Vivax no foco Estado de São Paulo, 1984 a 1986*. · observação dividida em 20 quadrinhos, foi...

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Sorologia de Malária Vivax no foco Aldeia dos índios, Município de Peruíbe, Estado de São Paulo, 1984 a 1986*. Maria Esther de Carvalho** Carmen Moreno Glasser** Ricardo M. de Carvalho Ciaravolo** Arnaldo Etzel** Lucília A dos Santos** Cláudio Santos Ferreira*** * Trabalho apresentado no X Congresso da Sociedade Brasilei- ra de Parasitogia, Salvador, BA, 2 a 6 de agosto de 1987. ** Da Superintendência de Con- trole de Endemias - SUCEN - da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. *** Do Departamento de Parasi- tologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Registraram-se, nos últimos vinte anos, casos autóctones de malária por Plasmodium vivax no Município de Peruíbe (24,19°S e 47,00°W), Litoral Sul do Estado de São Paulo, com presença de portadores assintomáticos ou oligossintomáticos associada ou não a parasitemias subpatentes. O problema na área é também conhecido como "bromélia-malária"; os vetores pertencem ao subgênero Kerteszia: Anopheles (K.) cruzii e A. (K.) bellator. A partir do segundo semestre de 1984 foram realizados, semestralmente, inquéritos sorológicos visando a dois objetivos: detectar possíveis fontes de infecção inaparente e obter o perfil sorológico da população, visando à melhoria do conhecimento da dinâmica da transmissão da malária e seu controle no foco. Este compreende 10 localidades, com população de cerca de 3000 pessoas, cuja mobilidade associa-se à presença de visitantes à aldeia indígena; à fazenda de cacau, que incorpora mão-de-obra transitória; em casas de temporada e existência de grupos nos quais a rotatividade se dá em função do processo de posse da terra. Como atividade econômica destaca-se a agricultura de banana e de cacau, além dos cultivos de subsistência. A técnica sorológica utilizada reação de imunofluorescência indireta (RIFI) — foi processada com antígenos de P. vivax. O valor diagnóstico da RIFI foi confirmado pela identificação de alguns casos autóctones antes que as gotas espessas se revelassem positivas. A distribuição de freqüências de títulos na população foi comparável ao padrão de área de baixa endemicidade. Os soro-positivos predominaram entre o sexo masculino e nos grupos etários acima de 15 anos, faixas a que pertencem os indivíduos produtivos

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Sorologia de Malária Vivax no focoAldeia dos índios, Município de Peruíbe,Estado de São Paulo, 1984 a 1986*.

Maria Esther de Carvalho**Carmen Moreno Glasser**

Ricardo M. de Carvalho Ciaravolo**Arnaldo Etzel**

Lucília A dos Santos**Cláudio Santos Ferreira***

* Trabalho apresentado no XCongresso da Sociedade Brasilei-ra de Paras i togia , Salvador,BA, 2 a 6 de agosto de 1987.

** Da Superintendência de Con-trole de Endemias - SUCEN -da Secretaria de Estado da Saúdede São Paulo.

*** Do Departamento de Parasi-tologia do Instituto de CiênciasBiomédicas da Universidade deSão Paulo.

Registraram-se, nos últimos vinte anos, casosautóctones de malária por Plasmodium vivax noMunicípio de Peruíbe (24,19°S e 47,00°W), LitoralSul do Estado de São Paulo, com presença deportadores assintomáticos ou oligossintomáticosassociada ou não a parasitemias subpatentes. Oproblema na área é também conhecido como"bromélia-malária"; os vetores pertencem aosubgênero Kerteszia: Anopheles (K.) cruzii e A. (K.)bellator. A partir do segundo semestre de 1984 foramrealizados, semestralmente, inquéritos sorológicosvisando a dois objetivos: detectar possíveis fontes deinfecção inaparente e obter o perfil sorológico dapopulação, visando à melhoria do conhecimento dadinâmica da transmissão da malária e seu controleno foco. Este compreende 10 localidades, compopulação de cerca de 3000 pessoas, cuja mobilidadeassocia-se à presença de visitantes à aldeia indígena;à fazenda de cacau, que incorpora mão-de-obratransitória; em casas de temporada e existência degrupos nos quais a rotatividade se dá em função doprocesso de posse da terra. Como atividade econômicadestaca-se a agricultura de banana e de cacau, alémdos cultivos de subsistência. A técnica sorológicautilizada — reação de imunofluorescência indireta(RIFI) — foi processada com antígenos de P. vivax.O valor diagnóstico da RIFI foi confirmado pelaidentificação de alguns casos autóctones antes queas gotas espessas se revelassem positivas. Adistribuição de freqüências de títulos na populaçãofoi comparável ao padrão de área de baixaendemicidade. Os soro-positivos predominaram entreo sexo masculino e nos grupos etários acima de 15anos, faixas a que pertencem os indivíduos produtivos

na agricultura e que apresentam uma relação maisestreita com a mata.

