Vizinhos Preparados para o Pior

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Vizinhos Preparados para o Pior Por: Alan Feuer The New York Times: 26/01/ 2013 Tradução: Rodrigo Belinaso Guimarães O canal AMC utilizou a iconografia “Prepper” para divulgar a nova série Algumas semanas atrás, em uma tarde calma de domingo, 40 pessoas se reuniram em uma igreja de Washington Heights para uma sessão de apresentações promovida pela New York City Preppers Network (Rede de Preparação da Cidade de Nova Iorque). Um a um, todos ficaram em pé na frente da sala e exibiram suas bug- out bags (mochilas de fuga) meticulosamente preparadas, com os recipientes preenchidos com equipamentos para serem usados durante o colapso da civilização. Sobre uma mesa dobrável, havia uma série surpreendente de produtos guardados para um desastre: bússolas, pilhas, rádios à manivela, lanternas de energia solar, isqueiros e um Kendle (dis- positivo eletrônico para leitura de textos) completamente carregado com mapas rodoviários da região de Nova Iorque. Muitos dos itens apresentados eram bem mais complexos do que os “10 Pilares Básicos dos Apetrechos de Fuga” que Jason Charles, o líder do grupo, tinha me enviado pela internet antes da minha visita. Além disso, boa parte dos equipamentos que eram mostrados preenchiam as necessidades e interesses dos próprios apresentadores: um chaveiro no grupo tinha um conjunto de fechaduras; uma vegetariana tinha lentilhas desidratadas feitas em casa; um homem tinha camisinhas para servirem como cantis de emergência; outro tinha uma ratoeira, para caçar e comer ratos. Charles, um bombeiro de Nova Iorque, depois de apresentar sua própria mochila com cordas de paraquedas, um saco de dormir e suplementos para duas semanas de refeições prontas para comer, disse ao grupo que ele recentemente tinha comprado um cachorro. “Então agora eu tenho que projetar o plano dele, também.” Ele disse um pouco preocupado, fazendo uma pausa e lançando um olhar distante, acrescentou: “isto é estranho, certo?” Nova Iorque dificilmente se parece com um lugar apropriado para o que se tornou conhecido como “Movimento Prepper (Preparados),” porém, de fato, a comunidade de preppers da cidade não é somente grande e extremamente diversificada, mas seus líderes dizem que ela está crescendo rapidamente. Para os que não fazem parte do movimento, a palavra prepper, provavelmente, traz à mente imagens de fanáticos armados e agachados em bunkers esperando o fim dos tempos. Porém a realidade, ao menos aqui em Nova Iorque, é menos dramática. Os preppers locais são doutores, porteiros, executivos de escolas comunitárias, condutores de metrô, publicitários e casais felizes do Bronx. Eles são indubitavelmente pessoas que você conhece ou seus vizinhos. Pessoas que admito, como eu mesmo. Não é fácil ser um Prepper nestes dias. A ideologia tem sido golpeada em programas de TV como “Preparados para o Juízo Final” onde, apesar de seus recordes de audiência em episódios recentes como “Escape de Nova Iorque”, ele é mais ou menos um convite semanal para o público rir de lunáticos rumando para as montanhas para escapar de um ataque nuclear russo. Em dezembro de 2012, uma onda de pânico tomou de assalto o movimento, isso acon-

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Vizinhos Preparados para o Pior

Por: Alan Feuer

The New York Times: 26/01/ 2013

Tradução: Rodrigo Belinaso Guimarães

O canal AMC utilizou a iconografia “Prepper” para

divulgar a nova série

Algumas semanas atrás, em uma

tarde calma de domingo, 40 pessoas se

reuniram em uma igreja de Washington

Heights para uma sessão de apresentações

promovida pela New York City Preppers

Network (Rede de Preparação da Cidade de

Nova Iorque). Um a um, todos ficaram em

pé na frente da sala e exibiram suas bug-

out bags (mochilas de fuga)

meticulosamente preparadas, com os

recipientes preenchidos com equipamentos

para serem usados durante o colapso da

civilização.

Sobre uma mesa dobrável, havia

uma série surpreendente de produtos

guardados para um desastre: bússolas,

pilhas, rádios à manivela, lanternas de

energia solar, isqueiros e um Kendle (dis-

positivo eletrônico para leitura de textos) completamente carregado com mapas rodoviários da

região de Nova Iorque. Muitos dos itens apresentados eram bem mais complexos do que os

“10 Pilares Básicos dos Apetrechos de Fuga” que Jason Charles, o líder do grupo, tinha me

enviado pela internet antes da minha visita. Além disso, boa parte dos equipamentos que eram

mostrados preenchiam as necessidades e interesses dos próprios apresentadores: um chaveiro

no grupo tinha um conjunto de fechaduras; uma vegetariana tinha lentilhas desidratadas feitas

em casa; um homem tinha camisinhas para servirem como cantis de emergência; outro tinha

uma ratoeira, para caçar e comer ratos.

