VOCAÇÃO E VOCAÇÕES PESSOAIS

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Colecção A. O. DE BOLSO

1. Acreditar em Deus José I. Gonzaléz Faus / Josep Vives2. Vocação e Vocações Pessoais (2ª ed.) Vasco Pinto de Magalhães, S.J.3. Quando a Caridade se Faz Política Henri Madelin, S.J.4. Jesus e o Teu Corpo (2ª ed.) André Leonard5. Em Busca do Sentido da Vida Maria Paula Serôdio6. Pai Nosso... Um Itinerário Bíblico Irmão John de Taizé7. Síntese da Fé Católica François Varillon8. O Espírito Santo, Fonte de Vida Nova Irmão John de Taizé9. Nazaré, Ícone da Trindade Dário Pedroso, S.J.10. Espiritismo, uma Fraude Heitor Morais, S.J.

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Vasco Pinto de Magalhães, S. J.

Editorial A. O. – Braga

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Paginação: Editorial A. O. – Braga

Impressão e Acabamentos: Gráfica Vicentina Braga

Pode imprimir-se: Amadeu Pinto, S.J. Provincial

Imprima-se: † Jorge Ferreira da Costa Ortiga Arcebispo Primaz

Depósito Legal nº 50099/92

ISBN 972-39-0274-5

2ª ed. Julho de 2005

©S E C R E T A R I A D O N A C I O N A LDO APOSTOLADO DA ORAÇÃOL. das Teresinhas, 5 – 4714-504 BRAGATel.: 253 201 220 * Fax: 253 201 [email protected]; www.jesuitas.pt/AO/AO.html

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PREFÁCIO

Estas páginas poderão dar uma ajuda àqueles – jovens e adultos – que se interroguem sobre a sua vocação pessoal, o sentido da sua história, a qualida-de das suas relações, o seu papel neste mundo face ao futuro? «Deus queira». Nestes anos (16) dedicados à Pastoral Uni-versitária são muitos os rapazes e raparigas que acompanhei em direcção espiritual mais ou menos prolongada, em Exercícios Espirituais de 3 a 7 dias, em grupos de vida cristã. A eles/elas agradeço a con-fiança, a partilha e o que (sem o saberem?) Deus me ensinou através deles. É a experiência retomada na avaliação de vida frequente, que vai ensinando. Que isto possa tirar os medos àqueles que por «tantas razões» se demitem de acompanhar os jovens neste processo. Ninguém está «preparado», ninguém sabe tudo e tem os dons todos do discernimento... Mas todos podemos ir sabendo e facilitando o realismo e a objectividade do encontro com Deus. Faz agora uma dúzia de anos, foi-me dado o encargo da promoção vocacional dos Jesuítas em

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Portugal. Na verdade, o susto e os preconceitos do costume não tiveram muito peso porque sempre foi trabalho de equipa. Além disso, desde a primei-ra hora de trabalho no Centro Universitário em Coimbra que era ponto assente para toda a equipa que «toda a pastoral é pastoral vocacional!» Nem há outra... Que é a pastoral se não conduzir ao en-contro pessoal / interpessoal com o Senhor, ao «ver» e assumir o próprio lugar na Igreja e na sua missão para o mundo? É-me muito incómodo ouvir falar de pastoral vocacional como técnica ou como coisa à parte... Às vezes ainda é mais incómodo, porque sabe a descul-pa, a invocar a famosa «crise de vocações». Há pelo menos uma crise que é a nossa dificuldade de mudar de mentalidade, continuando a pautar e a comparar com modelos e números antigos. Queremos «tapar buracos» das nossas instituições ou ajudar a dar res-postas pessoais aos apelos de Deus que não deixou de chamar? Alegro-me muito por quantos, nestes últimos 13 anos, entraram no nosso noviciado (uma média de 4 por ano). Peço por eles, pois o processo de amadu-recimento e explicitação continua. E ofereço-lhes este livrinho. Alegrei-me também por aqueles rapazes e raparigas que optaram por outros carismas de con-sagração. Mas todos não chegam a 1/4 de quantos se questionaram a fundo, entraram em discernimento

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e foram encontrando cristamente o seu lugar – a sua vocação cristã. A linguagem dos números é a menos linear! Em várias ocasiões fui chamado a colaborar no aprofundamento da problemática vocacional, hoje, e do seu discernimento: grupos universitários, retiros, cursos... Os textos que se seguem coleccionam esses apontamentos. E acrescentei-lhes uma série de meditações breves escritas para a revista Mensageiro.

Vasco Magalhães, S. J.27 Setembro 1992

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I

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– Histórias de amizade e libertação

– Caminhos reveladores

– Opções construtivas

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Esquema da I Parte

1. Vocação e vocações a) Vocação: um tema e muitas questões a esclare-

cer. b) Vocações: muitos casos e um traço comum... O que a Bíblia nos mostra.

2. O que não é vocação: a) não é sentimento; b) não é profissão; c) não é só para alguns; d) não é predestinação.

3. O que é então «ser chamado»? Níveis e passos do chamamento: 3. 1. Chamados à vida humana: a ser «homens»: a) 1º passo: chamados à vida b) 2º passo: chamados a ser pessoas; c) 3º passo: chamados ao crescimento: à perfei-

ção; d) 4º passo: chamados à comunhão e ao servi-

ço.

3.2. Chamados à dimensão religiosa da vida: «um corpo – e – uma missão».

3.3. Chamados à vida cristã: a ser cristão: pessoas em Cristo, no Espírito.

A «vocação baptismal».

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3.4. Chamados a ser cristãos de modo próprio, segun-do o Espírito, na Igreja.

As «vocações específicas».

4. Vocações: revelações das dimensões de Cristo: a) ...ao sacramento do matrimónio; b) ...ao sacramento da ordem; c) ...à vida consagrada (e as suas variadas formas); d) ...à vida laical (e os leigos consagrados); e) Esquema-Resumo (quadro).

5. Vocação é... (tentativa de clarificação e descrição): a) Vocação e profissão; b) Discernimento vocacional; c) Proposta e resposta; d) Tentativa de definição:

1 – aspiração de um bem 2 – o que no fundo quero 3 – manifestação do Espírito

e) Motivação e ideal; f) Vocação e vontade de Deus; g) Vocação: Aliança e Diálogo.

6. A modo de conclusão: Vocação, Mistério de Amor: uma história de amizade

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1Vocação e Vocações

a) Vocação: um tema e muitas questões a esclarecer

Vocação! Antes de mais, qual é o significado de tal pa-lavra? «Vocação» tem a ver com a palavra «voz», que vem do verbo latino «vocare», isto é, «chamar». Significa, pois, apelo, chamamento. A própria palavra já sugere algo ou alguém que nos convoca e nos provoca. Desafio e interpelação e, portan-to, opção, resposta e caminho: eis o nosso tema. Parece fácil. Mas, se nos colocamos em contexto religioso, surgem logo imensas questões como, por exemplo: 1) Existe a tal «vozinha interior» que diz a cada um quem é e o que deve fazer? 2) Habitualmente fala-se de ter (e não ter) vocação: afinal é uma coisa que se tem? É da ordem do ter ou do ser? 3) E isso significa predestinação? Ou antes, uma opção?... Surgem ainda questões de outro gênero: 4) Qual é a relação entre vocação e profissão? 5) E entre vocação e vontade de Deus? 6) E como é que eu a conheço? 7) Quantas vo-

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cações há? É um problema só de alguns, ou de todos?

Eis apenas uma amostra dos problemas que se levantam!

b) Vocações: muitos casos e um traço comum; o que a Bíblia nos mostra

Comecemos então a «desembrulhar», passo a passo, esta realidade que tantas vezes nos parece mítica ou mágica. A Bíblia, desde o Antigo ao Novo Testamen-to, está cheia de narrações a que chamamos expe-riências de vocação. Deixando de lado a Criação como chamamento da humanidade à vida, pelo que de figurativo a narração de Adão e Eva en-cerram, comecemos, logo, pelo primeiro dos grandes Patriarcas, Abraão. O texto conta-nos que Deus «disse» e ele «ouviu» (a tal voz a dizer--lhe): «deixa a tua terra... e vai. Farei de ti... uma grande nação». Encontramos um primeiro traço comum a todas as vocações: deixar qualquer coisa e partir. E logo aqui, sabemos que isto deixa em muitas pessoas uma sensação negativa. Talvez porque insistimos demais no «deixar», esquecendo o que se «adquire». Ora nenhuma medalha tem um só lado.

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Outros exemplos, encontramo-los nas his-tórias de vocação dos profetas e de quantos são «chamados» para certas «missões», enviados a de-sempenhar certas acções. Mas que estas palavras de «chamar» e «conferir missão» não se tornem fantasmas: o Antigo e o Novo Testamento estão recheados destas expressões. Importa entender que, antes de mais, é um povo inteiro que é cha-mado e tem uma missão e recebe uma promessa, estabelecendo-se assim uma Aliança de Deus com o seu Povo. Este termo também é muito importante para a compreensão do que é o Cha-mamento. Nos textos bíblicos encontram-se sempre três elementos-base: «deixar» uma situação, «assumir» uma missão, «viver» uma aliança. E para entender a vocação bíblica é preciso entrar na temática da Aliança como relação interpessoal, numa estrutu-ra de diálogo. Se abrirmos o Novo Testamento, encontra-mos com facilidade Jesus a dizer a um, Mateus, «Vem e segue-Me», a dizer a outros, João e Tiago, «Vinde e vede», a Filipe e a Natanael... a Pedro: «Deixa as redes e segue-Me». Dirige-Se sempre a pessoas concretas, com nome próprio, que são «escolhidas». E pode ser, precisamente, esse aspecto que mais preocupe alguém e faça surgir noutros dúvidas e defesas, sobretudo quando esse

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acontecimento é apresentado como se fosse algo mecânico, automático, com exigências impostas e predestinadas, sem o tal diálogo (Aliança) de amor. Aliás este tema, até por ser dinâmico e his-tórico, tem de ser tratado juntamente com o do Discernimento. Para avançar – e por agora – basta lembrar o ambiente de liberdade em que Jesus Se move, começando muitas vezes por: «Se queres...» Devemos pois prosseguir passo a passo para não confundir realidades com preconceitos e apa-rências.

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2O que não é a Vocação

a) Não é um sentimento

Uma coisa deve ficar clara desde já: é que ser chamado, certamente, não é a tal «vozinha» en-tendida como um toque mágico... Não se trata de um «sentimento», ou melhor, não se reduz a um sentimento. Muitas vezes ouve-se dizer: «Mas eu não sinto nada...». Ora há imensas coisas que eu não sinto ao nível do sensível, mas daí não posso concluir nada! Por exemplo, quantas vezes não sin-to nada de especial pelo meu trabalho e sei o que devo fazer?... Não se trata de sentir ou não sentir: essa é a primeira conclusão. Embora o sentimento acom-panhe toda a experiência humana, esta não se re-duz a ele, nem a determina necessariamente. Ali-ás, usamos o termo «sentir» em variados planos. Assim, uma coisa é o plano do sensível, outra é o plano do espiritual; e para ambos às vezes usamos o «sentir». Damo-nos conta, por exemplo, desses casos em que «pode-me apetecer e, no fundo, não querer». E vice-versa.

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Podemos falar de sentimentos de «superfície», respostas a estímulos que são ambíguos e de senti-mentos de fundo que revelam orientações do ser.

b) Não é profissão

Em segundo lugar, vocação também não se deve confundir com profissão. A profissão pode coincidir, bem como o sentimento, mas não se confundem com o chamamento vocacional. A tendência para exercer uma dada profissão ou o «jeito» pode ser «sentido» como um apelo. Mas, Vocação, como orientação da vida toda, é diferente da aptidão natural ou tendência, embo-ra a possa incluir. Vê-se bem como é diferente um processo para encontrar e explicitar uma opção de vida global, e um, muitas vezes mal-chama-do, «discernimento» das carreiras profissionais. A vocação a outro nível pode incluir múltiplas profissões e variadas aptidões.

c) Não é só para alguns

A terceira coisa que a vocação não é: uma questão que só interessa a alguns especiais. Não. Diz respeito a todos sem excepção. Veremos en-tão o que poderá significar falar de «escolhidos». Mas este é um primeiro princípio: Ninguém pode

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dizer que não tem vocação, pois seria o mesmo que dizer: «não sou gente, não vivo...» É que a vocação tem a ver com a dimensão dinâmica do ser que especifica e identifica cada um. Ora cada Homem tem uma orientação, uma dinâmica pró-pria, a assumir e a formular, ainda que de diversos modos. Importa ultrapassar o modo de pensar que considera a vocação como uma espécie de toque mágico que alguns tiveram a sorte de ter ou não... Esse é o caminho dos enganos.

d) Não é predestinação

Só uma antropologia sem liberdade (por mí-nima que seja) e uma teologia de um Deus-pre-potente, se poderia inclinar a uma visão onde já está tudo «escrito» e determinado. Esta é a quarta coisa que a vocação não é: uma «obrigação au-tomática» das peças da engrenagem. É claro que é preciso reflectir sobre essa expressão comum: Deus «já» sabe tudo, uma vez que estamos a falar temporalmente de Quem «está fora» do tempo.

O que não é a Vocação

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3Então o que é «ser chamado»?

Níveis e passos do chamamento

Vamos tentar essa caminhada positiva partin-do do mais vasto e genérico para o mais específico e individual, considerando os seguintes níveis: Chamados a ser Homens, Homens de Fé, Ho-mens de Fé cristã, Homens de Fé cristã segundo o Espírito.

3. 1. «Chamados», à vida humana: a ser Homens

Neste primeiro nível, consideremos vários passos:

a) 1º passo: Chamados à vida...

A verdade é esta: todos nós, continuamente, dizemos e temos a consciência de ter sido chama-dos a viver. Mais, fomos e estamos a sê-lo agora. Estamos continuamente a receber o desafio de vi-ver: a recebê-lo por dentro e a recebê-lo por fora. Isto é: somos todos vocacionados, quanto mais não seja, a viver!

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Desafiados a viver! Quem se quisesse abster dessa vocação fundamental (que todos percebem que não é só um sentimento), demitia-se de ser ele próprio, de ser gente... Seria dizer, estando a viver, que não tenho vocação para viver. Tal contradição só se poderia entender como perturbação. E avançando mais, o apelo à vida tem uma dupla dimensão: não é só para uma vida biológi-ca, mas para ser pessoa, isto é, para uma maneira própria de ser. Concluimos, pois, que se trata de uma questão de ser ou não ser. E a vocação como maneira de ser não poderia ser «algo que se tem», para além do próprio «eu».

b) 2º passo: Chamados a ser pessoa...

As situações e as coisas continuamente nos interpelam e desafiam: põem-nos perante a ur-gência de ter que afirmar, escolher e decidir. Ex-perimentamos, por dentro, o desafio a ser pessoa, a tornarmo-nos cada dia mais Pessoa. S. Paulo coloca as coisas nestes termos: «So-mos chamados à liberdade» (Gal 4). Não só nos apercebemos que a coerência connosco próprios é a de nos tornarmos livres, como nos apercebemos que deixar-se ficar dependente e infantil corres-ponde à própria frustração.