PALAVRAS-CHAVE: malária vivax -soroepidemiologia.

INTRODUÇÃO

O município de Peruíbe, situado no Litoral Suldo Estado de São Paulo (24,19° S e 47,00° W) temapresentado, nos últimos vinte anos, casos autóctonesde malária por Plasmodium vivax que se concentram,principalmente, em um foco denominado "Aldeia dosÍndios". Em sua maior parte, os casos aí gerados secaracterizam como óligos ou assintomáticos, com bai-xas parasitemias detectáveis ou mesmo subpatentes(4). Tais peculiaridades são semelhantes às já observa-das no Litoral do Estado de Santa Catarina por Avery-Jones & Ferreira Neto (1). Da conhecida associaçãodo ciclo biológico das espécies vetoras pertencentesao subgenêro Kerteszia: Anopheles (K.) cruzii e A.(K.) bellator, às bromélias, originou-se a denominação,para o problema, de "bromélia-malária" (10).

A Superintendência de Controle de Endemias —SUCEN - da Secretaria de Estado da Saúde de SãoPaulo desenvolve atividades de busca de casos huma-nos, seu tratamento radical e combate ao vetor pormeios químicos (uso de inseticida Dicloro Difenil Tri-cloroetano — DDT — em ciclos semestrais). A partirdo segundo semestre de 1984, foram realizados, entreos habitantes da região, inquéritos sorológicos tendo-se em vista dois objetivos principais: detectar possíveisfontes de infecção inaparente, pelo fato de ser admitidamaior sensibilidade diagnóstica dessa técnica em rela-ção à hemoscopia, no caso específico da área (Carvalho(3), 185) e estabelecer-se um perfil sorológico daspopulações que constituem o objeto do estudo. Asso-ciado ao primeiro está a hipótese de corresponderema reservatórios de parasitas os casos sorologicamentereagentes a títulos iguais ou superiores a 64; aceitaessa hipótese, poderia um resultado situado dentrodessa faixa ser usado como critério para desencadear-seo tratamento radical, mesmo na vigência de hemosco-pia negativa, como sugerido em trabalho de Warren& cols. (15), 1975. Decorrentes do segundo objetivo,

Caracterização da Área

O foco Aldeia dos Índios inclui 10 localidades,dentre as quais uma pertencente ao município limítrofede Itanhaém (Figura 1) e congrega uma populaçãode cerca de 3000 habitantes. A população móvel estárelacionada à existência de chácaras de recreação, pre-sença de posseiros, turistas em visita à aldeia indígenae à Fazenda Caepupu (situada entre as localidadesAldeia dos Índios II — 2a parte e Fazenda Rio Pretode Itanhaém), uma das pioneiras na introdução do cul-tivo do cacau no Litoral Paulista e que incorpora im-portante rotatividade de mão-de-obra. Destaca-se, naárea, como atividade econômica, a agricultura, predo-minando os cultivos de banana e cacau. Existem tam-bém os cultivos de subsistência de arroz, feijão etc.,que ocupam área reduzida; em toda a paisagem predo-mina a vegetação silvestre. A escassa ocupação daterra, nesses locais, pode ser atribuída às suas caracte-rísticas de riqueza em acidentes topográficos, devendoser considerados estes como restritivos para o desma-tamento.

