Viva Sertão é responsabilidade e compromisso com a cultura da região

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº1391 Novembro/2013 Novembro/2013 Viva Sertão é responsabilidade e compromisso com a cultura da região “Meus cumpade, minhas cumade! Trago a vocês o programa Viva Sertão!”. Com esta frase, Alfredo Paz inicia seu programa Viva Sertão Ceará, de segunda a sexta, das 16:30 às 19:00 horas na Rádio Jornal AM de Canindé. A voz do locutor chega a cerca de setenta municípios cearenses, fazendo com que ele seja uma figura conhecida em boa parte do estado. Alfredo abre todos os dias o seu programa com um poema de sua autoria. A cultura do seu lugar de nascimento é a sua inspiração para escrever poesias. Ele lembra que desde os nove anos já admirava o reisado na sua comunidade natal: “na Ipueira da Vaca tem a cultura do Reisado desde 1920. Aquilo influenciou muito a minha poesia. Decidi homenagear os caboclos de reisado todos os dias em meu programa”, ratifica Alfredo, que sempre pede a licença para entrar na casa dos ouvintes no comando de seu programa. Antes de aceitar o espaço de mais de duas horas na Rádio Jornal de Canindé, Alfredo fez um pedido: “Uma das condições para eu começar a apresentar o programa no rádio foi mudar a grade de músicas. Não queria que tocasse forró eletrônico, mas sim Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Teixeirinha, dentre outros grupos da música popular”, conta o locutor que também afirma que grupos como o Aviões do Forró passam por cima da cultura do sertão. O contato direto com os agricultores e agricultoras através do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais faz o apresentador ter orgulho do formato do programa. Recorrentemente ele recebe elogios pela escolha das músicas e pelos poemas que ele declama no rádio: “Muita gente vem falar comigo dizendo que depois de ouvir o primeiro programa, passaram a acompanhar cotidianamente”. No programa, Alfredo sempre lembra aos ouvintes a importância de manter as cisternas limpas e devidamente pintadas. Canindé Matemáticos não sabem calcular os prejuízos da seca no sertão As abelhas não fabricaram mel Pois faltou água e flores na campina Mês de abril não choveu nem chuva fina Que molhasse uma folha de papel Me perdoe dizer que foi cruel Ver o sol queimar minha plantação Só me resta na baixa um cacimbão Pra beber, lavar roupa e pra gastar Matemáticos não sabem calcular Os prejuízos da seca no sertão Uma cabra leiteira perde a cria A ovelha abandona seu filhote A vaquinha a novilha e o garrote O vaqueiro vendeu por micharia Se eu tivesse forragem, eu não vendia Meus bichim que eu criei com estimação Faço devido a precisão Que a ração tá tão cara pra comprar Matemáticos não sabem calcular Os prejuízos da seca no sertão Uma vaca nas tiras é muito triste Ver com ela o seu dono pelejando A bichinha de fome se acabando Pois com fome animal nenhum resiste Esse quadro tristonho a gente assiste Faz doer em qualquer um o coração Outro dia eu vi na televisão Os meus olhos pegaram a lagrimar Matemáticos não sabem calcular Os prejuízos da seca no sertão Uma porca parida não sustenta Os filhotes que deu na barrigada A ração que ela come é tão minguada E com fome a bichinha não aguenta No monturo da casa, uma jumenta Se alimenta comendo papelão No terreiro da casa eu vi um cão Tão magrim que não pode nem ladrar Matemáticos não sabem calcular Prejuízos da seca no sertão Caminhão carro-pipa na estrada Carregando uma água tão barrenta Sertanejo bebendo não aguenta Uma dor de barriga tão danada Eu já vi muita gente adoentada Sobretudo criança e ancião Eu sou mais beber lá do Cacimbão Uma água salobra pra danar Matemáticos não sabem calcular Prejuízos da seca no sertão (Alfredo Abreu Paz) Realização Patrocínio

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº1391

Novembro/2013 Novembro/2013

Viva Sertão é responsabilidade e compromisso com a cultura da região

“Meus cumpade, minhas cumade! Trago a vocês o programa Viva Sertão!”. Com esta frase, Alfredo Paz inicia seu programa Viva Sertão Ceará, de segunda a sexta, das 16:30 às 19:00 horas na Rádio Jornal AM de Canindé. A voz do locutor chega a cerca de setenta municípios cearenses, fazendo com que ele seja uma figura conhecida em boa parte do estado.

