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    Ficha tcnica:

    VIOLNCIARACIAL: UMALEITURASOBREOSDADOSDEHOMICDIOSNOBRASIL

    CopyrightGeleds Instituto da Mulher Negra e Global Rights Partners for Justice

    Coordenao EditorialRodnei Jeric da SilvaSuelaine Carneiro

    RevisoTania Portella

    Normalizao e Reviso BibliogrficaFrancisco Lopes de Aguiar

    Capa e DiagramaoAntonio Carlos KK dos Santos Filho

    EditoresGeleds Instituto da Mulher Negra e Global Rights Partners for Justice

    Apoio: FUNDAOFORD

    Todos os direitos reservados. A reproduo no-autorizada desta publicao,por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violao da Lei n 5.988.

    ILV, Ronei J. , RNEIRO, ueine

    Violncia racial: uma leitura sobre os dados de homicdios no Brasil / Rodnei Jeric da Silva eSuelaine Carneiro. So Paulo: Geleds Instituto da Mulher Negra; Global Rights Partners for Justice,

    2009.

    ISBN 978-85-62750-00-7

    129p.

    1. Racismo 2. Populao Negra 3. Violncia Racial 4. Juventude 5. Segurana Pblica 6.Mortalidade I. SILVA, Rodnei J da. II. CARNEIRO, Suelaine. III. Geleds Instituto da Mulher Negra. IV.

    Global Rights Partners for Justice IV. Ttulo.

    CDD 301.451

    CATALOGAONAFONTE GELEDSINSTITUTODAMULHERNEGRA.CENTRODEDOCUMENTAOEPESQUISALLIAGONZALZ

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    odnei Jeric da Silva e Suelaine Careiro

    Edio

    VIOLNCIA RACIAL:Uma leitura sobre os dados de homicdios no Brasil

    So Paulo

    Geleds Institto da Mulher Nega e Global ights Parers for Justice

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    Sumrio

    APRESENTAO............................................................................................7

    INTRODUO................................................................................................9

    I. A VIOLNCIANOBRASIL.......................................................................15

    1.1 OSDADOS......................................................................................231.2 A SEGURANAPBLICA...............................................................37

    II. VIOLNCIADACOR: JUVENTUDENEGRA, APRINCIPALVTIMA.........43

    III. TRSESTADOS, UMPERFIL: NEGROS..................................................57

    3.1 PERNAMBUCO................................................................................593.2 RIODEJANEIRO............................................................................713.3 SOPAULO...................................................................................93

    IV. CONSIDERAESFINAIS....................................................................111

    V. REFERNCIAS.......................................................................................115

    VI. ASORGANIZAES..........................................................................127

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    O direito vida est garantido em nossa Constituio Federal e em documentos internacioncomo tratados e convenes. Ter direito vida significa no apenas o viver, mas um estado completo bem-estar fsico, mental e social. A sua efetivao est relacionada a outros direitos, comno-discriminao, educao, sade, segurana, ao trabalho, entre outros.

    No Brasil, entretanto, o direito vida no exercido da mesma forma por todas as pessoas enegros (somatria da populao preta e parda, conforme classificao do IBGE), tm convivido comviolao sistemtica desse direito. Isto ocorre em razo do racismo, que estrutura a sociedade brasileir

    impede no somente que todos e todas tenham as mesmas condies de vida, mas principalmente, qtenham o mesmo tempo de vida. Os dados nacionais sobre violncia letal revelam que os negros soprincipais vtimas de homicdios e dentre estes, os mais vitimados so os jovens.

    Frente a esse processo de violncia racial, urgente a denncia de uma ao que se configucomo extermnio de jovens negros. tambm urgente o envolvimento de toda a sociedade brasileparticularmente da parcela que atua em prol dos direitos humanos e na luta antirracista, paraenfrentamento da situao num movimento de expanso do nvel de conscincia sobre as relaes racisociais, polticas e ticas.

    Este relatrio se prope a analisar o perfil racial das mortes violentas no Brasil, fato que esilenciado nas reflexes e discusses sobre o tema. Pretende tambm fomentar aes de enfrentameao racismo que contribuam para a promoo do direito vida dos negros brasileiros nesse campo.

    O presente relatrio a primeira etapa do Projeto Violncia Racial, que contar com seminriodiscusso sobre o tema e finalizar com o encaminhamento de recomendaes ao Estado brasileirodocumento tambm ser apresentado aos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos

    Apresentao

    Ronei Jerico oorenor o Prorm O Rcismo/ees Instituto Muer Ne

    ros Queso Rits Prtners or Justice/Prorm mric Lt

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    IntroduoH um more ner que no tem cus em oens; ecore e infornio

    um more insenst, que bule com s coiss vi, como rviez e o roum more insn, que lien existnci em tnstoros mentis. um morevtim, em resses e oens infeccioss ou e violnci e cuss exers. um

    more que no more, ml eni. more ner no um m e vi, um viesfeit, um toos ensneci que cor o o vi sem que loto o te

    que Lquesis o me. more ner um more esr (BTIT, EUDEPEREIR, 200

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    Os dados estatsticos de mortalidade por homicdios vm ocupando destaque nas discusssobre violncia no Brasil. O tema foco de anlises e debates em instituies acadmicas, organizada sociedade civil e pela sociedade em geral, que procura refletir sobre o fenmeno que ceifa vidas brasileiros, cada vez mais cedo. Homens jovens, particularmente da raa negra e dos centros urbanos, as principais vtimas de homicdios.

    Antes de dar continuidade a abordagem dos fatos se faz necessria a explicao sobre o concede raa. Neste trabalho, o conceito de raa ser utilizado como uma categoria socialmente construque empregada para informar como determinadas caractersticas fsicas (cor da pele, textura de cabelformato de lbios e nariz) e tambm manifestaes culturais, influenciam, interferem e at mesdeterminam o destino e o lugar dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. A noo de raa, qainda permeia o imaginrio social brasileiro, tem sido utilizada para excluir ou alocar indivduos determinadas posies na estrutura social e tambm para deix-los viver ou morrer.

    Os dados registrados pela srie documental Mapa da Violncia: os jovens do Brasil1, revelam q

    nossas taxas de homicdios so elevadas e tem como principal vtima a populao do sexo masculpertencente a raa negra. Negros o grupo racial brasileiro mais vulnervel morte por homicdiosestudo aponta que no ano de 2004, a taxa de vitimizao desse grupo foi de 31,7 em 100 mil negrenquanto para a populao branca foi de 18,3 homicdios em 100 mil brancos. A populao negra te73,1% de vtimas de homicdio a mais do que a populao branca (WAISELFISZ, 2006, p.58).

    A denncia da participao desproporcional de negros como vtimas de homicdios no assurecente. O Movimento Negro Unificado-MNU foi fundado no ano de 1978, em ato pblico realizado So Paulo, onde denunciou, entre as muitas violncias sofridas pela populao negra, a tortura e mode um homem negro nas dependncias de uma delegacia de policia, crimes que foram praticados ppoliciais. No ano de 1995, o Movimento Negro entregou ao presidente Fernando Henrique Cardoso

    documento Mrch Zumbi os Plmres, cont o rcismo, el cini e el vi, que afirmno captulo referente violncia que [...] de 1970 1992 a Polcia Militar de So Paulo matou cerca8.000 pessoas; das 4.170 vtimas identificadas, 51% eram negras, numa cidade em que, segundo o IBGos negros somam 25% da populao (MARCHA, 1995).

    O documento informava ainda: Deste modo, uma estratgia de represso alterna agresspoliciais, prises arbitrrias, tortura e extermnio. Nesta estratgia, o principal alvo o homem neg(Ibid., p.11).

    No ano de 1998, Barbosa (1998, p.100-101), em estudo sobre o perfil da mortalidade no Estade So Paulo, afirmava que os ndices estatsticos disponveis poca sobre mortes violentas revelavque homens negros tinham maior risco que os brancos de morrer por homicdios. Para a autora

    1 Estudo realizado por Julio Waiselsz e registrado em: Mapa da Violncia: os jovens do Brasil. Rio de Janeiro: UneInstituto Ayrton Senna, Garamond, 1998. Mapa da Violncia II-os jovens do Brasil. Braslia: Unesco, Instituto AyrSenna, Ministrio da Justia, 2000. Mapa da Violncia III- os jovens do Brasil. Braslia: Unesco, Instituto Ayrton SenMinistrio da Justia/SEDJ, 2002. Mapa da Violncia IV-os jovens do Brasil. Braslia: Unesco, Instituto Ayrton SenSEDH, 2002. Mapa da Violncia 2006-os jovens do Brasil. Braslia, OEI, Ministrio da Sade/Secretaria de Vigilem Sade, 2006

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    [...] o erl e morlie o homem nero oferece ossibilies e comreensos conies e vi fmli ner, em su miori, ut el crnci emmori, insto, emreo e ren, one se encontm em mior rooro s ches

    e mulheres.Populao marcada pela excluso e marginalizao, negros e negras brasileiros tm vivido h

    sculos como seres humanos destitudos de direitos e como portadores de uma humanidade incompleta,o que tornou natural a no participao igualitria dessa populao do pleno gozo de direitos humanos.Esta naturalizao implicou na aceitao das conhecidas desigualdades sociais que marcam a sociedadebrasileira, sendo que a divulgao de dados sobre essa realidade no so acompanhados de medidaseficazes no combate s desigualdades raciais. O racismo estrutura e determina as relaes raciais brasileirase incide nas condies precrias de vida da populao negra.

    Hoje, constata-se um fato que o movimento negro denuncia h dcadas: negros so os mais

    vulnerveis violncia, particularmente a letal, mas a desvalorizao de sua vida um fato sobre o qualpouco ou nada se discute. A preponderncia de negros nas taxas de homicdios e a perda de vida dejovens negros em fase criativa, produtiva e reprodutiva no tm recebido o devido destaque na discussosobre a mortalidade juvenil brasileira. Tal indiferena reafirma a situao de marginalidade, pobreza eopresso a que est submetida esta parcela da populao, um grande contingente humano que integra ogrupo dos que se encontram tradicionalmente sem acesso aos bens e servios disponveis na sociedade,estando irremediavelmente exposto violncia.

    Nesse sentido a mesma autora reafirma que:

    Os ftores mcrossociis, institos els conies histrics, esttr econmic,oltic, socil, cultrl e cios leis, ereos elo rcismo, em istintos contexoshistricos, conicionrm tmbm vi oulo ner (...) e crirm coniesverss que imctm, e moo iferencio, o erl e morlie est oulo.(Ibi., . 93).

