Viviane Mozine Rodrigues

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7º Encontro Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade 23 a 25 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR) Grupo de Trabalho: Mundialização, Tensões e Direitos Humanos MIGRAÇÕES AMBIENTAIS E DIREITOS HUMANOS: O DISCURSO DA MÍDIA DE MASSA E OS HAITIANOS NA AMAZÔNIA Augusto Cesar Salomão Mozine Pontíficia Universidade Católica de São Paulo / King’s College London Tiago Miguel D’Ávila Martins de Freitas King’s College London / Universidade de São Paulo Viviane Mozine Rodrigues Pontíficia Universidade Católica de São Paulo / Universidade de Lisboa

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7º Encontro Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e

Diversidade

23 a 25 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR)

Grupo de Trabalho: Mundialização, Tensões e Direitos Humanos

MIGRAÇÕES AMBIENTAIS E DIREITOS HUMANOS: O DISCURSO

DA MÍDIA DE MASSA E OS HAITIANOS NA AMAZÔNIA

Augusto Cesar Salomão Mozine – Pontíficia Universidade Católica

de São Paulo / King’s College London

Tiago Miguel D’Ávila Martins de Freitas – King’s College London /

Universidade de São Paulo

Viviane Mozine Rodrigues – Pontíficia Universidade Católica de São

Paulo / Universidade de Lisboa

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1 INTRODUÇÃO

Fato marcante da última década, as grandes catástrofes ambientais, como terremotos e

maremotos, ocorridas em áreas de grande povoamento tem levantado grandes discussões

de aspecto humanitário sobre o deslocamento forçado em função do meio ambiente. A estas

somam-se catástrofes ambientais de origem humana como as que são consequência da

mudança do clima, da degradação dos solos e da depleção de recursos hídricos.

Este ensaio considera catástrofes ambientais no seu sentido mais lato, incluindo as de

origem natural e as de origem humana, não só porque o Haiti é um caso paradigmático de

degradação ambiental provocando migrações, mesmo antes do terremoto de 2010, mas

também porque o Brasil poderá enfrentar no futuro outros fluxos migratórios à medida que

as catástrofes ambientais se tornam mais frequentes pela mudança do clima e degradação

ambiental.

Importante destacar, nesse contexto, o papel da mídia como motor da divulgação e

promoção do debate em torno desses eventos ambientais, como também como formadora

de opinião sobre os vários aspectos – socorro sanitário, ajuda humanitária, assentamento e

reconstrução de áreas afetadas – relacionados às populações envolvidas.

Os desafios humanitários impostos ao mundo de hoje demandam muito mais que ações

pontuais, o caso do Haiti é emblemático: além da pobreza que se arrasta há anos, o

terremoto acontecido em 2010 desabrigou milhares de haitianos. Diante deste quadro,

oferecer respostas rápidas e coordenadas a situações deste tipo são um desafio complexo.

O esforço em conjunto e a resolução aos casos de deslocamentos humanos motivados por

fatores ambientais exigem um imediatismo para o qual muitos governos não estão

preparados.

Não se deve confundir, contudo os regimes jurídicos e as políticas destinadas a cada tipo de

situação humanitária. Ao passo que os refugiados buscam fugir das perseguições e

violências há séculos, os haitianos que chegaram ao Brasil fugiram de uma catástrofe

ambiental. O que se observa é que o que mudou nos últimos tempos é o ambiente em que

se dá a circulação forçada de pessoas, marcado cada vez mais por catástrofes ambientais,

como os casos dos haitianos que chegaram ao Brasil.

Este ensaio tem por objetivo entender a relação entre informação e formação de opinião nos

discursos dos veículos de comunicação de massa e em que medida a notícia é capaz de

incorporar e transmitir discursos de poder balizadores da proteção dos Direitos Humanos de

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grupos forçadamente deslocados por questões ambientais. Propõe-se, assim, a análise de

notícias publicadas a partir de janeiro de 2010 por três grandes mídias escritas de

publicação semanal – as revistas Veja, Época e Isto É – sobre o caso do terremoto no Haiti

e os imigrantes haitianos na Amazônia, deslocados em função dessa catástrofe ambiental.

Isso permitirá entender os discursos veiculados pela mídia de massas e a formação de

políticas nos seguintes aspectos: a) catástrofes ambientais e deslocamento de pessoas; b)

questão humanitária envolvendo os deslocados e a legalização de sua permanência nos

países acolhedores; c) o posicionamento oficial.

Como resultado, tem-se uma avaliação sobre como a opinião pública relativa a este caso se

formou, bem como a importância das notícias publicadas no período na formação de

discursos de maior ou menor abrangência. Assim, em um contexto de questões

humanitárias ambientais globais, pretende-se entender aspectos de como a mídia informa o

processo de formação do posicionamento do Governo Brasileiro em relação à concessão de

permanência – temporária ou permanente – aos imigrantes haitianos. Busca-se contribuir,

por fim, para o emergente debate sobre acolhimento de deslocados ambientais, levantando-

se questões referentes às visões induzidas no imaginário social sobre essa problemática.

Começando com uma introdução aos riscos ambientais atuais - globalizados, imprevisíveis e

difíceis de manejar pelos estados nação - este ensaio prossegue com uma apresentação

dos discursos de segurança ambiental que tipicamente têm ilustrado os problemas

ambientais globais como uma ameaça ao bem-estar das sociedades do ‘ocidente’. O ensaio

prossegue depois com algumas considerações sobre as razões da migração que, no caso

do Haiti, não se fundamentam apenas no episódio do terremoto mas também, e

principalmente, na degradação ambiental que historicamente tem acontecido naquele país e

levado a permanente instabilidade, tendo amplificado os efeitos migratórios do terremoto.

Em seguida fazem-se algumas considerações conceituais para uma melhor compreensão e

distinção entre migrantes, deslocados e refugiados e seus respetivos estatutos no sistema

político internacional e apresentam-se algumas informações sobre os migrantes haitianos no

Brasil. De seguida, é contextualizado o atual momento de edificação de fronteiras que,

apesar das forças da globalização, se consolida, nomeadamente na tentativa de estancar

fluxos humanos indesejáveis. Finalmente, exploram-se as representações midiáticas dos

refugiados haitianos no Brasil, sob um ponto de vista de geopolítica popular, explica-se a

metodologia do ensaio e apresentam-se as representações das revistas Veja, Isto É e

Época.

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2 A GLOBALIZAÇÃO DOS RISCOS AMBIENTAIS: E OS DISCURSOS DE

SEGURANÇA AMBIENTAL

Contextualizados na desorientação pós-moderna (que resultou dos efeitos do fim da Guerra

Fria e das mudanças trazidas pela globalização na estrutura social do mundo), os riscos

ambientais globais apresentam um desafio à soberania dos estados nação e às sociedades

em geral (TUATHAIL, 1996). As consequências ecológicas e sociais da degradação

ambiental – como guerras e migrações em massa - tornam-se globais, fluem através de

fronteiras e escapam à capacidade dos estados nação soberanamente as controlarem.

Degradação ambiental num determinado local pode assim afetar todo o globo, o que exige

respostas globais, o exemplo paradigmático sendo o da mudança do clima.

