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sotaque estrangeiro e os traços europeus es-
condem, em um primeiro momento, a proximidade com a cultura brasileira. Mas foi com um olhar
estrangeiro, atento e curioso, que a fotógrafa Maureen Bisilliat conseguiu retratar de forma peculiar
a diversidade não só do Brasil, mas também do Japão, da China e da Bolívia, entre outros países que
visitou. Em 50 anos de carreira, ela construiu uma obra com cerca de 16 mil imagens, hoje sob os cui-
dados do Instituto Moreira Salles (IMS). No livro Fotografias: Maureen Bisilliat (IMS, 304 págs.), lança-
do recentemente, 200 fotos desse acervo foram reunidas. A publicação é um passeio pelo sertão bra-
sileiro, pela cultura indígena, pela beleza negra e por um Japão incomum, entre outros registros.
Maureen nasceu em 1931 na Inglaterra e sempre se interessou por arte. Estudou pintura com
o renomado André Lhote, em Paris, e no Art Students League, em Nova York. Mas foi no Brasil, onde
chegou em 1952, que tomou gosto pela fotografia. Filha de uma pintora inglesa e de um diploma-
ta argentino, Maureen fez seus primeiros registros fotográficos em São Paulo, retratando a vida de
imigrantes japoneses que trabalhavam em plantações de algodão.
ARTE
00 julho de 2010 00julho de 2010
Maureen Bisilliat lança livro que faz o diálogo
entre imagens de sua produção de 50 anos de
carreira e obras de grandes autores brasileiros
Texto MARCELLE SOUZA
Equivalências fotográficas
Acima, “Menino-anjo”,
fotografia da série
Pele Preta, de 1963.
À esquerda, fotos que
fazem parte dos
ensaios Cortejo Luminoso
e Sertões Luz e TrevasOFo
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00 julho de 2010
A transição das artes plásticas para a fotografia, segundo ela, foi um
passo natural, incentivado pelo primeiro marido, o também fotógrafo José
Antônio Carbonell. “Chegou um momento em que eu me questionava so-
bre o que pintaria. Eu achava que a pintura tinha uma cabeça muito seden-
tária. Já a fotografia me permitia outra postura frente às realidades que eu
encontrava”, explica.
Descoberta a afinidade com a câmera, Maureen começou a publicar
suas séries em livros, sempre inspirados em obras de grandes escritores
brasileiros. Entre esses trabalhos estão A João Guimarães Rosa, de 1966;
Sertões – Luz e Trevas, de 1983, baseado no clássico de Euclides da Cunha;
O Cão sem Plumas, de 1984, referenciado no poema de mesmo título de
João Cabral de Melo Neto; e Bahia Amada Amado, de 1996, com seleção
de textos de Jorge Amado.
Imagens escritas
O livro Fotografias: Maureen Bisilliat foi dividido em 12 capítulos, que a
autora prefere chamar de equivalências fotográficas. Cada ensaio reúne uma
série de registros que dialoga com a obra de autores escolhidos pela fotó-
grafa. “Eu acredito muito em uma frase que diz ‘escrever com a imagem e
ver com as palavras’. Para mim, a foto sozinha fica incompleta, ela precisa
fazer parte de uma sequência e de um diálogo com o texto”, diz Maureen.
Na série O Cortejo Luminoso, por exemplo, as fotos sobre manifes-
tações populares, guerreiros e maracatus “conversam” com citações de
Ariano Suassuna. Pele Preta, de 1963, sua primeira série, apresenta uma
Maureen ainda em transição entre a pintura e a fotografia. As fotos em
preto e branco mostram um olhar atento à anatomia, à movimentação
do corpo e à iluminação. São retratos de homens, mulheres e crianças
que parecem se unir com perfeição às palavras de Mário de Andrade, Luís
Câmara Cascudo e Jorge Amado.
Já o capítulo “Sertões Luz e Trevas”, inspirado por trechos de obras de
Euclides da Cunha, traz o registro de vaqueiros. “Essa série mostra um dos
momentos de privilégio que a foto proporciona de vez em quando. São sete
homens que estavam descansando de uma vaquejada no Ceará. Essas são
fotografias totalmente autênticas, porque eles estavam juntos em um
lugar só. Nem sempre contamos com essa sorte”, comenta a fotógrafa, que
também fez a edição do livro.
julho de 2010 00
ARTE
Nesta página, foto tirada
no sertão de Minas
Gerais, inspirada em João
Guimarães Rosa, e retra-
to de Maureen Bisilliat
A obra de Maureen Bisiallit é formada por cerca de 16 mil fotografias produzidas ao longo de 50 anos de carreira
No alto, foto da série As Caranguejeiras, inspirada na obra de João
Cabral de Melo Neto. Acima, imagens dos capítulos Boi-bumbá
(esquerda) e China de 1982, do novo livro de Maureen Bisilliat Foto
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ARTE
00julho de 2010
A maior parte dos trabalhos que estão na publicação são das décadas
de 1960 e 1970, resultado de viagens realizadas quando ela trabalhava
como fotojornalista nas revistas Quatro Rodas e Realidade, mas também
são fruto de bolsas e convites que recebeu dos países visitados. Entre as
séries feitas no exterior, três ganharam capítulos especiais no novo livro de
Maureen: “Kollasuyo: Altiplano Boliviano”, “China de 1982” e “Instantâneos
de um Japão Incomum”.
O livro ainda traz uma biografia da fotógrafa escrita pela jornalista
Marta Góes, artigos e críticas, além de uma bibliografia e de uma compila-
ção dos comentários da própria Maureen sobre seus ensaios. Sobre o pro-
cesso de edição, ela diz que foi uma oportunidade de voltar a seu próprio
passado e ao Brasil que ela conheceu há 40 anos. “Eu edito melhor do que
fotografo, porque o que eu gosto mesmo de fazer é sequenciar imagens e
textos”, diz. Segundo Maureen, retomar o contato com produções impor-
tantes, como “Pele Preta” e “As Caranguejeiras”, possibilitou ver seu trabalho
com outros olhos e redescobrir fotos das quais ela nem se lembrava.
Pelo mundo
Na exposição, também realizada em parceria com o IMS e que passou
pelo Rio de Janeiro e por São Paulo, o curador Sergio Burgi dedicou um espa-
ço especial ao ensaio Xingu/Terra. Além das fotos do livro, ele reuniu ainda
objetos que representam a cultura indígena e a projeção do documentário
feito na década de 1980 por Maureen e Lúcio Kodato, rodado na aldeia
mehinaku, no Alto do Xingu.
Há ainda um espaço dedicado ao processo gráfico e de concepção
intelectual de Maureen, reunindo suas publicações e também grande parte
do material que serviu de base para sua criação: a correspondência com
Jorge Amado, conversas com Guimarães Rosa, recortes de jornais, provas de
gráficas e fotografias. Até 2011, a mostra deve passar por Brasília e Curitiba;
há ainda negociações para que a exposição também vá para outros países,
como o México e a Bélgica.
Cada ensaio do livro Fotografias: Maureen Bisilliat foi inspirado na obra de um autor da literatura brasileira
Abaixo, sequência de imagens do ensaio Xingu/Terra,
produzidas no Parque Indígena do Xingu. Na página
ao lado, registros das viagens de Maureen ao exterior:
Japão, em 1987, e Bolívia, na década de 1970
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