    O diferencial na morte de negros que ela precoce e violenta. Estudo realizado por Paixo eCarvano (2008, p.180-181), analisou os indicadores sociais dos grupos de cor e raa que compem asociedade brasileira. Utilizando dados do perodo 1995-2006, analisou tambm o perfil da mortalidade dapopulao brasileira segundo os grupos de cor e raa. O relatrio apresentou os seguintes dados:

    A razo de mortalidade por 100 mil habitantes decorrente de homicdios, entre 1999 e2005, cresceu entre os homens pretos e pardos de 51,9 para 61,5 (18,4%). Entre os brancos,o indicador declinou de 35,8 para 33,8, ou 5,6%.

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    a incidncia de homicdios entre a populao jovem, especialmente de 15 a 24 ande idade, assumiu caracterstica de uma epidemia, mais uma vez, destacando-se simportncia entre os pretos e pardos do sexo masculino.

    em 2005, a razo de mortalidade por 100 mil habitantes por essa causa, na mesma fa

    de idade, entre os homens pretos e pardos, foi de 134,22. Entre os jovens brancos, foi66,8 (menos da metade).

    As iniquidades raciais refletem-se na mortalidade da populao negra e so decorrentes de condihistricas e institucionais que moldaram a situao do negro na sociedade brasileira. Os nmeros revelo que se deseja silenciar: a morte tem cor e ela negra. Os jovens negros so as principais vtimas violncia, que vivem um processo de genocdio.

    No h como no associar a condio particular a que est exposta a populao negra no Bracom o disposto na Conveno para a Preveno e a Represso do Crime de Genocdio (1948), que no

    artigo II define genocdio como

    [...] qulquer os seuintes tos, cometios com inteno e estir, no too ou re, um ro ncionl, tico, rcil ou reliioso, tl como: ssssinto e membo ro; no rve interie fsic ou mentl e membros o ro; submissintencionl o ro conies e existnci que lhe ocsionem estio fsic toou rcil; meis estins imeir os nscimentos no seio o ro; tnsfernfor e menores o ro r outo. (ONVENO, 1948)

    Os dados que sero apresentados a seguir consubstanciam essa tese e revelam que a morte viole

    tem cor e endereo, pois ela acomete negros, pobres e moradores de periferia e favelas, que morrem funo da omisso do Estado.

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    I A violncia no Brasil[...] s esiules econmics, sociis e cultris, s excluses econmic

    oltics e sociis, o utoritrismo que reul tos s reles sociis, corcomo for e fncionmento s instities, o rcismo, o sexismo, s intolerncreliios, sexl e oltic no so consieros fors e violnci, isto , sociebrsileir no ercebi como esttrlmente violent e or isso violnci r

    como um fto esorico suervel (HU, 199

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    Fazendo a reflexo a partir da noo dos direitos humanos, a violncia representa a violao ddireitos civis vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de conscincia e de culto; polticos o direitovotar e ser votado, a participao poltica;sociais- habitao, sade, educao, segurana; econmi- emprego e salrio, e culturais- manter e manifestar sua prpria cultura.

    De acordo com Michaud (1989, p.10-11) a violncia deve ser compreendida como

    [...] num sito e intero, um ou vrios tores em e mneir iret ou iniremci ou esrs, cusno nos um ou mis essos em rus vriveis, sem su interie fsic, sej em su interie morl, em sus osses, ou em suricies simblics e cultris.

    Para Chau (1999) a

    [...] violnci um to e brtlie, sevci e buso fsico e/ou squico cont lumcrcteriz reles intersubjetivs e sociis enis el oresso e intimio, meo e o teror. violnci se oe tic orque tt seres rcionis e sensveis, ote linuem e e libere, como se fossem coiss, isto , ircionis, insensveis, mue ineres ou ssivos.

    Mas a discusso sobre violncia que tem ocupado o cenrio poltico e qualificada como violn

    urbana2

    , est relacionada a assassinatos, sequestros, roubos e outros tipos de crime contra pessoas patrimnios, tendo no cdigo penal o lcus privilegiado para sua soluo. A violncia se expressa brutalidade da vida, na pobreza, nas carncias, na marginalizao e excluso de grupos sociais. Pora violncia que ocupa espao na agenda nacional est relacionada aos ndices alarmantes de casos roubos e homicdios. A preocupao com a violncia deveria ir alm da brutalidade que se encerramorte. Ela deveria ser apreendida tambm no desrespeito, na negao, na violao, na coisificao,humilhao, na discriminao. nesta perspectiva que queremos discutir a violncia a qual est submeta populao negra.

    Para compreendermos a participao desproporcional da populao negra entre as vtimas

    violncia letal e sua expressiva presena no sistema prisional, temos que discutir sua constituio coelemento suspeito, o principal alvo de integrantes das foras policiais brasileira

    Muito j foi dito, escrito e denunciado sobre a abolio inconclusa brasileira, que o fim do regiescravista no contemplou polticas pblicas de insero da populao ex-escravizada, que ficou me

    2 A letalidade da violncia no se restringe s grandes capitais e metrpoles, se manifesta tambm no interior dos estaem cidades menores e reas rurais.

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    de sua prpria sorte para sobreviver na condio de cidado livre, mas socialmente abandonado. Comosujeito livre, coube antiga populao escrava, ocupar os morros, periferias e reas distantes das cidades,vivendo de servios precrios dos quais recebia parcos rendimentos ou o puro desemprego.

    A desumanidade do negro, propagada pelo catolicismo e que fundamentou o trfico negreiro

    durante o colonialismo, no sculo XIX, d lugar era do racismo cientfico, onde teorias racialistas sodesenvolvidas em larga escala para comprovar a superioridade da raa branca.

    Como representante deste perodo temos Cesare Lombroso3 (1835-1909) que criou a antropologiacriminal, que se baseava na frenologia (medio do crnio) e na antropometria (mensurao do corpohumano ou de suas partes) e tinha por objetivo, demonstrar a relao entre as caractersticas fsicas dosindivduos, sua capacidade mental e propenses morais. Conforme defendido por esta linha cientfica, operfil do criminoso era: mandbulas grandes, ossos da face salientes, pele escura, orelhas chapadas, braoscompridos, rugas precoces, testa pequena e estreita.

    No Brasil, temos como seu seguidor Nina Rodrigues (1862-1906), professor de medicina legal naBahia e um dos introdutores da antropologia criminal no pas. Em 1894 publicou ensaios sobre a relaoexistente entre as raas humanas e o Cdigo Penal4, no qual defendeu a tese de que deveriam existircdigos penais diferentes para raas diferentes. Segundo ele, no Brasil o estatuto jurdico do negro deveriaser o mesmo de uma criana.

    No Cdigo Penal, o negro no tinha status de criana, mas sim de marginal: em 1890 foi institudaaquela que ficou conhecida como lei da vadiagem: tornava crimes punidos de priso a capoeira, amendicncia, a vadiagem e a prtica de curandeirismo; tambm permitia que indivduos a partir dos 9anos de idade fossem condenados.

    Essa foi a nica poltica desenvolvida no ps-abolio: a criminalizao de ex-escravos quevadiavam pelas ruas sem trabalho ou terra, transformados, portanto, nos principais alvos da repressopolicial. O negro se torna socialmente o principal suspeito e o mais perigoso, imaginrio coletivoconstrudo segundo a lgica Lombrosiana que orientava a poltica de segurana pblica.

    As teses defendidas pela antropometria e frenologia foram destrudas pelo desenvolvimentoda pesquisa gentica, que em carter definitivo decretou que h maior diversidade entre indivduospertencentes a um mesmo grupo tnico ou racial, do que as percebidas entre os indivduos de grupostnicos e raciais diferentes. Ainda que contemporaneamente tenham sido demolidas teorias que

    3 Lombroso tornou-se famoso por defender a teoria que cou popularmente conhecida como a do criminoso nato,expresso que na realidade foi criada por Ferri. Ao partir do pressuposto de que os comportamentos so biologicamentedeterminados, e ao basear suas armaes em grande quantidade de dados antropomtricos, Lombroso construiu umateoria evolucionista na qual os criminosos aparecem como tipos atvicos, ou seja, como indivduos que reproduzem

    fsica e mentalmente caractersticas primitivas do homem. Sendo o atavismo tanto fsico quanto mental, poder-se-iaidenticar, valendo-se de sinais anatmicos, aqueles indivduos que estariam hereditariamente destinados ao crime(ALVAREZ, 2002, p. 679 apud LOMBROSO, 1896).

    4 No livro As raas humanas e a responsabilidade penal no Brasil, Nina Rodrigues defende a impossibilidade de se punirda mesma maneira raas com nveis diversos de evoluo.

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    hierarquizavam racialmente os indivduos e marcos jurdicos enfatizem a igualdade de todos e torna prtica do racismo crime5 , vale ressaltar que nada disso foi suficiente para desassociar o negroestigmas e esteretipos, persistindo ainda no imaginrio social ideias e vises sobre a sua inferioridana escala humana e por conseguinte, a indiferena em relao ao seu destino. A morte, ou a violnciqual est submetida a populao negra, no percebida como um problema a ser enfrentado ou mes

    debatido em foro nacional.

    De acordo com Chau (1999), [...] e fto, violnci rel ocult or vrios isositivos:

    1. um isositivo jurico, que locliz violnci ens no crime controriee e cont vi;

    2. um isositivo sociolico, que consier violnci um momento e nomsocil, isso , como um momento no qul ros sociis tsos ou rcic

    entm em contto com ros sociis moeros, e, estos, tormviolentos;

    3. um isositivo e excluso, isto , istino ente um ns brsileino-violentos e um eles violentos, eles seno toos queles que, tsoeseros, emrem for cont roriee e vi e ns brsileino-violentos; e

    4.

    um isositivo e istino ente o essencil e o cientl: or essnci, sociebrsileir no seri violent e, ornto, violnci ens um ciente suerfcie socil sem tocr em seu fno essencilmente no-violento eis orqos meios e comunico se referem violnci com s lvrs suro, oneiemi, isto , teros que inicm lo sseiro e cientl.

    A raa tambm um dispositivo que estrutura as desigualdades sociais no Brasil, que subalternindivduos e promove privilgios e excluses de base racial (CARNEIRO, 2005).

    5 Constituio Federal, art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-sebrasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurae propriedade (...); inciso XLII a prtica do racismo constitui crime inaanvel e imprescritvel, sujeito penrecluso, nos termos da lei.