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c) 3º passo: Chamados ao crescimento, à perfei-ção...

Quando Paulo nos lembra esse apelo à liber-dade e à libertação, mesmo que nos verbos usados parecesse algo já feito, ele está a dar-nos conta desse apelo e desafio contínuos: é neste momento que cada um está a ser vocacionado a avançar na vida que não nasce feita, isto é, a crescer e me-lhorar. Em verdadeiro espírito cristão, diríamos que estamos a ser chamados a administrar o nosso potencial de liberdade, a levar o crescimento ao seu fim, à perfeição... à santidade. Santidade será, pois, entendida como o levar às últimas conse-quências a dinâmica própria daquilo que se é.

d) 4º passo: Chamados à comunhão e ao serviço

A consciência que cada um tem das suas po-tencialidades a desenvolver levar-nos-ia a ensaiar uma definição: a vocação é a experiência do dina-mismo interior que conduz cada Homem para o seu fim. O detectar desse dinamismo é o primeiro ponto. O segundo é assumi-lo. Mas ficar por aqui não basta, pois o Homem só é Homem com os Homens e na medida em que (activa ou passiva-mente) exerce uma função construtiva. Diremos, então, que viver o tal dinamismo em forma de

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Comunhão e de serviço constitui a real expressão da Vocação Humana. De facto, cada um de nós é «imensas coisas», potencialidades, de que nem sempre tem consci-ência. Mas tudo se pode esclarecer aos poucos: a criança que não tem consciência de ser chamada à vida, já faz por isso e não mostra desejo de morte... Só mais tarde descobre estar «destinada» (não no sentido fatalista) a ser pessoa. Finalmente descobre que só se vai tornando pessoa entrando num processo de liberdade, pelo qual se vai iden-tificando, isto é, tornando independente do resto como sujeito autónomo e único. E, simultanea-mente, encontrará que essa trajectória de liberda-de só resulta enquanto cada um se torna também libertador. Vale a pena acrescentar que esta reflexão diz respeito a qualquer Homem, independentemente de ser cristão ou não. A primeira de todas as voca-ções é ser Homem, isto é, tornar-se mais humano. Quem vive fechado em si mesmo, sem desenvol-ver os seus talentos de humanidade, é infiel a esta vocação. Há pessoas que vivem em condições tais – sociais, culturais, religiosas... – de opressão e de escravização, que praticamente estão impedidas de desenvolver essa dimensão fundamental de humanidade.

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3.2. Chamados à dimensão religiosa da vida: a «um-corpo-e-uma-missão»

Este é o segundo nível de vocação: ser Homem de fé, com uma dimensão transcendente. A Bíblia com toda a sua pedagogia de Huma-nidade, através de inúmeros exemplos, faz-nos cair na conta de todos estes graus de chamamen-to que acabámos de ver. Assim nos mostra: a) o Homem a ser chamado à vida por Deus; b) o Ho-mem a fazer uma larga caminhada até encontrar a sua dimensão e corresponsabilidade pessoal; c) o Homem a descobrir-se como autor e promotor da liberdade e da libertação; d) o Homem a identifi-car-se através dos apelos à perfeição e a encontrar na sua dimensão religiosa o apelo e o compromis-so de construir o Reino de Deus. Em qualquer destes graus ou etapas vão toman-do forma dois elementos fundamentais do cristia-nismo: pertencer a um «corpo», comunidade, com uma «missão». Logo à nascença se entra a viver num corpo «pessoal-e-colectivo», numa família humana onde se terá um papel a desempenhar.

Esta inserção e corresponsabilidade vem-lhe do ser pessoa. E quando se passa para o nível da experiência religiosa (ou filosófica, ou ideológica) é porque se reconhece que a realização que passa

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pela integração na comunidade e o encontrar do sentido que passa pela missão positiva, no fundo, implicam uma relação transcendente do ser Ho-mem.

3.3. Chamados à vida cristã: a ser Cristãos: pessoas em Cristo, no Espírito: «Vocação Baptismal»

Quando se chega à dimensão religiosa da vida por um desafio que vem de Cristo, do seu Espí-rito ou da sua obra, isso corresponde ao apelo a integrar e dinamizar o seu ser-pessoa vivendo-o ao modo como Cristo viveu. A identidade é o modo de estar integrador, concreto e pessoal de todos os chamamentos. Em termos cristãos esse modo traduz-se por «ser con-figurado com a imagem de Cristo», ser chamado a «ser outro Cristo», isto é, a ser cristão e a encon-trar aí a identidade. Este chamamento, pode dizer-se sem medo, dirige-se a todos os Homens. Mas a interpela-ção pode dar-se de maneiras muito variadas: por outra pessoa, por um testemunho, pela Palavra de Deus, pela busca da coerência interior, pelas exigências da justiça, pela experiência gratuita de ser amado ou o confronto com o sofrimento... Todo o Homem na sua maturação sente o ape-lo da Verdade, o desejo de «habitar no Espírito de

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verdade». Ora se Cristo é a Verdade, todos, de um modo ou de outro, nos confrontamos com Ele, mesmo sem Lhe saber o nome, mesmo sem nunca O ter «conhecido». E quando concretamente fa-zemos essa opção pela Verdade, ainda que seja de um modo genérico, abordamos a vocação baptis-mal. Dir-se-á que é uma forma «anónima»! Mas o Baptismo bem entendido, é iniciar o processo de Vida no Corpo de Cristo e na Missão do Rei-no. Pelo Baptismo, entendido não apenas como rito, mas como a realidade de um «mergulho» no Espírito de Justiça e de Verdade, entramos a fazer parte do Corpo de Cristo para ocupar aí um lugar e uma missão. Concluindo: uma primeira vocação de todos nós é a ser cristão, a ser baptizado: vocação gené-rica que depois se há-de especializar. A certa altura descobre-se que esse mergulho tem de passar por uma atitude mais pessoal (isto é: segundo o Espírito), pela qual cada um vai en-contrar a sua maneira própria de ser cristão. Digamos ainda de outro modo: cada um é cha-mado à Vida, ou seja, traduzindo para cristão, a ser Filho de Deus, a ter uma relação com o Pai. Numa experiência de relação experimenta-se o desafio de ser pessoa. E personalizar-se é entrar num caminho de identidade, é dar resposta a um ideal que nos apela e que pode ser o seguimento de Cristo.

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Note-se que o uso das palavras «seguimento» e «chamamento» tenta traduzir um dinamismo interior da própria vida que, para desabrochar e crescer, precisa, pouco a pouco, de configuração e de «modelo» com nome próprio que atraia e chame. E é precisamente por esse caminho que se acaba por descobrir a vida na sua dimensão trinitária: a) ser filho de Deus, Criatura (vem do Pai); b) ser cristão, irmão de todos os Homens (no Filho); c) na verdade e no amor (pelo Espírito Santo). Ora isso corresponde, no desenvolvimen-to da personalidade, ao descobrir da dimensão do ser pessoa nos vários níveis. E quem não é cristão?... ou mesmo se diz ateu? Embora numa tradução diferente, não deixa de ter vocação! Ninguém pode deixar de ser interpelado à vida, a ser pessoa, a encontrar um ideal. É até a própria vida que o interpela a viver e a fazer pela vida. A seu modo, todos são chamados. Mas não diz o Evangelho «muitos são chamados, poucos os es-colhidos»? Sim, mas esse «muitos» significa TO-DOS! É a expressão «multidão» que era a forma hebraica de dizer «todos». Até quando Jesus diz que dá a vida pela multidão queria dizer «todos», mas não tinha na sua língua esses termos abstrac-

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tos. Então, todos são chamados, mas só «alguns» assumem respostas pessoais específicas. Aliás, não só somos todos chamados, como somos chamados a cada momento. Atenção! Neste preciso momento estamos a ser desafiados a perceber a dinâmica da nossa pró-pria vida, a fazer qualquer coisa por ela e por nós próprios. Aqui e agora estamos a ser desafiados a não desgraçar a nossa vida, a ter uma relação melhor com os outros, etc. Cada um está, neste momento, a ser, de muitos modos, vocacionado. O que falta é ver de onde vem essa vocação e qual o seu nome ou forma própria.

3.4. Chamados a ser Cristãos de um modo próprio, segundo o Espírito, na Igreja: «Vocações espe-cíficas»

Estudemos agora as variadas vocações a dentro deste nível comum de ser cristão. Cada cristão é chamado a diferentes caminhos, a diferentes res-postas ao Espírito, na Igreja. Entendendo Igreja mais pela Comunidade de todos os crentes e não tanto como estrutura ou hierarquia. Até há bem pouco tempo, até ao Concílio Vaticano II, distinguiam-se habitualmente dois tipos desses vários dinamismos pessoais, isto é, dois tipos de vocação: o Clero e os Leigos.

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O Vaticano II apresenta, porém, três grandes grupos de vocação na Igreja: o Clero, os Religio-sos e os Leigos. Mas isto é, ainda, demasiado frio, esquemático e em bloco. Proponho, pois, quatro grandes tipos mais concretos, considerando sem-pre que cada um é uma dimensão do próprio Cristo, possível de concretizar segundo o Espíri-to, no Corpo que é a Igreja. a) primeiro tipo: O chamamento ao sacramento do matrimónio – como é que a pessoa sabe que este é o seu chamamento específico, que é a sua vocação? Veremos.

b) segundo: O chamamento ao sacramento da Ordem – Este e o anterior não se excluem neces-sariamente, podiam, até, andar juntos. De facto, na Igreja Católica, hoje, estão separados por ra-zões de lei positiva e não de essência, já que como sacramentos não se excluem, e vai até havendo al-guns casos de ordenação de casados. De qualquer modo é sempre de considerar o argumento da maior disponibilidade de coração para a missão e para cada um; até ortodoxos e protestantes o fazem.

c) terceiro: O chamamento à vida consagrada – é uma outra possibilidade. Este, por exemplo, é compatível com o segundo, mas não com o

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primeiro. Há muitas hipóteses dentro desta via de consagração religiosa.

d) quarto: O chamamento à vida laical – Que significa ser leigo como chamamento, como vo-cação? Pode ser compatível com o matrimónio e é a vida laical que estamos mais habituados a considerar (a do leigo comum). Mas há também a vocação do leigo consagrado. Recorde-se que estamos a falar de dinamismos vitais, de frutos de relação e de expressões de identidade pessoal. E como todos nós sabemos, a identidade é todo o processo de amadurecimento até que cada um:

∗ descubra quem é e o aceite, ∗ o desenvolva e ∗ o projecte.

Não se pode ser Homem no sentido concreto, hominizado e humanizado, ficando no genérico, sem percorrer este processo!

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4Vocações:

revelações (e missão)das dimensões de Cristo

Os quatro tipos são grandes blocos dentro dos quais há a considerar várias hipóteses. A Igreja, comunidade de vida e de vocacionados, teve necessidade de resumir assim experiências muito variadas... Mas às vezes encontramos gente que pensa que ter vocação é só ser chamado para ser padre ou freira, e que o resto não tem vocação, não conta! Não é assim tão simples. Por exemplo, se alguém descobre que a sua identidade não é a do sacerdócio, não significa necessariamente que tenha vocação para o matrimónio-sacramento. Porquê? Porque é preciso que isso resulte do dis-cernimento; porque é preciso ver se esse é o seu caminho que, positivamente, o identifica; porque não se deve concluir pela negativa! Dizer que, se não se é «para padre» é «para o casamento», é uma precipitação. Há mais hipóteses. Logo, é preciso fazer todo o discernimento sobre a vida e chegar a opções, pela positiva.

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a) O que se entende aqui por ser chamado ao sacramento do matrimónio?

Antes de mais, não é só ter aptidão para casar. Essa, qualquer um, desde que não seja anormal, a tem. Essa é ainda a vocação natural à vida, ao corpo social, de acordo com a missão de gerar e se realizar na complementaridade, que é nor-mal no homem e na mulher. Essa não é ainda a «vocação cristã», mas aquela que temos todos, «vocação básica» a ser humano, a realizar-se num amor humano. Mesmo quando alguém vem especificar a sua vocação na vida religiosa, tem essa vocação natural ao amor concretizado, só que vive o desafio de transfigurar esse amor. A vocação cristã, mesmo quando se classificas-se de sobrenatural e dom de Deus, não é uma «anormalidade», mas antes uma especificação da forma da normalidade, por outras motivações e não por carência. Voltando ao sacramento do matrimónio: que caracteriza esta vocação? O facto de duas pessoas (um homem e uma mulher) se «sentirem» chama-das, em conjunto, a viver uma dupla missão em Cristo pela qual optam. A saber:

– por um lado: a participação e o desenvol-vimento da vida que vem de um Deus que é

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Criador. Isto é, ser «com-criadores» e educadores da vida; colaboradores na obra da Criação.

– num segundo aspecto: viver de tal maneira que seja visível que tudo é superável em Jesus Cristo.

Se os dois fazem esta dupla opção, tornam o seu casamento num sinal e numa missão (=sacra-mento). Transformam o casamento natural numa vocação cristã. Quantos não perceberam que ao casar, o que estavam a assumir era a missão-a-dois, extrema-mente responsável e exigente, de querer ser no mundo um Sinal Revelador: revelar aos Homens um Deus-Amor pelo amor-humano, revelar que o amor é criador pela fecundidade, revelar que a família e a unidade no amor é possível quando assenta em Cristo... Querem essas pessoas mostrar ao mundo que o Amor de Deus é criador e feliz porque nunca egocêntrico? Assim se entende a fecundidade res-ponsável e a opção pelo desenvolvimento e defesa da vida. Querem manifestar com a sua vida a dois que o Amor de Cristo pela humanidade é indefec-tível e vence tudo? Só a partir daqui se entenderá a tal indissolubilidade...