Dentre as 10 localidades em observação, a Fazen-da São Francisco I (assinalada fora do foco na Figura1) situa-se na faixa de transição entre a planície litorâ-nea e a região montanhosa. Nessa região não se obser-va, na paisagem, a predominância da mata, o quea destaca das outras que compõem o foco. Mobilidadeconsiderável é observada na população que para láse desloca, principalmente durante os fins de semanaou férias escolares; nessas ocasiões são ocupadas asnumerosas casas destinadas a uso nas temporadas, chá-caras e sítios espalhados por vasta área. Na Aldeiados Índios II — 1a Parte, soma-se a esse tipo de movi-mentação aquela em torno da aldeia indígena aí exis-tente (envolvendo funcionários da Fundação Nacionaldo índio — FUNAI — e indígenas provenientes deoutras regiões). Na localidade de Varginha e em algunstrechos de regiões vizinhas há acentuada rotatividadeda população (composta principalmente por homens),com flutuações decorrentes do processo de ocupaçãodas terras.

MATERIAL E MÉTODOS

Material

Foram colhidas em suporte de papel-filtro "What-man no 3", 12604 amostras de sangue digital da popu-

lação residente na área do foco e do controle, cujadistribuição por unidade de superfície foi avaliada,de acordo com as recomendações de Ferreira & Carva-lho (9), 1982, correspondente a aproximadamente 15,2microlitros de soro por m de papel. Após dessecação,à temperatura ambiente, as amostras foram armaze-nadas, sob refrigeração, na Sede do Serviço Regionalde São Vicente, da SUCEN, até o momento de suaremessa ao Laboratório, em São Paulo, onde foramprocessadas.

Métodos

1o) Técnica sorológica — Foi utilizada a reação deimunofluorescência indireta (RIFI), de acordo com atécnica de Sulzer & cols. (14), 1969, com antígenopreparado a partir de sangue venoso de pacientes infec-tados por P. vivax, cujas parasitemias estavam ao redorde 30.000 elementos por m de sangue. Foi tomadaa precaução de separar-se a fração plasma logo apósa colheita do sangue venoso, tendo em vista a eventualpresença de anticorpos antiplasmódios que pudessemreagir em o antígeno presente. Em lâminas para micros-copia de fluorescência, tendo cada uma sua área deobservação dividida em 20 quadrinhos, foi colocadoo antígeno, fixado à temperatura de 37°C em estufa.As lâminas-antígeno assim resultantes foram embala-das em pacotes de cinco unidades cada. As operaçõesmencionadas eram executadas de acordo com as reco-mendações da Organização Panamericana da Saúde(13), 1975, para estocagem de lâminas com gotas es-pessas de sangue em congelador à temperatura de 22°Cnegativos. No momento do uso, eram "desemoglo-binizadas" por meio de água destilada.

Foi adotada a técnica de processamento simultâ-neo de pares de amostras (Carvalho & cols. (6), 1985),pelo fato de haver conhecimento prévio da baixa preva-lência de malária na região de onde eram provenientesas amostras. Desse modo, o intervalo de tempo entrea colheita das amostras e a entrega dos resultadosera abreviada. As amostras que se revelavam reagentesna triagem (diluição a 1:16) eram submetidas à RIFIquantitativa.

Os conjugados utilizados foram obtidos comer-cialmente, sendo seus títulos determinados no Labora-tório, sempre em termos de máxima reatividade (Ca-margo (2), 1973).

2o) Inquéritos — A área delimitada pelo foco, dentro

de um raio de cerca de 5 km, abrangeu 9 localidadesdo município de Peruíbe assim denominadas: Varginha,Aldeia dos Índios II — Parte A ou Aldeia dos ÍndiosII - 1a Parte, Aldeia dos Índios II - Parte B ouAldeia dos Índios II — 2a Parte, Aldeia dos ÍndiosII — Parte C ou Aldeia dos Índios II — 3a Parte,Guanhaém, Fazenda Rio Preto I, Fazenda São Francis-co II e Fazenda Guaxiru; do município limítrofe Ita-nhaém, a localidade Rio Preto (Figura 1).

Foram realizados cinco inquéritos, com periodi-cidade semestral, a partir do 2°. semestre de 1984,nos meses de fevereiro — março e agosto — setembro.Como área-testemunha foi selecionada a compreendidapor duas localidades periféricas de Peruíbe, sem trans-missão demonstrada de malária: Caraguava e Cara-minguava.

Teve-se como objetivo coletar amostras de sanguede toda a população presente, tendo sido para issofeito um trabalho a cargo da equipe de Educação Sani-tária que contou, durante o primeiro inquérito, coma colaboração voluntária de alunas do magistério dePeruíbe.