Lidar com estes riscos num contexto de “sociedades de risco” (BECK,1992) não pode ser

unicamente feito pelo estado-nação, pedindo por isso uma abordagem mais abrangente, em

que a governança ambiental se torna “colaborativa” ou “pós-soberana” (KARKKAINEN

2004), pois a interdependência dos estados nação erode a noção “Westfaliana” tradicional

de soberania (BIERMANN; DINGWERTH, 2004) Assim, e devido à natureza essencialmente

transfronteiriça da mudança ambiental global, a capacidade dos estados-nação para

efetivamente realizar as suas funções sem a cooperação com outros estados (e atores não

estatais) diminui.

As consequências das mudanças ambientais não são antecipáveis - a ‘reengenharia’ do

planeta não foi planejada, não havendo por isso uma clara indicação de como as diferentes

partes do alterado sistema terrestre vão se encaixar (DALBY, 2007). Os riscos globais como

degradação ambiental, mudança climática são então imprevisíveis e considerados como

indo além do controle de instituições, elites políticas e científicas. O resultado é uma

mudança dos sistemas naturais pela humanidade em uma escala tal que a humanidade

pode ter-se tornado uma nova força geológica na natureza, inaugurando uma nova era

geológica, o “Antropoceno” (DALBY, 2007). “Segurança antropocênica” então desafia o

pensamento dualista de ser humano versus (uma externa) natureza, quando as atividades

humanas estão cada vez interligadas com e afetando a biosfera (DALBY, 2009).

Saber e prever os riscos torna-se um assunto de importância maior (para não dizer

paranoia). O conhecimento científico ganha assim preponderância, nascendo então uma

“subpolítica” de expertise científico (em que o consenso político, por exemplo, o relacionado

com a mudança climática, faz esse assunto “apolítico” e moldado somente por expertos), de

que Beck (1992), Swyngedouw (2010) e Giddens (2011: 116-119) falam.

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É neste contexto de riscos ambientais que se estabelece um discurso de segurança

ambiental oficial, apontando para distintas realidades – reflexos sobre países desenvolvidos

e subdesenvolvidos – e posicionamentos – acolhimento das populações afetas, ajuda

humanitária, contenção de migrações – que são frequentemente incorporados pelo

imaginário social e pelos estudos acadêmicos, balizando a formação de opinião e a

formulação de políticas nacionais e internacionais relacionadas a essa problemática.

Os discursos de segurança ambiental, presentes nas elites dirigentes do “ocidente”

(particularmente militares) agrupam as ameaças colocadas por problemas ambientais às

sociedades, mas as próprias definições de “ameaça” e de “segurança” são o foco de crítica

substancial, principalmente na literatura anglo-saxônica de geopolítica crítica (DALBY, 2009:

36-55). Riscos e ameaças são assim considerados inevitavelmente construções políticas

socialmente mediadas – a delimitação de quem ou o quê é ameaçado e o que está

ameaçando, é um recurso político poderoso que constrói identidades, representa relações

de poder e legitima determinados estilos de vida (GROVE, 2010).

O discurso securitário oficial argumenta que a degradação ambiental e as catástrofes

ambientais no Sul provocam desestabilização no Sul – colapso social e movimentos

transnacionais como tráfico de drogas e imigração ilegal – que inevitavelmente afetarão o

Norte (KAPLAN, 1994, 2009). Os mais críticos defendem, contudo, que, ao ignorar as

formas como outros fluxos transnacionais como o comércio internacional e os mercados

financeiros ajudam a produzir tanto a degradação ambiental como o colapso social, o

discurso dominante evita abordar a cumplicidade do “ocidente” na produção da

desestabilização no Sul (PATERSON, 2001: 22).

3 PARA ALÉM DO TERREMOTO: AS RAZÕES DA MIGRAÇÃO

No caso do Haiti, há um fator natural explícito que provocou a fuga em massa, o terremoto

de 2010. Mas o Haiti é também um caso paradigmático de degradação ambiental crónica

(DOLISCA et AL, 2007) que amplificou a situação dramática de 2010.

Às catástrofes naturais que desde sempre afetaram as populações humanas, como

terremotos, tsunamis e tempestades, somam-se assim as catástrofes de origem humana

bem atuais e cada vez mais relevantes, como as que são consequência da mudança do

clima ou da degradação ambiental. Segundo Myers (2002), há um grande potencial de

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aumento dos refugiados ambientais, com um crescente número de pessoas empobrecidas

pressionando cada vez mais os ecossistemas já bastante explorados e, com a mudança

global do clima, o numero de deslocados poderá chegar aos 200 milhões.

Segundo Warner et al (2010), a mudança do clima terá um impacto cada vez maior em

sistemas sócio-económicos muito dependentes do ambiente, com potencial de causar

movimentos populacionais muito significativos. Os países menos desenvolvidos são

particularmente vulneráveis, dada a sua menor capacidade adaptativa e aqui as ameaças

incluem problemas ao nível da provisão de alimentos, saúde, declínio económico, inundação

de áreas costeiras e degradação de recursos hídricos e dos solos (REUVENY, 2007).

Vários autores se debruçaram sobre a questão da relação entre a mudança ambiental e

potenciais crises humanitárias (MCGREGOR, 1993; KIBREAB 1994 e 1997; MYERS 1993;

MYERS; KENT 1995; BLACK, 2001; LEE, 2001; CASTLES, 2002; MASSEY et al.; 2007).

Deste acumulado académico resulta, no entanto, uma indefinição relativa às interações

entre mudança ambiental e sistemas ecológicos, vulnerabilidade sócio-económica resultante

e potenciais desfechos em termos de movimento de populações ou migrações induzidas.

Estas interações têm sido pobremente conceitualizadas, com falta de investigação

sistemática e por vezes reduzem-se a explicações causais simplistas (WARNER et al.;

2010), negando o complexo processo com várias variáveis (econômicas, sociais,

ambientais) que é a causa da migração e/ou conflito induzido por mudanças ambientais.

A ligação entre catástrofes ambientais e fluxos migratórios pode ser, por exemplo, indireta,

como no caso dos fugitivos de guerras civis que advém de conflitos provocados pela

depleção de recursos naturais. A ligação da “guerra” – desde o seu uso discursivo até à

violência física organizada – ao controle e exploração de recursos tem sido um dos debates

mais acalorados em Geopolítica dos Recursos Naturais (LE BILLON, 2008; DALBY, 2009;

HOMER-DIXON, 1999). A este nível, uma das visões mais catastrofistas é a de Kaplan

(1994, 2009), que usa argumentos neo-malthusianos para explicar os conflitos

potencialmente geradores de uma anarquia global provocada por um crescimento

populacional no Sul.

A altamente contestada visão de Homer-Dixon (1999) vê também uma ligação entre

recursos naturais e guerra, mas de uma forma mais balanceada. “Escassez ambiental” é

descrita como a escassez de recursos renováveis como terra agrícola, água doce ou

florestas, causada pela degradação e depleção destes recursos, pelo aumento da demanda

por esses recursos, e/ou pela sua desigual distribuição, e pode contribuir para violência civil.

