Visão ético-jurídica da questão ambiental

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  • 8/19/2019 Visão ético-jurídica da questão ambiental

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    Ideologia, ética e justiça ambientais. Visão ético-jurídica da questão ambiental,adaptada à realidade brasileira. Os conceitos jurídicos indeterminados oucláusulas gerais1.

    Consuelo Y. Moromizato Yoshida

    À medida em que o ambientalismo se afirma como fenômeno jurídico,social, econômico e político global, surgem diferenciadas visões jurídico-ideológicas daproteção ambiental, que, a rigor, não são antagônicas, mas complementares entre si, e omagistrado, em face das lides ambientais, deve ter o discernimento suficiente paradefinir a visão que deve preponderar, de forma integrada, ou não, diante daspeculiaridades do caso trazido à apreciação judicial.

    Não se trata pura e simplesmente de adotarmos, aprioristicamente,uma visão pró-biocentrismo ou antropocentrismo2, pró-preservacionismo ouconservacionismo3, pró-nacionalismo ou internacionalismo4  em relação aos temasambientais. Exige-se do magistrado a prudência e a cautela necessárias para decidir,

    diante das especificidades de cada caso, e informado por critérios técnicos repassadospelas perícias e estudos ambientais, qual dessas visões deve ser prestigiada, ou secomportam análise de forma integrada.

    E essas diversificadas visões devem ser adaptadas, ademais, àrealidade brasileira, aos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasilestampados nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal, que têm como um de seus

    1 Trecho extraído do artigo: A efetividade da proteção do meio ambiente e a participação do Judiciáriopublicado nas obras: YOSHIDA, Consuelo Y.M. Tutela dos interesses difusos e coletivos.  1. ed., 2.tiragem, rev. e atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006. p. 123-149. ISBN 85-7453-582-6; KISHI,Sandra; SILVA, Solange T.; SOARES, Inês (Org.).  Desafios do direito ambiental no século XXI : estudos

    em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 426-454. ISBN857420629-6.2 A ética ambiental faz um apelo à responsabilidade coletiva mundial, no sentido de se evitar ameaças aomeio ambiente, pondo em perigo não apenas a vida presente, mas também, a das gerações futuras. Naética ambiental existem duas tendências: uma visão antropológica, para qual a natureza só tem sentido emfunção do homem; o valor ético pertence somente aos humanos e não ao mundo das coisas; e uma visãoque enfatiza a natureza como valor em si, independente das avaliações humanas (PEGORARO, OlintoA.Ética e Bioética – Da subsistência à existência, Petrópolis, Ed. Vozes, 2002, p.20).3 A Lei nº 9.985/2000 prestigia ambas as tendências, que serviram de base à classificação das unidades deconservação em dois grupos: unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável.Definições da lei: Preservação: conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção alongo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos,

     prevenindo a simplificação dos sistemas naturais (art. 3º, V). Conservação da natureza: o manejo do uso

    humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, arestauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em basessustentáveis, às atuais gerações mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações dasgerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral (art.3º, II). Uso sustentável :exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos

     processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável (art. 3º, XI). 4 O direito internacional ambiental, através de vários instrumentos, objetiva a fixação de regras comunsaos Estados soberanos para a defesa do meio ambiente, em todas as suas acepções. O Brasil tem tidoposição destacada quanto às iniciativas em defesa dos interesses dos países em desenvolvimento,buscando conciliá-los, tanto quanto possível, com os interesses da comunidade internacional, noenfrentamento das questões ambientais globais, de que são exemplos bem ilustrativos a Convenção daBiodiversidade e o Protocolo de Kyoto (V., a respeito, de nossa autoria, O Protocolo de Kyoto e o

     princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada. A experiência e a contribuição japonesas. InFIGUEIREDO, Guilherme José P. de (Coord.)  Direito Ambiental em debate – v.2. Rio de Janeiro:Esplanada, 2004, pp. 109-120).

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    pilares básicos a dignidade da pessoa humana; o reconhecimento que somos um país emdesenvolvimento, de estrutura federativa, com contrastes regionais, gritantes diferençasculturais e sociais, características que muitas vezes nos distanciam das potênciasmundiais e de seus interesses e posicionamentos em matéria de proteção ambiental.

    Em perfeita sintonia com esses ditames constitucionais, a Política

    Nacional de Educação Ambiental, instituída pela Lei n. 9.795/99, prestigiaexpressamente a visão humanista, holística e integrada de todos os aspectos do meioambiente, atentando, igualmente, para as diversidades regionais, culturais e sociais darealidade brasileira. Com efeito, ela enuncia como princípio básico da educaçãoambiental, logo de início, o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo(art. 4º, I).

    A proteção ambiental é voltada, em última análise, para propiciar odesenvolvimento humano5, a dignidade da pessoa humana, e neste sentido éfundamental a  participação democrática, através dos instrumentos da gestãodemocrática, das audiências públicas no licenciamento ambiental, entre outros.

    A concepção holística do meio ambiente vem detalhada no princípio

    seguinte: a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando ainterdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoqueda sustentabilidade (art. 4º, II).

    A Lei nº 9.795/99, por outro lado, não ignora as peculiaridades darealidade brasileira ao preconizar como outro princípio  a abordagem articulada dasquestões ambientais locais, regionais, nacionais e globais, o reconhecimento e orespeito à prioridade e à diversidade individual e cultural (art. 4º, VII). 

    E coerentemente propugna, entre os objetivos fundamentais daeducação ambiental,  o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do país, emníveis micro e macrorregionais com vistas à construção de uma  sociedade

     ambientalmente equilibrada , fundada nos princípios da liberdade, igualdade,solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade (art.5º,V).

    Desse modo, para aferirmos, adequadamente, e caso a caso, o quedeve ser corrigido ou implementado para termos uma sociedade ambientalmenteequilibrada,  os magistrados, demais operadores do direito, peritos e outros experts,devem levar em consideração, em cada situação examinada, o contexto dasdesigualdades sociais e regionais, bem como das diversidades dos meios físico, bióticoe antrópico; e buscar contemplar e conciliar os múltiplos e conflitantes objetivosconstitucionalmente assegurados a todos, a saber: o desenvolvimento nacional, aerradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e

    regionais, a promoção do bem de todos.Todavia, o que é dignidade humana? O que é uma sociedadeambientalmente equilibrada? O que é a garantia de desenvolvimento nacionalsustentável?

    5  É o conceito de desenvolvimento humano, ou, de forma mais completa, desenvolvimento humanosustentável, queapresenta quatro dimensões complementares e integrais: 1) pressupõe que o crescimentoeconômico, por ampliar a oferta de bens e serviços à disposição da população, é uma condição necessária,mas não suficiente para o desenvolvimento humano; 2) que este não ocorre num contexto de exclusãosocial, pois tem de se processar em benefíciodas pessoas; 3) que estas têm de ter acesso a informações,conhecimento e bens culturais para a sua própria promoção; 4) que a forma de crescimento econômico

    atual não venha a comprometer a gama das oportunidades das gerações futuras, ou seja, odesenvolvimento humano pressupõe a sua sustentabilidade (Haddad; Paulo R.O desenvolvimentohumano, Jornal da Tarde, 31 de agosto de 1998, p. 2).

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    São conceitos indeterminados  ou cláusulas gerais que têm que sertrabalhados caso a caso, considerando-se todas as variáveis apontadas, sendo relevante opapel da ideologia e da conscientização do magistrado no preenchimento dosrespectivos conteúdos.