistas ao poder, já que o neoliberalismo não teria cumprido suas promessas.
Nesse sentido os governos pertencentes ao clico da onda rosa, f a r i a m p a r t e d e
u m m o d e l o n e o l i b e r a l , n o e n t a n t o m e n o s o r t o d o x o , o u s e j a , que não
rompe com o neoliberalismo, mas como chama Sader (2009) executam um modelo de
governo pós-neoliberal. Os governos com políticas pós-neoliberais segundo (SEGRERA,
2016) seriam governos que buscaram dinamizar as economias nacionais, através de reformas e
da redistribuição de renda e em certa medida recuperar o controle de setores estratégicos, no
entanto não sem deixar o modelo neoliberal.
No entanto esse ciclo mostra diversos sinais que chegou ao fim, a exemplo disso,
tem-se as eleições parlamentares na Venezuela em 2015, a qual deu vitória a maioria
opositora ao governo de Maduro, sucessor de Chávez, a mudança na composição política de
forma tão acentuada não ocorria desde 1999 quando o parlamento venezuelano passou a ser
composto por uma maioria de parlamentares pró chavistas. Em 2016 o povo boliviano vota
pelo não, em um referendo que previa a possiblidade de Evo Morales voltar a se candidatar
pela quarta vez a Presidência da República; ainda que o resultado do referendo tenha sido
negativo o Partido MAS (Movimiento al socialismo) busca formas de conseguir possibilitar
a candidatura de Evo em 2019. Em 2015 foi eleito na Argentina Mauricio Macri pelo
partido de centro-direita PRO (Propuesta Republicana), colocando fim ao ciclo de mais de
uma década de governos Kirchner. Já no Brasil principalmente no ano de 2014, verificou-se
um crescimento da Direita principalmente no poder legislativo. Durante as eleições de 2010, os
partidos conservadores tiveram 36,3% (direita tradicional 33,7%; nova direita 2,5%) de
cadeiras; já em 2014, o percentual subiu para 43,5% (Direita tradicional 26,9%; Nova Direita
16,6%). (CODATO, Et al. 2015), e em 2016 os projetos políticos tradicionais ganham força com
a interrupção do mandato presidencial de Dilma Rousseff do PT (Partido dos Trabalhadores).
Um novo ciclo político na América Latina
A CEPAL e o Banco Mundial apontam que os governos pós-neoliberais como no
Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Venezuela entre outros, tiveram êxito na diminuição da
pobreza e da indigência em suas gestões. No entanto o que se percebe recentemente é a perda
de popularidade e consequentemente a dificuldade de se manterem no poder.
Isso se deve por exemplo a não construção de um espaço plural dos meios de
comunicação, e a permanência de uma mídia hegemônica, que com o grande poder de
penetração no espaço informativo, mostrou-se nos últimos anos uma opositora dos governos
progressistas, como exemplo na Argentina e no Brasil3. Ainda que se tenha o caso da TeleSur
é importante ressaltar que é uma exceção entre os meios de comunicação na América Latina.
Outro ponto que pode ter influência no fim deste ciclo, é a ideia de que em regimes
democráticos se espera periodicamente que ocorra a troca de elites no poder, desse modo, se
verificou uma certa repulsa por parte da sociedade para com os grupos que pretendem se
manter no poder por muito tempo. Além disso pode-se citar ainda a incapacidade que muitos
governos progressistas apresentam em desenvolver novos projetos políticos e novas
estratégias de crescimento e desenvolvimento. Ainda se soma a esse cenário uma dificuldade
em assumir erros e fazer autocríticas, e ainda inclui-se neste cenário os diversos escândalos de
corrupção política que acabam por diminuir a confiança dos eleitores. (SEGRERA, 2016, p.
95-97)
Em relação a esse contexto de desgaste do ciclo progressista, alguns defensores da
permanência desses governos utilizam-se constantemente do fato de que nestes países
houveram uma melhoria nas condições de acesso a bens materiais, e acesso ampliado a saúde
e educação. No entanto para Borón (2016) nesse contexto houve uma ausência de
conscientização política, e uma expansão do consumo e acesso a bens e serviços, não cria
“lealtades políticas duraderas ni es material confiable para la construcción de hegemonia
política en el mediano plazo”. (BORÓN, 2016).
Deste modo pode-se dizer que existe por parte do povo uma vontade de progresso, no
sentido de continuar tendo um maior acesso a bens e a serviços de qualidade, a estagnação
neste sentido não seria uma opção, assim o que tem ganhado o voto de confiança da
população são promessa de novos ganhos e governos mais éticos. É nesse sentido que a Nova
Direita tem ganho espaços cada vez maiores na política Latino Americana.
