Villas Boas Bio

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·Notícias Sábado'252 06 OE NOVEMBRO 2010 ESTA REVISTA FAZ PARTE INTEGRANTE 00 DIARIO DE NOTicIAS N. O Sln2 E 00 JORNAL DE NOTicIAS N. O 158/123 NAo PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE

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·Notícias Sábado'252 06 OE NOVEMBRO 2010 ESTA REVISTA FAZ PARTE INTEGRANTE 00 DIARIO DE NOTicIASN.O Sln2 E 00 JORNAL DE NOTicIAS N.O 158/123 NAo PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE

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22 NS DESPORTO PERFIL

Mas amão amiga de Bobby Robson tambémse estendeu em direcção ao FC Porto, o clubeque André Villas-Boas aprendeu a admirardesde os tempos de criança, o mais repre-sentativo da cidade onde nasceu há 33 anos.Foi o técnico inglês quem deu o empurrãodefinitivo para o rapaz passar a colaborar nascamadas jovens e vencesse mais uma etapa docrescimento profissional. Foi aí que travouconhecimento com um conjunto de treina-dores mais velhos e pôde constatar o que erao trabalho de campo na qualidade de assisten-te. Percorreu vários escalões, sempre com osolhos bem abertos e os ouvidos afinados.

Nessa altura, o culto pelo futebol tambémpassava por estar em casa com o computadorà frente. Perdia horas a jogar o ChampionshipManager, um simulador no qual os utilizado-res gerem uma equipa profissional como sefossem treinadores a sério. Também assinavavárias revistas estrangeiras que lhe permitiamsaber o nome de muitos futebolistas e a com-posição de vários plantéis. Tinha uma sede deconhecimento notável, era o primeiro a querermelhorare mostrava uma dedicação extremaem todos papéis que lhe eram confiados.O que não passava despercebido. Aninguém.

Aí,já vincava os traços que fazem dele umtreinador próximo dos jogadores, quase umamigo e um confidente, alguém capaz de sedivertir quando o ambiente é descontraído ouduro quando as circunstâncias assim o exi-gem. «Há um episódio de que não me esque-ço. Quando fomos campeões nacionais dejuvenis, em 1996/97, o André era adjunto doprofessor Ilídio Vale e os jogadores foramtodos curtir para a noite. Ele andou connoscocomo se fosse um de nós. Era muito próximoda equipa», conta Manuel José, jogador doPaços de Ferreira. Há 13 anos era um dos fute-bolistas mais promissores dessa equipa e con-tactou de perto com aquele rapaz de olharatento. De uma extrema competência.

Mas André Villas-Boas sempre foi um aven-tureiro, tinha a coragem para protagonizar asdecisões mais arrojadas e inesperadas. Desde

AMANOIA QUEIROS/GLOBAL IMAGENS

Desde muito jovem, André Villas-Boas apontava tudo o que se passavaem cada jogo para fundamentar os seus relatórios que ficaram famosos.

logador nos ClistritaisEntre a adolescência e a idade adulta,

André Villas-Boas jogou futebol no campeq-nato amador e distrltal do Porto. Era médio.ccUmjogador ã FCPorto)) ao serviço doRamaldense e do Marechal Gomes da Costa.Há quem pense que André Villas-Boas é apenasum teórico da bola e todos os conhecimentosadquiridos só foram garantidos em cursosde treinador. Isso não correspemdeà verdade.Na adolescência, o técnico do fC Porto calçouas chuteiras e palmilhou os campos peladosda Associação de Futebol do Porto, ao serviçodo Ramaldense e do Marechalliomes da Costa,

dois populares clubes da cidade. Um disputaos campeonatos distritais; o outro os amadores.Onde se joga por carolice, àsvezes na lama esem contrapartidas financeiras. Era um médiocom muita fibra, dizem que tinha a mesmagarra eo espírito combativo que caracterizamos jogadores à PCPorto. Futebolistas que suamacamisola até à. última gota.Entre 1994 e1996, já quando era treinador nasescolinhas de formação dos portistas, jogava aofim-de-semana com a camisola do Ramaldense,uma colectividade onde Harnberto Coelho deunas vistas antes de se transferir para o Benfica.

