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Vol. 1, No 1 (2009)

Edição Especial de Lançamento

Seção Principal

Em Defesa da Áudio-descrição:contribuições da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com

Deficiência

Francisco José de Lima

O Traço de União da Áudio-descrição

Francisco José de Lima

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Conteúdo

A professora Ms. Silvana Aguiar repercute o lançamento da RBTV.

http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/principal/article/view/8/9

Silvana Aguiar dos Santos

A professora Dra. Marianne Rossi Stumpf comenta sobre o potencial de artigos científicos em

LIBRAS.

http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/principal/article/view/9/10

Marianne Rossi Stumpf

Relato de Experiência

Mãe relata como sua filha começou a aprender a desenhar e reconhecer desenhos táteis

Rosângela Gera

Foto-descrição

Descrição da Foto para capa

Roberto Rômulo

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Vol. 2, No 2 (2010)

Editorial

Revista Brasileira de Tradução Visual: Acesso à Informação e à Comunicação no Mundo Virtual

para Todas as Pessoas

Romeu Kazumi Sassaki

Seção Principal

A TEORIA NA PRÁTICA: ÁUDIO-DESCRIÇÃO, UMA INOVAÇÃO NO MATERIAL DIDÁTICO

Paulo André de Melo Vieira

ÁUDIO-DESCRIÇÃO: ORIENTAÇÕES PARA UMA PRÁTICA SEM BARREIRAS ATITUDINAIS

Francisco José de Lima

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Uma Eleição “Deficiente

Fábio Adiron

ARTES VISUAIS PARA DEFICIENTES VISUAIS: O PAPEL DO PROFESSOR NO ENSINO DE DESENHO

PARA CEGOS

Diele Fernanda Pedrozo de Morais

INCLUSÃO E CULTURA SURDA: OBSERVANDO QUESTÕES ACERCA DA SURDEZ

Liane Carvalho Oleques

Para inglês ouvir: Política de adoção da audiodescrição na TV digital do Reino Unido

Flávia Oliveira Machado

Relato de Experiência

RELATO DE EXPERIÊNCIA: ENSINANDO LAURA A FAZER DESENHOS EM RELEVO

claudia croce

Foto-descrição

O Violeiro (1899)

Ernani Nunes Ribeiro

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Artigos do Vol. 1, No 1 (2009)

Em Defesa da Áudio-descrição:

contribuições da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com

Deficiência

Francisco J. Lima

Rosângela A. F. Lima

Lívia C. Guedes

Resumo:

O presente artigo alerta sobre a necessidade e urgência da

divulgação/conscientização dos usuários sobre o serviço da áudio-descrição.

Denuncia que milhares de pessoas ficam diariamente alijadas do direito

constitucional ao lazer e à educação, total ou parcialmente, pois a programação

televisiva, tanto quanto as de cinema, teatro e das casas de cultura, mostra de

artes, feira de artes e de museus, não são acessíveis ao público com

deficiência, invariavelmente por falta de acessibilidade física e, certamente,

devido às barreiras atitudinais e comunicacionais, advindas da falta da oferta

de áudio-descrição das imagens e outras configurações visuais, que se tornam

inacessíveis às pessoas com deficiência visual, por conta da não oferta desse

serviço assistivo. Sustenta o direito de as pessoas com deficiência terem áudio-

descrição na Lei nº 10.098, no Decreto Federal 5.296/2004 e no Decreto

Legislativo 186/2008. Os autores fazem a assertiva de que o reconhecimento

legal, nacional e internacional dos direitos não basta para garantir às pessoas

com deficiência o desfrute de todos os seus direitos. Concluem que é urgente

que os operadores do direito tanto quanto os indivíduos com deficiência,

detentores do direito à áudio-descrição, saibam interpretar as leis garantidoras

desse serviço assistivo, entendê-lo, respeitá-lo e garanti-lo em todas as suas

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formas e instâncias

Abstract

The current article warns about the need and urgency of making audio

description service more widely available , as well as about the need of making

users aware of the benefits of such assistive tecnology. It denounces the fact

that thousands of people remain lacking their constitutional right to education

and entertainment, whether total or partially blind, since programs on television,

as well as cinema films, theaters and houses of culture, art exhibts, fairs of arts

and museums remain inaccessible to disabled citizens, as a rule, due to lack of

physical accessibility and, certainly, also due to attitudinal and communication

barriers, wherever there is no offer of audiodescription of images, this way, they

become inaccessible to people with disabilities. This article stresses the right to

audiodescription based on the following brazilian laws: "Lei nº 10.098";

"Decreto Federal 5.296/2004" and on "Decreto Legislativo 186/2008". The

authors state that legal, national and international, acknowledgement of these

rights is not bottom-line in warranting that people with disabilities will actually

enjoy them. They conclude that it is urgent that law operators as well as people

with disabilities, owners of the right to audiodescription, know how to: interpret

the laws which guarantee this assistive service; understand such right; and

guarantee it in all its forms and instances.

1- Introdução

Segundo a ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e

Televisão), já em 2004 existiam 186 geradoras de programação no Brasil,

dentre as quais 34 estavam no estado de São Paulo.

De acordo com a Wikipedia, existem no Brasil 10 estações de TV

comerciais (Band; RBTV; CNT; Rede Diário; Rede Gazeta; Rede Globo; NGT;

Rede Record; SBT; Rede TV); 03 estatais (TV Brasil; NBR; Tv Cultura); 2

legislativas (TV Câmara; TV Senado); 1 judiciária (TV Justiça); 36 segmentadas

(Agronegócio: Canal do Boi; Terra Viva; Agro Canal; Novo Canal; Canal Rural;

Educativas: TV Cultura; Sesc TV; Canal Futura; TV Escola; Paraná Educativa;

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Esporte: TV Esporte Interativo; Jovem: MixTV; M1 Station TV; MTV Brasil;

Rede União; TV Mundial; Rede 21; PlayTV; Notícias: Record News; RIT

Notícias; Religiosas: Rede Gênesis; Rede Gospel; Rede Boas Novas; TV

Aparecida; TV Canção Nova; TV Século 21; Rede Vida; RIT TV; Rede Super;

TV Mundo Maior; TV Novo Tempo; Rede Familia; Vendas: Rede TV+; Polishop

TV; Shoptime.com; Shop Tour).

Isso significa que milhares de horas semanais de transmissão televisiva,

englobando lazer, cultura, educação, etc., chegam às casas dos milhões de

brasileiros espalhados entre os grandes centros e os locais mais longínquos do

nosso país. E destes milhões de brasileiros, 24,6 milhões têm alguma

deficiência. Segundo o IBGE (Censo 2000), 14,5% da população total do Brasil

apresentam algum tipo de deficiência, são pessoas com ao menos alguma

dificuldade de enxergar, ouvir, locomover-se, ou com alguma deficiência física

ou mental.

Ainda segundo o IBGE, entre 16,6 milhões de pessoas com algum grau

de deficiência visual, quase 150 mil se declararam cegos.

É importante destacar também que a proporção de pessoas com

deficiência aumenta com a idade, passando de 4,3% nas crianças até 14 anos,

para 54% do total das pessoas com idade superior a 65 anos. À medida que a

estrutura da população está mais envelhecida, a proporção de pessoas com

deficiência aumenta, surgindo um novo elenco de demandas para atender às

necessidades específicas deste grupo.

Dentre as pessoas com deficiência estão também aquelas com

deficiência física, que não podem manter-se em posição para assistir televisão

(dependendo das informações auditivas mais do que das visuais advindas da

televisão).

Todas essas pessoas, porém não só elas, ficam diariamente alijadas do

direito constitucional ao lazer e à educação, total ou parcialmente, devido ao

fato de que a programação televisiva, tanto quanto a de cinema, teatro e, por

vezes, das casas de cultura, mostra de artes, feira de artes, museus, etc., não

são acessíveis a esse público, invariavelmente por falta de acessibilidade física

e, certamente, devido às barreiras atitudinais e comunicacionais, mormente

aquelas advindas das imagens e outras configurações visuais não descritas,

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portanto, inacessíveis à pessoa com deficiência visual.

Compondo o grupo de pessoas excluídas do acesso aos conteúdos

televisivos, de cinema, teatro, museus e outros, estão também as pessoas

dislexas ou que são analfabetas, pessoas que têm dificuldade e, às vezes,

estão totalmente impedidas de entender o conteúdo escrito, por exemplo,

aqueles encontrados em filmes legendados ou em informações por escrito,

disponíveis aos visitantes de museus e similares.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Dislexia, as pessoas

com esse transtorno ou distúrbio de aprendizagem têm a leitura, a escrita e a

soletração comprometidas, sendo este considerado “o distúrbio de maior

incidência nas salas de aula”. A ABD aponta, ainda, que “Pesquisas realizadas

em vários países mostram que entre 05% e 17% da população mundial é

disléxica”.

Em relação aos analfabetos, estima-se que, no ano de 2002, o número

de brasileiros analfabetos chegou a 14,6 milhões, sendo “11,8% da população

de 15 anos ou mais de idade, contra 17,2% em 1992. O País tinha 32,1

milhões de analfabetos funcionais, e 65,7% dos estudantes com 14 anos de

idade estavam defasados”. Todo esse contingente de pessoas analfabetas ou

alfabetizadas funcionais estão alijadas do direito de acesso à cultura, advindo

de filmes legendados, simplesmente pelo fato de esses filmes não terem

legendas áudio-descritas. Entretanto, são as pessoas com deficiência visual

que, em grande número, mais se beneficiarão da áudio-descrição e que, sem

ela, têm o seu direito de acesso à comunicação, à educação e à cultura

denegados, parcial ou totalmente.

Como fica patente, não podemos continuar a ignorar todas essas

pessoas e suas necessidades especiais de acesso aos bens e serviços, dentre

os quais a cultura e a educação, enquanto bens, e a áudio-descrição, enquanto

serviço para aquisição desses bens.

2- Marco Legal

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Vindo transformar essa realidade excludente e de negação de direitos

constitucionais às pessoas com deficiência visual (cegas ou com baixa visão),

com dislexia, com algumas deficiências físicas e intelectuais, bem como de

modo a ampliar o acesso à cultura e à educação aos milhares de cidadãos

brasileiros analfabetos, em 19 de dezembro de 2000, promulgou-se a Lei

Federal nº 10.098, importante lei sobre a acessibilidade comunicacional que,

quatro anos mais tarde, seria regulamentada pelo Decreto Federal 5.296, de

dezembro de 2004.

Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer. (Lei Nº. 10.098/2000).

De acordo com o decreto que regulamenta a Lei supracitada:

Art. 5 2. Caberá ao Poder Público incentivar a oferta de aparelhos de televisão equipados com recursos tecnológicos que permitam sua utilização de modo a garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva ou visual. Parágrafo único. Incluem-se entre os recursos referidos no caput: I - circuito de decodificação de legenda oculta; II - recurso para Programa Secundário de Áudio (SAP); e III - entradas para fones de ouvido com ou sem fio. Art. 53. A ANATEL regulamentará, no prazo de doze meses a contar da data de publicação deste Decreto, os procedimentos a serem observados para implementação do plano de medidas técnicas previsto no art. 19 da Lei no 10.098, de 2000.

§ 1o O processo de regulamentação de que trata o caput deverá atender ao disposto no art. 31 da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999. § 2o A regulamentação de que trata o caput deverá prever a utilização, entre outros, dos seguintes sistemas de reprodução das mensagens veiculadas para as pessoas portadoras de deficiência auditiva e visual: I - a sub-titulação por meio de legenda oculta; II - a janela com intérprete de LIBRAS; e

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III - a descrição e narração em voz de cenas e imagens. (grifo nosso, Decreto Nº. 5.296/2004)

Tais instrumentos legais ampliaram significativamente o conceito de

acessibilidade à comunicação, tanto trazendo às pessoas surdas a legenda,

em close caption, e janela com língua de sinais, quanto trazendo às pessoas

cegas a áudio-descrição, em canal secundário de áudio (canal sap). Não se

omitindo quanto às barreiras comunicacionais em outras instâncias,

determinaram que esse acesso deve se dar também em eventos

educacionais/acadêmicos, em conferências, congressos, seminários etc., onde

quer que imagens sejam exibidas e pessoas com deficiência visual delas

necessitem conhecer, para o lazer, educação ou outra razão.