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    Os dados socioeconmicos do INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICAS(2008) confirmam esta situao. Segundo o relatrio, no ano de 2007, a mdia de anos de estudo dapopulao de 15 anos ou mais de idade continuava a apresentar uma vantagem em torno de 2 anos parabrancos, que tinham em mdia 8,1 anos de estudo, sendo que pretos e pardos contavam com 6,3 anos deestudo; dos pouco mais dos 14 milhes de analfabetos brasileiros, quase 9 milhes so pretos e pardos;a taxa de analfabetismo da populao branca de 6,1% para as pessoas de 15 anos ou mais de idade,pretos e pardos superam 14%; a taxa de analfabetismo funcional (pessoas de 15 anos ou mais de idadecom menos de quatro anos completos de estudo) para brancos de 16,1%, pretos e pardos de 27,5%.

    A defasagem educacional impacta negativamente na ocupao profissional e nos rendimentosauferidos. Mas o estudo demonstra tambm que brancos e negros com o mesmo nvel de escolaridadepossuem rendimentos diferenciados, com desvantagem para os negros.

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    A excluso social promovida pela rejeio racial determina o lugar social da populao negfatores que a torna vulnervel violncia. De acordo com Ramos (2002, p.1)

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    luns setores oulo so riculrente vulnerveis violnci, ou orque sresses criminis oem ssumir conures eseccs quno iriis eles, ouorque so vtims e criminlies com inmics rris. Isso oe ocorer quno vtim homossexl, ner, olescente, ios, ou ientic com quisquer ros

    sociis riculrente eis inte o crime ou olci.Isso significa que as caractersticas individuais ou de grupo podem indicar chances aumentadas de

    sofrer violncias ou de ter oportunidades menores de proteo contra as mesmas.

    A autora continua:

    Frequentemente, oulo ner, esecilmente os jovens, so vtims e ttmentoesreseitoso e inequo el rri olci, sej num revist olicil, sej numeleci. O que ciono ns cens comuns e seletivie e suseit um

    combino exlosiv e esteretios, violnci simblic, s vezes violnci fsic, ercismo, que s fz umentr o bismo ente olci e juvente e que erot toss tenttivs e rouo z e seurn com cooero e o enjmentocritivo juvente. Poltics volts r enentr o roblem o rcismo nre seurn e violnci so obritris num rorm e ricio sociee n reuo violnci (Ibi., .2).

    O racismo um fator determinante da violncia, pois estrutura as condies adversas quedeterminam o processo de excluso e desumanizao da populao negra.

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    1.1 Os dadosOs dados disponveis sobre violncia letal colocam o Brasil entre as taxas mais altas do mun

    sendo que elas esto concentradas na populao jovem.

    O relatrio Mortes matadas por armas de fogo no Brasil, realizado em 2005 pela Unesco, qutiliza dados do Subsistema de Informao sobre Mortalidade SIM do Ministrio da Sade do pero1979-2003, apresenta as seguintes informaes:

    Os os o IM eritem vericr que, ente 1979 e 2003, cim e 550 mil essmorerm no Brsil resulto e isros e lum tio e r e foo, num ritcrescente e constnte o lono o temo. Nesses 24 nos, s vtims e rs foo crescerm 461,8%, quno oulo o s cresceu 51,8%. Ms too ecrescimento, que enlob sites iferentes, foi uxo elos homicios com re foo, que crescerm 542,7% no eroo, enqunto os suicios com rs e fo

    crescerm 75% e s mores or cientes com rs crm 16,1% (WIELFIZ, 20. 11).

    O relatrio informa que dos 550 mil mortos, 205.722 (44,1%) foram jovens na faixa de 1524 anos e que o crescimento do uso de armas de fogo entre os jovens foi ainda mais violento do qna populao total. No perodo analisado, em 1979, 2.208 jovens morreram por armas de fogo, qrepresentavam 31,6% do total de vtimas de armas de fogo. Porm, no ano de 2003, os dados passpara 16.345 jovens, que representaram 41,6% do total de vtimas de armas de fogo (Ibid., p.13).

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    O estudo tambm analisa mortes por armas de fogo em 57 pases e detecta os seguintes dado

    a. dos 57 pases analisados, o Brasil ocupa a segunda posio, logo abaixo da Venezu

    na taxa de mortes por armas de fogo quando se trata da populao total;

    b. entre os jovens de 15 a 24 anos, o Brasil ocupa a terceira posio, logo depois Venezuela e de Porto Rico;

    c. nos dois casos, o lugar ocupado pelo Pas deve-se fundamentalmente letalidna utilizao de armas de fogo em homicdios, j que, na populao total, a taxaacidentes com armas de fogo de 0,18 em 100.0000 habitantes localiza o Brasil 16 posio;

    d. o Brasil fica na 5 posio em mortes por armas de fogo com inteno indetermine na 27 posio quando se trata de suicdios com armas de fogo (Ibid., p.24).

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    Procurando especificar as mortes violentas no ano de 2003, encontramos o estudo de Soares Filhoet al (2007) informando que os negros apresentavam os maiores ndices de mortalidade por homicdio emtodas as regies brasileiras. Segundo o estudo, 60% dos homicdios (30.841) ocorridos naquele ano foramem reas metropolitanas6, de acordo com a anlise de mortes por regio e negros foram as principais

    vtimas:s miores txs e homicios no sexo msculino form obsers n Reio ueste,r tos s cteoris e r/cor. Ns iferentes mcroreies, o risco reltivo ebitos os neros em relo os brncos vriou e 1,2 n Reio ul 3,4 n ReioNoreste. No sexo feminino, o mior risco e bito ocoreu n Reio ul. Mulheresbrncs e rets resentrm miores riscos e bito n Reio ueste, enqunto srs, n Reio ento-Oeste (Ibi., .11).

    H uma distribuio nacional no maior risco de morte por homicdios para a populao negra. Ser

    negro est diretamente relacionado com a possibilidade de ser vtima de morte violenta. Sua vulnerabilidadeno est restrita a uma localidade ou a um determinado perodo de tempo. sua permanente situao derisco que faz com que tenha prevalncia nos dados estatsticos de mortalidade em todas as unidades dafederao. O estudo indica ainda:

    oulo brnc resentou o menor risco e bito or homicio em quse toss UF nliss, exceto no Prn, one oulo brnc resentou mior risco,comr s outs cteoris e r/cor. oulo ret resentou miorrisco e bito or homicio em Ronni, Rio e Jneiro, o Pulo, nt trin,Rio rne o ul, Mto rosso e Mto rosso o ul. oulo r resentou

    miores riscos em Rorim, m, Permbuco, Mins eris e Distito Feerl.omrno-se brncos e neros qunto o risco e bito or homicio, obserou-se queno m, oulo ner teve um risco e 6,5 vezes mior e morer or homicioo que oulo brnc; o Distito Feerl e Permbuco recem em seui, comos miores riscos reltivos r oulo ner, 5,5 e 4,6 vezes o risco oulobrnc, resectivmente. O menor risco reltivo e bito r oulo ner emrelo brnc foi obsero no Prn (Ibi., .13).

    6 Segundo destaque dos autores Na anlise por macrorregio, necessrio considerar a importante subnoticao dosbitos para as Regies Norte e Nordeste. Em 2003, a razo de bitos informados e estimados na Regio Norte cou em75%, e na Regio Nordeste, em 70%. O Nordeste apresentou ainda, percentual de no informados de 17% para a varivelraa/cor.

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    A recorrncia a estudos da rea de sade para caracterizar o perfil racial das mortes violentas se d generalizao que marca a discusso sobre o tema no campo dos estudos sobre violncia. H diverobstculos para o levantamento de dados raciais: precariedade dos dados nos Boletins de Ocorrnc

    morosidade e excessiva burocracia para acessar dados das Secretarias de Segurana Pblica e MinistrPblicos e poucas informaes nas Ouvidorias da Polcia Militar. As dificuldades que cercam a produobteno de dados desagregados por cor, na rea da segurana pblica, geram a suspeio de que h silncio sobre a cor da morte que tem por finalidade evitar o estabelecimento da relao causal entre mort

    cor.

    Na rea da sade, desde 1996, h obrigatoriedade de que os registros organizados pelo Ministda Sade sobre vtimas de homicdios contenham o quesito cor7, o que faz com que o Ministrio posinformaes mais completas com relao dados raciais sobre mortes. Mesmo assim, persistem problemcom o preenchimento do quesito cor, que resulta em informaes classificadas como ignorada ou s

    informao. A subnotificao um grave problema ainda a ser enfrentado e segundo Soares (2004, p. 2[...] essas situaes sugerem descaso e/ou incompetncia no nvel municipal e descaso, incompetncia e fade controle no nvel estadual.

    As taxas de mortes violentas so alarmantes para qualquer segmento da populao que delas seja vtimSua evoluo nas ltimas dcadas evidencia a necessidade de aes pblicas que dialoguem amplamente cos diversos setores sociais.

    Conforme afirmamos anteriormente, o ano de 2003 considerado o pice no crescimento mortes violentas no pas e, neste ano, que tivemos uma forte investida do governo federal no comb

    violncia com a promulgao do Estatuto do Desarmamento (22 de dezembro de 2003). Em julho2004, desencadeou-se a Campanha Nacional de Desarmamento, que teve por objetivo recolher armasfogo e reduzir o nmero de homicdios. A iniciativa teve durao de um ano e recolheu mais de 467 armas de fogo e munio, segundo dados da Polcia Federal. A partir de 2004, a tendncia histricaaltas taxas nos dados de mortes violentas comea a ser revertida e a mortalidade por arma de fogo cai pprimeira vez desde 1990. O nmero de homicdios caiu 5,2% em relao a 2003 (WAISELFISZ, 200mas ainda assim permanecia elevado, como demonstram os grficos:

    7 O movimento social negro conquistou a incluso do quesito cor em pesquisas, estatsticas ociais, e em servioatendimento do setor pblico. Este item busca reetir a realidade social brasileira, pois um instrumento de aferisituao da pessoa negra. A ocultao do item diculta a compreenso da extenso da desigualdade racial presentsociedade brasileira, impedindo o acesso a dados que podem sustentar reivindicaes e polticas de investimentos, q

    pblicos ou privados, em setores que podero contribuir para ampliar a participao da populao negra.

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    As aes do governo federal provocaram impactos positivos nas taxas de homicdios, masredues no beneficiaram igualmente os grupos raciais, pois no ano de 2004, os negros ainda ocupava liderana de mortes violentas. Segundo Waiselfisz (2007, p. 3)

    e, n oulo brnc, tx em 2004 foi e 18,3 homicios em cem mil brncn oulo ner foi e 31,7 em cem mil neros. Isso sinic que oulner teve 73,1% e vtims e homicio mis o que oulo brnc. tUnies Feers cre, Tocntins e Prn reistrm, em 2004, mrooro e vtims brncs. Ns restntes 24 Unies Feers, revlecevitimizo e neros. Em luns csos, como o Prb ou o e los, sit muito sri, ultssno cs e 700% e vitimizo ner. Isso sinic qroorcionlmente o tmnho os ros, esses Estos exibem cim e oito vtimners r c vtim brnc.

