VIVER NA REDE

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26 DE MARÇO DE 2008 v77 TIAGO FORJAZ O criador do Star Tracker quer mudar a nossa face na Internet. A dele está projectada, ao fundo PEDRO MONTEIRO

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Os muitos milhões que se ligam a «universos» como o Facebook, Twitter, MySpace, Hi5 e outros querem dizer ao mundo o que andam a fazer, quem são e o que pensam. Defendem ideias, exibem preferências, juntam-se em grupos, alguns com (muita) influência. Uma nova forma de vida, na Internet, a que, provavelmente, nenhum dos que vivem no mundo real consegue escapar.

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TIAGO FORJAZO criador do Star Tracker quer mudar a nossa face na Internet. A dele está projectada, ao fundo

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Em cima da secretária do ele-gante gabinete que Tiago For-jaz ocupa no último andar de um palacete do século XIX, na Avenida da Liberdade, em Lis-boa, está um estranho e muito

colorido aparelho rectangular, com cerca de 15 centímetros de comprimento. Tem um miniteclado e expele uma fita autocolante de cada vez que se lhe digita alguma coisa. «É um ‘tager’ [etiquetador]», explica este empresário, de 37 anos. «Costumo andar com ele aqui pela casa a colar ideias que me vêm à cabeça ou conceitos que quero trans-mitir.» Ainda há pouco, colou um provérbio índio na parede da imaculada casa de banho deste T6 de tectos trabalhados: «Quando o homem descobriu o espelho, ele perdeu a sua alma.» Tiago é um dos membros funda-dores da Star Tracker – uma rede sociopro-fissional on-line que os críticos afirmam ser a «primeira maçonaria da Net portuguesa».

Trata-se, seguramente, de uma injustiça para a enorme multidão de talentos que po-voa o site deste restrito clube (onde só se entra por convite) embora não tenha sido essa a ideia de Tiago quando fundou a rede. Não. Tiago é um criativo que se inspira, e, ao fazê-lo, inspira os outros, não fosse ele descendente de Vasco da Gama (14.ª gera-ção). O que Tiago quer, verdadeiramente, é ali cumprir a profecia pessoana do V Impé-rio, juntando os talentos da diáspora portu-guesa pelo mundo, incitando os membros a

aproveitar o seu enorme potencial. «Proudly portuguese» –, algo como «orgulhosamente português», é o lema dos star trackers. E a rede tem, de facto, um enorme poder. As ma-çonarias on-line existem mesmo (ver caixa Mundos secretos).

Já se lá vai.Para já, voemos, via Web, até aos Estados

Unidos.

O METEORO FACEBOOKO que é social networking? Quando, no peque-no subúrbio de Cambridge, em Boston, Mark Zuckerberg, o hoje multimilionário dono e Chief Executive Office (CEO, administrador executivo) do Facebook, teve a ideia de criar uma rede social on-line, juntamente com os seus dois companheiros de quarto, afirmou que pretendia dar às pessoas a possibilidade de replicarem na Internet aquilo que fazem todos dias na vida real. E o que fazemos no dia-a-dia? Chocamos com um velho amigo e ficamos horas a falar com ele. Pegamos no álbum de fotografia de família e demo-ramo-nos a recordar tempos passados com aquele primo que convidámos para jantar lá em casa. Vemos filmes. Ouvimos músicas. Juntamo-nos a clubes ou associações. Brin-camos.

E esta constitui talvez, ainda hoje, a melhor forma de o narrar: é um lugar virtual (um «es-paço de influxos», dir-nos-iam sociólogos) onde nos juntamos e começamos a sociabi-lizar, a falar, a aderir a grupos do nosso inte-

Viver na redeOs muitos milhões que se ligam a «universos» como o Facebook, Twitter, MySpace, Hi5 e outros querem dizer ao mundo o que andam a fazer, quem são e o que pensam. Defendem ideais, exibem preferências, juntam-se em grupos, alguns com (muita) influência. Uma nova forma de vida, na Internet, a que, provavelmente, nenhum dos que vivem no mundo real conseguirá escaparPOR JOÃO DIAS MIGUEL*

COMPORTAMENTO SOCIEDADE

Positivo Negativo Contactos

Pessoais, profissionais e culturais

Privacidade

A vida passa quase em directo na Internet

O que é social networking? É um lugar virtual onde nos juntamos e começamos a sociabilizar

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Agarrados à rede

FONTE Inquérito Auto-Representação na Internet INFOGRAFIA MT/VISÃO

Com quefrequência

acedeà Internet?