Art. 59. O Poder Público apoiará preferencialmente os congressos, seminários, oficinas e demais eventos científico-culturais que ofereçam, mediante solicitação, apoios humanos às pessoas com deficiência auditiva e visual, tais como tradutores e intérpretes de LIBRAS, ledores, guias-intérpretes, ou tecnologias de informação e comunicação, tais como a transcrição eletrônica simultânea. (Decreto Nº. 5.296/2004).

Em uníssono com nossa Carta Maior, em junho de 2006, o Ministério

das Comunicações publicou a Portaria 310, tornando obrigatória a

acessibilidade na programação das televisões abertas, em todo o território

nacional. Assim, ficou determinada a obrigatoriedade de veiculação diária de

programas com acessibilidade (no caso das pessoas com deficiência visual,

pela oferta da áudio-descrição), a princípio com duas horas, devendo

progressivamente ir aumentando até chegar a programação total.

O Ministério das Comunicações, ainda, concedeu carência de dois anos

para que as emissoras se preparassem para iniciar suas transmissões com

áudio-descrição e a legenda oculta em seus programas, respondendo ao

previsto pelo referido Decreto e à lei de acessibilidade comunicacional a que

ele regulamentava.

9.1.1 No prazo de 2 (dois) anos, contado a partir da publicação desta Norma, para as estações transmissoras ou retransmissoras localizadas em cidades com população superior a 1.000.000 (um milhão) de habitantes. (Portaria 310, de 27 de junho de 2006).

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Em julho de 2008 o Ministério das Comunicações publicou a portaria

466, agora dando prazo de 90 dias para que as emissoras passassem a incluir

a áudio-descrição em seus programas, nos termos da mencionada Portaria 310

de 2006.

Em 14 de outubro de 2008, porém, o Ministro de Estado das

Comunicações, Ministro Hélio Costa, assinou a Portaria nº 661, suspendendo a

portaria anterior, não revogando, contudo, o previsto pelo Decreto 5.296 de

2006 e demais dispositivos legais que sustentam a acessibilidade

comunicacional, já apresentados neste texto.

Rezava, então, a Portaria de 30 de julho de 2008, na qual o Ministério

das Comunicações definia o prazo de noventa dias para que se começasse a

oferta de áudio-descrição em canais televisivos:

Portaria nº 466, de 30 de julho de 2008 O MINISTRO DE ESTADO DAS COMUNICAÇÕES, no uso das atribuições que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos II e IV, da Constituição, Considerando que a Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, incumbe ao Poder Público promover a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecer mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação às pessoas com deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação para garantir-lhes o direito, entre outros, de acesso à informação, à comunicação, à cultura, e ao lazer, Considerando que o Decreto no 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que regulamenta a mencionada Lei, alterado pelo Decreto no 5.645, de 28 de dezembro de 2005, estabeleceu a competência do Ministério das Comunicações para dispor, em Norma Complementar, acerca dos procedimentos para a implementação dos mecanismos e alternativas técnicas acima referenciados, determinando que esses procedimentos deveriam prever a utilização de subtitulação por meio de legenda oculta, janela com intérprete de LIBRAS e a descrição e narração em voz de cenas e imagens, Considerando que, além de investimentos, a implementação desses recursos de acessibilidade pelas exploradoras de serviços de radiodifusão de sons e imagens, nos termos do cronograma constante da Norma no 001/2006, aprovada pela Portaria no 310, de 27 de junho de 2006, requer mão-de-obra especializada em quantidade suficiente para atender a demanda do setor, Considerando o requerimento apresentado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - ABERT em que noticia ser a quantidade

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de profissionais especializados na produção do recurso de áudio-descrição, existente atualmente no mercado nacional, insuficiente para atender, nos termos do cronograma supracitado, a demanda do setor de radiodifusão de sons e imagens, e Considerando ainda que, na busca de solução para a questão apresentada, o Ministério das Comunicações, em 23 de julho daquele ano, promoveu reunião com representantes do setor de radiodifusão, do setor de produção de áudio-descrição, do Comitê Brasileiro de Acessibilidade e da União Brasileira de Cegos na qual obteve a garantia, dos representantes do setor de produção de áudio-descrição e do representante do Comitê Brasileiro de Acessibilidade e da União Brasileira de Cegos, de que a demanda requerida pelo setor de radiodifusão poderia ser atendida dentro do prazo de três meses com a formação de, aproximadamente, cento e sessenta profissionais com a qualificação exigida para a produção de áudio-descrição, resolve: Art. 1o Conceder o prazo de noventa dias, contado da data de publicação desta Portaria, para que as exploradoras de serviço de radiodifusão de sons e imagens e de serviço de retransmissão de televisão (RTV) passem a veicular, na programação por elas exibidas, o recurso de acessibilidade de que trata o subitem 3.3 da Norma Complementar no 01/2006, aprovada pela Portaria no 310, de 27 de junho de 2006, ficando mantidas as demais condições estabelecidas no subitem 7.1 da mesma Norma. Art. 2o Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. HÉLIO COSTA

3- O direito à Áudio-descrição no contexto do Decreto Legislativo 186 de

9 de julho de 2008

Seria redundância legal advogar pelo direito da pessoa com deficiência

aos bens e serviços culturais, bem como à equiparação de condições se esse

direito fosse de pronto respeitado. Acontece que não o é! Como confirma a

Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, “(...) as pessoas com

deficiência continuam a enfrentar barreiras contra sua participação como

membros iguais da sociedade e violações de seus direitos humanos em todas

as partes do mundo”. Portanto, também no Brasil.

Fosse nossa Carta Maior respeitada na íntegra, nenhuma outra lei seria

necessária se a pessoa com deficiência fosse, realmente, reconhecida como

pessoa, e enquanto tal fosse percebida como tendo direitos, não iguais às

demais, mas consoante as suas próprias necessidades e/ou características

específicas, visto que é assim que a Constituição Brasileira proclama.

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A todos deve ser garantido o direito de ir e vir, às pessoas com

deficiência devem adicionalmente ser garantidos os meios/recursos para que

exerçam aquele direito.

A todas as crianças é devido o direito à educação, às crianças com

deficiência este direito deve ser acompanhado pelo direito de acesso à escola,

de acesso aos ambientes educacionais, de acesso aos meios e recursos que

viabilizem a educação, etc. Corrobora nosso entendimento, o fato de a

referida Convenção reconhecer “a importância da acessibilidade aos meios

físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e

comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo de

todos os direitos humanos e liberdades fundamentais” (Decreto Legislativo

186/08).

Assim é que, sustentados na Convenção, defendemos que o direito à

cultura, ao lazer e tudo o mais que advém da aprendizagem pela cultura e da

saúde pelo lazer, devem estar garantidos a todas as pessoas, e isso significa

garanti-los a todas as pessoas, sem qualquer adjetivação. No entanto, a

adjetivação de um indivíduo em pessoa com deficiência requer tratamento

desigual, sem o que, é sabido, não se promoverá a igualdade dessas pessoas

com aquelas sem tal adjetivação. Portanto, a “re-edição” de dispositivo

garantidor do direito da pessoa com deficiência não se trata de mera

redundância. De fato, não fosse legislar pelo direito das crianças com

deficiência, pelo direito das mulheres com deficiência, pelo direito dos

trabalhadores com deficiência, enfim, pelo direito das pessoas com deficiência,

estas não seriam tidas como pessoas, trabalhadores, mulheres ou crianças.

Sumariando e, por assim dizer, re-editando a Carta Universal dos

Direitos da Pessoa Humana, agora com a adjetivação de pessoa humana com

deficiência, países de todo o mundo se unem para dizer que as pessoas com

deficiência são pessoas, e são pessoas com deficiência que requerem

respeito e cuidado, consoante suas necessidades, porém sem paternalismos e

sem privilégios. De fato, reconhecer-lhes os direitos, garantir-lhes o acesso a

esses direitos é efetivamente dever de cada um dos indivíduos da sociedade

universal, e certamente não é privilégio e nem paternalismo.

Em uníssono com este entendimento, o Brasil reconhece e ratifica os

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ditames da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, na

forma de decreto legislativo com força de emenda constitucional (Decreto

Legislativo 186/2008).

Por si só este feito é um dos mais significativos passos no

reconhecimento de que o cidadão brasileiro com deficiência é pessoa humana,

como foi definido, pela primeira vez em nosso país, em nossa Constituição de

1988.

Não obstante, o reconhecimento legal, nacional e internacional dos

direitos da pessoa com deficiência não é suficiente para garantir a essas

pessoas o desfrute de todos os seus direitos. É mister que os operadores do

direito tanto quanto os cidadãos com deficiência, detentores desse direito,

saibam interpretá-lo, entendê-lo, respeitá-lo e garanti-lo, em todas as suas

formas e instâncias.

Assim é que se reconhece na Convenção que: “a deficiência é um

conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas

com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem

a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de

oportunidades com as demais pessoas”. Em outras palavras, reconhece-se

que a sociedade e suas barreiras atitudinais impõem incapacidades a essas

pessoas, que quando muito teriam limites inerentes às suas deficiências.

Máxime para as pessoas cegas, a advocacia de seus direitos passa pela

própria educação dos indivíduos com deficiência visual, quanto aos serviços a

que têm direito e dos meios ou vias para alcançá-los. Como afirmamos acima,

não se trata de requerer privilégios, mas de saber interpretar os instrumentos

jurídicos como ferramentas garantidoras da igualdade de acesso e desfrute do

que está socialmente disponível às pessoas não cegas.

Neste artigo fazemos um recorte do direito de acesso à comunicação, à

informação, à cultura, à educação e aos demais bens culturais, por meio da

áudio-descrição de eventos visuais, os quais sem este recurso limitam e/ou

impedem o pleno exercício do direito à educação, ao lazer e à cultura em geral.

A Convenção sobre o direito das pessoas com deficiência, por mais de

uma vez, nos permite sustentar a tese do direito à áudio-descrição,

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considerando a intencionalidade da Convenção e dos pressupostos que a

sustentam.

Já no primeiro artigo, a Convenção nos alerta para o fato de que as

pessoas com deficiência encontram barreiras físicas e sociais que “podem

obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de

condições com as demais pessoas” (Decreto 186/2008).

Não é difícil perceber que a barreira comunicacional, advinda da

ausência de áudio-descrição, por exemplo nas peças publicitárias, quanto ao

uso de preservativos em que se pretende a educação das pessoas a respeito

de DST/Aids, exclui da população alvo dessas peças as pessoas cegas ou com

baixa visão a quem tais informações visuais não chegam.

Ora, o direito à saúde é direito de todas as pessoas, sejam elas sem

deficiência ou com essa adjetivação. Não propiciar, portanto, igualdade de

acesso à informação para as pessoas com deficiência visual é discriminá-las

por razão de deficiência, uma vez que não é a cegueira que as impede de

receber a informação, mas o obstáculo ocasionado pela falta da áudio-

descrição, a qual é, em última instância, uma alternativa comunicacional para

os eventos visuais.

"Discriminação por motivo de deficiência" significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável;” (Decreto Legislativo 186/2008)

O acesso à comunicação, no sentido mais amplo, está previsto na

referida Convenção, conforme se pode ler:

Artigo 2 Definições Para os propósitos da presente Convenção: "Comunicação" abrange as línguas, a visualização de textos, o braille, a comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas

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auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação acessíveis; (Decreto Legislativo 186/2008)

Consideremos, agora, o artigo terceiro, mormente quando diz:

Princípios gerais. Os princípios da presente Convenção são: a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas. c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; e) A igualdade de oportunidades; f) A acessibilidade; (Decreto Legislativo 186/2008)

Seria flagrante afronta a tais princípios negar a uma pessoa com

deficiência visual o direito de, por si só, decidir o que e quando assistir na

televisão, cinema ou mesmo num DVD, condicionando-a tomar tal decisão se e

quando uma pessoa vidente lhe estivesse disponível para ler a legenda do

DVD, descrever a cena de um filme, ou o número de telefone exibido na tela

da televisão.