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A escassez ambiental não é suficiente, contudo para causar violência, por si só, e quando

contribui para a violência, fá-lo através de uma interação com outros fatores políticos,

económicos e sociais, como os mercados de commodities, divisões étnicas pré-existentes,

entre outros, de modo a gerar efeitos sociais severos que acabam favorecendo a violência

(HOMER-DIXON, 1999). Esta dependência de um conjunto muito mais abrangente de

variáveis também é frisada por Le Billon (2008), que sublinha que argumentos

convencionais ligando guerras e recursos geralmente propõe explicações simplistas ou não

têm em consideração as dimensões geográficas de conflitos relacionados com recursos.

4 MIGRANTES, DESLOCADOS E REFUGIADOS: CONSIDERAÇÕES

CONCEITUAIS

A relação entre meio ambiente, migrações e direitos humanos tem sido cada vez mais

discutida pela sociedade e cada vez mais presente na mídia. Para uma compreensão mais

ampla dessa relação é necessário uma visão multidisciplinar sobre o tema e ainda, todo um

arcabouço jurídico internacional e nacional para lidar com este desafio.

A primeira compreensão que se faz necessária acerca da temática, é de cunho conceitual,

neste artigo, conceituaremos portanto: o migrante; o migrante ambiental; o deslocado

interno; o refugiado e o refugiado ambiental.

O Migrante é, pois, toda a pessoa que se transfere de seu lugar habitual, de sua residência

comum para outro lugar, região ou país. É um termo frequentemente usado para definir as

migrações em geral, tanto de entrada quanto de saída de um país, região ou lugar, não

obstante existam termos específicos para a entrada de migrantes – Imigração – e para a

saída – Emigração. É comum, também, falar em “migrações internas", referindo-se aos

migrantes que se movem dentro do país, e "migrações internacionais", referindo-se aos

movimentos de migrantes entre países, além de suas fronteiras (IMDH, 2012).

Já os “migrantes ambientais” são conceituados pela Organização Internacional de

Migrações (IOM, 2012), como :

... pessoas ou grupos de pessoas que, por motivos de mudanças bruscas ou progressiva no ambiente que afetam negativamente as suas vidas ou condições de vida, são obrigados a ter que deixar suas casas habituais, ou optar por fazê-lo, temporária ou permanentemente , e que se deslocam, quer no seu território ou no estrangeiro.

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Uma outra definição utilizada neste debate e adotada pelo Alto Comissariado das Nações

Unidas para Refugiados (ACNUR, 2012), são os deslocados internos, pessoas deslocadas

dentro de seu próprio país, e que muitas vezes são erroneamente chamadas de refugiadas.

Ao contrário dos refugiados, os deslocados internos não atravessaram uma fronteira

internacional para encontrar segurança, mas, permaneceram em seu país natal. Mesmo se

fugiram por razões semelhantes às dos refugiados (conflito armado, violência generalizada,

violações de direitos humanos), legalmente os deslocados internos permanecem sob a

proteção de seu próprio governo, ainda que este governo possa ser a causa da fuga. Como

cidadãos, elas mantêm todos os seus direitos e são protegidos pelo direito dos direitos

humanos e o direito internacional humanitário.

Cabe aqui então definir o que é um refugiado, de acordo com a Convenção de Genebra de

1951 :

refugiado é aquele que, possuído de um temor bem-fundado de ser perseguido por razões de raça, religião, nacionalidade, de ser integrante de um grupo social específico ou por suas opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua nacionalidade, e está incapacitado ou possuído por tal temor, por não poder receber a proteção daquele país; ou quem, não tendo nacionalidade e estando fora do país de sua habitual residência, está incapacitado, ou possuído por tal temor, não tem a possibilidade de voltar para ele.

Assim, uma nova categoria se apresenta, a de “refugiado ambiental” :

Refere-se a pessoas que fugiram de suas casas por causa de mudanças ambientais que tornaram suas vidas ameaçadas ou insustentáveis. Em alguns casos, estas pessoas encontraram novos lugares para viver em seus próprios países. Em outros casos, elas devem mudar de um país para outro buscando refúgio. (Derani, 2012)

Entretanto, o termo “refugiado ambiental” não é reconhecido pelos Estados. A primeira

definição do termo foi cunhada por Lester Brown do World Watch Institute, na década de

1970, mas só foi popularizada com a publicação, em 1985, por Essam El- Hinnawi,

professor do Egyptian National Research Centre, Cairo.

Como se pode observar, não há uma definição uniformizada, e a mídia utiliza a expressão

“refugiado ambiental” para identificar tanto a pessoa que é forçada a deslocar-se

internamente como aquele que é obrigado a cruzar uma fronteira internacional por

mudanças ambientais. A utilização desse conceito acaba sendo problemática porque

mistura a noção de refugiado com a do deslocado interno.

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5 O CASO DOS HAITIANOS NO BRASIL

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) reconhece como

deslocamento interno a situação no Haiti em um relatório elaborado oito meses depois da

catástrofe, que contabilizou cerca de 1,3 milhões de pessoas deslocadas internamente

vivendo em condições precárias nos 1.354 acampamentos e assentamentos na capital e

seu entorno. Cerca de 60% da infraestrutura governamental, administrativa e econômica foi

destruída. Mais de 180.000 casas desabaram ou foram danificadas e 105.000 foram

completamente destruídas. Por volta de 23% de todas as escolas no Haiti foram afetadas

pelo terremoto (4992 escolas), 80% das escolas em Porto Príncipe e 60% das escolas nos

estados Sul e Oeste foram destruídas ou danificadas (UNHCR, 2010).

No Brasil, estima-se que tenha vindo entre 6.000 e 6.500 haitianos após o terremoto

ocorrido em janeiro de 2010. O processo de deslocamento por via aérea inicia na República

Dominicana e tem como destino o Equador ou o Peru. Como estes países não exigiam visto

para haitianos (o Peru introduziu a exigência de visto em janeiro de 2012 e o Equador

mantém a não exigência de visto), estes migrantes não encontravam dificuldades na

entrada. A partir desses países, por trajeto terrestre ou fluvial, chegam à fronteira do Brasil,

em diferentes pontos. Tabatinga, Assis Brasil e Brasiléia são os principais pontos de entrada

(IMDH, 2012).

Ao passo que, há séculos, os migrantes considerados refugiados buscam fugir das

perseguições políticas e violências, os haitianos que chegaram ao Brasil fugiam de uma

catástrofe ambiental. Inicialmente eles poderiam ter sido considerados apenas como

imigrantes e que poderiam trabalhar regularmente no Brasil com base no Estatuto do

Estrangeiro; entretanto a motivação para mais de 6.000 haitianos entrar no Brasil não era

apenas econômica, mas também humanitária.

A seguir, buscou-se o enquadramento no status de refúgio e tiveram a sua solicitação

negada, pois, não são considerados refugiados por não se incluírem nos requisitos da

Convenção de Genebra de 1951 e também pela Lei brasileira 9474/97. Entretanto, outro

caminho foi apresentado: eles teriam que enviar seus pedidos ao Conselho Nacional de

Imigração (CNIg), que autorizou a concessão de residência permanente por motivos

humanitários, baseado na resolução normativa nº 97, de 12 de janeiro de 2012, que dispõe

sobre a concessão do visto permanente Previsto no art. 16 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto

de 1980, a nacionais do Haiti.