Nesse sentido o perfil da Nova direita, em relação à direita tradicional, mostra um
maior reconhecimento da importância de programas sociais, no entanto, não defende a
igualdade social. Em síntese, a Nova Direita seria composta por elementos da velha Direita,
3 A exemplo do Grupo Globo no Brasil, Grupo Clarín S. A. na Argentina
que envolvem o modelo econômico capitalista e preceitos morais, e passa a aceitar as políticas
sociais, principalmente as que já foram implementadas, e se esforça continuamente para
apagar os laços com as ditaduras militares, apoiadas pela antiga Direita. A Direita tradicional
buscava a manutenção do status quo, favorecendo as elites principalmente por meio dos
impostos e de regras favoráveis no mercado. No entanto, a Nova Direita percebe que olhar
para os mais pobres é necessário principalmente pelo peso eleitoral que possuem. O que essa
nova Direita busca não é fornecer ao campo social igualdade, mas fornecer – ainda que no
campo da retórica – condições igualitárias de oportunidades. Esse seria um dos principais
pontos que frisa a diferença entre a nova Direita e a Direita tradicional, pois ela continua
priorizando a liberdade de mercado e criticando a intervenção do Estado na economia
(CODATO, Et al. 2015).
As campanhas da nova Direita, enquanto oposição, e que estão conquistando o espaço
político dos governos progressistas, mostram discursos moderados, apresentam propostas de
programas econômicos pró-mercado com novas regulamentações com intuito de atrair mais
investidores; buscam mostrar um perfil político que tende acabar com as forças de esquerdas
no poder, mas não criticam os programas sociais, passam até a reconhece-los como benéficos.
Prometem melhorar a economia principalmente diminuindo a inflação e devolvendo o poder
de compra e o crescimento econômico de seus países. Oferecem a imagem de governos mais
íntegros, tirando a corrupção presente nos governos progressistas; ainda buscam enfatizar a
imagem de empresários prósperos como bons administradores de Estado. Apesar de
afirmarem na ordem do discurso o caráter democrático de suas intenções, a nova Direita usa
meios não democráticos para a chegada ao poder, como as interrupções de presidência.
O caso do Brasil
Recentemente a Presidenta da República no Brasil é retirada do seu cargo pelo
processo de impeachment, após uma eleição polarizada, logo após o início do seu segundo
mandato enfrenta greves que afetaram o abastecimento em várias partes do país com a dos
caminhoneiros em 2015, grandes manifestações populares contra seu governo, perda de
apoio dentro do congresso; momento em que os escândalos de corrupção envolvendo
membros do seu partido continuaram sendo divulgados na mídia relacionando a
administração do seu governo, o que acabou por enfraquecer ainda mais a sua imagem, que
já estava desgastada dentro dos setores antipetistas principalmente depois de uma eleição
extremamente polarizada. Todos esses pontos que diminuíram a popularidade da
personalidade de Dilma vinham somadas a outros, como o descontentamento de parte da
população e da elite política pelo longo período dos governos petistas; pela diminuição do
poder de compra do brasileiro com o aumento da inflação; a insatisfação das classes médias
e altas com a atenção dada as classes de baixa renda; e os novos projetos que a elite
econômica e política de cunho de centro e de direita tinham para o país contribuíram para o
fim prematuro do seu mandato.
A destituição de Dilma Rousseff, foi apoiada em um longo processo de denúncias
seletivas de corrupção dentro do Estado, ou seja, esse ponto foi a base principal em que a
mídia e os setores da classe média, e a classe política que almejavam o controle do Estado
utilizaram para justificar o processo de afastamento da Presidenta.
A oposição ao governo Rousseff, também agiu através da crítica sobre o inchaço e o
aparelhamento do Estado relacionado as políticas que visavam um aprofundamento do Estado
de Bem-Estar social e um Estado Desenvolvimentista, desta forma, foi traçado um projeto de
ruptura institucional, que argumentava a possibilidade de ganhos racionais e de moralidade ao
país, ou seja, a solução seria refunda-lo, dando a ideia de que um novo governo com o cunho
pacificador seria a melhor solução para o país. No entanto, esse “poder tutelar terá o salvo-
conduto para impor a população um severo ajuste que reacomode o controle concentrado da
riqueza nacional, imponha sua subordinação externa e arregimente a passividade da
população” (DANTAS, Et al., 2016, p.7).
