Vírus, elementos transponíveis e...

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1 Vírus, elementos transponíveis e Prions. Autor: Túlio César Ferreira 1. Introdução 2. Descrição geral dos vírus 3. Origem 4. Estrutura 5. Genoma 6. Replicação viral 7. Efeitos nas células hospedeiras 7.1 Vírus e tumor 7.2 Elementos móveis e variação da seqüência do genoma 8. Prions e doenças causadas por príons 9. Referências.

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Vírus, elementos transponíveis e Prions.

Autor: Túlio César Ferreira

1. Introdução

2. Descrição geral dos vírus

3. Origem

4. Estrutura

5. Genoma

6. Replicação viral

7. Efeitos nas células hospedeiras

7.1 Vírus e tumor

7.2 Elementos móveis e variação da seqüência do genoma

8. Prions e doenças causadas por príons

9. Referências.

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1. Introdução

Neste módulo iremos abordar as características gerais dos vírus, os aspectos importantes

sobre a replicação viral na célula hospedeira e suas peculiaridades. Determinadas moléculas

conhecidas como prions, definidas como pequenas partículas infecciosas de origem protéica e as

relações que existem entre essas partículas e os vírus, conhecidos por terem também estruturas bem

simples, também serão alvos desse capítulo. Os vírus possuem mecanismos de infecção bem

definidos e para que você, leitor, possa ter um melhor entendimento sobre a natureza viral e os

efeitos que eles podem causar em nível molecular, vamos abordar os mecanismos de replicação

viral em células eucarióticas e as conseqüências que podem acarretar desse processo.

Investigaremos também como surgiram as hipóteses de que prions teriam advindo de uma partícula

viral e a hipótese de uma única proteína com capacidade infectante, tendo ambas teorias evidências

a seu favor. Embora a identidade e propriedades gerais dos prions sejam bem conhecidas

atualmente, o mecanismo de infecção por essas partículas protéicas ainda permanece um mistério.

2. Descrição geral dos vírus

Antes de prosseguirmos com esse módulo, é importante lembrar que os vírus não

apresentam metabolismo próprio independente e que seu hábitat reprodutivo corresponde a uma

célula viva. Tal fato, entretanto, não sugere a inexistência de diversidade entre os vírus: a realidade

é muito diferente disso. Os vírus possuem uma grande diversidade que é conferida tanto por sãs

formas como também pela diversidade de seu genoma. Aqui, faremos um breve histórico e uma

discussão das características gerais dos vírus. Inicialmente os vírus foram descritos como agentes

causadores de doenças que somente conseguiam se multiplicar de uma forma dependente da

maquinaria de uma célula hospedeira. Os vírus possuem uma variedade de tamanhos e formas, no

entanto, em geral são agentes extremamente pequenos que chegam a medir entre 10 nanômentros a

300 nanômentro (nm, 1x10-9 m). Para vocês terem uma idéia uma hemácia (célula vermelha) possui

um diâmetro de aproximadamente 10.000 nm, enquanto uma bactéria como, por exemplo, a

Escherichia coli, possui dimensões de 1.000 a 3.000 nm. Com isso, dá para notar a diferença

gritante existente entre esses organismos. A figura 1 ilustra as diferenças dos tamanhos entre os

organismos mencionados aqui. Em geral, os vírus são muito menores que as bactérias, já

mencionado anteriormente. O filovírus, por exemplo, apresenta um comprimento de 1400 nm, no

entanto seu diâmetro é de apenas 80 nm. Geralmente os vírus não são visualizados usando

microscopia de luz, portanto, apenas sendo possível sua identificação por meio de microscopia de

eletrônica de varredura e transmissão.

O vírus da varíola é o maior vírus humano atualmente registrado (300 nm x 250 nm x 100

nm), enquanto que o da poliomielite é o menor vírus encontrado em humano (30 nm de diâmetro).

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O vírus que provoca a febre aftosa (doença em gado), possui 15 nm, sendo, portanto, menor que o

poliovírus. As medidas citadas por diferentes autores podem variar consideravelmente mesmo

dentro de um só grupo de vírus. Uma razão que explica isso em parte, são as diferenças nas técnicas

empregadas para caracterizar o vírus estudado. Vírus de diferentes famílias apresentam diferentes

morfologias que podem ser facilmente distinguidas pelo microscópio eletrônico. Esta relação é útil

para o diagnóstico de doenças virais e, especialmente para reconhecer novos vírus responsáveis por

infecções.

Figura 1. Quadro comparativo ilustrando as dimensões de uma hemácia, de uma bactéria (Escherichia coli) e de alguns

vírus. Note por exemplo que um vírus como o Bacteriófago MS2 possui uma dimensão similar a um ribossomo

encontrado em uma bactéria (entre 24 e 25 nm).

Antes dos avanços da microscopia eletrônica, o conhecimento sobre a natureza do vírus,

aqui me refiro às suas características morfológicas e estruturais, era muito obscura, embora se

acreditasse que os vírus possam ter sido genes nus, ou seja, um material genético sem qualquer

envoltório, que de alguma forma adquiriram a capacidade de se moverem de uma célula para outra.

Na década de 30, com as técnicas de ultracentrifugação já bem estabelecidas, tornou possível a

separação das partículas virais das suas células hospedeiras o que permitiu um pouco mais a

caracterização desses agentes infecciosos. Poucos anos mais tarde, meados de 1940 já foi

estabelecido que todos os vírus possuíam ácidos nucléicos. Em 1952, foi feito um estudo utilizando

o bacteriófago T4, um vírus que infecta bactéria para estabelecer como se dá o processo replicativo

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desse vírus. Foi observado que somente do DNA do fago e não as suas proteínas foram capazes de

entrar na bactéria hospedeira e iniciar o processo de replicação o qual resulta na amplificação do

número de partículas virais. Com essas observações levou a hipótese de que os vírus possuem uma

cobertura, mais tardiamente chamada de capsídeo, a fim de proteger e material genético viral e

permitir que esse possa migrar de uma célula a outra.