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Nesse contexto, dos mais de 5.200 pedidos de “refúgio” apresentados formalmente por

haitianos, já foram aprovados 2.307 processos, concedendo-lhes, como já referido,

residência permanente por motivos humanitários1. (IMDH, 2012)

Finalmente, essa é uma temática atual e que vem ganhando visibilidade midiática na medida

em que se aumentam as catástrofes ambientais e também que se consagra a concepção de

Direitos Humanos como universais. O que se observa é que o que mudou nos últimos

tempos é o ambiente em que se dá a circulação forçada de pessoas, marcado cada vez

mais por catástrofes naturais, como os casos dos haitianos que chegaram ao Brasil e

independente do termo que se dão a elas, é preciso encontrar novas soluções para este

novo desafio.

6 AS FRONTEIRAS NA GLOBALIZAÇÃO

A edificação de fronteiras e os aparatos geográficos correspondentes são necessários para

o controle territorial e para o estabelecimento e manutenção do estado-nação, funcionando

como um instrumento de contenção de vagas migratórias num contexto de segurança

ambiental.

Mais do que constituir barreiras ou obstáculos aos processos associados à globalização, as

práticas de construção de fronteiras devem ser entendidas como característica indissociável

do próprio processo de globalização.

De fato, a globalização, apesar de ter erodido as funções do estado-nação e o conceito

tradicional de fronteira, não significa que tenha tornado tudo líquido, fluido e des-

territorializado. As práticas de poder, tanto material como discursivamente, não perderam o

seu ordenamento territorial - apesar do aumento dos fluxos globais, a criação de ordem

territorial e de fronteiras não diminuiu. Anssi Paasi (2005), por exemplo, discorda da visão

de um mundo sem fronteiras, defendendo uma ideia menos universalizante em que

fronteiras são entendidas como elementos constitutivos importantes das práticas e

narrativas através das quais grupos sociais e as suas identidades são construídas e

governadas. Aqui, fronteiras devem ser vistas como uma crença, uma imaginação que cria e

molda o mundo, uma realidade social, em vez de um artefato material.

1 Para ver a relação dos nomes dos haitianos que tiveram deferidos seus pedidos de visto de residência

permanente, acessar o site: http://www.migrante.org.br/IMDH/

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A globalização e os relacionados desenvolvimentos como o transnacionalismo e imigração

são cada vez mais percebidos como fluxos perigosos que ameaçam as terras protegidas da

soberania doméstica. Neste contexto, o controle e proteção de identidades locais foram

fortalecidos e restabelecidos nos últimos anos. A segurança é, pois, um problema de poder

simbólico e um assunto de culturas que clamam a sua preservação como a questão mais

importante (WILLIAMS, 2007). Esta re-territorialização do espaço deve ser entendida como

uma resposta, uma contra-força, às forças da pós-modernidade e vagas recentes da

globalização (BAUMAN, 2000).

A continua reprodução sócio-espacial de fronteiras no mundo de hoje demanda uma re-

ontogenização da “fronteira”: esta consiste em fazer “outros” através da fixação territorial da

ordem. A este nível, a UE, por exemplo, poderia ser vista como uma máquina global de

fronteira, que constrói mais e não menos “ilegalidade”, xenofobia e medo com a sua luta

contra os imigrantes ilegais (VAN HOUTUM, 2010).

No caso do Brasil, país em desenvolvimento, usualmente no outro lado da barricada mas

que recentemente tem vindo a ser cada vez mais um país de recepção, futuros riscos

ambientais, por exemplo causados pelos mudanças climáticas, poderão levar mais

imigrantes a atravessar as fronteiras brasileiras. As fronteiras Amazônicas apresentam a

este nível um particular desafio, uma vez que aí o controle do estado é incipiente, assim

como a integração com o resto do país, aliado a outros desafios cujas magnitude torna o

desafio ainda mais complicado: conflitos indígenas e fundiários, tráfico transnacional de

drogas, degradação ambiental em larga escala, pobreza e violência, fazendo da Amazônia

um complexo mosaico geopolítico (HALL, 1989; HECK AND COCKBURN, 1989), assim

como uma ‘fronteira discursiva’ em que se jogam as representações nacionais e

nacionalistas sobre este imenso espaço sob soberania Brasileira.

7 ANÁLISE DE MÍDIA: GEOPOLÍTICA POPULAR

A geopolítica popular estuda se e como o espaço público e as mídias apoiam e legitimam a

política externa num determinado país (MAMADOUH; DIJKINK, 2006) e se refere às

manifestações geopolíticas encontradas nos mídia visuais, revistas, radio, cinema,

telenovelas, quadrinhos ou na Internet (DITTMER; DODDS, 2008).

As mídias, em particular, podem ter um papel fulcral de estabelecimento de agenda

(histórias nas mídia podem ajudar a moldar as formas como eventos ou processos

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particulares são representados e interpretados) ou sublinhar alguns

eventos/pessoas/processos em detrimento de outros (DODDS, 2005:75). As mídia também

enquadram eventos e processos e por isso contribuem para modos particulares de

interpretação ou estruturas de narrativa (DALBY, 1996; DODDS, 2005). Kim et al (2007), por

exemplo, exploraram a influência da geopolítica e política externa nas mídias Americanos e

Canadenses em relação ao conflito do Darfur, enquanto que Robison (2004) e McFarlane e

Hay (2003) estudaram a imprensa Britânica e Australiana em relação a, respectivamente,

representações da Guerra da Bósnia e dos protestos de Seattle. Steinburger-Elias (2005)

por seu lado, explorou o papel de visões ideológicas e institucionais nos discursos

geopolíticos nas mídias Latino-Americanos.

O estudo da geopolítica popular, para além da importância empírica de conhecer como

determinado assunto é visto no espaço público, é também relevante para melhor

compreender como as culturas públicas gerais, com seus contextos históricos e geográficos

específicos, moldam discursos e representações de identidade nacional e política global

(DITTMER; DODDS, 2008). Contribui assim para desvendar a “cultura geopolítica” de um

país – processos culturais e organizacionais que conceitualizam o Estado-nação, a sua

identidade e a sua posição no mundo, moldando por isso a forma como a política externa é

feita pelos estados (AGNEW et al.; 2003:10).

Dada a escassez de estudos sobre geopolítica popular no Brasil (ou que pelo menos usem

esse termo), o presente trabalho, ao focar a questão dos refugiados ambientais do Haiti

espera, na sua limitada contribuição à questão da cultura geopolítica do Brasil, contribuir

para o desenvolvimento deste tipo de pesquisa.

8 CATÁSTROFES NATURAIS E DESLOCAMENTO FORÇADO DE PESSOAS: REPRESENTAÇÕES MIDIÁTICAS

O estudo da cobertura da mídia de massa sobre uma catástrofe humanitária é uma questão

simbólica que visa entender como determinadas ideias e conceitos podem ser infundidos no

meio social. A proposta deste ensaio de entender como os três principais veículos de

informação escrita brasileiros informaram a questão haitiana busca, assim, debater em que

medida os direitos humanos aparecem no discurso da notícia e são colocados com uma

responsabilidade individual e coletiva. Dessa maneira, conforme visto na discussão feita até

aqui, a análise das reportagens teve como parâmetro a problemática da ajuda humanitária

em caso de desastres naturais, com especial enfoque para a questão das migrações

forçadas.