Observa-se ainda que a crítica conservadora, sobre as relações entre os interesses
públicos e privados, é que levariam à corrupção, no entanto mostram como solução a redução
do Estado, e uma administração pública gerenciada ao molde de empresa. Ou seja, buscam
apontar que o melhor caminho para o Estado é que ele passe a funcionar como uma empresa
privada.
Para Segrera (2016) a destituição presidencial de Dilma Rousseff se deu por questões
relacionada a diligência das elites econômicas e políticas neoconservadoras, que buscavam
retirar de pauta as políticas que freavam ou atrasavam o andamento ortodoxo das políticas
neoliberais, utilizando-se do processo de impeachment, para dar andamento aos projetos
econômicos e sociais das elites conservadoras, como também para colocar fim à crise
política brasileira, no qual a oposição insatisfeita com os rumos do governo e que se
encontram na ocasião como a maioria do legislativo puderam articular e desenvolver com
sucesso o processo de julgamento político para a retirada da presidenta, e atualmente a
g r an d e p a r t e do l eg i s l a t i v o qu e ap o io u e s s e p ro ces so se co lo ca como
aliados do governo provisório.
No sentido dos novos rumos tomados pela elite política brasileira, podemos relembrar
da tese defendida por Segrillo que considera a Esquerda ou políticas de esquerda como
representantes da mudança, mudança nas estruturas sociais, nos direitos, e que buscariam um
futuro diferente para os trabalhadores, e a Direita representaria a manutenção do status quo.
Assim as mudanças no sistema sempre seriam determinadas pela Esquerda4, e a Direita irá se
movimentar quando isso ocorre no sentido de buscar uma “contra-mudança”, com o intuito de
buscar a ordem anterior. A exemplo desse movimento temos o Golpe de 1964 no Brasil,
momento no qual a classe trabalhadora estava se organizando em movimentos de “esquerda”,
e conquistando um novo patamar democrático, e discutia-se a expansão de direitos, a reforma
agrária e a democratização do ensino superior, momento que foi travado pela tomada do poder
pelos militares.
Nesta perspectiva podemos entender que o esforço político, midiático e social que a
direita brasileira movimentou para o fim do governo de Dilma, e para que pudesse chegar ao
seu impeachment, se deu não pela intenção de se ter um presidente mais “honesto”, mas para
dar andamento a um plano de governo que privilegie o mercado em detrimento do
trabalhador. A exemplo dos novos projetos como a PEC 241, que determina um teto para os
gastos públicos até 2037. Essa PEC não reduzira os gastos com educação, saúde, salário
mínimo entre outros de imediato, mas irá limitar o aumento no futuro. Essa nova lei de gastos
irá futuramente limitar as políticas públicas, pois será necessário reduzir os gastos sociais e
outros investimentos, ou seja, o que a PEC 241 pretende em um prazo médio de tempo a
diminuição do Estado.
4 É importante frisar que o sentido de Esquerda atualmente não retoma mais a ideia revolucionária de outrora,
os partidos e governos que chegaram ao poder e que se reconhecem como esquerda, possuem políticas e governos de cunho reformador e não revolucionários. Assim trago a concepção dos termos de “direita” e “esquerda”, desenvolvida por Bobbio, como o bloco ligado à direita pode ser compreendido como aquele que dá prioridade à manutenção da tradição, coloca o individualismo como mais importante que a igualdade e o crescimento econômico acima dos direitos do trabalhador; o bloco ligado à esquerda buscaria antes de qualquer coisa libertar seus semelhantes das cadeias que a eles são impostas como as de raça, casta, classe, entre outras, demonstra preocupação com os princípios da igualdade no mercado e direitos sociais e civis (BOBBIO, 1995).
Outra mudança defendida pelo governo Temer, que assumiu após o processo de
impeachment ter retirado Dilma da presidência, é a reforma trabalhista, projeto que visa
flexibilizar a legislação do trabalho, com o intuito de facilitar as contratações, diminuindo a
proteção do emprego frente ao empregador. Diminuindo também o poder de negociação dos
sindicatos, o que deixa o trabalhador em uma situação. Também foi aprovada recentemente a
terceirização do trabalho para atividade em qualquer fim. Além disso outra mudança
pretendida é a reforma da previdência, que passa a exigir uma idade mínima de 65 anos para
se aposentar, e no mínimo 25 anos de contribuição. No entanto, essa reforma desconsidera a
dificuldade do trabalhador diante do mercado de trabalho, que é altamente rotativo, o que
dificulta a quantidade de anos em contribuição e a combinação da idade que deve somar 85
para as mulheres e 95 para os homens.