Em geral, a multiplicação de um vírus é letal para sua célula hospedeira, e em muitos

casos ocorre a lise da célula parasitada permitindo que as novas partículas virais formadas sejam

liberadas e então possam ser capazes de infectarem outras células. Portanto, não é estranho

mencionar que muitas das manifestações clínicas observadas em pacientes infectados por vírus se

refletem nos efeitos citosólicos deles, como por exemplo, lesões causadas nas células epiteliais da

pele onde houve a infecção pelo vírus Smallpox.

3. Origem

Qual é o seu entendimento sobre a palavra vírus? Já se perguntou de onde surgiu esse

nome? Etimologicamente, a palavra vírus provém do latim virus que significa veneno ou qualquer

substância que introduzida no corpo de um ser vivo ou aplicada nele, ainda que seja em quantidades

ínfimas, ocasiona sua morte ou deixa seqüelas irreparáveis. Essa palavra foi pela primeira vez

introduzida na língua Inglesa em 1392. Já a palavra virulento, do latim virulentus (venenoso), data

de 1400. No entanto, a descoberta dos vírus foi feita por Dmitri Ivanowsky somente em 1892, que,

ao estudar a doença chamada ‘mosaico do tabaco’, detectou a possibilidade de transmissão da

doença a partir de extratos de vegetais doentes para vegetais sadios, por meio de experimentos com

filtros capazes de reter bactérias. Essa moléstia afeta as plantas do fumo, manchando as folhas com

áreas necrosadas e levando-as à morte.

A origem dos vírus ainda não é muito definida decorrente da falta de dados, já que a

maioria dos vírus que foram preservados em laboratórios data não mais que 90 anos. Outro fator

que dificulta o acesso a esses dados é que, diferentemente da maioria dos outros organismos, os

vírus não formam fósseis. Já que os fósseis podem trazer muitas informações sobre o passado,

assim como é feito com o estudo de fósseis de animais e plantas pré-históricos. Para tentar

contornar esses obstáculos o que se faz atualmente é a utilização de técnicas de biologia molecular

para investigar a possível origem desses pequenos seres. Mas mesmo sendo essas técnicas

moleculares muito eficientes, a disponibilidade de DNA ou RNA de vírus de datas remotas é

extremamente baixa. Isso levou os cientistas a levantarem três hipóteses que poderiam explicar

como os vírus podem ter surgido durante a evolução dos organismos.

A primeira é conhecida como “Hipótese Regressiva”. Essa hipótese sugere que os vírus

eram pequenas células que uma vez parasitavam células maiores e que em um determinado

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momento durante a evolução, os genes que não eram necessários para o seu parasitismo foram

perdidos, tornando-a então dependente de toda a maquinaria molecular da célula parasitada para

poder se replicar. Dois bons exemplos que dão suporte a essa hipótese são as bactérias rickettsia e

chlamydia. Ambas são células que similarmente aos vírus, se reproduzem somente dentro das

células e que de alguma forma perderam os genes necessários para sobreviver fora dela.

A segunda hipótese, “Hipótese de Origem Celular”, explica que pedaços de DNA ou RNA

podem ter se desprendido de genes de um organismo maior. Esses pedaços de DNA que outrora se

desprenderam podem ter vindos na forma de plasmídeos, que são DNA nus e circulares que se

movem de uma célula para outra, ou transposon, que são pedaços de DNA que se deslocam de uma

região a outra dentro do genoma de um organismo (tópico a ser discutido mais adiante). A terceira e

última hipótese discute a possibilidade dos vírus terem surgido da interação de moléculas

complexas de proteínas e ácidos nucléicos ao mesmo tempo em que as células apareceram na terra,

no entanto, sendo dependentes da maquinaria celular por milhões de anos. Essa hipótese ficou

conhecida como “Hipótese da Coevolução”.

Apesar das técnicas de biologia molecular e mais recentemente a sua associação com a

bioinformática (técnicas computacionais utilizadas para responder questões biológicas)

esclarecerem alguns aspectos obscuros sobre a origem dos vírus, ainda permanece a dúvida de qual

hipótese melhor ajuda a identificar o ancestral dos vírus modernos. Talvez seja pouco provável que

todos os vírus atuais possam ter um ancestral em comum. Seria mais plausível pensar que os vírus

surgiram inúmeras vezes no passado por meio de um ou mais mecanismos diferentes.

4. Estrutura

Você deve estar se perguntando neste momento, será que os vírus pelo fato de serem seres

bem simples apresentam pouca variedade de forma também? Tentem se lembrar de quais doenças

que vocês já ouviram falar que são provocadas por vírus. Será que os vírus de todas elas são

idênticos em suas morfologias? Já vimos que eles possuem uma grande variedade de tamanhos. De

fato, isso é um fato interessante, pois apesar de ser formado basicamente de algumas proteínas e

ácido nucléico, os vírus apresentam uma considerável variedade de formas também. Uma partícula

viral completa é chamada de vírion, a qual consiste do material genético (DNA ou RNA) envolvido

por uma estrutura de origem protéica denominada de capsídeo. O capsídeo é formado por unidades

idênticas da mesma proteína conhecidas como capsômero e a estrutura constituída pelo material

genético e o capsídeo que o envolve é denominado nucleocapsídeo (vírus nu). Além desses

constituintes básicos de um vírus, pode haver ainda a presença de um envoltório de origem lipídica

derivada da célula hospedeira, compondo então o vírus envelopado (Figura 2). Muitos vírus

adquirem seus envelopes por brotamento através de uma membrana celular apropriada (membrana

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plasmática em muitos casos, retículo endoplasmático, complexo de Golgi ou membrana nuclear). O

envelope é uma característica comum nos vírus de animais, porém incomum nos vírus de plantas.

