VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER:...

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ISSN: 2236-3173 1 Mestre e Doutora em Direito Penal e Criminologia pela USP; Especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca; Coordenadora Regional em Sergipe do IBCCRIM; Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Estudos sobre violência e criminalidade na contemporaneidade” da UFS; Professora Adjunta do Dept.º de Direito da UFS; Professora do Programa de Pós-graduação Mestrado em Direito da UFS; Professora do Curso de Direito e da Pós-graduação da FaSe; Professora do Curso de Direito da FANESE; Professora da Escola Superior da Magistratura de Sergipe; Advogada. 2 Graduando em Direito pela UFS, bolsista do CNPq 2012/2013 em Iniciação Científica, integrante do Grupo de Pesquisa "Violência e criminalidade na contemporaneidade" FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA DO CURSO DE DIREITO – VOL 4 – Nº 1 – SETEMBRO 2014 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: análise do atendimento realizado na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) no município de Aracaju em 2010 - 2011 Daniela C. A da Costa 1 Pedro Silva Neto 2 RESUMO Este artigo tem por objetivo a análise da aplicação do procedimento disciplinado na Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) no município de Aracaju em 2010 - 2011. Para tanto, tomou-se por base a interpretação dos formulários aplicados na DEAM, na cidade de Aracaju, entre os dias 05 de novembro a 15 de dezembro de 2010, onde fez-se um levantamento acerca do perfil da vítima, da capacitação dos profissionais, das medidas protetivas, entre outras. Palavras-chave: Efetividade; Violência de gênero; Lei 11.340/06; DEAM. Introdução Apesar de a violência doméstica e familiar contra a mulher não se tratar de algo recente, a implementação da Lei 11.340/06 (LMP) mudou a forma de tratamento concedida a esta realidade em nível nacional, buscando definir as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, a partir da categoria violência de gênero, bem como parametrizar o procedimento prestado pelo Estado a este tipo de violência. Os primeiros títulos que compõem essa lei exaram mecanismos para fins de estruturação de políticas públicas preventivas e educativas, bem como de assistência às vítimas, num escopo de implementação de uma rede integrada de proteção e assistência, que se mostra ainda extremamente fragilizada. Para garantir a efetividade da Lei Maria da Penha, um dos principais aspectos que deve ser levado em consideração, é a capacitação dos profissionais que atendem as vítimas desse tipo

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ISSN: 2236-3173

1Mestre e Doutora em Direito Penal e Criminologia pela USP; Especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca;

Coordenadora Regional em Sergipe do IBCCRIM; Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Estudos sobre violência e

criminalidade na contemporaneidade” da UFS; Professora Adjunta do Dept.º de Direito da UFS; Professora do Programa de

Pós-graduação – Mestrado em Direito da UFS; Professora do Curso de Direito e da Pós-graduação da FaSe; Professora do

Curso de Direito da FANESE; Professora da Escola Superior da Magistratura de Sergipe; Advogada. 2Graduando em Direito pela UFS, bolsista do CNPq 2012/2013 em Iniciação Científica, integrante do Grupo de

Pesquisa "Violência e criminalidade na contemporaneidade"

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: análise do

atendimento realizado na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) no

município de Aracaju em 2010 - 2011

Daniela C. A da Costa1

Pedro Silva Neto2

RESUMO

Este artigo tem por objetivo a análise da aplicação do procedimento disciplinado na Lei

11.340/06 (Lei Maria da Penha) na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) no

município de Aracaju em 2010 - 2011. Para tanto, tomou-se por base a interpretação dos

formulários aplicados na DEAM, na cidade de Aracaju, entre os dias 05 de novembro a 15 de

dezembro de 2010, onde fez-se um levantamento acerca do perfil da vítima, da capacitação dos

profissionais, das medidas protetivas, entre outras.

Palavras-chave: Efetividade; Violência de gênero; Lei 11.340/06; DEAM.

Introdução

Apesar de a violência doméstica e familiar contra a mulher não se tratar de algo recente,

a implementação da Lei 11.340/06 (LMP) mudou a forma de tratamento concedida a esta

realidade em nível nacional, buscando definir as formas de violência doméstica e familiar contra

a mulher, a partir da categoria violência de gênero, bem como parametrizar o procedimento

prestado pelo Estado a este tipo de violência.

