Violações de direitos humanos na comunidade tradicional de ... · Deputado Jorge Felippe Neto....

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Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro Violações de direitos humanos na comunidade tradicional de Zacarias, Maricá Impactos do licenciamento ambiental do megaempreendimento imobiliário “Fazenda São Bento da Lagoa”

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Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadaniada Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro

Violações de direitos humanosna comunidade tradicional de

Zacarias, Maricá

Impactos do

licenciamento ambiental

do megaempreendimento

imobiliário “Fazenda São

Bento da Lagoa”

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Impactos do licenciamento ambiental do megaempreendimento imobiliário “Fazenda São Bento da Lagoa”

Violações de direitos humanos na comunidade tradicional de Zacarias, Maricá

Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania

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Expediente

VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

NA COMUNIDADE TRADICIONAL DE

ZACARIAS, MARICÁ: IMPACTOS DO

LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO

MEGAEMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO

“FAZENDA SÃO BENTO DA LAGOA”

Textos:

Cecilia Vieira de Melo

Flavio Serafini

Fotografias:Luis Felipe Marques Ferreira

Projeto Gráfico:Flavia Mattos

Impressão:Gráfica Assembleia Legislativa do

Estado do Rio de Janeiro

DEZEMBRO 2015

Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania

ALERJ | Assembleia Legislativa do

Estado do Rio de Janeiro

Tel.: 2588 1555

PresidênciaDeputado Estadual Marcelo Freixo

Vice-PresidênciaDeputado Estadual Edson Albertassi

Membros titularesDeputado Filipe Soares

Deputada Martha Rocha

Deputada Enfermeira Rejane

Membros suplentesDeputado Flavio Bolsonaro

Deputado Carlos Minc

Deputado Flavio Serafini

Deputado André Lazaroni

Deputado Jorge Felippe Neto

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ÍndiceIntrodução

1. Entidades presentes

2. Escuta do histórico do conflito e das entidades envolvidas

2.1 Pescadores, pescadoras e suas famílias

2.1.1 A autoidentificação como comunidade tradicional e a ancestralidade do território

2.1.2 Insegurança fundiária e a fundação da ACCLAPEZ em resistência aos avanços da especulação imobiliária

2.1.3 A presença física da empresa na comunidade mesmo antes da concessão de qualquer licença

2.1.4 Vigilância e infiltração produzindo sensação de controle e intimidação

2.1.5 Métodos de cooptação e fragmentação da comunidade

2.1.6 Compreensão comunitária em relação aos riscos da regularização fundiária para titulação individual e demanda de titulação coletiva da terra

2.2 Comunidade científica e movimentos sociais

2.2.1 Histórico de pressão, especulação imobiliária, cercamentos e violência policial

2.2.2 O zaqueeiro e a restinga de Maricá, tradicionalidade e patrimônio imaterial da humanidade

2.2.3 Denúncias da irregularidade do plano de manejo da APA de Maricá e do plano diretor setorial da restinga de Maricá: falta de participação popular e fragilização do meio ambiente e do território tradicional

2.2.4 Demanda por solução fundiária definitiva: unidade de conservação que permita a sobrevivência da comunidade tradicional de Zacarias em seu território e a proteção da restinga de Maricá

2.3 Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

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2.4 Ministério Público Federal

2.5 Ouvidoria Agrária do INCRA

3. Caminhada pela comunidade e pela área de restinga

4. Disputa no Judiciário: a fragilidade do empreendimento e os riscos à população

5. Conclusões

6. Encaminhamentos e recomendações

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Relatório da visita realizada à comunidade

tradicional de Zacarias, no município de Maricá

– RJ, por conta dos impactos e denúncias de

violações de direitos humanos decorrentes

do licenciamento de megaempreendimento

imobiliário privado no território

No dia 25 de maio de 2015, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – CDDHC/ALERJ, representada na oportunidade pelo Deputado Estadual Flavio Serafini, vi-sitou o território da comunidade tradicional de Zacarias, no município de Maricá. A diligência foi realizada para apurar denúncias feitas por moradores, movimentos sociais e entidades de pesquisa envolvidas na proteção da restinga de Maricá e do território tradicional de Zacarias, indicando violações de direitos humanos causa-das por megaempreendimento imobiliário privado em processo de licenciamento ambiental pelo Instituto Estadual do Ambiente – INEA.

A programação indicava as seguintes atividades:

• 9h30-11h: encontro na sede da Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores de Zacarias – ACCLAPEZ para ouvir famílias de pescadores e en-tidades presentes.

• 11h-12h: caminhada pela comunidade de Zacarias.• 12h-13h: caminhada pelo território da restinga, pelos caminhos de pesca e

caminho do barco utilizados pela comunidade tradicional.

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1. Entidades presentes

Para a realização da diligência, fo-ram convidados órgãos e entidades en-volvidos na tutela de direitos coletivos, movimentos sociais com atuação na defesa da comunidade tradicional e na proteção da restinga de Maricá e pes-quisadores com atividades acadêmicas relacionadas à região. A partir dos con-vites, acompanharam a diligência:

• Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (“MPRJ”), representado pelo promotor de justiça José Ale-xandre Maximino Mota, membro do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente – GAEMA, e por técnicas e técnicos periciais do Grupo de Apoio Técnico Especiali-zado – GATE do MPRJ;

• Ministério Público Federal (“MPF”), representado pelo procurador da re-pública Wanderley Sanan Dantas, com atribuição em Niterói e Mari-cá;

• Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, repre-

sentado pelo Ouvidor Agrário Re-gional Pablo Pontes;

• Movimento Pró-Restinga;

• Associação de Preservação Ambien-tal das Lagunas de Maricá – APAL-MA;

• Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores de Zacarias – ACCLAPEZ;

• Professor Marco Mello, do Labora-tório de Etnografia Metropolitana – LeMetro, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IFCS/UFRJ;

• Professora Désirée Guichard, da Fa-culdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

• e outros membros da comunidade científica, moradores de Maricá e movimentos sociais.

Roda de conversa na sede da

ACCLAPEZ, com todos os presentes à diligência: momento

de escuta dos pescadores mais

idosos.

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2. Escuta do histórico do conflito e das entidades envolvidas

A diligência se iniciou com um mo-mento de escuta das famílias de pesca-dores, entidades presentes, movimentos sociais, membros da comunidade cientí-fica envolvidos na defesa da restinga de Maricá e da comunidade tradicional de Zacarias, na sede da ACCLAPEZ. Após esses depoimentos, foram feitas breves falas pelos representantes de órgãos pú-blicos presentes.