Ao longo do envelope viral existem distribuídas várias proteínas de origem viral, que são

importantes para o processo de infecção da célula hospedeira.

Figura 2. Estrutura básica dos vírus. Detalhes do capsídeo que é composto por unidades protéicas chamadas de

capsômero que contem o material genético no seu interior (DNA ou RNA). Essas duas estruturas juntas formam o

nucleocapsídeo, o quel pode estar envolvido por uma membrana de origem lipídica chamada de envelope. Ao longo do

envelope encontram-se distribuídas algumas proteínas virais.

As proteínas que compõem os capsídeos são codificadas pelo genoma do vírus e essas se

montam dando origem a três principais tipos de simetrias encontradas nos vírus, a icosaédrica

(lembrando que um icosaedro é uma figura geométrica composta de 20 triângulos eqüiláteros),

helicoidal e complexa (Figura 3). A maioria dos vírus de animais é de simetria icosaédrica (Figuras

3A1 e 3A2). Os capsômeros organizam-se em icosaédricos (20 faces triangulares eqüiláteras, 12

vértices, e 30 arestas), os capsômeros dos vértices de cada face são chamados “pentons” e os

capsômeros das faces de “hexons”. Ex. poliomielite, adenovírus, herpesvírus. Os capsídeos dos

vírus apresentam uma simetria helicoidal (ou tubular) quando os capsômeros se organizam em volta

de um eixo central (Figuras 3B1 e 3B2). Esse tipo de organização, composto por apenas um único

tipo de capsômero, gera vírions filamentosos que podem ser curtos, mas de estrutura rígida, ou

longos e flexíveis. O material genético desse tipo de vírus, geralmente RNA fita simples (ssRNA)

ou DNA fita dupla (dsDNA) podem estar ancorados às proteínas do capsídeo. A ligação ocorre

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entre a interação da carga positiva da proteína com a carga negativa do ácido nucléico. Um exemplo

de vírus de simetria helicoidal é o vírus do mosaico do tabaco (Figura 3B2) ou os vírus da influenza

e caxumba. E por último, temos os vírus complexos. Esses vírus possuem um capsídeo que não

chega a ser helicoidal e nem icosaédrico e que pode ter estruturas adicionais tais como proteínas da

cauda. Um exemplo muito comum é o Enterobacteríofago T4, como mencionado anteriormente é

um vírus que infecta bactéria. Este vírus possui uma cabeça constituída de um icosaedro ligado a

uma cauda helicoidal que pode apresentar uma base hexagonal de onde saem proteínas fibrosas para

formar as fibras da cauda (Figura 3C1 e C2). Essa cauda serve como uma seringa, pois se adere à

parede da célula hospedeira, e com movimentos desenvolvidos por essas fibras o material genético

desse vírus é introduzido dentro da bactéria para que possa então haver o processo de replicação

viral. Como discutido anteriormente, muitos vírus apresentam envelope de origem lipídica, os quais

podem ter tanto capsídeos de simetria icosaedrica quanto helicoidal (Figuras 3A3 e 3B3).

.

Figura 3. Estrutura dos capsídeos de vírus nus ou envelopados. Os capsídeos dos vírus podem ter simetria icosaedrica

(A1 e A2), helicoidal ou tubular (B1 e B2) ou ainda uma simetria complexa (C1 e C2). Por fim, os vírus podem adquirir

um envelope lipidico quando esses brotam da célula hospedeira.

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5. Genoma

Lembram que discutimos anteriormente que umas das características que colaboram na

grande diversidade dos vírus é a composição de seus genomas. Entraremos aqui em um campo

bastante complexo já que o genoma de qualquer organismo é o que em grande parte comanda as

características e comportamento de um indivíduo. O genoma viral é relativamente variado quando

nós comparamos com os outros organismos tais como plantas, animais, archea ou bactéria. Essa

variedade se deve ao fato de que os vírus podem ter tanto DNA ou RNA como únicas moléculas

como material genético, contrário aos outros organismos aos quais nos referimos anteriormente, que

possuem somente o DNA como molécula que armazena as informações genéticas, enquanto os

diferentes tipos de RNA existentes possuem tarefas distintas dentro da célula. Dependendo do tipo

de ácido nucléico que o vírus carrega ele pode ser chamado de vírus de DNA ou vírus de RNA.

Salvo uma única exceção descrita até hoje, os vírus possuem apenas DNA ou RNA dentro do

capsídeo, nunca os dois. Esse curioso vírus que possui os dois ácidos nucléicos dentro de seu

capsídeo, conhecido como Mimivírus (Acanthamoeba polyphaga mimivirus, APMV) foi encontrado

em um estudo de um surto de pneumonia na Inglaterra em 1992. Este foi encontrado em amebas

que crescem em reservatórios de água. Mas inicialmente o mimivírus não foi identificado como um

vírus e durante cerca de um ano e meio foi considerado como sendo uma bactéria, já que é um dos

maiores e mais complexos vírus conhecidos. Ambos tamanho da partícula viral e tamanho do seu

genoma são maiores do que de algumas pequenas bactérias. Seu genoma constituído de DNA fita

dupla possui cerca de 1,2 milhões de pares de base (1,2 Mpb), o qual é bem mais complexo que

outros vírus e carrega informação suficiente para produzir cerca de 911 diferentes proteínas virais,

as quais fornecem informações suficientes pra permitir que o vírus apresente a maioria, mas não

todas, das funções das células vivas. Essas características, portanto, justificam o fato de ser

inicialmente confundido com bactérias. A origem do seu nome “mimi” vem do inglês mimics e

significa imita, ou seja, imita bactéria.

