Visualizando a difração e interferência de ondas através do ...

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22 Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016 Introdução M uitos pesquisadores defendem a importância de se incluir a História e Filosofia da Ciência (HFC) nos currículos de ensino básico. O objetivo não é incluir tópicos de HFC ou criar uma disciplina à parte, mas trazer elementos significativos desse campo de conhecimento ao ensino, possibilitando trabalhar aspectos relevantes por detrás dos processos de construção do saber cien- tífico, trazendo a Natureza da Ciência para a sala de aula [1]. Para contribuir de maneira efetiva para tal propósito, cons- truímos a estratégia de ensino que será apresentada neste ar- tigo. Tal estratégia foi aplicada em quatro turmas do 3° ano do Ensino Médio de uma escola pública fed- eral brasileira. Buscamos discutir um te- ma que sempre instigou a curiosidade humana, a natureza da luz: “onda ou par- tícula?” nos valendo de um aporte histó- rico - teorias ópticas de Newton e Huygens e seus desdobramentos - que nos permitisse introduzir em sala de aula, qualitativamente, os conceitos de difração e interferência de ondas. Todavia, a dis- cussão histórica apresentou algumas fragilidades no que tange à associação feita pelos alunos sobre os modelos corpuscu- lares e ondulatórios aos fenômenos ópticos destacados. Uma questão atri- buída a essa dificuldade, e que foi levan- tada pelos próprios alunos, é que muitas vezes os conceitos trabalhados na disci- plina de física se apresentam de forma muito abstrata, o que dificulta sua com- preensão. Esse levantamento relativo às dificuldades de abstração nos levou a reformulação da pro- posta e a utilização de recursos de Tecnologias de Informação e Co- municação (TIC) como suporte ao processo. A seguinte descrição se desenvolveu durante o estudo do tema ondulatório, após o estudo acerca de conceitos básicos da eletricidade e eletromagnetismo (Tabela 1). Principais pontos sobre natureza da luz no Século XVII explorados em sala de aula Ao iniciarmos a discussão, questio- namos os alunos acerca de “o que é a luz?”. Não tendo os alunos conseguido Wagner Tadeu Jardim IFSUDESTEMG, Juiz de Fora, MG, Brasil E-mail: [email protected] Tabela 1. Sequência dos temas de ondulatória trabalhados nas turmas do 3º ano do EM. Número de aulas Conteúdo estudado (50 min cada) 2 aulas • Oscilações e tipos de ondas 3 aulas • Componentes básicos de uma onda 2 aulas • Reflexão e refração de ondas 4 aulas • Presente proposta (difração e interferência de ondas, natureza da luz e das ondas) 3 aulas • Polarização de ondas, ressonância e fenômenos acústicos 3 aulas • Fundamentos da relatividade especial e o éter luminífero 3 aulas • Efeito fotoelétrico e dualidade onda-partícula Apresentamos uma proposta de ensino acerca da natureza da luz, a partir da História e Filosofia da Ciência, discutindo as concepções vibracionais e corpusculares atribuídas à luz do século XVII ao início do XIX. Como suporte aos conceitos relacionados à Ondulatória, utilizamos o Software Google Earth, dentre outros recursos. A estratégia adotada, além de despertar o interesse nos alunos, possibilitou visualizar fenômenos como a difração e interferência de ondas, o que facilitou avançar a discussão até a concepção de luz que se firma no século XIX. Pesquisadores defendem a inclusão de tópicos de História e Filosofia da Ciência para trabalhar aspectos relevantes por detrás dos processos de construção do saber científico Visualizando a difração e interferência de ondas

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22 Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016

Introdução

Muitos pesquisadores defendem aimportância de se incluir aHistória e Filosofia da Ciência