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    Para o ano de 2005, o Ministrio da Sade informou que ocorreram 1.006.827 bitos, sendo que asagresses (homicdios) responderam por 47.578 casos, representando 52,5% da taxa bruta de mortalidadepor 100 mil habitantes. O sexo masculino respondeu por 43.665 dos bitos por agresses (homicdios),representando 48,2% por 100 mil habitantes naquele ano. (MINISTRIO DA SADE, 2007, p. 130)

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    Ainda conforme o mesmo estudo do Ministrio da Sade, em 2006, o Brasil teve 47.573 homicdsendo que 43.718 foram bitos do sexo masculino (47,5) e 3.855 do sexo feminino (4,1). As armasfogo foram responsveis por 43.683 homicdios masculinos e 2.052 femininos. (Ibid, p.194)

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    Sobre a participao racial de mortalidade por homicdios em 2006, o relatrio apresenta o quadroabaixo:

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    O Brasil, no ano de 2006, apresentou 15.357 bitos por homicdio de indivduos de raa branca,no mesmo perodo, para os negros os bitos alcanaram o alarmante nmero de 29.067 vidas encerradaspor homicdios (Ibid., p.203).

    Os dados so perversos para brancos e negros, mas revelam quase o dobro do impacto e umaprogresso permanente de incidncia para os negros. Em todos os dados apresentados, a populao negraocupa os primeiros lugares entre as vtimas por mortes violentas, principalmente os homens negros. Estasituao est presente em todas as regies brasileiras, com raras excees em alguns Estados, visibilizandoum ntido componente racial no perfil de incidncia dessas mortes. Os dados, sejam mensais, anuaisou decenais, repetem o mesmo padro: a permanncia de negros na primeira posio em mortes porhomicdio, quer a anlise seja por cor, sexo, idade, estado civil, localizao, etc.

    Negros que morreram vtimas de homicdio o foram em razo da violncia de assaltos, sequestros,brigas/desavenas, mas h a ao de grupos de extermnio, de milcias, da guerra entre grupos rivaisdo crime organizado8 e tambm pela ao das foras de segurana, representadas pelas polcias civil

    e militar. A segurana pblica uma das reas governamentais onde o racismo institucional9 opera deforma enraizada e que tem sido incapaz de fazer com que seus agentes atuem de forma equnime comtodos os cidados. Conforme Xavier (2006, p. 168)

    Est re no foi rci com es efetivs or re o overo r imlementoe um oltic que uesse romer com o quro e violnci e violo os ireitosexressos nquilo que os movimentos neros e e mulheres ners enominm eenocio o ovo nero.

    8 Grupos de extermnio so associaes que contam com a participao de policiais que se organizam e agem tendo porobjetivo a eliminao de indivduos; as milcias so grupos armados que contam como a participao de integrantes dasforas policiais do Estado, de vereadores e deputados, que controlam determinada localidade, e exploram servios

    ilegais como transporte, TV a cabo, gs e de segurana privada em reas de comunidades carentes, cobrando taxas decomerciantes e moradores. O crime organizado atua particularmente no ramo das drogas e armas, mas tambm emsequestros e roubos a bancos, dominam comunidades inteiras, e submetem os residentes violncia e constanterepresso

    9 Racismo institucional a prtica que ocorre quando as instituies deixam de oferecer um servio qualicado s pessoasem funo de sua origem tnico-racial, da cor da pele ou de sua cultura. Manifestam-se por meio de normas, prticas ecomportamentos discriminatrios adotados no cotidiano de trabalho, resultantes da ignorncia, da falta de ateno, dopreconceito ou da incorporao e da naturalizao de esteretipos racistas. Resulta num tratamento diferencial edesigual para os diversos grupos sociais, comprometendo a qualidade e o funcionamento dessas instituies e dosservios prestados populao e colocando determinado grupo racial em desvantagem.

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    1.2 A Segurana Pblica

    Segurana pblica a atividade realizada pelo Estado para assegurar a paz social, est previstaConstituio Federal , o artigo 144 afirma que ela um direito de todos, cabendo ao Estado provSegundo este artigo a segurana pblica, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercpara a preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio. (BRASIL, 20

    p.31).

    Cabe ao Estado garantir os direitos individuais e coletivos e a segurana pblica, atravsdelineamento de uma poltica de conteno de delitos e do estabelecimento de diretrizes para aplicao em territrio nacional. Aos estados e municpios cabe replic-la a partir de suas realidaddevendo estar voltada proteo dos cidados. O artigo informa tambm que o provimento da segurapblica se d atravs da polcia, sendo sua funo manter a lei e a ordem, responder pela contenda violncia urbana, bem como preservar e respeitar a legislao e os direitos dos cidados. tamb

    funo das instituies policiais a garantia do direito vida de todas e todos.

    Mas o que temos visto que a ao da polcia no atende s determinaes constitucionais e ao cria desconfiana e medo porque est pautada em estigmas de cor, sexo e classe. A ao policpara uma significativa parcela da sociedade, se expressa de forma violenta, com prticas de tortuchantagem, extorso e humilhao, particularmente contra negros, que so prioritariamente consideraperigosos e bandidos.

    Segundo Soares (2003), a polcia (polcias Civil e Militar, alm da Polcia Federal) a instituipblica que no passou por uma reviso e reajuste ao ambiente democrtico trazido pela promulgaoConstituio Federal de 1988 e teve como consequncia o desrespeito sistemtico aos direitos humanalm do comprometimento de sua credibilidade e eficincia investigativa e preventiva. Para o autor:

    [...] o fto e no ter comnho o rocesso e moerizo tcnic que crcteriztnts outs instities ncionis, fez com que seu moelo erencil ernecercico, retivo e mentrio, retrio roceimentos rcionis. (Ibi., . 76).

    O Estado brasileiro ao considerar violncia uma questo de policia, eximindo-se de enfrent-la a partir vulnerabilidades sociais, ocasionou a falta de envolvimento e integrao da polcia com outros setores da administrapblica (como ministrio pblico, poder judicirio, sistema penitencirio, defesa civil), o que criou uma falsa idde independncia dos diversos rgos pblicos e, no caso das polcias (visto que a segurana um tema de responsabilidade), resultou em seu isolamento e no fortalecimento de uma cultura corporativista.

    A poltica de segurana pblica desenvolvida no pas caracteriza-se pela criminalizao da pobreza, isttraduz-se em incurses de policiais fortemente armados em reas populares, durante as quais cometem abusospoder no exerccio de suas atribuies legais de conteno do crime e da violncia. Em nome da ordem, a polcia tviolado o direito de cidados comuns, que moram em reas com srios problemas econmicos e sociais, reasconcentrao de desigualdades e habitadas, em sua maioria, por pessoas negras. Os abusos de poder cometidos integrantes das foras de segurana pblica expressam a face brutal do racismo institucional.

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    Em vrios Estados, o avano de dados trgicos da violncia est relacionado com aes do crimeorganizado, de grupos de extermnio e incurses policiais. Trade que tem nas reas de favela e periferiao territrio de confrontos de policiais com grupos de crime organizado (formado principalmente porjovens), de grupos rivais de narcotraficantes que disputam o controle da rea e, grupos de extermniosque contam com a participao de policiais e ex-policiais. Esses confrontos se revelam na escalada dosdados de mortes violentas.

    Alm da represso policial, os moradores de reas pobres esto sob o domnio de rosriminosos ros com Domnio e Teritrio10, que impem uma dura rotina de obedincia e medoaos cidados daquelas localidades. So redes criminosas que atuam em atividades econmicas ilcitase irregulares, como o trfico de drogas e os servios de segurana e transporte coletivo irregulares, quenecessitam de um domnio territorial para sua atuao e o fazem atravs do uso de armas de fogo emreas marcadamente pobres, que apresentam altos ndices de violncia letal. Segundo os autores (SOUZAe SILVA; FERNANDES; BRAGA, 2008, p. 17) esses grupos atuam

    [...] rir o omnio teritoril e fvels e outos esos obres e sereos cie, fvoreceno-se e crcterstics eseccs esss loclies, seno misimornte bix ricio o Esto como reulor e rntior e ireitos.Em luns csos eseccos, como s fvels, contibui in ornizo escilinter mrc or becos, viels e rs esteits, que icultm o cesso olci.Estes ros, que comem se ornizr como qurilhs ente o nl os nos 70e incio os nos 80 se forlecem em su bse teritoril e to o estbeleceremum relo e recirocie for (DOWDNEY, 2003) com os morores sres contols. om isso, ocum lums lcuns eixs el relo il o

    Esto com ests comunies, muits vezes substitino os ireitos or fvores e sobries or reles e cumlicie.

    As periferias e favelas tornaram-se espaos apartados das demais regies da cidade, aprofundandoa segregao e a estigmatizao social desses lugares, o que se reflete na prtica discriminatria da polciacom os moradores destas localidades. A segregao impossibilita a essas pessoas o exerccio de umavida plena, autnoma, pois ela impede o exerccio da cidadania e da promoo de direitos. Encurraladosentre a ao de milcias e de grupos de narcotraficantes, moradores de reas vulnerveis sofrem como acirramento de suas condies de vida, que vo de aspectos econmicos, aos culturais e sociais,intensificando o processo de segregao dessas comunidades.

    Conforme Soares (2000, p. 27 apud ADORNO, 2002, p. 267-277), o narcotrfico tem sua atuaopautada em

    [...] elevo nmero e mores; esornizo vi ssocitiv e oltics comunies; o reime estico imosto s fvels e os biros oulres; o

    10 Expresso utilizada por Souza e Silva, Fernandes e Braga, 2008, (p. 16).

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    recrtmento e crins e olescentes cuj vi remtrmente comrometiissemino e vlores belicists contrios o universlismo emocrtico e o ci ero lele comunitri ticionl; o forlecimento o tirclism homofobi e misoini; o entelmento com os crimes o colrinho brnc

    com outs molies criminoss.Mas a necessria ao das polcias no combate ao crime organizado e outras aes criminosas t

    se realizado custa de vidas civis, o que aponta o uso excessivo da fora letal e a prtica de execusumrias (tiros na cabea, disparos pelas costas ou queima roupa). De modo geral a sociedade tolessa prtica porque as vidas que esto sendo perdidas so de no-cidados, de seres descartveis, qhabitam territrios indesejveis, que so considerados os perturbadores da ordem social.