Os primeiros títulos que compõem essa lei exaram mecanismos para fins de estruturação

de políticas públicas preventivas e educativas, bem como de assistência às vítimas, num escopo

de implementação de uma rede integrada de proteção e assistência, que se mostra ainda

extremamente fragilizada.

Para garantir a efetividade da Lei Maria da Penha, um dos principais aspectos que deve

ser levado em consideração, é a capacitação dos profissionais que atendem as vítimas desse tipo

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de violência. O atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica requer uma atenção

especial e sensibilização dos profissionais que o realizam, devendo este atendimento ser

continuamente aperfeiçoado através da capacitação. Isso potencializa o combate a esse tipo de

violência, pois a vítima recebe um atendimento mais adequado pelos profissionais. A falta de

capacitação adequada é passível de revitimizar a mulher agredida, posto que a violência

institucional soma-se àquela, seja pelo fato de os profissionais destinados a atendê-la não

estarem devidamente capacitados para tanto, seja pelo fato de as medidas protetivas previstas

na própria lei não se efetivarem como o esperado.

Essa e diversas outras questões, como as relativas ao perfil da vítima e do agressor,

foram abordadas e discutidas a partir da análise das respostas dos profissionais ao formulário

que lhes foi aplicado.

Assim, partindo da premissa que a DEAM se tornou no Brasil, desde os anos 80, a

principal política pública de combate à violência contra a mulher, reduzindo os anseios

feministas a uma ambiência punitiva, o presente artigo busca especificamente a análise do

atendimento prestado pela DEAM no município de Aracaju, após o advento da Lei 11,340/06,

através do levantamento de dados estatísticos. Dessa forma, objetiva-se ter ciência do nível de

capacitação dos funcionários, do perfil de trabalho por eles desenvolvido, da qualidade e do

volume dos serviços prestados na DEAM de Aracaju, permitindo uma reflexão acerca da

efetividade de tais procedimentos.

1. Revisão de Literatura

Historicamente, a partir da perspectiva de uma cultura patriarcal, o sexo feminino

subjuga-se ao masculino, numa relação de poder verticalizada. Wânia Pasinato, baseada em

Joan Scott, problematiza o paradigma do patriarcado. Este paradigma pressupõe uma relação

fixa de dominação do homem sobre a mulher, decorrente das diferenças biológicas de cada

sexo. Portanto, esse paradigma não se mostra completo para explicar a violência de gênero. Tal

contexto apenas vê a mulher em seu aspecto vitimizante. Assim, implica “em considerar essas

relações como dinâmicas de poder e não mais como da dominação de homens sobre mulheres,

estática, polarizada” Pasinato (2004, p. 6)

O movimento feminista trouxe grandes avanços no combate à violência de gênero. A

partir dos anos 70 as discussões acerca da violência contra a mulher ganham cada vez mais

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visibilidade, passando a ser considerado um problema público, apesar dos vários obstáculos

socioculturais vigentes à época.

Símbolo maior desta visibilidade foi a implantação, em 1985, da primeira Delegacia

Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) na cidade de São Paulo. Essa época representou

grandes avanços no cenário internacional do direito feminino com a denominada “década da

mulher” (1975-85). A experiência de implantação foi pioneira não só no Brasil, mas também

no mundo. O modelo da DEAM paulista alastrou-se pelo país dando uma grande visibilidade à

violência contra mulher, sendo a principal política pública de prevenção e punição desse tipo

de violência específica.

A despeito da mudança na mentalidade, a violência contra a mulher por muito tempo

não foi considerada um problema de ordem pública. Logo, percebe-se costumeiramente uma

naturalização deste tipo de violência e uma relutância em denunciá-la. Porém, ao ocorrer a

denúncia, é bastante comum que, por influência dessa naturalização, as vítimas não recebam a

atenção devida por parte dos agentes policiais.

A primeira pesquisa nacional realizada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

sobre o perfil das delegacias menciona que existiam 339 delegacias em nosso país que são

especializadas no atendimento à mulher vítima de violência doméstica (CNDM, 2001). Em

2007, passaram a ser contabilizadas 403 delegacias da mulher, de acordo com dados da

Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM, 2007). Esse aumento pode ser entendido

como um reflexo da revitalização política das delegacias da mulher no âmbito das políticas

desenvolvidas pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM).