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S. Paulo usa outra linguagem: o homem e a mulher, pelo sacramento do matrimónio, são o sinal da união de Cristo e da sua Igreja. Resumindo e repetindo: a vocação ao sacra-mento do matrimónio seria a de um homem e de uma mulher que se decidem: vamos fazer da nossa vida um sinal que manifeste que tudo é su-perável em Jesus Cristo e revele o inquebrantável amor de Cristo pela humanidade. Uma vocação que revela o Amor (Deus) não com teorias nem sermões, mas com a própria vida de amor. Eis a diferença entre o casamento natu-ral e o sacramento do matrimónio como vocação cristã, que não é a união comum com mais «um bocadinho de água benta»!... É uma vocação espe-cífica, como foi dito, para criar o Corpo de Cris-to; é essa missão e opção de fundar uma família cristã, célula do Reino de Deus, na certeza de que o Pai dará a graça necessária para tanto.

b) O sacramento da Ordem

Este sacramento revela outra dimensão de Cristo (e portanto também da vida cristã): Cristo Sacerdote. E confere a quem o recebe a graça de poder exercer os ministérios da Igreja e confiados pela Igreja. Trata-se de uma vocação de serviço: a

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de um homem que se dispõe a ter como ideal o serviço da fé e da administração da graça, parti-cularmente o da administração dos sacramentos em liberdade plena. E é esse aspecto sacerdotal do Corpo de Cristo que ele quer desenvolver e se sente cada dia mais chamado a desenvolver, numa identificação com Cristo-Sacerdote. Como ficou dito, cada vocação revela mais um aspecto teológico do mistério de Deus. Aqui se mostra o Pai como fonte da graça e do perdão, e Cristo como Redentor-Sacerdote, tornando-se com Ele «co-redentor» e oferecendo-se no Espíri-to de doação pelos demais. Quando é que Cristo é sacerdote? Sempre, mas sobretudo na entrega da vida pelos outros na cruz. Então quem experi-menta este apelo a essa entrega-de-vida em amor como Cristo, da qual vêm todas as graças, está na linha desta dimensão vocacional. O seu ideal de serviço, de ministro da fé, de «diácono» da fé e dos sacramentos, de anunciar e libertar os outros, passa por uma experiência que não é só a dum trabalho ou profissão, mas duma vida entregue, como a de Cristo, pela salvação dos demais. Um dos sinais desta vocação é encontrar a sua identidade, de forma particular, na Eucaristia, onde actualiza o sacerdócio eterno de Cristo, oferecendo-se com Ele para congregar e guiar a comunidade: um Corpo e uma Missão.

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c) A vida consagrada nas suas variadas formas

– O que é que a vida consagrada revela como dimensão própria do Reino de Deus? – Costuma responder-se: é a dimensão escato-lógica. A característica desta vocação é sobretudo o testemunho de radicalidade e o ser sinal escatoló-gico do Reino. Mas que significa isso? Significa manifestar com a vida os valores já definitivos: viver de tal maneira que «choque», que provoque, que faça os Homens pensar que há realidades definitivas, que há um Além já presente. É mostrar esse Absoluto para que fomos feitos e que deve relativizar tudo o mais. Viver como se já se tivesse, de alguma maneira, ultrapassado o tempo e o espaço. Mostrar que o Reino de Deus não é deste mundo, mas posso vivê-lo desde já, deixando o que é relativo e passa-geiro. E isso manifesta-se pelos votos que são uma forma de entregar toda a vida pelo Único-neces-sário, num Amor de radicalidade como quem já vive no Absoluto. «Ser sinal escatológico» é uma vida que faz ver o Absoluto já presente e faz viver outros valores. Esta vida, como todas as vidas, exige desen-volvimento e maturação da personalidade. O que a identifica é: o Reino já! «Que vale ao homem

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ganhar o mundo inteiro se perde a sua vida?» E expressa-se por três votos ou por uma opção trí-plice: um único Amor (voto de castidade), uma única Riqueza, o Espírito (voto de pobreza), um único Senhor (voto de obediência). Este é o filão de identidade pelo qual se experimenta realização e caminho de felicidade. O homem ou a mulher que o vive, mostra que o Reino de Deus, que ainda não é, pode começar já, através da partilha de bens total (Pobreza), da entrega total da sua vontade para a Missão (Obediência), em formas de serviço humilde em bem dos outros, sem dis-tinção (Castidade). A castidade, que é tantas vezes o problema, não é ausência de amor nem «castração», mas entregar o amor por um Amor maior. «Consagrados» são os que se decidiram a en-saiar e tentar, sabendo-se pecadores, a «caridade perfeita». Porquê? Não porque sejam melhores que os outros. Mas, sabendo que têm muito que caminhar, foram «tocados» e detectaram a felici-dade que pode haver em tentar construir o Reino pelo desapego total e por uma particular intimi-dade com Deus que pede corações indivisos. Para além da divisão deste grupo em Contem-plativos e Activos, há muitas outras especificações da Vida Religiosa. São os variados carismas – for-mas particulares de responder a apelos (dons)

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particulares. Mas é sempre aderir a «um Corpo e uma Missão».

d) A vida laical

A vida laical traz-nos uma outra dimensão fundamental do Reino de Cristo que é a Encar-nação. Se a vida religiosa é escatológica, aponta o fim, o além..., o leigo é o que descobre como va-lor característico e como missão neste mundo, o manter o Espírito-vivo-no-mundo, o encarná-lo, o vivê-lo aí: o fazer com que o Espírito chegue de alguma maneira a todo o lado e repasse por den-tro as estruturas, no mais fundo de si mesmas. Trata-se, portanto, de um chamamento com a missão de assumir as estruturas deste mundo e as fazer penetrar pelo Espírito de Cristo. Como vimos, as várias vocações correspondem às várias dimensões teológicas da pessoa e Missão de Cristo. E, de alguma maneira, a vivência da vo-cação é a revelação e a actualização, não por teorias mas por vida, dessas várias dimensões do próprio Cristo, já que ninguém abarca o Cristo total.

E os leigos consagrados?

Ao leigo compete assumir e transformar as realidades terrestres. Pode fazê-lo na vida comum

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que muitas vezes é também a do matrimónio, a de uma profissão, da vida social e política...; ou pode-o fazer em consagração, em definitivo, valo-rizando e encarnando uma forma particular, uma dada profissão ou missão – sozinho ou em grupo. Estes são os chamados «Leigos consagrados» que, vivendo o quotidiano comum, tomam uma forma profissional, um trabalho, como modo privilegia-do de trazer o Espírito ao meio do mundo. E, en-carnando aí, cristificando essa profissão, transfor-mam o mundo. Não deixam de ser leigos porque não têm «votos», nem obrigação de uma «vida comum», mas vivem, com plenitude de entrega, a perfeição, através de uma profissão comum. Por isso o leigo não é o resto dos que não tinham outra vocação especial, mas uma vocação que é preciso ver se se «tem»: um chamamento positivo, uma opção de encarnação amadurecida. Os leigos não são os que sobram. Embora, infelizmente, muitas vezes se pensasse assim na Igreja. E qualquer vo-cação assumida pela negativa é perigosa. Este tipo de vocações leigas consagradas é típi-co do nosso século. É uma «novidade» suscitada pelo Espírito, praticamente do fim da primeira grande guerra para cá, quando se começaram a estruturar e a compreender. Antes falava-se de leigos dentro da Vida Con-sagrada com outro sentido: eram aqueles que,

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sendo religiosos, não eram padres (clérigos). En-tão chamavam-lhes leigos, Irmão leigos. Eram os Frades e as Freiras. Mas, na realidade, esses são Religiosos. A novidade é o sentir-se chamado a viver a dimensão da Encarnação sem manifestações pú-blicas (votos), como qualquer outro no seu meio social. E isto pertence à vocação laical. Quantas surpresas e possibilidades nos reserva, ainda, o Espírito Santo? E possibilidades de rea-lização e criatividade dentro de cada vocação já estabelecida? Não vemos, um pouco por toda a parte, um surto de movimentos e «comunidades novas»? Cada vocação corresponde a um sopro do Espírito: um carisma. E dentro de cada uma há muitos modos pessoais de a viver, também segun-do o mesmo Espírito. Cada matrimónio é único e não se pode comparar. Cada forma de viver o sacramento da Ordem, cada padre, é único. As Ordens são muitíssimas, em imensos carismas colectivos e pessoais. Os vários géneros de vida laical têm imensas possibilidades. Cada Homem, escutando o Espírito no seu interior, terá de discernir o seu caminho cristão.

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e) Esquema – resumo

Se cada vocação privilegia um aspecto de Cris-to, vejamos o quadro dos vários Chamamentos e das Dimensões Teológicas reveladas por cada vocação:

Chamados à Vida Cristã

{

{{

{{

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ao sacramento domatrimónio – Revela

ao sacramento daOrdem – Revela

à consagraçãoreligiosa – Revela

à consagração laical – Revela

ao laicado – Revelaresponsabilidade pelas realidades terrestres e sua santificação

a) Encarnação no mundob) responsabilidade pelas realidades terrestres e sua santificação

a) fecundidade espiritual da radicalidade pelo Reinob) sinal escatológico

a) administração da graça (ministério)b) Cristo Redentor – Sacer-dote (Profeta)

a) Deus fecundo – Criadorb) que tudo é superável em Cristo

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5Que é então a Vocação?

Algumas clarificações e tentativa de descrição

a) Vocação e profissão

Não se pode confundir o chamamento-e-op-ção para desenvolver uma dada dimensão espi-ritual do Reino de Deus com uma aptidão ou talento natural feito carreira. Contudo, pode-se fazer de uma profissão um caminho privilegiado, uma vocação cristã. Por exemplo, quando se vive uma advocacia, uma medicina, o ser professor ou carpinteiro... em atitude de serviço e em jeito de Cristo, em exclusividade pelo Reino, valorizando--a como uma forma de encarnação. Em qualquer caso, a profissão deve ser cris-tianizada. Cristão médico ou médico cristão? As motivações cristãs, os critérios e as atitudes de serviço devem estar presentes na escolha e na vivência da profissão. Outra coisa ainda é viver o Sacramento da Or-dem (o Sacerdócio) e, ao mesmo tempo, ter uma profissão... o que também é possível! Mas exige

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discernimento oportuno para evitar ambiguida-des e alibis.

b) O discernimento vocacional

O que ficou dito, foi dito no plano objectivo das vocações em si mesmas. Outra coisa é a vo-cação para mim. Nesse plano subjectivo, trata-se do binómio vocação/discernimento, ou seja, do discernimento pessoal de cada vocação: todo o processo de deslindar, no meu interior, o meu caminho próprio. Trata-se de um processo de maturação, mais ou menos longo; faz-se através da avaliação dos sinais (sinais interiores e exteriores) que me vão indicando e mostrando com que é que me iden-tifico, o que é que me interpela e desafia, o que me provoca, aquilo a que, de fundo, finalmente, adiro (ou quero aderir). Este capítulo merecia um tratamento mais extenso e aprofundado: como se chega a uma conclusão destas, que não é uma conclusão final, terminal, mas a determinação de um caminho e dos meios para a levar por diante? E, conjunta-mente com a maturação dos sinais, esse capítulo devia tratar do apuramento das motivações. Exige-se sobretudo o ambiente de oração e acompanhamento lúcido de alguém experiente

Que é então a Vocação?

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para ir tirando impedimentos e escutar o «grito interior». A Igreja tem uma longa experiência de sabedoria nesse campo, que pode fornecer critérios. Em particular seria de estudar o que diz Santo Inácio de Loiola nos Exercícios Espirituais sobre discernimento e momentos e modos de «Eleição do estado de vida». Cada época tem as suas graças e dificuldades próprias neste campo. Hoje, por exemplo, a par de mais alternativas e riqueza de carismas, o am-biente social e educacional dificulta a capacidade das pessoas amadurecerem verdadeiramente em tempo a sua vocação. Basta olhar para a maioria dos estudantes e ver como escolhem os seus cur-sos, que não sendo ainda vocação bem poderiam ser a expressão por onde passariam, no momento, as experiências de ser Homem e cristão responsá-vel. Exigem-se opções mais cedo, quando, precisa-mente, se amadurece mais tarde! Sobrecarrega-se a informação sem formação nem critérios e valores, o que atrasa a identidade; força-se a concorrência ao sucesso, independentemente das motivações e do respeito pelas características de cada um, o que desagrega o Corpo e ofusca a Missão... Mas Deus também tem outras propostas para isto!...

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c) Proposta e resposta

É possível que esta reflexão, tendo «carregado as tintas» de um dos lados da medalha da vocação como «orientação de fundo do ser», possa indu-zir no erro de ser entendida de um modo mais voluntarista, só a partir do Homem, ou só como uma inclinação (jeito, gosto, aptidão) de fundo. Mas é claro que, como se verá melhor adiante, se a vocação cristã resulta da opção que assume esse mundo interior, é para dar resposta a um projecto de vida que se lhe propõe conforme ao Evangelho. Esta proposta é dom! Vem de Deus! Seja atra-vés da Palavra, ou através de outra pessoa que tes-temunha, ou de uma dada experiência... Aliás, a própria natureza é dom, é criatura. Mas a criatura livre entende-se a si própria como colaboradora responsável. Ela faz a sua parte que é levar à ple-nitude o dom recebido. O Homem é chamado a dar sentido cristão à sua natureza. Deus, por Cristo, faz a Proposta daquilo para que cada um é feito na construção do Reino e o Homem dá a Resposta da sua adesão a Cristo, no Espírito.

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d) Tentativa de definição de vocação:

1 – Aspiração de um bem

Pio XI descreveu assim as características principais da vocação cristã: «a vocação não se manifesta tanto por um sentimento, nem por uma atracção sensível, mas pela recta intenção (motivação) que se formula numa aspiração de um bem». Não é necessariamente uma atracção sensível... pelo contrário, às vezes é um desafio, que até pode causar repugnância! O mesmo pode acontecer numa profissão: pessoas com verdadeira «vocação» para a medicina, por exemplo, passam por experiências de repulsa e repugnância, mas percebem pouco a pouco uma motivação mais funda, uma força interior que lhes diz onde se realizam em função de um bem. Primeiro vem o aperceber-me de um Bem, e quando dou por ele como algo realizante, saio de mim por ele. Depois, quase sempre os sentimentos acabam por se vir a sintonizar com essa realidade, com esse bem. Compreende-se que aquilo que atrás se chama «recta intenção» se pode traduzir por «motivação». E motivação significa o dinamismo interior de fundo que nos faz mover: aquilo que, no fundo, «nos faz correr». Por isso, ao procu-rar saber a minha vocação, tenho de analisar as

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minhas motivações: o que é que, no fundo, me move? Não superficialmente! Mas aquilo que no mais profundo de mim mesmo coincide com aquilo que eu quero, ainda que não me apeteça. E é muito importante esta distinção entre querer e apetecer.

2 – O que no fundo quero

Podia dar-se outra tentativa de descrição, pois uma dimensão vital não se pode definir, mas pode-se tentar descrever. Assim, proponho: Vocação é aquilo que eu quero, depois de tirados os obstáculos, à luz do Espírito. Pesemos bem estas palavras! De facto, normalmente não sabe-mos o que queremos... As «cascas da cebola» são muitas e muito fortes. Cobrem tudo. Até saber o que é que eu, no fundo, quero; qual é o meu dinamismo vital aonde Deus fala... vai um longo percurso! Este é essencial porque é através desse «querer», que não vem «nem da carne nem do sangue» mas do Espírito, que Deus nos fala e Se manifesta (Mt 16, 13 / 1 Cor 16, 17). Aliás o Espírito, como diz Santo Agostinho, «é o interior do meu interior». Tocamos aqui o lado místico da «vocação»: há uma «voz», um apelo que surge no nosso interior.