    Segundo o Reltrio e Desenvolvimento Humno Brsil 2005 Rcismo, obrez e violncproduzido pelo PNUD, os negros so as maiores vtimas no s dos criminosos, mas tambm da polciaestudo mostra que a proporo de pretos e pardos entre os mortos pela polcia maior que na popula

    no negra, e que o peso desproporcionalmente alto dos negros entre as vtimas mortas nas apoliciais constitui claro indcio da existncia de vis racista nos aparelhos de represso. (PROGRAMDAS NAES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2005). Segundo ALMEIDA (2005), um organizadores do relatrio, em entrevista afirma que

    [...] robbilie e neros morerem em conontos com olci muito mns fvels, que so os locis one o nmero e moros mior. Ms iferen enbrncos e neros continu esroorcionl quno consiers outs res urbn

    Outra forma de perceber o tratamento seletivo dispensado populao negra, por meio

    observao da abordagem policial situao em que um cidado ou cidad parado e revistado integrante de fora policial, sendo uma prtica justificada como reveno e criminlie. abordagem reflete a operao de esteretipos raciais, que identifica no elemento negro o suspeitomalandro, o marginal, o bandido. A escolha preferencial de negros para abordagem policial ainda manifestao das prticas racialistas que citamos no incio deste trabalho, que continuam a vigerpoltica de segurana pblica.

    So poucas as pesquisas que abordam o componente racial da violncia policial ou a filtragracial que esta utiliza em suas aes. Cano (1997, p. 68) em pesquisa sobre as prticas de abordagpolicial constatou que: [...] a discriminao racial pode ocorrer em diferentes momentos da intera

    entre cidados e os integrantes das foras de segurana pblica:

    abordagem policial aos cidados a polcia pode abordar mais membros de certos gruraciais;

    deciso policial de registrar uma queixa membros de grupos vulnerveis tm machance de serem levados delegacia para registro do que outros, enquanto membrosgrupos racialmente dominantes podem ser somente repreendidos ou induzidos a pasuborno;

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    deciso de abrir um inqurito crimes de grupos racialmente discriminados contragrupos racialmente dominantes podem tornar-se inqurito mais vezes do que o contrrio;

    deciso de processar comumente a deciso de abrir ou no processo contra certosindivduos influenciada pela raa do acusado;

    condio de espera pelo julgamento membros de grupos raciais vulnerveis podem sermais frequentemente impedidos de depor ou tm maior chance de ter negado o direito deaguardar o julgamento em liberdade;

    sentenciamento os juzes podem tomar decises influenciados por seus preconceitosraciais, com consequente maior nmero de condenaes ou penas mais duras paraintegrantes de grupos raciais discriminados;

    tratamento na priso condenados que pertenam a grupos racialmente discriminadospodem ter pior tratamento nas prises do que membros de grupos dominantes condenadospelo mesmo tipo de crime;

    benefcios prisionais ou reduo de sentena pode ser mais difcil para integrantes degrupos racialmente discriminados obter esses benefcios.Pesquisa realizada em 2003 pelo Centro de Estudos de Segurana e Cidadania da Universidade

    Cndido Mendes (CESeC/Ucam)11, sobre as experincias da populao carioca com a polcia,principalmente nas situaes de abordagem ou blitz, e suas percepes e opinies sobre o trabalhopolicial indicou:

    [...] miori os criocs consier s borens oliciis, e moo erl, seletivs,ou bermente iscrimintris: cerc e 60% creitm que olci escolhe elrnci fsic quem ser boro(), incluino cor ele (40,1%) e moo e

    vestir (19,7%) (RMO, MUUMEI, 2004, . 6).

    A pesquisa indicou que uma situao de abordagem policial tpica e predominantemente racializada a abordagem de pedestres:

    Os os esquis quntittiv inicm que ser ro() nno n r ouem tnsore coletivo um exerinci que e fto incie esroorcionlmente sobreos neros e, no cso borem e eestes, tmbm sobre os jovens e s essose bix escolrie (quels com t 4 nos e esto, que reresentm 6,8% oulo crioc, form 11,4% os boros ). (Ibi., .8)

    A pesquisa apontou tambm:

    Incios in mis clros e seletivie rcil e socil surem quno se exmin

    11 Abordagem Policial, Esteretipos Raciais e Percepes da Discriminao na Cidade do Rio de Janeiro

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    incinci e revists cororis, um roceimento no muito comum ns blitzes veculos riculres (coresoneno 19% os csos escritos), ms reisto quse mete s borens no interior e nibus ou tem, e rticmente obritns borens e eestes (77% os csos). Mis mete (55%) s ess

    uto-clssics como rets e mete os jovens e 15 24 nos ros el ol ou em outs sites, isserm ter soio revist cororl, cont 33% o totbrncos ros e 25% e essos n fix etri e 40 65 nos (Ibi).

    A abordagem policial, alm de se basear em critrios raciais e na aparncia, tem sua ao tambdiferenciada em razo do territrio ou localidade em que ir atuar. Segundo o mesmo estudo, a favelseus habitantes so considerados alvos de mxima suspeio e este territrio o espao onde as forpoliciais atuam livremente, desrespeitando regras e direitos. A pesquisa ouviu a seguinte resposta de

    oficial da PMERJ no moro, toos so suseitos.

    As favelas e a periferia, de um modo geral, esto fragmentadas no imaginrio social como espde pobreza, construes desordenadas e inexistncia de equipamentos pblicos. Marcadas como rde vulnerabilidade social e, portanto perigosas, habitadas em sua maioria por pessoas negras, tornaramterritrios onde abusos e violncias so exercidos livremente, perpetrados pelas foras de segurantambm pelo crime organizado. Nesses espaos, o brao visvel do Estado restringe-se polcia, qatuando atravs de esteretipos, age de forma descontrolada e violenta.

    A violncia policial prtica rotineira em vrias cidades brasileiras. Segundo levantamento realizapelo Ministrio da Sade, solicitado pelo Estado de Minas Gerais, a partir da base de dados do SistemaInformaes de Mortalidade (SIM) referente ao ano de 2006, apurou-se que a cada 48 horas, trs pessso assinadas por policiais no Brasil, totalizando 46 mortes por ms ou 560 anualmente (CARVALH

    2008).

    Esses nmeros so contestados por especialistas que estudam o tema da violncia, poisubnotificao12 acaba diminuindo os nmeros da ao letal da polcia, impedindo que os rgossegurana tenham a exata dimenso da violncia em suas cidades. Ainda de acordo com o levantameno maior ndice de mortes provocadas pela polcia na regio Sudeste, as polcias de Rio de Janeiro e S

    Paulo lideram este rnin.

    Por ao do corporativismo, dificilmente as mortes em aes policiais chegam aos tribunais brasileiros. inmeras falhas nos procedimentos de apurao das circunstncias que levaram a operao policial resultar

    12 A subnoticao no realiza o registro do bito, no classica o tipo de morte. Reportagem do jornal Folha de So Painformava que os dados de mortes ocorridas no ano de 2006 (46.653) podem ser maiores do que o informado pgoverno federal. Segundo a reportagem, muitas mortes so lanadas no sistema de informao dos Institutos MdLegais como inteno indeterminada, e que aps o inqurito policial, o dado nem sempre atualizado. H tambsituaes em que, mesmo com evidncia da determinao da causa morte, peritos e policiais deliberadamente classicam a morte como homicdio com a inteno de maquiar estatsticas. Segundo a reportagem, se no BoletimOcorrncia no estiver claro que houve homicdio, e nem na Declarao de bito, a chance desse assassinato viinteno indeterminada PE, praticamente total. O ndice de inteno indeterminada brasileiro de 8%, e o percenque considerado aceitvel por especialistas de at 5%.

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    mortes: os corpos so removidos antes que a percia chegue ao local, os laudos de plvora no so realizados,provas somem do inqurito, faltam rgos de controle e independncia s ouvidorias, corregedorias e rgosde percia. Os Boletins de Ocorrncias so feitos por policiais, e os Institutos Mdicos Legais (IMLs), rgosresponsveis pelo preenchimento da Declarao de bito, so ligados aos governos estaduais.

    Segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos, as Ouvidorias de Polcia so responsveis peloexerccio do controle externo da atividade policial. A orientao do Governo Federal que as Ouvidorias sejamautnomas em relao s polcias e ao Estado, para que se constituam em espaos institucionais da sociedade

    civil no processo de ccountbilitda atividade policial. Mas somente 14 das 27 unidades federativas brasileiraspossuem Ouvidorias (Bahia, Cear, Esprito Santo, Gois, Mato Grosso, Minas Gerais, Par, Paran, Pernambuco,Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e So Paulo) (BRASIL... 2009) e a maioriadelas no foi constituda com autonomia administrativa e financeira.

    A impunidade e o corporativismo incentivam a desobedincia, geram insegurana legal e desacreditam asinstituies responsveis pela aplicao da lei. Tal situao autoriza as foras policiais a agirem de forma violentae repressiva, particularmente em territrios considerados hostis. A ao de combate ao crime tem resultado emgraves violaes aos direitos humanos.

    Os poucos dados sobre discriminao racial praticada por policiais revelam o descaso das instituies desegurana com o tema, reforam a imagem negativa das foras policiais junto populao negra e demonstram

    a cumplicidade da corporao com prticas racistas.

    Por ocuparem a base da pirmide social brasileira, negros e pobres so os alvos da ao de uma polcia

    que atua de forma violadora. Nossa histrica tradio de ocultao do conflito racial contribui para a livre prticade extermnio que realizada em territrios excludos de direitos. A falta de solidariedade para com as violaesaos moradores de favelas e periferias demonstra a indiferena e condenao social destes espaos. Se nas reasde classe mdia e mdia alta os crimes contra o patrimnio representam as principais ocorrncias, nos bairrosde periferia e nas favelas os crimes contra a vida so muito altos, o que denota uma relao entre misria evitimizao. As mortes violentas esto reservadas negros, pobres e moradores de periferia. Tal concluso corroborada pela afirmao de Philip Alston, Relator Especial das Naes Unidas para Execues Sumrias, queem 2007 realizou misso de investigao ao Brasil. Em suas impresses preliminares, o relator afirmou que:

    Homicios so or rincil cus e mores e inivuos ente 15 e 44 nos. Jh lum temo h ente 45 mil e 50 mil homicios cometios or no no Brsil. svtims em rne miori so jovens, o sexo msculino, neros e obres (LTON,2007)

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    II - Violncia da cor: juventude negra, a principal vtim

    POR IO TOMMO RUPorque in vior no Brsil esttr rcist que nos tt como se

    humnos e seun cteori, orque estmos resistino or noss rri conorque se no nos levntros cont o rojeto e elimino o nosso ovo, ninu

    o fr.Por que mrchmos nesse i 12 e mio e 2006?Porque queremos viver Esto move-se com mis tculnci r r cbo e noss existnci. cbr c

    ovo ne

    (techo o mnifesto Rej ou er Moro, Rej ou ser Mor!Por um Ouocie

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    Segundo o Conselho Nacional de Juventude - CONJUVE (apud NOVAES; CARA; MOREIR2006, p.4) a juventude [...] uma condio social, parametrizada por uma faixa-etria, que no Brcongrega cidados e cidads com idade compreendida entre os 15 e os 29 anos, estando compreendinesse leque aqueles que so adolescentes-jovens (entre 15 e 17 anos), jovens-jovens (entre 18 e 24 ane jovens adultos (entre 25 e 29 anos). O Ministrio da Sade realiza seus estudos em consonncia comOrganizao Mundial de Sade-OMS, compreende adolescncia como a segunda dcada da vida (119 anos) e considera juventude o perodo dos 15 aos 24 anos de idade.