Charles, um bombeiro de Nova Iorque, depois de apresentar sua própria mochila com

cordas de paraquedas, um saco de dormir e suplementos para duas semanas de refeições

prontas para comer, disse ao grupo que ele recentemente tinha comprado um cachorro. “Então

agora eu tenho que projetar o plano dele, também.” Ele disse um pouco preocupado, fazendo

uma pausa e lançando um olhar distante, acrescentou: “isto é estranho, certo?” Nova Iorque

dificilmente se parece com um lugar apropriado para o que se tornou conhecido como

“Movimento Prepper (Preparados),” porém, de fato, a comunidade de preppers da cidade não

é somente grande e extremamente diversificada, mas seus líderes dizem que ela está

crescendo rapidamente.

Para os que não fazem parte do movimento, a palavra prepper, provavelmente, traz à

mente imagens de fanáticos armados e agachados em bunkers esperando o fim dos tempos.

Porém a realidade, ao menos aqui em Nova Iorque, é menos dramática. Os preppers locais

são doutores, porteiros, executivos de escolas comunitárias, condutores de metrô, publicitários

e casais felizes do Bronx. Eles são indubitavelmente pessoas que você conhece ou seus

vizinhos. Pessoas que admito, como eu mesmo.

Não é fácil ser um Prepper nestes dias. A ideologia tem sido golpeada em programas

de TV como “Preparados para o Juízo Final” onde, apesar de seus recordes de audiência em

episódios recentes como “Escape de Nova Iorque”, ele é mais ou menos um convite semanal

para o público rir de lunáticos rumando para as montanhas para escapar de um ataque nuclear

russo. Em dezembro de 2012, uma onda de pânico tomou de assalto o movimento, isso acon-

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teceu quando foi revelado que a mãe de

Adam Lanza, o atirador por trás dos

assassinatos de Newtown, Conn, era

uma prepper. Mesmo que a ideologia

prepper esteja crescendo visivelmente

na cultura através de encontros de

grupos organizados, livros, filmes e

acampamentos de fim de semana onde

habilidades básicas de um prepper são

aprendidas, ela continua sendo encarada

como um fenômeno marginal e

inconveniente. Ou seja, algo que está

relacionado em acreditar que o

Bilderberg Group controla todos os

acontecimentos do mundo ou que o

governo está escondendo alienígenas na

Área 51.

Equipamento de sobrevivência de Aton Edwards

Minhas próprias tentativas de preparação começaram em algum momento entre a

queda do Lehman Brothers e o correspondente aumento da flexibilização da economia.

Quando isto aconteceu comigo, como obviamente, aconteceu com muitos, o sistema

financeiro estava espantosamente instável. Assim, no domínio dos acontecimentos possíveis

se incluía agora uma destrutiva redução de valor do nosso dinheiro. Instigado pelas leituras

calorosas de autores que antecipam o fim do mundo como John Mauldin e Charles Hugh

Smith, eu comecei a formar uma imagem do mundo como um sistema de sistemas

insustentáveis. Uma instável máquina de Rude Golberg onde o colapso de qualquer elemento,

como petróleo barato, por exemplo, poderia descarrilar completamente o sistema, desde o

transporte de caminhões até a distribuição de alimentos.

Na esteira desses pensamentos, eu convidei para uma visita uma família amiga de

Ohio. Meu amigo é quase um Prepper e me advertiu para que eu adquirisse uma quantidade

de moedas de prata como uma barreira contra a inflação, o que fiz prontamente. Não muito

tempo depois, entregaram em casa os 100 dólares que comprei em suplementos de comida

seca e congelada, com opções normais e vegetarianas, da costco.com. Além disso, eu comprei

para a minha esposa o livro de John Seymour, o qual considero um clássico na preparação de

um lar: “A vida autossuficiente e como viver nela.” Eu comecei também a conversar com ela

sobre a aquisição de uma arma.