Era onde muitos amigos do Colégio NossaSenhora do Rosário jogavam. Nessa altura,o clube p~ssava por tempos difíceis, afundadonos últimos lugares da tabela classificativa,mas safou-se da despromoção. Viílas-Boasajudou a inverter o cenário negro como um dosjogadores fundamentais da recuperação.«Quando cheguei, li) plantei não apresentavamuitas garantias e resolvi promover trêsjuniores. Um élelesera o André», recorda QuimEspanhol, o treinador da altura.Foi assim que começou a recuperação doRamaldense, à medida que o actual treinador

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DAVID AUGUSTD/GLDBAL IMAGE~S

No Chelsea, onde foi os «olhos e ouvidos» de Mourinho e dissecou a maneira de jogardas melhores equipas do futebol inglês.

sempre alimentou o sonho de ser treinadorprincipal e quando tinha 23 anos viu um anún-cio numsite dainternet que lhe parecia ser in-teressante. Em 2000, havia urna selecção queprecisava de um jovem técnico e qualificado,com um salário em conta, al-guém que mostrasse uma ambi-ção desmedida para trabalharnos escalões de base. Viu o pedi-do; mandou o currículo pore-mail, fez uma entrevista e foiaceite. Foi assim que assumiu asrédeas da selecção das ilhas Vir-gemsBritânicas. Num abrir e fe-char de olhos.

Mais uma vez, o velho amigoBobby Robsonfoiimportante. «Deu-nos boasreferências e isso ajudou. Também se mos-trou mais interessado na oportunidade que

tinha para trabalhar como treinador cio queno dinheiro que tínhamos para lhe oferecer»,conta Kenríck Grant, na altura o presidenteda Federação de Futebol daquele minúsculopaís no mar das Caraíbas, Aos poucos, come-

çou a mostrar o seu talento, umsentido de organização notávele as funções que exercia passa-ram a ser redutoras para quemtinha horizontes largos: «Eramuito bom a criar manuais detreino no computador, Crioumétodos específicos para todosos treinadores das camadas jo-vens. Também era estupendona observação, a detectar os

pontos fortes e fracos dos adversários. Por is-so, demos-lhe o cargo de director técnico pa-ra que orientasse todos os escalões»

23NS

Título nobree ascendênda inglesa

- Luís André Pina Cabra IVil/as-Boasnasceu no Porto a17 de Outubrode 1977, tem 33 anos e raízes nobres.É bisneto de José Cerardo Çoelho VieiraPinto do VaI!! Peixoto de Vil/as-Boas,1. o visconde de Cuilhomil, título criadopelo rei D. Carlos em 1890. Entre o finaldo século XIX e início do século xx,foi chefe no conselho do PartidoProgressista, uma das grandes forçaspartidárias no segundo rotativismomonárquic.o. Além de ter feito carreiracomo político também se notabilizoucomo magistrado. André Vil/as-Boastem ascendência inglesa pela avópaterna, Margaret Nevil/e Kendall,que terá influenciado o seu perfeitodomínio da língua inglesa.

SócjodoFI:: Portodesde os dois anos_ Desde os tempos de criança que AndréVil/as-Boas sempre nutriu uma paixãoespecial pelo FC Porto. É sócio do clubedesde os dois anos, numa altura em quePinto da Costa ainda não era presidentee as suas funções estavam confinadasao departamento de futebol. Ao assu-mir o comando técnico dos dragões,cumpriu um velho sonho de infância:ser treinador do clube do coração.Por isso, quando é questionado sobreo futuro ou quando lhe colocam pelafrente outros cenários além do FC Porto,responde sempre da mesma maneira:"Estou na minha cadeira de sonhe,»Palavra do sócio número 11428.

AOS 23 ANOSTORNOU-SERESPONSÁVELPELA SELECÇÃODAS ILHASVIRGENSBRITÂNICAS.

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OR

adolescente de cabelo ruivo cativava quem oouvia falar sobre futebol. E aceitou-o.