Quantas horaspassa, por dia,na Internet?

Tem um perfilnuma rede

social?

Temum blog?

76%Todos os dias

40%Mais de umahora

72%NÃO

88%SIM 83%

40%

28%9%

2%21%

Outros

28%SIM

12%NÃO

6%Entre 3e 4 horas

36%Entre 2e 3 horas

18%Entre 1e 2 horas

6%6 dias por semana

14%5 dias

2%4 dias

2%3 dias

Os jovens portugueses aprenderam a «socializar» na Internet e as redes de amizades e contactos pessoais passam, cada vez mais, pelo computador. É o que se percebepelos resultados deste mini-inquérito a 50 alunos de Introdução ao Pensamento Contemporâneo (3.º ano) da licenciatura de Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia da Universidade Lusófona (cerca de 60% têm menos de 24 anos)

QUAL?

0% Menos de uma hora

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COMPORTAMENTO SOCIEDADE

resse. Onde podemos descarregar as nossas fotografias e as da nossa família para as parti-lharmos com os nossos amigos ou juntarmo-nos ao clube de fãs dos Rolling Stones.

No seu sonho, Zuckerberg queria apenas reunir os companheiros de Harvard – pare-ce anedota mas Harvard fica em Cambridge, Massachusetts – numa rede em que todos pudessem conversar, digamos, com os seus milhares de «amigos» (em inglês, não há distinção entre amigos e conhecidos). Mas desde que foi criado, em 2004, o Facebook começou a crescer e já tem cerca de mil em-pregados. Abriu-se, a partir do seu público--alvo original – dos 18 aos 24 anos –, graças a amigos que convidam amigos, alcançando um crescimento exponencial. Até atingir, no final do ano passado, o astronómico número de 124 milhões de pessoas (um imenso Brasil) e uma taxa de crescimento diário de 250 mil novos membros. Parafraseando o feliz título de Julliete Powel, são «124 milhões de pessoas numa única sala» – um maná para empresas, vendedores e publicitários. O Facebook está avaliado em 15 mil milhões de dólares.

E o garoto de ar inocente revelou agora, à revista Fortune, as suas verdadeiras inten-ções. Aspira a tornar-se o próximo Bill Gates, fazendo do nosso perfil no Facebook a nossa identidade on-line e a rede o sítio a partir do qual fazemos tudo – absolutamente tudo – o que fazemos na Net. Consegui-lo-á?

A ERA 2.0Volte-se, agora, um par de anos atrás. Há bem pouco tempo, antes do surgimento da Inter-net de banda larga, perdíamos poucos minu-tos nos sites do Público, New York Times ou outros do nosso interesse. Usávamos, sobre-tudo, o e-mail para trocarmos impressões. Apenas uns quantos geeks – maluquinhos da informática – falavam numa coisa pré-his-tórica chamada MIRC. Confessávamos com

Endereço do Twitter

Pergunta inicial: O que estás a fazer?

Nome do utilizador

Número de pessoas que me seguem. Quando escrevo uma mensagem estas 13 pessoas vêem-na

Resposta de um seguidor à minha questão

Link para outra página

Pessoas que estou a seguir

Podem fazer-se perguntas aos seguidores

É um tweet, ou seja, a resposta à questão: O que estás a fazer?