Alfredo abre todos os dias o seu programa com um poema de sua autoria. A cultura do seu lugar de nascimento é a sua inspiração para escrever poesias. Ele lembra que desde os nove anos já admirava o reisado na sua comunidade natal: “na Ipueira da Vaca tem a cultura do Reisado desde 1920. Aquilo influenciou muito a minha poesia. Decidi homenagear os caboclos de reisado todos os dias em meu programa”, ratifica Alfredo, que sempre pede a licença para entrar na casa dos ouvintes no comando de seu programa.

Antes de aceitar o espaço de mais de duas horas na Rádio Jornal de Canindé, Alfredo fez um pedido: “Uma das condições para eu começar a apresentar o programa no rádio foi mudar a grade de músicas. Não queria que

tocasse forró eletrônico, mas sim Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Teixeirinha, dentre outros grupos da música popular”, conta o locutor que também afirma que grupos como o Aviões do Forró passam por cima da cultura do sertão.

O contato direto com os agricultores e agricultoras através do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais faz o apresentador ter orgulho do formato do programa. Recorrentemente ele recebe elogios pela escolha das músicas e pelos poemas que ele declama no rádio: “Muita gente vem falar comigo dizendo que depois de ouvir o primeiro programa, passaram a acompanhar cot id ianamente” . No programa, Alfredo sempre lembra aos ouvintes a importância de manter as cisternas limpas e devidamente pintadas.

Canindé

Matemáticos não sabem calcular os prejuízos da seca no sertão

As abelhas não fabricaram melPois faltou água e flores na campinaMês de abril não choveu nem chuva finaQue molhasse uma folha de papelMe perdoe dizer que foi cruelVer o sol queimar minha plantaçãoSó me resta na baixa um cacimbãoPra beber, lavar roupa e pra gastarMatemáticos não sabem calcular Os prejuízos da seca no sertão

Uma cabra leiteira perde a criaA ovelha abandona seu filhoteA vaquinha a novilha e o garroteO vaqueiro vendeu por michariaSe eu tivesse forragem, eu não vendiaMeus bichim que eu criei com estimaçãoFaço devido a precisãoQue a ração tá tão cara pra comprarMatemáticos não sabem calcular Os prejuízos da seca no sertão

Uma vaca nas tiras é muito tristeVer com ela o seu dono pelejandoA bichinha de fome se acabandoPois com fome animal nenhum resisteEsse quadro tristonho a gente assisteFaz doer em qualquer um o coraçãoOutro dia eu vi na televisão Os meus olhos pegaram a lagrimarMatemáticos não sabem calcularOs prejuízos da seca no sertão

Uma porca parida não sustentaOs filhotes que deu na barrigadaA ração que ela come é tão minguadaE com fome a bichinha não aguentaNo monturo da casa, uma jumentaSe alimenta comendo papelãoNo terreiro da casa eu vi um cãoTão magrim que não pode nem ladrarMatemáticos não sabem calcular Prejuízos da seca no sertão

Caminhão carro-pipa na estradaCarregando uma água tão barrentaSertanejo bebendo não aguentaUma dor de barriga tão danadaEu já vi muita gente adoentadaSobretudo criança e anciãoEu sou mais beber lá do CacimbãoUma água salobra pra danarMatemáticos não sabem calcularPrejuízos da seca no sertão

(Alfredo Abreu Paz)

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Articulação Semiárido Brasileiro – CearáBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Alfredo conta com o apoio de vários poetas populares da região para montar o programa. Sempre que pode, ele vai aos festivais de repentistas, o que ajuda ele a colher um bom material para compor a estrutura. O Viva Sertão busca representar a voz e a cultura de agricultores e agricultoras de todo o semiárido, seguindo uma linha que vai de encontro às atuais propostas da maioria das emissoras de rádio.