Em 2003, começou a ser «os olhos e os ou-vidos» de José Mourinho (a expressão é dopróprio Special One), quando era preciso es-tendê-los em direcção aos adversários paradetectar os pontos fortes e as fragilidades. Foiassim que começaram a ser feitos os famososrelatórios que dissecavam a forma de jogarde quem se cruzava no caminho do FC Porto.Nada passava despercebido. Fosse o compor-tamento das equipas em campo, a postura ouos movimentos específicos dos jogadores, fos-sem as questões tácticas ou os posicionamen-tos, todos os pormenores eram analisados etrabalhados pelo jovem aspirante a treinador.

Antes de cada jogo, cada futebolista rece-bia um minucioso relatório sobre as caracterís-ticas do marcador directo ou de quem tinhade perseguir dentro do campo. «Eramdossiersmuito detalhados e ficávamos a saber tudosobre os nossos adversários. Raramente éra-mos surpreenclidos e já se notava que estáva-mos na presença de alguém que sabia muitode futebol», revela Ricardo Costa, defesa doValência, um dos jogadores que estiveram nacaminhada sensacional dos dragões quandoconquistaram a Taça UEFA (2002/03) e aLiga dos Campeões (2003/04).

Além disso, André Villas-Boas também ti-nha outras preocupações e transmitia um

pouco do seu conhecimento nocontacto pessoal com os atletas:«Antes dos jogos grandes con-versava com alguns de nós, de-pois dos treinos, e chamava-nósa atenção para determinadosaspectos deste ou daquele adver-sário.» Eram essas as caracterís-ticas de quem fazia do rigor umamáxima de vida, um discípulo

que soube beber todos os ensinamentos domestre, mas que nunca se deu por satisfeito.Nem renclido. Quis sempre saber mais. E em2003, aos 26 anos, tirou o nível máximo docurso de treinadores na Escócia.

AOS 26ANOSTIROU O NíVELMÁXIMO DOCURSO DETREINADORES.NA ESCÓCIA.

Porestes dias,o ColégioNossaSenhorado Rosá-rio, no Porto, é notícia por liderar o rankíng dasmelhores escolasdo país.Foi nessa instituiçãoprivada, de cariz religioso ligado ao Sagrado Co-raçãode Maria, que André Villas-Boas estudou.JoséEiró,48 anos, professor de educação física,foi director de turma do treínsdor do FCPortoentre o sétimo eo nono ano €'Iembra-se daque-le rapaz pacato. Não era um aluno brilhante,mas tinha jeito parao desporto. A0513 anos, jáfazia relatórios das equipas de futebol. Escrevia--os nos cadernos e mostrava-os aos colegas.

Na primeira experiência como treinador principal, no ano passado, pegou na Acadêmicaem último lugar e salvou-a da descida de divisão.

os dragões desesperavam por vencer o títulode campeão e procuravam um treinador ca-paz de colocá-los na rota do sucesso. É nessecontexto que José Mourinho é contratado àUnião de Leiria no decorrer daépoca de 2001/02, um rostoemergente do futebol portu-guês que tinha como missãogerminar novos hábitos de vitó-ria. Logo aí abriu-se umajanelade oportunidade para o rapaz.Quando o novo treinador pre-cisava de um observador, umperito capaz de desmontar aforma de jogar dos adversários, houve alguémque lhe falou em André Villas-Boas. O nomenão lhe era estranho, conhecia-o dos temposem que o agora treinador do Real Madridera adjunto de Bobby Robson. Quando o tal

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Em termos desportivos, a qualificação pa-ra o Munclial2002 acabaria por ser a imagemde uma selecção débil e que se encontrava nacauda do ranking da FlFA. Averbou duas der-rotas diante das Bermudas (5-1, em casa; 9-0fora). Nada que perturbasse uma carreira as-cendente. Durante os 18 meses em que viveunas Caraíbas nunca perdeu os laços de amiza-de com os responsáveis do FC Porto e envia-va-lhes postais a ilustrar as belas paisagensmarítimas. Só quando regressou a Portugal,aí sim, teve a coragem de revelar a:idade.Porque nas 'ilhas Virgens Britânicas todospensavam que fosse mais velho. «Sempre semostrou interessado em um dia vir a treinaro FC Porto», conta Kenrick Grant.