Mensagem recebida por uma pessoa que sigo

Mensagens mais antigas

Timeline

Mensagens mais recentes

A resposta deve conter, no máximo, 140 caracteres

APP: Abreviatura de application. As aplicações criadas com base no Twitter

Co-tweeterer: Um parceiro que publica no seu Twitter

Direct Message ou DM: Uma mensagem privada, enviada directamente de um

utilizador para o outro

#Hastag ou #Hash: Forma de sinalizar algo. Facilita a pesquisa no Twitter

Topic Trends: Assuntos mais comentados

Tweet: Mensagem até 140 caracteres

Retweet ou RT: Retransmitir uma mensagem de alguém citando a sua autoria

Twittersearch: O motor de busca do Twitter

TwitterGrid: Uma aplicação que permite acompanhar um evento ou assunto em directo

Dicionário de ‘twittês’

Twitter O que estás a fazer?A filosofia do blogue levada ao seu estado mais minimal. Situações banais, como beber um copo de água, podem originar um post

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Agarrados à rede

FONTE Inquérito Auto-Representação na Internet INFOGRAFIA MT/VISÃO

Com quefrequência

acedeà Internet?

Quantas horaspassa, por dia,na Internet?

Tem um perfilnuma rede

social?

Temum blog?

76%Todos os dias

40%Mais de umahora

72%NÃO

88%SIM 83%

40%

28%9%

2%21%

Outros

28%SIM

12%NÃO

6%Entre 3e 4 horas

36%Entre 2e 3 horas

18%Entre 1e 2 horas

6%6 dias por semana

14%5 dias

2%4 dias

2%3 dias

Os jovens portugueses aprenderam a «socializar» na Internet e as redes de amizades e contactos pessoais passam, cada vez mais, pelo computador. É o que se percebepelos resultados deste mini-inquérito a 50 alunos de Introdução ao Pensamento Contemporâneo (3.º ano) da licenciatura de Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia da Universidade Lusófona (cerca de 60% têm menos de 24 anos)

QUAL?

0% Menos de uma hora

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dificuldade que tínhamos conhecido uma namorada(o) na rede.

Um jogo de interacção em tempo real – como o mundo virtual Second Life – parecia ainda um sonho impossível. Os telemóveis eram pouco mais que telefones portáteis que, por acaso, conseguiam tirar umas fotografias de baixíssima resolução. Ir à Internet a partir deles era muito difícil – ou demasiado caro.

Hoje, um telemóvel banal, de 90 euros, consegue filmar qualquer incidente, durante minutos, e tirar fotografias com qualidade suficiente para serem publicadas num jornal. Podemos criar os nossos próprios conteúdos e pô-los on-line, em poucos segundos. Tira-mos a foto e mandamos para o nosso blogue, com direito a comentário e tudo. Entretanto, nasceram o Twitter (micro-blogging), o You-Tube (partilha de vídeos), a Wikipédia (en-ciclopédia on-line). E explodiram as redes sociais: nas chamadas «sociedades tecno-logicamente evoluídas», meio mundo está hoje conectado com o outro meio. «A infor-mação tornou-se ubíqua», diz o jornalista da SIC Lourenço Medeiros, responsável pela pasta das Novas Tecnologias.

O respeitável Expresso (como a VISÃO, ambos propriedade de Francisco Pinto Balse-mão) dá manchetes fotográficas, tradicional-mente reservadas ao Presidente da República ou a presidentes da Confederação da Indús-tria, a uma dj da Marinha Grande: «Miss Pinky tem mais de 10 mil amigos no Hi5», lê-se na capa de 28 de Fevereiro. Criamos autênticas personalidades on-line – seja por avatares seja pela distorção que, deliberadamente ou não, fazemos da nossa própria imagem, quando estamos em rede, expostos a 50, 100, mil «amigos» ao mesmo tempo. Quantos de nós não usam aquela linda fotografia com dez anos no MySpace, por exemplo?

«As redes estão a tornar-se na nossa pró-pria imagem pública», diz Sara Batalha, uma

‘As redes estão a tornar-se a nosso própria imagem pública’ SARA BATALHA, especialista em comunicação 2.0

Foto de identificação

Estado civil, data de nascimento, interesses

O que estou a pensar: uma frase curta que descreve uma ideia ou um acontecimento

Mensagens: é um sistema privado, que funciona como o mail. Só lê o destinatário

Comentários: o que publicamos tem feedback da nossa rede. As mensagens do mural podem ser apagadas

Mural: o que se diz, faz e publica para a nossa rede

Chat: aqui se vê quais os amigos on-line e se pode iniciar uma conversa em tempo real

Ferramentas: escrever uma nota, publicar um vídeo...