No entanto, há alguns obstáculos que impedem um satisfatório funcionamento das

delegacias como, por exemplo, a deficiência de capacitação dos profissionais e a quantidade

insuficiente de uma equipe multidisciplinar.

Todas as profissionais que trabalhassem nas Delegacias de Defesa da Mulher

deveriam passar por cursos de capacitação em questões de gênero, de forma a garantir

que todas as profissionais envolvidas no atendimento estivessem conscientes de que

as agressões sofridas por aquelas mulheres se constituíam em crime e deveriam ser

tratados como tal. (Izumino, 1998).

Apesar das críticas, as delegacias permanecem sendo o principal espaço de prevenção e

punição da violência contra a mulher. Com o surgimento das delegacias, a violência contra a

mulher vem sendo publicizada e cada vez mais denunciada. Apesar disso, muitas vezes as

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mulheres parecem não estar cientes do papel a ser desempenhado pela delegacia, pois, enquanto

a polícia realiza a apuração e a investigação do crime, elas nem sempre buscam uma

criminalização, e sim, uma mediação de conflitos. Isso contribui para que os policiais

desqualifiquem a queixa de violência, visto que a ideia preponderante é de que a mulher não

tem ciência dos seus direitos e do papel de cidadã. Tal prática também vai de encontro aos

preceitos do movimento feminista, cuja proposta foi um combate à impunidade nos casos de

violência contra a mulher, terminando necessariamente na averiguação e punição para o

agressor.

A partir dos anos 90 a categoria violência de gênero passou a ser utilizada para definir

a violência como aquela que “é praticada contra a mulher por ela ser mulher, ou seja, como

resultado da dominação do homem sobre a mulher” (PASINATO, 2004, p. 5). Esta categoria é

mais abrangente que a inicialmente tomada e deve ser vista a partir não das diferenças

relacionadas diretamente ao sexo biológico, mas tomando-se por base os papéis do masculino

e do feminino culturalmente impostos e naturalizados. Joan Scott, assim a define: “gênero é um

elemento constitutivo das relações sociais baseados em diferenças percebidas entre os sexos

(...) gênero como uma forma primária de significação das relações de poder” (Scott, 1988: 42,

44).

Com as crescentes denúncias de homicídios passionais e a impunidade dos criminosos,

ganharam força os apelos para a punição de tais tipos de crimes, evidenciando, mais tarde, as

outras formas de violência a que se submetiam as mulheres além da violência física, quais

sejam: psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Em nosso país a violência praticada contra a mulher adquiriu grandes proporções e

tornou-se um problema a ser combatido de forma emergencial, visto que acarreta sérias

consequências às vítimas, podendo, inclusive, levá-las à óbito ou deixar graves danos físicos e

psicológicos.

O caso mais famoso de violência doméstica, no Brasil, ocorreu com a biofarmacêutica

cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que lutou durante 20 anos para ver seu agressor

condenado, tornando-se um símbolo contra a violência doméstica. O agressor tentou matá-la

duas vezes, sendo que, em uma destas tentativas, deixou-a paraplégica. Maria da Penha, além

de querer que o seu agressor fosse punido, dedicou-se também a lutar contra o descaso do

Estado com relação a casos de violência contra a mulher.

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Dessa forma, Maria da Penha, juntamente com o CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito

Internacional) e o CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos

das Mulheres enviaram o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão

autônomo e principal da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O Estado brasileiro não respondeu à petição e se omitiu durante todo o procedimento.

Como consequência foi responsabilizado, em 2001, pela comissão da OEA por omissão,

negligência e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. Além do mais,

estabeleceu recomendações tanto de natureza individual para o caso quanto políticas públicas

para o país.

Pela primeira vez houve a aplicação da Convenção Belém do Pará no sistema

interamericano com uma decisão em que responsabiliza um país em matéria de violência

doméstica contra as mulheres. Assim, fez-se necessário o uso efetivo do sistema internacional

para concluir o processo penal em âmbito interno para que posteriormente, em outubro de 2002,

houvesse a prisão do agressor.

Além disso, o caso foi relatado ao Comitê CEDAW em 2003, o qual recomendou ao

Estado adotar uma legislação específica sobre violência contra a mulher.

Assim, em 7 de agosto de 2006, surgiu a Lei 11.340/06, popularmente conhecida como

Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir e a violência doméstica e familiar contra

a mulher, sendo resultado da ação comum do Estado e da sociedade civil, representando, sem

sombra de dúvida, um marco legislativo e social.