André Villas-Boas voltava à casa de partidae encontrava um clube diferente do actual.Sem a chama das vitórias. No início da década,

«À segunda-feira trazia relatórios nNos tempos de estudante, .AndréVilla~Boas era um rapaz popular?_Sim, era um miúdo muito pacato.Não se metia em grandes confusões,mas era popular no grupo de amigos.Era muita fiem acelte e não tinha problemasno relacionamento com os outros.Mas era calado~tímiElo. Às vezes, não sedava por ele na sala de aula. Metia-se na suaconchinha, se calhar, pensava «deixa-meestar quieto para ninguém me ver e assimninguém me chateia».

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Gostava de treinarna Argentina

_ É um apaixonado pelo futebolespectáculo. Por isso, já revelouque tem «alguns sonhos estranhos».Não passam por treinar nos campeo-natos mais sonantes como Espanha,Itália ou Inglaterra. Passam apenaspor orientar uma equipa nas ligasonde a paixão se sobrepõe a tudoo resto. Onde os adeptos vibramà custa de jogos recheados de golose emoção. Por isso, já confessouque gostava de treinar na Argentinae no Chile. Etambém no Japão.No Japão'?Sim, porque gostada cidade de Tóquio.Outro dos seus sonhos era ficar ...dez anos no FCPorto. Fica ao critériode Pinto da Costa.

A fama já chegouaoJapão

_ A excelente carreira de AndréVillas-Boas no FCPorto já despertouo interesse de várias publicações inter-nacionais. Foi tema da revista japonesaHochi Shimbum, que fez deslocarum jornalista nipónico até ao centrode treinos dos azuis e brancos. Tambémjá mereceu destaque no jornal norte--americano Wall StreetJoumal, queo apelidou de «rapaz genial» e quea aposta num jovem pode levar«os clubes a alterar a sua forma de re-crutar os treinadores». Ojornal italianoC;azzetta dello Sport já lhe dedicouuma página e escreveu que estamosna presença de «o novo Mourinho».

dernos»ra bom aluno'?Não era brllhante. Era mediano de notasrês e quatro. Não dedicava muito tempo aosstudos porque, já nessa altura, se viravaais para o futebol. Fazia relatórios sobre as

'luipas. Quando chegava à escola, à segun-=felra, dizia como tinham jogado duranteim-de-semana e sabia as posições dosadores. Tinha esta motivação e esta ape-da para fazer a leitura do jogo em termostlcos. Muitas vezes contestava as deci-

das treinadores. Essa era urna das ima-

Mal chegou à Académica notaram-se as mudanças no futebol da Briosa:mais confiança e sempre à procura do melhor resultado.

gens de marca do André, os relatórios quetrazia nos cadernos à segunda-feira, quandotinha 13 e14 anos. Também sabia semprea constituição da equipa do FC Porto.Já lhe passou mais algum aluno pelas mãoscom essas c:araderisticas'?.Não, Os alunos costumam discutir ~ segun-da-feira os jogos do fim-de-semana. mas éaquela discussão solta, clubista e emocional.O André era mais racional. Também levavapara as aulas cadernetas de futemol e jornaisdesportivos.

Nessa altura, passava-lhe pela cabeça quepudesse vir a ser treinador de futebol?.Nunca. Sabia que era vizinho de BobbyRobson e entregava-lhe relatórios nabrincadeira. Foi uma surpresa quando soubeque trabalhava no PCPorto e estudavaas equipas adversárlas. Não é muito normal.numa família tradicional como a dele, queo futuro do André passasse pelo desportoe pelo futebol.éomo é que a família encarava essa paiXiãopelo futebol'?

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PEDRD CORREINGLOBAL IMAGENS

A prova de fogo como treinador do FC Porto: esta fi frente do campeonatosem derrotas e com sete pontos de avanço sobre o Benfica.