Page 13: Viviane Mozine Rodrigues

Importante destacar, nesse contexto, a necessidade de se problematizar a utilização da

terminologia “refugiados ambientais”. Conforme visto na segunda seção deste ensaio,

embora o termo careça de embasamento legal, criando uma grande confusão no

entendimento da condição jurídica desses migrantes forçados, seu uso é indiscriminado nos

meios de comunicação, o que acarreta um problema de formação da opinião pública. Não

se defende aqui, contudo, que as discussões que promovam uma futura regularização de

uma “condição de refugiado ambiental” sejam negligenciadas, porém é importante ressaltar

que sua utilização na mídia de formação de opinião deva ocorrer de forma clara e

identificando os pormenores desse debate.

Assim, algumas considerações metodológicas complementares devem ser feitas com elação

à análise das reportagens. Inicialmente previu-se o levantamento das notícias veiculadas

nas revistas Veja, da editora Abril; Isto É, da editora 3 e Época, da editora Globo,

especificamente em sua versão impressa semanal compreendendo o período de janeiro de

2010 a dezembro de 2011. Contudo, durante a coleta de dados observou-se que neste

período inicial e caracterizando-se a questão das migrações forçadas e do “refúgio

ambiental”, apenas a revista Época (2012g), em fevereiro de 2011, trouxe uma reportagem

que abria o debate da questão dos haitianos na Amazônia, precedida pela revista Veja

(TEIXEIRA, 2012) que já mencionara, em fevereiro de 2010, outra problemática relacionada

à migrações forçadas relacionada ao tráfico de crianças órfãs. Dessa forma, verificou-se que

o a porção relevante do debate na mídia impressa de massa brasileira sobre migrantes

haitianos na Amazônia iniciou-se em fins de dezembro de 2011, com apelos do Governo do

Acre por uma iniciativa do Governo Federal para regularização e ajuda financeira aos

haitianos, (ÉPOCA, 2012h; ISTO É, 2012e) sendo que as notícias vieram a público por meio

desses meios de comunicação nas edições semanais de janeiro de 2012, o que motivou a

extensão do período de coleta de dados para até o mês de março de 2012.

Redefinido o período da coleta de dados, foi realizada uma busca inicial de reportagens que

se referissem ao terremoto ocorrido no Haiti em 12 de janeiro de 2010. Para tanto, adotou-

se o seguinte critério: a) a reportagem deveria conter, no mínimo, os termos “Haiti” e

“Terremoto” relacionando-os com “contexto internacional”, “ajuda humanitária”, “situação

política interna” ou “Brasil”. b) o foco da notícia deveria ser exatamente uma questão

haitiana vinculada às questões políticas e sociais nacionais, internacionais ou externas

envolvendo o Terremoto e seus reflexos para o país caribenho. Esses critérios permitiram

uma seleção de 33 notícias – compreendidas entre reportagens de capa, editoriais,

entrevistas e notas – divididas da seguinte maneira: 12 referências em Veja; 9 referências

Page 14: Viviane Mozine Rodrigues

em Isto É; e 12 referências em Época. Foram excluídas da análise as reportagens que

fizessem mero uso exemplificativo da situação haitiana em comparação com os terremotos

do Japão e do Chile em 2011, sem aprofundar qualquer dos termos do critério “b”, bem

como artigos de opinião dos “colunistas” dessas revistas.

Com isso, passa-se à análise da cobertura de cada uma das revistas mencionadas ao

Terremoto do Haiti de 2010. Em um primeiro momento, prioriza-se a exposição do discurso

individual de cada um dos veículos de informação, relacionando suas particularidades de

acordo com os parâmetros traçados na metodologia mais geral exposta na introdução deste

ensaio. Em seguida, apresenta-se uma comparação entre a forma como essas revistas

inseriram as temáticas deste trabalho nos debates de opinião pública para, por fim,

apresentar algumas considerações sobre o resultado da análise do discurso empregado na

questão Haitiana e sua relação com o Brasil.

8.1 REVISTA VEJA

A cobertura da Revista Veja ao terremoto de 12 de janeiro de 2010 começa em sua edição

de número 2148 do dia 16 daquele mês. Ricas em imagens da catástrofe, as quatro

reportagens quatro reportagens que compõem o dossiê sobre o Haiti vão se utilizar de uma

perspectiva alegórica para explicar os acontecimentos. A primeira notícia, intitulada “O dia

em que o Mundo Acabou” (VEJA, 2012a:62-73) inicia-se com uma fotografia ocupando duas

páginas inteira e mostrando o palácio presidencial haitiano divido o meio pelo terremoto.

Interessante destacar a terminologia utilizada para referir-se ao evento; termos como “força

sobrenatural”, “holocausto” e “Porto de Hiroshima”, aparecem em destaque para explicar o

resultado de um número de mortos até então indefinido e do completo esfacelamento dos

prédios do centro urbano da capital Porto Príncipe. A notícia se inicia da seguinte maneira:

Quando o Mundo acabou no Haiti à 4 e 53 da tarde de terça-feira, o mais terrível foi que, por algum tempo, os mortos viveram. Com a força infernal de trinta bombas atômicas, o terremoto aconteceu no pior lugar possível. Seu coração de terrível poder, o epicentro, praticamente coincidiu com as ruas encostas esquálidas de Porto Príncipe, a capital (VEJA, 2012a:65).

Como se vê, a revista apresenta, para se referir ao desastre natural, uma “poética” etérea e

política que, em princípio, pouco contribui para o entendimento dos fatos. Seguida de uma

série de imagens de crianças mortas e feridas e de corpos empilhados, a reportagem

apresenta, ainda, um infográfico sobre como acontecem, se medem e se explicam

“cientificamente” os terremotos. A essa “Anatomia da Destruição”, seguem três outras

reportagens que dão conta, respectivamente, da narrativa de um repórter de Veja sobre os

Page 15: Viviane Mozine Rodrigues

acontecimentos; do “drama heroico” dos soldados brasileiros da força de paz da ONU

vitimados pela “catástrofe”; e, por fim, uma exaltação biográfica da “santidade” e “martírio”

de Zilda Arns, médica e missionária fundadora da Pastoral da Criança no Brasil, que visitava

o Haiti em missão humanitária e faleceu no desastre.

Interessante destacar no contexto do dossiê o fato de que, diferentemente dos demais

veículos de comunicação, essa primeira abordagem de Veja sobre o terremoto negligencia

aspectos políticos e históricos do Haiti, refere-se pouco às especificidades da questão

humanitária e adota um discurso messiânico e, em certo ponto, sensacionalista que pouco

infere os aspectos sociais e internacionais dos trabalhos humanitário. As referências ao

Brasil limitaram-se às perdas humanas de 18 pessoas entre civis e militares, sem grande

enfoque ao papel desempenhado pelo país na história recente do Haiti. Sem pretender que

um veículo de informação e massa adote um discurso essencialmente científico-acadêmico,

pode-se dizer que essa cobertura do desastre pouco permitiu para criação de um debate

que considerasse os aspectos políticos globais e o potencial risco humano que surgia com

uma catástrofe ambiental.