    No Brasil, a populao entre 15 e 29 anos de 50.265 milhes de pessoas, que representam 26,da populao total. (IBGE, 2008)

    Para compreendermos a juventude brasileira, devemos falar no plural,juventes, pois possuidentidades, atuaes, experincias e origens diversas, que dialogam com as variveis de sexo, clascor e territorialidade. Essa pluralidade pode ser percebida a partir do acesso das juventudes produmaterial e cultural, aos bens e servios oferecidos na sociedade, o que muitas vezes impacta e determ

    a escolha de caminhos, ou o modo como cada um vive a sua juventude.

    Muitos jovens brasileiros so atingidos por problemas sociais, como a falta de trabalho ou de trabalho digno, de educao de qualidade e de qualidade de vida, ou seja, sofrem de mecanismosnegao da cidadania que os imergem em situaes de vulnerabilidades. Segundo Abramovay (20p.13), vulnerabilidade pode ser compreendida como

    [...] o resulto netivo relo ente isonibilie os recursos mteriou simblicos os tores, sejm eles inivuos ou ros, e o cesso esttr oornies sociis, econmicos, cultris que rovm o Esto, o merco e

    sociee.

    A somatria de fatores como racismo e pobreza fazem com que os jovens negros no tenhacesso aos bens materiais e culturais disponveis na sociedade brasileira, colocando-os em situapermanente de vulnerabilidade.

    Segundo dados da pesquisa: Retratos da juventude brasileira: Anlises de uma pesquisa naciondesenvolvida pela Fundao Perseu Abramo, os jovens negros/as representam cerca de 16 milhde pessoas, que esto sujeitos ao de fatores como violncia, desemprego, pssimas condies moradia e educao de baixa qualidade. A vulnerabilidade da juventude negra pode ser percebida na

    participao no sistema de ensino.

    Dados da Sntese de Indicadores Sociais (IBGE, 2008, p. 211) indicam que no ano de 200entre os estudantes de 15 a 17 anos, cerca de 85,2% dos brancos estavam estudando, sendo que 58,destes frequentavam o nvel mdio adequado a esta faixa etria; entre os negros 79,8% frequentava escola, mas apenas 39,4% estavam no nvel mdio. No ensino superior, o percentual de brancentre os estudantes de 18 a 24 anos de idade era de 57,9%, e de negros era cerca de 25%. O estu

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    analisa o perodo 1997-2007, que revela que estudantes negros na faixa entre 18 e 25 anos de idade noapresentavam no ano de 2007, as mesmas taxas de frequncia que os alunos brancos apresentavam 10anos antes, pelo contrrio,

    most, in, que iferen fvor os brncos, em vez e iminuir, umentou nesseeroo: em 1997 er e 9,6 ontos ercentis os 21 nos e ie, enqunto em 2007est iferen slt r 15,8 ontos ercentis (Ibi.).

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    A enorme dificuldade no acesso e permanncia da juventude negra no sistema de ensino demonseu carter excludente, que ir refletir em outros aspectos de sua vida e trajetrias escolares, que conforPassos (2006, p. 4) so marcadas pelas reprovaes e interrupes, espao onde tambm se reafirmestigmas e preconceitos contra alunos e alunas negras.

    Diferenas tambm existem nos rendimentos auferidos pelos grupos raciais, mesmo quanpossuem o mesmo nvel de escolaridade. Segundo os Indicadores Sociais

    omrno os renimentos or cor ou r ento os ros com iul nvel escolrie, conseue-se erceber ersistnci o efeito rcil, com o renimento-hos brncos t 40% mis elevo que o e retos e ros, no ro com 12 ou mnos e esto (IBE, 2008, . 212).

    O Relatrio de Desenvolvimento Juvenil 2007, estudo elaborado pela UNESCO, com o ap

    da Rede de Informao Tecnolgica Latino Americana (RITLA), do Instituto Sangari e do MinistrioCincia e Tecnologia, tendo por base dados de 200613, sobre a situao scio-econmica dos jovbrasileiros, apresenta a forte polarizao na distribuio de renda no Brasil,

    [...] fto que tem reforo vulnerbilie e mlos sementos oulobrncos, obres, neros e e iversos mbitos eorcos como s reies NorNoreste, historicmente esfvorecios. (WIELFIZ, 2007, .152)

    O estudo verifica que houve queda na renda per capita da juventude brasileira, entre 2001 e 20de 1,46 para 1,31 salrio mnimo per capita (decrscimo de 10,2%), e no perodo de 2003 a 2006, a qu

    foi de 6% (de 1,31 salrio mnimo para 1,23), representando queda da renda acumulada no peroanalisado de 15,7%. O estudo enfatiza que houve significativa queda nos nveis de concentraorenda, com ganhos notrios nos setores de extrema pobreza e queda nos ingressos nos nveis elevadde renda, mas a cor representa um fator de discriminao.

    nlise os os isonveis erite vericr que cor ele os jovens inconstiti um ftor e iscrimino. Em tos s reies, ren os neros seminferior os brncos. Isso um constnte em tos s unies feers e tos reies. Em 2006, no nvel ncionl, ren fmilir er cit os jovens nero50,6% inferior (mete) os brncos (WIELFIZ, 2007, . 74).

    13 Este estudo d continuidade aos relatrios ndice de Desenvolvimento Juvenil 1 publicado em 2003 e ndiceDesenvolvimento Juvenil 2 em 2005.

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    O viver a juventude para negros significa estar permanentemente em situao de vulnerabilida sofrer um vasto e amplo leque de interdies que podem ser percebidas na defasagem e evaso escona entrada prematura no mercado de trabalho e nos menores rendimentos auferidos. No ano de 20foi realizada a pesquisa Perfil da Juventude Brasileira para verificar os interesses e preocupaes de jovbrasileiros na faixa de 15 a 24 anos. Segundo a pesquisa, a educao o assunto que mais interessa jovens, seguido do emprego. Quanto aos problemas que mais os preocupam est a segurana/violnacompanhada de emprego/profissional. Os resultados demonstram que educao, trabalho e seguraocupam uma centralidade na vida de jovens brasileiros, qualquer que seja seu pertencimento racial, mh um dado que nos interessa em particular entre as constataes da pesquisa: 60% dos jovens negros qparticiparam da pesquisa expressaram a segurana/violncia como o problema que mais os preocup(INSTITUTO CIDADANIA. PROJETO JUVENTUDE, 2003).

    Mas por qu a segurana/violncia tema to expressivo na vida de jovens negros? Porque esabem que o corpo negro personifica o mal, que eles so considerados elementos suspeitos, qcondensam signos negativos cor preta, idade entre 15 e 24 anos, morador de periferia ou favela,

    repleta de grias. O elemento suspeito aquele que engrossa as estatsticas de mortes letais brasileiras

    Dados de 2002 do Mapa da Violncia IV - Os jovens do Brasil, a taxa de homicdio dos jovnegros (68,4 em cem mil) 74% superior taxa dos jovens brancos (39,3 em cem mil) na maioria dEstados brasileiros (somente o Paran apresentou maior taxa de homicdio entre jovens brancos), senque no Distrito Federal, Paraba e Pernambuco, as chances de um jovem negro ser vtima de homicera, neste ano, cinco vezes maior que a de um jovem branco. (WAISELFISZ, 2004)

    No ano de 2004, o nmero de homicdios na populao de 15 a 24 anos foi de 5.871 branco11.526 negros. Em 2005, a razo de mortalidade por 100 mil habitantes de homicdio na faixa etria

    15 a 24 anos entre os jovens negros foi de 134,22% e para os jovens brancos da mesma faixa etria de 66,8%.

    Em 2006, relatrio encomendado pela Organizao das Naes Unidas - ONU - Estudo das NaUnidas sobre a Violncia contra Crianas apresentou o perfil das vtimas da violncia e constatou qem cada grupo de dez jovens de 15 a 18 anos assassinados no Brasil, sete so negros.

    No de hoje que jovens negros sos as principais vtimas da violncia letal e geralmente morte classificada como resistncia seguida de morte (auto de resistncia), ou confronto entre grupde traficantes. Em 1995, a Coordenao Nacional de Entidades Negras CONEN - lanou a campan

    No matem nossas crianas para denunciar a ao de grupos de extermnio contra meninas e meninegros desencadeada aps a chacina da Candelria, no Rio de Janeiro. Em 2006, esta campanha atualizada para No matem os nossos jovens: eu quero crescer, ao desencadeada pela Central ndos Trabalhadores de So Paulo (CUT-SP) e 17 entidades dos movimentos negros, de direitos humane estudantil, que denunciavam o homicdio de jovens negros em So Paulo.

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    Para negros, pobres e moradores de favelas e periferias, h pouco ou nenhum respeito cidadaniae direitos. A face mais presente e visvel do Estado so seus agentes de segurana, que se apresentam paraesta parcela da populao como o violador, o que comete excessos, que detm o direito legtimo de utilizara violncia. Nestes territrios, as instituies policiais se tornaram grandes produtoras de violncias, poiso controle social realizado com equipamentos e armamentos pesados14, alm de instrumentos jurdicoscomo mandados coletivos de busca e apreenso. Essas aes resultam em nmeros expressivos de autosde resistncias mortes de civis que resistiram ao policial15.