2.1 Pescadores, pescadoras e suas famílias

“No dia 2 de janeiroUm grande fato se deuNa casa de um pescadorPortuguês apareceuAí todos chegaramFizeram aquele venenoQue tinham direito à casaMas não tinham direito ao terreno

Primeira vez eles vieramOs pescadores estavam nãoMas à tarde eles voltaramE botaram a cerca no chãoDisseram que tinham razão.Por causa do conflitotrouxeram até camburão

Dali todos chegaramE foram apresentadosTrouxeram a políciaE até o delegadoPrimeiro veio o caboFalamos com boa atenção

Mas o cabo foi tão safadoQue fez essa traição

Feteira é homem de dinheiroSó topa parada duraDizendo que as terras são delemas não apresenta a escritura.”

Sr. Enéas Marques, pescador zaqueeiro,poeta comunitário.

As famílias de pescadores apresenta-ram o histórico do conflito e destacaram alguns dos pontos mais sensíveis, siste-matizados abaixo.

2.1.1 A autoidentificação como comunidade tradicional e a ancestralidade do território.

O Sr. Vilson Corrêa, pescador e pre-sidente da ACCLAPEZ, e outras mora-doras e moradores falaram da relação de ancestralidade que possuem com seu território na restinga de Maricá, entre a lagoa e o mar, contaram histórias de seus avós e bisavós e deram a palavra para pescadores mais idosos. De acordo com os relatos, a comunidade tradicional de Zacarias está em seu território ao menos desde 1797 (data da cartografia do Mos-teiro de São Bento, que pode ser vista no item 3 deste relatório). Conforme levantamento antropológico e inúmeros trabalhos científicos, mais notadamen-te a obra “Gente das areias - história, meio ambiente e sociedade no litoral brasileiro”1, dos Professores Marco An-tonio Mello e Arno Vogel, o zaqueeiro (ou “zacareiro”) encontra sua origem e ancestralidade nas relações familiares e afetivas entre franceses e tupinam-bás, que deram origem à comunidade

1. De acordo com descrição do sítio eletrônico da FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro, o livro “é um estudo amplo e multidisciplinar que aborda temas como os problemas de saneamento na região, a urbanização na restinga de Maricá e as relações de parentesco no povoado de Zacarias, enquanto analisa a vida e a morte da identidade social da região”. Fonte: http://www.faperj.br/?id=666.3.8

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pesqueira. Praticam uma arte de pesca singular, a “pesca de galho”, e estrutu-raram nesses séculos de existência uma relação de respeito e convivência com a fauna e flora locais, incluindo em suas práticas tradicionais a coleta de frutas, plantas medicinais e a manufatura de artesanato e bebidas e alimentos típicos.

Por conta de sua autoidentificação como comunidade tradicional e sua relação com o território da restinga2, as famílias de pescadores artesanais presentes ao encontro entendem que a implantação do megaempreendimen-to inviabiliza a sua existência cultural e sobrevivência física, tendo em vista que a suposta regularização fundiária acompanhada de titulação individual das propriedades, em lugar da titulação coletiva da terra, facilita a fragmenta-ção e o desaparecimento da comunida-de tradicional, expondo suas famílias à especulação imobiliária e à pressão do poder econômico.

2.1.2 Insegurança fundiária e a fundação da ACCLAPEZ em resistência aos avanços da especulação imobiliária

Segundo relatos dos moradores, a pressão imobiliária sobre a comuni-dade se acirrou a partir da década de 40, quando a parcela de terra em que se encontra o território tradicional foi comprada pela Companhia Vidreira do Brasil (COVIBRA), do empresário português Lucio Thomé Feteira, men-cionado inúmeras vezes nos relatos e em poemas e contações de histórias de um dos pescadores mais idosos. A partir desse momento, teve início uma suces-são de tentativas de remoção e expulsão e a transferência da titularidade da terra para diferentes empreendedores priva-dos, que mantiveram a pressão sobre as famílias. A resistência das famílias de pescadores resultou na fundação da AC-CLAPEZ, em 1943, em torno da qual a comunidade tem se organizado, inclusi-ve para registrar a memória do conflito.

Sr. Vilson Corrêa, presidente da ACCLAPEZ, pescador liderança comunitária na resistência ao empreendimento, à beira da lagoa.

2. Importante destacar que, além da autoidentificação

da comunidade como tradicional, o próprio

poder público municipal já afirmou em outras

oportunidades a identidade tradicional da

comunidade pesqueira de Zacarias. como, por exemplo, na minuta do

Termo de Referência para Elaboração do Plano Municipal de Sanamento

Básico de Maricá: “A Área de Proteção Ambiental

de Maricá foi criada pelo Decreto nº 7.230 de 23 de abril de 1984 e abrange a

faixa marginal de proteção do sistema lagunar de

Maricá, integrado pelas lagoas de Guarapina,

Padre, Barra, Maricá e Brava e pelos canais de

São Bento, Cordeirinho e Ponta Negra, que ligam

as lagoas ao mar. Esta faixa foi demarcada pela

Superintendência Estadual de Rios e Lagoas - SERLA

através da Portaria nº 2, de 6 de fevereiro de

1984. Localiza-se na costa, formada pela antiga

fazenda São Bento da Lagoa, a Ponta do Fundão

e a Ilha Cardosa. Abriga a Comunidade Pesqueira

tradicional de Zacarias, presente desde o século

XVIII, sítios arqueológicos e o complexo ecossistema de restinga – este último

formado, entre outros componentes, por

tabuleiros costeiros, um duplo cordão arenoso

coberto por dunas, brejos, vegetações e fauna de

restinga. A sua construção promoveu a constituição

do sistema lagunar Maricá-Guarapina, com o fechamento

da antiga enseada.” (grifos acrescentados)

Fonte: http://www.comitebaiadeguanabara.

org.br/publication/termo-de-referencia-para-

a-elaboracao-do-plano-municipal-de-saneamento-

basico-de-marica/wppa_open/

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Segundo relatos dos pescadores, bus-cando atender à demanda de proteção da comunidade e da restinga contra as investidas do setor imobiliário, foi criada a Área de Proteção Ambiental de Mari-cá, em 1984. Infelizmente, a criação da unidade de conservação não foi seguida da desapropriação da área e da subse-quente regularização fundiária que per-mitisse a titulação coletiva e a perma-nência dos pescadores em seu território bicentenário. Há informações também de que o Instituto de Terras do Estado do Rio de Janeiro - ITERJ chegou a iniciar processo de cadastro das famí-lias para regularização fundiária, mas não se tem notícias de desdobramentos. Permanecem, portanto, em um estado de insegurança fundiária, o que torna a comunidade e seu território vulneráveis a tentativas de remoção.