O genoma viral pode ser circular, tal como ocorre em polimavirus, ou linear tal como em

adenovirus. O material genético do vírus pode ser tanto fita simples quanto fita dupla, independente

se é DNA ou RNA. Os vírus que possuem RNA fita simples têm suas fitas chamadas de senso-

positivo (RNA+) ou senso negativo (RNA-), dependendo se ela é idêntica ou complementar ao

RNA mensageiro viral (mRNA). Se o RNA viral é senso positivo, isso indica que sua fita é idêntica

ao mRNA viral e assim pode ser imediatamente traduzido em proteínas pela célula hospedeira. Se o

RNA viral é senso negativo, então sua seqüência de nucleotídeo é complementar, e não idêntica, ao

mRNA e assim pode ser convertido a RNA senso positivo por uma RNA polimerase antes de ser

utilizado no processo de tradução (síntese de proteína). Como podemos observar, apesar do genoma

do vírus ser pequeno existe certa complexidade em sua composição.

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Saiba mais ...

Link para acesso de livro sobre virologia disponível no sítio do NCBI:

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/bookshelf/br.fcgi?book=rv.

6. Replicação viral

Como mencionado no inicio desse módulo, os vírus necessitam da maquinaria da célula

hospedeira para poderem se multiplicar e haver a montagem das novas partículas virais, processos

que ocorrem dentro da célula, de onde serão liberados por lise celular ou brotamento. Aqui

descreveremos o ciclo replicativo do bacteriófogo, já que possuem esse mecanismo bem conhecido.

No ciclo lítico de replicação do bacteriófago (Figura 4), ocorre a adesão do vírus na superfície da

célula bacteriana (fase 1), em seguida o vírus introduz seu material genético, no caso DNA, dentro

da bactéria infectada, fase de entrada ou penetração direta (fase 2, figura 4 e figura 5). Seguindo

nossa explicação sobre a replicação do bacteriófago, a partir do momento que o seu material

genético é lançado no ambiente celular, esse é então utilizado pela maquinaria celular para a síntese

de proteínas virais. Neste momento ocorre a degradação do material genético bacteriano (fase 3 e

4). Assim, com as proteínas virais sintetizadas dentro da bactéria, inicia-se o processo de montagem

das novas partículas virais produzidas (fase 5) e por fim a liberação dos mesmo no ambiente

extracelular (fase 6) por meio de lise bacteriana.

proteínas do fago

DNA do fago

Ciclo lítico

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Figura 4. Diagrama mostrando o ciclo lítico de replicação do bacteriófago. O vírus possui 6 fases principais neste ciclo,

adesão (1), entrada (2), degradação do cromossomo bacteriano (3), síntese de proteínas virais (4), montagem das novas

partículas virais (5) e por último a liberação dos novos vírus (6).

Vimos até então que assim que o vírus introduz seu material genético dentro da célula,

ocorre o processo de multiplicação viral. No entanto, em alguns casos pode haver o que se chama

lisogenia, ou seja, a integração do seu material genético no genoma da célula hospedeira (Figura 5,

fase 3). Nesse caso, o DNA viral se integra no genoma bacteriano, auxiliado por enzimas que

possuem a capacidade de mediar a integração do material genético do vírus no genoma da célula

hospedeira. Mesmo infectada, a célula continua a multiplicação celular. Durante o processo de

divisão celular, o material genético da célula, juntamente com o material genético do vírus que foi

incorporado, sofrem duplicação e em seguida são divididos igualmente entre as células-filhas.

Assim, uma vez infectada, uma célula começará a transmitir o vírus sempre que se replicar e todas

as células estarão infectadas também, (fase 4). Em um determinado momento, o bacteriófago pode

ser induzido a entrar no ciclo lítico (fases 5 a 8), no qual ocorre a produção das novas partículas

virais propriamente dita.

Figura 5. Integração do ciclo lítico de um bacteriófago ao sítio lisogênico. Vírus que não entram diretamente em

processo de replicação lítica (1, 2 e 6 a 8) entram em lisogenia seguindo as seguintes fases, (3) integração do DNA viral

ao DNA genômico da bactéria, (4) replicação do cromossomo bacteriano pela divisão celular, (5) indução e entrada no

ciclo lítico.

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Os vírus podem inserir seu material genético dentro da célula hospedeira de três maneiras

distintas. A primeira acontece quando ocorre a interação do vírus com os receptores da membrana

da célula hospedeira. Após esse processo de reconhecimento, se inicia a introdução do conteúdo

genético dentro da célula, processo chamado de penetração direta (Figura 5A). Isso ocorre em vírus

desprovidos de envoltório lipídico (vírus nus). Se o vírus carrega em sua volta um envelope de

origem lipídica (vírus envelopado), então o vírus entra na célula por meio de duas maneiras. A

primeira se dá pela fusão das membranas (figura 5B), assim como aconteceria quando duas gotas de

óleo são colocadas na superfície da água e entrassem em contato uma com a outra. E uma segunda

maneira, chamada de endocitose (figura 5C). Neste último caso, ocorre o contato entre o vírus

envelopado e a célula, seguido pelo englobamento do vírus pela membrana da célula hospedeira.