(HFC) nos currículos de ensino básico. Oobjetivo não é incluir tópicos de HFC oucriar uma disciplina à parte, mas trazerelementos significativos desse campo deconhecimento ao ensino, possibilitandotrabalhar aspectos relevantes por detrásdos processos de construção do saber cien-tífico, trazendo a Natureza da Ciência paraa sala de aula [1].Para contribuir demaneira efetiva paratal propósito, cons-truímos a estratégiade ensino que seráapresentada neste ar-tigo. Tal estratégia foiaplicada em quatro turmas do 3° ano doEnsino Médio de uma escola pública fed-eral brasileira. Buscamos discutir um te-ma que sempre instigou a curiosidadehumana, a natureza da luz: “onda ou par-tícula?” nos valendo de um aporte histó-rico - teorias ópticas de Newton eHuygens e seus desdobramentos - que nospermitisse introduzir em sala de aula,qualitativamente, os conceitos de difração

e interferência de ondas. Todavia, a dis-cussão histórica apresentou algumasfragilidades no que tange à associação feitapelos alunos sobre os modelos corpuscu-lares e ondulatórios aos fenômenosópticos destacados. Uma questão atri-buída a essa dificuldade, e que foi levan-tada pelos próprios alunos, é que muitasvezes os conceitos trabalhados na disci-plina de física se apresentam de formamuito abstrata, o que dificulta sua com-preensão. Esse levantamento relativo àsdificuldades de abstração nos levou a

reformulação da pro-posta e a utilização derecursos de Tecnologiasde Informação e Co-municação (TIC) comosuporte ao processo. Aseguinte descrição sedesenvolveu durante o

estudo do tema ondulatório, após o estudoacerca de conceitos básicos da eletricidade eeletromagnetismo (Tabela 1).

Principais pontos sobre naturezada luz no Século XVII exploradosem sala de aula

Ao iniciarmos a discussão, questio-namos os alunos acerca de “o que é aluz?”. Não tendo os alunos conseguido

Wagner Tadeu JardimIFSUDESTEMG, Juiz de Fora, MG,BrasilE-mail: [email protected]○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Tabela 1. Sequência dos temas de ondulatória trabalhados nas turmas do 3º ano do EM.

Número de aulas Conteúdo estudado(50 min cada)

2 aulas • Oscilações e tipos de ondas3 aulas • Componentes básicos de uma onda2 aulas • Reflexão e refração de ondas4 aulas • Presente proposta (difração e interferência de ondas, natureza

da luz e das ondas)3 aulas • Polarização de ondas, ressonância e fenômenos acústicos3 aulas • Fundamentos da relatividade especial e o éter luminífero3 aulas • Efeito fotoelétrico e dualidade onda-partícula

Apresentamos uma proposta de ensino acercada natureza da luz, a partir da História eFilosofia da Ciência, discutindo as concepçõesvibracionais e corpusculares atribuídas à luzdo século XVII ao início do XIX. Como suporteaos conceitos relacionados à Ondulatória,utilizamos o Software Google Earth, dentreoutros recursos. A estratégia adotada, além dedespertar o interesse nos alunos, possibilitouvisualizar fenômenos como a difração einterferência de ondas, o que facilitou avançara discussão até a concepção de luz que se firmano século XIX.

Pesquisadores defendem ainclusão de tópicos de História

e Filosofia da Ciência paratrabalhar aspectos relevantespor detrás dos processos de

construção do saber científico

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formular uma resposta satisfatória acercada questão levantada, apresentamos adescrição corpuscular do inglês IsaacNewton (1642-1727) e vibracional doHolandês Christiaan Huygens (1629-1695) para a luz na segunda metade doSéculo XVII, destacando dentre os distin-tos modelos, suas limitações, poder expli-cativo e aceitação de cada um [2-4].Apesar de se tornarem ícones do embatevibração vs. corpús-culo, buscamos res-saltar que a disputadas teorias de Huy-gens e Newton nãoocorreu de forma tãodireta e simples comogeralmente é referen-ciado, nem mesmocontou com apenasesses dois persona-gens. Além de nãoterem tanto contato,seja pessoalmente ou por correspondência,a divulgação de suas obras se deu de ma-neira diferente e mesmo a forma de abor-dagem dos fenômenos ópticos foi bastantedistinta, “de um lado, Huygens investiuem uma argumentação balizada na geo-metria e no fenômeno da dupla refração.Do outro, Newton enalteceu o papel dosexperimentos e das observações” [4]. Adestacar, os estudos desses dois não seatinham aos mesmos objetivos, tendo, porexemplo, Huygens destinado atençãoespecial aos fenômenos de reflexão, re-fração e dupla refração, enquanto New-ton se dispôs a discutir uma ampla gamade fenômenos. Além disso, ambos os cien-tistas não destinaram esforços em deta-lhar de forma aprofundada qual seria anatureza da luz, “... a própria naturezada luz foi assunto controverso e obscurotanto no Tratado [de Huygens] como noÓptica [de Newton]. A nenhum dos doistextos pode ser atribuída uma defesa coe-rente da concepção ondulatória e corpus-cular da luz” [4].