Vídeos e fotos publicadas no passado

Lista de amigos

Facebook Em que estás a pensar?A interacção é encorajada. O grupo de «amigos» é o nosso público. É o novo brinquedo dos trintões

Mural: Um espaço na página de perfil do usuário que permite aos amigos publicar mensagens e comentários. É também visível pelas pessoas com permissão para aceder ao perfil completo

Mercado Facebook: Permite publicar classificados gratuitamente dentro

das seguintes categorias: à venda, imóveis, emprego e «outros».

Camaleão do Facebook: Alguém que altera constantemente o seu perfil e fotos

Profile badge: Forma de partilhar a sua informação do Facebook noutros websites

Dicionário de ‘facebookês’

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especialista em aconselhamento de imagem e comunicação 2.0 (a nova geração de comu-nicação, dentro da rede). «Antes, existiam os media tradicionais. Hoje, cada um é o seu próprio media.» Um imenso vox populi po-voa – ou ameaça? – o globo. É com total na-turalidade que as microcelebridades da Net saltam rapidamente para o mundo real.

O que são estas estrelas? «Um exemplo clássico da histeria de massa, inspirada pela nossa necessidade colectiva de sermos fa-mosos», como diria a falecida antropóloga norte-americana Margaret Meadow? Ou, como afirma Gustavo Cardoso, sociólogo do ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, «apenas pessoas que fazem aquilo que funcionalmente é do seu interesse?» («O que a dj do Expresso faz é-lhe útil para o seu trabalho – afinal é uma dj. E os outros 10 mil amigos também retiram vanta-gens de ser amigos dela.»)

SOLIDARIEDADE A 200 À HORAVolte-se, agora, à rede. A Star Traker de-monstra bem o imenso poder das comuni-dades sociais on-line. Vinte seis mil pesso-as constituem esta comunidade de jovens talentos criativos e empreendedores que ali encontraram uma maneira de alargar o Portugal pequenino e acanhado dos três F (Fado, Futebol e Fátima) que ainda persiste em dizer mal do próprio país. Os Star Tra-

As redes que contamEstes são os espaços na Internet onde, hoje, se juntam mais pessoas, em todo o mundo

www.myspace.com

Quando? Criado em 2003

Quantos?114 milhões de utilizadores + 230 mil novos registos por dia

Para quem?Utilizado maioritariamente por músicos e fãs.

Para quê?Excelente para contornar a máquina industrial do mundo da música. Autopromoção e marketing em massa. Apurar modas e tendências entre os jovens utilizadores

www.facebook.com

Quando?Criado em 2004

Quantos?124 milhões de utilizadores + 250 mil novos registos por dia

Para quem?A partir dos 25 anos.

Para quê?Rede de contactos pessoais, mas também é utilizado por políticos, estrelas da música e outras celebridades, com vista à autopromoção. As empresas promovem acções de marketing. Tendências e modas passam por aqui

www.hi5.com

Quando?Criado em 2003

Quantos?70 milhões de utilizadores + 350 mil novos registos por dia

Para quem?É a principal rede social em mais de 25 países de diversos continentes. É utilizado especialmente pelos mais jovens.

Para quê?Criação de comunidades, promoção de celebridades e acções de marketing.

www.orkut.com

Quando?Criado em 2004

Quantos?120 milhões de utilizadores

Para quem?Tem uma comunidade indistinta de utilizadores, muito localizada na Índia, EUA e Brasil.

Para quê?Criação de comunidades, manutenção e alargamento da rede de contactos, assim como promoção de celebridades, música e produtos.

www.twitter.com

Quando?Criado em 2006

Quantos?2 milhões de utilizadores + 3 500 novos registos por dia

Para quem?Internautas que passam muitas horas ligados à Internet. Trata-se, afinal, de um sistema de microblogging. Para quem quer estar hiperligado ao que os outros fazem.