Até aqui percebe-se que em pouco tempo, o governo Temer promoveu mudanças
históricas na vida do trabalhador brasileiro que serão sentidas nos próximos anos. No entanto
esse novo ciclo político nacional parece estar conectado a um contexto mais amplo, uma
tendência que acompanha outros países da América Latina.
Algumas considerações
O ciclo de governos progressistas parece ter entrado em esgotamento; nos países em
que os governos de esquerda ainda se mantem no poder como na Venezuela e na Bolívia,
existe uma perda de espaço para as forças à direita. Nesse sentido pode-se afirmar que o
espaço ocupado pela nova Direita na América Latina tem sido tomado tanto pela via eleitoral,
como na Argentina, como também através de interrupções de mandatos presidenciais como
em Honduras, no Paraguai e no Brasil. Independente dos processos que utilizaram para a
chegada ao poder, essas forças políticas possuem um projeto político diferente dos governos
que os antecederam.
O projeto neoliberal ortodoxo que está à frente da administração do Estado brasileiro,
não conseguiu lograr êxito através do voto popular para ocupar a presidência, mas seus
representantes tiveram grande vantagem nas eleições legislativas, e esse fato proporcionou a
possiblidade de tomada de poder através da destituição da presidenta Dilma Rousseff, pelo
julgamento político. O que trouxe não apenas um projeto político diferente do escolhido pela
população brasileira quando a maioria dos eleitores votou na Presidenta Dilma Rousseff, mas
trouxe o projeto político que recusado na eleição de 2014.
Não se pode negar que a Direita ganhou espaço político nas últimas eleições, e seus
políticos representantes tem a simpatia de vários segmentos sociais, mas não se pode deixar
de mencionar que as mobilizações sociais que ocorreram no Brasil em 2015 e 2016 não
pediam apenas o fim do Governo petista, nem apenas o fim da corrupção. Mas muitos
brasileiros exigiam o fim da corrupção como sinônimo de mais eficiência e recursos para os
serviços públicos como saúde e educação. As urnas mostraram que não é esse o modelo de
política desejada pela maioria da população, no entanto neste momento o povo se encontra
absorto pelo discurso de higienização política contra a corrupção, da reestruturação da
economia do país e das novas decisões que poderão “concertar o Brasil”. No entanto essa
situação é um golpe para com a jovem democracia brasileira, no qual se tem um governo que
passa à desconsiderar a escolha de um projeto político feito através do voto, e onde se auto
encoraja a decidir pelo povo e estar a cima da vontade popular.
Em relação a este contexto o que ficam são algumas perguntas, sobre as mudanças
políticas no cenário latino-americano, em relação ao modelo de Estado nação, ele irá
permanecer o mesmo? Esse novo ciclo político será um ciclo duradouro? As novas
perspectivas políticas que estão chegando ao poder na América Latina configuram parte de
uma nova fase do capitalismo?
Referências
BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo:
Unesp, 1995.
BORÓN, A. A. Capítulo III. La sociedad civil después del diluvio neoliberal. In: La trama del
Neoliberalismo. Mercado, Crisis y exclusión social. Buenos Aires: CLACSO, Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2003.
_____ . (2 de março de 2016). ¿Estancamiento, retroceso, involución en América Latina?
Fonte: http://www.telesurtv.net: http://www.telesurtv.net/bloggers/Estancamiento-retroceso-
involucion-en-America-Latina--20160302-0002.html
COELHO, A. L. Um novo modelo de destituição de mandatários ou a releitura de velhas
práticas? reflexões sobre a instabilidade presidencial contemporânea na América Latina.
Brasília: s.n, 2014.
CUNHA FILHO, C., PÉREZ FLORES, F. & COELHO, A. L.. Un giro de la Derecha a la
Izquierda? Un análisis del caso hondureño. Buenos Aires:2010.
CODATO, A., Et. al. A nova direita brasileira: uma análise de dinâmica partidária e eleitoral
do campo conservador. In: S. V. e. CRUZ, A. KAYSEL & G. CODAS, eds. Direita, Volver! .
São Paulo: Perseu Abramo, 2015. pp. 115-144.
DANTAS, A. T., Et al. (jul-dez. de 2016). A Recriação conservadora do Estado: Impasses no
reformismo progressista e Popular e o golpe de 2016. Revista da Associação Nacional de Pós-
graduação e Pesquisa em Geografia, 10(14), 5-38.