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3 – Manifestação do Espírito

Quando eu começo a desmontar as tais defesas (cascas) do meu egoísmo, do meu apetecer, das minhas «facilidades», das modas, do «costume», daquilo que os outros acham bem, daquilo que até ficaria bem e tem sucesso... quando descasco tudo isso e me encontro comigo mesmo, nesse «migo» - mesmo está Deus-em-mim e Se reve-la. Só então pode vir ao de cima o dinamismo profundo da minha vida, que a pouco e pouco florescerá e frutificará. Sem fazer esse trabalho de desmontar as defesas, os medos, os egocentris-mos, as aparências... é difícil! Mas, claro, Deus também é muito forte e pode desmontar isso num «flash». Muitas vezes já está mesmo desmontado, a «gente é que anda a disfar-çar», a fingir que não ouve... «que não deve ser»... a arranjar mais umas razões (a pôr uma capa na cebola)! Se começo a enganar-me e a «fugir com o rabo à seringa» (e, de facto, estamos sempre a fazê-lo!), não o faço por se tratar de uma dimen-são de amor, mas porque me defendo, porque o meu egoísmo tem montanhas de defesas. Só quando me abro à graça de tirar os obstáculos do meu «eu», a semente que lá está pode surgir e florescer e mostrar-me quem sou. Aquilo que Eu Sou é expressão da vontade de Deus em mim.

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e) Motivações e Ideais:

Passemos agora à temática das motivações, sempre na tentativa de descrição e aproximação do que é a vocação. Trata-se de descobrir a Moti-vação enquanto dinamismo próprio de cada um. A vocação tem a ver com a expressão e a revelação de si próprio, da orientação motora profunda do ser que deve ser assumida. De outro modo: trata-se do assumir de um ideal, do meu ideal! De facto, como dizia o Padre Arrupe, «ter Ideal é sinal de vocação». Mas a palavra «ideal» pode ser perigosa! Um ideal não é um idealismo, nem um perfeccio-nismo, nem fantasia utópica, nem projecção emocional. Idealismo surge como desejo utópico, estatuto inacessível, sobre as nuvens... Perfec-cionismo (bem diferente de perfeição), é uma exigência imposta, um dever-ser-teórico. Ambos vêm de fora e deixam ansiedade e conflito entre a meta proposta e o “eu”. Que é ter um ideal? É uma forma ascencional, é uma motivação. É um objectivo a alcançar, mas que vem de dentro. É um desejo possível, para mim, e que me faz en-trar num processo realista para mais render e dar. Não é um pedestal, nem um exemplo santo, nem um modelo exterior a copiar. Tem ideal quem

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«tem» força interior de ir mais longe, de não parar, sintonizado com o dinamismo positivo da vida para objectivos possíveis de serviço e de bem. Quem ainda não experimentou, não significa que não tenha, significa que lhe está, ainda, «surdo». É preciso, pois, identificar o ideal ouvindo a voz do meu ser, onde fala Deus através de sinais in-teriores e exteriores; mas que têm sempre um eco interior. Por exemplo, num dado momento, uma pai-sagem que me toca, me comove, me move a lou-var a Deus. É um sinal exterior que depois passa por dentro. Esse sinal que me faz experimentar um momento de realização! Outro exemplo pode ser o encontro com alguém ou com uma palavra do Evangelho que escuto e mexe comigo e não deixa de me perseguir até que a enfrente, porque só isso me fará crescer. São sinais que vêm de fora e vêm por dentro. E é nesse sentido que se pode dizer que há um chamamento que vem através da oração... Então, nessa experiência de sintonizar com as «interpelações do mundo onde Deus fala», se pode falar da tal «voz» que não é «sentimento meramente emocional», mas é, exactamente, a sensibilidade ao fundo das coisas! Se há pessoas que vivem opacas, fugidias, sem sintonizar com a vida, não é que não tenham vocação! Mas estão ainda surdas, cegas às inter-

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pelações profundas. E o pior é que também vão ficando cegas para todas as outras dimensões da vida: começa-se explorando o próprio egoísmo, explorando o seu bem-estar, e daí a explorar os outros é um pequeno passo. Porque a contraposi-ção de não seguir a sua vocação é fazer uma opção de ir contra si mesmo, de manipulação de si e dos outros. Não há alternativa, não há meio termo. O processo de discernimento permite des-lindar estes enganos, gradualmente, detectando, lendo a vida, arriscando, assumindo.

f) Vocação é a vontade de Deus

Outro ponto de vista ainda, já aludido atrás, é o da relação entre vocação e vontade de Deus. A vocação é a vontade de Deus porque a «von-tade de Deus» é o Bem do homem: o bem de cada um de nós. E qual é o bem de cada um de nós? É que o homem seja fiel a si próprio segundo a luz que Ele dá. A vontade de Deus assim entendida pode manifestar-se. E uma vez despertada, pode ir rompendo as barreiras do medo do «homem egocêntrico», do «homem em pecado original», em situação de «fuga» e «carência» que, habitual-mente, somos. O próprio Deus, através de uma palavra ou de um exemplo, através de uma dada

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experiência de sofrimento, vence as barreiras e mostra-me como sou. Por isso, a vontade de Deus, sempre dinâmica, coincide com «o que eu sou e para que sou feito»! A nossa noção de vontade de Deus é muitas vezes extrínseca e quase mítica. Ora, a vontade de Deus é que o homem seja Homem, é que o ho-mem viva. Ou, como já diziam os Santos Padres, isso não é só a sua Vontade, mas é também a sua Glória. «A glória de Deus é que o homem viva, é a vida do homem» (Santo Ireneu). A atitude mítica e estática face à vontade de Deus deve ser desmontada. Em caricatura é assim: eu quero saber a vontade de Deus... e imagino que deva estar escrita nalgum lado, nalgum oráculo, escondida «atrás duma nuvem»... e vou esperando o milagre, anos a fio, que algum vento a afaste e eu possa ler... «o teu caminho é...»; ou fica-se à espera de ouvir, misteriosamente, a «tal voz» mágica.

g) Vocação: Aliança e diálogo A vocação é, pois, simultaneamente, opção e chamamento. As duas coisas: dom e dinâmica pessoal. Por um lado, é deixar-se interpelar pelo mundo, pelas experiências e pela Palavra... através das quais «Deus fala». E por outro lado, é a liber-dade de assumir.

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A vocação dá-se numa estrutura de diálogo. O homem é chamado a sintetizar as qualidades (potencialidades) humanas e, conjuntamente, ex-perimenta o desafio de as pôr a render de uma de-terminada maneira. Podemos falar de um caminho de sintonização, que nos extremos teria: um cha-mamento sem opção, que é infantilidade; ou uma opção sem chamamento, que é voluntarismo... e seriam dois falhanços que se podem corrigir! Mas só no caminho de síntese e encontro in-terpessoal se pode avançar até tocar o Mistério em sentido bíblico. A vocação, sendo dom (de Deus) e entrega (nossa), é uma experiência de amor, fru-to de um diálogo. É, como dissemos no princípio, uma experiência de Aliança. Tal como no amor humano, há mútua opção--e-chamamento. Cada um se sente interpelado pelo outro e a decidir-se por ele! E, na medida em que o faz por ele, é interpelado e interpela. Esta experiência de síntese é a experiência do amor, que no início pode ser muito vaga e depois se vai concretizando. De modo semelhante, podemos dizer que a Vocação Cristã é uma experiência de síntese no Espírito Santo: um assumir em Cristo uma reve-lação e dom do Pai. Fora deste contexto, ao menos implícito, a vocação não teria sentido. Trata-se de uma reve-

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lação de amor (e de amor dinâmico), vivo (não acabado) e, portanto, sempre a refazer (a restau-rar), sempre em diálogo. Vocação cristã, mais que um facto ou acontecimento, é uma vida em diálo-go de amor, uma vida em reconstrução contínua! Uma história de amizade! Imagine-se um amor humano onde se diga: agora já optámos, podemos instalar-nos... Nesse dia em que se parar, começa-se a recuar. Ora, a melhor revelação do que é uma relação de amor a Deus é a relação de amor humano. Esta tem de ser sempre reconstruída, partilhada, rectificada, e inclui diálogo e crise. E as experiências de crise, de dificuldade, de avanço, de tensão, integram toda a relação de amor. No amor cada um se realiza realizando o outro: vive-se porque se «morre», porque se dá a vida! O amor é uma busca de sintonia de vontades que inclui o risco e a confiança. Sem estes dois elementos do risco e da confiança, da decisão e do apoio, da crise e da superação, não há experiência humana, há só teoria e sentimentalismo. A vocação de cada um é expressão de amor que se concebe numa história e numa relação vital. O seu âmbito é a busca de felicidade: ser feliz e fazer felizes os outros. Aí se encontra – com todo o realismo – a realização da pessoa, a realização do Projecto de Deus e da felicidade humana.

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6Vocação, Mistério de amor:

uma relação de confiança – uma históriade amizade

Por fim, uma última tentativa de descrição a partir dos elementos anteriores. A vocação é um processo vital e vitalizante para cada homem, único e insubstituível, que cada um tem que fazer sob pena de não chegar a ser ele próprio, numa relação pessoal de risco e de confiança. Contemplemos essa cena evangélica de Pe-dro sobre as águas (Mt 14, 22ss). Deus faz-Se presente (ao princípio, confusamente). Pedro recebe o primeiro «toque» – quer ir... «Se és Tu, manda-me ir...» (tímido). Deus chama-o: «Vem ter Comigo!» Mas aquele Deus, naquela altura, parece-lhe bastante fantasma: não O vê ainda claro, mas arrisca com alegria... e logo teme e vai ao fundo... mas grita – confia (reza): «Salva-me», conduz-me! E Deus diz-lhe: recupera e vem de novo ao de cima! «Porque duvidaste?»... E o ven-to amainou. É esta a caminhada de todos.

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E quase tudo está em vencer a primeira barrei-ra. Contemplemos de novo Pedro na barca: «Se-nhor, manda-me ir ter Contigo». Eu decido, mas Tu, chama-me: dou passos, dá-me a mão. «Vem!» E eu vou ao fundo, mas confio e arrisco. E Ele chama-me e vou, assim, a caminho... A vocação também «se faz ao andar». Como todo o caminho, faz-se ao arriscar, ao amar. Caminhada em situação de instabilidade, como é típico de toda a situação humana, sempre re-cuperável, sempre recomposta, em relação de confiança. Vamos todos nessa barca! E todos temos uma missão a desempenhar: Senhor, manda-nos ir ter Contigo!

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II

OS SEGREDOS DE UMA ESCOLHA PESSOAL

– Como saber a vontade de Deus para mim?– Qual a minha vocação, a resposta e a opção certa? – Quais os sinais de Deus? Discernimento.– Quem me pode ajudar? Acompanhamento.

NOTA: Estes textos, inspirados nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, não se entendem em separado, nem como técnicas de análise psicológica, mas supõem e reenviam para experiências de oração pessoal. É no pressuposto dessa relação pessoal que de-vem ser tomados. O «conhecimento interno» da vontade de Deus, o «discernimento das moções» e a «eleição» das opções são uma graça salvadora, libertadora, gratuita que Deus dá, mas é preciso pedi-la e dispor-se a recebê-la: «que eu não seja surdo, mas pronto e diligente para seguir a Sua vontade» (EE,91).

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Vocação e Vontade de Deus

«Como posso saber a vontade de Deus para mim?». Deus escreve e imprime a sua vontade, o seu chamamento, nos nossos corações. Vontade de Deus! Podemos começar por dar a seguinte «defini-ção»: vontade de Deus, para mim, é aquilo que eu, no fundo, quero; à luz do Espírito Santo; de-pois de tirados os obstáculos. Faço primeiro umas observações para situar bem, e depois a explicação desta frase:

1 – a) Não se trata aqui da vontade de Deus em geral. Essa é que todos os homens se salvem, que o Reino cresça, que Jesus Cristo seja conhecido e amado... isto é: o Evangelho!

b) Não se trata também da vontade de Deus para mim, em sentido genérico. Essa é que eu me realize segundo o Evangelho, que seja fiel a mim próprio, aos meus talentos e a Deus que me chama... Trata-se é de ver como sei qual é o meu

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chamamento específico, a minha vocação, a res-posta evangélica que devo dar a cada solicitação.

c) também não se pode entender vontade de Deus como algo estático, pré-determinado, uma frase escrita «atrás de alguma nuvem» que eu, com sorte, vou descobrir. Trata-se, sim, de uma realidade dinâmica que vai ganhando corpo em mim, de uma história de amizade que se vai con-cretizando e ganhando contornos e purificando ao longo da caminhada.

2) Vejamos então, pelo lado positivo, a tal defi-nição:

a) aquilo que eu, no fundo, quero... É o que eu quero e não o que me apetece. O apetecer é sensível e nem sequer está de acordo com a vontade profunda. Não me apetece traba-lhar, por exemplo, mas no fundo eu sei que devo e desejo cumprir esta obrigação... É no profundo do nosso coração que podemos «ouvir a voz» do Espírito. O próprio Jesus experimentou isto na Agonia: Pai, não se faça o que «quero» (= apete-ce), mas Eu quero o que Tu queres (= faça-se a tua vontade). E S. Paulo dizia: não faço o bem que quero, mas aquilo que não quero (Rm 7, 20): há uma divisão nos meus membros!

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É pois preciso libertar o nosso querer que está dominado (afogado) nos apeteceres, medos, pai-xões, atracções imediatas...

b) à luz do Espírito Santo Porque o querer move-se sempre sob alguma luz, algo que o atrai. É a questão das motivações e dos objectivos. A vontade de Deus não é o meu querer motivado (iluminado) só pela ciência, ou a psicologia, ou a sociologia, etc., a apresentar-me o que é bem nesses campos. A vontade busca sempre um bem, e aqui é o bem que o Evangelho apre-senta como «bem para mim» – aquilo que vejo (no fundo) que me identifica com Jesus, com os seus mandamentos e estilo de vida, com a cons-trução do Reino. Esses bens é o Espírito Santo que os mostra e torna atractivos para a pessoa. Trata-se, pois, de se deixar mover pelo Espírito de Deus e não por outros espíritos.

c) depois de tirar os obstáculos Obstáculos à acção do Espírito, que vêm de fora: a mentalidade dominante, as pressões sociais, as mais variadas tentações... e vêm de dentro: os medos, os preconceitos, o comodis-mo-egocentrismo e todas as defesas perante o que pode parecer exigente ou vai pôr em causa o que parece mais fácil e mais feliz.

Vocação e Vontade de Deus

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Então há que «descascar a cebola»: ir tirando todas essas capas (e escamas dos nossos olhos) que não nos deixam ver bem e nos prendem e escra-vizam aos nossos egoísmos e apeteceres. Quando começo a libertar-me disso, então pode vir ao de cima o meu querer que, passado o momento de agitação ou confusão ou medo, encontrará a paz ao identificar-se com o Evangelho, ao assumir e aceitar os movimentos profundos. Então a vontade de Deus para mim é que eu colabore com Ele para viver evangelicamente cada momento da minha vida, e a própria orientação a dar à vida. Isto é a vocação: decidir-se por aquilo que Deus mostra como bom para mim no fundo do meu coração.