Enquanto amigos próximos, que ao visitarem minha casa podiam ser convidados para

darem uma espiada na minha bagunçada mochila de fuga. Na maior parte das vezes, eu me

mantive quieto, consciente do embaraço que eu me veria envolvido com meus planos de

preparação. Então, foi com uma dose de alívio que eu me encontrei neste mês entre parceiros

preppers, que instintivamente entendiam meu desejo de ter em mãos um pacote de

suplementos de vitaminas ou uma ferramenta LifeStraw. Assim, você encontra preppers em

Nova Iorque que estão se preparando para eventos catastróficos como o aquecimento solar ou

uma erupção da Yellowstone Caldera. Porém, em geral, eles se referem a preocupações mais

imediatas, mais locais, sendo a principal a de ser atacado por terroristas, ou ser pego em meio

a desastres naturais ou colapsos econômicos. “A Terra não irá se colidir com o Planeta X e o

apocalipse Maia nunca irá acontecer,” foi assim que Charles se apresentou para mim durante

o encontro de preppers em Nova Iorque. “Mas eu lhe direi uma coisa,” ele acrescentou, “as

pessoas aqui, sem dúvida, usaram seus preps durante o furação Sandy.”

Não surpreendentemente, a tempestade atraiu inúmeros novos recrutas para seu grupo

e o fenômeno se incorporou a uma lista icônica de momentos de preparação que já incluíam o

muito propagandeado Y2K, 9/11 e o furação Katrina. Eu aprendi que os preppers de Nova

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Aton Edwards, 51, dando aula via Skype sobre preparação para

desastres.

Iorque se preparam por

razões tão variadas quanto

suas ansiedades e

experiências. “Isto foi uma

resposta pragmática para

certas coisas que eu

conheço,” disse Robert

Segal, que além de outros

empregos vende vinhos, mas

que uma vez trabalhou como

técnico em eletricidade em

submarino nuclear. “Como

um engenheiro, eu estudo

como as coisas desabam.” Eu

achei tudo aquilo particular-

mente atrativo. Eu gostei como os preppers eram dados ao debate: spray contra ursos ou

bastões de baseball; purificação de água ou filtro de água. Assim como, gostei como eles

eram versados em áreas exóticas do conhecimento: antibióticos para peixes ou leis sobre o

uso de facas em Nova Iorque. Eu fiquei especialmente enamorado pelo jargão “GOOD – Get

Out Of Dodge” (Caia fora de Dodge) ou “TEOTWAWKI – The End Of The Word As We

Know It (O fim do mundo como nós o conhecemos). E ainda, eu devo confessar, houve

momentos que me deram uma pausa mental.

Durante sua apresentação, Charles sugeriu que preparar bem uma mochila de fuga era

somente uma parte da equação, tão importante era saber aonde ir. “Fugir não será fácil,” ele

explicou, “talvez leve três ou quatro horas para sair da cidade se as pontes estiverem

bloqueadas, talvez você tenha que usar um bote para atravessar o rio. A situação de qualquer

pessoa será bastante variável.” Quando as apresentações terminaram, Charles entregou o

prêmio de melhor mochila de fuga para um garoto prepper, cujo kit incluía uma linha de

pesca, um cortador de cinto de segurança, acendedores de fogo em cubos, muitos tipos de

multi ferramentas e uma máscara de oxigênio. O vencedor chegou com sua mãe e tinha

também zelosamente preparado uma mochila para ela. Eu queria falar com ele, mas quando

me aproximei, ele me perguntou se eu era da imprensa e, cheio de suspeitas, se recusou a dar

seu nome. Eu mais tarde descobri que o garoto tinha 12 anos.

No início desta minha travessia, me disseram que o homem que me daria uma

compreensão mais profunda do movimento prepping em Nova Iorque seria Aton Edwards,

fundador da International Preparedness Network (Rede Internacional de Preparação) e autor

de um guia de sobrevivência de emergência: Preparedness Now! (Preparação agora!).

Edwards, 51, é tido como o principal especialista em preparação pessoal para desastres da

cidade. Ele apareceu no programa de televisão Today, tem exposto sua conferência Ready Up!

para centenas de ouvintes, com parcerias com a Cruz Vermelha e tem assento permanente no

National Urban Self-Releance and Preparedness Program (Programa Nacional de

Autodependência e Preparação em Meio Urbano). Os seus “comandos centrais para

incidentes” cruzam Nova Iorque, como aquele que ele recentemente criou para o pioneiro do

hip-hop Afrika Bambaataa no Brox.

Edwards tem tanto reconhecimento no universo dos preppings que no mês passado

alguém autointitulado Hudson Valley Prepper deixou uma mensagem no Preppergroups.com

alertando que um dia em um futuro não tão distante ele liderará o Norte. “Este cara, Aton

Edwards,” dizia e mensagem, “um homem perigoso que segue as suas próprias leis, está na

verdade liderando um treinamento de preparação na cidade de Nova Iorque e estabeleceu que

seu principal objetivo é sair da cidade. Você acha que alguém poderia parar Aton e seus

seguidores uma vez que eles peguem a estrada por uma semana e fiquem famintos?”