É mister, então, frisar que cada vez mais as pessoas precisam de

conhecimentos culturais gerais, muitos dos quais veiculados na televisão,

noticiários, documentários, etc, para a obtenção de emprego, por exemplo.

Assim, a áudio-descrição vem constituir-se numa ferramenta de acesso

laboral tanto quanto para o lazer e para a educação. Se às pessoas videntes

está garantido o acesso às informações visuais, estas devem, igualmente,

serem disponibilizadas às pessoas com deficiência visual. De outra forma,

essas pessoas estarão novamente sendo discriminadas por razão de

deficiência, já que nem mesmo o conceito de “adaptação razoável” pode servir

de justificativa para a não oferta da áudio-descrição.

Considerando as grandes cifras destinadas à produção das obras

televisivas e de cinema, o investimento de um percentual mínimo para a áudio-

descrição não pode ser justificativa razoável para denegar direito fundamental

da pessoa com deficiência visual.

Ademais, uma vez áudio-descrito um filme, por exemplo, a áudio-

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descrição pode ser agregada como mais um produto derivado de uma dada

obra. Por exemplo, poder-se-á em um CD divulgar o áudio original do filme,

acrescido da áudio-descrição, o que permitirá que um motorista ouça seu filme

no carro, enquanto dirige. A áudio-descrição permitirá com que ele veja em sua

mente, aquilo que temporariamente seus olhos não podem alcançar.

Com a adoção da Convenção como emenda constitucional à nossa

Carta Maior, o Brasil se compromete a pesquisar e desenvolver recursos de

acessibilidade, eliminando em todas as instâncias, pública ou privadas,

barreiras comunicacionais, atitudinais e outras, de modo a respeitar os direitos

fundamentais da pessoa com deficiência.

f) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações com desenho universal, conforme definidos no Artigo 2 da presente Convenção, que exijam o mínimo possível de adaptação e cujo custo seja o mínimo possível, destinados a atender às necessidades específicas de pessoas com deficiência, a promover sua disponibilidade e seu uso e a promover o desenho universal quando da elaboração de normas e diretrizes; g) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, adequados a pessoas com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível; (Decreto Legislativo 186/2008)

Ora, a áudio-descrição se encaixa no previsto uma vez que advém de

pesquisa, inclusive acadêmica, registrada em dissertações e teses, bem como

em artigos científicos, encontrados em universidades de renome e

reconhecimento internacional.

Além disso, a áudio-descrição permite o acesso a constructos

educacionais, por exemplo, na áudio-descrição de uma teleaula, ou de slides

apresentados, por exemplo na cadeira de neurofisiologia a alunos de

psicologia.

Desconsiderar o custo benefício desse recurso e a viabilidade de sua

implantação é tripudiar sobre nossa Constituição, sobre a emenda que agora

dela faz parte e principalmente sobre milhões de pessoas com deficiência

visual, com dislexia, com deficiência física e outras.

Especial atenção devemos dar para o papel da áudio-descrição na

garantia do direito de igualdade e oportunidade devido às crianças com

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deficiência. Não podemos dizer que as crianças com deficiência visual terão

igualdade de oportunidades, menos ainda, igualdade de condições de

decidirem pelo que lhes é de direito, se essas crianças forem impedidas do

acesso às informações visuais como aquelas contidas nos materiais didáticos

(nos livros que trazem figuras, gráficos, mapas, etc.), nos materiais

paradidáticos e destinados ao lazer, os quais trazem fotos, figuras para pintar,

entre outros.

Uma criança cega que recebe a áudio-descrição das imagens contidas

em seu livro, melhor pode acessar as informações e conceitos dele advindos.

Uma criança com baixa visão que recebe a áudio-descrição de uma

figura pode melhor “visualizar” aquilo que está vendo e cujos detalhes não

distingue.

A aquisição dos conceitos de novos vocabulários, bem como a

oportunidade de discutir os eventos visuais com seus coleguinhas que

enxergam, podem ser facilitados, mediados ou viabilizados pela áudio-

descrição.

Sem ela, se desconsiderará mais um item da Convenção, e por

conseqüência, aviltar-se-á mais uma vez nossa Carta Maior, ao se descumprir

o Decreto 186/08 em seu artigo 7.

Artigo 7 Crianças com deficiência 1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças. 2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial. (Decreto Legislativo 186/2008)

O reconhecimento de que não é a deficiência que incapacita a pessoa,

mas as barreiras que a ela são impostas, bem como a busca pela

independência moral, ética, física, profissional e de toda sorte, vem se somar

na tentativa de tornar as pessoas com deficiência livres das peias sociais que

as colocam como dependentes daqueles que não lhes devem mais do que o

respeito.

É sabido, que o ser humano, enquanto ser social depende de sua

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espécie, no entanto, tal dependência não pode dar vez a uma relação de

privação das liberdades mais fundamentais a que toda pessoa humana tem

direito: a liberdade de ir e vir, a liberdade de acesso ao trabalho e lazer, a

liberdade de acesso às informações e a liberdade de expressar sobre elas.

Como tais liberdades têm sido denegadas, a Convenção traz, com

clareza solar, dispositivo que rejeita tal situação. E, ao fazê-lo, fundamenta

mais uma vez o pleito por uma áudio-descrição que esteja disponível em todas

as instâncias e a todas as pessoas que dela necessitem, para que o acesso à

informação e tudo que dele decorre, possa ser desfrutado pelas pessoas

cegas, tanto quanto as informações visuais são para as pessoas videntes. Sem

meias palavras, a Convenção diz:

Art 9 – Acessibilidade 1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a: b) Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência; Artigo 21 Liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seu direito à liberdade de expressão e opinião, inclusive à liberdade de buscar, receber e compartilhar informações e idéias, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e por intermédio de todas as formas de comunicação de sua escolha, conforme o disposto no Artigo 2 da presente Convenção, entre as quais: a) Fornecer, prontamente e sem custo adicional, às pessoas com deficiência, todas as informações destinadas ao público em geral, em formatos acessíveis e tecnologias apropriadas aos diferentes tipos de deficiência; b) Aceitar e facilitar, em trâmites oficiais, o uso de línguas de sinais, braille, comunicação aumentativa e alternativa, e de todos os demais meios, modos e formatos acessíveis de comunicação, à escolha das pessoas com deficiência; (grifo nosso) d) Incentivar a mídia, inclusive os provedores de informação pela Internet, a tornar seus serviços acessíveis a pessoas com deficiência; (Decreto Legislativo 186/2008)

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Como se vê, sobejamente, o Decreto, e a Convenção que ele aprova,

hora em comento, sintetiza a defesa pela dignidade humana da pessoa com

deficiência, pela igualdade de condições, pela igualdade de oportunidades,

pela igualdade de acesso, pela quebra de barreiras atitudinais, e, fortemente,

pela promoção da acessibilidade (física, cultural, comunicacional, entre outras).

A constante defesa desses direitos, ao longo da Convenção, de um lado

denuncia o quanto eles vêm sendo negados, de outro, diz da premência de

torná-los realidade, num momento histórico, em que milhões de pessoas por

todo o mundo são excluídas, desrespeitadas, discriminadas, por razão de

deficiência.

Certamente, a áudio-descrição não dará cabo de toda essa mazela

social, no entanto, enquanto um serviço mediador de acesso à cultura,

enquanto um serviço assistivo de baixo custo e enquanto uma ferramenta de

acessibilidade comunicacional, contempla os princípios fundamentais desta

Convenção e vem contribuir para a independência das pessoas com

deficiência, seu acesso à informação, à educação, ao trabalho e ao lazer.

Em suma, a áudio-descrição é um exemplo claro de que se pode fazer

muito, investindo economicamente pouco, para beneficiar a tantos.

A A-d, neste diapasão, é Acesso à Dignidade, é Acesso ao Direito, é

áudio-descrição.

4- Da necessidade da áudio-descrição

Pelo cenário até aqui exposto, do desconhecimento de que significa a

áudio-descrição para as pessoas que dela se beneficiarão e do

desconhecimento que se tem das leis que sustentam a reivindicação pela

oferta da áudio-descrição, urge a necessidade de, de um lado

divulgar/conscientizar os usuários do serviço da áudio-descrição a respeito da

existência deste, de seu direito de o exigir, e de os informar, acima de tudo, a

respeito dos benefícios que tal serviço trará às pessoas, mormente àquelas

com deficiência visual; de outro lado, é mister que profissionais sejam

treinados/capacitados na oferta do serviço de áudio-descrição, para trabalhar

nos diversos segmentos, teatro, cinema, televisão, museu e no sistema

educacional em geral.

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Mais do que isso, contudo, estamos falando de que essa

conscientização sobre a oferta da áudio-descrição resultará em propiciar a

centenas de milhares de pessoas o acesso ao lazer, à cultura e à própria

educação com qualidade, quesitos constitucionais, ainda hoje denegados às

pessoas com deficiência, quando as imagens estão no foco da questão.

Assim, crianças cegas não recebem livros com desenhos e outras

configurações gráficas bidimensionais; jovens não desfrutam da programação

televisiva, adultos são privados de áreas da ciência a qual poderiam estar

inseridos; idosos não aproveitam na totalidade os passeios que fazem, todos

pela ausência das informações advindas do contato com as imagens ou com o

contato precário com elas, quando são pessoas com baixa visão. E estas são

muitas, quando se considera que cerca de 95% dos idosos, com mais de 75

anos, terão alguma perda visual.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; (...) § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. (Constituição Federativa do Brasil, 1988).

Na educação, a áudio-descrição permitirá a pessoas cegas pleitear

profissões nas áreas da arquitetura, da química, da geografia, das artes, da

computação, dentre outras que hoje são vistas como inatingíveis para as

pessoas cegas, uma vez que essas profissões fazem uso de grandes porções

de conteúdo visual. Não obstante, várias pessoas cegas ou com baixa visão já

estão nessas áreas, embora não tenham acesso às imagens por meio de

áudio-descrição. E isso exige delas grandes esforços e desprendimento de

energia que poderia estar sendo usada para outra atividade, caso a áudio-

descrição lhes estivesse disponível.

Para as crianças pequenas, a áudio-descrição faculta o acesso a

conceitos novos e à elaboração de conceitos ainda não bem formados; permite

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a aquisição de novos vocabulários e o acesso ao lazer, o qual será partilhado

com as demais crianças que enxergam, levando à inclusão de todas

(www.rnib.org.uk).

Exemplo disso é sua aplicação nos jogos (tipo vídeo-games). Crianças

cegas poderão jogar e discutir sobre o que jogaram, a que fase chegaram etc.,

falando com seu coleguinha que enxerga. E ambas as crianças poderão, então,

partilhar seu conhecimento sobre o jogo. Nos dias de hoje, essas situações são

raras e as crianças cegas ficam com poucas chances de discutir/brincar com

seus coleguinhas quando os jogos são o mediador ou assunto da conversa.

Os benefícios da narração descritiva, isto é, da áudio-descrição, pode

ser aquilatado a partir de uma áudio-descrição feita durante uma visita ao

museu. Nestes casos, a áudio-descrição feita por um áudio-descritor

conhecedor da capacidade das pessoas com deficiência visual em apreciar as

configurações bidimensionais, permitirá maior e adequada acessibilidade

dessas pessoas aos museus e seus conteúdos. Isso se alcançará, por

exemplo, pela utilização de recurso de áudio gravado, acessado a partir de um

aparelho de CD, em cuja mídia está um roteiro com a descrição das obras

apresentadas num dado trajeto.

Na apresentação de slides, tem-se orientado a inclusão de informação

sonora, podendo o apresentador gravar previamente o texto ou legenda

disponíveis no slide, bem como a descrição das imagens nele contidas.

(www.rnib.org.uk).

A áudio-descrição pode, ainda, servir como eliminador de preconceitos e

de discriminação como a que recentemente se viu ocorrer quando o TJ do

Maranhão negou a participação de candidato cego em concurso para

magistratura.