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Vocação e Opção pessoal

«E como é que eu sei qual é a minha vocação? Como é que encontro a resposta, a opção certa?»

Os Segredos de uma escolha. Momentos e modos de eleição – segundo Santo Inácio

Em primeiro lugar, a pessoa sinceramente desejosa de encontrar a sua vocação, deve pôr-se numa atitude de disponibilidade, isto é, de aber-tura ou de «indiferença» interior para aderir ao que for melhor (ao que vem de Deus), sabendo, contudo, que está sempre a «defender-se» e a pôr – mesmo inconscientemente – obstáculos àquilo que pode parecer mais exigente e pedir algumas roturas ou deixar outras coisas boas, como é o caso da vocação consagrada. Mas, mesmo saben-do isso, a pessoa tratará de pedir a graça de andar aberta e disponível para os sinais de Deus, tendo «ouvidos para ouvir». Esta é a atitude prévia. Enquanto não nos decidirmos a admitir que Deus pode chamar e não nos dispusermos a ouvir, nada acontece!...

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tão cheios que andamos com outras ocupações, medos e prioridades. E uma vez nessa atitude – pelo menos como desejo –, diz Santo Inácio que o encontrar da vocação se pode dar de 3 maneiras-tipo. Vamos vê-las:

1) Há casos, e não são tão raros como poderia parecer, em que Deus Se manifesta como que di-rectamente, irrompendo na vida da pessoa. É o seguinte: numa determinada ocasião, numa dada situação de vida, do trabalho ou da oração, experimentar uma tal luz... uma convicção interior tal... que não posso duvidar, ainda que à superfície hesite ou tenha medo. Mas é aquilo mesmo que vejo e experimento como bom e positivo, ainda que seja difícil! E isso vem acompanhado de alegria profunda e serenidade de fundo. Santo Inácio dá o exemplo da vocação de S. Paulo e chama-lhe eleições em primeiro momento. É uma graça; podemos pedi-la e ela acontece em tantos casos: «...naquele dia, ao ouvir aquela frase do Evangelho...», «quando entrei naquela casa...», «aquela celebração...», «quando aquele pobre se me dirigiu...», «estava eu na montanha diante do pôr-do-sol...», «no meio da conversa com...», ...enfim! Deus bem pode dar (e dá) muitas vezes esse toque que muda

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tudo, ainda que depois haja um trabalho muito importante de confirmação e concretização, para o qual a ajuda dum director espiritual é importante. É que muitas vezes, sendo verdadeiro o primeiro momento de consolação e chamamento, no se-gundo, em que já pensamos no modo de pôr em prática, pode haver algum engano. Santo Inácio alerta para este cuidado com os «segundos mo-mentos», onde o «mau espírito» nos pode enganar e fazer adiar ou desviar, com aparências de bem. No seu livrinho «Saber escolher», o Padre Carlos Vallés, S.J., conta uma história sugestiva daquele padre que teve a luz de se dedicar inteiramente ao bairro pobre a que assistia... mas, num segundo momento, fez o propósito de visitar todas as casas todos os dias... e a curto prazo ia «rebentando» e estava mal com tudo! Se o primeiro chamamento (dedicar-se intensamente) estava certo, o modo de o fazer já não estava assim tão bem discernido...

2) Um outro modo de eleição (o terceiro, para Santo Inácio, mas há vantagens em alterar essa ordem), é aquele que se dá «mais a frio», mais racionalmente, quando as coisas não desempatam para lado nenhum, embora haja boa vontade. Nestes casos, a estratégia que Santo Inácio propõe é de estabelecer listas de «prós e contras» para cada hipótese a encarar, tentando ver bem,

Vocação e Opção pessoal

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não em teoria, mas para mim concretamente. E depois rezar sobre o resultado desse balanço. Exemplifiquemos. Hipótese A: a) Quais as minhas razões e motivações profundas para a de-sejar? b) Quais os contras? c) E meditar. Depois, fazer o mesmo com a hipótese B. Sempre com o cuidado de não andar a saltar de hipótese para hipótese, sem andar a comparar, considerando uma hipótese de cada vez. E só depois, no final, confrontar e pedir a graça de entender onde há maior peso qualitativo. Isto é: não se trata de saber onde há mais quantidade de razões, mas para que lado pesa mais a qualidade da entrega... onde há maior identificação com o Evangelho. Também uma eleição assim precisa de uma confirmação por empatia com Jesus Cristo (ou com o Pai ou com o Espírito Santo). Confir-mar em oração, onde há mais consolação. Na linguagem de Santo Inácio seria «discernir por consolações e desolações»! E para ele isso é uma característica da eleição em segundo momento, a mais importante, até porque serve para confirmar as outras. É a que vamos estudar a seguir.

3) O modo mais seguro, mais normal e cor-rente para chegar a uma eleição de estado de vida, é entrar num discernimento por consolações e deso-lações. Que quer isto dizer?

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Aquele que pretende encontrar a vontade de Deus, depois de se pôr minimamente disponível interiormente para aderir ao que for melhor, e tendo chegado no seu processo a duas hipóteses (se há mais, corre-se o perigo de confusão!), co-meça por enfrentar uma delas na sua oração, na missa e na vida quotidiana, etc., pondo de lado a outra hipótese, num exercício prático de identifi-cação, imaginando, vendo-se como estaria, agiria, sentiria nessa hipótese. Começará então por pro-curar:

1º – entender bem a fundo o que significa essa opção, o que ela exige, o que ela gratifica, aonde conduz, que estilo propõe, a sua qualidade apos-tólica, a vida espiritual e eclesial que supõe... etc.;

2º – depois de bem observado esse sentido – tão objectivamente quanto possível –, fazer o tal exercício – importantíssimo! – de «se lhe meter na pele». Isto é, tomá-la como se fosse para si, como se já tivesse visto que era por aí... E assim andar algum tempo, rezar e relacionar-se de modo a experimentar em si mesmo as consolações e deso-lações que esse estado lhe produz;

3º – daí, avaliar a qualidade dessas consolações e desolações através das quais Deus fala. Terá pre-

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sente que consolação espiritual é bem diferente de consolação (desolação) sensível. Estas são reacções a estímulos, normalmente sentimentos mais su-perficiais, enquanto que as consolações espirituais são, sobretudo, a experiência de algum aumento de fé, ou de esperança na vida, ou de caridade e justiça. Consolação espiritual é mais sintonia com o Evangelho, ainda que às vezes possa vir acompanhada de medos, apreensões e até desola-ção sensível. Poderá então concluir: onde «sentir» maior consolação espiritual, aí fala Deus! Essa «hipótese» é a vontade e o caminho de Deus. Mas o processo ainda não acabou. Passado algum tempo de assim andar com essa opção – metido nessa pele –, recomeçar o processo, mas agora «metendo-se na outra pele», interiorizando a outra hipótese.

No final – provavelmente – já entenderá, por dentro, qual é a sua própria pele. Mas só no fim se devem comparar, não as hipóteses, mas as consola-ções (e desolações) experimentadas em cada caso. É preciso arranjar tempo e seguir este itinerá-rio. Até que a pessoa conclua praticamente, e não como solução teórica ou meramente lógica. Às vezes não se chega logo a essa conclusão assinalada pela paz profunda, que é diferente de «bem-estar» e até pode, como já se disse, ser

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acompanhada de alguma apreensão. Nesse caso tem que se repetir o processo. E aí, como em todo o processo, a ajuda de um director espiritual ex-perimentado é particularmente importante. Se o processo depois de repetido não for ainda conclusivo, então poderá ser que o Senhor esteja a mostrar outra coisa, como, por exemplo, ∗ que ainda não é tempo, ∗ ou que não há ainda maturidade suficiente, ∗ ou que faltam dados, ∗ ou não havia suficiente liberdade interior, ∗ ou que, talvez, o caminho não seja A nem

B, mas algum C a experimentar, etc.

E procurando encontrar aí a pista certa, numa abertura franca com o director espiritual, recome-çar aquilo que pareça necessário. O Senhor não deixará de Se manifestar na hora certa, que é a sua hora – a hora da graça. E a nós, resta-nos cultivar a paciência humilde e a perseverança confiante, bem como o despojamen-to (pobreza) atento, para que, desejando apenas a sua vontade, o encontro de amigos e de libertação e o encontro da nossa missão no mundo para bem do mundo, que é a vocação, aconteça.

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Sinais de Deus

Os sinais de Deus em nós, os sinais interiores de estar sintonizado com Ele e, portanto, de ter acertado com a sua vontade, não podem deixar de ser senão experiências do que é característico do Espírito Santo. Ora, é próprio do Espírito de amor consolar, é próprio do Espírito de Jesus deixar na pessoa uma paz profunda, conferir-lhe uma alegria apostólica, dar-lhe convicção e senti-do para a Vida, bem como uma esperança realista e um movimento em ordem ao amor e à justiça – um despertar para a construção do Reino. Experimentamos estes sinais como «sentimen-tos» mais ou menos profundos. Mas – atenção! – os sentimentos são uma linguagem ambígua. E a primeira coisa a fazer é distinguir neles dois níveis que muitas vezes se confundem: o dos «sentimentos profundos» e o das «reacções mais imediatas» aos estímulos. Tudo passa através da nossa psicologia, mas podemos aprender a discernir o nível do sensível e o do espiritual. Assim, não é difícil de ver que uma coisa é o «bem-estar», outra é a «paz». Do mesmo modo é diferente a alegria superficial ou

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eufórica e a consolação profunda; a seriedade realista não é a tristeza desencantada, nem a dor ligada à consciência de pecado e ao sofrimento por amor se devem confundir com a ansiedade ou a depressão... Santo Inácio de Loiola deu critérios e regras muito práticas para discernir estas experiências a que chamou «moções» ou movimentos interiores: uns vindos do Espírito de Deus, outros tendo fonte noutras inspirações ou na nossa sensibili-dade. Umas vezes parecem ventos que sopram na mesma direcção, outras vezes parece que se opõem e provocam «estados de alma» mais ou menos confusos, e até contrários. Em resumo, usando a linguagem inaciana: uma coisa é a consolação (e a desolação) sensível, outra coisa é a consolação (e desolação) espiritual. É esta última que importa, e é nela que se mani-festa – no profundo – o Espírito de Deus. Por exemplo: chego a casa cansado e recosto- -me ouvindo uma boa música... posso estar a fazer uma experiência de «bem-estar» mais egocêntrico, pois nesse momento «nada me incomoda». E pos-so, ao mesmo tempo, não estar em paz comigo ou com o meu futuro... ou poderia estar mesmo em paz, e, à superfície, sentir-me agitado, com dúvidas e preocupações... ou ainda, sentir essa consolação profunda de quem sabe o que quer e

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está aberto ao outro, e tudo isso acompanhado de uma tranquilidade sensível... Independentemente dos sentimentos de su-perfície e dos ventos que correm, o que indica se um pensamento ou uma acção, uma palavra ou uma atitude e um projecto vêm de Deus, é a con-solação profunda (espiritual) que estas situações, esses actos produzem. Conhecemos as árvores pelos frutos. Oiço uma palavra do Evangelho, sou interpe-lado por uma situação social, formulo em mim um certo projecto de futuro... o que estou a pen-sar, sentir, desejar, vem de Deus? É vontade de Deus? Vamos ver o que isso produziu em mim. Se experimento uma consolação espiritual, é sinal que o caminho é por aí. É a indicação que o Senhor me dá. Mas o que é consolação espiritual? Santo Inácio define-a bem: todo o aumento (todo o movimento positivo) de fé, de esperança e de caridade. E que fazer quando experimentamos o vazio, a desolação? Aí a grande regra inaciana a ter presen-te é a seguinte: «em tempo de desolação não se fa-zem mudanças, nem opções». Claro, seria fazê-las sob um pendor negativista, egocêntrico... ao saber dos maus ventos... Então, que fazer? Esperar pa-cientemente que passe essa onda negativa e escura

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para ver claro; e, para isso, rezar mais, fazer algum acto de humildade, penitência, abrir-me com alguém experimentado que me ajude a vir ao de cima... Aliás, a desolação pode ser muito útil por-que me purifica, me faz entender melhor como sou fraco, como tudo é dom, e como preciso de vencer o egoísmo que se está sempre a intrometer nos processos pessoais. Mas a vida é alternância e a consolação vol-ta sempre. Quando se experimenta de novo a consolação e ela se vai confirmando na oração e na acção, então agir segundo esse bom sopro do Espírito de amor, de fé e de esperança. É como saber andar nas ondas e navegar à vela. Importa ter um rumo, e o leme na mão. Mas os ventos podem agitar-se e até ser contrários. Tor-na-se mais difícil navegar, e é preciso fazer alguns bordos, mas não vamos – por causa disso – perder o Norte, nem muito menos pensar que o cami-nho está errado ou é na direcção oposta pelo facto dos ventos para aí apontarem e empurrarem. Outro exemplo: Imaginem que vão de bicicle-ta numa boa estrada, plana, e com vento a favor. A consolação sensível (o vento) a ajudar a conso-lação espiritual (a determinação de pedalar) tam-bém naquele sentido. Chega a um ponto, e vem uma subida, e para mais o vento, forte, torna-se contrário. Continuar é doloroso e cansativo; sur-

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ge a tentação de desanimar. Seria ilógico, nessa al-tura, começar a pensar «devo-me ter enganado na estrada... talvez não tenha visto bem no mapa...» e virar a bicicleta para trás, descida abaixo, com o vento a favor! Parece ridículo, mas é o que às vezes acontece. E contudo, o sensato, o espiritu-al, seria dizer: «agora custa mais, mas já vi que o caminho é este» (consolação espiritual); quando muito, paro para levar a bicicleta à mão na subida e espero que o vento amaine para continuar. Os sinais da vontade de Deus são a paz e as convicções profundas evangélicas espirituais, que acompanham os desejos e decisões. É preciso confirmá-las no dia-a-dia pois, muitas vezes, são postas à prova por várias tentações para se purifi-carem e fortificarem. «Não temais», repete Jesus a cada passo. E no meio do mar, quando a tempestade cai e os ven-tos são contrários (pobres dos discípulos), Jesus e as opções parecem um engano! Jesus dorme ou parece um fantasma, mas acalma a tempestade, ensina a não perder o Norte e a navegar no lado da vida. «Dou-vos a Minha paz»... «não a dou como o mundo a dá»!

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«A arte de ajudar a Discernir»e a importância de ser acompanhado

A Direcção espiritual, no discernimento vocacional

O acompanhamento vocacional é um capítulo especializado do acompanhamento interpessoal (ou da «direcção espiritual», cujo nome aqui não discuto), mas não se quer dizer com isto que é só feito por especialistas, para casos especiais. A primeira ideia já muito repetida neste livro é que todo o homem é um vocacionado, e a vo-cação cristã não é algo lateral, de uns poucos, mas a personalização cristã de todos e de cada um. Só que ninguém faz esse processo sozinho. Assim, apresentarei 10 tópicos que caracte-rizem um recto acompanhamento e, por outro lado, mostrem a importância de procurar ajuda experiente no discernimento.

