VIVENCIANDO O LETRAMENTO CIENTÍFICO NA EDUCAÇÃO …S... · objetivos claros acerca do que se...

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International Congress of Critical Applied Linguistics Brasília, Brasil 19-21 Outubro 2015 1590 VIVENCIANDO O LETRAMENTO CIENTÍFICO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE CANDEIAS-BA Marilene Sacramento MIRANDA [email protected] Rede Estadual de Ensino da Bahia Bruna Vasconcelos de SANTANA Rede Estadual de Ensino da Bahia Laureci Ferreira da SILVA Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA) Rede Estadual de Ensino da Bahia RESUMO Este trabalho tem por objetivo relatar a experiência em sala de aula da professora Marilene Sacramento Miranda, no ano de2014, com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), do turno noturno do Colégio Estadual Luiz Viana Filho, situado no município de Candeias, região metropolitana de Salvador-BA. O trabalho foi desenvolvido com alunos oriundos de bairros periféricos, pertencentes a classes sociais desfavorecidas e falantes da variedade desprestigiada da nossa língua. Para tanto, foi elaborado um projeto didático intitulado Letramento Científico(LC), tendo como eixo temático a Pluralidade Cultural e como objetivo formar leitores de textos de Divulgação Científica (DC).Dessa forma, foram utilizados como base os estudos de Kleiman que definem letramento como conjunto de práticas sociais de leitura e escrita que se realizam nas diversas esferas sociais. Como procedimento metodológico, utilizou-se a etnografia de Street que explica que adotar uma perspectiva etnográfica “é ter uma abordagem mais focada para fazer menos do que etnografia abrangente, para estudar aspectos da vida diária e práticas culturais de um grupo social, tais como suas práticas de letramento”. Assim, ao final dessa experiência, os alunos se apropriaram de conhecimentos tais como: em relação ao tema, distinção entre tema e assunto; identificar elementos estruturais do texto de divulgação científica; utilização da língua padrão; e em relação aos aspectos linguísticos, uso dos pronomes como elemento coesivo, valor expressivo das formas linguísticas e produção de um jornal impresso. Percebeu-se que esse projeto didático teve sua validade verificada por conta da aceitação dos estudantes, além de um ensino e aprendizagem significativos. Para tanto, fez-se necessário buscar bases teóricas que subsidiassem o tema e que se mostrasse capaz de nortear a prática educativa do professor, utilizando procedimentos coerentes com a realidade, partindo de uma diversificada gama de gêneros textuais que no decorrer das atividades possibilitaram a criação de estratégias de leitura que tinham como foco principal o desenvolvimento cognitivo dos educandos envolvidos. Para contribuir com as discussões, foram trazidos os estudos de STREET(1984), KLEIMAN(1995) e ROJO(2009). Palavras-chaves: Letramento; Letramento Científico; Formação Docente.

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VIVENCIANDO O LETRAMENTO CIENTÍFICO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS (EJA) EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE CANDEIAS-BA

Marilene Sacramento MIRANDA

[email protected]

Rede Estadual de Ensino da Bahia

Bruna Vasconcelos de SANTANA

Rede Estadual de Ensino da Bahia

Laureci Ferreira da SILVA

Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA)

Rede Estadual de Ensino da Bahia

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo relatar a experiência em sala de aula da professora Marilene

Sacramento Miranda, no ano de2014, com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), do

turno noturno do Colégio Estadual Luiz Viana Filho, situado no município de Candeias, região

metropolitana de Salvador-BA. O trabalho foi desenvolvido com alunos oriundos de bairros

periféricos, pertencentes a classes sociais desfavorecidas e falantes da variedade desprestigiada

da nossa língua. Para tanto, foi elaborado um projeto didático intitulado Letramento

Científico(LC), tendo como eixo temático a Pluralidade Cultural e como objetivo formar leitores

de textos de Divulgação Científica (DC).Dessa forma, foram utilizados como base os estudos de