Assim que o vírus entra na célula tem-se então a formação do endossoma. Por último, já dentro da

célula, acontece a fusão das membranas viral e celular, liberando, portanto, o capsídeo do vírus no

ambiente celular.

A

B

C

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Figura 5. Processos de penetração do vírus na célula hospedeira. Introdução do somente do material genético viral pela

interação do vírus com a célula e introdução do genoma viral por penetração direta (A), fusão de membrana (B) ou

endocitose (C).

Terminado o processo de replicação o vírus deixa sua célula por meio de lise, assim como

foi explicado no ciclo do bacteriófago ou por meio de brotamento, ou seja, não há lise da célula

(figura 6). Nesse processo, as partículas virais se aglomeram próximas à superfície intracelular onde

haverá o englobamento dos vírus recém formados pela membrana da célula infectada. Assim os

vírus deixam a célula infectada e então podem infectar outras células.

Figura 6. Processo de brotamento viral na célula hospedeira. Capsídeo viral se aproxima da membrana plasmática

(1), englobamento da partícula viral pela membrana (2 e 3) e brotamento do vírus (4 e 5).

Atividade Complementar: Antes de prosseguir, tente responder as questões propostas abaixo.

1. Por quê atualmente é difícil de determinar a origem dos vírus? 2. Quais são as hipóteses que hoje tentam explicar a origem dos vírus? O que elas explicam? 3. Descreva a estrutura geral de um virion. 4. Quais são as simetrias adotas pelos capsídeos dos vírus? 5. Quais são as características dos diferentes genomas que os vírus podem ter? 6. Explique os ciclos líticos e lisogênicos de um vírus. 7. De quais formas os vírus podem introduzir seu material genético dentro da célula

hospedeira? 8. De quais formas os vírus podem deixar a célula hospedeira?

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7. Efeitos nas células hospedeiras

Vírus e tumores

As células animais, como as bactérias, podem oferecer aos vírus uma alternativa para o

ciclo lítico de crescimento. Células permissivas são aquelas que permitem o DNA viral se

multiplicar dentro delas e as células não permissivas podem permitir o DNA viral penetrar, mas não

se replicar liticamente. Em uma pequena porcentagem de tais células o material genético viral tanto

se integra ao genoma da célula hospedeira, onde ele se replica junto com o cromossomo da célula,

ou forma um plasmídeo circular, molécula de DNA que se replica de uma maneira controlada sem

matar a célula. Tais infecções não permissivas algumas vezes resultam em mudanças na célula

hospedeira, levando-o a crescer de uma maneira não controlada e assim se transformando em sua

célula cancerosa equivalente. Neste caso, o vírus de DNA é chamado de vírus de DNA de tumor e o

processo é chamado de transformação neoplásica mediada por vírus. Os vírus de DNA de tumores

mais estudados são dois papovavirus, o SV40 e o polioma. Sua habilidade de transformação tem

sido atribuída a algumas proteínas virais que cooperam para estimular células quiescentes a

proliferarem, ou seja, levam as células da fase G0 à fase S do ciclo celular. Nas células permissivas

a mudança para a fase S (a fase do ciclo celular onde o DNA é sintetizado) fornece ao vírus todas as

enzimas replicativas da célula hospedeira requerida para a síntese de DNA viral. Quando um

provírus produz proteínas virais em uma célula não permissiva, ela pode sobrecarregar alguns dos

mecanismos de controle de crescimento normal na célula e na sua progênie. Assim alguns vírus de

DNA de tumor que infectam humanos são conhecidos por contribuir para o desenvolvimento de

alguns tipos de cânceres humanos (embora a grande maioria dos cânceres humanos não esteja

envolvida com a participação de vírus de tumor).

Você agora deve estar se perguntando como realmente isso pode acontecer em nível

molecular. Para responder a essa pergunta, inicialmente devemos introduzir mais alguns conceitos

sobre biologia molecular. Existem genes responsáveis pelo controle da divisão celular (mitose) e

pelo controle da síntese de proteínas que são chamados de proto-oncogenes. Quando esses genes

passam a trabalhar de uma maneira desregulada, ou seja, fora do padrão normal, eles passam a ser

chamados de oncogenes e, portanto, esses genes estão relacionados com o surgimento de tumores,

sejam malignos ou benignos. Um dos fatores que, portanto, podem levar um proto-oncogene a se

tornar um oncogene é um vírus. O que pode acontecer é que alguns vírus possuem cópias de

oncogenes em seu genoma e as introduzem no genoma humano, outros estimulam a ativação de

oncogenes do próprio hospedeiro e ainda alguns vírus interferem com a repressão do crescimento

do tumor, ou seja, genes que antes impediam a ativação do oncogene deixam de ser funcionais,

permitindo assim a ação do oncogene do hospedeiro. Essa última explicação é ilustrada na figura 7.

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Vamos tentar compreender melhor esses mecanismos, observando passo a passo as ilustrações da

figura 7. No estado normal as proteínas supressoras de tumor reprimem a expressão dos proto-

oncogenes (Figura 7A), impedindo que haja crescimento inadequado das células. Em uma segunda

etapa, os vírus podem inserir um promotor (região que controla a transcrição de um gene qualquer)

próximo ao proto-oncogene tornando-o um oncogene (Figura 7B). No entanto, neste momento,

ainda não há a situação de tumorigênese, pois não houve comprometimento da expressão da

proteína repressora. E na última etapa (Figura 7C), este vírus pode inserir um gene viral na região

do supressor de tumor (segmentação do gene supressor de tumor), não havendo assim a síntese da

proteína supressora o que permite o oncogene ficar em um estado “ligado”. Assim, há uma

constante expressão do oncogene o que leva a um descontrole no ciclo celular e formação de um

tumor.