1. Acompanhamento é «arte» e «processo»

É arte, porque é um carisma, uma certa vir-tude mais conatural de alguns; mas também é processo. É processo, porque essa virtude deve ser

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educada, sem demasiadas confianças na intuição; e porque não há acompanhamento sem forma-ção. Aliás, acompanhar acaba por ser uma técnica adquirida que pode ser, portanto, exercida pela maioria quando nos centramos no outro, pelo outro, e nos tornamos sensíveis ao Espírito que fala em nós (e é quem discerne, afinal!). Deixar-se acompanhar é também virtude: hu-mildade, consciência de ser Igreja, e necessidade, porque quem está envolvido necessita de «objec-tivação».

2. Acompanhar é falar de experiência própria

Não só não se trata de comunicar teorias a outro... como só na experiência se aprende a acompanhar. É na reflexão sobre a experiência e os casos que se avança. Mas nunca seja casuística ou classificação simplista, nem catalogação do «paciente», nem comparações... Se não é indicado tirar notas durante a conversa, é útil fazer breve memória de cada encontro e ir avaliando também o andamento do processo, dando-se conta dos sinais, aprendendo, corrigindo, ensaiando. Pedir também ao acompanhado que avalie.

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3. Acompanhar é pro-proposta e res-posta

Uma relação humilde de dar e receber. Não só estar disponível para acompanhar quem pede, mas ter também a humildade de se oferecer para esse serviço com propostas oportunas que não forçam, mas despertam... oferecer-se para quem quiser, e investir concretamente durante o processo. O não-directivismo tem o seu lugar enquanto é um processo centrado no outro, mas não é puro não-directivismo, já que se trata de um ministério e há conteúdos a comunicar, metas e meios a propor. Um serviço-peregrinação: exortar, despertar, clarificar, estimular, preparar a autonomização do outro... e desaparecer (1 Tes 2, 11-12/Act 20, 31).

4. Uma peregrinação e não um acumular de entre-vistas

Isto é: com princípio, meio e fim. Da consciência e importância do ponto de partida e dos objectivos a alcançar, falarei a seguir (tópico 5). Aqui, tratarei de reflectir sobre os meios a usar e o modo e oportunidade de os propor: 5 tipos de meios de crescimento e confronto: ∗ Para uma Vida de Oração: meditação, dis-cernimento, avaliação.

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∗ Para as relações humanas: família, mundo afectivo e sexual, amizades. ∗ Para uma vida saudável e responsável: des-porto, leituras, trabalho. ∗ Para o serviço: abertura apostólica, contac-to com pobres.

5. Acompanhamento: a) donde? e b) para onde?

a) Há-de ser uma primeira preocupação en-quadrar (e entender) a história pessoal, as raízes, a situação e referências do acompanhado, para que este tome consciência e possa gerir melhor a sua situação. Assim:

1) Enquadramento sociológico. Uma boa faixa da juventude vive «sem lar», espaço próprio de gratuidade e intimidade. Peter Berger, em «Un mundo sin hogar», retrata deste modo uma das características da nossa sociedade. Não admira pois a necessidade de um confidente que o Acom-panhamento pode proporcionar.

2) Numa perspectiva psicológica, vivem muitos uma situação social marcada pela «morte do Pai». Não admira que o procurem nalguma figura de segurança e fascínio. Não admira também que tantos desequilíbrios nas relações afectivas (é pre-

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ciso estar mesmo atento a distúrbios na área da homossexualidade...), venham das roturas fami-liares e consequentes ausências. O Acompanhan-te, ainda que visto como «pai-espiritual», não é um substituto do pai e não deve facilitar esse tipo de dependências. Pode, sim, ser um irmão que ajude a caminhar para a maturidade: porta para fazer a experiência do Pai (Deus) e da fraterni-dade. Num mundo onde não há Pai, os homens deixam de ser irmãos.

3) Eclesiologicamente, vive-se a ausência da mãe. Por um lado, a busca de experiências comu-nitárias, mas sem Igreja-Mãe, normativa e única. «Cristo sim, Igreja não!» Vale o subjectivo, vale a síntese com que cada um se arranja... O Acom-panhante pode ser e dar a imagem de uma Igreja que acolhe com universalidade, com linguagem adaptada (não clerical e formal), tornar-se «alen-to» vital, presença do Espírito.

b) Para onde? (Descobrir o ritmo e ter claras as etapas...)

1) Num primeiro momento os objectivos são: – que o acompanhado chegue à leitura positiva da sua vida (como história da Salvação);

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– que descubra (em consolação inaciana) a sua própria riqueza pessoal – o tesouro divino (talen-to) que ele é; – que esse aceitar-se e apreciar-se faça despo-letar o desejo do grupo e/ou de acção onde en-contre confronto e investimento que solidificam a identidade e são plataforma para outros voos (decisões).

2) Num segundo momento: – tendo já, desde o início, desmitificado a questão da vocação como voz mágica ou algo escondido... para a entender como «aquilo que eu (no fundo) quero, à luz do Espírito Santo, de-pois de ter tirado todos os impedimentos»; então: buscar e encontrar essa vontade de Deus: «que eu seja Eu»; já que, cristãmente, vocação e persona-lização coincidem. Não se trata de uma sobrena-tureza (graça) a acrescentar a uma natureza. Mas é o próprio chamamento vocacional que é o filão interior do tomar-se pessoa-em-Cristro.

6. Qualidades do Acompanhante

A longa lista de 17 grupos de qualidades que caracterizam o Director espiritual no livro clássico de Mendizabal, «Direccion Espiritual», merece uma reflexão. Muitas delas referem-se à

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capacidade de «conduzir» uma entrevista inter-pessoal. Aqui sublinho 4 capacidades a desenvolver:

1) incarnação (à maneira de Jesus Cristo): a) «meter-se na pele» e na história do outro sem violência nem manipulação; b) encontrar a linguagem própria do outro, da sua mundivisão; c) ser homem do tempo presente, nos conheci-mentos e sensibilidades; d) descentrar-se... estar em conversão pelo ou-tro.

2) capacidade de clarificar e distinguir: clarificar objectivos, desfazer ambiguidades de várias espé-cies, saber retomar o fio e situar momentos. Dan-do segurança e desfazendo falsas dependências ou pretensas conclusões.

3) conhecimento dos movimentos interiores (es-pirituais-psicológicos): discernir em si próprio e no outro as moções, estados de alma e, sobretudo, a qualidade das motivações. Conhecer os modos e os tempos de eleição segundo o Espírito.

4) abrir portas e horizontes: nunca, mesmo nos tempos de maior impasse, «encurralar» o acom-

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panhado. Por exemplo, quando se cai sem saída na alternativa A ou B sem ser capaz de se decidir: pode ser sinal que a saída é outra – C; pode C significar que ainda não é tempo de deslindar A ou B...

7. O compromisso do acompanhado

Nem sempre se está em condições de iniciar um processo formal. Há vantagem em chegar a esse «pacto» mútuo assumido de ambas as partes! É ponto zero do processo a real determinação de se deixar acompanhar com objectivo clarificado, com certo ritmo (mais que um ritmo certo), sem sal-titar, procurando outras pessoas. Estar disposto a abrir-se e dar-se a conhecer com alguma continui-dade é o primeiro teste para chegar a bom termo.

8. A clarificação das motivações

Este é o ponto central: o das motivações in-conscientes. Todos nos movemos ou por necessidades, buscando o que é bem para mim, ou por valores, buscando o que é bem em si. Ora esta realidade não é pacífica... antes é uma luta que também se experimenta como tensão entre o eu real e o eu ideal.

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Consideremos três categorias de sujeitos: Alguns (os da primeira categoria), como São Paulo, no exame-de-consciência já têm consciên-cia das próprias contradições e vão aprendendo a viver com elas: «Não faço o bem que quero e faço o mal que não quero»... (Rm 7, 19). É fácil encontrarmo-nos com outros jovens incapazes de conciliar os seus «eus» e motivações, revelando inconsistências de personalidade. En-tram no campo da patologia e é preciso todo o cuidado para o identificar correctamente. O grande grupo restante experimenta e sente essas tensões sem as saber situar, nem porquê. Não são inconsistências da personalidade partida ou confundida nos seus «eus» e planos, como no grupo anterior. São antes pessoas para quem o processo de acompanhamento e discernimento das motivações inconscientes tem lugar primor-dial. Situações de medos e marcas de infância, infravaloração, confusão entre o ideal e o idea-lismo, perfeccionismos educacionais, projecções inconscientes... etc., etc., podem ser deslindadas e assumidas. N. B. – Para aprofundar esta caracterologia, cfr. Rulla s.j., Strutura, Psicologia e Vocazione.

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9. Um exemplo – tipo de acompanhamento no Evangelho

O itinerário ou peregrinação de Emaús. Julian Barrios, s.j., em Sal Terrae (Maio 85), explora muito bem estas «pautas para um itinerário se-gundo Lc 24, 13-35», fazendo uma leitura ina-ciana do texto. Podíamos recorrer a outros textos: para a entrevista, os diálogos com a Samaritana ou Nicodemos; para o percurso de acompanha-mento, o percurso de Paulo com Ananias ou mesmo a caminhada de deserto de Elias.

Assim, resumidamente:

1º ponto: Jesus em pessoa, aproxima-se e põe--Se com eles a caminhar (vs. 16). Fazer caminho com... 2º ponto: Mas estavam cegos... (vs. 17). Nós esperávamos... mas... (desolação); Jesus interroga sobre a história... informa, propõe, recapitula. Leitura da vida-consolação. Não estava o nosso coração a arder... (vs. 32). É o discernimento dos Espíritos. 3º ponto: Fica connosco... (vs. 29). O despo-letar da liberdade interior, do assumir o desejo clarificado – início da integração afectiva.

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4º ponto: abriram-se então os olhos e reco-nheceram-No (vs. 32); reconheceram ao partir do pão (vs. 31). Captação da experiência-presença de Deus pelos sinais. 5º ponto: não tinha o Messias que padecer para entrar na Glória? (vs. 26). Seguimento de Jesus – ver-se identificado com o processo de Jesus. 6º ponto: e levantando-se, voltaram a Jerusa-lém... e encontraram os 11 reunidos (vs. 34). Reencontro-criação da Comunidade, construto-res com outros do Reino.

10. O Acompanhante faz entrar em jogo a Trinda-de, (e não o deve esquecer):

a) «exerce» e revela a Paternidade – enquanto a sua atitude é sair de si de modo criador e personali-zador dos demais, abre caminho, informa, propõe. Põe o acompanhado em relação com seu Pai.

b) «exerce» e revela a Fraternidade – à luz de um Deus que Se faz acompanhante humano – ir-mão. Uma proximidade que comparte alegrias e tristezas, desbloqueia a liberdade e dá consistência de comunidade. Abre-lhe a porta da relação pes-soal com Cristo.

«A arte de ajudar a discernir»

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c) é alento que suscita e serve a vida. Como instrumento do Espírito Santo, cria condições para que seja Ele o mestre e guia interior. O Es-pírito é – em pleno sentido – o Acompanhante Espiritual.

E não é a Vocação o encontrar, viver e de-senvolver no Espírito, a Comunhão-Seguimento com Cristo em direcção ao Pai?

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III

SEGUE-ME

pontos para 10 exercícios de meditação

1. descomplicar... 2. o nosso verdadeiro Nome 3. o direito a ser feliz 4. da cegueira à visão 5. «ouvir» Deus 6. horas difíceis 7. os «bons» e os «amigos» 8. sabedoria na luz e nas trevas 9. o preço da liberdade 10. quem perde ganha

– Textos bíblicos

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Segue-Me

Esta é a palavra-chave de toda a Bíblia, de toda a História de Salvação, que é a história da vocação de cada um e de todo o povo. Vem, estabelece uma relação (aliança) comigo, eu te envio! O homem, humanidade que é chamada à vida para gerir o mundo. Abraão, deixa a tua terra e vem: farei de ti o pai de um povo escolhido... Moisés, que é chamado a ser libertador e condu-tor de um povo que caminha. Esse mesmo povo que é chamado aos mandamentos, para ir e esta-belecer uma terra prometida, um novo templo. Os profetas, os Reis, cada um, chamados a ir e anunciar e a denunciar as injustiças, a construir o Reino, a apontar o caminho da esperança e da salvação. A história de uma aliança, isto é, de uma vocação. E o Novo Testamento é uma nova aliança, uma nova vocação de cada um e do corpo todo de tudo transfigurar e integrar em Cristo. Vem, diz Jesus continuamente, farei de ti... eu te envio... Pedro e Tiago... Zaqueu como Mateus, Marta e Maria ou Madalena, Paulo e Barnabé... todos desafiados

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a uma nova relação que inclui uma missão – o Reino de justiça e de paz: ide e baptizai, é a vossa vocação – banhai a terra, envolvei-a no amor, na fé e na esperança em Cristo Ressuscitado. Por isso vocação não é só para alguns espe-ciais. É para todos (povo escolhido, chamado a ser Corpo de Cristo) e para cada um (chamado a ser membro vivo, talento e dom para o bem de todos). O homem torna-se humano quando ouve a «voz», o apelo interior e exterior a humanizar-se. O cristão ouve na oração e no discernimento dos sinais dos tempos, por dentro e por fora, o apelo a construir o Reino. Segue-Me. As próximas páginas propõem algumas medi-tações e exemplos que possam servir de estímulo a encontrar o caminho próprio que tendo sempre muito de comum, nunca se confunde, nem copia, mas é único, pessoal e intransmissível, fruto de relação interpessoal, fruto do Espírito Santo. Chamamento na liberdade, apelo à libertação. E aí eis a questão: Todos são chamados mas nem todos são «esco-lhidos», isto é, nem todos respondem em liberda-de e estabelecem a aliança. Há que pedir a Deus a graça da liberdade e da fidelidade na resposta que nos constitui como escolhidos.

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Nem simples, nem complicadoO caso de Mateus (Mt 9, 9)

Esta cena que Mateus conta, como resumo da história da sua vocação, é impressionante. Parece tão fácil e tão rápido. Estava ele sentado à sua secretária a trabalhar, Jesus passa e diz-lhe: Segue--Me! E ele, levantando-se, segue-O. Pronto. Tão simples como isso. Que história estará aqui por detrás?! O que habitualmente vemos é que as op-ções são tantas vezes fruto de luta, levam tempo, há ocasiões de confusão, hipóteses, medos, etc... até que lá vem o momento do «clic» onde tudo se clarifica e ilumina. Outros casos parecem logo lúcidos e decididos rapidamente! Mas depois lá virá – sabe-se – algu-ma experiência de luta e de purificação dos desejos e motivações. É a vida que é complicada ou somos nós que a complicamos? De qualquer modo que seja, Cristo vem descomplicar-nos. Não tenha-mos inveja de Mateus que teve certamente o seu processo. A vocação não é toque mágico! A sua profissão era bem mal-vista na época: cobrador de impostos. Mas o chamamento – segue-Me – não escolhe profissões. Escolhe corações.