Kleiman que definem letramento como conjunto de práticas sociais de leitura e escrita que se

realizam nas diversas esferas sociais. Como procedimento metodológico, utilizou-se a etnografia

de Street que explica que adotar uma perspectiva etnográfica “é ter uma abordagem mais focada

para fazer menos do que etnografia abrangente, para estudar aspectos da vida diária e práticas

culturais de um grupo social, tais como suas práticas de letramento”. Assim, ao final dessa

experiência, os alunos se apropriaram de conhecimentos tais como: em relação ao tema, distinção

entre tema e assunto; identificar elementos estruturais do texto de divulgação científica;

utilização da língua padrão; e em relação aos aspectos linguísticos, uso dos pronomes como

elemento coesivo, valor expressivo das formas linguísticas e produção de um jornal impresso.

Percebeu-se que esse projeto didático teve sua validade verificada por conta da aceitação dos

estudantes, além de um ensino e aprendizagem significativos. Para tanto, fez-se necessário

buscar bases teóricas que subsidiassem o tema e que se mostrasse capaz de nortear a prática

educativa do professor, utilizando procedimentos coerentes com a realidade, partindo de uma

diversificada gama de gêneros textuais que no decorrer das atividades possibilitaram a criação de

estratégias de leitura que tinham como foco principal o desenvolvimento cognitivo dos

educandos envolvidos. Para contribuir com as discussões, foram trazidos os estudos de

STREET(1984), KLEIMAN(1995) e ROJO(2009).

Palavras-chaves: Letramento; Letramento Científico; Formação Docente.

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1 INTRODUÇÃO

O presente artigo se propõe discutir a experiência em sala de aula da professora

de Língua Portuguesa (LP) Marilene Sacramento Miranda, no ano de2014, com alunos

da EJA, do noturno, tendo como objetivo ensinar ler de textos de DC. Concebemos a

leitura e escrita como atividade de construção de sentidos E o letramento como um

conjunto de práticas sócias de uso da escrita com objetivos em contextos específicos.

(STREET1994, KLEIMAN1995).

O foco principal foi a prática de leitura de textos de diversos gêneros em

especial o texto divulgação científica, pois os estudantes desta modalidade apresentam

dificuldade de leitura tais como: compreensão textual, inferir o sentido de uma palavra,

identificar o tema de um texto, entre outros, sendo uns dos fatores que tornou-se um

desafio na minha prática pedagógica.

Para dar suporte ao nosso trabalho tomamos como referência a pesquisa

etnográfica (SANDIN ESTABAN,2010). Etnográfica porque pretendemos compreender

o processo de formação leitora dos alunos da EJA, visando identificar as intervenções

que podem ser feitas para que o ensino aprendizagem da leitura forme alunos leitores dos

vários gêneros que circulam socialmente.

Considerando esse contexto faz-se necessário discutir e pensar a respeito das

práticas escolares, o ensino de leitura e escrita, o papel da escola e do professor de LP,

atentando para a importância de ensinar a ler a escrever aos estudantes. De acordo

KLEIMAN (2008, p.61):

“o ensino da leitura é um empreendimento de risco se não estiver

fundamentado numa concepção teórica firme sobre os aspectos cognitivos

envolvidos na compreensão de texto. Tal ensino pode facilmente desembocar

na exigência de mera reprodução das vozes de outros leitores, mais

experientes ou mais poderosos do que o aluno”.

Portanto deve-se ter cuidado ao trabalhar a leitura, pois é necessário ter

objetivos claros acerca do que se pretende desenvolver em sala de aula.

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É necessário acrescentar que esse artigo faz parte de uma pesquisa de doutorado

da doutoranda Laureci Ferreira da Silva, pois a mesma contribuiu com seus estudos

juntos com as professoras de LP Marilene Sacramento Miranda e Bruna Santana

Vasconcelos.