2.1.3 A presença física da empresa na comunidade mesmo antes da concessão de qualquer licença

O conflito atual envolve a empre-sa IDB Brasil Ltda., subsidiária de um grupo empresarial espanhol do ramo da construção civil (grupo CETYA/Aricam). Foram relatadas as diferen-tes táticas de pressão da empresa sobre membros da comunidade para aceita-ção do projeto, em especial medidas que buscam fabricar um consenso de acei-tação comunitária em relação ao em-preendimento, para isso estimulando a fragmentação entre moradores. Segun-do relatos das famílias, mesmo antes da concessão de qualquer licença ambien-tal, a empresa já se fazia presente no

Alguns dos pescadores e moradoras mais antigos contam a história da comunidade, sua relação ancestral com a lagoa e a restinga de Maricá e a árdua resistência contra sucessivos empreendedores privados.

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território pesqueiro, com funcionários e empresários circulando em seu interior3. Em 2007, os moradores contam que fo-ram surpreendidos com a colocação de uma cancela na entrada da comunidade e de seguranças privados contratados pela empresa, que controlavam a en-trada e saída, ato que foi seguido pela instalação de um contêiner de publici-dade do empreendimento no interior da comunidade4.

De fato, na diligência realizada in loco, a CDDHC constatou, na entra-da da comunidade ao lado direito, um contêiner verde da empresa IDB, que fazia as vezes de um pequeno escritório ou stand de apresentação do empreendi-mento, com pôsteres, cartazes e alguns funcionários que monitoravam a movi-mentação de entrada e saída, bem como outros métodos de pressão que serão descritos ao longo deste relatório, con-firmando as denúncias recebidas.

2.1.4 Vigilância e infiltração produzindo sensação de controle e intimidação

As famílias relataram também que a presença e circulação indevida de fun-cionários, empresários e representantes da IDB possui, sob várias moradoras e moradores, o efeito de produzir uma sensação de vigilância.

No dia da diligência, no início da reunião que iniciaria a oitiva dos relatos, três funcionários ou representantes da IDB (duas mulheres e um homem) insis-tiram para entrar na sede da ACCLA-PEZ e acompanhar a reunião, causan-do desconforto e revolta nas famílias de pescadores que queriam se reunir e re-latar os problemas gerados pela empre-sa sem a vigilância ou presença de seus representantes, tendo em vista que tal presença constante, incômoda e por ve-

3. Em ofício datado de 10 de março de

2013, endereçado à Prefeitura Municipal de

Maricá denunciando a irregularidade do

empreendimento e seu impacto no ecossistema da restinga e na sobrevivência de Zacarias, os moradores

já denunciavam a constante presença e

assédio de empresários espanhóis em seu território

tradicional: “diariamente os representantes dos

empresários espanhóis estão na nossa vila

insistindo de forma veemente para que sejamos

favoráveis ao projeto”.

4. Um termo de declarações prestadas por

dois pescadores de Zacarias na Defensoria Pública

do Estado do Rio de Janeiro em 2013 também dá conta do permanente

assédio e cerceamento de direitos por parte do grupo

empresarial interessado no empreendimento e o desamparo institucional da comunidade, mesmo

diante das denúncias apresentadas a diferentes órgãos públicos: “3 - Em

2007 o grupo espanhol iniciou o ‘cercamento’ da comunidade com cercas e telas, impedindo a ir e vir dos moradores, inclusive

revistando-os, impedindo os carros de entrarem, sem qualquer comunicação. 4 -

A comunidade se dirigiu ao Poder Público Municipal que nada esclareceu. 5 - Na época os moradores

registraram a ocorrência da delegacia de Maricá. 6 - Os moradores procuraram

o MPF e o Ministério Público do Estado, fazendo

inclusive manifesto na ALERJ e pediram

audiência com o então presidente Sr. Pisciani.

7 - Após a movimentação da comunidade as cercas e

telas foram retiradas”.

Fotografia tirada em 13 de outubro de 2015 mostra o contêiner colocado pela empresa IDB Brasil Ltda. na entrada da comunidade. Quando da realização da diligência pela CDDHC, em maio de 2015, o contêiner estava repleto de banners e material publicitário do empreendimento.

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zes ameaçadora se mostrou justamente um dos cernes principais das denúncias feitas à CDDHC. Após insistência por parte dos representantes da CDDHC, os funcionários/representantes foram dissuadidos da ideia de acompanhar ou tumultuar a reunião na sede da associa-ção.

Quando a oitiva dos presentes na sede da ACCLAPEZ se encerrou, os presentes foram guiados por moradores e pesquisadoras para uma caminhada pelo território tradicional na restinga. Nesse momento, um carro preto, com vidros fumê que impossibilitavam en-xergar com clareza quem o tripulava, rondou a comitiva que realizava a di-ligência durante alguns minutos e, de acordo com relatos de alguns presentes, era possível distinguir que a pessoa sen-tada no banco do passageiro tirava fotos. Além disso, uma das representantes da IDB, a quem havia sido pedido que per-

mitisse às famílias de pescadores organi-zar o momento de visita sem a presença do empreendimento, acompanhou a uma certa distância essa segunda parte da diligência, seguindo a caminhada, sem se manifestar e sem interagir com os presentes. Ambos os fatos, presen-ciados pelo deputado representante da CDDHC, seus assessores e demais pre-sentes, confirmam a veracidade dos re-latos dos moradores sobre os métodos de pressão empregados pela empresa e a sensação de vigilância produzida pela sua presença constante e indevida na comunidade tradicional.

Reportagens coladas nas paredes do interior da sede da ACCLAPEZ contam uma história de resistência da comunidade tradicional às investidas e tentativas de expulsão por interesse de empreendedores privados.

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2.1.5 Métodos de cooptação e fragmentação da comunidade

Segundo relatos dos pescadores, há uma parcela minoritária de moradores que é favorável ao empreendimento, to-dos no entanto alheios aos quadros da ACCLAPEZ, fundada na década de 40. Este contingente de moradores teria fundado recentemente uma associação paralela, a AMORPEZ – Associação de Moradores e Pescadores de Zacarias, que, segundo relatos, teria o objetivo de falsear a impressão de concordância da comunidade com o megaempreendi-mento imobiliário e gerar notícias mi-diáticas positivas para a empresa e o projeto.