Para quê?Manutenção e expansão da rede de contactos e criação de comunidades virtuais.

www.linkedin.com

Quando?2003

Quantos?25 milhões de utilizadores

Para quem?Profissionais, empreendedores, empresários. É a rede mais «séria» deste grupo.

Para quê?Utilizada para alargar a rede de contactos, a busca de novas oportunidades de negócio e aconselhamento de gestão.

‘As novas tecnologias são oportunidades de encontro com Deus’ Padre Américo, Diocese do Porto

ckers não são os emigrantes da sardinha e do garrafão. Eles são uma comunidade de achievers (empreendedores).

Mas não deixa de espantar a facilidade com que a pertença a essa comunidade pode abrir portas. Reunindo executivos, técnicos de marketing, jornalistas, arquitectos, mé-dicos, advogados, esta diáspora portuguesa opera autênticos milagres.

Veja-se o caso de Lara Loureiro.Lara, trinta e poucos anos, sempre foi uma

mulher voluntarista. De pequena que se as-sociou aos escuteiros, onde seguiu de lobito até caminheiro, sempre com o mesmo entu-siasmo. Na faculdade – tirou dois cursos e um mestrado – fazia sempre parte da Associação de Estudantes, da Comissão de Finalistas ou daquele grupo que estava a organizar uma ida a um museu. Passou por inúmeros empregos, mas foi no Star Tracker que descobriu a sua verdadeira vocação: ajudar.

Em Setembro de 2008, já Lara estava na rede há uns meses, recebeu um pedido de roupas de crianças para o IPO (o Movimento

Pijaminha). «Aquilo tocou-me e decidi apro-veitar o potencial da nossa rede para ajudar. Em duas semanas, organizámos uma festa [em Portugal, pois cerca de 30% dos Star Trackers residem no nosso país] e cada um pagou cinco euros. Em duas semanas, tínha-mos dinheiro para comprar 300 pijamas», recorda esta profissional do turismo. A ex-periência repetiu-se: «Uma vez, em 20 mi-nutos, arranjámos 400 fatos de treino novos, outra 600 quilos de gel de banho, outra ainda […]» Uma instituição de caridade on-line, sem existência real – na rede chama-se Xi-coração, cá fora o nome já estava registado e não se consegue legalizar – obtém, em 20 minutos, o que outras entidades demoram meses a conseguir. Notável.

De facto, a Star Tracker pode ser apontada como uma maçonaria – mas a maçonaria, re-corde-se, tem hoje existência legal e dela fa-zem parte políticos de reconhecido mérito.

E há mais, muito mais na rede. Precisa de ajuda para um plano de negócios (que custa acima de 20 mil euros)? Talvez se arranje. Uma consulta jurídica à borla? É agora. Ajuda para um artigo sobre redes sociais? Talvez, se marcar presença num «almoço de empre-sários…»

«A tecnologia é o que fazemos dela», diz o sociólogo Gustavo Cardoso. «Apenas isso: a rede replica os nossos comportamentos off-line».

COMPORTAMENTO SOCIEDADE

FONTE Livro 33 Million People in the Room, de Julliete Powel

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ternet. «Antes», explica Catarina Tendeiro, directora de recursos humanos desta empre-sa sueca, «tínhamos de pôr um anúncio no jornal e esperar uns dias. Depois, tínhamos de ter um apartado para receber os currículos – era um ritual: pegar na chave, ir aos correios e vir carregado com sacos de currículos.» Desta vez, conta, «nos primeiros 20 minutos, rece-bemos 60 currículos. Nas primeiras 24 horas, oitocentos. Não há apartado, não pagámos nenhum anúncio. Ah!, e não temos de passar os nomes e os contactos à mão...»