A violência contra a mulher é definida pela Lei Maria da Penha como “qualquer ação

ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou

psicológico e dano moral ou patrimonial” e é classificada em cinco categorias: física,

patrimonial, sexual, psicológica e moral. A lei ainda indica que a força geratriz da violência

pode ser relações domésticas, familiares ou de afeto, ainda que não tenha havido coabitação,

independentemente da orientação sexual dos envolvidos, portanto, deve-se tomar por base a

categoria violência de gênero como campo primário de análise.

2. Metodologia

As tarefas foram iniciadas através do Grupo de Pesquisa denominado “Estudos sobre

violência e criminalidade na contemporaneidade” referente à linha de pesquisa “Violência de

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Gênero: pesquisa sobre a efetividade da Lei 11.340/06”, sob a orientação da Profª. Drª. Daniela

C. A. da Costa, com a leitura de textos de metodologia da pesquisa social com o intuito de

conhecer os diversos métodos que podem ser utilizados em pesquisas, tais como entrevista,

questionário, formulário e, desse modo, saber qual o correto método a ser utilizado a depender

do caso em análise.

Outrossim, em reuniões quinzenais, discutiu-se acerca dos tipos de pesquisas,

analisando a complementariedade entre a pesquisa quantitativa e a qualitativa. Posteriormente,

foram feitas leituras de bibliografias sobre assuntos referentes ao tema de pesquisa, para assim

compreender a dinâmica bastante complexa que exsurge da violência doméstica e familiar, com

o fito de atentar contra as ideias pre-concebidas sobre o tema. Essas bibliografias eram

igualmente debatidas nas habituais reuniões quinzenais.

Passou-se, então, para a confecção dos formulários a serem aplicados na Delegacia da

Mulher e na 11ª Vara Criminal de Aracaju, respectivamente, a fim de dar início à pesquisa de

campo. A metodologia utilizada na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Aracaju

foi a aplicação de formulários direcionados aos funcionários, entre o dia 05 de novembro a 15

de dezembro de 2010, no qual constavam questões relativas ao perfil da vítima, à capacitação

dos profissionais da DEAM, às medidas protetivas e à conciliação. A partir da tabulação dos

dados, partiu-se para a confecção do presente artigo.

O procedimento acima foi repetido na 11ª Vara Criminal do município de Aracaju.

Foram coletados dados estatísticos, que, após levantados e analisados, serviram de base para

termos conhecimento da situação de violência doméstica em que se encontra o município de

Aracaju. Com o estudo, puderam-se aprofundar diversos temas da lei como capacitação, casas-

abrigo, medidas protetivas, conciliação, etc. E, por fim, estudaram-se formas alternativas de

resolução do conflito da violência doméstica e familiar, que não a punitiva, analisando assim

as experiências com métodos consensuais de resolução de conflitos.

Desse modo, este artigo, utilizando como método a aplicação de formulários aos

profissionais da DEAM em Aracaju, entre os dias 05 de novembro a 15 de dezembro de 2010,

possibilitou um contato direto do grupo de pesquisa com os serviços prestados pela delegacia,

levando-nos a uma reflexão acerca da efetividade dos serviços prestados na DEAM, conforme

se apresentará no próximo tópico.

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3. Resultados e Discussão

Foram aplicados 35 formulários aos profissionais da Delegacia Especializada de

Atendimento à Mulher de Aracaju, num universo de 45 profissionais, entre os dias 05 de

novembro a 15 de dezembro de 2010, abordando homens e mulheres sobre diversos aspectos

relativos ao atendimento prestado após o advento da Lei Maria da Penha. Percebeu-se que o

tempo de serviço dos entrevistados na DEAM é bastante variável, visto que vai desde quinze

dias até vinte e quatro anos, como se pôde inferir na primeira pergunta realizada, conforme

mostra tabela abaixo:

Tabela 1 - Tempo de Serviço na DEAM

Conceitos Frequência % % Válida % Acumulada

NR* 1 2,9 2,9 2,9

3 anos 3 8,6 8,6 11,4

4 anos 1 2,9 2,9 14,3

6 anos 4 11,4 11,4 25,7

20 anos 1 2,9 2,9 28,6

24 anos 1 2,9 2,9 31,4

10 dias 1 2,9 2,9 34,3

9 anos 1 2,9 2,9 37,1

18 anos 1 2,9 2,9 40,0

5 anos 6 17,1 17,1 57,1

5 meses 1 2,9 2,9 60,0

8 anos 1 2,9 2,9 62,9

1 mês 2 5,7 5,7 68,6

6 meses 1 2,9 2,9 71,4

15 dias 1 2,9 2,9 74,3

4 meses 3 8,6 8,6 82,9

7 meses 1 2,9 2,9 85,7

8 meses 1 2,9 2,9 88,6

3 meses 1 2,9 2,9 91,4

1 ano e meio 1 2,9 2,9 94,3

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NR* - Não respondeu

A maioria dos entrevistados ou possuem ensino superior ou são pós-graduados, o que

nos remete a uma mudança no perfil da segurança pública, evidenciando, por parte deles, a

crescente busca pela formação, demonstrado pelo gráfico a seguir:

Gráfico 1 - Escolaridade

Com relação a cursos de capacitação, 66% alegaram ter realizado alguns deles. Percebe-

se que a maioria realizou curso de capacitação sobre direitos humanos, seguindo-se de cursos

específicos na ACADEPOL e, somente em terceiro lugar, com 16,7%, curso específico sobre a

Lei Maria da Penha, ou seja, apenas onze dos entrevistados fizeram um curso de capacitação

sobre a LMP. Ademais, somente oito fizeram curso específico sobre violência de gênero. Há,

também, registros de cursos sobre gênero e etnia, conforme o gráfico abaixo:

Gráfico 2 - Capacitações

14 anos 1 2,9 2,9 97,1

17 anos 1 2,9 2,9 100,0

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Quando perguntados sobre a contribuição do curso realizado, alegaram que tais cursos

acarretaram mudanças no atendimento prestado à vítima, a saber: ter preparo psicológico para

atender à vítima, saber contornar atritos, visão diferenciada sobre o assunto, entendimento

maior dos aspectos da lei e mais segurança ao tratar de grupos vulneráveis.

Em relação à capacitação realizada, todos os entrevistados que responderam a pergunta

julgaram o seu grau de satisfação com o curso realizado de bom a excelente, conforme se vê no

gráfico abaixo:

Gráfico 3 - Satisfação com as capacitações

Isso demonstra que a importância dos cursos de capacitação, já citada, é de

conhecimento da maioria. Tais cursos concorrem para uma visão mais ampla sobre o assunto e

para uma melhora na forma de lidar com a vítima.

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Com a porcentagem de 52%, os entrevistados admitem também terem realizado cursos

de capacitação por conta própria, tais como: atendimento a grupos vulneráveis, pós-graduação

em políticas públicas, mediação de conflitos e polícia comunitária. No entanto, quando

perguntados sobre a existência de alguma capacitação específica para uma reordenação do

serviço após a Lei Maria da Penha, a maioria dos entrevistados (54%) admitiram não ter tido

tal capacitação, apesar de perceberem a sua importância e julgarem-na a melhor solução para

conflitos, de acordo com o gráfico:

Gráfico 4 - Participação de capacitação específica - Lei Maria da Penha

Os resultados obtidos, através da tabulação dos dados, implicaram na constatação de

algumas peculiaridades da DEAM de Aracaju que antagonizam com a LMP, a exemplo de

alguns incisos do art. 8º da Lei que estabelecem como medidas integradas de prevenção a

promoção de estudos, pesquisas e estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a

mulher, que deveriam ter seus dados sistematizados para uma posterior avaliação e a falta de

uma capacitação permanente, sendo a importância desta última mais do que corroborada no

combate à sobrevitimização, pois é um mecanismo eficaz para minorá-la.

No tocante às medidas protetivas, as mais comuns são o afastamento do agressor do lar

e a proibição de aproximação da ofendida, fixando o limite mínimo de distância. Quando

necessário, acontece de retirar a vítima do contato com o agressor, removendo-a, com a

participação da assistente social e da polícia, do domicílio em que se encontra. Todos os

pertences da vítima, assim como seus dependentes, devem também ser removidos do local.

Todavia, há muitos casos em que a própria mulher avisa a polícia sobre o

descumprimento de alguma medida pelo seu agressor e às vezes há falta de funcionários para

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realizar o acompanhamento da vítima no seu retorno a sua residência com o fito de pegar seus

pertences para ir à casa de abrigo, haja vista a deficiência do serviço prestado pela delegacia.