No início da reunião, dois senhores membros da comunidade e que seriam ligados a esta recente associação se fize-ram presentes à reunião e antagoniza-ram com as famílias de pescadores que compõem a ACCLAPEZ. Um dos se-nhores passou o restante da reunião de pé, filmando os presentes e as falas com seu telefone celular. Novamente, ficou claro para os presentes os muitos méto-dos utilizados pelo empreendedor pri-vado e por aqueles que se manifestam a seu favor, direta e indiretamente, para intimidar, pressionar e produzir sensa-ção de vigilância, controle e assédio so-bre as famílias de pescadores artesanais que se opõem ao empreendimento, que, por diversas vezes, manifestaram que se sentem ameaçadas.

2.1.6 Compreensão comunitária em relação aos riscos da regularização fundiária para titulação individual e demanda de titulação coletiva da terra

Os materiais de divulgação e docu-mentos ambientais do empreendimen-to mencionam como “compensação” a regularização fundiária da comunidade de Zacarias e a entrega de títulos de pro-priedade individuais5. O entendimento das famílias presentes à reunião é de que isso transformaria Zacarias em mais um bairro periférico de Maricá, uma comu-nidade trabalhadora precarizada que perderia seu território tradicional e sua relação histórica, cultural e socioeconô-mica com o sistema lagunar, a restinga e o mar, passando a servir de mão-de-obra barata para os megaempreendimentos que pretendem se instalar no Muni-cípio, dentre eles o resort da IDB. Em mais de uma ocasião, os moradores fala-ram da importância do reconhecimento da tradicionalidade da comunidade e da titulação coletiva da terra, para permitir a permanência no território e a sobrevi-vência da comunidade, com suas carac-terísticas e especificidades.

5. Trecho do parecer técnico do Grupo de Apoio

Técnico Especializado - GATE em meio ambiente,

do MPRJ: “Inicialmente, cabe ressaltar a informação

presente no próprio item do Estudo no sentido de que o direito de posse da comunidade tradicional

de Zacarias já é garantido pelo instituto do usucapião, sendo, nesse caso, incabível apresentação dessa medida

como potencializadora. Assim, a posse já pertence

à comunidade e a propriedade por meio de

instrumento jurídico pode ser objeto de regularização

dos títulos. Sendo ainda cabível informar que, no próprio Plano Diretor de

Maricá, apresenta-se a comunidade de Zacarias

como Área de Especial Interesse Social, e no

capítulo VI, arts 63 a 65, prevê a necessidade de se estabelecer programa de

regularização urbanística e fundiária por parte do

Estado. Nesse sentido, apresenta-se como

incabível para potencializar benefícios, a oferta do que

a comunidade já possui por direito.”

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2.2 Comunidade científica e movimentos sociais

Membros da comunidade científica e de movimentos sociais que se dedicam à preservação da restinga e do sistema la-gunar de Maricá fizeram falas em defesa do território da comunidade tradicional de Zacarias, alertando para os riscos da privatização da área que se consolidaria com a implantação do empreendimento imobiliário. As falas situaram o conflito na história e contribuíram para a com-preensão das medidas necessárias para trazer soluções definitivas que contem-plem os direitos coletivos da comunida-de tradicional.

Dentre os presentes, estavam o Pro-fessor Marco Antonio da Silva Mello, do Departamento de Antropologia Cul-tural do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; a Professora Désirée Guichard, da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Esta-do do Rio de Janeiro e membra do Mo-vimento Pró-Restinga; Igor Camacho,

membro do Movimento Pró-Restinga; Flavia Lanari, presidente da Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá - APALMA, dentre outros pesquisadores, professores e militantes.

2.2.1 Histórico de pressão, especulação imobiliária, cercamentos e violência policial

Segundo os pesquisadores, corrobo-rando os relatos das famílias de pescado-res6, ao menos desde a década de 40, a comunidade passa por conflitos trazidos pelo interesse do capital especulativo imobiliário no território, que já se tradu-ziram em ameaças à integridade física, incêndios de casas, construção de muros e cercas para impedir seu acesso ao mar, assédio, seguranças e guardas particula-res e, inclusive, uma incursão da tropa de choque da polícia militar no interior da comunidade.

6. Em documento datado de 10 de março de 2013, endereçado à Prefeitura Municipal de Maricá, a ACCLAPEZ relembra as reiteradas tentativas do capital privado de expulsar a comunidade: “Nossa comunidade pesqueira vem lutando contra processos de expulsão desde a década de 1940. Foram várias tentativas de implantação de grandes empreendimentos imobiliários pelos proprietários, para tanto estes muitas vezes usaram violência para retirar as famílias dos pescadores da área. Foram vários episódios nas décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970, nesta última entraram com batalhão de choque, que jogou até bombas na população. O pedido de socorro foi entregue nas mãos do papa João Paulo II pelos zacareiros. Na década de 1960 cerca de vinte famílias foram realmente expulsas de Zacarias, porém um grupo resistiu e permaneceu ficando conhecidos como a “Aldeia dos Irredutíveis”.

A Professora Désirée Freire, da UERJ, fala da história da comunidade tradicional, de sua resistência a sucessivos empreendimentos em seu território ancestral e seu papel na proteção da restinga.

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2.2.2 O zaqueeiro e a restinga de Maricá, tradicionalidade e patrimônio imaterial da humanidade

Representantes de movimentos so-ciais e pesquisadores falaram também sobre a importância científica, histórica, natural e cultural da restinga de Maricá e o papel da comunidade tradicional de Zacarias na sua preservação. Segundo o

professor Marco Mello, foi a resistência histórica das famílias de pescadores de Zacarias contra todas as investidas bus-cando sua expulsão ou sua assimilação completa à sociedade dominante e ao mercado de trabalho, com a perda dos laços de tradicionalidade, que lhes ren-deu o título de “Aldeia dos Irredutíveis”, frase que marca a entrada da sede da ACCLAPEZ.

Trecho da restinga, em que é possível ver as estacas de

cerca colocadas pelo empreendedor privado,

agora derrubadas.

Exterior da sede da ACCLAPEZ, fundada na

década de 40.

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Nas falas dos pesquisadores ficou claro que o discurso de “recuperação” da restinga pelo resort da IDB seria uma falácia não somente porque o empreen-dimento imobiliário certamente repre-senta uma ameaça ao ecossistema lo-cal, mas também porque a restinga não está degradada. Pelo contrário, apesar do despejo direto de esgoto no sistema lagunar de Maricá em razão da falta ou incompletude do serviço público de saneamento, os estudos e testemunhos dos pesquisadores dão conta de que é justamente a presença da comunidade tradicional de Zacarias que impediu a completa degradação da restinga, que possui diversas espécies endêmicas (que só ocorrem naquela localidade), raras e em alerta de possível extinção. Fica claro que a proteção da comunidade tradicio-nal de Zacarias e sua permanência ple-na em seu território ancestral possuem relação direta com a própria preserva-ção da restinga de Maricá e do seu ecos-sistema, assumindo portanto importân-cia histórica, cultural e ambiental.