Em seu tratado, Huygens atribuía na-tureza vibracional1 para a luz, conseguin-do explicar alguns fenômenos relacio-nados a ela. No entanto, o próprio autoradmitiu que não despendeu devida aten-ção a essa obra, a qual pretendia traduzirpara o latim enquanto lhe destinariamaior atenção. “Huygens concebia a luzna forma de uma perturbação mecânicaque se propagava através de forças de con-tato entre corpúsculos” [2]. Devemos nosatentar, no entanto, que sua descriçãovibracional não pode ser considerada o queestudamos hoje como teoria ondulatória,o que muitas vezes é feito de forma equi-vocada. Buscamos destacar junto aos nos-

sos alunos do Ensino Médio que o holan-dês não se utilizou da maioria das carac-terísticas básicas que já havíamos estu-dado acerca das ondas, não mencionan-do, por exemplo, frequência de vibração,amplitude, comprimento de onda e perío-do. Nessa linha, buscamos ainda destacarque a defesa de uma concepção vibracional(ondulatória) da luz foi realizada por estu-diosos contemporâneos e posteriores a

Huygens e que, emsua maioria, não seapoiaram muito emsuas ideias ou apenascitaram-no breve-mente, não lhe conce-bendo posição de des-taque em meio a ou-tros trabalhos [4].

O modelo deNewton inferia umtratamento corpuscu-lar para a luz que,

além de explicar uma vasta gama de fenô-menos observados, ganha aceitação aindamaior por conta do desenvolvimento daquímica. Todavia, da mesma maneira queHuygens, Issac Newton não discute emdetalhes a natureza da luz, apesar de suateoria indicar2 que ele entendia a luz comosendo composta por partículas materiaisque se propagavam no espaço e estariamsujeitos a princípios mecânicos, comoforças e colisões. Além disso, a luz seriacomposta de diversos corpúsculos de luz,e cada qual seria responsável por uma cor.Esses corpúsculos poderiam vir todos deuma mesma cor ou em combinações,assim, a luz verde poderia ser formadapor diversos corpúsculos verdes ou pelacombinação de amarelos e azuis. Nessalógica, Newton consegue explicar, porexemplo, a dispersão da luz por prismas.Ao atravessar de um meio para outro, es-ses corpúsculos estariam submetidos aforças diferentes e,dessa maneira, oscorpúsculos sofre-riam desvios diferen-tes e se separariam.Todavia, “a falta deuma lei universal esatisfatória de força decurto alcance e asdificuldades para ex-plicar os vários fenô-menos ópticos de for-ma unificada fizeram com que a teoria cor-puscular, nesse período (Século XIX),passasse a ser fortemente questionada” [3].

Após apresentar o panorama em quese encontravam as duas teorias, enfati-zamos que nosso objetivo não seria a deoptar por Newton ou Huygens, mesmo

porque os seguidores da tradição corpus-cular e vibracional/ondulatória modifica-ram conceitos e o que se desenvolve emseguida não é uma mera propagação dasideias originais. O intuito foi o de destacaras divergências na ciência e a não lineari-dade da mesma. Dessa maneira, levanta-mos que para pensarmos por nós mes-mos, discutiríamos o efeito de difração,fenômeno este que não foi descrito porHuygens em seu Tratado e que Newtondescreveu no seu Livro III [Optica], mas

... exceto as especulativas“Questões”, as observaçõessobre a difração não seguirampassos indutivos simples [...]e Newton sequer apresentouproposições, provavelmentedevido a seu estudo tardio dofenômeno... [4].