Figura 7. Diagrama ilustrando o papel de genes virais na desregulação do ciclo celular da célula hospedeira e no

desenvolvimento de um câncer.

Para alguns grupos de vírus de RNA, os então chamados de vírus de RNA de tumor, a

infecção de uma célula permissiva freqüentemente leva simultaneamente a uma liberação não letal

da progênie do vírus da superfície da célula por brotamento e uma mudança genética permanente na

célula infectada que a torna cancerosa. A idéia de como os vírus de RNA poderiam levar a

alteração genética permanente não estava clara até a descoberta da enzima transcriptase reversa, a

A

B

C

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qual transcreve a cadeia de RNA infectante dos vírus em moléculas de DNA complementares que

se integram no genoma da célula hospedeira. Os vírus de RNA de tumor, dos quais inclui um vírus

bem conhecido, vírus de sarcoma de Rous, são membros de uma grande classe de vírus conhecidos

como retrovírus. Esses vírus são chamados assim porque parte de seu clico de vida normal eles

copiam RNA em DNA (Figura 8).

A enzima transcriptase reversa é uma DNA polimerase não usual que usa tanto RNA ou

DNA como molde e é codificada pelo RNA dos retrovírus e é empacotada dentro de cada capsídeo

viral durante a produção de novas partículas virais. Quanto uma fita simples de RNA viral entra na

célula hospedeira, a transcriptase reversa trazida pelo capsídeo inicialmente faz uma cópia de DNA

a partir da fita de RNA viral para formar uma hélice híbrida DNA-RNA. A transcriptase reversa

também possui atividade de Ribonuclease H (enzima que degrada RNA quando este está associado

a uma fita simples de DNA, o híbrido DNA-RNA). Quando a fita de RNA é degradada a fita

simples de DNA é usada pela transcriptase reversa para sintetizar a sua fita complementar, obtendo

assim a fita dupla de DNA. As duas pontas da molécula de DNA linear são reconhecidas por uma

enzima viral chamada integrase. Essa enzima então catalisa a inserção do DNA viral em qualquer

posição do genoma da célula hospedeira. O próximo passo na infecção é a transcrição do DNA viral

integrado pela RNA polimerase da célula hospedeira, produzindo assim um grande número de

moléculas de RNA idênticas ao genoma infectante original. Finalmente, essas moléculas de RNA

são traduzidas para produzir as proteínas do capsídeo, do envelope, a transcriptase reversa e outras

proteínas que constituem a partícula viral original completa. O DNA também é utilizado para

sintetizar o RNA que constitui o material genético da partícula viral.

.

Figura 8. Processo de replicação de um retrovírus.

Outros vírus que tem um papel importante no desenvolvimento de tumores são os

papilomavírus humanos (HPV). Creio que muitos de vocês já têm uma noção do que esse vírus

prova nos seres humanos. Muitos de vocês já tiveram contado com esse vírus, mas não sabiam. È

um vírus muito comum em humanos. Eles são vírus da família Papovaviridae, capazes de induzir

lesões de pele ou mucosa, as quais mostram um crescimento limitado e habitualmente regridem

espontaneamente. Existem mais de 200 subtipos diferentes de HPV, entretanto, somente os subtipos

de alto risco estão relacionados a tumores malignos. Os HPV são classificados em tipos de baixo e

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de alto risco de câncer. Assim, os HPV de tipo 6 e 11, encontrados na maioria das verrugas genitais

(ou condilomas genitais) e papilomas laríngeos, parecem não oferecer nenhum risco de progressão

para malignidade, apesar de serem encontrados em pequena proporção de tumores malignos. Os

vírus de alto risco (HPV tipos 16, 18, 31, 33, 45, 58 e outros) têm probabilidade maior de persistir e

estar associados a lesões pré-cancerígenas.

7.2. Elementos móveis e variação da seqüência do genoma.

Os genomas evoluem tanto através da aquisição de novas seqüências quanto

reorganizando as seqüências existentes. A introdução súbita de novas seqüências no genoma resulta

da capacidade de vetores de transportarem informações entre os genomas. Em bactérias, os

plasmídeos se movem por conjugação, enquanto os fagos espalham por infecção. Ambos,

plasmídeos e fagos, ocasionalmente transferem genes hospedeiros, juntamente com os seus próprios

replicon*.

.

Em eucariontes, alguns vírus, nomeadamente os retrovírus, podem transferir informação

genética durante um ciclo infeccioso para a sua célula hospedeira o que ocasiona uma mudança na

seqüência do DNA. Nós pudemos observar isso quando discutimos sobre a replicação viral durante

a fase lisogênica. Outra causa importante de variação é fornecida por elementos transponíveis ou

transposons: estas são as seqüências distintas no genoma que são móveis, elas são capazes de se

transportar para outros locais dentro do genoma. A característica de um transposon é que ele se

autoreplica, produzindo cópias de sua seqüência, e então são inseridas em outra posição no genoma.

Eles podem fornecer a principal fonte de mutações no genoma. Há uma variedade de elementos

genéticos móveis, e podem ser agrupadas com base em seu mecanismo de transposição (Figura 9).