2.2.3 Denúncias da irregularidade do plano de manejo da APA de Maricá e do plano diretor setorial da restinga de Maricá: falta de participação popular e fragilização do meio ambiente e do território tradicional

Ainda segundo relatos, pouco após a entrada em cena da IDB, foram reali-zadas alterações às legislações estadual e municipal que viabilizaram o empre-endimento. Em 2007, o governador do Estado do Rio de Janeiro aprovou por meio do Decreto 41.048, de 4 de dezem-bro de 2007, o Plano de Manejo da APA Maricá, sem participação popular das

comunidades compreendidas pela APA, dos movimentos sociais e da comunida-de científica, que já haviam questionado Deliberação CECA nº 4854, de julho do mesmo ano, justamente por aprovar um plano de manejo permissivo à constru-ção e especulação imobiliária. Segundo relatos, além da ausência de participa-ção popular, o plano de manejo teria sido elaborado antes mesmo de existir um conselho gestor para a APA, forma-do apenas dois anos depois, em 2009. Tal fato também indica a possível ilega-lidade do plano de manejo, elaborado a portas fechadas e contemplando os de-sejos do empreendedor interessado.

Segundo os pesquisadores, o zonea-mento previsto no plano de manejo da APA de Maricá libera para uso urbano a maior parte do território da comuni-dade de Zacarias, incluindo caminhos históricos de pescadores que ligam a comunidade pesqueira ao mar, resultan-do em verdadeira usurpação do territó-rio tradicional e do patrimônio natural coletivo em favor de empreendimento privado. O Movimento Pró-Restinga e a comunidade tradicional denunciam que até hoje o conselho gestor da APA de Maricá não divulga agenda de reu-niões, assim como não convoca a socie-dade interessada para participar. Ques-tionamentos semelhantes foram feitos em relação ao Plano Diretor Setorial da Restinga de Maricá, aprovado pela Lei Municipal nº 2331, de 25 de maio de 2010, que alterou o zoneamento da área, sem participação popular ou estu-dos técnicos, facilitando a implantação do empreendimento.

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Violações de direitos humanos na comunidade tradicional de Zacarias, Maricá

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Cartazes feitos pelas famílias de

pescadores e colados no exterior da sede da ACCLAPEZ denunciam

a irregularidade das alterações legislativa

que permitiram o empreendimento

imobiliário.

Foto de faixa na comunidade de

Zacarias, próxima ao campo de futebol e da

sede da ACCLAPEZ.

O empreendimento “São Bento da Lagoa” se insere em um pacote de grandes empreendimentos previstos para o Município de Maricá, ligados ao Complexo Industrial Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro - COM-PERJ e à exploração das bacias do pré-sal, em fases diferentes de licen-ciamento e amplamente contestados pela sociedade civil e pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, alguns dos quais são objeto de litígio judicial. Atualmente, o Ministério Público questiona em juízo as leis muni-cipais que alteraram o zoneamento urbano e os limites de áreas ambiental-mente protegidas no Município de Maricá, sem participação popular ou estudos técnicos, e que viabilizariam o licenciamento e a implantação de megaempreendimento portuário conhecido como “Terminais Ponta Ne-gra”, pela empresa privada DTA Engenharia Ltda. O caso é analisado em ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada contra o prefei-to de Maricá em 2015, atualmente em curso no Judiciário local.

Informações adicionais:

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Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania - ALERJ

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2.2.4 Demanda por solução fundiária definitiva: unidade de conservação que permita a sobrevivência da comunidade tradicional de Zacarias em seu território e a proteção da restinga de Maricá

Em muitas das falas também foi apresentada a questão de fundo que mantém o território e a comunidade suscetíveis a ataques do capital privado imobiliário: a criação da APA Maricá pelo Decreto Estadual nº 7.230, de 23 de janeiro de 1984, não trouxe solução definitiva para a insegurança fundiá-ria da comunidade tradicional ante a pressão do mercado imobiliário, pois o Governo do Estado do Rio de Janeiro, à época, não desapropriou a área, que permaneceu nas mãos de proprietários privados. As denúncias trazidas pela comunidade científica, movimentos so-ciais e pelas famílias de pescadores de-monstram que o domínio privado sobre a área resultou na violação de direitos fundamentais dos membros da comuni-dade e na vulnerabilidade de restinga. Segundo os presentes, o atendimento da demanda histórica popular de titulação coletiva da terra em favor da comuni-dade permitiria a continuidade dos mo-dos de vida tradicionais dos pescadores

artesanais de Zacarias, a segurança fun-diária e a proteção do ecossistema da restinga.

2.3 Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

O Sr. José Alexandre Maximino Mota, promotor de justiça que compõe o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente - GAEMA, falou sobre o inquérito civil que existe em curso no MPRJ que apura o licenciamento ambiental do empreendimento, levado a cabo pelo Instituto Estadual do Am-biente - INEA. Esclareceu que o pare-cer técnico elaborado pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado – GATE aponta diversas irregularidades e incon-sistências do estudo de impacto ambien-tal que, ignorados ou minimizados pelo INEA, se traduzem em vícios formais e materiais do licenciamento. Por conta dessa análise técnica, o MPRJ está es-tudando que medidas tomar para evitar que licenças sejam expedidas sem que tais vícios sejam sanados pelo INEA e pelo empreendedor.

Dr. José Alexandre Maximino Mota, membro do Grupo de Atuação Especial em Meio Ambiente – GAEMA do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, acompanhado de técnicos do GATE.

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Violações de direitos humanos na comunidade tradicional de Zacarias, Maricá

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2.4 Ministério Público Federal

O procurador da república Sr. Wan-derley Sanan Dantas, membro da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (“6ª CCR”), esclareceu que corre sob sua atribuição desde 2007 um inquéri-to civil que trata do caso. O Procurador mencionou a elaboração de laudo an-tropológico sobre a comunidade tradi-cional de Zacarias por técnica pericial da 6ª CCR. Sugeriu que os argumentos a respeito das violações à legislação am-

biental e riscos ao patrimônio natural e ecológico estão sendo minuciosamen-te tratados em inquérito civil em curso perante o Ministério Público Estadual e que a melhor contribuição do Ministé-rio Público Federal pode ser no sentido de proteger a comunidade de Zacarias na perspectiva de tradicionalidade. Fa-lou também do evidente argumento do impacto viário do megaempreendimen-to, pois o Município de Maricá não pos-sui estrutura para suportar uma nova cidade dentro da cidade (tendo em vista o adensamento urbano proposto pelo megaresort da IDB).