Outro ponto a ser destacado foi a participação do Programa Institucional de

Bolsas de Iniciação a Docência –PIBID é uma importante iniciativa que tem por objetivo

a elevação da qualidade das ações acadêmicas voltadas para a formação inicial de

professores dos cursos de licenciatura. Assim a professora supervisora Bruna Santana

Vasconcelos com os bolsistas também contribuíram para a execução do trabalho

desenvolvido em sala de aula.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

O estudo tem como referencial teórico a leitura compreendida como e

construção de sentidos (BORGES DA SILVA, 2000; FOUCAMBERT, 1984,

KLEIMAN, 1993). Essa compreensão possibilita analisar as práticas vivenciadas no

ambiente escolar podendo assim observar que são diferentes das vividas pelos aprendizes

fora deste ambiente. Nesse contexto, o ensino da leitura e escrita não leva em conta o

letramento dos alunos. Em contrapartida FREIRE (2011, p.19 e 20), ressalta que:” a

leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí a posterior leitura desta não possa

prescindir da continuidade da leitura daquele”.

Desta forma, fez-se necessário estimular a prática da leitura e escrita através dos

textos que circulam na sociedade, assim o estudante pode ampliar competência de ler e

escrever. Um dos caminhos é adotar estratégias diferentes que promovam a interação

entre sujeitos que ensina e aprende. Nessa perspectiva ANTUNES (2003, p.66), afirma:

“A leitura é a parte da interação verbal escrita, enquanto implica a participação

cooperativa do leitor na interpretação e na reconstrução do sentido e das intenções

pretendidos pelo autor”. Pois sabemos que ler e escrever tem lugar importante na vida do

sujeito. Cabendo ao educador criar condições para que os educandos possam adquirir

informações e possam transitar com familiaridade entre as diversas práticas sociais do

uso da leitura.

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Assim, o ensino da leitura e escrita é de suma importância para integração do

sujeito nas práticas sociais do letramento na sociedade que variam de acordo o contexto,

(MARINHO, p. 2010), no entanto, a escola não da conta com a mera repetição no ensino

e de regras gramaticais. De acordo com ROJO (2009, p.108):“será necessário ampliar e

democratizar tanto as práticas e eventos de letramento que têm lugar na escola como no

universo e a natureza dos textos que nela circulam. ”Para tanto, é preciso desenvolver

práticas de leituras que possibilite ao leitor ser um sujeito crítico e com capacidades de

ler diferentes gêneros textuais, assim torna-se leitor competente que atenda as diversas

demandas comunicativas. Explica também FOUCAMBERT (2008, p.22) que “O nível

da leitura depende, no mínimo, tanto do papel que o sistema social entende da leitura

quanto das práticas pedagógicas propriamente ditas.”

3.PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Durante o desenvolvimento do projeto didático, estava e continuo pertencendo

ao um grupo de estudo e de um projeto de pesquisa de doutorado da doutoranda Laureci

Ferreira da Silva.

Como procedimento metodológico, utilizamos a etnografia baseada nos estudos

de STREET (2010) e SANDÍN ESTABAN(2010), a qual explica que adotar uma

perspectiva etnográfica “é ter uma abordagem mais focada para fazer menos do que

etnografia abrangente, para estudar aspectos da vida diária e práticas culturais de um

grupo social, tais como suas práticas de letramento”. Essas concepções vão sustentar a

reflexão da prática da professora Marilene Sacramento Miranda visando identificar as

intervenções que podem ser feitas para que o ensino aprendizagem da leitura e escrita

torne os estudantes capazes de ler os textos de divulgação científica e aos demais

gêneros textuais que circulam socialmente.

Nessa perspectiva, após várias leituras e estudos sobre textos de divulgação

científica foram discutidas e pensadas as práticas escolares de ensino da leitura,

considerando as práticas do letramento do aluno.

Durante a realização do projeto didático em 2014, os alunos do Colégio

Estadual Luiz Viana Filho do município de Candeias, região metropolitana de Salvador

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envolvidos nesse processo tiveram oportunidades de ter acesso ao texto de divulgação

científica expandindo sua competência leitora, através das atividades aplicadas

desenvolvendo “habilidades linguísticas que são características do bom leitor como

afirma” Kleiman, (2008, p.49). Neste caso, são consideradas as habilidades que os

alunos possuíam, pois “o leitor eficiente faz predições baseadas no seu conhecimento de

mundo” (PIBID, p.52).