Um posicionamento mais política e socialmente centrado de Veja pode ser visto nas edições

de número 2149 e 2150 que se seguem. Na primeira edição, tem-se novamente um dossiê

de três reportagens que simbolizam aspectos distintos do desastre. Em primeiro lugar,

aparece o “Caos depois do Desastre”, noticiando a completa falta de estrutura de ajuda

humanitária e sanitária e de contenção da criminalidade que se seguiu ao terremoto. Em

seguida, noticia-se o envio e 20 mil soldados dos Estados Unidos da América – EUA – para

atuar no trabalho humanitário, destacando o seguinte juízo de que “Só o poderio militar

americano para desatar o nó logístico e abri caminho para ajuda humanitário no Haiti”,

finalizando o argumento com: “Houve atrasos inexplicáveis e outras complicações

desesperadora, mas, se alguém estiver no meio de um desastre épico e puder escolher

quem irá ajudar, vai preferir Barack Obama ou Hugo Chávez”? (VEJA, 2012b:79).

A edição de número 2149 segue com uma terceira reportagem intitulada “O País que Nunca

foi” enfatizando a histórica ausência de instituições capazes de manter uma estrutura social

básica para o país e como a Força de Paz da ONU – sem mencionar a liderança do Brasil

em sua condução – foi responsável por uma precária manutenção de uma estrutura básica

de reconstrução do Haiti a partir de 2004. A edição de número 2150, por sua vez, limita-se a

enfatizar a incapacidade das organizações internacionais de ajuda humanitária, em especial

o Programa Mundial de Alimentação, em fornecer a ajuda necessária para minimizar a

“tragédia humana”. Como se vê, o debate que se segue prioriza um discurso de

Page 16: Viviane Mozine Rodrigues

minimização de um ambiente multilateral de reconstrução de Estados Falidos, em

detrimento de um protagonismo hegemônico dos EUA. Pode-se inferir, com isso, que as

questões internacionais ligadas a desastres ambientais estão vinculadas, ainda, dada a

cobertura de Veja, às questões tradicionais de geopolítica e são minimamente abordadas

como um aspecto de responsabilidade e cooperação global ou regional, o que limita o

âmbito de ampliação desse debate no espaço público brasileiro.

Dando sequência à análise, a primeira referência direta encontrada na Revista Veja sobre a

questão do deslocamento forçado de pessoas refere-se a um caso específico de tráfico

internacional de crianças para adoção. Sob o argumento de que “A prisão de seus captores

Americanos pouco significa para o bem-estar das 33 crianças que seriam ofertadas

ilegalmente para adoção” o veículo de comunicação emprega um discurso finalístico e de

crítica a atuação de um “grupo missionário” que pretendia levar as crianças para uma

espécie de “abrigo infantil” no país vizinho, a República Dominicana (TEIXEIRA, 2012:60).

O restante da cobertura de Veja em suas edições semanais limita-se a uma referência à

volta do ex-ditador Jean-Claude Duvalier, conhecido como Baby Doc, à cena política do país

para tentar desestabilizar o governo do novo presidente eleito no em fins de 2010 (PIOR...

2012). A cobertura desse veículo de comunicação se restringiria a isso, não fosse a

possibilidade de pesquisa no “portal” online que, ressalte-se, não compõe a edição escrita

da revista, mas que mencionou, em duas reportagens de janeiro de 2012, a questão dos

imigrantes ilegais na Amazônia. Dessa maneira, permite-se um pequeno desvio

metodológico com a finalidade de entender como a questão é colocada nesse sistema

editorial.

Nessa perspectiva, as notícias veiculadas pelo portal de Veja informam a criação de uma

política restritiva à entrada e pessoas especialmente para os Haitianos, que passarão a ter

um tratamento diferenciado na concessão de sua entrada em território brasileiro

(MARQUES, 2012; HAITI... 2012). Do discurso empregado em ambas as reportagens,

depreende-se o emprego da terminologia “imigração ilegal” para referir-se a todo o grupo de

haitianos no Brasil, mesmo aos que ingressaram no país como turistas e pleitearam a

alteração de visto. O foco está na questão da restrição de entrada desses estrangeiros e no

recrudescimento das fronteiras dos estados do Acre e do Amazonas, bem como um

aprofundamento da política regional de controle da Amazônia.

8.2 REVISTA ISTO É

Page 17: Viviane Mozine Rodrigues

Ao se analisar a cobertura da revista Isto É ao Terremoto do Haiti, percebe-se uma leve

alteração do padrão de informação. Dotada de uma postura mais voltada para o debate

político, este veículo de informação utiliza um discurso mais realista e, em certa medida,

sensato. Sua primeira edição a tratar do assunto foi a de número 2097 de 20 de janeiro de

2010, que trouxe três reportagens sobre o desastre natural. As notícias informam a morte de

Zilda Arns, como um destaque da tragédia brasileira; a tragédia em si, realçando a

dimensão dos estragos, as limitações infraestruturais e o perigo humanitário. Seu enfoque,

mais centrado, resume-se a:

No país sem infraestrutura, os já precários sistemas de energia, de comunicação e de abastecimento de água entraram em colapso. Como o Haiti não tem Defesa Civil, os esforços iniciais de resgate foram feitos por funcionários da ONU, militares e cidadãos comuns, a maioria desesperada em busca de familiares desaparecidos. (ISTO É, 2012a).

Por fim, apresentam um relato de um jornalista que esteve no Haiti anos antes do terremoto

sob a observação/manchete “Nenhuma Ajuda humanitária será suficiente”, enfatizando a

precariedade das instituições do país e a dificuldade das organizações multilaterais e,

mesmo, de outros países em atuar na região.

Nesse contexto, a edição seguinte de Isto É, com número 2098, traz em seu editorial e em

uma reportagem as informações referentes à rápida ocupação do Haiti pelos EUA. Em um

tom crítico à ocupação, a direção editorial da revista expões que:

Os mesmos que estabeleceram um embargo comercial capaz de estrangular a economia local. Os mesmos que por décadas patrocinaram ditaduras haitianas acusadas de cometer toda sorte de desmandos, massacres, crimes que, tanto como o terremoto, ajudaram a destruir o Haiti. Para um povo privado do sentimento de cidadania, da sensação de nação, da percepção de existência de um Estado operando serviços públicos essenciais, qualquer ajuda é bemvinda. Mas o esforço multilateral deveria se concentrar no pronto restabelecimento de sua dignidade. (ISTO É, 2012b).

Nessa esteira, a reportagem contida na mesma edição e intitulada “Reconstrução ou Caos”

reforça o ativismo do governo brasileiro no processo de pacificação do Haiti e a necessidade

de que o protagonismo na reconstrução do país se dê pelas agências multilaterais. Assim,

em uma clara referência às questões do ativismo global na reparação de áreas de desastres

naturais, esse veículo midiático opta, também pela adoção de discurso de autoridades

políticas e acadêmicas, em forma e reportagem, para poder fundamentar a argumentação

do discurso que é apresentado à opinião pública. Discurso esse, que faz clara referência

positiva ao protagonismo brasileiro na região.