Ao final da mesma semana da diligência, o MPRJ expediu recomendação ao INEA determinando a suspensão da licença prévia emitida à IDB, diante das flagrantes irregularidades. Pouco tempo depois, no contexto de outra ação judicial que também questiona a legalidade do projeto e das leis e normas que o viabilizaram, foi proferida decisão judicial pelo Tribunal de Justiça do Esta-do do Rio de Janeiro - TJRJ impedindo o licenciamento de empreendimentos no interior da APA Maricá e determinando o cancelamento da licença prévia emitida pela CECA/INEA em favor da IDB, justamente em razão dos danos irreversíveis ao meio ambiente e os indícios de irregularidades. Tal decisão foi cassada pelo Presidente do TJRJ em suspensão de segurança, proposta pelo Município de Maricá. Esta última decisão foi objeto de reclamação apre-sentada ao Superior Tribunal de Justiça pela ACCLAPEZ (representada pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública) e de recursos pela APALMA e pelo Ministério Público Estadual.

Informações adicionais:

Dr. Wanderley Sanan Dantas, do Ministério Público

Federal, fala sobre o inquérito civil sob sua

responsabilidade.

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2.5 Ouvidoria Agrária do INCRA

O Sr. Pablo Pontes, ouvidor agrário regional do INCRA, esclareceu em sua fala que apesar de a Ouvidoria Agrária atuar em conflitos fundiários envolven-do assentamentos em áreas rurais, tam-bém possui atribuição para intervir em casos como o presente, em que o confli-to envolve comunidade tradicional e o seu direito ao território ancestral e me-gaempreendimento privado. Explicou

Informações adicionais:

Em 26 de junho de 2015, a analista do Ministério Público Federal, a an-tropóloga Jacira Monteiro de Assis Bulhões, concluiu perícia antropológi-ca a respeito da comunidade tradicional de Zacarias, que agora integra o inquérito civil nº 1.30.005.000025/2007-53, onde destacou a relação an-cestral da comunidade com a lagoa, o mar e a área de restinga, a pressão sofrida em decorrência do empreendimento e os impactos irreversíveis que o megaempreendimento trará para a comunidade tradicional.

também que deixaria seus contatos com os moradores e que o INCRA passaria a acompanhar o conflito, podendo con-tribuir apresentando soluções jurídicas intermediárias e até definitivas para ga-rantir o direito à permanência no terri-tório e envolvendo a Comissão Nacio-nal de Combate à Violência no Campo (“CNVC”).

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3. Caminhada pela comunidade e pela área de restinga

A caminhada pela restinga foi guia-da pelas/os pesquisadoras/es e mem-bros da comunidade tradicional, com o objetivo de mostrar aos presentes a extensão e os usos tradicionais do terri-tório de Zacarias - que não se limita às moradias à beira da lagoa -, bem como o estado atual da restinga, pontuando os possíveis impactos da implantação do megaresort sobre o seu ecossistema.

A caminhada permitiu verificar in loco a relação de interdependência da comunidade tradicional pesqueira de Zacarias com o ecossistema da restinga de Maricá, os saberes e práticas tradi-cionais e o profundo conhecimento dos comunitários sobre os ciclos de vida da fauna e flora locais. Destacaram-se da visita a existência bicentenária dos “ca-minhos de pesca”, trechos que ligam a lagoa ao mar e que são percorridos historicamente pelos pescadores nas épocas em que a pesca se desloca do sis-

tema lagunar para o oceano, as trilhas de coleta de plantas medicinais e ma-teriais para artesanato, destacando-se a planta nativa “camboinha”, utilizada na manufatura de bebidas e alimentos, e o profundo conhecimento das famílias de pescadores a respeito da fauna e flora local, seus ciclos e usos tradicionais.

A diligência permitiu verificar que a territorialidade da comunidade de Za-carias não se restringe às moradias das famílias à beira da lagoa de Maricá, e sim se espraia pela barra de Maricá e por parte da restinga, o que foi poste-riormente confirmado pelo laudo antro-

pológico da técnica pericial do Ministé-rio Público Federal7. A implantação do empreendimento imobiliário da IDB, de fato acarretará na perda da maior parte do território tradicional pesqueiro e sua transferência à iniciativa privada, o que impõe a necessidade de atuação imediata dos órgãos de fiscalização do cumprimento da legislação ambiental e de direitos humanos em defesa da co-munidade de Zacarias e da biodiversi-dade fluminense.

Representantes das entidades presentes à diligência da CDDHC, guiados por pescadores e membros da comunidade científica em caminhada pela restinga

7. “A ocupação espaço/temporal da Comunidade de Pescadores de Zacarias, realiza-se tanto em área onde estão suas casas quanto com o uso que fazem da restinga, das lagoas e mar até o canal da Ponta Negra.” (Trrecho do parecer técnico resultado de perícia antropológica realizada pela analista Jacira Bulhões, do Ministério Público Federal, às fls. 1703 do Inquérito Civil 1.30.005.000025/2007-53).

Foto página oposta:Os caminhos percorridos há séculos pelos pescadores e suas famílias, para deslocar seus barcos da lagoa ao mar e para a colheira de plantas medicinais e artefatos.

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A comparação dos mapas produ-zidos pelo empreendedor aos mapas e cartografias produzidos pela comu-nidade científica e movimentos sociais demonstra a sobreposição do empreen-

dimento ao território ancestral de Zaca-rias. Abaixo, o antigo mapa do mosteiro, que já aponta a existência da comuni-dade de Zacarias, e a cartografia social produzida pela comunidade científica:

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Abaixo, mapa que consta do pa-recer técnico do GATE, que aponta a quantidade e a localização dos prédios e estruturas prometidas pelo empreendi-mento, e sua sobreposição ao território ancestral da comunidade de Zacarias, bem como outro mapa, elaborado pelo empreendedor:

Como se vê das imagens acima, o empreendimento imobiliário da IDB em curso de licenciamento pelo INEA encurrala a comunidade de Zacarias à beira da lagoa, obstrui definitivamente o seu livre acesso ao mar e à restinga de Maricá e desconfigura de forma po-tencialmente irreversível seu território

tradicional. Considerando a história, as práticas socioeconômicas e a identidade cultural dos pescadores de Zacarias já documentada em pesquisas científicas e em laudo pericial produzido por quadro técnico da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Fede-ral, a implantação do empreendimento

significa a descaracterização da comu-nidade, seu possível desaparecimento e, portanto, uma perda cultural, histórica, científica e étnica imensurável ao Esta-do do Rio de Janeiro.