Para tanto, é possível pensar no ensino da leitura que contemple as atividades

realizadas pelos sujeitos dentro e fora do ambiente escolar, a fim de possibilitar melhores

usos da linguagem por meio dos textos orais e escritos que circulam na sociedade, pois é

através dela que “o ser humano tem acesso à informações, estabelece diferentes visões de

mundo, por fim, produz conhecimento”. (FREIRE, 2011).

Dentro dessa proposta, será investigado quais habilidades os alunos já

desenvolveram, quais as suas necessidades e expectativas em relação a sua formação

leitora, planejar, aplicar atividades de leitura, acompanhar e analisar o envolvimento dos

aprendizes, as dificuldades apresentadas durante a aula, bem como, observar e refletir

sobre as intervenções serão feitas para formar os alunos da EJA em leitores eficientes.

3.1 CONTEXTO DA EXPERIÊNCIA

O Colégio Estadual Luiz Viana Filho, fica localizado na Rua Desembargador

Teixeira de Freitas, s/n situado no município de Candeias, região metropolitana de

Salvador. Possui cinco salas de aulas, dois banheiros: um masculino e outro feminino,

uma sala de professores, uma secretaria, uma sala de diretor, uma biblioteca, um

laboratório de informática, uma cozinha e uma dispensa. É um colégio de porte médio

composto por 600 alunos. Funciona nos três turnos com o ensino médio.

3.2 OS ALUNOS PARTICIPANTES

Os alunos que foram envolvidos residem na zona urbana da cidade de Candeias,

alguns em bairros periféricos e outros nos distritos. São jovens e adultos. Alguns são pais

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de famílias, desempregados e com pouco a cesso a leitura, a cultura e ao lazer. Eles

apresentam algumas dificuldades em relação à leitura, tais como: compreensão textual,

inferência do sentido de uma palavra, identificação do tema de um texto, localização de

informações implícitas no texto, entre outros.

Todos pertencem à classe baixa e são de famílias pouco letradas. Apresentam

faixa etária entre 18 e 50 anos de idade, são trabalhadores e alguns desejam ingressar no

nível superior de ensino e outros preferem fazer cursos técnicos, pois querem construir

um futuro melhor.

3.3 A PROFESSORA, EU

Marilene Sacramento Miranda, professora de Língua Portuguesa a 24 anos da

rede estadual de ensino do estado da Bahia, leciono no Colégio Estadual Luiz Viana

Filho, localizado na Rua Desembargador Teixeira de Freitas s/n, e no CPM- Colégio da

Polícia Militar Francisco Pedro Oliveira, na Rua Guanabara, s/n, ambos situados no

bairro da Pitanga, em Candeias.

Sou oriunda da zona rural, mãe de três filhos de 17 anos. Minha formação

inicial foi o magistério que concluí em 1989. Em 1990 fiz o concurso do estado e fui

aprovada e no ano de 1991, fui convocada e comecei a lecionar nas séries iniciais do

ensino fundamental. Foram 17 anos lecionando nessas séries. Em 2007, passei no

vestibular e fiz a graduação de Letras. Ao terminar a graduação passei a lecionar no

ensino médio no EJA e no fundamental II. Sou licenciada em Letras pela FTC-Faculdade

de Tecnologia e Ciências e especialista em Educação de Jovens e Adultos-EJA, pela

Fundação Visconde de Cairú.

4 RELATO DE EXPERIÊNCIA

No final de 2013, a doutoranda Laureci Ferreira da Silva me convidou para

participar deum grupo de pesquisa, o qual faz parte às professoras Bruna Santana

Vasconcelos que também é supervisora do PIBID e Maria Rita de Cássia Rodrigues. Nós

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nos reunimos quinzenalmente aos sábados para sessão de estudos de textos de DC e

acadêmicos, observando à argumentação, a linguagem, a organização, estrutura, a

tessitura dos textos, as vozes, como são articulados as ideias, as concepções apresentadas

pelos estudiosos, a discussão e os resultados alcançados pelos autores desses textos.

No primeiro semestre de 2014, demos o início aos estudos de textos de

divulgação científica, a fim de inseri-los nas aulas de LP. A partir daí, nós professoras

elaboramos um projeto didático intitulado Letramento Científico no EJA, tendo como

Eixo temático a Pluralidade cultural, sob a orientação da doutoranda citada.