Os resultados foram distribuídos segundo freqüên-cias de títulos, por grupo etário e sexo. Utilizando-secomo dados de entrada a idade, o sexo e o títulosorológico, foram estes tabulados com o auxílio demicrocomputador. Pra esse fim elaborou-se um progra-ma em linguagem BASIC (4).

A população foi agrupada nas faixas etárias: dezero a l ano; de 2 a 5 anos (idade pré-escolar); de6 a 9 anos (idade escolar); de 10 a 14 anos (idadeescolar com participação na economia da família); de15 a 39 e de 40 a 69 anos (faixas em que predominamos elementos economicamente ativos) e de idades supe-riores a 70 anos.3o) Outras intervenções realizadas concomitantemente— Medidas de controle foram adotadas no foco (4),como borrifação das casas com inseticida (DDT) emciclos semestrais e busca de casos, tanto ativa, mensal,de sintomáticos febris atuais ou recentes, quanto passi-va, em que a própria população local procura os Postosde Notificação, visando ao diagnóstico. Além destasmedidas, foram realizados inquéritos hemoscópicos se-mestrais coincidentes com os sorológicos.

RESULTADOS

A distribuição de freqüências de títulos das rea-ções sorológicas realizadas nas amostras das popula-

ARTIGOções-controle e do foco está representada na Figura2; a linha que delimita os dois conjuntos de resultados(reagentes e não-reagentes) situa-se entre os títulos16 e 32, corroborando o achado de outros autores,conforme referenciado em Carvalho (3), 1985. O gráfi-co obtido na área do foco foi compatível com o padrãode área de baixo nível de endemicidade (Kagan (11),1973). A curva, neste caso, apresentou-se bimodal;há um grande número de reações negativas e, na regiãocorrespondente às positivas, um pico assinala a médiageométrica em torno de 50. Assim, soros cujos títulosse situem em torno dessa média ou acima representamos casos na população que estejam infectados ou mes-mo que se tenham infectado recentemente ou aindaque tenham passado malárico.

Durante a realização dos inquéritos, alguns casosde malária vivax autóctones foram detectados, na he-moscopia, ulteriormente à sorologia; os títulos obser-vados nessas oportunidades situaram-se entre 64 e 512(Carvalho e cols. (5), 1985), embora não seja possívelassociar-se título de reação sorológica à patência daparasitemia.

Na área utilizada como controle foram coletadas1553 amostras, sendo 195 na localidade Caraminguavae 1358 na de Caraguava (Tabela 1). Na primeira, todosos resultados foram negativos; na segunda houve umúnico caso reagente que, ao ser investigado, relatouantecedentes de malária, sendo o local provável detransmissão a Aldeia dos Índios II — 3a Parte.

Os resultados da sorologia referentes ao foco,acumulados de 1984 a 1986, são mostrados na Tabela2. Observam-se nesta percentuais de positividade sem-pre maiores no sexo masculino do que no feminino(exceção no grupo de idade igual ou superior a 70anos); as idades em que predominaram os casos reagen-tes situaram-se, em 97,3% dos casos, acima de 10anos. Quando considerada a positividade acima da ida-de de 15 anos, faixa etária dos indivíduos economica-mente ativos, dedicados principalmente à agriculturae que representa cerca de 60% da população total,esse percentual foi de 90,4.

A transmissão de malária na área do foco tem-semantido constante, não tendo ocorrido casos apenasem 1976 e 1981 (4). Neste ano foi realizado inquéritosorológico que revelou positividade de 1,26% (4). Em1984 a positividade sorológica foi de 2,92%, assumin-do os seguintes valores nos anos subseqüentes: 0,36%e 1,17%. Essa elevação da positividade sorológica em1986 foi acompanhada do aumento de número de casosdiagnosticados por hemoscopia no decorrer do mesmoano (9 em 1985 e 16 em 1986). A queda anteriormenteobservada, tanto de número de casos hemoscópicos,que era 15 em 1984, quanto do percentual de positivi-dade sorológica de 1984 para 1985, pode ser atribuídaparcialmente à adoção de uma nova intervenção nocontrole da malária, o tratamento radical de casos soro-lógicos cujos títulos fossem iguais ou superiores a64. Mais recentemente, entretanto, observou-se o en-contro de positivos hemoscópicos em casos sorológicoscujos títulos situaram-se abaixo do limite estabelecidopara fins de tratamento, isto é, 16, o que nos levaa retomar a questão da hipótese de poderem ser reser-vatórios de parasitas, casos sob quaisquer títulos.