Imagem constante de parecer técnico do GATE.8

Imagem disponibilizada em material publicitário da empresa IDB Brasil Ltda.9

8. Os mapas podem ser encontrados também nos pareceres técnicos do GATE, constantes do sítio eletrônico Rede Ambiente Participativo

9. A imagem consta do sítio eletrônico do empreendedor.

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Violações de direitos humanos na comunidade tradicional de Zacarias, Maricá

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4. Disputa no Judiciário: a fragilidade do empreendimento e os riscos à população

O empreendimento foi alvo de ação civil pública ajuizada pela ACCLAPEZ (associação de pescadores), que ques-tiona a constitucionalidade do Plano de Manejo da APA Maricá e a lega-lidade do licenciamento e construção de empreendimentos no seu interior. Em 2015, a licença prévia emitida pelo INEA em favor do empreendedor foi alvo de recomendação de cancelamen-to pelo GAEMA - MPRJ, em razão das inúmeras e evidentes irregularidades. Pouco tempo depois, o Tribunal de Jus-tiça do Rio de Janeiro restaurou decisão liminar que impedia o licenciamento e construção de empreendimentos no in-terior da APA, tendo em vista os indícios de irregularidade e os danos irreversíveis ao meio ambiente que a implantação da “Fazenda São Bento da Lagoa” trariam. A decisão, no entanto, foi cassada pelo presidente do Tribunal em suspensão de segurança ajuizada pelo Município de Maricá, pendentes ainda recursos a órgãos superiores. O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, re-presentando a ACCLAPEZ, ingressou com reclamação no Superior Tribunal de Justiça contra a decisão do Presidente do TJRJ.

Apesar de se tratar de empreendi-mento diferente, vale mencionar que, em outubro de 2015, a Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Niterói ajuizou ação civil pública de improbi-dade administrativa contra o prefeito do Município de Maricá em razão de alterações irregulares nas leis de uso, zo-neamento e parcelamento do solo que

permitiriam a implantação de outro megaempreendimento, dessa vez um porto na Praia de Jaconé, sem estudos técnicos ou participação popular.

As diversas ações e recursos judiciais que questionam as alterações legislativas urbanísticas e ambientais que possibili-tam o megaempreendimento imobili-ário, algumas fruto de anos de investi-gação e estudo pelo Ministério Público Estadual, apontam para o grave risco que a sua realização impõe à popula-ção local, ao meio ambiente e ao erário municipal e estadual, colocando em si-tuação de especial fragilidade a comuni-dade tradicional de Zacarias, situada no coração do conflito.

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5. Conclusões

A diligência à comunidade tradicio-nal de Zacarias deixou claro que há um estado de violação de direitos hu-manos e da legislação ambiental e urbanística causada pela empre-sa IDB Brasil Ltda. e pela omis-são, conivência ou concordância do poder público estadual e muni-cipal, que coloca a comunidade tradi-cional pesqueira em situação de vulne-rabilidade, pressão e potencial violência, especialmente em razão da presença de representantes do empreendedor priva-do na comunidade e das práticas men-cionadas neste relatório.

Assim, a partir do que foi verificado in loco, dos relatos colhidos dos morado-res e dos documentos disponibilizados, foi possível verificar que:

5.1. O território tradicional de Zacarias

não pode ser entendido somente como as moradias dos seus membros e a bei-ra da lagoa, tendo em vista as práticas culturais e socioeconômicas que eviden-ciam a relação ancestral da comunidade com o trecho da restinga que liga a lagoa ao mar, demonstrado pelos caminhos de pesca, as áreas de coleta de plantas me-dicinais e de artefatos, por exemplo;

5.2Em razão do item acima, a sobre-

posição do megaempreendimento co-nhecido como “Fazenda São Bento da Lagoa” ao território tradicional de Zacarias, com a mera manutenção de alguns dos moradores em suas casas, indica a possibilidade de transferência irregular para a iniciativa privada de área pública, território tradicional e de

interesse científico e o inevitável ocaso da comunidade tradicional de Zacarias;

5.3O licenciamento de quaisquer em-

preendimentos em Maricá que impac-tem o sistema lagunar e o acesso à pesca artesanal pelas famílias de pescadores da comunidade de Zacarias deve pas-sar, obrigatoriamente, pela consulta li-vre, prévia e informada da comunidade, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Traba-lho - OIT, da qual o Brasil é signatário, cuja aplicabilidade a comunidades de pescadores artesanais já foi confirma-da pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, por meio de Nota Técnica sobre a MP 665/201410;

5.4As inúmeras denúncias e reclama-

ções a respeito da falta de transparên-cia do licenciamento ambiental pro-movido pelo INEA, da falta de acesso à informação e dos vícios da audiência pública promovida demandam enérgica apuração e possivelmente a anulação do processo de licenciamento, uma vez que também já parece evidente o des-cumprimento da obrigação de consulta prévia mencionado no item 5.3 acima;

5.5O licenciamento ambiental do pro-

jeto conhecido como “Fazenda São Bento da Lagoa” ainda é alvo de litígios judiciais, tendo sido também objeto de recomendações, reprimendas e alertas pelo GAEMA - MPRJ e seu órgão de apoio técnico, de modo que sua conti-nuidade com a manutenção da licença prévia e o possível avanço de obras se mostra temerária ao ecossistema local, ao direito fundamental ao meio ambien-

10. Trata-se de Nota Técnica sobre a Medida Provisória nº 665/2014, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão - Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais , Ministério Público Federal, Procuradoria Geral da República, subscrita pela Subprocuradora Geral da República e Coordenadora da 6ª CCR Deborah Duprat, e pela Procuradora Regional da República e Coordenadora do GT de Comunidades Tradicionais Eliana Péres Torelly de Carvalho, disponível no sítio eletrônico do MPF.