Visualizando a difração de ondasatravés do programa Google Earth

Para avançar no embate proposto,ressaltamos que discutiríamos algunsfenômenos ondulatórios e nós mesmosiríamos avaliar qual seria a definição maisrazoável para a luz. Todavia, os alunoshaviam manifestado anteriormente certainsatisfação quanto à abstração necessáriapara o estudo de alguns conceitos. Segun-do os estudantes, mesmo que se possaimaginar o que ocorre, a visualização efe-tiva contribui muito para o entendimentodos fenômenos. Tendo em vista essa pro-blemática levantada pelos alunos, busca-mos ferramentas que pudessem nos darsuporte para amenizá-la. Encontramos nautilização das Tecnologias de Informaçãoe Comunicação [6], um caminho que pu-desse nos auxiliar a desenvolver a propos-ta em acordo com a necessidade externadapelos estudantes.

Para discutir a difração de ondas, uti-lizamos o programaGoogle Earth,3 exibidoatravés de projeçãopor data show, que nospermitiu buscar locaisna Terra onde pode-mos visualizar talfenômeno ocorrendocom ondas na água. Adifração de uma ondaé a capacidade que elatem de contornar um

obstáculo. Podemos perceber esse fenô-meno em ondas sonoras quando alguémfala conosco estando em outro cômodode nossas casas. Nessa situação, se existeuma passagem (porta aberta, por exem-plo), mesmo que não estejamos no campovisual de quem fala, conseguimos ouvir,

Em seu tratado, Huygensatribuía natureza vibracional

para a luz, conseguindoexplicar alguns fenômenos

relacionados a ela. Devemosnos atentar, no entanto, que

sua descrição vibracional nãopode ser considerada o queestudamos hoje como teoria

ondulatória, o que muitas vezesé feito de forma equivocada

O modelo de Newton inferiaum tratamento corpuscular

para a luz. Todavia, da mesmamaneira que Huygens, eletambém não discute em

detalhes a natureza da luz,apesar de sua teoria indicarque ele entendia a luz como

sendo composta por partículasmateriais

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ou seja, perceber razoavelmente bem asondas sonoras emitidas pela outra pessoa.Muitos alunos que já haviam escutadoalgo sobre a luz ser uma onda se mani-festaram por não conseguirem exempli-ficar algum caso em que a difração ocor-resse para a luz, ficando, neste momento,em dúvida sobre qual seria o desfeche doembate histórico inicial. Se o que vemos éluz refletida e se a luz fosse uma onda,deveríamos também enxergar a pessoaque nos fala, e não apenas ouvi-la…

Apresentamos então as Figs. 1 e 2 [5],que serviram como primeira ilustraçãopara o efeito. O programa permite queaproximemos a imagem de qualquerlugar do planeta [função zoom], além deproporcionar buscas de localização emdiversos períodos de tempo [ícone “mos-trar imagens históricas”].

Os alunos se mostraram interessadose foram convidados a conduzir o progra-ma,4 buscando pelo globo, outros locaisonde pudéssemos visualizar a difração dasondas. Dentre as buscas realizadas pelosalunos, apresentamos alguns exemplos delocais identificados por eles, visualizadosem sala e registrados para o presente tra-balho (Figs. 3, 4,5 e 6).

Após explorarmos o conceito de difra-ção, analisamos as circunstâncias em que ocomprimento de onda (λ) em relação à lar-gura do obstáculo (L) nos fornecia a obser-vação do fenômeno. Para isso, utilizamosuma simulação5 que permite alterar afrequência da onda produzida (conse-quentemente6 seu λ), bem como a larguradas frestas por onde as ondas irão atravessar.Nesse momento da simulação, algunsalunos se manifestaram a favor de ummodelo mecânico e corpuscular para a luz,uma vez que, segundo eles, a luz não poderiaapresentar o observado. Os alunos con-seguiram perceber, no entanto, que sediminuíssemos ou aumentássemos dema-siadamente a largura dos obstáculos, a difra-ção cessava. Formalizamos aqui a condiçãonecessária para que ocorra a difração de umaonda. Isto é, para que o fenômeno dedifração ocorra, é necessário que o compri-mento de onda7 (λ) seja da mesma ordemde grandeza do obstáculo a ser contornado.Para o som, essa condição é satisfeita para amaioria dos obstáculos presentes no nossocotidiano. Podemos observar também, nolado direito da figura, faixas em que as ondasnão são visíveis, o que pode ser explicadopelo fato do vale de uma onda estar se sobre-pondo à crista da outra, ou seja, o fenômenode interferência destrutiva.