Até na política as coisas estão a mudar. An-tigamente, recebíamos mensagens políticas de forma massificada. Uma conferência de imprensa que víamos na televisão, um dis-curso numa rádio, a informação económica num jornal. Consumíamos informação de forma passiva, impessoal. Queríamos gri-tar «estás a mentir», e não podíamos. Que-ríamos comentar uma opinião num jornal e tínhamos de ir pôr uma carta no correio. Apetecíamo-nos convocar uma manifesta-ção de protesto e estávamos dependentes do estado de espírito deste ou daquele partido, deste ou daquele sindicato. A Internet e as redes sociais on-line, prometem mudar radi-calmente esta paisagem.

Como? Com confiança. Um valor em alta, dentro de qualquer rede social... «Nada te chega sem que te seja transmitido por al-guém que é teu amigo», explica Sara Batalha. Barack Obama, Presidente dos EUA – com mais de 6 milhões de amigos no Facebook –, percebeu isto melhor que ninguém. Na execução da sua estratégia viral de conse-guir apoios e financiamento não só se serviu das redes sociais on-line, como replicou, no mundo exterior, a sua forma de organização. Obama pediu, primeiro, ao líder comunitário que recrutasse dez pessoas para a sua causa, as quais, por sua vez, ficavam encarregadas de recrutar mais dez – sempre com base no mesmo valor: a confiança no portador da mensagem política.

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, David Milliband, tem usado o Twitter – onde Obama também é campeão de audiências – para dar mais transparência à sua actividade política. Estas ferramentas podem, de facto, aumentar a proximidade entre políticos e cidadãos.

EMA BORGES É a primeira vencedora de um reality show na Internet. A «mecânica de automóveis» saltou para o estrelato

‘Tudo o que pomos on-line é pesquisável, recuperável. A Internet tem memória eterna’ Jorge Duque, inspector da Polícia Judiciária

Universidade Lusófona de Lisboa. Sala G4 – Laboratório de Tecnologia. A turma da noi-te (18 e 30-21 e 30) do Curso de Cinema vai chegando, lentamente, de ar cansado, no fim do dia e de mais uma semana de trabalho. É sexta-feira, 20 de Março. Célia Quico, pro-fessora, prepara-se para dar mais uma aula de Introdução ao Pensamento Contempo-râneo. «Não podes escapar à lei das redes sociais», diz, com a voz grave de Deus, um boneco animado de um filme de animação ti-rado do YouTube com que a aula começa. Na turma da manhã, Célia tinha feito a pergunta: «Quem é que não tem perfil em rede?» Ape-nas dois ou três braços ficaram em baixo.

Na aula da noite, é igual – praticamente todos têm perfis em rede. O ambiente con-

trasta fortemente com o optimismo que en-contramos entre os adeptos do Star Tracker. «Qual o modelo de negócio por detrás das redes sociais?», pergunta Célia.

PRIVACIDADE CONTROLADA«As pessoas estão impotentes e têm de aceitar a publicidade que recebem», diz um dos estu-dantes. «Estamos a ser manipulados», afirma outro. «No futuro, a nossa privacidade vai ser totalmente controlada.» Terão razão?

De certa forma, sim. Recorde-se as pala-vras de Sara Batalha: «A rede é a tua cara, a tua imagem pública.»

A rede tem coisa boas – só neste espaço se pode ser maniqueísta. A IKEA vai contratar nada menos do que 500 colaboradores via In-

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Também a Igreja já se apercebeu das po-tencialidades da Net. Já lá vão mais de dez anos desde que entrou on-line o site da dio-cese do Porto, www.diocese-porto.pt. Padre Américo, responsável pela respectiva co-municação, está a tirar um mestrado sobre Novas Tecnologias e a Nova Evangelização na Universidade Católica, em Lisboa. E já passou à prática alguns dos conhecimentos adquiridos. «Em 2008, fizemos a experiên-cia de divulgar a Mensagem de Natal atra-vés do YouTube. Foi uma experiência muito positiva», afirma. A Páscoa, que se aproxi-ma, também saltou para a rede. «Voltámos a utilizar o canal da diocese, no YouTube, dis-ponibilizando uma Mensagem para a Qua-resma de 2009. O feedback tem sido muito interessante», revela padre Américo para quem, «decididamente, as novas tecnologias

são oportunidades de encontro com Deus». E até as palavras inscritas na Bíblia podem ser reinterpretadas na era da Internet: «O convite de Jesus aos apóstolos para lançarem as redes para pesca é hoje, também, um con-vite a lançarmos estas novas redes, de modo a proporcionarmos encontros que permi-tam aos homens e mulheres do nosso tempo encontrarem o rosto do Messias.» Mas nem tudo o que vier à rede será peixe. Em relação ao Twitter e ao Facebook, as duas redes mais na moda, a diocese «vai esperar para ver no que dá. Não nos podemos precipitar, temos de dar passos seguros».