    A violncia policial contra jovens negros percebida em todos os Estados brasileiros. Existemvrios e extensos relatos de agresses fsicas e verbais, humilhaes, atos de racismo e preconceito, masdestacaremos a situao na Bahia: no ano de 2004, o Frum Comunitrio de Combate Violncia (querene diversos segmentos da sociedade civil no combate ao dos grupos de extermnio e em defesados direitos humanos) apresentou dados levantados a partir dos registros do Instituto Mdico Legal NinaRodrigues, que informava que dos 706 mortos em homicdios com idades entre 15 e 29 anos, 699 eramnegros e sete brancos. As porcentagens em relao ao nmero de cem mil de cada etnia so de 50,1 para

    os negros e 1,7 para os brancos, ou seja, os negros tm 30 vezes mais chances de serem vtimas de grupode extermnio do que os brancos. (REIS, 2008)

    Diante da matana de jovens negros, surgiu em Salvador/BA a campanha Reaja ou ser mort@,movimento que rene defensores dos direitos humanos, negros e negras no combate mortalidade dejovens negros e contra a violncia policial.

    Conforme afirma Nzumbi (2009)

    quilo que se consr como exresses mis irets o que entenemos como

    violnci rcil oe ser tmbm ro no moo em que se orient o ro rciste suseio olicil, no cumrimento o e busc nos biros e eriferi, nosesncmentos e n en e more executo e/ou eriti elos entes o Esto,n rceri olci com os ros rmilitres no ttmento iferencio r execuo e sentens e cumrimento e en nos estbelecimentos risionis binos,n criminlizo miitic comunie ner, e n inustilizo o crimetvs rivtizo s rises e ven e ros e rs.

    A morte sistemtica de negros apresenta indcios de genocdio. Ainda que pesem as diferenas para

    14A polcia do Rio de Janeiro utiliza nas incurses favelas o Caveira ou Caveiro veculo militar blindado que foiinspirado em modelo utilizado na frica do Sul, nos anos 70, durante o apartheid racial, para manter a segregao e ocontrole punitivo sobre os bairros negros. Nas incurses os policiais utilizam metralhadoras e fuzis.

    15 Segundo o relatrio Violao dos Direitos Educativos da Comunidade do Complexo do Alemo/RJ, entidades de direitoshumanos do Rio de Janeiro questionam o uso do termo auto de resistncias, j que muitas mortes cometidas porpoliciais caracterizam-se como homicdios dolosos congurando-se como execues sumrias, e no em decorrncia deuma ao de resistncia aos criminosos. Os nmeros vm crescendo desde 1998 no Rio de Janeiro, quando apresentou303 casos e em 2003 foram 798; em 2006 foram 673 casos e em 2007 694. (p. 25)

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    Abdias do Nascimento, no livro O Genocdio do Negro Brasileiro: processo de um racismo mascar

    (1978) apresenta os significados da palavra GENOCDIO:

    Geno-cdio O uso de medidas deliberadas e sistemticas (como morte, injria corporal e men

    impossveis condies de vida, preveno de nascimentos), calculadas para a exterminao de um grupo rac

    poltico ou cultural, ou para destruir a lngua, a religio ou a cultura de um grupo. (Websters Third Internatio

    Dictionary of the English Language, Massachussetts, 1967.)

    Geno-cdio Genocdio s.m. (neol.) Recusa do direito de existncia a grupos humanos inteiros, pexterminao de seus indivduos, desintegrao de suas instituies polticas, sociais, culturais, lingusticas e

    seus sentimentos nacionais e religiosos. Ex.: perseguio hitlerista aos judeus, segregao racial, etc. Dicion

    Escolar do Professor. Organizado por Francisco da Silveira Bueno. Ministrio da Educao e Cultura, Braslia, 1

    p.580

    a caracterizao de uma ao genocida por parte do Estado brasileiro (uma delas a no existncialegislao que permita a perseguio de grupos raciais ou tnicos), no devemos esquecer que h um carcomplexo de situaes e interaes nas quais operam atores e instituies, que permitem a situaoextrema vulnerabilidade violncia, sendo que, mesmo quando detectados seus perpetuadores, poucas as chances de responsabilizao dos culpados, agindo o Estado na tentativa de se eximir de responsabilidad

    Mas o genocdio da populao negra no consta da pauta de discusso governamental so

    violncia letal e sua situao no est contemplada nas polticas pblicas em andamento. A faltaindignao s assimetrias raciais que marcam a sociedade brasileira se articula com a falta de vontapoltica em enfrentar uma situao que penaliza famlias negras. Nesse sentido, a eliminao do oudo elemento suspeito, aceito e desejado em nome da ordem e da segurana.

    Como reao a uma segurana pblica de carter meramente repressivo e por ser o centro de ao, jovens negros e negras incluram entre as propostas da Conferncia Nacional de Juventude (2006combate violncia policial e a formulao de aes voltadas promoo e proteo da juventude negNa edio 2009 do Frum Social Mundial, foi lanada a Campanha Nacional contra o ExtermnioJuventude Negra, resultado de uma ao articulada do Frum Nacional da Juventude Negra. A Campan um instrumento de luta e discusso com a sociedade brasileira, sobre a construo de um modelosegurana pblica que respeite os direitos humanos e seja compatvel com um Estado democrticde direito, que reduza o alto ndice de violncia contra a populao negra, especialmente os jovensCampanha visa refletir sobre as prticas discriminatrias na sociedade brasileira, o valorda vida hume a formulao de estratgias de reduo de ndices de mortalidade de jovens negros. Pretende tambfortalecer, impulsionar e disseminar discusses sobre violncia e segurana pblica atravs do olharjuventude negra.

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    No dia 16 de novembro de 2005, participantes daMarcha Zumbi + 10 ncaram no gramado em frente aoCongresso Nacional, 300 cruzes pintadas de preto quesimbolizavam a violncia e a morte de jovens negros.

    Disponvel em :http://brasil.indymedia.org/images/2005/11/338029.jpg

    Conforme afirma Carvalho (2000, p. 2)

    [...] violnci olicil est n boc e leres comunitrios e or-vozes s oulesobres, erifrics, que so vtims ess violnci. No , n mesm mei, insistmos,tero ntivo s oules urbns rics, ois ests rrmente so vtims violnciolicil.

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    A juventude negra brasileira, por Thais Zimbwe

    Jornalista, coordenadora da ONG UJIMA - Trabalho Coletivo e Responsabilidade. Integra a Coordena

    Geral da Rede Ibero-americana de Juventude Indgena e Juventude Afrodescendente e do Frum Naciona

    Juventude Negra.

    O que ser jovem negro/a na sociedade brasileira?

    Ser jovem negro(a) hoje em dia, representa uma conjuntura de extrema vulnerabilidade e um

    contexto de desigualdades, destacando o difcil acesso ao mercado de trabalho, sade, bens culturai

    principalmente o direto a uma vida segura. Quando observamos os dados referentes s condies de vida

    juventude negra, constatamos a emergncia de aes focais para este segmento. Fatores como a escal

    da violncia, o desemprego, a falta de sintonia entre o sistema educacional brasileiro, a cultura e a histria

    populao negra, caracterizam-se nos dias de hoje como desafios a serem superados.

    Um dos grandes desafios postos atualmente para as sociedades, encontrar caminhos que estimu

    a plena participao da juventude no processo de desenvolvimento dos pases e o reconhecimento d

    mesmos enquanto cidados(as). No caso particular da juventude negra este um tema crucial. Habitando,sua grande maioria, as zonas perifricas das grandes cidades, ela est sujeita a toda sorte de violncia: fs

    emocional, social, racial, alm da excluso dos direitos mais elementares, como o de ir e vir.

    A juventude negra , pelos dados de que se dispe, aquela que mais ateno deveria merecer

    polticas pblicas. Em contraponto a essa dura realidade, h alguns marcos que apontam para a potencialid

    das diversas juventudes negras organizadas, tais como as redes, movimentos e organizaes, alm do dil

    com o poder pblico onde se tem avanado nos ltimos anos.

    Esse movimento indica para a possibilidade de construo de um novo papel para as juventu

    negras, que visa de modo participativo e pr-ativo, construir um novo panorama social para a juventu

    valorizando as diferenas e superando as desigualdades.

    Polcia e jovens negros/as: como voc v essa relao?

    O papel das polcias, no exerccio do seu poder atravs dos sculos, caracterizou-se como instrume

    de poder constitudo a servio das classes dominantes, um fator de defesa do Estado muito mais que d

    cidado(a), uma forma de conter os conflitos sociais dentro dos limites estabelecidos pelos interes

    das elites do que para garantir o efetivo cumprimento da lei.

    O autoritarismo que tem permeado a conjuntura poltica nacional, remonta ao processo

    colonizao. Nesse quadro histrico, o poder da polcia assimilou e foi condicionado pelo autoritarismreproduzindo os mecanismos arbitrrios do sistema poltico institucional, caracterizando assim, o perfil

    uma polcia distante da comunidade, predominantemente repressiva e comprometida com uma ord

    que penaliza e discrimina a maior parte da populao.

    Jovem, sexo masculino e negro. Esse o perfil da maioria das vtimas de violncia no pas. A viol

    um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade brasileira, fruto de condies scio-econm

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    profundamente desiguais, de corrupo e de uma tradio de impunidade. Apesar dos avanos na legislao de

    proteo aos direitos humanos, os ndices permanecem elevados e alguns deles cresceram ainda mais na ltima

    dcada.

    O extermnio da juventude negra no seria possvel sem o apoio ou omisso da opinio pblica. Apesar dos

    avanos provocados pelas reivindicaes dos movimentos sociais e em especial o Movimento Negro, o sistema

    educacional brasileiro ainda no considera de maneira satisfatria as contribuies da populao negra no processo

    de civilizao da humanidade e na construo desse pas, ao invs, expe o negro como ser nocivo, sem histria,inferior e descartvel. Ao passo que a imprensa difunde esteretipos que justificam a matana e a criminalizao de

    territrios majoritariamente habitados por negros(as), como mal necessrio para a manuteno da ordem pblica e

    da propriedade privada.

    A ausncia de perspectivas para a juventude negra tem elevado os ndices para uma situao de extrema

    violncia, o que revela o quanto o racismo est conjugado violncia. A cada caso de violncia em que as foras de

    segurana culpam um jovem negro, h uma verdadeira campanha pela reduo da maioridade penal e pela reviso

    do Estatuto da Criana e Adolescente, legislao aprovada nos anos 90, aps grande mobilizao da sociedade

    civil e que at hoje desrespeitada pela maioria dos agentes pblicos.

    Quando tratamos da questo da violncia, constatamos que o Estado brasileiro atua de forma inversa, ou

    seja, ao invs de garantir a segurana, figura como agente da opresso. Essas contradies e ambiguidades

    esto presentes na sociedade e se repetem no disposit ivo corretivo; tentando corrigir a violncia, ele se

    transforma, muitas vezes, em agravante da violncia.

    Como se d a abordagem policial em relao s jovens negras? Como elas so tratadas pela polcia?