O presidente do TJ-MA, Raimundo Cutrin, disse, por meio de assessoria

de imprensa, que a atividade de juiz é incompatível com a falta de visão.

Segundo ele, juízes têm de fazer inspeções, correções e interrogatórios,

atividades que exigem “visão apurada”.

No último dia 7, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou reserva

de 5% a 20% das vagas para pessoas com deficiência em todos os

concursos para magistratura do país. A decisão não faz ressalva a cegos.

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A determinação, contudo, dá autonomia aos tribunais para definir os

editais, observando a “compatibilidade entre as funções a serem

desempenhadas e a deficiência do candidato".

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u459168. shtml

Para além do fato de que um juiz não deve prejulgar, nem mesmo

baseado naquilo que vê, sabendo que a visão pode ser facilmente iludida e

sabendo que, se de um lado é a visão que captura as imagens, de outro, é o

cérebro que as analisa e delas tira suas conclusões, apenas por preconceito se

pode aduzir que uma pessoa cega não seria capaz de exercer a função de

magistrado. Um juiz não deve julgar meramente pelo que lhe é apresentado às

vistas, mas julgar pelos fatos que lhes chegam à mente, à razão. Com efeito,

alhures, muitos são os exemplos de juízes cegos atuando nas mais diversas

áreas: Sir John Fielding (1721-1780), Bill Kempton; Diane Cram; John Lafferty,

Thomas “TJ” Loftus; Joseph Donahey; Richard Conway Casey; Richard B.

Teitelman, e uma dezena de outros magistrados.

A “lacuna” de acesso às informações visuais, largamente usada como

argumento para discriminar pessoas cegas no ofício do magistrado no Brasil,

pode ser tranquilamente suplantada por um áudio-descritor que atue como

perito em tradução visual, em auxílio ao juiz. E, como é sabido, ter o apoio de

peritos não é incomum na atuação dos magistrados que, por exemplo, se

valem de perito que interprete fotos de um crime, identificando, por exemplo, se

a arma e o corpo estão em posições condizentes com esta ou aquela tese da

defesa ou da acusação.

Logo, o áudio-descritor judiciário pode colaborar com o magistrado com

deficiência visual ou com dislexia, mas também com eventuais cidadãos com

deficiência visual, e.g. pessoas idosas com baixa visão que, contra si, estão

sendo usadas imagens numa dada ação, da qual precisem de maiores

detalhes da imagem para melhor defender-se. A igualdade de condições no ato

de defender-se deve ser perseguida com a maior retidão, sob pena de, não

tendo esse direito respeitado, o cidadão com deficiência visual ser discriminado

por razão de deficiência (Lei 3.956/2001).

Com efeito, o excelso desembargador Antonio Fernando Bayma Araújo

reconheceu que se obrara preconceituosamente contra a pessoa com

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deficiência, donde sentenciou que se suspendesse o concurso que negara a

participação de pessoas com deficiência visual.

Atendendo pleito da seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MA), em Mandado de Segurança impetrado na última segunda-feira, o desembargador Antonio Fernando Bayma Araújo concedeu liminar suspendendo o concurso para preenchimento de vagas para o cargo de juiz do Tribunal de Justiça do Maranhão até que seja feita a readaptação do edital do certame, garantindo a participação de portadores de deficiência visual total ou parcial, bem como a realização das provas em “braile”, “ampliada”, “leitura de prova”, utilização de “ledor” ou outros mecanismos de auxílio aos deficientes. O desembargador afirmou que tentar proibir a participação de deficientes visuais no concurso é uma atitude preconceituosa, discriminatória e segregacionista, na medida em que, sem qualquer amparo legal, gera prejuízos não só na órbita material do direito, mas, sobretudo, de ordem moral e pessoal. “A manutenção da regra, sem uma resposta imediata do Poder Judiciário, causa transtorno não só a quem pretende se inscrever no concurso na qualidade de deficiente, mas a toda a sociedade”, assinalou o desembargador Bayma Araújo. O desembargador considera que o TJ não pode incorrer na violação a direito líquido e certo consistente no impedimento da participação dos portadores de deficiência visual no concurso para provimento do cargo de juiz de direito substituto de entrância inicial. “Direito não se pede, exige-se. A igualdade é para todos, e não para uma parte”, sentenciou o magistrado. “A decisão do desembargador Bayma Araújo foi justa e coerente, tendo em vista que o edital do mencionado concurso traz em seu bojo previsão claramente inconstitucional, evidenciando um preconceito injustificáve e promovendo uma acintosa violação aos direitos fundamentais da pessoa humana”, ressaltou o presidente da OAB/MA, José Caldas Gois, ao ser informado da decisão. Para a OAB, na parte que proíbe a participação de cegos no concurso, o edital é absolutamente contrário à lei e chega-se mesmo ao ponto em que a regra estabelecida no mesmo implicaria na obrigação de que membros do Poder Judiciário, com base em disposição ilegal, viesse a praticar ato definido em lei como crime, ao indeferir, de plano, por exemplo, o pedido de inscrição de pessoa cega ou portadora de deficiência visual. “Se os empregadores privados não podem discriminar os trabalhadores, para critérios de admissão em razão de serem portadores de deficiência, com muito maior razão não pode o Estado, a Administração Pública e, principalmente, o Poder Judiciário, a quem incumbe, a defesa da Ordem Jurídico Constitucional. A norma contida na Constituição visa promover, e não impedir, o ingresso de todos, inclusive dos deficientes, em igualdade de condições, no serviço público”, salientou a OAB no Mandado de Segurança. (

http://imirante.globo.com/jus-ma/plantao/plantao.asp?codigo1=811)

5- Considerações Finais

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Como pudemos observar, são várias as áreas em que a áudio-descrição

respeita o direito de acesso às mais diversas formas de

comunicação/informação a que as pessoas com deficiência têm direito.

Não é desconhecido, por exemplo, a linda, poética e significativa áudio-

descrição feita pelo cosmonauta Iuri Alieksieievitch Gagarin, em que, ao ver a

terra de onde ninguém jamais vira antes, descreveu nosso planeta como: “A

Terra é azul!”, trazendo aos que a terra não podiam ver a informação de que

cor ela era. E quantos mundos azuis deixam de ser acessíveis às pessoas com

deficiência visual pela ausência da áudio-descrição, em particular, e pelas

demais barreiras comunicacionais em geral?

Enumerá-las é quase impossível, tantas são as formas que tomam, mas

uma coisa é possível fazer e é disso que estamos tratando aqui: romper com

barreiras, para a participação de todos numa sociedade para todos e que não

pára todos os que têm alguma deficiência.

Portanto, que atuemos em busca e defesa do recurso da áudio-

descrição para que seja mais um serviço de tecnologia assistiva disponível às

pessoas com deficiência. E mais: que esse serviço seja prestado com a

qualidade e freqüência que merecem seus usuários: a melhor!

BIBLIOGRAFIA:

AUDETEL, The European AUDETEL Newsletter: bringing television to life for visually impaired audiences. Audetel Newsletter 1, November 1992, pp. 1-5. AUDETEL CONSORTIUM. Audetel developments 1992-1995. VHS videocassette (disponible en la ITC), 1995. BARDISA, Lola. Cómo enseñar a los niños ciegos a dibujar. Madrid: ONCE, 1992. BRASIL, Lei Nº. 10.098/2000. Disponível em http://agenda.saci.org.br BRASIL, Decreto Nº. 5.296/2004. Disponível em http://agenda.saci.org.br BRASIL, Portaria 310/2006. Disponível em http://www.mc.gov.br/o-ministerio/legislacao/portarias BRASIL, Portaria 466/2008. Disponível em http://www.mc.gov.br/o-ministerio/legislacao/portarias BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao BRASIL, Decreto Legislativo 186, de julho de 2008. Disponível em http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/99423 LIMA, F. J. Ensinando reconhecer desenhos pelo tato: o efeito do treino no

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desempenho de pessoas cegas na nomeação de figuras examinadas hapticamente. Submetido à Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), 2004. ROYAL NATIONAL INSTITUTE FOR THE BLIND. Blind and partially sighted adults in Britain: the RNIB survey. Londres: HMSO Publications, 1991. WEISEN, Marcus. The AUDETEL Project: deliverable 2. Review of current expertise on audiodescription. Londres: Royal National Institute for the Blind, 1992.

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O Traço de União da Áudio-descrição

Versos e Controvérsias1

Francisco J. Lima2

Rosângela A. F. Lima3

Paulo A. M. Vieira4

Resumo

O presente artigo versa sobre a áudio-descrição, defendendo esse recurso

assistivo como meio de acessibilidade à informação, à comunicação, à

educação e à cultura para as pessoas com deficiência, mormente para as com

deficiência visual. Ilustra o uso da áudio-descrição em vários países e diz como

este direito tem sido requerido pelas pessoas com deficiência. Apresenta

razões para que se escreva áudio-descrição com o hífen, colocando em debate

a controvérsia sobre a grafia desse vocábulo, quando grafado sem o hífen.

Conclui fazendo a assertiva de que a áudio-descrição é recurso para a

acessibilidade e que “Acessibilidade” no cinema, no teatro e na televisão

implica na oferta de áudio-descrição às pessoas com deficiência visual. Ao

apresentar tal argumento, o presente artigo defende que com a áudio-

descrição “Se você não vê, poderá ouvir; Se você não ouve, poderá ler; e Se

você não lê, poderá compreender”. Acrescenta que, se o leitor ainda não se

convenceu de que a áudio-descrição é acessibilidade à informação, à

comunicação, à educação e à cultura, ele deve convencer-se desse direito e

praticar essa acessibilidade, promovendo a cidadania, dignidade e respeito aos

direitos da pessoa humana, também nos museus, no cinema, nos teatros e na

televisão.

1 controvérsia(con.tro.vér.si:a) sf.1. Diferença de opiniões ou discussão quanto a uma ação,

afirmação, teoria, proposta ou questão; POLÊMICA2. P.ext. Ação de negar, contradizer ou de se

opor a algo; CONTESTAÇÃO; IMPUGNAÇÃO3. P.ext. Debate de idéias; POLÊMICA[F.: Do lat. controversia, ae.] www.aulete.com.br 2 Professor adjunto do Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco,

tradutor e intérprete, psicólogo, coordenador do Centro de Estudos Inclusivos. E-

mail: [email protected] 3 Professora adjunto do Centro de Artes e Comunicação- UFPE, coordenadora do

Letras/Libras- Pólo UFPE. 4 Bacharel em Administração, colaborador do CEI (Centro de Estudos Inclusivos)

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Abstract

The current article deals with audio description, upholding this assistive

resource as a medium of accessibility to: information; communication; education

and culture for people with disability, especially visually impaired people. It

presents the employment of audio description in many countries, and shows

how this assistive tool has been demanded by people with disability. It also

points out grammatical reasons for writing the Portuguese word “audio-

descrição” with hyphen, putting in debate the controversy around the spelling of

this word, when written without hyphen. This article closes with the statement

that audio description is a resource for accessibility which in cinemas, theaters,

and television implies the offering of audio description for people with visual

impairment, and doing so, the current article emphasizes: “If you don‟t see you

will be able to hear. If you can‟t hear you will be able to read. If you can‟t read

you will be able to understand”. It adds: in case the reader isn‟t yet convinced

that audio description is accessibility to: information; communication; education

and culture, he should get convinced of this right, and putting it into practice

promotes: citizenship, dignity and respect for the rights of the human person, in

museums, cinemas, theater rooms and television.

1- Introdução

A narração (oral ou escrita) dos eventos tem sido uma opção há muito

utilizada para dar a conhecer a quem deles não participou, viu ou observou.

Como sabemos das “Histórias” e lendas antigas, seriam através dos

olhos e da fala de terceiros que se conheceriam as novas terras, a respeito das

quais os viajantes que delas voltavam, contavam suas experiências e

impressões. Contudo, tais narrativas eram entrecortadas por interpretações,

muitas vezes imprecisas, isso quando não eram fantasiosas. Mesmo os

registros, em forma de imagens pintadas, esculpidas ou tecidas, podiam

representar o que se acreditava ter acontecido ou visto e não o que

verdadeiramente ocorrera.