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Aquele que está agarrado ao seu trabalho no campo ou na cidade, o que está na sua banca de oficina, ou com os seus livros de estudo... precisa é de desejar algo mais, ter um ideal grande. Se está «satisfeito» e agarrado, tem aí a sua primeira com-plicação. Está preso e isso torna-o surdo. E tudo o que o chamar e desafiar produz conflito. Mas se quer mais... está pronto a tudo largar. Mateus sabia bem que viria o Messias, desejava-O, mas teve de se sentir amado, apreciado por Ele. Nin-guém segue o que não ama. Quem está instalado e à defesa não pode crescer. O que complica a vida é aquilo que nos pren-de, aquilo a que nos agarramos buscando segu-rança. O que nos complica as respostas é a falta de objectivos. Resulta, pois, que ouvir e seguir a voz de Deus exige de nós descomplicar a vida, hoje tão cheia de sobre-posições, e clarificar (objectivar) o que vai no coração de cada um. E Ele continua a dizer: Segue-Me.

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Encontrar o nosso verdadeiro NomeJoão, André, Pedro... (Jo 1, 36-41)

Precisamos de quem nos aponte o Caminho... Mas é o contacto pessoal com Cristo que nos faz descobrir o nosso Nome. João Baptista era um homem atento aos ou-tros, pronto a anunciar a verdade que vê e a pro-mover o futuro de cada um: um autêntico Profe-ta. Viu passar Jesus e apontou-O aos seus: «Vai ali o Cordeiro de Deus». Esta expressão fortíssima era como se dissesse: o teu libertador, aquele por quem sonhas, quem tem a chave da tua vida! «En-tão, dois dos seus discípulos seguiram Jesus». Imaginemos a cena... Aqui começa a longa his-tória de amizade. Jesus volta-Se: «– Que buscais?» Pois só quem procura encontra, e um homem sem desejo não é nada. Eles, de surpresa, responderam – e bem!: «– Onde moras?» Isto é: como vives, quem és, que nos ofereces? E, sabiamente, Jesus não responde com nenhum discurso, mas com um convite a experimentar: «Vinde ver», arrisquem. (Aliás só O conhece quem O segue). «Eles foram e passaram lá o dia todo». E não só isso... vinham de tal modo que «um deles, André, levou logo lá o seu

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irmão Simão»; e depois outros se seguiram. O en-contro de Simão foi tal que veio com um nome: Pe-dra. É que a relação pessoal com Cristo dá-nos uma missão – um nome novo! Neste caso, que ele fosse «fundamento». Ora, é aqui que é preciso chegar na história de uma vocação: ao nosso verdadeiro Nome. Tudo isto começou com aquele apontar que não foi imposição, nem empurrão indiscreto, nem muito menos manipulação. São precisos ho-mens livres que chamem os outros a arrancar sem se intrometerem. Mas alguns, por falta de sabedo-ria e humildade, fazem com que se fique a olhar para o dedo deles em vez da direcção apontada. Somos chamados para, por nossa vez, chamar. Assim começou o primeiro grupo e a Igreja, numa longa cadeia de chamados. Hoje faz falta quem venha ao encontro do nosso querer profun-do e lhe abra o caminho, o resto é com o Senhor. Diz S. Paulo aos Romanos: como vão aderir se não ouvirem o apelo? E como podem ouvir se ninguém anunciar? Se já ouvi, porque não sigo? Se sigo, porque não chamo? Livrai-nos, Senhor, dos «zelosos» que querem impor aos novos as «suas vocações», como dos «respeitadores» que nem disso falam. Mas dai- -nos a sabedoria do velho Heli que soube criar as condições para pôr o jovem Samuel em diálogo aberto com o seu Senhor (1 Sam 3, 9).

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Temos o direito de ser felizesDeus também o quer, mas há muitos enganos!

Um jovem rico (Mt 19, 16-30)

«Se queres ser perfeito... deixa tudo... e segue--Me!» Este apelo de Jesus, directo, sem mais modela-ção, tem incomodado muita gente de há quase dois mil anos para cá. Note-se que o apelo é uma res-posta que parece ir ao encontro de um desejo, com toda a liberdade: «Se queres...». Mas a sequência do texto não é menos incómoda: «o jovem voltou para casa triste, pois tinha muitos bens». Que pretendia ele? Quantos não têm esboçado igual desejo e, contudo, parece que o peso das coi-sas e das situações bloqueia a liberdade e a alegria, deixando-os a revolver-se mais sós entre ideias confusas e medos. Porque tememos? Porque não seguimos? Jesus diz: dá tudo e terás um tesouro nos céus e já aqui. Será porque não se vê? Mas todos gostamos de boas trocas. Importa considerar dois aspectos. Primeiro, Jesus, que não dá respostas teóricas, também não pede teorias, nem sequer apenas algumas práticas

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que se podiam tornar num alibi farisaico de uma perfeição à nossa moda. Era a primeira coisa que o rapaz precisava entender. O Senhor pede que O si-gamos a Ele, como pessoa e não teoria, sem condi-ções, porque a perfeição, afinal, é o abandono-risco de amor n’Aquele que nos merece confiança. É preciso vê-Lo como Alguém que vale mais que tudo; tê-Lo como Salvador único, como pé-rola ou tesouro de que também fala a parábola de Mateus 13, 45-46, pelo qual o homem, alegre-mente, deixa tudo, vende tudo. Temos esta imagem de Cristo? Quem é Ele para ti? O segundo aspecto tem a ver com a nossa li-berdade interior. Que dependência tenho daquilo que não é prioridade? Esta liberdade é o contrário da «riqueza» denunciada no Evangelho: «Como é difícil um rico entrar...», comentou Jesus. É preciso exercício de ir largando amarras e fazen-do escolhas, mas não é só cumprir por fora, nem voluntarismos. É doação, aventura, amor, isto é, Graça, que ao homem sozinho não é possível, continua Jesus a explicar. Se a Igreja e a família não nos ensinam – fa-zendo experimentar – a alegria de prescindir mais que consumir e de dar mais que receber, não é possível. Num mundo onde tudo é busca de seguranças

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96 Vocação e Vocações Pessoais 97Temos o direito de ser felizes

e onde vale mais o ter que o ser, a vocação parece uma violência ou uma fatalidade imposta a alguns. Hoje, em muitos casos, a grande dificuldade em Seguir vem até dos próprios pais que não só pare-cem donos dos filhos como incutem falsas noções de felicidade. Mas Felicidade não é facilidade. «Que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se com isso perde a sua alma», o seu ser livre, a sua capacidade de amar, a sua verdadeira vida? (Mt 16, 26). Não sabemos o que aconteceu depois com o jovem rico. Sabemos, sim, que a interpelação de Jesus deve permanecer como um teste à maturi-dade dos nossos desejos e das nossas relações; não como um peso impossível, mas um desafio que faz abrir os olhos e maturar. O que está em causa é a nossa maneira de estar no mundo em liberda-de criativa que não se alcança sem visão de con-junto e sem capacidade de rotura. Jesus veio tirar o medo e a tristeza, bem como superar a noção de «perfeição» que anda ligada a eles. A vocação não é o desejo de ser perfeitinho, cumpridor, sem realismo e sem futuro. Também não é passar para o clube dos «bons», num mundo maniqueu. A vocação amadurecida é querer segui-Lo conscientes das nossas imperfeições, porque Ele nos olha, assim, cheio de amor, como diz a versão de S. Marcos (9, 21) desta mesma cena.

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Da agonia à visão: o caso de PauloDeus aproveita as nossas contradições, mas é preciso

«desmontar os nossos esquemas» (Act 9, 1-23)

Perseguir – Seguir – Prosseguir. Com estes três verbos se pode resumir o itine-rário espiritual de S. Paulo. Saulo era um jovem activo, judeu convicto que em nome da sua ver-dade (e de algo mais do seu «ego») perseguia os cristãos como autêntico «ponta de lança». Mas, um belo dia, na Estrada de Damasco... – e há sempre um dia destes na vida de cada um! – caiu abaixo da sua auto-suficiência. Houve uma per-gunta que o fez parar: Porque Me persegues? Tal como quando a consciência nos adverte e nos faz essas perguntas óbvias que a todo custo queremos evitar, mas nos põem em questão: – Que andas, no fundo, a fazer? Já pensaste bem na vida? Afi-nal, porquê? Para quê?... E Paulo, naquele mo-mento, perde «o seu norte». Mas logo, já mais humilde, responde: Quem és tu? Que devo fazer então? E eis que surge um tempo de confusão e de luta interior que o encontro com alguém mais experiente, um «director espiritual», por exemplo, pode clarificar e objectivar. No caso de Paulo, foi

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Ananias que o fez «recobrar a vista», como diz o texto. Deus, que pode «fazer das pedras filhos de Abraão», faz de Saulos de Tarso S. Paulos de todo o mundo. De perseguidores, seguidores. Mais vale perseguir e ser contra, ter uma razão e opor-se do que ser amorfo por comodismo, falsamente desinteressado ou mero seguidor sem decisão. Paulo não conhecia Cristo-vivo e perseguia aqueles que, para ele, seguiam um morto condenado. Mas quando se fez luz e Viu (entendeu) Cristo presente (vivo) nesses irmãos, Paulo «desmonta». Tudo muda e, agora, há que prosseguir a sua obra: «Para mim viver é Cristo! E se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa Fé!». Aí o temos, de novo, percorrendo as Estradas da Vida a levar a Boa Nova: «Ai de mim se não evangeli-zar!». É desta massa e com estas contradições que se fazem os apóstolos. É compreensível que muitos jovens ataquem a Igreja onde não vêem vida, e não encontrem nela a libertação, mesmo em nome das suas noções de justiça e de verdade. Perguntemos também a cada um: Que perse-gues? De que é que andas atrás na tua vida, nas tuas lutas, nos teus estudos e divertimentos, nas tuas amizades?... E é possível que num momento de confronto ou de despojamento de tantos artifí-cios e de tantas ideias feitas com que nos andamos

Da agonia à visão: o caso de Paulo

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a enganar ou a defender, nos caiam as «escamas dos olhos» e, então, se faça luz. É que, como S. Paulo descobriu, «Quando sou fraco é que sou forte!». E não há mais que temer esse passo de entrega: «Sei em quem pus a minha confiança».

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Entender os sinais(e a «Voz») de Deus

O discernimento em Inácio de Loiola (E.E., 91-98)

A figura que nos servirá de reflexão é Santo Inácio de Loiola. Inácio não foi, como Paulo, um perseguidor. A sua atitude na vida era mais próxima do que, actualmente, chamaríamos um «não praticante»; alguém que anda longe destas coisas de Deus, muito mais pronto a responder às honras e glórias da cavalaria... atento sim, mas às coisas munda-nas. Um dia, não caiu do cavalo como Paulo, mas partiu uma perna numa batalha. E, nessa para-gem forçada, começou a dar atenção a outras coisas. E lendo a vida de Cristo e dos Santos, por não haver outra coisa a seu gosto, dá-se conta de novos apelos e interpelações. Começa então a história de uma relação que desabrochará, aos poucos, e se irá concretizando... E, mais tarde, no seu livrinho dos Exercícios Es-pirituais deixa as pegadas bem vincadas. Podemos seguir esse percurso na meditação central a que ele chamou Meditação do Reino ou do chamamento

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do Rei. Aí se diz ao exercitante que, «vendo com a vista imaginativa Cristo que prega, peça a graça de não ser surdo ao seu chamamento, mas pronto e diligente para seguir a sua vontade». Ora, a sua vontade «é conquistar toda a terra» para o Pai, para o bem. E como seria «indigno cavaleiro» quem não respondesse à altura! Foi esta a vida de Inácio: dar resposta, dis-cernindo cada momento. Mas isso precisou de clarificações: 1) A Vocação é fruto de uma relação entre pessoas, nasce e toma forma num diálogo aberto. Não se trata de uma descoberta teórica de uma predestinação, nem de um voluntarismo que ten-ta pôr em prática uma ideia própria. 2) A Pro-posta de Deus pede Resposta do homem. E a relação que se produz faz amigos no mesmo compromisso e missão. Tornando ao texto de Inácio, o Rei diz: a minha vontade é levar a fé e a justiça a todos, portanto, quem quiser vir comigo há-de comer como eu, vestir como eu... trabalhar comigo, para que seguindo-Me na pena, também Me siga na glória. A Vocação é, pois, tornar-se companheiro, «andar comigo nas» alegrias e trabalhos... Não é uma atitude de busca isolada, mas Viver-com. É uma experiência de amizade, onde vão caindo as

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102 Vocação e Vocações Pessoais 103Entender os sinais (e a «Voz») de Deus

condições, onde vai crescendo a intimidade, onde cada um dá e recebe e a Missão é a mesma. 3) Que significa para ele Seguir? Santo Inácio usa a expressão «ter parte comigo nos trabalhos e na vitória». E a partir desta meditação dá um conselho ao iniciar todas as outras: «Pedir conhe-cimento interno (isto é, intimidade bastante e sintonia), do Senhor que por mim (é pessoal!) Se fez homem, para que mais O Ame e O Siga». É que ninguém segue o que não ama; e nin-guém ama o que não conhece.

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Que fazer nas horas difíceis?As tentações de adiar, duvidar, presumir...

(Lc 9, 57-10, 6)

No final do capítulo 9 do Evangelho de S. Lu-cas narram-se três encontros com Jesus: tão rápi-dos como fortes, mas cheios de mensagem. Há alguém que se aproxima e diz: «Seguir-Te--ei para onde quer que fores». E Jesus, certamente vendo nele a presunção, corta secamente: «As raposas têm as suas tocas..., o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça». Na cena se-guinte é o próprio Senhor que interpela outro: «Segue-me». Mas esse começa a adiar, a propor desculpas: «Deixa-me ir primeiro» fazer isto, aca-bar aquilo... Mas Jesus não pactua e diz-lhe: «Que os mortos enterrem os mortos; tu vai anunciar o Reino». Isto é: não confundas as prioridades, nem te confundas a ti; o urgente pode não ser o mais importante nem sequer o necessário. Tu, parte! Na terceira cena é outro que se propõe: «Se-guir-te-ei, mas... deixa-me ir primeiro despe-dir...». Este já não vem com pretensas obrigações, mas cedências a certos afectos que produzem hesitação e prisão. «Quem deita a mão ao arado e

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olha para trás, não é apto para o Reino», responde Jesus. Ora aí temos: a) presunção que depois não aguenta o realismo da vida, nem o despojamen-to; b) tentação de adiar por razões que parecem importantes; c) quebra e hesitação por afectos não purificados nem ordenados. Jesus bem sabe que somos assim. Mas a voca-ção é, antes de tudo, uma Graça que Ele dá. E en-tão não resta mais do que confiar e lançar-se, por-que Ele não faltará. E nós, conscientes dos nossos limites e tentações, não vamos pôr a confiança em nós próprios, nem iniciaremos o discernimento a partir dos nossos interesses e mentalidades. Na minha vida há escuta, discernimento, cora-gem? É curioso que logo a seguir a estes encontros desencontros, S. Lucas começa o capítulo 10 com o envio dos 72. Assim: «Depois disto, Jesus desig-nou (isto é, escolheu e chamou) outros setenta e dois e enviou-os à sua frente», dizendo sem mais: «Ide», sem bagagem, sem apoios, levar a paz a quem for capaz de a acolher. E se assim foi, porque não nós? Estou instala-do? Adio as decisões? Hesito? Mas é o Senhor que dá a força e a capacidade para trabalhar na «messe que é grande, mas com poucos operários», como diz o texto logo a seguir.