No segundo semestre de 2014, começamos a execução do projeto didático com

alunos do EJA noturno. O projeto foi aplicado em três turmas, mas o resultado

evidenciado nesse trabalho é de apenas uma das turmas. Embora tenha sido aplicado no

Colégio Ruy Barbosa, situado em Salvador, pelas professoras citadas acima e com o

apoio do PIBID Letras, nesse texto será apresentado a experiência vivenciada no EJA.

Para iniciar a execução do projeto didático foi apresentado um slide com várias

imagens com o objetivo de sensibilizar e despertar o interesse para participar e realizar

atividades, além de construir e ampliar a competência leitora e escritora. A mobilização

dos conhecimentos prévios dos alunos se deu a partir das imagens referentes ao tema que

seria estudado, utilizando algumas perguntas, tais como: 1) O que vocês estão vendo

nessas imagens? Os alunos respondem: “Globo, que representa a globalização, o mundo,

pessoas, o mapa do Brasil, união, mistura de raças e cores”. 2) O que elas representam?

“Diversidade de pessoas, cultura” 3) Será que elas têm algo a ver com nosso estudo?

“Sim.” Por quê? “Acho que vai falar sobre cultura, o Brasil, as diversas culturas

existentes.”

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Esse primeiro momento foi muito importante, pois os alunos participaram de

forma inesperada. Entre uma discussão e outra, perguntei se essas imagens tinham

relação com nossos estudos. De maneira geral, disseram que sim e achavam que seria

algo relacionado à diversidade cultural.

Durante a discussão eles levantaram algumas questões sobre a cultura de

Candeias. Alguns perguntaram: Candeias têm cultura? Qual a cultura? “Me diga,

professora, prostituta também é cultura? E cadeia?” Surgiram vários questionamentos

sobre a cultura local.

Essa foi à primeira aula para apresentação do projeto, não me senti muito

animada, mesmo com a participação dos alunos. Estava sem entusiasmo, sem

empolgação, não sei bem explicar... Mas como primeiro contato, talvez o novo tenha me

deixado assim ou o medo de não dar certo porque a turma era nova e não estava adaptada

ao novo colégio e a maneira de trabalhar.

A aula seguinte teve como objetivos específicos estabelecer relação entre o

tema do projeto e o discutido em sala de aula. E a competência que estava sendo

trabalhada era falar e ouvir de forma crítica, clara e objetiva, interagindo com o seu

cotidiano e as habilidades: argumentar e defender ideias, participar das discussões dos

temas e apresentar posicionamento crítico. Para tanto, os conhecimentos prévios foram

ativados a partir das perguntas a seguir: A cadeia é cultura? O brega da Caroba e do

Pimenta Doce também é cultura? Qual a cultura da escola? Qual a cultura dos grupos

sociais a serem estudados? Para essas perguntas eles responderam: O aluno Concórdia

Figura 1

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respondeu: “desde quando prostituição é cultura?” Outro aluno disse: “Qual a cultura da

cadeia, se lá eles ficam todos amontoados e aprendendo mais o que não presta?” A aluna

Elisângela disse que a cultura da escola era os alunos faltarem todos os finais de semana.

De acordo com as respostas deles, disse que o trabalho seria na perspectiva da

cultura como conjunto de hábitos, modos de pensar, crenças, ideologia, tradições,

manifestações artísticas, valores, gostos, língua(gem). E para avaliar esse processo,

privilegiamos a participação do aluno; compreensão e relevância do que foi dito pelos

colegas e a articulação do exposto com a realidade.

Ao término da aula, percebi que os alunos ficaram com várias indagações e

inquietações sobre a cultura das prostitutas e da cadeia, pois na verdade nunca tinham

ouvido sobre esse tipo de cultura, eles estavam acostumados com a cultura artística:

dança, música, teatro, entre outros. Ressalto que essa dúvida todos nós temos e ao

trabalhar esse tema em sala de aula, muitos paradigmas foram quebrados, ou seja, alguns

modelos de cultura foram desmistificados.