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Violações de direitos humanos na comunidade tradicional de Zacarias, Maricá

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te, à sobrevivência da comunidade tra-dicional de Zacarias e à biodiversidade fluminense;

5.6No sentido do item 5.5 acima, a con-

cretização do megaempreendimento imobiliário esvazia de sentido a criação da APA Maricá, pois além de acarretar em perda de biodiversidade transfere a maior parte da área de proteção, que deveria permanecer patrimônio coletivo e território tradicional pesqueiro, à ini-ciativa privada;

5.7É imperiosa a revisão democrática

dos processos legislativos que culminaram em leis mais flexíveis para o empreendedor privado do ponto de vista urbanístico e ambiental, notadamente o Plano de Manejo da APA de Maricá (Decreto Estadual nº 41.048, de 4 de dezembro de 2007) e o Plano Diretor Setorial da Restinga de Maricá (Lei Municipal 2331/2010), que possibilitaram intervenções da dimensão do megaempreendimento em território tradicional pesqueiro e em área de restinga de evidente interesse cultural, histórico e científico;

5.8Faz-se necessário esclarecer, diante

do cenário de crise e cortes orçamentá-rios, as fontes de financiamento do em-preendimento, tendo em vista ainda as diretrizes de financiamento sustentável e a crescente tendência de responsabi-lização de financiadores por empreen-dimentos privados que violam direitos humanos, expulsam comunidades, de-gradam o meio ambiente, comprome-tem corpos hídricos e contribuem para a extinção de espécies;

5.9A presença física de representantes

e funcionários da empresa que busca o licenciamento do empreendimento no território tradicional configura inequí-voca violação dos direitos fundamentais da comunidade tradicional de Zacarias e coloca em risco a integridade física de seus membros, gerando fragmentação comunitária, divisões internas e senti-mentos de vigilância, controle, intimida-ção e ameaça;

5.10Em razão do item acima, é imperio-

sa a imediata retirada dos funcionários, representantes e aparato da IDB do Brasil Ltda. do território tradicional de Zacarias, sendo certo que a sua perma-nência na comunidade coloca as famí-lias e moradores em risco;

5.11A fundação da ACCLAPEZ na dé-

cada de 40 evidencia a resistência his-tórica da comunidade pesqueira às ten-tativas de usurpação de seu território tradicional por empreendedores priva-dos, devendo tal imóvel ser preservado em sua inteireza em razão de seu evi-dente interesse histórico e cultural para o Estado do Rio de Janeiro;

5.12É necessária a desapropriação das

propriedades privadas ainda existentes no interior da APA Maricá e sua recategorização, para que a unidade de conservação possibilite a permanência da comunidade tradicional de Zacarias em seu território com pleno acesso às suas práticas culturais e socioeconômicas, e também a sua proteção contra futuras investidas do setor privado;

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5.13A quantidade de pesquisadores/as

e de trabalhos científicos e acadêmicos em curso na restinga de Maricá e na comunidade pesqueira de Zacarias, ao menos há 40 anos, indicam que a região não é propícia à atividade industrial, a megaempreendimentos imobiliários e ao adensamento urbano, tendo em vista sua vocação ambiental, científica e cultural, especialmente em razão da restinga e da existência da comunidade tradicional.

6. Encaminhamentos e recomendações

Além daqueles listados ao longo do presente relatório, a Comissão de Defe-sa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ faz as seguintes recomenda-ções e encaminhamentos:

6.1Ao Instituto Estadual de Patrimônio

Cultural - INEPAC e ao Instituto do Pa-trimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN para que verifiquem a possi-bilidade de tombamento material da sede da ACCLAPEZ, objeto do Projeto de Lei nº 596/2015 em curso perante a ALERJ, e do tombamento imaterial da arte da “pesca de galho”, praticada pela comunidade de Zacarias;

6.2O acompanhamento pela Comissão

Nacional de Combate à Violência no Campo - CNCVC, em razão da ten-são, intimidação e pressão gerados pela presença física de representantes e fun-cionários da empresa IDB Brasil Ltda., para evitar o acirramento do conflito e garantir a proteção da integridade física, psicológica, dos direitos fundamentais e da dignidade dos moradores da comuni-dade tradicional de Zacarias;

6.3Diante do Parecer Técnico 01 -

Comunidade de Pescadores Zacarias Maricá, acostado às fls. 1696/1718 do Inquérito Civil 1.30.005.000025/2007-53, em curso perante a Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, cujas conclusões apontam para o cará-ter tradicional da comunidade; o fato de que as práticas socioeconômicas e cultu-

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Violações de direitos humanos na comunidade tradicional de Zacarias, Maricá

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rais se relacionam predominantemente à pesca artesanal; os severos impactos do megaempreendimento sobre o ecos-sistema, a biodiversidade e, portanto, a sobrevivência da comunidade tradicio-nal, faz-se urgente o envolvimento da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, encarregada da proteção dos direitos de populações indígenas e comunidades tradicionais, especialmente em razão do claro des-cumprimento do direito à consulta livre, prévia e informada garantido pela Con-venção 169 da Organização Internacio-nal do Trabalho.

6.4Ao Instituto Nacional de Coloniza-

ção e Reforma Agrária - INCRA para que acompanhe o conflito e verifique a possibilidade de implantação de Projeto de Assentamento Agroextrativista - PAE como mecanismo de proteção da comu-nidade tradicional de Zacarias e de seu acesso pleno ao território e às suas práti-cas culturais e socioeconômicas;

6.5À Superintendência de Patrimônio

da União - SPU, para que se manifeste a respeito do plano de manejo da APA Maricá e do Plano Diretor Setorial da Restinga de Maricá, tendo em vista a existência de terras da União na área, bem como sobre a possibilidade de realização de Termo de Autorização de Uso Sustentável - TAUS para a comunidade tradicional de Zacarias;

6.6Ao Instituto Estadual de Ambiente -

INEA para que se manifeste a respeito da não realização de consulta livre, pré-via e informada à comunidade tradicio-nal de Zacarias, nos termos da Conven-ção 169 da Organização Internacional

do Trabalho;

6.7À Secretaria de Estado do Ambiente

- SEA e ao INEA para que se manifestem a respeito da inexistência de Avaliação Ambiental Estratégica que considere os impactos de todos os empreendimentos de grande porte que se pretende instalar em Maricá, em especial o resort “Fazenda São Bento da Lagoa”, os Terminais Ponta Negra (empresa DTA Engenharia Ltda.), o Gasoduto Rota 3 e o emissário de rejeitos petroquímicos do COMPERJ;

6.8Ao Município de Maricá para que

esclareça a respeito dos processos legisla-tivos que culminaram nas alterações do zoneamento urbano e uso do solo que permitiram a verticalização na restinga de Maricá, especificamente o Plano Di-retor Setorial da Restinga de Maricá;

6.9Ao Instituto de Terras do Estado do

Rio de Janeiro - ITERJ para que se ma-nifeste a respeito do cadastro das famí-lias de pescadores artesanais de Zacarias e da possibilidade de titulação coletiva de Zacarias.

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