Que fazer nas horas difíceis?

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Não se trata de não ter dificuldades. Trata-se de estabelecer esse encontro de amigos que me salva pondo-me a salvar outros.

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Vocação não é para os «bons»,é para os amigos

E cada um do seu modo: Pedro e João... (Jo 21, 15-19)

Certo dia, Jesus perguntou a Pedro: «Quem dizem os homens que Eu sou?... E tu, que dizes?» (Mt 16, 13-16). Era uma pergunta teórica, di-rigida à inteligência e à perspicácia. Nem todos faziam a mesma ideia de Jesus, mas Pedro, esse, respondeu bem: «Tu és o Messias, o Salvador». Já era uma grande graça tê-lo identificado e ser capaz de o dizer. Mas era ainda uma experiência superficial, «colada com cuspo»; ele nem sabia bem o que dizia. Tanto que pouco tempo depois já Pedro negava o Senhor três vezes: «Não sei quem é, nunca o vi!» (Mt 26, 70-74). Veio então a grande crise. Pelo lado de Cristo, o drama e o «falhanço» da cruz. Pelo lado de Pedro, o confronto consigo mes-mo: a tomada de consciência da sua fraqueza, o arrependimento, a dor. Mas eis que uma segunda vez Jesus se aproxi-ma de Pedro e lhe põe de novo a questão. Agora já não lhe pede nada de cerebral; é uma questão

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de amor: «Pedro, tu amas-Me?... Tu és meu ami-go?... Tu amas-Me mais do que estes?». Assim, três vezes. Pedro deve ter-se sentido fulminado. Para isto não havia resposta teórica, nem evasão possível, e por isso o seu coração foi direito ao ponto – hu-mildemente: «Senhor, Tu sabes que sou teu ami-go, Tu sabes que Te amo...». Também sabes que Te neguei! Pronto. Estava feito o percurso do amadure-cimento. Estava purificado o sujeito e clarificado o objecto. E o Senhor diz-lhe: «Então, Pedro, vai ter com os meus irmãos, trata deles, serve-os». É que amar significa este agir efectivo: descobrir a quem servir e pôr os meios para o fazer. Já não é teoria, nem só bons desejos; mas já é a afectivida-de feita efectividade, traduzida em gestos bons e eficazes. Grande é esta graça e este caminho por onde o Senhor nos quer levar! Pedro tem ainda uma leve recaída de um momento (somos assim!) ao querer saber, curio-samente, do destino e do caminho de João. Mas o Senhor sempre atento a recuperar-nos (e por isso não tenhamos medo ...), diz-lhe: «Pedro, isso é problema dele, não te percas com outras coisas; tu SEGUE-ME!».

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Na crise, na desolaçãonão fazer mudanças

A sabedoria na luz e nas trevas (Jo 6, 68; 8, 12)

Quem nos mostra o caminho? A quem ire-mos? Quem nos salva?... Quem me garante que vale a pena? Quantos não dão este grito? Individualmente ou em grupo, crentes e não crentes; alguém que eu conheço ou eu próprio, jovens aparentemente bem ou aqueles que sofrem a opressão (como em 1989, na grande Praça de Pequim...)! O grito vem por não se saber (não ver) como sair de uma situação concreta, pontual, ou cor-respondendo a algo mais profundo: o futuro, o sentido da vida. Que fazer? Como fazer? A quem seguir? O mesmo grito num panorama variado. Escuridão, confusão, desolação, cansaço... ou simples querer ir mais longe na santidade! O desgaste e revolta pelo vazio de tantas tentativas falhadas, ou o desencanto, o medo, ou o choque de uma dada situação em que o mundo parece mal feito e não acerta com o que desejámos e so-nhámos!

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À nossa volta, tanto sofrimento, injustiça, vio-lência e nenhuma explicação cabal, quanto mais uma solução! E contudo, queremos ser felizes, experimentar a liberdade, conquistar um lugar e uma vida com sentido. Naquele dia, quando Jesus falava da cruz mui-tos O abandonaram: essa solução também não! E Jesus disse aos amigos, confundidos: tam-bém vós Me quereis abandonar? E Pedro respon-deu: – «A quem iremos, Senhor? Só Tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6, 68). Embora na escuridão e dúvida, era já uma certeza salvadora. Uma certeza na fé, fruto de um risco com que se tem de responder aos sinais ine-quívocos de amizade por parte de Jesus. Jesus dá tanto e promove tanto a nossa liber-dade que outro seguimento não seria nem lúcido nem digno: Quem Me segue não anda nas trevas (Jo 8, 12). Não há outra luz do mundo! Amar como Ele amou, dissipa a escuridão. Lutar pela verdade, com Ele, dá sentido à minha vida e ilumina o mundo. Porque resisto e tantos resistem, insistindo em luzes já falidas? E é o próprio testemunho dos que se lançaram corajosamente que nos ensina: ou O sigo ou ando

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110 Vocação e Vocações Pessoais 111Na crise, na desolação não fazer mudanças

nas trevas. É esta a alternativa e é a própria vida que o demonstra. Dizia Santo Inácio nas regras para o discerni-mento dos espíritos: em momentos de desolação nunca se fazem mudanças.

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O preço da liberdade«Deixar tudo»... é transfigurar tudo...

(Mt 4, 18-20; Mc 1, 16-18; Lc 5, 1-11)

Imaginemos esta cena cheia de poesia, pró-pria de uma tarde ainda de Verão. Jesus passeia ao longo do mar. Estão dois irmãos que se pre-param para pescar. Algum fascínio mútuo há... e, assim sem mais, chama-os; e ainda não havia tempo de trocar palavras, encontram outros dois irmãos, com o pai, que consertam as redes. «Si-gam-Me, que farei de vós pescadores de homens! E eles, deixando as redes, o barco e o pai, segui-ram-No». É Jesus, pescador, que os pesca a eles: arranca--os dos seus mares naturais, das habituais profis-sões, para os fazer experimentar outras águas, ou-tras medidas... para fazer deles «pescadores» que buscando outras pessoas as arranquem à medio-cridade, ao sofrimento ou às grandezas comuns, e lhes abram novos horizontes. Ao deixar redes, barco e pai, não perdem, mas encontram novas, mais alargadas e profundas di-mensões do que eles próprios são e fazem. «Novas redes», novo trabalho: uma profissão redimen-

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sionada, de alcance mais vasto e mais humano. «Novo barco», novas viagens: uma maneira de estar e se mover de horizontes rasgados. «Novo pai», novas relações: uma família humana de la-ços sem raça nem fronteira, assente no amor de Deus. Jesus pesca-nos para redimensionar e transfi-gurar aquilo que somos: médicos das almas, enge-nheiros do reino, pastores do povo, semeadores da palavra, agricultores da vida, advogados do espí-rito, porta-vozes dos sem-voz, propagandistas da paz, atletas da justiça, projectistas da bem-aven-turança, químicos da esperança, administradores da graça, economistas da salvação, educadores de virtudes, artistas da perfeição interior, pedreiros da solidariedade, arquitectos do sentido, oleiros da personalidade, pescadores do humano... A vocação não vem destruir gostos e aptidões; vem lançar-nos no outro lado, mais vasto e mais profundo, da Vida. Pedro e André, Tiago e João estão sentados na praia do seu cantinho, sonhando o futuro. Jesus passa. E abre-lhes os olhos e o coração para en-contrarem o seu ofício à medida de Deus e da sua criação.

O preço da liberdade

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Retirar-se para balançoNo fundo, quem «perde» ganha... quem pensa

que ganha, perde – Mt 16, 24-27 (Lc 9, 23-27)

«Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma?» Esta é a grande interrogação da vida. Nós, os homens, fazemos, muitas vezes, mal as contas. Nem sempre é fácil equilibrar o «deve» e o «ha-ver», equilibrar a cabeça e o coração, os sentimen-tos e as opções... Como avaliar os pesos nos pratos da balança? Por exemplo: a) apetece-me algo; sinto prazer e alguma realização nessa obra em que ando metido, mas, muitas vezes, isso tudo me deixa um amargo na boca... uma insatisfação, um notar que falta qual-quer coisa mais. Por outro lado: decido-me a fazer certa coisa que até pode custar, como enfrentar uma verdade dura ou ir visitar um doente que me repugna, mas chego a casa cheio de paz e fortale-cido na vontade e na maturidade. Qual é o prato da balança que pesa (vale) mais? Qual a medida, já que tantas vezes as apa-rências iludem e o superficial se confunde com o profundo?

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b) outro exemplo: há pessoas que têm tudo na vida: sorte, dinheiro, etc... e são tão infelizes, tão sós! E há outras que até têm falta de tudo, ou perderam o melhor amigo e, contudo, vivem com sentido e comunicam alegria. Já dizia S. Paulo aos Romanos: ainda que tenha tudo, saiba tudo, até as línguas dos anjos(!), se não amo, não me serve de nada. E qual é o conselho de Jesus neste Evangelho? «Quem quiser vir após Mim», isto é, quem quiser partilhar da minha amizade e experimen-tar a minha liberdade e a alegria de Deus, atenda bem a 3 coisas: 1) «renegue-se a si mesmo». Isto é: saia de si. Não se feche, vire-se para os outros e arrisque partir a casca deixando medos e defesas. Ponha o seu centro fora de si, ainda que isso pareça ficar a perder e trazer insegurança. «Vai ter com o teu irmão»: é isso que significa «renegar-se». 2) «tome a sua cruz». Isto é: assuma a sua vida dia a dia, sem rejeitar, mas enfrentando de cara levantada o que vier. Deus não falha, nem enga-na! Aceita-te como és. Não te compares. E tira partido de tudo o que acontece... 3) «e siga-Me». Isto é: não se pode ficar parado porque cada homem tem uma missão, uma obra a realizar, ao lado de Cristo, que ninguém vai fazer por ele. Levanta-te e vai ter com Ele, já que é essa

Retirar-se para balanço

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a tua vocação de «viver fazendo bem...». Ser coe-rente, ser tu próprio, ainda que te custe a morte. É assim que se ganha a Vida.

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TEXTOS BÍBLICOS

Antigo Testamento

Génesis 12, 1-4 – Vocação de Abraão – «sem saber para onde ia...» Êxodo 3, 1-15 – Vocação de Moisés – «vi o sofrimento do meu povo...» 1 Samuel 3, 3-19 – Vocação de Samuel – «Fala, Se-nhor...» 1 Samuel 16, 1-13 – Vocação de David – «Deus vê o coração...» Judite 8, 30... 9,17 – Vocação de Judite Ester 4, 12-16 – Vocação de Ester Isaías 6, 1-8 – Vocação de Isaías – «Eu te envio a procla-mar...» Isaías – 43, 1-5 Jeremias 1, 4-9 – Vocação de Jeremias – «Não sei fa-lar...» 1 Reis 19, 19 – Vocação de Eliseu Amós 8, 14 – Vocação de Amós «O Senhor disse-me...» Ezequiel 3, 4 – Vocação de Ezequiel – «Leva-lhes as minhas palavras...»

Novo Testamento

Mateus 9, 36-38 – Operários necessários à ceifa. 20, 1-16 – Trabalhadores da vinha. 21, 28-32 – Parábola dos filhos. 22, 1-14 – Parábola dos convidados.

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Marcos 1, 14-20 – Chamamento dos primeiros discípu-los. 10, 17-27 – O jovem rico. 10, 28-30 – Há que deixar tudo.

Lucas 1, 26-28 – A anunciação. 1, 76-79 – Irás adiante preparar os caminhos. 5, 1-11 – A pesca milagrosa. 9, 57-62 – As condições para seguir Jesus. 10, 1-38 – Missão, alegria, serviço. 14, 25-33 – Renunciar a tudo.

João 1, 35-51 – Vocação dos primeiros discípulos. 6, 68 – A quem iremos? 15, 9-17 – Fui Eu que vos escolhi a vós. 20, 17-18,23 – vai... diz-lhes... 21, 15-19 – Tu segue-me.

Actos 9, 3-6/22, 6-11/26, 13-18 – Vocação de Paulo.

Gálatas 1, 12-16 – Paulo chamado e enviado. Gálatas 4, 13-15 – Chamados à liberdade e a libertar. 1 Coríntios 1, 1-3 – Chamados pelo Senhor 1 Coríntios 1, 27 – Escolheu os fracos 1 Coríntios 12, 7-12 – Diversidade de talentos 2 Coríntios 5, 17-21 – Ministros da Palavra 2 Tim – 1, 12.21-8 – Viver na confiança, como Soldado de Cristo.

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ÍNDICE

Prefácio ..................................................................... 5

I. Vocação e vocações pessoais .............................. 9

1. Vocação e vocações ........................................ 13 2. O que não é a Vocação .................................. 17 3. Então o que é «ser chamado»? ........................ 20 4. Vocações: revelações (e missão) das dimensões de Cristo ........................................................ 31 5. O que é então a Vocação? .............................. 42 6. Vocação, Mistério de amor ............................ 55

II. Os segredos de uma escolha pessoal.................. 57

Vocação e vontade de Deus ................................. 59 Vocação e Opção pessoal ..................................... 63 Sinais de Deus .................................................... 70 «A arte de ajudar a discernir» .............................. 75

III. Segue-Me .......................................................... 87

Segue-me............................................................. 89 Nem simples nem complicado ............................ 91 Encontrar o nosso verdadeiro Nome ................... 93 Temos o direito de ser felizes .............................. 95 Da agonia à visão: o caso de Paulo ....................... 98 Entender os sinais ( e a «Voz») de Deus ............... 101 Que fazer nas horas difíceis ................................. 104

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Vocação não é para os «bons», é para os amigos ... 107 Na crise, na desolação não fazer mudança ........... 109 O preço da liberdade .......................................... 112 Retirar-se para balanço ........................................ 114

Textos bíblicos ............................................................ 117

Índice ..................................................................... 119

Vocação e Vocações Pessoais