Nesta perspectiva de encontrar respostas para tais perguntas, a sala foi dividida

em grupos e cada um ficou responsável por pesquisar os vários tipos de culturas. Nesse

momento houve discussões, pois achavam difícil entrevistar ou fazer um relato com as

culturas da cadeia e do brega. Lembro que um aluno disse que conhecia algumas pessoas

que viviam vendendo o corpo e que poderia entrevistar, outro disse que conhecia um

expresidiário e com certeza ele daria o seu depoimento.

Por outro lado, alguns estudantes não concordaram com a pesquisa, disseram

que só iriam fazer porque a maioria havia concordado, mas foi deixando claro que do

jeito que saísse eu teria que aceitar. Em seguida foi orientado que os alunos formassem

grupos para elaborarem o plano de ação, seguindo o roteiro abaixo.

PLANO DE AÇÃO DOS ALUNOS

Titulo do projeto do grupo

Nome dos alunos:

O queremos

aprender sobre

pluralidade

cultural?-A cultura

de cada região.

Quais as etapas

que vamos

seguir?-

Pesquisas,

leituras e

atividades.

O que vamos

ler?

Texto de DC,

notícias,

revistas.

O que vamos

escrever?

Relatos

Qual será nosso

produtofinal?

Jornal impresso,

apresentação de

seminário e feira

cultural.

Tabela 1: Plano de ação dos alunos

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Passado o período da pesquisa, o trabalho foi apresentado e, para minha

surpresa, eles fizeram a atividade. Alguns apresentaram, outros leram. Um aluno fez o

relato da experiência que viveu quando esteve preso, ele pediu para não se identificar,

mas que fazia parte da sua história de vida os momentos que foi vivido na cadeia. Esse

aluno terminou de ler seu relato com lágrimas nos olhos.

Nesse contexto de aprendizagem, descobertas de ambas as partes, podemos concluir que

existem várias culturas imbuídas na sociedade e nós não às respeitamos por não termos

conhecimentos.

Quanto à prática desenvolvida em sala, essa foi aceita pelos estudantes, pois se

envolveram e foi enriquecedor. É uma nova maneira de desenvolver atividades com

outros gêneros textuais e os alunos tiveram acesso a textos que fazem parte de seu

convívio na sociedade, mas não na sala de aula. Ou talvez tenham acesso, mas passa-se

despercebido.

É válido ressaltar que durante as atividades de análise linguística, um aluno

disse que eu estava viajando. Perguntei por que e ele respondeu que eles não iriam

conseguir responder, pois era muito difícil, que aquilo ali não era pra eles, dando a

entender que não eram capazes de responder a atividades e ao mesmo tempo se sentindo

inferior.

Percebi que a turma demonstrou muita dificuldade ao fazer o exercício da forma

como foi pedido dentro de um contexto que não estava habituado a fazer. Foi preciso ler

junto com eles e fazer análise de cada palavra. Nesse momento, disse que eles estão

acostumados a fazer exercício conceituando e não daquela maneira. Alguns concordaram

e outros se calaram, também ressaltei que dessa forma como estavam fazendo tinha um

significado, que nesse primeiro momento era assim dificultoso, mas depois iam se

acostumar.

A segunda sequência didática teve a duração de quatro aulas, sendo duas de

leitura e as outras duas de produção textual, tendo

como texto base: Salada Cultural de Mara

Figueira e Otávio Velho. As habilidades foram:

planejar e escrever o texto oral e escrito, levando

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em conta a intenção comunicativa e a reação dos interlocutores e valorizar a linguagem

do texto como instrumento adequado e eficiente na comunicação cotidiana.

Para ativar os conhecimentos prévios, foi utilizado a capa da revista Ciências

Hoje das Crianças, através de perguntas referentes a própria imagem.1) Quais imagens

aparecem na capa da revista? 2) Nesta capa aparecem várias imagens, o que elas

representam? As respostas foram as seguintes: 1) Tamanco, uma palavra, símbolos.2)

Variedades e diversidades de coisas.