HOCHSTETLER, K.Repensando el presidencialismo: desafíos y caídas presidenciales en el
Cono Sur. América Latina Hoy, pp. 51-72, 2008.
KAYSEL, A.Regressando ao Regresso: elementos para uma genealogia das direitas
brasileiras. Em: A. K. G. C. Sebastião Velasco e CRUZ, ed. Direita, Volver!: o retorno da
direita e o ciclo político brasileiro . São Paulo : Perseu Abramo, 2015. pp. 49-74.
LANZARO, J. La "tercera ola" de las izquierdas lationamericanas: entre el populismo y la y
la social-democracia. Encuentros Lationoamericanos, 2007.pp. 20-57.
LISBOA, A., & CAMARGO, A. (2016). O golpe no Brasil e o novo cenário internacional.
Em G. RAMOS, H. MELO FILHO, J. LOGUERCIO, & W. RAMOS FILHO, A classe
trabalhadora e a resistência ao Golpe de 2016 (pp. 28-31). Praxis.
LIÑÁN , A. P. & HECIMOVICH, J. P. Political Elites, Democratic Breakdown, and
Presidential Instability in Latin America. 22nd International Political Science Association
(IPSA), 8-12 July, 2012.
______. Instituciones, coaliciones callejeras e inestabilidad política: perspectivas teóricas
sobre las crisis presidenciales. América Latina Hoy, pp. 105-126, 2008.
MARSTEINTREDET, L. Las consecuencias sobre el régimen de las interrupciones
presidenciales en América Latina. América Latina Hoy, pp. 31-50, 2008.
______. Variation of executive instability in presidential regimes: Three types of presidential
interruption in Latin America. 1st NORLARNET-conference in Oslo, 12-13 November, 2009.
MIGUEL, L. F. A Democracia Domesticada: Bases Antidemocráticas do Pensamento
Democrático Contemporâneo. DADOS – Revista de Ciências Sociais, 45(3) , 2002. p. 483 a
511.
MOISES, J. Á. Cultura política, instituições e democracia: lições da experiência brasileira.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, fevereiro, 2008. 23(66), pp. 11-43.
MORAES, R. C. Reformas neoliberais e políticas públicas: hegemonia ideológica e
redefinição das relações estado-sociedade. Educação e Sociedade, setembro, Volume 23 ,
2002. pp. 13-24.
NERES, G. M. et al. A Revolta dos Coxinhas: as manifestações de março/2015 em debate.
Revista Alamedas vol. 3, n.1,2015. pp. 1-27.
OLLIER, M. M. La institucionalizacíon democrática en el callejón: La inestabilidade
presidencial en Argentina (1999-2003). América Latina Hoy, pp. 73-103, 2008.
PANIZZA, F. La marea rosa. Análise de Conjuntura OPSA. Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro, Volume 8, 2006.
PINZANI, A. Democracia versus tecnocracia: apatia e participação em sociedades complexas.
Lua Nova, Issue 89, 2013. pp. 135-168.
PLATT, A. D. As políticas da "Nova direita": políitcas sociais inclusivas e políticas
econômicas excludentes. Cascavel, s.n, 2003.
SADER, E. A nova toupeira: Os caminhos da esquerda lationo-americana. São Paulo:
Boitempo, 2009.
SADER, E. & GENTILI, P. (orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado
democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-23.
SAMUELS, D. & HOCHSTETLER, K. Crisis and Rapid Reequilibration: The Consequences
of Presidential Challenge and Failurein Latin America. Comparative Politics, January, pp.
127-145, 2011
SEGRERA, F. L. (2016). América Latina: crisis del posneoliberalismo y ascenso de la nueva
derecha. Ciudad Autónoma de Buenos Aires : CLACSO .
SEGRILLO, A. A confusão esquerda/direita no mundo pós-muro de Berlim: uma análise e
uma hipótese. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Volume 47, 2004. pp. 615-632.
SILVA, F. P. d. Da onda rosa à era progressista: a hora do balanço. SURES, fevereiro, Issue 5,
2015. pp. 67-94.
_____. Democracias Errantes. Rio de Janeiro : Ponteio, 2015.
TATAGIBA, Et al. "CorruPTos" Um ensaio sobre protestos à direita no Brasil (2007-2015).
II Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas , Abril, 2015.pp. 1-29.
VALENZUELA, A.Latin American presidencies interrupted. Journal of Democracy, 4
October, 15(4), pp. 5-19, 2004.