A classe I de elementos genéticos móveis, ou retrotransposons faz cópias de si mesmo

primeiramente sendo transcritos a um RNA por meio de uma RNA polimerase da célula hospedeira,

formando um RNA intermediário e depois transcrito de volta a uma molécula de DNA (chamada de

DNA intermediário) por meio da transcriptase reversa viral. Posteriormente, o DNA intermediário é

inserido em outra posição no genoma da célula (Figura 9-b). A classe II de elementos genéticos

móveis passa diretamente de uma posição a outra usando uma enzima chamada transposase que

corta a região do genoma onde será inserida a nova seqüência e media sua integração neste local

(Figura 9-a). A transposição que envolve um RNA intermediário é exclusiva para eucariontes e é

* Replicon é uma região do DNA que se duplica como uma unidade individual. Essa duplicação ocorre na intérfase, fase na qual o material genético precisa ser duplicado para que ocorra posteriormente a divisão celular.

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fornecido pela capacidade de retrovírus de introduzir cópias de DNA (provírus) do seu RNA

genômico em cromossomos de uma célula hospedeira.

Figura 9. Classificação dos elementos móveis em duas classes principais. (a) seqüências de inserção e transposons

(laranja) movem-se através de um DNA intermediário, (b) retrotransposons (verde) são primeiramente transcritos em

molécula de RNA, que então são transcritos reversamente em DNA dupla fita. Em ambos os casos, o DNA dupla fita

intermediário é integrado ao DNA alvo dentro do sítio alvo para completar o movimento.

Saiba mais ...

Link para acesso de livro sobre mecanismos de transposição: http://biology.jbpub.com/book/genes/

8. Prions e doenças causadas por príons

Agora daremos início a um assunto bastante interessante, já que foi um assunto que gerou

grande temor durante um grande período em vários países do mundo. Antes de introduzir este

assunto, gostaria que vocês parassem por alguns instantes e tentassem responder as seguintes

questões. (1) Vocês já ouviram falar do “mau da vaca louca”? (2) Que doença era essa? (3) Era

causada por vírus, bactéria ou algum outro agente patogênico? (4) Por que ela teve tanta

repercussão mundial? Bom, para tentar responder muitas de suas dúvidas, abordaremos aqui um

pequeno histórico sobre essa doença e os agentes causadores dela.

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A encefalopatia espongiforme bovina, conhecido vulgarmente como “mau da vaca louca”, foi

relatado em bovinos de cerca de 20 países, embora acima de 90% dos casos tenham ocorrido na

Grã-Bretanha, onde foram detectados os primeiros casos em 1986, somando até 2003 o total de

183.616 casos, principalmente em vacas leiteiras com mais de 3 anos. No entanto, estudos mais

aprofundados mostraram que já existiram casos dessa doença em 1985 podendo ter ocorrido até

mesmo na década de 70. Pela primeira vez, em 1995 foi confirmada a primeira vítima humana da

doença Creutzfeldt-Jakob cuja origem foi atribuída à ingestão de carne contaminada. Desde então,

vários casos de encefalopatias em seres humanos foram constatados devido ao consumo de carne de

animais contaminados. Outros casos foram confirmados em vários outro países do mundo como

Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Irlanda, Israel,

Itália, Japão, Liechtenstein, Luxemburgo, Países Baixos, Polônia, Portugal, Eslováquia, Eslovênia,

Espanha, Finlândia, República Tcheca e Suíça. Bom, creio que agora vocês entenderam o porquê

essa doença preocupou muito as autoridades de vigilância sanitária dos países do mundo inteiro.

E o que vocês acham sobre quais foram as medidas que as autoridades brasileiras tomaram para

que esse mal não afetasse nossos rebanhos? Respondendo a essa questão, meus caros leitores, desde

o aparecimento do “mau da vaca louca” no Reino Unido, as autoridades sanitárias brasileiras

preocuparam-se em evitar a sua introdução, visando preservar o patrimônio pecuário do nosso País.

Felizmente para todos nós, o uso de proteína de origem animal na fabricação de ração para bovinos

no Brasil é proibido. Além disso, no Brasil existe uma restrição à importação de animais

susceptíveis e seus produtos originários de países onde a doença foi registrada. Portanto, o risco de

desenvolvimento da doença em nossos rebanhos é mínimo, somando ao fato de que em nosso país

os rebanhos se alimentam em grande parte de pastagens. Até o momento nunca foi registrado

qualquer caso dessa doença no Brasil.

O animal afetado apresenta alterações em alguns sinais nervosos tais como desordens

comportamentais causadas por alterações do estado mental (apreensão, nervosismo, agressividade),

falta de coordenação dos membros durante a marcha e incapacidade de se levantar o que acarreta

sua incapacidade de se alimentar e rapidamente perda da condição corporal. Em duas a três semanas

é necessário que os animais sejam sacrificados, pois, não respondem a nenhum tratamento. A

doença também pode se manifestar em seres humanos, conhecida como “doença de Creutzfeldt-

Jakob” e em ovinos onde a doença é conhecida como "scrapie”. O agente causador da doença não é

um vírus, bactéria ou parasita. Trata-se de uma proteína anormal chamada príon. Abaixo está uma

tabela que ilustra as encefalopatias espongiformes transmissíveis dos animais e seus respectivos

hospedeiros e formas de transmissão

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Tabela 1. Encefalopatias espongiformes transmissíveis

Doença Hospedeiro Transmissão Aparecimento “Scrapie” Ovinos Infecção em ovinos

geneticamente susceptíveis 1730

EEB (“mau da vaca louca”) Bovinos Infecção por meio de farinha de carne e osso contaminados pelo prion

1986

Doença debilitante crônica Alce, cervos, mula Desconhecido 1967 Encefalopatia espongiforme felina