Assim, não é rara a exposição da mulher para que as medidas protetivas sejam cumpridas.

Quando perguntados sobre qual era o perfil mais recorrente das vítimas em relação à

classe econômica, responderam que a grande maioria das mulheres que buscavam a delegacia

eram da classe menos abastada (totalizando 85%), de acordo com o gráfico abaixo:

Gráfico 5 – Perfil das vítimas

Alegaram ser pouco comum a presença da classe alta fazendo denúncias, pelo menos na

DEAM de Aracaju. E quando interrogados acerca da violência sofrida pela mulher de condições

sociais altas, muitos dos profissionais acreditavam que apenas poucas sofriam violência. Porém,

não temos dados suficientes que confirmem esse julgamento, uma vez que muita da violência

sofrida por parte deste perfil de mulher não chega ao judiciário, compondo a cifra negra.

Geralmente, resolve-se em outra instância, pois inúmeras variantes influenciam para que não

seja feita a denúncia.

É importante destacar que ainda há uma maior dificuldade em traçar o perfil do agressor

devido às poucas informações contidas no Boletim de Ocorrência.

Além disso, responderam que quando resolvem denunciar, geralmente costumam vir

acompanhadas de familiares (63%), seguido por amigos (22%):

Gráfico 6 – Quem costuma acompanhá-las na denúncia

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Quando indagados sobre a existência ou não de alguma estatística relativa à violência

doméstica e familiar antes e/ou depois da vigência da Lei Maria da Penha, 74 % responderam

que havia, conforme tabela:

Tabela 2 – Estatística

No entanto, ao procurar essa estatística, a dificuldade em achá-la foi expressiva, pois

quando se entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública, a mesma informou só

possuir no registro os dados do B. O., o que se mostrou um tanto insuficiente.

Os funcionários da DEAM afirmaram haver um maior encorajamento por parte da

vítima a fim de procurar a delegacia depois da lei Maria da Penha, visto que houve um aumento

no número de mulheres que passaram a recorrer à DEAM e também disseram que a LMP tem

se mostrado a melhor solução para os conflitos, conforme gráficos abaixo:

Gráfico 7 – Maior encorajamento

Frequência % % Válida % Acumulada

NR 1 3 3 3

Sim 26 74 74 77

Não 5 14 14 91

Não soube

informar

3 9 9 100,0

Total 35 10 10

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Gráfico 8 – LMP como melhor solução por parte da vítima para os conflitos

Porém, as vítimas de violência geralmente só procuram a delegacia após reiteradas

agressões:

Gráfico 9 – Maior freqüência na procura da DEAM

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Normalmente, só fazem a denúncia quando não mais suportam o sofrimento. E, mesmo

assim, quando a ofendida depara-se com uma possível prisão de seu companheiro (o que

geralmente não é seu desejo, só o é em casos mais graves) ela pede a retratação. Isso ocorre

devido ao fato de grande parte das mulheres não enxergar a delegacia como um local para punir

o seu companheiro, e sim, um local onde possa ser feito um diálogo, uma mediação do conflito.

Além disso, há outros fatores que interferem na questão de a mulher só denunciar após

reiteradas agressões, como o fato de depender emocional e finaceiramente do agressor, por

possuir filhos com o mesmo, entre outros. Todos esses fatores fazem com que haja muitos

pedidos de retratação, o que também contribui para ser frequente a procura da DEAM mais de

uma vez pela vítima, pois geralmente o ciclo de agressões não cessa:

Gráfico 10 - Vítimas que procuram a DEAM mais de uma vez

Quando questionados sobre o local para onde as vítimas são encaminhadas quando há

risco à vida e/ou a integridade física, a maioria respondeu que são direcionadas às casas abrigo,

de acordo com o gráfico abaixo:

Gráfico 11 – Local para onde as vítimas são encaminhadas

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É importante destacar que, através do Centro de Referência Especializado de

Assistência Social (CREAS) “São João de Deus”, foi feita uma visita com integrantes do grupo

à “Casa-Abrigo Professora Núbia Marques”, onde se realizou em ambos os locais uma pesquisa

qualitativa com as ofendidas que lá se encontravam1. O gráfico abaixo mostra como é realizado

o contato com a casa-abrigo, tendo a DEAM o maior número de encaminhamentos.