Em seguida, foi o momento da leitura, no qual foi apresentado o texto. A

professora fez a leitura oral e os estudantes fizeram a verificação das hipóteses. Depois a

docente fez as perguntas e os alunos registraram no

caderno. Responderam as questões e socializaram com a turma e a professora. 1) Qual é

a relação entre a capa da revista e o texto? “Mistura de coisas, variedades”.2) Qual é a

finalidade? (expor, explicar, convencer, persuadir, defender um ponto de vista, propor

uma ideia, apresentar uma pessoa, um evento, uma ideia, relatar um fato, descrever um

evento, dar uma noticia, divulgar um resultado, informar etc.) “Divulgar a cultura.” 4)

De onde o texto foi extraído? “Da revista Ciência Hoje/RJ”. 5) A linguagem deste texto é

formal ou informal? “Formal”. 6) Quais as influências que, segundo o texto, nós

recebemos dos índios e dos negros? “A cultura.”

O outro momento de estudo em sala de aula foi a análise linguística. Para

nortear essa atividade, foram feitas algumas perguntas: 1) O verbo adquiriu na linha 11

está em qual modo, tempo verbal e pessoa do discurso? “pretérito, modo indicativo e

terceira pessoa do singular.” 2) A palavra ele na linha 25 está refere-se a quem?

“Homem” 3) A expressão além da língua na linha 63 da ideia de que? “Ideia de

acréscimo”.

Nesse contexto de ensino e aprendizagem, os alunos foram avaliados através da

participação, produção de texto oral e escrito e análise da leitura e da escrita. Assim,

foram observados os argumentos relevantes em relação ao texto apresentado e as

contribuições, as respostas e as perguntas feitas, entre outros.

No percurso da execução do projeto, os alunos Samuel, Tailane e

Joalesson organizaram-se no mês de outubro e pediram uma reunião com a vice -

diretora. Falaram o que pretendiam fazer e foram de sala em sala apresentar a proposta e

Figura 2 – capa da revista CHC

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convidar dois alunos de cada turma para participar do grupo e também pediram apoio

dos outros professores. Segundo eles, não sentiram firmeza na fala de alguns professores.

Após esse encontro com a Vice-diretora, Joselita, o grupo com apoio dos

convidados, se reuniram em particular e planejaram a apresentação. Escolheram as

músicas, o poema, o aluno que iria dar um depoimento e também o colega que tocaria o

violão. Disseram-me que eu não precisava me preocupar, que estava tudo sobre controle.

Durante a semana, organizaram uma apresentação para sexta-feira dia

26/09/2014, música de Ana Carolina: Brasil Corrupção. Música escolhida por eles.

Confesso que não conhecia. Também foi declamado um poema na sala de aula: Só de

Sacanagem de Elisa Lucinda, mas declamado por Ana Carolina em um de seus shows. O

texto fala da pluralidade. Tivemos também a declamação do cordel “Cultura brasileira”

do aluno Antônio e o depoimento pela aluna também do eixo VII, Bela. Dois dias antes

os organizadores da apresentação foram nas salas de aula convidar os colegas.

Nessa primeira apresentação, a aluna Tailane fez a abertura pedindo a

colaboração de todos os colegas e dos professores. Ressaltou a importância do projeto

que estava sendo desenvolvido. “Falar da pluralidade cultural em diversos contextos é

um momento de si conhecerem e respeitarem e valorizar o outro, independente de

religião”. Em seguida, Joselita chamou atenção para o trabalho desenvolvido no Colégio

e pediu o apoio de todos, também ressaltei a importância das habilidades que estavam

sendo trabalhadas.

Momento da apresentação: poema sacanagem, cordel, depoimento, música: uma

de Ana Carolina e outra gospel não identificada. Encerrando com a fala de Tailane

agradecendo aos colegas. Ressalto que a aluna teceu comentários sobre o poema e a

música e a funcionária Tereza foi convidada para fazer a oração final.