Comparando-se os resultados obtidos no foco en-tre os casos detectados por hemoscopia segundo atécnica da gota espessa e por sorologia (Tabela 3 eFigura 3), observa-se que o predomínio da sorologiasobre a hemoscopia dá-se a partir das idades superioresa 14 anos na população masculina; na feminina, oúnico caso no grupo etário 2 — 5 anos aparece nasorologia. A hemoscopia mantém-se negativa até ogrupo 6 — 9 anos.

A proporção de casos masculinos em relação aosfemininos, observada a partir do total geral da Tabela3 foi de 0,825/0,175 na hemoscopia e 0,719/0,281na sorologia. Quando aplicado a estes valores o testeda diferença de proporções (8), verifica-se que, aosníveis de 95% (z = 1,96) e de 99% (z = 2,58) deconfiança, deve ser aceita a hipótese de não haverdiferença entre as proporções.

Em termos de cobertura, o primeiro inquérito foio que contou com a maior participação da população(Tabela 4), atribuindo-se este fato à associação dotrabalho educativo especial organizado para a aplica-ção do inquérito sorológico e a própria receptividadeda população ante o problema da malária existentena área. Em 1986 deixou-se de trabalhar uma das loca-lidades (São Francisco I), situada além do raio de

5 km do centro do foco e que, no ano anterior, nãogerara casos de malária. Finalmente, no segundo se-mestre de 1986, por problemas de fixação de sangueno suporte de papel-filtro, por ação de calor, houveperda de considerável parte das amostras, o que fezreduzir a cobertura nessa ocasião.

Ainda com referência à Tabela 4 notamos a ocor-rência de casos sorológicos centrada nas Aldeias ena localidade limítrofe, Guanhaém, fato também obser-vado na distribuição dos casos hemoscópicos do foco.

COMENTÁRIOS

Tendo, entre outras, como finalidade, o aumentoda sensibilidade diagnóstica, a metodologia sorológicapode revelar alguns casos ainda não detectados pormeio da hemoscopia. Dadas as características da infec-ção malárica no foco em questão, dentre as quais sedestaca a baixa parasitemia, o diagnóstico hemoscó-pico por meio da técnica de gota espessa foi aprimo-rado; aumentou-se o número de lâminas a examinare, nos casos sorologicamente reagentes, os examespassaram a ser reiterados, buscando-se aumentar asprobabilidades de verificar eventual existência de para-sitemia. O emprego da associação sorologia/hemos-copia passa a ser indicado nesses casos.

Emerge, em decorrência, a questão do tratamentoradical dos casos sorológicos. Ainda que se desconheçacom que probabilidade um infectado sorológico repre-senta um reservatório de parasitas, não deve ser descar-tada essa hipótese, comprovada no foco. Entretanto,a abordagem do problema deve incluir, necessariamen-te, a verificação da permanência de anticorpos anti-plasmódicos circulantes em dois subconjuntos da popu-lação: a) o dos casos constituídos por portadores deparasitemias patente, submetidos a tratamento radicalpara malária vivax e b) o dos reagentes sorológicos,sem demonstração de parasitemia, tratados, radical-mente ou não, com antimaláricos. Esse estudo deveráampliar o acervo de informações relacionadas com oproblema da interpretação dos títulos sorológicos,apontado por Meuwissen (12) como lacuna ainda per-sistente na literatura; salienta que deveriam ser feitosestudos sorológicos longitudinais para acompanhar asua evolução, após tratamento radical dos casos. Estaé, portanto, uma das propostas do trabalho, já delinea-do, a desenvolver na área sob estudo.

A questão do título sorológico, antígeno-depen-dente, reacendeu a idéia aventada por Deane & cols.

ARTIGO

(*) Dados ainda não publicados(do Laboratório de Sorologia daSUCEN) e conseqüentes ao traba-lho "Inquérito hemoscópico e soro-lógico sobre malária em duas loca-lidades do Estado de Rondônia",apresentado no XXIII Congressoda Sociedade Brasileira de Medici-na Tropical, Curitiba, PR, 1987,de GRYSCHEK,R. C. B.; SEGU-RADO, A. A. C.; DUTRA, A.P.; CARVALHO, M. E.;BRAN-QUINHO, M. S. & BOULOS,M.