Page 18: Viviane Mozine Rodrigues

Merecem destaque ainda, observados os parâmetros metodológicos traçados, duas

reportagens veiculadas em março de 2010 e janeiro de 2011, respectivamente sobre a

utilização de “forças armadas privadas” e sobre o retorno do ex-ditador “Baby Doc” ao Haiti.

A primeira notícia, veiculada na edição de número 2104 de Isto É sob o título de

“Mercenários do século XXI” alerta para a problemática, do ponto de vista da segurança

internacional e da reconstrução de Estados Falidos, da utilização de exércitos privados,

fornecidos por empresas, para patrulhamento e segurança de população civil e as questões

de ordem político-militar que isso pode causar (ISTO É, 2012c). Já edição de número 2150,

de janeiro de 2011, assim como ocorre com a revista Veja, apresenta preocupação pela

volta do ex-ditador Jean-Claude Duvalier ao país e sua tentativa de invalidar o processo

eleitoral recente. Neste caso, contudo, o enfoque do meio de comunicação foi em mostrar

como essa situação é vista pela coordenação do Processo de Paz e reconstrução do Haiti,

liderado pelo Brasil e sob os auspícios da ONU (ISTO É, 2012d).

Por fim, a cobertura de Isto É à questão haitiana se dá com duas reportagens de janeiro de

2012, contidas nas edições de número 2200 e 2201. No primeiro caso, tem-se uma pequena

nota chamando atenção sobre o caso dos imigrantes haitianos no Acre:

Urgente ajuda humanitária faz-se necessária à pequena cidade de Brasileia, no Acre: nela já estão vivendo em condições precárias cerca de 1.200 refugiados haitianos, 550 desembarcados nas duas últimas semanas. Eles buscam o recomeço da vida em terras brasileiras, já que tudo perderam em seu país – o Haiti ainda não conseguiu se recuperar do terremoto que fez aproximadamente 200 mil vítimas em 2010. Planos, os refugiados têm muitos: a maioria deles é jovem (menos de 30 anos) e carrega diploma universitário. Depois de passarem por todo tipo de violência na Bolívia e no Peru, agora enfrentam a falta de dinheiro e de documentos. O governo do Acre vem oferecendo abrigo e comida, mas os recursos são escassos e a ajuda do governo federal, verdadeiro responsável pelos refugiados, se limitou a poucas toneladas de alimentos. (ISTO É, 2012e. grifo nosso).

Destaca-se, no caso, a reiterada utilização do termo “refugiados” para tratar da questão

desses imigrantes, algo que, dada a dimensão do problema devido a quantidade de pessoas

e às questões jurídicas mencionadas anteriormente traz ao público de massa uma

informação que carece de coesão com a realidade. O mesmo não corre com a segunda

reportagem, intitulada “Solução Tardia”, que apresenta uma crítica à inação do governo

federal, que resultou no fechamento emergencial da fronteira norte-amazônica e transferiu

parte do problema humanitário para os estados do Acre e Amazonas, dando enfoque à

questão da imigração de um modo geral à legalização dos haitianos no Brasil como parte de

uma política migratória incipiente (ISTO É, 2012f).

Page 19: Viviane Mozine Rodrigues

Nessa perspectiva, como se vê, o discurso impresso pela revista Isto É buscou apresentar

um maior apego à questão política haitiana, relacionando-a as questões multilaterais e ao

ativismo de países como os EUA e o Brasil que têm papeis importantes nos processos

internacionais relacionados ao Haiti. Aquele, pelo histórico de conflito com o país caribenho

e este pelo ativismo iniciado com a Missão de Paz das Nações Unidas e culminado com a

problemática migratória. De uma forma geral, é relevante o fato de que este veículo de

informação ter buscado, em grande parte de suas notícias, apresentar pontos de vistas

acadêmicos e técnicos com forma de legitimação do discurso apresentado em cada

reportagem.

8.3 REVISTA ÉPOCA

Ao analisar a cobertura de Época ao terremoto no Haiti é possível perceber a manutenção e

um padrão na veiculação de determinados fatos que se repete em outros veículos de mídia

impressa estudados. Em primeiro lugar, há a informação da tragédia humanitária, com maior

ou menor enfoque sobre a atuação do Brasil como país líder da Força de Paz. Em

sequência, aparece a intervenção dos EUA na gestão da reconstrução, como força paralela

à missão da ONU. Um terceiro ponto de destaque é a questão das eleições de 2011 no Haiti

e, por fim, uma abordagem da questão da imigração haitiana na Amazônia.

Nesse sentido, até o momento, os veículos de difusão de mídia impressa de massa

apresentaram enfoques díspares com relação à exposição da informação, dos pontos de

legitimação do discurso e do aspecto simbólico de busca do reconhecimento do leitor

(BOURDIEU, 2007). Dessa maneira, a análise da cobertura da Revista Época tem, neste

ensaio, uma função de pendão metodológico que permite balizar o direcionamento do

discurso apresentado à opinião pública brasileira sobre a questão haitiana. Não se busca,

com isso, inferir que o posicionamento desse meio de informação seja intermediário aos já

apresentados, mas apenas sustentar em que medida ele reforça determinados

posicionamentos encontrados ora em Veja, ora em Isto É.

Nesse contexto, tem-se que o início da cobertura de Época ao terremoto ocorre na edição

de número 609 de 15 de janeiro de 2010, com a apresentação de um dossiê de três

reportagens sobre a catástrofe. As duas primeiras reportagens, intituladas “Um país inteiro

para reconstruir” e “Como ocorreu o terremoto” têm como foco a questão da necessidade de

ajuda humanitária e como isso foi internacionalmente percebido. É paradigmático o treco da

segunda reportagem que diz que:

Page 20: Viviane Mozine Rodrigues

Ainda que as ofertas sejam rápidas, o Haiti demanda muito mais. Numa emergência assim, a miséria haitiana multiplica a catástrofe. O país não tem hospitais suficientes (e alguns ainda foram demolidos pelos tremores), não tem máquinas para ajudar no resgate, não tem gente treinada. O envio de ajuda é prejudicado pela destruição dos portos e das estradas que levam à capital. Mais de dois dias após o tremor principal, grupos de haitianos tentavam ajudar vizinhos, familiares e desconhecidos cavucando nos escombros das casas. Sem ferramentas, sem água nem remédios, conseguiram salvar algumas pessoas. Mas não muitas. É pouco provável que, quando as equipes profissionais estiverem prontas para atuar, ainda haja muitos sobreviventes debaixo das pedras e vigas das casas destruídas. (ÉPOCA, 2012a)

Este relato é seguido e reforçado pela reportagem “Um catálogo de desgraças” que

apresenta uma perspectiva histórica dos diversos eventos políticos, sociais e naturais –

golpes militares, enchentes, devastação do solo agricultável – que culminaram em uma

maior precarização do Estado haitiano e na ineficiência de suas instituições em lidar com

qualquer problema de grandes dimensões como o Terremoto de 2010.