Casado e paide duas filhas

- Sabe-se pouco sobre a vidaprivada do treinador do FC Porto,que sempre optou por uma facetarecatada, não dá entrevistas e só falaem conferências de Imprensa.Além da ascendência inglesa e dasligações fi nobreza, sabe-se queAndré Villas-Boas é casado comJoana Villas-Boas e tem duas filhas:Benedita, de 16 meses, e Carolina,que nasceu a 9 de Outubro. Desdeque assumiu o comando técnicodos dragões, os familiares maispróximos resguardaram-seda exposição mediática e chegarama bloquear as contas no Facebook.Por uma questão de privacidade,obviamente.

o treinadorque faz 'mea culpa'_ Quando está no banco de suplentes,Villas-Boas transforma-se. Diz queé fruto da irreverência de quem tem33 anos. Grita, corre pela área técnicacomo se fosse um jogador. Tambémprotesta com os árbitros e já foi expulsodo banco, aliás, muito fi imagem deJosé Mourinho. Em Guimarães, pediuuma grande penalidade, recebeu ordemde expulsão e contestou a decisão dojuiz. Disse que um adversário tinhajogado a bola com a mão na grandeárea. Mas as imagens televisivas mos-traram o contrário. No dia seguinte,emitiu um comunicado. A fazer meoculpo. Caso raro no futebol português. /

dificuldade na ginástica, mas isso é normalnos rapazes e tem que ver com o crescimentobruscoe com afalta de flexibilidade. Tudo o quetivesse uma bola pelo meio, ele gostava. Eradaquelas pessoas que têm prazer em jogar.Fosse o que fosse.Nos torneios interturmas jogava em queposição?Senha a ideia de que era glJarda-r,eâes.Aliás, quando jogou futebol no Ramaldensetenho a impressão que começou por serguarda-redes. Mesmo nos intervalos dasaulas, gostava de ir para a baliza.

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Depois do sucesso estrondoso no FCPor-to, Mourinho ganhou dimensão internacio-nal e despertou a cobiça de vários clubes eu-ropeus de nomeada. No Verão de 2004 foiapresentado no Chelsea. E não foi sozinho.André Villas-Boas também se mudou pataInglaterra, onde continuou a passar uma in-finidade de tempo nos estádios adversáriose no gabinete, a trabalhar a informaçãomais preciosa para ser entregue aos jogado-res. Um desses relatórios de observaçãochegou a ser tornado público e maravilhouos entendidos pela forma como a equipa doNewcastle era decomposta. Literalmente,ao pormenor.

Em 2008, seguiu-se uma aventura emItália. No FCPorto, no Chelsea e no Inter deMilão, teve a oportunidade de desmontar aforma de jogar das melhores equipas domundo e isso deu-lhe uma grande bagagemdo ponto de vista táctico. Aomesmo tempo,foi absorvendo os ensinamentos de JoséMourinho e traçando as suas ideias. Amas-sou um registo próprio e uma identidadebem definida daquilo que seria um estilo dejogo. O seu conceito de futebol aliado à ve-lha ambição de ser treinador principal, umlíder capaz de se impor pelo seu pensamen-to. Porque não queria ser adjunto por mui-to mais tempo.

Um ano depois de ter chegado ao futebolitaliano, mudou-se para Portugal, para de-sagrado do mestre. Epara trei-nar a Académica. A 14 de Ou-tubro de 2009, foi apresenta-do como treinador da equipade Coimbra, mergulhada noúltimo lugar da tabela classifi-cativa, agoniada e desacredi-tada perante opaís desportivo.Era uma aposta de risco paraumjovemde31 anos e semex-periência de banco. Se falhas-se, a sua carreira estaria hipotecada; se ven-cesse, outras portas se abririam. Mas os diri-gentes estavam seguros da pérola que

RICAROO JUNIOR/GLOBAL IMAGENS

André Villas-Boas cumprimenta Pinto da Costa: treinar o FCPorto foi arealização de um sonho de infância.

tinham nas mãos e apresentaram-lhe umcontrato de duas épocas com uma cláusulade rescisão de quinhentos mil euros. Nadamau. Porque sabiam que nos últimos meses,o seu nome já tinha estado associado a ou-

tros clubes mais bem cotados.Estreou-se no campeonato

português à oitava jornada. Ecom uma derrota. Ironia das iro-nias, no terreno do FCPorto (3-2), o clube do seu coração. Maslogo ali sepercebeu que algo iria .mudar no futebol da Briosa: aequipa jogou mais confiante,muito compacta e sem descuraro sentido estético do jogo. Fez o

adversário sofrer, sempre à procura do me-lhorresultado, sem se inibir ou baixar a cabe-ça. Seguiu-se uma recuperação notável, à