Felinos Infecção por meio de tecidos bovinos ou contaminados

1990

Encefalopatia de ungulados exóticos

Kudú, grande Niala, Orix

Infecção por meio de farinha de carne e osso contaminados pelo príon

1986

Os príons são pequenas partículas protéicas infecciosas que resistem à inativação por

procedimentos que afetam ácidos nucléicos. Nenhum ácido nucléico detectável de qualquer espécie

e nenhuma partícula tipo vírus têm sido associados com príons. Nos seres humanos causam o kuru

e a doença de Creutzfeldt-Jakob. A proteína da qual o prion é feito (Prion Protein, PrP) é

encontrada em todo o corpo, mesmo em pessoas e animais saudáveis. PrP é uma proteína normal

encontrada nas membranas das células e tem 209 aminoácidos (em humanos), uma ligação de

dissulfeto, uma massa molecular de 35-36 kDa e principalmente um estrutura alfa-helicoidal. No

entanto, a PrP encontrado no material infeccioso tem uma estrutura diferente e é resistente às

proteases, enzimas do corpo que normalmente podem degradar as proteínas mal enoveladas ou

danificadas.

Os príons são compostos em grande parte, se não inteiramente, de uma isoforma da proteína

de prion ubíqua celular (Prion Protein, PrPc). Um processo pós-traducional, ainda indefinido, gera

a forma infecciosa, chamada de PrPSc, onde o C se refere a "celular” ou “comum",enquanto Sc se

refere a tremor (Scrapie), uma doença priônica que ocorre em ovinos. PrPSc, é capaz de converter

proteínas normais PrPc na isoforma infecciosa, alterando sua conformação, ou a forma, o que por

sua vez inicia uma reação em cadeia, onde cada prion converte proteínas do hospedeiro em mais

prions (figura 10).

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Figura 10. Modelo que explica as formas de geração de prions.

Embora sejam fundamentalmente diferentes de vírus e viróides, a descoberta dá

credibilidade à idéia de que o vírus poderiam ter evoluído de moléculas auto-replicantes. Várias

características distinguem os prions de vírus. Primeiro, os príons são não-imunogênico (não ativa o

sistema imune causando imunidade ao indivíduo), ao contrário do vírus, que quase sempre

provocam uma resposta imune. Segundo, não há nenhuma evidência de um ácido nucléico essencial

dentro da partícula de prion infecciosa, enquanto que os vírus têm um genoma de ácido nucléico

que serve de modelo para a síntese do vírus da progênie. Em terceiro lugar, o único componente

conhecido do príon é a proteína PrPSc, que é codificada por um gene cromossômico, enquanto que

os vírus são compostos de ácido nucléico, proteínas e freqüentemente outros componentes.

As doenças priônicas (Encefalites Espongiformes Transmissíveis, T.S.E) constituem um

grupo de patologias crônicas, progressivas, de ocorrência imprevisível, invariavelmente fatais,

afetando principalmente o sistema nervoso central não havendo resposta imune diferentemente com

o que ocorre com a infecção viral como mencionado anteriormente, além de não haver qualquer

tratamento. Essa doença caracteriza-se por ter um longo período de incubação e provoca alterações

ou até disfunção cerebral, falta de coordenação motora progressiva, tremores, cegueira, crises

incontroláveis de riso e demência que pode durat em media entre 6 e 12 meses, no máximo de 24

meses. A grande característica neurológica comum encontrada é a vacuolização dos neurónios e da

matéria cinzenta do cérebro, com perda celular e astrocistose. O Kuru é uma doença que foi descrita

na década de 50, sendo a primeira das causadas por príons. De ocorrência restrita a algumas tribos

canibais da Nova Guiné, esta tinha como modo de transmissão o contato através de feridas abertas e

a ingestão de carne humana contaminada. Como o tecido muscular era restrito à alimentação dos

jovens guerreiros, as vísceras, ossos e tecido nervoso eram destinados aos idosos, mulheres e

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crianças que eram os principais acometidos pelo kuru. A incubação é de até 30 anos, mas, uma vez

aparecendo os sintomas, a doença progride rapidamente levando à morte entre 3 a 12 meses. A

doença de Gerstmann-Straussler-Scheinker ocorre em humanos de origem hereditária embora seja

rara ela é caracterizada por uma descoordenação muscular e demência esta associada a uma

mutação no gene que codifica para a proteína normal (PrPC). A morte do paciente que apresenta

essa doença vem com 2 a 6 anos após apresentar os sintomas. Cerca de 50 famílias com essa doença

foram identificadas até o presente.

9. Referências.

1. Alberts, B. Biologia Molecular da Célula. 5ed. Porto Alegre. Artes Médicas. 2007. 2. Dimmock, N.J; Easton, Andrew J; Leppard, Keith. Introduction to Modern Virology seventh edition,

Blackwell Publishing. 2009

3. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/inca/portal/home. Acessado em 01 de maio de

2010.

4. Lewin, Benjamin. Genes IX. Artmed- Bookman. 2009.

5. Lodish, H.; Berk, A.; Zipursky, S.L.; Matsudaira, P.; Baltimore, D. e Darnell, J. Biologia

Molecular e Celular. 6ed. 2008.

6. Madigam, M.T., Martinko. J.M. e Parker, J. Microbiologia de Brock. Tradução: Cynthia

Maria Kyaw. São Paulo: Pearson. 2008.

Atividade Complementar 2:

1. Como um vírus pode induzir a formação de um tumor? 2. Como ocorre a replicação de um retrovírus? 3. De que forma pode ocorrer a variação do genoma mediada por um retrovírus? 4. Explique os dois mecanismos envolvidos na variação do genoma de um indivíduo. 5. O que são prions? 6. Como ocorre o processo de propagação de uma proteína priônica em um indivíduo?