Com o advento das tecnologias de registro audiovisuais, o gravador, a

filmadora e as câmeras fotográficas, o acesso aos elementos sonoros e visuais

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dos eventos passaram a ser freqüentes e amplos, com mais precisão e

fidedignidade da imagem vista.

No entanto, na medida em que se ia deixando a narração e se

assumindo mais a apreciação da imagem, as pessoas com deficiência visual

passavam a ficar mais e mais de fora do mundo das informações, da

educação, da comunicação em geral, e do lazer, quando as imagens eram o

foco das apresentações.

Nas últimas décadas, contudo, um movimento internacional,

desencadeado nos Estados Unidos vem mudando essa situação.

Esteado na técnica da tradução visual e com o princípio de que todos

devem ter pleno acesso à informação, à comunicação, à cultura, à educação e

ao lazer, bem como com o entendimento de que cabe ao indivíduo decidir

sobre o que quer, como quer, quando quer ter a acesso a tudo isso, começou-

se a desenvolver o que veio a ser chamado de áudio-descrição.

Assim como a ortografia desse vocábulo apresenta um traço de união

que nos remete a uma nova construção, a partir da composição de elementos

distintos e com significados diversos bem conhecidos, o real sentido da áudio-

descrição também nos remete a uma nova compreensão do direito à

informação e à comunicação. Por conseguinte, o significado dos vocábulos

áudio e descrição é bem mais que a união dos dois elementos que o compõem,

não sendo, portanto, a mera narração de imagens visualmente inacessíveis

aos que não enxergam. A áudio-descrição implica em oferecer aos usuários

desse serviço as condições de igualdade e oportunidade de acesso ao mundo

das imagens, garantindo-lhes o direito de concluírem por si mesmos o que tais

imagens significam, a partir de suas experiências, de seu conhecimento de

mundo e de sua cognição.

Destarte, se de um lado as imagens como estão, são inacessíveis às

pessoas com deficiência visual, de outro, expectadores com essa deficiência

estão desejosos de acesso aos construtos visuais das obras e dos eventos que

fazem parte de seu dia-a-dia.

“Pessoas com deficiência reivindicam no Congresso legendas e áudio-descrição na televisão. MADRI, 23 de Setembro (EUROPA PRESS) -

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O presidente do Comitê Espanhol de Representantes de Pessoas com Deficiência (Cermi), Luis Cayo, solicitou nesta terça na Câmara dos Deputados a propositura de uma “legislação que obrigue as televisões, os meios áudio-visuais a fazer suas transmissões com legendas, em língua de sinais e com áudio-descrição. Durante sua intervenção na Comissão para as políticas de inclusão da pessoa com deficiência, Cayo destacou que as televisões acessíveis às pessoas com deficiência funcionam há vários anos em países como os Estados Unidos, Grã Bretanha ou França, todavia “na Espanha é um tema pendente”. “Esperamos que nesta legislatura seja saudada esta dívida”, asseverou.5

Sim, elas estão desejosas e conscientes do direito que têm à esse

acesso.

RESOLUÇÃO 96-13 -TELEVISÃO DIGITAL CONSIDERANDO que a televisão desempenha um importante papel para a educação e inclusão social e cultural e é o passatempo mais popular das pessoas com deficiência visual; CONSIDERANDO que as pessoas com deficiência visual perdem informações cruciais devido ao grande conteúdo visual de programas de televisão; CONSIDERANDO que a áudio-descrição (sic) (uma narração descrevendo ações, linguagem corporal, expressões faciais e cenários) já possibilita que milhares de pessoas com deficiência usufruam dos programas de televisão em alguns países; CONSIDERANDO que pesquisas de opinião mostram que a vasta maioria das pessoas com deficiência visual querem e precisam de áudio-descrição de programas de televisão; CONSIDERANDO que o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece o direito de todos de fazerem parte da vida cultural da comunidade e beneficiarem-se de avanços científicos; CONSIDERANDO que em alguns países a legislação sobre transmissão televisiva reconhece o direito das pessoas com deficiência visual de usufruírem da televisão com áudio-descrição; CONSIDERANDO que o advento da televisão digital (que fará mais canais disponíveis) fornece uma solução técnica para a transmissão e recepção da áudio-descrição; e CONSIDERANDO que os receptores digitais devem ser facilmente utilizáveis por pessoas com deficiência visual a fim de que a televisão digital lhes seja acessível; Esta Quarta Assembléia Geral da União Mundial de Cegos, em convenção na cidade de Toronto, Canadá, decide: A. Exigir dos legisladores que reconheçam o direito das pessoas com deficiência visual de usufruírem da televisão e que dediquem uma parte da capacidade de transmissão digital ao som da áudio-descrição à medida que e quando a televisão digital estiver sendo introduzida;

5 http://www.europapress.es/epsocial/noticia-discapacitados-reivindican-congreso-subtitulos-

audiodescripcion-television-20080923172228.html

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B. Exigir dos canais de televisão que assumam um compromisso para com seus espectadores com deficiência no sentido de introduzirem serviços tão logo um método de transmissão do som da áudio-descrição torne-se disponível; e C. Exigir a cooperação dos fabricantes de receptores para que incorporem as necessidades das pessoas com deficiência visual ou com baixa visão no projeto dos receptores digitais. Quarta Assembléia da União Mundial de Cegos (WORLD BLIND UNION)6

TORONTO, CANADÁ 26-30 AGOSTO 1996

Por toda a parte, à busca por uma Sociedade Inclusiva, as pessoas

com deficiência têm ocupado espaços e falado para serem escutadas. Suas

falas, ainda que um tanto abafadas pelos modelos tradicionais de exclusão e

de segregação, estão, contudo, sendo ouvidas cada vez mais. De fato, no que

concerne ao acesso à imagens visuais, as pessoas com deficiência visual vêm

logrando êxito, seja no estrangeiro, seja no Brasil. E isso pode ser visto nas

programações de teatros e cinemas ao redor do mundo.

No Caribe:

Em Cuba, filmes com sistema de áudio-descrição para pessoas com deficiência visual.

ELIZABETH LÓPEZ CORZO A Amostra de Cinema Cubano, com cinco filmes para cegos e pessoas com baixa visão foi apresentada hoje, na cidade de La Habana, mediante o sistema de áudio-descrição, método inovador na América Latina devido ao enfoque mais integral que lhe outorga a ilha. José Luis Lobato, cineasta e promotor do projeto, mencionou que na Argentina houve um precedente dessa iniciativa mas, agora, Cuba é o único país que trabalha em profundidade com uma amostra cinematográfica desse tipo. Este é um evento de importância mundial, uma vez que a nação caribenha o desenvolve tendo em vista o usufruto conjunto de videntes e não-videntes, completamente diferente do que ocorre em outras partes do mundo, que só se destina aqueles com deficiência visual e também aqui se promove a visita ao cinema como um centro cultural fora do âmbito doméstico, disse ele. Carlos Abel Ramirez, chefe do Departamento de Cultura, Educação e Relações Públicas da Associação Nacional dos Cegos, classificou como muito positivo o projeto devido ao seu cunho social e humano, pois o objetivo desta entidade é a reabilitação integral de seus afiliados e de seu ambiente social.

6http://www.worldblindunion.org/en/documents/general-

assembly/resolutions/Resolutions%201996.doc

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Acrescentou que se amplia o conhecimento das pessoas com deficiência, enquanto o povo também se instrui sobre as necessidades dessas pessoas e em como podem ser satisfeitas. O sistema supre, com a voz de um locutor, a falta de percepção das imagens, através de descrições sonoras complementares que detalham os gestos dos personagens, sua aparência, paisagens, e outros, e só foi desenvolvida nos Estados Unidos, Espanha e Itália. Robert Smith, Vice Presidente do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficas, afirmou que este é um método, que merece uma atenção para alcançar seu objetivo comunicativo, mantendo a sua integridade artística. Ele disse que em breve começarão a distribuir fitas em todos os conselhos de Cuba, através dos Centros Provinciales del Cine. A continuidade do projeto é de extrema vontade de cultura do país, junto com versões de outros programas na telinha disse Jorge Gonzalez, chefe do Departamento de dublagem do Instituto Cubano de Rádio e TV, e comentou que a apresentação está prevista durante o verão, a partir da coleta em um canal nacional. Até a data terão sido finalizadas as áudio-descrições de Viva Cuba, La bella del Alhambra, Clandestinos, Páginas del diario de Mauricio e Bailando Cha Cha Chá, enquanto se continua trabalhando nos títulos Se permuta, El brigadista e Fresa y Chocolate.7

No Havaí:

Teatro Diamond Head para a Pessoa com Deficiência Visual O Teatro Diamond Head está oferecendo áudio-descrição para as pessoas com deficiência visual no segundo domingo de cada apresentação ao vivo do teatro. A seguinte lista de datas refere-se às suas apresentações durante esta estação. Título do Filme e Data da Apresentação Meet Me in St. Louis - December 9 2007 Barefoot in the Park - February 10 2008 Flower Drum Song - March 30 2008 The Producers The Wizard of Oz - May 25 2008 The Wizard of Oz - July 20, 2008 Todas as apresentações são as 16:00 e oferecemos um disconto de $5 para as poltronas de $22 e $32, para as pessoas com deficiência visual. Contato: Melanie Garcia Box Office Manager/Volunteer Coordinator Diamond Head Theatre 520 Makapuu Ave. Honolulu, HI 96816 (808) 733-0277, x.3108

Na Catalunha:

7 http://www.granma.cubaweb.cu/2008/06/05/cultura/artic08.html

8 http://www.acb.org/hawaii/#diamond

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TV3 oferece 'La gran pellícula' com áudio-descrição para pessoas com deficiência visual através da TDT. Desde 16 de fevereiro a TV3 transmite através da TDT, 'La Gran Pel.lícula' com a áudio-descrição para pessoas com deficiência visual. A televisão da Catalunha habilitou um canal de áudio específico para a áudio-descrição, como parte de um projeto que prevê um aumento progressivo da programação acessível a pessoas com deficiência visual. Toda semana, 'A Gran Pel.lícula‟, que é apresentado sexta-feira à noite, irá incorporar comentários descritivos para que as pessoas com deficiência visual possam acompanhar tudo o que acontece e que só é apresentado através da imagem. Com este serviço de áudio, pessoas com deficiência visual podem obter informação sobre todos os elementos necessários para não perder o fio da meada do filme e também informações sobre as atitudes e expressões dos personagens, movimentos, paisagens, o figurino, e assim por diante. TV3 fez os primeiros lançamentos de filmes com áudio-descrição no final da década de 80, e mais tarde ofereceram-se séries como 'plats bruts','Majoria absoluta‟ e „L‟un per l‟autre‟. Mas o projeto que agora se coloca em prática planeja oferecer uma programação regular e estável dirigida às pessoas com deficiência visual e ir ampliando-a. Para tornar possível esta expansão, a Televisão da Catalunha, criou um sistema tecnológico específico e apropriado. As áudio-descrições até agora vinham sendo transmitidas através do sistema dual, e isso implicava na eliminação da versão original ou o som estéreo do programa. Agora, graças às TDT, TVC, se pode destinar um canal de áudio exclusivamente para a áudio-descrição. Para ter acesso a este serviço apenas necessita-se de escolher o canal correspondente dentro do menu de áudios do receptor de TDT. Há muitos anos, a acessibilidade é um objetivo prioritário da TVC. Diariamente, são oferecidos espaços informativos traduzidos para a língua de sinais catalã, e desde os primórdios do teletexto tem-se incentivado de modo muito importante a legendagem destinada às pessoas com deficiência auditiva. A Legendagem foi inaugurada no ano de 1990, e desde então a oferta tem aumentado ano após ano. No ano de 2006, foram emitidas um total de mais de 10.000 horas legendadas no conjunto dos diferentes canais (analógicos e digitais). No que concerne à programação, nestes momentos é possível continuar com as legendas em qualquer tipo de programas: informativos, documentários, desenhos animados, séries, filmes, programas culturais e de entretenimento, etc. No ano de 2003, também foi desenvolvido um sistema tecnológico próprio que permite legendar em tempo real programas ao vivo. O programa “Àgora” é oferecido com legendas, desde há quase dois anos, graças a este sistema, e em 2007, começou-se também a legendar o programa “El temps”.9