DE MECÂNICA A ESTRELAHá que ter cuidado, portanto. «Tudo o que pomos on-line é pesquisável, recuperável. A Internet tem memória eterna», diz Jorge Duque, inspector da Polícia Judiciária. «Os mais novos parece que não percebem isso. Temos casos de miúdos que se filmam na Net e esses vídeos perseguem-nos. Estou a pen-sar numa rapariga a quem o namorado fil-mou, durante o sexo. Mudou de cidade, mas há sempre alguém mesquinho a persegui-la.» O inspector sabe do que fala. Há poucos meses, investigou um caso de um estudante de uma universidade privada portuguesa. Tinha adicionado centenas de «amigos» no Hi5. Eram crianças em poses de teor sexual. Ninguém sabe se o estudante sentia apenas a fúria de acrescentar amigos ou algo mais.

Com esta curiosidade fervilhante e a faci-lidade de contacto, a fama está mesmo ali ao lado, já se vê. «Inscrevi-me através da cida-de FM. Davam um carro, um telemóvel, um portátil, dinheiro, e perguntavam se quería-mos ser uma estrela. Pensei: quero ser uma estrela e quero ter essas coisas todas», conta Ema Borges, a vencedora do primeiro reality show on-line da World Wide Web portugue-sa. Esta «mecânica de automóveis», nascida em Santa Maria de Feira, viu no Hi5 o con-curso Ícones – promovido pela Ford – e foi em frente. Hoje, é, como Miss Pinky, uma microcelebridade da Net.

Um dos desafios de Ema era o emplastro. O nome diz tudo. «Foi a moca das mocas: tínhamos de aparecer junto de alguém, nos telejornais, na rádio, nos jornais.»

Lembram-se daquela bonita rapariga que, no início do YouTube, apaixonou os inter-nautas com as confissões que ia fazendo acerca da sua vida? Era um guião, uma menti-ra. Um padrão que se repete: Ema Borges não disse, reconheça-se, toda a verdade no Hi5: é militar mas receou represálias da hierarquia por ter concorrido ao reality show.

A revolução não deverá ficar pela (nova)

Um mundo secretoEnquanto quase todas as redes sociais se esforçam por angariar cada vez mais utilizadores, existe uma que se distingue pelo oposto – o elitismo. ASmallWorld é o nome desta rede de relações que funciona como um clube exclusivo. Pessoas influentes, ricas e famosas são as únicas com permissão para fazer parte dele. A entrada é restrita e por convite. Pior: apenas uma pequena parte dos 300 utilizadores (cerca de 30) tem licença para fazer convites. Uma vez lá dentro, os membros do clube podem trocar impressões sobre os mais diversos temas, havendo também espaço para negócios milionários e publicidade de marcas luxuosas.

COMPORTAMENTO SOCIEDADE

JOSÉ

CAR

IA

Avatares As nossas novas carasCélia Quico deu uma aula sobre personagens da Net aos seus alunos, na Universidade Lusófona. A face dos estudantes poderia ser um dos bonecos que Tiago Forjaz está a desenvolver, que pretendem reflectir a personalidade de cada um, através de cores

Criativo

Energético

Inteligente

Generoso

Persuasivo

Comunicador

Comunicador

Apaixonado

Inspirador

Inteligente

Motivador

Corajoso

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forma como nos relacionamos e trabalhamos, como as empresas nos vendem produtos e contratam trabalhadores, ou como se cria uma celebridade e se faz um lifting, por medi-da, ao nosso eu virtual. Na Internet, estas re-des sociais ameaçam dar um passo mais além. No futuro, o que somos, aquilo que realmente nos define, pode muito bem resumir-se ao que os outros vêem em nós... na rede.