Gráfico 12 - Encaminhamento

1 Em 2012 foi feita uma pesquisa qualitativa com as vítimas de violência que se encontravam tanto no

CREAS (Centro de Referencia Especializado de Assistência Social) São João, localizado no Bairro Industrial – município de Aracaju, quanto na Casa Abrigo Núbia Marques, momento no qual aplicaram-se os formulários às mulheres.

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Descobriu-se que a maioria não sabia da existência da casa-abrigo, sendo esse o último

lugar procurado por elas, porém constatou-se que elas se sentem seguras nesse local. Na

verdade, não há uma real segurança, a mesma é garantida pela sigilosidade do local. Foi também

descoberto que a principal razão para aceitar o abrigamento foi o medo seguido pela falta de

opção e, quando avaliam os episódios de violência, relatam que tiveram apoio de familiares

e/ou amigos. Quando perguntadas sobre o agressor, apontam principalmente o companheiro,

seguido do ex-marido, e em terceiro lugar o irmão.

Quanto às circunstâncias em que ocorreram as agressões, conforme gráfico abaixo,

percebe-se, como já era imaginado por ser de conhecimento comum, que a bebida alcoólica é

um dos principais catalisadores da agressão, pois já foi constatado anteriormente que a violência

ocorre com mais frequência em finais de semana e feriados, quando os seus companheiros

permanecem uma boa parte do tempo em bares e exageram na dose de tais bebidas.

Gráfico 13 – Circunstâncias

0 2 4 6

DEAM

CREAS

VARA JUDICIAL

Encaminhamento

Encaminhamento

CircunstânciasBebida alcóolica e/oudrogas

Ciúmes

Violência desmotivada

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Referente à DEAM, os entrevistados apontaram diversos problemas enfrentados para o

seu funcionamento, sendo os principais deles a deficiência no número de funcionários, a falta

de meios de locomoção (o que dificulta o deslocamento da vítima da delegacia para a casa de

abrigo), a falta de uma estrutura de atendimento à vitima mais adequada (decorrente da divisão

do espaço com as outras delegacias de atendimento a grupos vulneráveis), dentre outros.

Outro ponto que se deve destacar é a importância da existência de uma equipe

multidisciplinar com o objetivo de atender à vítima, esta foi encontrada na DEAM de Aracaju,

sendo composta por um psicólogo, uma assistente social e um defensor público. Esses

profissionais contribuem para analisar objetiva e subjetivamente as condições da vítima e de

familiares mais próximos. A falta dessa equipe multidisciplinar contribui para um atendimento

ainda mais limitado às vítimas, que necessita de profissionais devidamente capacitados quando

se dirigem à DEAM.

De uma forma geral, os funcionários da DEAM de Aracaju foram receptivos,

disponibilizando-se para a realização das entrevistas, apesar de alguns ficarem receosos com o

que seria questionado. Ficou evidente que os funcionários não receberam uma capacitação

voltada especificamente à violência de gênero, o que dificulta a compreensão de uma forma

ampla sobre a temática, assim o conhecimento que possuíam era setorizado, isto é, de acordo

com o setor em que diretamente trabalhavam.

Entretanto, a falta de organização dos dados estatísticos ficou evidenciada, inclusive a

partir de uma visita ao Centro Integrado de Operações em Segurança Pública (Ciosp) em busca

das estatísticas da delegacia, restou nítida a deficiência em sua organização.

Por fim, apesar das dificuldades de acesso aos dados estatísticos e da deficiência dos

mesmos, foi possível mapear parcialmente o serviço prestado pela Delegacia Especializada de

Atendimento a Mulher no município de Aracaju, após o advento da Lei 11.340/06.

Considerações finais

Para que alcance a sua efetividade, uma lei não basta apenas ser sancionada, mas

também ser monitorada para que seja devidamente aplicada, o que não seria possível sem a

capacitação. Como a vítima recorre à DEAM como primeiro órgão público, no intento de obter

auxílio profissional e cessar o ciclo de violência, a capacitação dos profissionais que compõem

tal instituição é de suma importância, devendo ser um sistema de capacitação continuada.