    A violncia sofrida pelas mulheres tem se dado no s dentro de casa, mas em todos os espaos que elas

    ocupam e expressado de diversas formas. O dueto Racismo e Machismo faz com que jovens negras liderem as

    estatsticas de vtimas por causas externas (homicdios, acidentes, suicdios) por estarem mais sujeitas a exposio

    em reas consideradas de risco, nos bairros pobres das periferias e inmeros outros pontos de vulnerabilidade e

    violncia.

    Estatsticas baseadas em violncia por causas externas demonstram que as jovens negras morrem mais

    por assassinatos, enquanto jovens brancas morrem mais por acidente de trnsito. Esses assassinatos representam

    o cotidiano de violaes aos direitos humanos que esto submetidas s populaes negras na sociedade,

    especialmente a juventude. Violaes expressas nas incurses violentas da polcia nas comunidades, invaso

    de residncias, agresses moradores(as), violncia sexual cometida contra mulheres, especialmente as jovens,

    operaes intensas com trocas de tiro sem qualquer mtodo de preservao das vidas de pessoas que habitam

    aquele lugar, entre dezenas de outras formas cruis de apresentao desta opresso e violncia.

    Quais so as principais denncias e reivindicaes da juventude negra em relao ao policial?

    As proposies giram em torno de influenciar e incidir na construo de um novo modelo de segurana

    pblica, que respeite os direitos humanos e, de verdade, garanta uma vida segura populao, provocando

    mudanas estruturais na corporao e possibilitando um maior controle social.

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    urgente o estabelecimento efetivo de uma reeducao das prticas policias, aliada a uma reformula

    das estruturas, que at os dias de hoje esto baseadas numa prtica constante de racismo institucional. Promo

    uma reeducao e acesso s informaes para agentes e trabalhadores da segurana, no somente quando es

    em processo de formao graduada para insero no sistema, mas que se constitua em educao continua

    proporcionando e evitando a perpetuao de prticas discriminatrias. necessrio estabelecer uma muda

    de paradigma, desconstruir a imagem do jovem negro como tipo suspeito, fator que contribui com o exterm

    realizado contra a juventude negra.

    Qual a agenda poltica do Frum de Juventude Negra? Como vocs esto se articulando?

    O Frum Nacional de Juventude Negra lanou em janeiro deste ano, durante o Frum Social Mund

    a Campanha Nacional contra o Extermnio da Juventude Negra, que objetiva uma mobilizao e sensibiliza

    nacional frente violncia. Esto previstas uma srie de aes de amplitude nacional, alm de disseminao

    estados atravs das agendas dos Fruns Estaduais. A Campanha visa ecoar as perspectivas da juventude ne

    sobre a dura realidade a que est submetida. Contribuindo e somando sua opinio aos dados e estatsticas q

    so apresentados anualmente e que, de alguma forma, denunciam uma realidade e no so levados em co

    na aplicao e reformulao de polticas pblicas. A Campanha vai aproximar e criar canais de dilogo com

    agentes e trabalhadores da segurana pblica, visando apresentar e construir canais de comunicao com vis

    desconstruo de esteretipos.

    Como o dilogo da juventude negra com o movimento de juventude em geral? possvel pautar

    especificidades da juventude negra? H lugar para a solidariedade?

    A juventude negra organizada, parte do movimento de juventude, assim como as dezenas de ou

    movimentos especficos, dialoga tranquilamente com esse contexto geral de atuao poltica. Um bom exem

    para esta relao foi o resultado da 1 Conferncia Nacional de Juventude, que deliberou como primeira priorida

    a implementao e reconhecimento das diretrizes do 1 Encontro Nacional de Juventude Negra, uma prova de

    as centenas de movimentos juvenis reconhecem a urgncia em se aplicar e efetivar polticas pblicas especfipara a juventude negra, combatendo o racismo e as desigualdades sofridas por esta populao.

    Quais as aes e discusses do Frum de Juventude Negra em relao ao encarceramento de jovens negr

    as?

    O sistema jurdico-penal brasileiro tem o racismo em sua gnese, pois desde os primeiros cdigos pen

    nota-se a predileo de punir os(as) africanos(as) e seus descendentes. Essa atuao racista que criminaliz

    pune desproporcionalmente a populao negra tem como resultado a super-representao desse segmento

    centenas de instituies de cumprimento de penas ou de medidas scio-educativas no pas. Transforma o siste

    carcerrio em parte integrante do processo de extermnio da juventude negra, ficando para este a tarefa de realas execues prolongadas, por meio da no garantia de direitos fundamentais que ferem a dignidade humana.

    Uma das aes da Campanha Nacional contra o Extermnio da Juventude Negra dialogar sobre e

    cenrio e aprofundar as denncias sobre o extermnio nesta realidade.

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    Qual o posicionamento em relao proposta de diminuio da maioridade penal?

    A reduo da maioridade penal no trar resultados na diminuio da violncia, s acentuar a excluso e

    criminalizao da juventude negra. As alternativas so aes de melhoria do sistema scio-educativo dos infratores,

    investimentos em educao de uma forma ampla, alm de mudanas na forma de julgamento de crimes violentos.

    A aplicao adequada da legislao vigente j resolveria o problema que apresentado.

    Uma outra polcia possvel? Se sim, quais os caminhos?

    Reformular o sistema de segurana deve ser uma prioridade. Investir massivamente na formao policial,

    remunerao digna, acompanhado de um sistema eficiente de controle social, corregedorias independentes, apoio

    psicolgico aos que se envolvem em confronto com mortes e punio aos que cometem crimes.

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    III Trs Estados, o mesmo perfil negros

    N imossibilie e elr r conscinci brsileir, creitmos quconscinci humn no oer mis ernecer inere, enossno revoltoresso e liquio coletiv os o-brsileiros que estmos ocumentno nest

    ins, tnto mis ecz qunto insiios, ifs e evsiv. rcteriz-se o rcisbrsileiro or um rnci mutvel, olivlente, que o tor nico; entetnto, enent-lo, fz-se necessrio tvr lut crcterstic e too e qulquer comb

    nti-rcist e nti-enoci

    (Nscimento, 1978, . 13

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    3.1 Pernambuco

    Os ndices de violncia contra a populao negra so altos e acontecem em todas as regido Brasil, conforme os dados que levantamos no presente relatrio. preocupante que integrantes foras policiais, que deveriam garantir a segurana e o direito vida de todas e todos, tambm sejamvioladores destes direitos. Valendo-se do direito oficializado de uso da violncia como forma legtima pa manuteno da ordem social, utilizam prticas como filtragem racial16 e identificao de elemesuspeito, que juntamente com os autos de resistncias constituem prticas violadoras dos direitospopulao negra.

    Para ilustrar a participao desigual de negros nas ocorrncias e abordagens policiais, selecionam

    trs Estados brasileiros como amostra.

    Pernambuco est localizado no nordeste do Brasil. Segundo dados da Pnad 2007, possui 8.485.3habitantes distribudos em 184 municpios e o territrio de Fernando de Noronha. Apresenta a seguiparticipao racial/tnica: 36,3% de brancos, 58,3% de pardos, 4,9% de pretos e 0,4% de amarelos eindgenas.

    Este estado apresenta as assimetrias raciais que marcam a sociedade brasileira, fato que pode verificado na Sntese dos Indicadores Sociais 2008: taxa de frequncia escolar no ano de 2007 para

    faixas etrias de 15-17 anos brancos 80,7 e negros 77,2; faixa de 18-19 anos brancos 44,1 e neg47,5; faixa de 20-24 anos brancos 28,4 e negros 21,7. A mdia de anos de estudos das pessoas deanos ou mais de idade, no mesmo ano foi de 7,1 para brancos, de 5,3 para pretos e 5,7 para pardQuanto relao de salrios por anos de estudos, os dados indicavam para o mesmo ano, para bran 7,8 anos de estudos e rendimento mdio de 2,2 salrios mnimos, para negros 6.0 anos de estudorendimento mdio de 1,3 salrios mnimos. (IBGE, 2007)

    Pernambuco vem figurando entre os dez estados mais violentos do Brasil, tendo alcanando, 2004, a taxa de 50,7 mortes em cada 100 mil habitantes. Mortes por homicdios entre os brancos forde 434 (taxa de 14,0 em cem mil) e de negros foi de 3.431 (taxa de 65,7 em cem mil); na faixa de 15

    anos, brancos 144 (taxa de 25,0) e negros 1.457 (taxa de 133,8) (WAISELFISZ, 2006).

    A incidncia da violncia sobre a populao negra neste Estado apresenta dados de extermnsegundo dados do Mapa da Violncia IV, no ano de 2002, ocorreram 3.576 homicdios entre os neg

    16 Termo derivado do racial proling, que empregado nos Estados Unidos, que segundo Amar (2005), descreve opela polcia de meios racialmente tendenciosos para identicar suspeitos e/ou buscar e capturar cidados. No Braao policial segue o mesmo padro.

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    (71,4%), e 529 entre os brancos (16,9%), o que corresponde a 321,5% de vitimizao para negros.O mesmo estudo indica que jovens na faixa de 15 a 24 anos, apresentaram os seguintes dados: 165homicdios para brancos (27,8%), e 1.463 para negros (141,5%). Os jovens negros apresentam cincovezes mais chances de morrerem vtimas de homicdios (Ibid., 2004).

    Estudo realizado a partir de dados de criminalidade na cidade do Recife no ano de 2003, analisouas mortes por homicdio segundo o bairro de residncia e a raa das vtimas, e verificou que

    [...] 88,32% s vtims e more or violnci nos biros estos so e cor r e, somno2,54% oulo efetivmente coloc como ner, temos inforo e que s mores orhomicios oulo oescenente nos biros selecionos orem e 90,8%. Em toosos biros, v-se um rne iferen o se comrr oulo brnc e oescenente.Deve-se ressltr que 46,9% oulo RP-06 (os biros ohb, Ibur, Bo Viem,Pin e Brsli Teimos) e 56,5% oulo RP-01 (nto mro) so e oescenentes.Em teros roorcionis, mete ou no mximo 60% os homicios everim ter comovtims s essos eclrs e ncestlie icn. Teno em vist istibuio rels cteoris fenotics e cor ssocis ess scennci, obsermos que istibuioos homicios seue um vis e cor, e em toos os csos, ultssno breir os 80%.(RIQUE et al, 2005, p. 43)

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    No ano de 2006, a mesma cidade foi alvo de pesquisa realizada pela Secretaria de Sade

    Recife, que pela primeira vez incluiu o quesito cor em seu levantamento sobre natalidade e mortalidaOs dados disponi