A edição seguinte, de número 610, apresenta um foco em dois pontos distintos. O primeiro,

representado no título da reportagem “Como adotar um país” refere-se à problemática da

adoção de crianças e à ampliação desse fluxo em países como Estados Unidos, França e

Holanda e menciona, sem maiores aprofundamentos, a questão da existência de

“refugiados”. O outro refere-se ao questionamento da participação brasileira no processo de

pacificação do Haiti e em como isso foi colocado em oposição à rápida intervenção dos EUA

após o terremoto. Assim enfatizou-se:

A ambição do Brasil de mostrar protagonismo no Haiti foi exibida também na reação do governo Lula à entrada de 7 mil soldados americanos no país depois do terremoto. A intervenção americana, autorizada pelo presidente do Haiti, René Préval, foi motivo de uma tensão política entre os EUA e o Brasil. Os ministros Celso Amorim e Nelson Jobim (Defesa) fizeram reclamações públicas contra a “ocupação americana”. O principal motivo de divergência foi a tomada do controle de tráfego aéreo do Haiti pelos militares americanos. As regras para pouso e decolagem de aviões impostas pelos EUA, após a catástrofe, irritaram as autoridades brasileiras, assim como grupos de ajuda humanitária (ÉPOCA, 2012b).

Em seguida, pode-se destacar um grupo de quatro reportagens distribuídas entre 2010 e

2011 – nas edições 639 (ÉPOCA, 2012c); 653 (ÉPOCA, 2012d); 662 (ÉPOCA, 2012e); 379

(ÉPOCA, 2012f) – que vão dar conta de uma questão mas extensa sobre o processo

eleitoral, iniciado com o anúncio da candidatura de um rapper haitiano radicado nos Estados

Unidos à presidência do país; passando para um enfoque sobre a realização das

campanhas eleitorais que, movidas para chamar a atenção dos emigrados do país,

responsáveis pelo envio de divisas internacionais, foram realizadas mais no exterior do que

em próprio território haitiano. Cabe destaque, também, a associação desse processo

Page 21: Viviane Mozine Rodrigues

eleitoral com o enfraquecimento da confiança nas forças de paz internacionais, movidas

pelo acirramento de uma epidemia de cólera, culminando com a notícia, recorrente nos meio

de comunicação, de retorno do ditador “Baby Doc” ao país como fator de desestabilização

do novo presidente.

Em sequência, a última das edições mencionadas apresenta um relato biográfico do

presidente eleito, caracterizando-o como um político anti-sistema e dotado de um carisma

capaz de assegurar alguma unidade nacional. Como se vê, o retrato do processo eleitoral,

nesse veículo de informação, é apresentado de uma forma mais ampla, relacionando os

pormenores geopolíticos ao fatores internos e externos capazes de afetar as tentativas de

reestabilização do país (ÉPOCA, 2012f).

Por fim, há que se mencionar uma segunda série de três reportagens que dão conta da

problemática dos migrantes haitianos no Brasil. Nesse ponto, merece destaque a

reportagem veiculada da edição 664 de fevereiro de 2011 – aproximadamente um ano antes

de ela realmente se colocar como questão humanitária na Amazônia – intitulada “O que

fazer com os imigrantes haitianos?” que aponta toda a problemática discutida anteriormente

sobre a impossibilidade de se conceder o status de refugiados aos imigrantes haitianos e

enfocando a situação da carência de uma política brasileira para tratar um fluxo migratório

inesperado em uma região de difícil acesso, carência de equipamentos públicos e que pode

representar perigo tanto para a população local como para a imigrada devido a falta de

infraestrutura (ÉPOCA, 2012g).

Essa questão é retomada pela revista em reportagem de dois de janeiro de 2012 (ÉPOCA,

2012h), que resgata a situação demonstrada anteriormente e destaca sua ampliação com a

entrada de novos imigrantes haitianos no Brasil. Por fim, em artigo veiculado em 30 de

janeiro e 2012 (ÉPOCA, 2012i), Época apresenta a solução tomada pelo governo federal

brasileiro, no sentido de prestar ajuda humanitária às cidades que receberam imigrantes

haitianos e na questão da regularização da permanência das famílias haitianas no Brasil.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este ensaio é um primeiro contributo para entender como a opinião pública relativa aos

haitianos na Amazônia se formou. O enfoque dado pelas três revistas à descrição da

tragédia haitiana, apesar de poder ser conotado de sensionalismo, é um fator importante

Page 22: Viviane Mozine Rodrigues

para a percepção da gravidade do problema pela sociedade Brasileira e para a urgência de

uma solução.

Em um contexto de questões humanitárias ambientais globais, o processo de formação do

posicionamento do Governo Brasileiro em relação à concessão de permanência –

temporária ou permanente – aos imigrantes haitianos pode assim ser melhor enquadrado

através dos mídia que se veicula a discussão pública sobre o tema dos haitianos no Brasil.

Este ensaio contribui assim para o emergente debate sobre acolhimento de deslocados

ambientais, levantando-se questões referentes às visões induzidas no imaginário social

sobre essa problemática. Contribuiu, por isso, no âmbito da geopolítica popular, para o

entendimento de como as questões das migrações, cada vez mais relevantes no Brasil (à

medida que o país atrai cada vez mais imigrantes e que catástrofes ambientais se tornam

mais frequentes e por isso aumentando a possibilidade de entrada de outros fluxos

migratórios), são representadas pelas mídias, o que em última análise permite perceber um

pouco da cultura geopolítica do país e de como o pais de posiciona no mundo num contexto

de fluxos migratórios crescentes por motivos pelo meio ambiente.

Assim, como se vê, o debate não só é pautado, como é exposto ao público de massa sob

um ponto de vista que privilegia aspectos da geopolítica e enfoca as responsabilidades e

conflitos que emergem ao se definir os moldes da ajuda humanitária. Importante destacar

que essa ajuda, em muitos casos, é vista como mero apoio em termos de segurança e

nutrição, no local do desastre ambiental, às vítimas, negligenciando, em grande parte, os

aspectos relacionados ao movimento migratório, forçado ou voluntário, e como isso se

insere no processo de garantia dos direitos humanos. Isso fica patente no fato de haver

grande confusão em se denominar, em um primeiro momento, esses migrantes como

“refugiados”, dando a possível impressão de que sua situação jurídica internacional esteja

garantida quando, na verdade, se oculta um problema de caráter multilateral que a

sociedade internacional tem que enfrentar nos próximos anos.

O enfoque dado à importância do Brasil no Haiti acaba por deixar pouco detalhe e

profundidade à analise das condições que levaram haitianos a migrar. Deixa também muito

pouco debate sobre a nova condição do Brasil como pais recebedor de migrantes e dos

problemas de efetividade e controle das fronteiras brasileiras. Restam ainda dúvidas de

como o discurso securitário brasileiro se articula (os três mídia, neste aspeto, evidenciam

nuances entre a utilização dos termos “refugiado” e “imigrante ilegal”) e como se apresenta

face ao discursos de segurança ambiental mais restritivos veiculados por alguns países do

‘Norte’.

Page 23: Viviane Mozine Rodrigues

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