Em Portugal:

9 http://todosobremitele.blogcindario.com/2007/02/04639-tv3-ofrece-la-gran-pel-licula-con-

audiodescripcion-para-personas-ciegas-a-traves-de-la-tdt.html

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TV Cabo e Canal Lusomundo Gallery adaptam filmes Portugueses para pessoas cegas

No próximo dia 24 de Fevereiro, o canal Lusomundo Gallery apresenta o 15º filme português com áudio-descrição(sic) A TV Cabo/Canal Lusomundo Gallery exibiu o primeiro filme com áudio-descrição em 3 Dezembro de 2004. O filme "O Pátio das Cantigas" tornou-se assim o primeiro filme português a incorporar a áudio-descrição. No próximo dia 24 de Fevereiro, o filme “O Grande Elias”, de Arthur Duarte, torna-se o 15º filme com áudio-descrição sincronizada à disposição no canal Lusomundo Gallery da TV Cabo. A um ritmo de um filme por mês, o leque dos filmes portugueses vão desde os clássicos, sendo o mais velho de 1935 ("As Pupilas do Senhor Reitor"), até aos filmes contemporâneos, com realizações datadas de 2003, como é o caso de "A Selva" de Leonel Vieira. Lista dos filmes com áudio-descrição

"O Pátio das Cantigas" de Francisco Ribeiro (Ribeirinho), 1941 Duração: 125 min. Estreou a 3 Dezembro 2004 (Dia Internacional das Pessoas com Deficiência)

"O Costa do Castelo" de Arthur Duarte, 1943 Duração: 125 min. Estreou a 28 Janeiro 2005

"O Leão da Estrela" de Arthur Duarte, 1947 Duração: 110 min. Estreou a 20 Fevereiro 2005

"O Querido Lilás" de Artur Semedo, 1987 Duração: 104 min. Estreou a 30 Março 2005

"A Vida é Bela" de Luís Galvão Teles, 1982 Duração: 109 min. Estreou a 29 de Abril 2005

"Um Crime de Luxo" de Artur Semedo, 1991, Duração: 87 min. Estreou a 20 Maio 2005

"A Selva" de Leonel Vieira, 2003 Duração: 120 min. Estreou a 19 Junho 2005

“Fado, História d‟uma Cantadeira” de Perdigão Queiroga, 1947 Duração: 108 min. Estreou a 21 Julho 2005

“As Pupilas do Senhor Reitor” de Leitão de Barros, 1935 Duração: 102 min. Estreou a 26 Agosto 2005

“A Vizinha do Lado” de António Lopes Ribeiro, 1945 Duração: 115 min. Estreou a 29 Setembro 2005

“Sonhar é Fácil” de Perdigão Queiroga, 1951 Duração: 94 min. Estreou a 30 Outubro 2005

“O Pai Tirano” de António Lopes Ribeiro, 1941 Duração: 118 min. Estreou a 30 Novembro 2005

“Maria Papoila” de Leitão de Barros, 1937 Duração: 98 min. 21 Dezembro 2005

“Os Três da Vida Airada” de Perdigão Queiroga, 1952 Duração: 98 min. Estreou a 25 Janeiro 2006

Próxima estreia

“O Grande Elias” de Arthur Duarte, 1950, Duração: 124 min. Estreia a 24 de Fevereiro 2006.10

No Brasil:

10 http://www.acesso.umic.pt/tv/lusomundo.htm

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Imagine o que não se pode ver A experiência pernambucana

Espetáculo O menino que contava estrelas foi o primeiro a disponibilizar a áudio-descrição no Recife. Mariana, oito anos, é esperta. Morena, cabelos cacheados, inquieta. Nasceu com deficiência visual, o que não está impedindo que ela comece - como toda criança - a compreender o mundo que a cerca. Faz balé. "Danço muito bem. Vou me apresentar no teatro da UFPE. Você conhece?", pergunta a pequena. Mariana já está acostumada à aúdio-descrição. Viu Irmãos de Fé, do padre Marcelo Rossi, primeiro filme que ofereceu o recurso no país. Na televisão, assiste a programas educativos que permitem que ela construa as imagens que é impossibilitada de ver. No último mês de outubro, a garotinha era uma das mais curiosas na platéia da peça O menino que contava estrelas, que esteve em cartaz no Teatro Joaquim Cardozo, no Recife. Mariana nasceu com deficiência visual, faz balé, assiste TV e gostou da peça Completando a "lista dos pioneiros", o espetáculo foi o primeiro no Recife que disponibilizou a áudio-descrição. "A parte que eu mais gostei foi a do dragão. O menino encontrava um dragão de verdade. Ficou se tremendo". A áudio-descrição da peça foi realizada pelos alunos do curso Imagens que falam, detradução visual com ênfase em áudio-descrição, que está sendo ministrado pelo professor Francisco Lima. Cego desde que nasceu, há 44 anos, o professor - doutor em psicofísica sensorial - lida profissionalmente com imagens desde 1996. "Trabalhei com a produção de desenhos que podem ser reconhecidos pelo tato, um recurso que é desconsiderado muitas vezes pelos próprios educadores". Atualmente, o professor tem se dedicado a difundir a áudio-descrição que, no caso do teatro, é feita ao vivo. "Repetimos a experiência na peça Os cegos, que também estava no Joaquim Cardozo, e pretendemos continuar fazendo isso. Inicialmente, com as peças deste teatro", explica. No campo da arte, além dos palcos e do cinema, a áudio-descrição pode ser utilizada também nos museus. "Seria uma descrição das obras que as outras pessoas conseguem enxergar", complementa Francisco. Para tornar as artes plásticas completamente acessíveis para pessoas cegas, no entanto, os recursos sensoriais devem ser estimulados. Por que não, por exemplo,disponibilizar reproduções das obras para que os deficientes possam tocá-las? "É preciso pensar em quais barreiras os deficientes enfrentam. Cada tipo de deficiência é uma barreira diferente. Temos uma lei no Recife, por exemplo, obrigando a fazer maquetes dos prédios públicos importantes, que possam ser tocadas, para os deficientes conhecerem a arquitetura do lugar. Mas isso não sai do papel", denuncia Anderson Tavares, idealizador da consultoria Visibilidade, que trabalha com acessibilidade. Diário de Pernambuco, Imagine o que não se pode ver Pollyanna Diniz - [email protected]

11 http://www.diariodepernambuco.com.br/2008/11/16/viver6_0.asp

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Muito embora venham sendo várias as ações não governamentais

voltadas a respeitar o direito de as pessoas com deficiência assistir a um filme,

a uma peça teatral ou de visitar um museu com acessibilidade; não obstante

os esforços das pessoas com deficiência visual em fazer o Ministério das

Comunicações entender que acessibilidade não é opção, mas sim necessidade

e direito; a despeito da clareza solar de nosso ordenamento jurídico na

garantia do direito à informação, à educação e à cultura, as emissoras de TV

brasileiras, representadas pela ABERT, vêm fazendo lobby (e sendo acolhidas

pelo Mini-Com) contra a implantação da lei que assegura esse direito aos

milhares de cidadãos com deficiência, aqui incluídas pessoas com dislexia,

com deficiência intelectual e física.

E não só elas, mas também as pessoas idosas (com dificuldade de

leitura) e as pessoas analfabetas, uma vez que, no cinema e nos DVDs os

filmes são, em grande parte, legendados e não dublados, o que impede a

todas essas pessoas o acesso ao constitucional direito ao lazer que dessas

obras poderia advir, caso tivessem áudio-descrição, esse recurso que é

definido pela PORTARIA Nº 310, DE 27 DE JUNHO DE 2006 do Ministério das

Comunicações como sendo:

3.3. Áudio-descrição (sic): corresponde a uma locução, em língua portuguesa, sobreposta ao som original do programa, destinada a descrever imagens, sons, textos e demais informações que não poderiam ser percebidos ou compreendidos por pessoas com deficiência visual.12

A oferta da áudio-descrição eliminaria e/ou minimizaria a atitude

excludente de nossa sociedade que ainda não percebeu que não é a

deficiência que incapacita a pessoa, mesmo quando e onde lhe impõe limites.

Quem incapacita uma pessoa com deficiência é a própria sociedade que não

lhe respeita o direito de acesso aos bens e serviços disponíveis às pessoas

sem deficiência e que um contribuinte com deficiência, também ajuda pagar

com seus impostos.

Logo não se está falando de filantropia ou privilégio quando se reclama

pela a oferta da áudio-descrição, nem de um remendo desta. Estamos falando

12 http://acessibilidade.sigaessaideia.org.br/media/1/20060703-PORTARIA%20MC%20310%2006%20-

%20ACESSIBILIDADE%20NA%20RADIODIFUSAO.doc

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da provisão de um serviço com qualidade para todos a toda hora, pois a toda

hora uma pessoa vidente pode ligar a televisão e assistir a um programa.

Assim, para que tenha mesma igualdade de acesso a essa programação é que

as pessoas com deficiência pleiteiam a áudio-descrição e a acessibilidade a ela

associada.

São 10:00 h e Joe, que é cego, quer ver televisão. A mulher e o filho de Joe, que usufruem de capacidade de visão, não estão disponíveis para ler o guia dos programas. Mesmo que estivessem disponíveis, Joe tentará ser independente e não quer aceder a essa informação através da sua família. É claro que pode ir de canal em canal e esperar cada intervalo para perceber através do áudio que programa é que está a ver. Isso é exatamente o que ele e outros cegos têm feito ao longo dos anos, porque o guia da programação tradicional é puramente visual. E num universo de mais de 200 canais, Joe dispenderia todo o seu tempo navegando, em vez de se divertir com um programa específico. Mas agora, Joe já não é obrigado a navegar inutilmente, graças aos serviços desenvolvidos associados à sua STB. Barreiras dos Media Convergentes para os Indivíduos Que São Cegos ou Têm Baixa Visão13

De modo a responder ao direito de acesso à comunicação e à

informação, portanto, surge uma técnica, e um profissional que a emprega: a

áudio-descrição e o áudio-descritor, bem como são desenvolvidas tecnologias

para a aplicação dessa técnica.

Todavia, a áudio-descrição não é uma descrição qualquer,

despretensiosa, sem regras, aleatória. Trata-se de uma descrição regrada,

adequada a construir entendimento, onde antes não existia, ou era impreciso;

uma descrição plena de sentidos e que mantém os atributos de ambos os

elementos, do áudio e da descrição, com qualidade e independência. É assim

que a áudio-descrição deve ser: a ponte entre a imagem não vista e a imagem

construída na mente de quem ouve a descrição.

Logo, a união dos sentidos se dá por uma ponte em cujas extremidades

estão a imagem e a descrição. Essa ponte, o áudio-descritor, vem conduzir a

imagem que sem a descrição será inacessível às pessoas com deficiência

visual, mas que, com a áudio-descrição, tomará sentido.

Com efeito, para Lívia Mota (2008), a áudio-descrição

13 http://acesso.umic.pt/tv/media.htm

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“...é um recurso de acessibilidade que permite que as pessoas com deficiência visual possam assistir e entender melhor filmes, peças de teatro, programas de TV, exposições, mostras, musicais, óperas e outros, ouvindo o que pode ser visto. É a arte de transformar aquilo que é visto no que é ouvido,o que abre muitas janelas para o mundo para as pessoas com deficiência visual. Com este recurso, é possível conhecer cenários, figurinos, expressões faciais, linguagem corporal, entrada e saída de personagens de cena, bem como outros tipos de ação, utilizados em televisão, cinema, teatro, museus e exposições”. (grifos nossos) http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=22027

Estando disponível nos Estados Unidos e Europa, há umas 3 décadas,

no Brasil, a áudio-descrição ainda é motivo de espanto para quem, pela

primeira vez ouve falar ou lê a respeito dessa tecnologia assistiva de acesso à

comunicação/informação.