Para melhor visibilidade do que foi descrito, acredito que trabalhar com

atividades que chamem atenção e envolva o aprendiz, enriquece a aprendizagem e o

próprio aluno adquire novos conhecimentos. Nesse contexto de ensino e aprendizagem,

foi propiciada uma prática de leitura na qual o aluno construiu conhecimento através da

interação leitor- texto-autor, resultando assim, em um leitor crítico, pois a leitura deixou

de ser vista como mera decodificação e passou a construir sentido. De acordo com

KLEIMAN (2009, p.13):

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“A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela

utilização do conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já

sabe, o conhecimento adquirido ao longo da sua vida. É mediante a

interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento

linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue

construir o sentido do texto.”

Assim, ao se depararem com os textos que foram estudados em sala de aula, os

alunos foram desafiados a utilizar habilidades para a compreensão textual. Conforme

Antunes (2003, p.77) “a leitura depende não apenas do contexto linguístico, mas

também do contexto extralinguístico de sua produção e circulação”.

Desta forma, o aluno foi convidado a interagir com diversas formas de

linguagens verbais e não verbais, pois as formas de comunicação exigem um leitor capaz

de ser interlocutor, de modo que tenha condições de interpretar os mais variados textos e

posicionar-se criticamente diante deles. Segundo FOUCAMBERT (2008, p.65): “A

leitura é necessariamente essa atividade estreitamente ligada à totalidade do indivíduo,

ao que ele é, ao que ele vive e a seu projeto atual.”

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final da execução desse projeto, percebemos que os estudantes, mesmo

apresentando algumas dificuldades, adquiriram conhecimentos, tais como: a distinção

entre tema e assunto; identificação de elementos estruturais do texto de divulgação

científica; utilização da língua padrão para se expressar na linguagem escrita e oral;

localização de informações explícitas em um texto; compreensão do sentido de uma

palavra ou expressão; identificação da finalidade de textos de diferentes gêneros.

Portanto, inserir os textos de DC nas aulas de LP constitui um princípio de

transformação na compreensão do que é estudar no ambiente escolar em um momento

inusitado da linguagem singular, propiciando aos estudantes, sujeitos ativos dessa

aprendizagem, um novo saber.

Logo, oportunizá-los uma aprendizagem diferenciada, ao contato com diversos

gêneros textuais, desenvolve neles a competência leitora e escritora, pois é preciso

desprender de atividades de reprodução que apontam tão somente ao estudante passar os

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olhos sobre o texto, decifrando palavras, sendo um mero leitor, decodificador. Para tanto,

é necessário conhecer o perfil do aluno e suas necessidades e interesse, para que a prática

educativa seja significativa na vida do educando, pois a aprendizagem da leitura é

essencial para a integração do sujeito nas práticas sociais do letramento em sociedade.

Para maior visibilidade ao que foi descrito, a colaboração da doutoranda Laureci

Ferreira da Silva, mostra que muitas ausências no que diz respeito a uma transformação

da atitude do professor são referentes às suas práxis de leitura e escrita que acabam

encontrando-se com as mesmas dificuldades encontradas pelos alunos.

Assim, retomo a fala da aluna Tailane: “devemos valorizar o outro, respeitar e

conhecer nossas raízes independente de religião, pois só assim passamos a nos conhecer

e dar o real valor ao outro e a nós mesmos”. Sendo assim, a fala da aluna está em

consonância com as dos autores, pois faz necessário nos conhecermos e conhecermos o

outro para compreendermos esse mundo.

Deste ponto de vista, todos os povos e sociedades possuem sua cultura, por mais

habitual e atrasada que seja, pois todos os conhecimentos obtidos são passados de

geração em geração, já que o Brasil é um país tão extenso, com tantas demonstrações

artísticas múltiplas, com suas próprias características de ser, de viver, que vão se

modificando de ambiente para ambiente, e a todo o momento. Portanto, não podemos

falar de uma única cultura, mas de culturas plurais que formam o povo brasileiro.

Assim, o trabalho executado em sala de aula foi de suma importância, pois

acrescentaram novos conhecimentos e saberes aos estudantes, eles próprios nas

atividades desenvolvidas relataram que o Brasil é um país multicor, com diversas

manifestações culturais e religiosas. Logo, cada povo tem sua cultura e se expressa de

diversas maneiras.

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