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Encontro de Preppers em Nova Iorque

Quando eu encontrei

Edwards no Brooklyn, eu me

deparei com um homem

gigantesco vestido inteiramente

de preto. Ele estava sentado na

frente de um computador dando

um tutorial pela internet sobre

preparação de mochilas de fuga

para membros do

Envolver.com, uma “comuni-

dade global de culturas

criativas” fundada por Daniel

Penchbeck. Daniel, no ano

passado (2012), foi um

divulgador do fenômeno do

apocalipse Maia. Entre itens expostos numa mesa, como seu machado de sobrevivência com

lâmina de serra e puxador de pregos, fabricado na China, Edwards disse: “Daniel apenas quer

que as pessoas próximas a ele estejam prontas. Mesmo que você seja consciente sobre tudo

que acontece, você ainda precisa estar preparado para o que acontecerá se não houver comida

nem água.” Quando eu o conheci melhor, Edwards contou-me a história do início de seu

interesse em preparação para desastres, que começou, ele disse, em 1972, quando foi assistir

Deliverance (Amargo Pesadelo) no Grand Concourse no Bronx. “Eu pensei que era um filme

sobre acampamento.” Ele entrou no cinema como uma criança relativamente normal de 10

anos de idade, mas saiu como um prepper. “Eu disse para mim mesmo, ‘Gee, você deve

aprender tudo que for possível para evitar aquela situação’.”

Nas duas décadas seguintes, ele adquiriu habilidades em manuais militares e na revista

Soldier of Fortune. Edwards me contou que um dia foi para um curso de defesa civil sediado

na Federal Emergency Management Agency (Agência Federal de Gestão de Emergência) e

recorda ter ficado horrorizado pelo fato do governo ainda contar, na época, com “suplementos

oriundos da guerra fria: salsichas tipo vienense e sacos de 2,5 quilos de açúcar.” Sua desilusão

o levou a fundar em 1989 a I.P.N, que procura treinar cidadãos para estarem prontos em

emergências como ataques cibernéticos e pandemias de gripe. Não é à toa, Edwards disse, que

o movimento prepping primeiramente criou raízes na comunidade negra de Nova Iorque: ele

mesmo é negro e nos anos de 1990 se tornou um convidado frequente do programa de rádio

The Open Line da emissora WBLS. Por volta dessa época, ele começou a das palestras sobre

preparação para desastres na National Action Network (Rede de Ação Nacional), um grupo de

direitos civis fundado pelo pastor Al Sharpton. “Obviamente, disse Edwards, por causa da

nossa história, os povos negros sabem que coisas ruins acontecem.” Hoje em dia, ele

acrescentou, o movimento prepping é “uma estranha mixórdia de todo tipo de pessoas:

negros, brancos, homens, mulheres, todo mundo. Ele se parece com a América.”

Em sua opinião profissional, o próximo passo para o desenvolvimento do prepping

será sua entrada no âmbito do capitalismo empresarial. Isto me fez lembrar de Fabian Illanes e

Roman Zrazhevskiy, dois homens por volta dos 20 anos de idade que conheci nas

apresentações de Preppers em Nova Iorque. Ex-colegas de classe na escola de ensino médio

George H. Hewlett em Long Island, eles são preppers desde quando eram adolescentes e

recentemente criaram o Readytogosurvival.com, um site prepper que vende mochilas de fuga

já preparadas e batizadas com nomes paramilitares como Tactical Traveler ($439,99) e

Convert Defender ($629,99). Eles me disseram que visitaram encontros de Preppers ao redor

de Nova Iorque para “descobrir seus potenciais clientes na região.”

Edwards também entrou no mercado prepper, eu o acompanhei em uma visita em

Westchester para observar uma consultoria que estava realizando, por $120 a hora, para Jeff e

Joana Doster, um casal na faixa dos 50 anos que recentemente se mudaram para Manhattan. O

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casal, ele um executivo de marketing

aposentado e ela a autora do livro

Celebrity Bedroom Retreats, foram pegos

sem um lar durante o furação Sandy

depois de terem vendido num péssimo

momento o apartamento que tinham na

West 57th Street. “Nós nos sentimos

desamparados,” Joana disse na nossa

chegada. “Por conta do que aconteceu,

nós chamamos Aton.”