Mercado inclusivo 10/Dez/2009 Nunca ouvi falar em audiodescrição. Até o dia em que uma amiga publicitária, Neide Cavalcanti, disse que estava se formando na segunda turma do curso de extensão de formação de audiodescritores ou imagens que falam do Centro Estudos Inclusivos, que fica no Centro de Educação Inclusiva (CEI) da UFPE. A técnica é usada para pessoas com deficiência visual, com baixa visão e para os print deisability, os que têm dificuldade de leitura, como analfabetos, crianças e disléxicos, por exemplo. O coordenador do CEI, Francisco Lima, define a disciplina como uma técnica de descrição voltada aos eventos visuais, imagens, fotos, filmes, tornando-os compreensíveis a pessoas cegas, por intermédio da fala ou escrita de quem descreve tais eventos.” Moema Luna é jornalista e responsável pela coluna JC Marketing e Comunicação http://jc3.uol.com.br/comercial/coluna.php?canal=5&dth=2009-12-10

O próprio Ministério das Comunicações e outros têm dado provas de não

entender/saber o alcance dessa tecnologia e do que ela significa em termos de

direitos humanos. Exemplo disso é a deplorável e controversa Portaria 661/08

que protelou a obrigatoriedade de as televisões oferecerem áudio-descrição em

suas programações, conforme manda nosso ordenamento jurídico lei 10098/00

e decreto 5296/04.

Segundo Quico (2005),

Num estudo realizado em 1998, a American Foundation for the Blind verificou que a maioria das pessoas com deficiências visuais que tinham utilizado o serviço de Áudio-Descrição consideraram este como muito útil,

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bem como davam preferência aos conteúdos com Áudio-Descrição (sic). Os principais benefícios do serviço citados por pessoas invisuais ou com deficiências visuais graves foram os seguintes: - ficar a conhecer os ambientes visuais do programa, - compreender melhor os materiais televisivos, - sentir-se independente, - sentir-se igual a uma pessoa sem deficiências visuais, - sentir satisfação, - alivio dos espectadores sem deficiência visual com quem assistiam aos programas.14

E o desconhecimento sobre os benefícios da áudio-descrição perpassa

outras áreas sociais, como a da educação que, por seu ministério não obriga

que os livros didáticos estejam disponíveis aos alunos com deficiência visual

com a descrição dos elementos visuais, muitas vezes necessários para o

completo entendimento e conseqüente aprendizagem do conteúdo desses

livros.

Em defesa da áudio-descrição

Pelo caráter incipiente da áudio-descrição no Brasil, até mesmo entre

alguns dos áudio-descritores brasileiros, verifica-se controvérsia, por exemplo,

quanto à grafia do termo áudio-descrição, o qual tem aparecido escrito como

“áudiodescrição”, “áudio descrição” e, mais freqüentemente, na forma de

“audiodescrição”. E como se grafa a palavra áudio-descrição, então?

Como se pode ver pela grafia adotada neste artigo, o autor optou por a

grafar com hífen, mantendo o acento agudo no a do primeiro elemento do

léxico.

Ao dizermos áudio-descrição, estamos dizendo de áudio e estamos

dizendo de descrição. Os termos mantêm individualmente seu sentido original,

porém, constituindo novo sentido, numa nova unidade semântica. Quanto à

prosódia e à grafia das palavras em separado, elas são mantidas, logo não

havendo razão que justificasse as unir na grafia ou as escrever em separado,

sem hífen. Isto é, a junção dos termos áudio e descrição pelo hífen leva ao

entendimento de uma nova construção semântica, com sentido próprio, sem

que cada termo se destitua por completo de seu sentido original.

14 http://www.acesso.umic.pt/tv/quico_audiodescricao_2005.doc.

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Fundir áudio e descrição, sem a correta grafia, portanto, pode levar a

uma idéia imprecisa do que, de fato, ela é, um novo termo, com elementos

constitutivos conhecidos, mas que mantém a acentuação e demais atributos

gráficos dos elementos em separado e, por conseguinte, com sentido próprio e

distinto do significado que têm os termos áudio e descrição individualmente.

Quando se une diferentes elementos com hífen e não se perde o sentido

original de cada elemento constitutivo, constrói-se na relação uma nova

unidade semântica com sentido próprio e concernente ao novo vocábulo. Não

se dar conta disso é um equívoco que pode levar a conclusões errôneas.

No extrato abaixo vê-se exemplo do erro que o autor pode cometer,

quando a despreocupação com o uso da grafia correta ou o aligeiramento na

decisão de que escrita adotar dão lugar à pesquisa, ao estudo e, enfim, à

investigação científica minuciosa.

Você está com uma pressa danada e quer saber se "salário mínimo" se grafa com hífen ou sem ele. Numa consulta ao dicionário, você rapidamente vê "salário-mínimo" com hífen e se dá por satisfeito: vai usar a expressão com o hífen. Nada disso! Numa consulta mais atenta, você verá que "salário-mínimo" com hífen tem um significado diferente do que está imaginando. A expressão não significa o valor mínimo que o trabalhador brasileiro deve receber como salário. Nesse caso, devemos grafar sem o hífen: "salário mínimo". "Salário-mínimo" é uma expressão popular que possui outro sentido: "Esse time é salário-mínimo" = "Esse time é muito fraco, não vale

nada". Quando queremos nos referir à remuneração mínima dos assalariados, utilizamos as palavras "salário" e "mínimo" no sentido básico delas, o que não acontece na expressão com hífen, que é usada para adjetivar alguma coisa.15

O excelso, polêmico e não menos criticado gramático e filólogo da

língua portuguesa Napoleão Mendes de Almeida, confirma o uso de hífen,

quando os elementos constitutivos de um vocábulo mantém prosódia e grafia

originais, formando nova palavra com sentido próprio. E Napoleão concorda

com essa regra, sem deixar de seu purismo no que tange às normas

gramaticais e ortográficas, bem como sem deixar de ser crítico ferrenho do uso

de hífen, dizendo que esse traço-de-união “é desnecessário e mero „enfeite‟

que deve ser eliminado”.

15 http://campus.fortunecity.com/drew/273/orto.doc

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Justifica-se o hífen em algumas das palavras compostas por justaposição, a saber, naquelas formadas por dois termos que têm significação própria quando isolados e, no se unirem para formar o composto, conservam ambos, além da significação, a grafia e a prosódia que lhes são peculiares: guarda-chuva, couve-flor, papel-moeda, amor-perfeito. “Justifica-se” ficou dito, mas não nos esqueçamos de que esse enfeite existe quase que exclusivamente no nosso idioma. (Almeida, 1996:244-245)

Alinhados com o Gramático, sustentamos que o uso do hífen não é

exclusivo de nossa Língua, como se pode verificar em outros idiomas como

no inglês e francês.

Com efeito, também nesses idiomas há os que adotam o traço-de-união

ao grafarem áudio-descrição. Seria mesmo por “enfeite”?

Audio-Description Bernd Benecke Bayerischer Rundfunk, Munich, Germany RÉSUMÉ L‟audio-description est présentée principalement selon deux axes: son développement récent et les principales étapes de réalisation de ce mode de transfert linguistique. (A áudio-descrição é apresentada principalmente segundo dois eixos: seu desenvolvimento recente e as principais etapas de realização deste modo de transferência lingüística). ABSTRACT This paper deals mainly with two aspects of audio-description: the development of this mode of language transfer and the main steps in the preparation of an audio-description. (Este artigo trata principalmente de dois aspectos da áudio-descrição: o desenvolvimento deste modo de tradução lingüístico E os passos principais no preparo da áudio-descrição). MOTS-CLÉS/KEYWORDS audio-description, blind and visually-impaired people, German TV channels, recording (Palavras chave áudio-descrição, pessoas cegas e com deficiência visual, canais de televisão alemã, gravação)16

Centre Dramatique Régional de Tours DE GAULLE EN MAI Textes organisés par Jean-Louis Benoit Extraits du Journal de l‟Elysée de Jacques Foccart Avec Jean-Marie Frin, Arnaud Décarsin, Luc Tremblais, Laurent Montel, Dominique Compagnon Ce sont des extraits du journal de Jacques Foccart consacré à cette période qui nous ont permis de construire ce spectacle (...)

16 http://www.erudit.org/revue/meta/2004/v49/n1/009022ar.pdf

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Représentation avec audio-description Jeudi 11 décembre 2008 (Estes são extratos do jornal de Jaques Foccart dedicados a este período que nos permitiram construir este espetáculo: (...) Representação com áudio-descrição. Quinta, 11 de dezembro de 200817

Bringing ballet to the blind - News - audio-description at the Kentucky Center for the Arts - Brief Article Dance Magazine, June, 2002 by Janet Weeks Dancers aren't the only ones warming up before The Nutcracker performances at the Kentucky Center for the Arts in Louisville. Out front, a trained audio-description volunteer also prepares for a live performance. As the flowers waltz, the volunteer, settled into the light booth or some other suitable space, broadcasts an auditory scene for blind patrons who listen from their seats using a receiver and earphone. The center's audio-description program celebrates its tenth anniversary this season and for the first time it's offering the service for modern dance as well as ballet devotees. (Trazendo Ballet aos cegos – Notícia – Áudio-descrição no Centro de Artes de Kentucky- Breve artigo. Os dançarinos não são os únicos a se aquecerem antes da apresentação do “The Nutcracker”, no Kentucky Center for the Arts de Louisville. Lá na frente, um voluntário treinado em áudio-descrição também se prepara para uma performance ao vivo)18

Ficando demonstrado o uso desse sinal gráfico em outros idiomas, em

mesma expressão de que fazemos uso, a saber, áudio-descrição e ficando

demonstrado que, até mesmo o grande Gramático brasileiro Napoleão Mendes

de Almeida reconhece a justificativa para o uso de hífen em vocábulo

composto, conforme citado, passemos a analisar, pois, o léxico áudio-

descrição, quanto ao significado em separado de seus elementos e a relação

destes quando juntos.

Segundo o popular Dicionário do Aurélio:

Áudio: [De audi(o)- (q.v.).] S.m. 2. Cin. A parte sonora de um filme. Descrição: [Do lat. Descriptione.] S.f. 1. Ato ou efeito de descrever. 2. Exposição circunstanciada feita pela palavra falada ou escrita. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda,2004)

Aqui, há de se notar que a descrição se presta “pela palavra falada ou

escrita”, portanto não sendo de se admirar que desse termo derivem áudio-

17 http://www.accesculture.org/?cat=77 18 http://findarticles.com/p/articles/mi_m1083/is_/ai_87022579

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descrição, a descrição escrita de imagens estáticas (de fotografias, pinturas,

esculturas etc.), ou das expressões, figurinos em filmes e peças teatrais, tanto

quanto a parte sonora de um filme, em processo de legendagem para o

sistema close caption, voltado aos indivíduos surdos, cujo acesso aos áudios

do filme se dá, por exemplo, pela descrição dos sons necessários à

compreensão da obra e que não são deduzidos da informação visual ou escrita

da cena.

Consoante o excelso lexicógrafo Caldas Aulete:

Descrição: s.f. discurso por meio do qual se descreve ou representa alguma coisa ou pessoa; narração circunstanciada; enumeração dos caracteres que distinguem uma pessoa ou coisa.(Aulete, 1968)

Observemos que a narração a que o termo descrição nos remete,

quando da áudio-descrição é uma narração dos atributos visuais não

compreendidos dos diálogos e efeitos sonoros do filme, o que deixa patente a

manutenção desse significado ao se constituir a palavra áudio-descrição

(descrição com palavras, narração, dos eventos imagéticos, das características

da cena ou dos elementos dela).

Portanto, o termo descrição é adequadamente aplicado nessa

construção do vocábulo para melhor determinar que a descrição não seja

confundida com interpretação. Com efeito, na áudio-descrição, descreve-se o

que se vê e não o que se pensa ou que se acha ter visto.

A áudio-descrição vem completar, ampliar o conhecimento que se pode

alcançar de uma dada cena ou filme, mas será a cognição que fará a diferença,

de fato. Assim, o papel do áudio-descritor é levar à mente do usuário do

serviço, por meio da descrição, oral ou escrita, aquilo que ele vê, da forma que

vê, com a maior completude e exatidão que o tempo lhe permitir, dentro de

regras e premissas profissionais, sólidas e éticas.