Regressamos a Tiago Forjaz. A última bri-lhante invenção deste gestor de talentos, dono da Janson Talent Expert Research, pode muito bem vir a ser a sua cara na rede. Inspi-rado nos pokemons (bonecos das consolas Nintendo) dos seus filhos, criou o MighT, um avatar curricular que mostrará a qualquer pessoa que se cruze consigo numa rede social quais as suas principais características de per-sonalidade e quais as suas principais compe-tências técnicas.

Note bem: neste novo patamar, já não é só a personalidade que fica a nu. Importa per-guntar como.

não parece difícil. E começar a espalhá-la pe-los adolescentes, de forma a que, visualmen-te, as pessoas reconheçam, imediatamente, o tipo de personalidade que lhes aparece pela frente. No seu sonho, o avatar poderá, até, ter uma existência física real, um bone-quinho que trazemos connosco para poder-mos mostrar ao mundo a nossa individuali-dade. Ao mundo e, também, aos potenciais futuros patrões dos jovens deste mundo, que, acredita Tiago, vão «começar a contra-tar não pela experiência repetitiva adquirida mas pelo talento inato de cada um». Porque o modelo de organização «fordista», «taylo-rista», é consequência directa da «hierarquia militar herdada das grandes guerras», gera pessoas frustradas. Porque vivemos o jogo da carreira – e não o «jogo da vida». Porque o modelo político «está falido».

Volte-se, agora, finalmente, à metáfora índia: perdemos a alma ou vimo-nos ao es-pelho?

*com Vera Costa, Miguel Carvalho e João Paulo Vieira

CATARINA TENDEIRO Para contratar pessoas, a directora de Recursos Humanos do Ikea recorreu ao Facebook. «Nos primeiros 20 minutos recebemos 60 currículos»

José Manuel FernandesO director do Público, 51 anos, explica porque se rendeu ao Twitter

Quando entrou no Twitter? Não tenho a certeza, mas penso que terá sido no final de Janeiro.

O que de melhor lhe aconteceu? O Twitter é-me muito útil.

Agora, em vez de ver 20 sites diferentes à procura de informação, recebo-a mais depressa, vendo os tópicos dos usuários que sigo. Também me facilita o contacto com outras pessoas. Se, por vezes, não as consigo contactar pelo telefone ou e-mai, o Twitter é uma boa forma de as encontrar.

A pior experiência? Não tenho más experiências.

Porque twitta? Sobretudo para encontrar informação e artigos interessantes, e também para partilhar informação com outras pessoas. Por exemplo, ontem estive preocupado com o incêndio no Gerês, e o que sabia ia partilhando, tendo recebido, também, algumas informações de outras pessoas. Para ver artigos interessantes e partilhá--los, para alcançar mais proximidade. Não há outro motivo que me faça utilizá-lo além da pesquisa e da partilha de informação.

Quando classificamos – «tagamos» – os nossos amigos no Facebook, no Hi5 ou nou-tro lado – e surge aquela mensagem simpáti-ca a dizer que «Fulano acha que tu és muito franco», estamos, na realidade, a transmitir a alguém a imagem pública dessa pessoa. O mesmo acontece quando oferecemos um livro virtual ou uma garrafa de whiskey virtu-al no Facebook. Trata-se de mini-aplicações informáticas – widgets – destinadas ao ócio, sim, mas também a permitir às empresas sa-ber quais os nossos hábitos de leitura, quais os nossos whiskeys preferidos.

Ora o MighT parte exactamente de um programa desses e do costume que temos de classificar as pessoas – metódico, trabalhador, enérgico, criativo, etc. – e descodifica os ad-jectivos em termos gráficos, no avatar. «Um tipo corajoso pode ter umas pinturas de guer-ra índias vermelhas na cara, um criativo pode ter um tom predominantemente amarelo.»

Tiago quer vender a ideia do avatar-poke-mon a uma das grandes redes sociais – o que

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