Simulando o experimento de Young

Para avançar na discussão, falamossobre Thomas Young (1773-1829) que,

Figura 1. Difração de ondas através de aberturas; Campo di Mare, Itália. Coordenadas:40°32’26.98”N 18°04’14.47” L.

Figura 2. Difração de ondas através de abertura; Alexandria, Egito. Coordenadas:31°12’25.80” N 29°53’39.94” L.

Figura 3. Itararé, São Vicente - SP Brasil. Coordenadas 23°58’24.06”S 46°21’09.02”.

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Figura 4. Difração de ondas ao contornar um obstáculo. Madagascar, próximo aAnkazomalemy. Coordenadas: 12°38’48.79” S 48°51’09.69” L.

Figura 5. Difração de ondas através de aberturas. Okinawa, Japão. Coordenadas26°10’41.10” N 127°49’45.28” L.

Figura 6. Difração de ondas através de abertura. Próximo a Fernando de Noronha.Coordenadas: 3°49’33.23” S 32°23’40.56” O.

em 1800, divulga seus primeiros argu-mentos a favor de uma concepção ondu-latória da luz mencionando o trabalho deHuygens, mas se apoiando muito maisnos estudos realizados por Euler. Nessecontexto onde a teoria corpuscular dosseguidores da tradição Newtoniana eraamplamente aceita, defender uma concep-ção ondulatória não era algo simples.Young, em 1802 publica um trabalhoonde defende de maneira mais aberta anatureza da luz como onda. Para isso, elese estrutura nos trabalhos de Huygens,Euler e mesmo o de Newton. “EnquantoHuygens foi pouco referenciado, Newtonocupou amplo espaço na argumentaçãode Young. Ele inseriu uma série de trechosdo Óptica e de outros escritos pelo inglês,sempre com o intuito de fundamentar suaargumentação” [4], possivelmente paranão ter suas ideias rejeitadas de prontidãopelos Newtonianos. No intuito de avançarna discussão, ressaltamos que, em meioa esse contexto, Thomas Young, em 1801,realiza um experimento, conhecido comoexperimento de dupla fenda, que se tornamuito famoso (o qual simulamos na ses-são anterior), que visava a verificar adifração e interferência da luz.

Para reproduzir a ideia por detrás damontagem de Young, utilizamos um laserde luz verde8 (λ = 532 nm) e apontamos ofeixe para a parede (Fig. 8). Posicionandoum fio de cabelo (cedido por uma dasalunas) em frente à saída do feixe luminoso,verificamos, na parede, o padrão da Fig. 9,que é exatamente o mesmo apresentado nasimulação. Ao passar pelo fio de cabelo (queserve como o obstáculo central da Fig. 7),o feixe se divide em dois feixes indepen-dentes que se difratam e se interferem.Podemos notar o surgimento de uma linhatracejada, ou franjas de interferência. Notraço, a ausência de luz representa ainterferência destrutiva, e os pontosluminosos, a interferência construtiva.

Aqui comentamos que não verifica-mos o fenômeno de difração para a luzvisível no dia a dia por conta de seu com-primento de onda que é muito pequeno(aproximadamente entre 400 nm e750 nm) em relação aos obstáculos a seremcontornados, resgatando as conclusõesacerca do efeito de difração discutidasanteriormente na simulação. Para os alu-nos, o fenômeno de interferência em con-junto com o de difração, não poderia serexplicado caso a luz fosse composta,segundo um comentário, de “bolinhas dematéria”, alterando as suposições lançadasao iniciarem os trabalhos com o simulador.