Depois de examinar a nova

moradia do casal, Edwards emitiu sua

análise: “boa elevação, mas a posição

solar não é muito boa.” Os Dosters

contam com energia elétrica para o

aquecimento da casa e para o

fornecimento de água. Assim, dado o

predomínio de falhas no longo inverno de

sua cidade, Edwards recomendou um colchão de água Aquatank com capacidade de 60 galões

para ser guardado debaixo da cama. Ele sugeriu também ao menos 10 caixas de comida

pronta Nuvona e advertiu o casal para investir em duas bicicletas que geram eletricidade, além

de lâmpadas econômicas (“compre as LEDs”) e uma hélice no telhado para gerar energia

alternativa. “Agora, seu pior cenário é acontecer alguma falha no Indian Point,” ele disse se

referindo ao reator em Buchanan, NY, a 30 minutos de distância. “Vocês estão no centro da

zona de perigo. Vocês terão uma dose grave de partículas radioativas.” Os Dosters pareceram

aterrorizados. “A parte boa?” Edwards tranquilizou o casal: “esta casa é alugada.”

Prepping é uma grande jogada: uma aposta não apenas contra a cidade ou um país

ou um governo, mas contra a ideia completa de civilização sustentável. Por esta razão, isto

perpassa um dos tabus que permanecem em nossa sociedade moderna: o modo como vivemos

não é penas afetado por problemas, ele próprio é uma problemática insolúvel. Dessa forma,

parece importante saber se toda essa negatividade abrangente seria apenas histeria ou se seria

de alguma forma racional. Ou seja, seria preciso avaliar se o grupo de preppers que eu

encontrei eram apenas malucos ou de fato possuiriam alguma razão de ser. Pouco tempo

depois do encontro que participei, me deparei com uma reportagem sobre o Dr. Irwin

Redlener, o diretor do National Center for Disaster Preparedness at Columbia University

(Centro Nacional de Preparação de Desastres da Universidade de Columbia). O governador

Andrew M. Cumo havia recentemente nomeado-o para presidir uma comissão para investigar

o nível de preparo do Estado para outra emergência como o furação Sandy. Assim, eu

marquei uma entrevista, pensando que ele, não mais do que ninguém, poderia me responder

as minhas dúvidas.

Embora ele estivesse com um resfriado quando nós nos encontramos em seu escritório

no Harlem, Dr. Redlener tinha uma presença tranquilizante: com barba, erudito e aberto para a

noção de que as pessoas comuns tem um papel central em preparação de emergência. O

governo, ele disse, reagiu decididamente após o 11/09 ao estabelecer o Department de

Homeland Security (Departamento de Segurança da Pátria). Então, “porque as pessoas

comuns não deveriam reagir? É impossível esquecer que nós vivemos num mundo vulnerável

aos perigos naturais e àqueles produzidos pelo homem,” ele disse. “Dessa forma é legítimo

perguntar: qual o impacto disso tudo nos indivíduos?” A sua resposta estava totalmente

alinhada com a doutrina Prepper. Dr. Redlener disse que era racional, na verdade, até mesmo

recomendado ter um suplemento de água e comida armazenado para três dias, uma lanterna,

um Kit de primeiros socorros, um radio que funcione sem baterias e um plano para reunir

num único lugar os parentes depois de um desastre.

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Ele mencionou o principal mantra Prepper ao se referir sobre o papel do indivíduo em

manter o controle sobre a situação de desastre. “Um cidadão preparado é alguém que sabe

como cuidar de si mesmo,” ele disse, “que tem reservado os itens necessários à sobrevivência,

que tem um plano.” Quando lhe perguntei sobre algumas daquelas pessoas que eu tinha

encontrado ao longo desta reportagem, falei sobre o equipado garoto de 12 anos, Leonardo

Ruiz Jr., que, diminuindo suas suspeitas, tinha fornecido mais tarde seu nome para o

fotógrafo. Ele me devolveu um sorriso contemplativo, “existe uma escala, disse Dr. Redlener,

cujo início está na imobilidade estúpida e no final, a paranoia. O desafio é encontrar o ponto

mediano, aquele onde você entende que coisas ruins podem acontecer, mas isso não pode

consumir sua vida.”

No fim de nossa conversa, ele me surpreendeu. Eu nunca tinha escutado um porta voz

do governo, quase oficial, admitir que as autoridades não responderiam prontamente em uma

situação de extrema emergência. Dr. Redlener disse que “lacunas” existem durante “mega

desastres,” talvez passem horas ou mesmo dias sem haver uma resposta oficial. “O bem-estar

de muitos, das muitas pessoas afetadas dependeria, nestas lacunas, das redes de relações

pessoais, da comunidade ou da preparação individual, ele disse.” Acrescentando

eufemisticamente, “nós seremos todos os primeiros a responder.”