VILLAS-BOASPRATICA UMFUTEBOLSEDUTOR.SEMPRE ÀPROCURADOESPECTÁCULO.

custa de trinta pontos em 23 jogos e com o11.o lugar na classificação final. Era o reflexode um futebol sedutor e sem fixações defen-sivas. Sempre à procura do espectáculo, vira-do para a baliza adversária.

No início da caminhada, André Villas-Boas procurou distanciar-se das compara-ções feitas em relação a José Mourinho,mas os jogadores são os primeiros a reco-nhecer que mantém a mesma relação deempatia junto do planteI. «É um treinadorque tem um grande coração», conta Jonat- ,ham Bru, ex-futebolista da Académica, querevela o lado humano de quem que nãoolha a meios pàra fazer o grupo feliz: «NoNatal do ano passado, tinha pedido dez ca-misolas para oferecer aos meus amigos.Mas o clube enganou-se e entregou-me 30.Disse-lhes que não podia pagar tudo de

Era um líder?(Pausa). Em termos desportivos, acho quesim. Tinha algumas características

líder nas aulas de educação física. Na vidamal. não me parece. Mas é engraçado,QQeà segunda-feira, quando começava a

de futebol, os outros ouviam-no e pres-atenção ao que dizia.

ava para perceber que era portista1mente. Sabia tudo sobre o fC Porto, deara a frente e da frente para trás. Te-ideia de que o pai era sode e o André ia

quência assistir aos jogos.

Não é normal um treinador chegar a umclube grande com 32 anos. Era uma criançamadura?Tinha uma maturidade diferente dos outros.Oscolegas faziam aquelas bríneadelras.aquelas coboiadas,mes o André era muitomais sereno e tranquilo. Passava ao lado deuma brincadeira que não lhe dissesse nada.Não era um velho precoce, mastirrha a noçãodo que devia e não devia fazer.

Nunca mais falaram?Não. Perdemos o contacto. Creio que tam-bém nunca mais veio ao colégio ..

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IVAN DEL VAL/GLDBAL IMAGENS

Com jovens atletas: a dimensão humana é um dos trunfos de Villas-Boas.

"SE GANHARAIOGARMAL. NÃODURMO BEM". DIZANDRÉ VlLLAS-BOAS.

"umavez. Omister ouviu a conversa e pagoumetade.»

Mas houve mais manifestações de gene-rosidade que cativavam o grupo e criavamfortes laços de solidariedade. Esse é um dosseus segredos, a forma como a barreira en-tre osjogadores e o treinador é cortada, massem colocar em causa os princípios da disci-plina e da liderança. «Parece um homem du-ro, mas não é. Éjusto, é um amigo e trata to-da a gente da mesma maneira. Quemjoga oufica no banco, todos lhe merecem o mesmorespeito e isso traz muita confiança. Quandooplantei jantava junto, fazia questão de ser elea pagar a conta do restaurante», recorda oagora jogador da Oliveirense. À custa disso,levou muitos rombos no cartão de crédito.

Aos poucos, André Villas-Boas passou aestar nas bocas do futebol português e a me-recer a atenção de outros clubes mais capa-zes. Foi apontado como hipótese para oHuelva (Espanha), esteve na mira do Spor-ting por duas vezes, numa delas chegou adizer que tudo não passava de uma «palha-çada», mas resistiu à tentação econtinuou na Académica. Nãopor muito tempo. No fundo, es-perou pelo momento certo. En-quanto se pensava que PauloBento seria o sucessor de Je-sualdo Ferreira no FC Porto,Pinto da Costa trabalhou pelacalada e escolheu o antigo discí-pulo de Bobby Robson e de JoséMourinho. Do namoro ao casamento foi umpequeno passo. E acabou por se despedirdos jogadores da Académica por SMS. Comas emoções à flor da pele.