Conclusão

A proposta tinha o intuito de se uti-

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Referências

[1] H.R.A. Silva e A. Guerra, Caderno Bra-sileiro de Ensino de Física 32, 378(2015).

[2] F.W.O. Silva, Revista Brasileira de Ensinode Física 29, 149 (2007).

[3] C.C. Silva e B.A. Moura, Revista Brasi-leira de Ensino de Física 30, 1602(2008).

[4] B.A. Moura, Caderno Brasileiro de Ensi-no de Física 33, 111 (2016).

[5] F. Logiurato, arXiv:1201.0001v1[physics.ed-ph].

[6] J.P. Da Ponte, Revista Iberoamericana deEducación 24, 63 (2000).

Figura 9. Franjas de Interferência formadapor difração e interferência da luz.

Figura 7. Simulação; difração e interferência de ondas.

Figura 8. Feixe de luz monocromática ver-de projetado sobre a parede em ambientede baixa iluminação.

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lizar apenas do aporte histórico para sediscuir a natureza da luz em sala de aula.No entanto, algumas inserções baseadasnas TICs surgiram com base nas angústiaslevantadas pelos próprios alunos. Assim,construímos essa sequência de trabalho,utilizando ferramentas simples e que des-pertaram o interesse dos estudantes. A ex-periência se mostrou muito enriquecedorapara o ambiente escolar, pois, da mesmamaneira que diversos cientistas asso-ciavam modelos corpusculares e ondu-latórios/vibracionais para descrever a luz,o programa Google Earth e demais recur-sos permitiram aos alunos interagirem demaneira efetiva, se tornando parte da re-flexão construída e conduzindo as obser-vações realizadas até a conclusão alcan-çada no momento descrito: a luz tem

comportamento ondulatório.Vale ressaltar que, ao final do pro-

cesso, quando os alunos estavam conven-cidos de que a luz deveria ser descritacomo onda, eles externaram de maneirageral em seu discurso e em uma avaliaçãoaplicada, que a descrição ondulatória daluz proposta por Euler e posteriormentepor Young naquele contexto não poderiamser equivalentes à apresentada porHuygens no Século XVII, pois as ideiassofreram modificações e reformulações,sendo apoiadas em alicerces distintos.Acreditamos, assim, ter conseguido trazerpara sala de aula elementos de naturezada ciência que supõem a construção doconhecimento científico de maneira não

linear e apenas acumulativa. Finalizamosa discussão, nesse momento, ressaltandoque nas aulas de física moderna (Tabela 1)voltaríamos a rediscutir a natureza da luz.

Notas1Não devemos confundir com o conceitode onda eletromagnética. No contexto emquestão, Huygens fez analogia às ondassonoras, todavia, para ele, a luz necessi-taria de outro meio que não o ar; esse meioseria o éter, que deveria permear todo oespaço.2Utilizamos a palavra “indica”, pois New-ton nunca deixou totalmente explícito oque entendia pela luz; todavia, diversosseguidores de sua teoria, tais como JohnHarris e John Rowning, fizeram essainterpretação. Existem fenômenos nasobras de Newton que não seriam compa-tíveis com a ideia de luz como matéria.3O programa pode ser baixado gratuita-mente http://www.google.com.br/intl/pt-PT/earth/ e instalado no computador.4Como o tempo de busca por locais ondeo efeito de difração é visível pode ser longo,recomendamos que o professor, de ante-mão, já tenha à sua disposição coordena-das de alguns locais, tais como as queapresentamos no presente trabalho, paraque isso possa poupar tempo de aula.5Essa e outras simulações sobre outrosconteúdos científicos podem ser acessadasgratuitamente em http://phet.colorado.edu/pt.6A relação básica “velocidade = compri-mento de onda × frequência”, já havia sidotrabalhada com os alunos.7As características básicas de uma onda,tais como amplitude, comprimento de on-da, velocidade e frequência, bem como ofenômeno de interferência, já haviam sidotrabalhadas na aula anterior.8O laser de luz monocromática vermelhapermite a mesma visualização. Todaviaentre as duas opções, escolhermos a luzverde por conta de o equipamento apre-sentar maior potência, facilitando a visua-lização do fenômeno.