(7) ao desenvolver pesquisa em áreas de florestas noLitoral Norte do Estado de Santa Catarina, segundoa qual a dispersão vertical dos vetores comprova aprobabilidade de que estes se alimentem tanto na copadas árvores quanto ao nível do solo. Assim, plasmódiossísmicos capazes de infectar o homem em condiçõesnaturais poderiam estar sendo a ele transmitidos, estan-do presentes os necessários elos da cadeia. No focoAldeia dos Índios tem sido observada a presença demacacos na área florestal. Surge, portanto a linha depesquisa, a desenvolver, que consiste na verificaçãode níveis de anticorpos humanos antiplasmódios sísmi-cos. Para isso devem ser usados os antígenos corres-pondentes e os resultados comparados com os de rea-ções executadas com antígenos de plasmódios do ho-mem. A experiência adquirida em áreas de endemi-cidade mais elevada quanto à malária, como os municí-pios de Ariquemes e Machadinho, Estado de Rondônia,nos quais a positividade sorológica situou-se, respecti-vamente, em redor de 25% e 45%, mostrou que amédia geométrica dos títulos sorológicos para P. vivaxfoi igual a 62,4 no primeiro e 73,4 no segundo caso(*). Esses resultados podem ser considerados comonão discordantes dos observados no foco ora estudado,no qual foram utilizados antígenos de P. vivax prepara-dos a partir de amostras de casos oriundos de zonade malária endêmica.

Não foram observados, nos cinco inquéritos reali-zados, alterações da média geométrica dos títulos epercentuais de positividade que demonstrassem altera-ções na transmissão de malária no foco. Sabe-se quea interrupção da transmissão é acompanhada de quedada média geométrica dos títulos, mais rápida do quea dos percentuais de positividade (11). Os resultadosindicaram apenas atividade focal, apresentando-se ainformação sorológica consistente quando comparadaà da hemoscopia. Assim, a persistência da transmissãode malária nessa região demonstrou a necessidade deser adotada abordagem mais abrangente do problemado que a tradicionalmente usada. Serão, portanto, pro-postos estudos de geografia humana visando-se a anali-sar, de modo mais profícuo, as condições de instalaçãoe manutenção do foco.

AGRADECIMENTOSOs autores expressam seus agradecimentos às

equipes de campo do Serviço Regional de São Vicente,da SUCEN; à Marcia Regina Delgado de Souza eRegina Yazawa, pelo apoio técnico no Laboratório

de Sorologia e auxílio no processamento de dados soro-lógicos; à Maria José Nobre, pela datilografia do ma-nuscrito e ao Romeu Ângelo Tamelini, pelas ilustra-ções.

Cases of Plasmodium vivax malária have beenrecorded in a region known as Aldeia dos Índios,Municipality of Peruíbe (24.19°S and47.00°W), inthe South Coastal Region of the State São Paulo,Brazil, for the last twenty years. Symptomless,parasitologically subpatent infections persist in thatarea. The vectors, Anopheles (Kerteszia) cruzii andA. (K.) bellator breed on epiphytic Bromeliaceae, onthe top of tall trees.Serological surveys for malaria antibodies, by meansof indirect immunofuorescence test, are beingperformes since the second half of the year 1984, toevaluate P. vivax antibody levels, and to identifypossible sources of infection not detected byhaemoscopy. Information is being put together tocompose an adequate picture of dynamics of malariatransmission in that region, wich comprises tenlocalities with a total population of about 3,000. Aseconomical activities predominate the cultivation ofbanana and cacao in addition to that for subsistence.Input data for microcomputer processing were age,sex, and titer. The results were associated to sex,age-groups and the geometric means of the serologicaltiters. A low-endemicity frequency distribution patternos serological titers was found in connection with thepopulation studied. A predominance of serologicalcases in age-groups above 15 years was observed.In some cases, haemoscopic positivity was precededby serological reactivity. The use of the combinationhaemoscopy/ serology was accordingly indicated.Further investigation was proposed, such as alongitudinal study of haemoscopical and/or serologicalcases, submitted or not to radical treatment; a researchon serological titers of the human population testedusing as antigens simian plasmodia potentially infectiveto man, and an investigation on the installation andpersistence of the focus from the viewpoint of humangeography.

KEY-WORDS: vivax malaria — seroepidemiology.

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