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Assim, possibilita-se a troca de experiências e a aprendizagem de novos conceitos, enquanto as

pessoas estarão continuamente revendo suas práticas, almejando, desse modo, alcançar um

trabalho efetivo de proteção dos direitos das mulheres. Por outro lado, uma não capacitação

pode implicar numa vitimização secundária.

Além disso, a violência contra a mulher não está sendo vista como fato excepcional,

principalmente em ambientes mais humildes, já que frequentemente as mulheres vítimas de

violência são oriundas de famílias desestruturadas, frágeis e caracterizadas pela escassez. Nesse

meio, a violência é vista de forma ainda mais naturalizada que nos meios mais abastados.

Assim, a cultura patriarcal, centrada na relação de dominação do homem sobre a mulher segue

naturalizada nesses ambientes.

Faz-se mister um trabalho de mudança de mentalidade para que a violência passe a ser

considerada algo extraordinário e, para isso, é necessário a mudança de paradigma da sociedade

em direção à desnaturalização da violência contra a mulher.

Dentre as práticas eficazes contra a violência, sobressai a tomada de consciência, não só

pelos envolvidos diretamente, mas também pela sociedade como um todo. A vítima, por sua

vez, precisa retomar sua autonomia e sua ida à justiça não deixa de ser um início desta retomada,

motivo pelo qual se torna imprescindível que ela seja ouvida e acolhida com respeito e atenção.

Analisando a aplicação da Lei 11.340/06 na DEAM de Aracaju, a primeira coisa que

ficou evidenciada é que, embora seja um local com prédio próprio e boa estrutura física para o

atendimento a grupos vulneráveis (idosos, crianças, homossexuais e mulheres), os quais são

atendidos em um andar voltado especificamente para eles, os profissionais não costumam

receber curso de capacitação acerca da Lei Maria da Penha. Isso faz com que os mesmos não

estejam e não se sintam preparados para lidar com a complexidade da violência doméstica e

familiar.

A violência só costuma ser denunciada após reiteradas agressões, e em geral, a vítima

não quer o agressor na prisão, ficando patente que seu desejo principal é romper com o ciclo de

violência. Isso demonstra que, por mais que a Lei exista, a mudança de mentalidade das pessoas

é algo que precisa ser trabalhada para que a violência não continue sendo tratada como algo

banal, aos moldes da cultura patriarcal.

O fator econômico tem se mostrado decisivo no comportamento dos envolvidos, pois

embora a violência doméstica atinja todas as classes sociais, ao traçarmos o perfil da vítima e

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do agressor temos a impressão de que a mesma só ocorre dentre as classes menos favorecidas,

já que estes são os casos que mais chegam ao conhecimento das autoridades.

Os entrevistados, sejam eles funcionários ou vítimas, apontam a dependência econômica

como causa na demora em denunciar o agressor, por não querer destruir a estrutura familiar

existente, principalmente em virtude dos filhos. Isso demonstra que a melhor forma de resolver

o conflito não é a simples intervenção estatal, com medidas meramente punitivas.

Ao avaliarmos a aplicação das medidas protetivas de urgência, percebemos que elas não

vêm sendo aplicadas conforme a lei, já que pela mesma exige-se o prazo de 48 horas para

remeter expediente apartado ao juiz com o pedido da vítima e, recebido o expediente, o juiz

deverá ter somente mais 48 horas para aplicá-la. Na prática, tal prazo muitas vezes costuma ser

ultrapassado e há uma falta de fiscalização do cumprimento de tais medidas protetivas.

Embora exista equipe multidisciplinar na DEAM, a mesma queixa-se de não ter como

prestar o atendimento necessário, ficando responsável apenas por uma consulta inicial,

encaminhando a vítima para algum centro de referência. Verifica-se a impossibilidade da

realização de um trabalho continuado e de um o acompanhamento do tratamento prestado.

Em sendo a DEAM, via de regra, a primeira porta de acolhimento das mulheres vítimas

de violência, conclui-se que ainda há muito a ser feito a fim de que os serviços prestados na

DEAM de Aracaju venham efetivamente a se adequar aos parâmetros impostos pela Lei

11.340/06, podendo-se destacar os seguintes pontos como os mais sensíveis, dentre os que

requerem uma reestruturação: capacitação especifica e permanente dos seus funcionários sobre

violência de gênero; estruturação da equipe multidisciplinar; cumprimento dos prazos

referentes às medidas protetivas; além de uma efetiva organização e estruturação dos dados

estatísticos.

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