O resgate que Alfredo se propõe a fazer com seu papel de comunicador, é acima de tudo, da tradição de sua região. O carisma de seus poemas se baseia na oralidade da poesia popular de sua terra, homenageando o dia dedicado ao agricultor, ressaltando o sertão de Luiz Gonzaga, das parteiras, das rezadeiras e, acima de tudo, da intensa relação do homem com o meio em que vive.

Alfredo utiliza a poesia para contar o cotidiano de agricultores e agricultoras do semiárido

O poeta traduz imagens comuns da lida com a terra e da escassez de chuva, dentre tantos outros temas que compõem o ambiente do sertão de Canindé. A fé e a esperança do sertanejo são temas recorrentes nos poemas de Alfredo, que comumente homenageia os dias de santos. Em seus versos o misticismo da fé expressa uma forte realidade na região, tão conhecida por ser rota de romeiros de todo o Brasil.

Sua ligação com a terra situa sua poesia e seu programa no contexto do sertão. “Cada época que a gente vive, eu vou, assim, fazendo poesia. Por exemplo, hoje a seca vivida e depois começa o período de inverno, eu não deixo passar isso como pessoa que convive com o semiárido”. Com o trabalho no sindicato, na Comissão de Convivência com o Semiárido e como monitor de GRH para o P1MC, ele começou a levar a sério o seu gosto pela poesia.

Ele é aprimorado no compasso da rima quando começa a recitar uma de suas poesias. Herdou do avô o gosto pela poesia. Pelo rádio ouvia as cantorias sempre ao lado dele: “essa minha paixão pela poesia, pela cantoria, veio do rádio do meu avô. Desde a década de sessenta eu ouvia cantoria com ele”, recorda o poeta.

Um momento marcante na memória de Alfredo foi aos seis anos de idade, quando ele foi assistir a primeira cantoria ao lado do seu pai, e um dos cantadores fez uma rima debochando com o tamanho de sua roupa: “eu lembro que eu não gostei porque o homem falou que meu calção era curto. Mesmo assim o meu pai mandou eu colocar um dinheiro no chapéu do cantador, depois disso ele começou a fazer rima me elogiando e eu vi que aquilo era interessante”, relembra Alfredo.

Convívio digno com a estiagem no semiárido é uma grande luta na vida do poeta

No assentamento Ipueira da Vaca, Alfredo de Abreu Paz é agricultor, no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais ele exerce o papel de Diretor, na vida ele é poe ta popu la r . Com sua companheira Nice, teve três filhos. Todas essas funções são base para que ele continue escrevendo poesias e contando suas histórias por onde passa.

A estiagem é uma triste realidade também presente em seus versos. Não tem como manter o tom alegre de sua voz quando esta é pauta de seu texto. Como diz um de seus poemas, onde ele fala das tristes imagens do impacto da falta de chuva na região: “matemáticos não sabem calcular os prejuízos da seca no sertão”. Com esse texto ele fala da luta pela vida dos animais e dos homens que tombam pela falta de alimento e água.

Mas ao falar do P1MC seus olhos brilham por outro motivo. A paixão pelo Programa vem desde as primeiras

mobilizações, lá pelo ano de 2001. Sempre envolvido com as atividades do P1MC, Alfredo fez dos cursos de GRH (Gerenciamento de Recursos Hídricos) o primeiro trampolim para se afirmar como poeta e comunicador popular. Auxiliando as famílias na devida utilização da água e na manutenção das cisternas, Alfredo passou pelos municípios de Baturité, Redenção, Acarape, Ocara, dentre outros municípios do Ceará.

Participando do Fórum da Microrregião de Fortaleza para a Convivência com o Semiárido, Alfredo ressalta que a ASA (Articulação no Semiárido brasileiro) e o Fórum Cearense pela Vida no Semiárido são muito importantes para a região. Ali, ele conta que aprendeu muito e fez, também, muitas descobertas, como as formas de celebrar das comunidades, a partilha da comida, os cantos e orações nas comemorações pela chegada das cisternas. Tudo isso incentiva o poeta a continuar comunicando na poesia, no programa de rádio e na vida de agricultor.