A4 de Junho de 2010, apenas com 23 jo-gos na Liga e um bilhete de identidade a

, I

DAVI OAUGUSTD/GLDBAL IMAGENS

o treinador com Luís Filipe Meneses,presidente da câmara de Ciaia,onde funciona o centro de treinos do FCPorto.

mostrar a verdura dos 32 anos, foi apresen-tado no Estádio do Dragão como treinadordo FC Porto. Cumpria um velho sonho decriança: ser o técnico da equipa que maisadmira. Logo aí, perante o aparato mediáti-co, as comparações com José Mourinho fo-ram inevitáveis, mas procurou distanciar-se do mestre. Otempo todo. À custa de um

discurso inteligente e mor-daz. Não prometeu títulos,apenas disse que assumia«um compromisso com a vi-tória». Não deixou que fizes-sem dele uma imitação doSpecial One, pela postura nobanco, pela irreverência oupelos métodos de treino, ape-nas disse que era «mais clone

de Robson do que de Mourinho», Eporquê?«Tenho ascendência inglesa, o nariz gran-de e gosto de beber vinho.» Mais tarde, foimais a fundo: «Não temos o mesmo carác-ter, a mesma personalidade e temos formasdiferentes de comunicar e trabalhar»

No FCPorto, André Villas-Boas começoupor ser uma pequena brisa que se transfor-mou numa lufada de ar fresco. Percebeu-se

. logo nos treinos da pré-época, nos quaisnunca repetia o mesmo exercício, exigiauma rápida circulação de bola e impunhauma nova mentalidade ganhadora. «Ostreinos são sempre diferentes e isso motivaos jogadores que não sabem o que vão en-contrar quando chegam ao relvado. Mas oque mais me impressiona é a seriedade notrabalho. Quando é para brincar, brinca;quando é para exigir, exige. Nos treinos écomo nos jogos, não pára de dar indicações,não pára de gritar. É muito exigente», dizMiguel Lopes, lateral portista emprestadoao Bétis.

Mesmo assim, muitas dúvidas se levanta-ram em relação à escolha do presidente Pin-to da Costa. Viram-no como um treinadorimaturo, sem o arcaboiço necessário paraconduzir uma equipa da grandeza do FCPorto. Até JoséMourinho se mostrou sur-preendido por ver o antigo discípulo à fren-te do comando técnico dos dragões. Nadaque o abalasse. Aprimeira prova de fogo foisuperada com nota elevada: vitória contun-dente sobre o Benfica (2-0), na Supertaça,o seu primeiro troféu como treinador prin-cipal. E a mostrar uma equipa diferente, ajogar à FCPorto, com espírito combativo e. ao ataque. A praticar um futebol sedutor ede sentido estético. Porque essa é a sua má-xima de vida: «Se ganhar a jogar mal, nãodurmo bem.»

Aos poucos, os dragões descolaram e co-meçaram a voar. Com um início demolidorno campeonato: nove jogos, oito vitórias eum empate. Sem derrotas. Com uma lide-rança expressiva no campeonato, a setepontos de distância do rival Benfica. Na Li-ga Europa, o mesmo percurso brilhante.Sempre pela mão de um treinador próximodos futebolistas, capaz das melhores estra-tégias para motivar o grupo. «Nosjogos emcasa, os convocados deixaram de fazer está-gios no hotel. Isso motiva muito os jogado-res, que têm a oportunidade de estar maistempo com as famílias. Éum treinador comespírito aberto, pronto a ouvir, é obcecadopela perfeição e vai ao detalhe», revela Mi-guel Lopes. Por isso, os adjuntos andamcom folhas de papel nos treinos e as sessões"na pré-época foram filmadas.

André Villas-Boas tem dois anos de con-trato com o FC Porto, mas a Europa já serendeu às qualidades de um talento preco-ce. Esta é apenas a casa de partida de umhomem que não tem sonhos. Apenas objec-tivos. De ascendência nobre, não é só o san-gue azul que lhe corre nas veias. É a ambi-ção própria dos campeões, a ambição de umprincipezinho que tem tudo para vir a serum rei.