Para sustentarmos com maior profundidade este entendimento,

tomemos mais uma vez o que vem significar áudio e descrição, agora na

definição do renomado dicionário Michaelis:

áudio áu.dio2 sm (lat audio) Telev 1 Faixa do espectro reservada ao som, em

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contraposição ao vídeo. 2 Coluna do script destinada às falas e anotação de sons.19 descrição des.cri.ção sf (lat descriptione) 1 Ação ou efeito de descrever. 2 Lit Tipo de composição que consiste em enumerar as partes essenciais de um ser, geralmente adjetivas, de modo que o leitor ou ouvinte tenha, desse ser, a imagem mais exata possível. (grifos nossos)20

Como fica patente, a relação de script, de descrição circunstanciada, de

narração pela fala em registro oral ou pelo próprio registro escrito, bem como a

relação de tradução da imagem em som, tornando-o “oposição à imagem”, mas

correspondente ao filme, torna o vocábulo áudio-descrição um termo com

sentido específico e inovador, cujos elementos assumem o significado da

tradução visual mediado pelo audiodescritor.

Por assim dizer, então, o áudio-descritor é o (hífen) que une a obra ao

expectador, dando novo sentido a ambos, o sentido da acessibilidade, da

cidadania, do respeito que cada espectador deve ter ao se deparar com uma

obra, seja ela cultural, educacional ou outra.

Entretanto, mais que uma questão gramatical o hífen da áudio-descrição

é o traço de união entre a audição das pessoas com deficiência visual e a

imagem visual pretendida pelo autor; entre a inacessibilidade e a compreensão;

entre o desrespeito e o reconhecimento de direitos.

Ainda assim, lancemos olhos ao novo acordo ortográfico da língua

portuguesa, previsto para entrar em vigor no ano que nos soma à porta, e

vejamos o que ele nos diz:

Segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, apresentado por

Ernani Terra, o emprego do hífen (-)

continua a ser usado nas palavras compostas, na ligação dos pronomes oblíquos enclíticos (colocados depois da forma verbal) e mesoclíticos (colocados no meio da forma verbal) ao verbo e na ligação dos sufixos de origem tupi: couve-flor, segunda-feira, entregá-lo, entregá-lo-íamos, sabiá- guaçu.21

19

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-

portugues&palavra=%E1udio> Acessado em: quinta-feira, 27 de novembro de 2008. 20 http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-

portugues&palavra=%E1udio> Acessado em: quinta-feira, 27 de novembro de 2008. 21

http://abrale.com.br/biblioteca/Acordo_Ortografico_da_Lingua_Portuguesa.doc

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O autor observa que “no entanto, as palavras em que se perdeu a noção

de composição deverão ser escritas sem o hífen”, o que não é o caso do

vocábulo áudio-descrição, em que se mantém o sentido dos elementos em

separado.

O autor observa ainda que não se usa hífen quando:

a) quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s:

antirreligioso, antissemita, contrarregra, cosseno

b) quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal

diferente dela: antiaéreo, autoestrada, coeducação.

Em todos esses casos, certificamos que não é acolhida a justificativa da

grafia de áudio-descrição sem o (hífen).

Ao consultarmos o site http://www.colegiocastroalves.g12.br,

verificaremos que:

Nova Regra Regra Antiga Como Será

Não usamos mais

hífen em compostos

que, pelo uso,

perdeu-se a noção

de composição

manda-chuva, pára-quedas, pára-

quedista, pára-lama, pára-brisa,

pára-choque, pára-vento

mandachuva, paraquedas,

paraquedista, paralama, parabrisa,

parachoque, paravento

Obs: o uso do hífen permanece em palavras compostas que não contêm elemento de

ligação e constitui unidade sintagmática e semântica, mantendo o acento próprio, bem

como naquelas que designam espécies botânicas e zoológicas: ano-luz, azul-escuro,

médico-cirurgião, conta-gotas, guarda-chuva, segunda-feira, tenente-coronel, beija-flor,

couve-flor, erva-doce, mal-me-quer, bem-te-vi etc.22

Também aqui, nada se vê que obsta o uso do hífen em áudio-descrição.

Pelo contrário, se confirma que nos casos em que os elementos mantêm

sentido e grafia originais, porém constituindo nova unidade semântica com

sentido próprio, a indicação é de se fazer uso desse traço-de-união.

22 http://www.colegiocastroalves.g12.br/L%C3%8DNGUA_PORTUGUESA.doc

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E é pela união que devemos optar no caso da áudio-descrição, uma vez

que mais que a controvérsia sobre a grafia deste vocábulo, o debate a ser feito

é o da defesa de as pessoas com deficiência terem acesso à áudio-descrição,

como meio de resposta social à barreira comunicacional que os filmes e outros

recursos televisivos, de cinema, de teatros e outros impõem às pessoas cegas

ou com baixa visão, quando o recurso da A-d não é oferecido.

Logo, não nos debatamos pelo que há de controvérsia na A-d, mas nos

detenhamos no que nela nos une. Em outras palavras, não nos descuidemos

do traço que nos une na áudio-descrição: o direito humano de se ter acesso

com igualdade de condições e oportunidade aos bens e serviços devidos a

todos, sejamos pessoas com deficiência ou não.

Ademais, áudio-descrição é nada menos que acessibilidade, e

acessibilidade é áudio-descrição, significando que, como dizem os poetas,

Se você não vê, poderá ouvir;

Se você não ouve, poderá ler;

Se você não lê, poderá compreender.”

Entretanto, se você ainda não se convenceu de que áudio-descrição é

direito à informação, à comunicação, à cultura, lazer e educação, convença-se

de que ela é tudo isso e pratique a acessibilidade, promovendo a cidadania,

dignidade e respeito à pessoa humana, também nos museus, no cinema, nos

teatros e na televisão.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. 3. Ed.

São Paulo: Editora Ática, 1996. p. 244-245.

AULETE, Caldas. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. 5ª ed.

Rio de Janeiro, Delta S.A., 1968.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua

Portuguesa. 3ª ed. Revista e atualizada. Curitiba, ed. Positivo, 2004.

MOTTA, Maria Villela de Mello. Audiodescrição – recurso de

acessibilidade para a inclusão cultural das pessoas com deficiência

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visual, 2008. In:

http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=22027

QUICO, Célia. Acessibilidade e Televisão Digital e Interactiva: o caso particular

do serviço de Áudio-Descrição destinado a pessoas invisuais ou com

deficiências visuais graves". In: Estratégias de Produção em Novos Media,

Edição COFAC/ Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. ISBN:

972-8881-08-8, 2005.

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Mãe relata como sua filha começou a aprender a desenhar e

reconhecer desenhos táteis

Prezado Editor,

Meu nome é Rosângela Gera. Sou médica e mãe de uma garotinha de sete

anos que é cega.

Gostaria de compartilhar com os demais leitores desta revista, minha

experiência como mãe, vivenciando a escolarização da Laura e sua

aprendizagem com desenhos,

numa escola comum, aqui em

Colatina, Espírito Santo.

Como disse, a Laura é uma

garotinha de 7 anos, que

cursou no ano de 2009 o

primeiro ano do ensino

fundamental de 9 anos , já

tendo concluído, portanto, a

etapa da educação infantil . Foto 1: Laura com as colegas na escola

brincando com uma caixa surpresa , elas pegam um objeto dentro da caixa e

tentam adivinhar o que é antes de retirá-lo .

Ela aprendeu a ler e escrever em braile, estudando na escola comum, junto

com seus colegas , confirmando a assertiva de que a expectativa sobre uma

criança cega quanto ao seu aprendizado pode ser a mesma de uma criança

vidente, desde que para a primeira, sejam aplicadas as estratégias

diferenciadas, necessárias para aquisição de habilidades .

Desde que Laura entrou na escola, aos 2,5 anos , rasgar , cortar, colar, picotar,

Foto 1

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usar massinhas , palitinhos etc., fizeram parte do rico repertório de estímulos

que recebe uma criança para desenvolver sua coordenação motora, a

concentração, atenção e tantas outras funções cognitivas . Porém, confesso

que entre essas tantas atividades ofertadas a Laura para o seu

desenvolvimento, uma lhe foi negligenciada, a do ato de desenhar, de levar a

sério o seu potencial para reconhecer desenhos .

Eu não tinha (nunca recebi)

informação suficiente para

acreditar que deveria investir

nesse recurso com a minha

filha .

Por outro lado, na escola, as

professoras de minha filha,

até então nem sequer

pensavam na possibilidade

de que seria possível que ela

tivesse êxito nessa habilidade. Foto 2: Laura na escola em atividade de

equilibrismo no projeto circo, andando em cima de uma corda e segurando um

bastão.

Na última semana de aula do ensino infantil, minha garotinha chegou em casa

chorando, contando que os colegas lhe disseram que “cego só faz rabiscos “.

E foi assim, com ela empunhando o lápis como uma criança pequena que

acabou de descobrir essa funcionalidade e com esse sentimento de

impotência diante do ato

de desenhar que

começamos o ano letivo

de 2009, primeiro ano dela

no ensino fundamental.

Foto 2

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Mas a Laura desejava desenhar, queria usar o lápis de cor como seus colegas;

a nova professora , com uma postura completamente diferente das professoras

dos anos anteriores, acreditava que minha filha, mesmo tendo uma deficiência

visual, poderia sim executar a atividade de desenhar e se propôs a estudar o

tema para descobrir estratégias que permitissem ensinar essa habilidade à

Laura . Foto 3: Papel com linhas feitas em relevo , e um espaço entre elas de cerca

de 3,0 cm e colocado em uma prancheta forrada que produz relevo no que é escrito

sobre ela . Uma letra R em EVA foi colada no papel. E a Laura vai escrevendo a letra

R observando o modelo e percebendo o traçado do que escreve.

Começamos por aquilo que lhe motivava,

o que desejava desenhar e uma atividade comum era que as crianças

desenhassem na própria agenda referências sobre o tempo naquele dia, se

estava ensolarado fazíamos um sol, se nublado, desenhávamos nuvens, e

assim por diante.

A professora, então, usou uma prancheta forrada com um material que

proporcionava relevo aos riscos que executava, de maneira que Laura podia

seguir com os dedos o desenho que ela havia feito. “Então o sol é redondo, e

dele saem os raios.“

Concluia Laura ao

examinar os desenhos

da professora.

De posse de um círculo

, examinava seus

contornos, contornava-

o e em seguida repetia

no papel . E

começamos com as

formas geométricas,

descobrimos que delas

várias figuras poderiam

ser derivadas .

Foto 3

Foto 4

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Utilizamos material

imantado com as formas

geométricas de maneira

que ela montava suas

figuras numa tela antes de

desenhá-las . Um dia fez

um palhaço, seu chapéu

que era um triângulo , seu

corpo , como um

quadrado, as pernas no

formato de retângulos

compridos , retângulos

menores para os pés e

assim por diante . Foto 5: Desenho de uma pessoa , feito cabeça, abdome ,

tórax e extremidades.

Também desenhou uma figura de mulher no dia das mães para ser colocado

no mural e foi muito emocionante

ver lá o seu desenho.

Foto 6: Desenho feito pela Laura

para ser colocado no mural para

o dia das mães. Descrição: O

desenho foi feito numa folha de

papel cor de rosa recortada na

forma de coração. É a

representação de uma mulher,

cabeça, pescoço, tórax, abdome e extremidades com lápis de cera preto. A

professora perguntou se iria deixar o seu desenho sem roupa então ela pintou

Foto 5

Foto 6

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o torax e abdome de amarelo e decidiu vestir calça então pintou de vermelho

as pernas, depois pintou na região dos pés para fazer o calçado, também

vermelho. Fez quatro traços marrons saindo da cabeça em direção vertical

para baixo representando os cabelos. No canto superior esquerdo do papel

está escrito meu nome Rosangela feito em braile.

Em pouco tempo, com tantos estímulos para desenvolver esta habilidade, ela

já segurava no lápis apropriadamente e a professora sempre recomendava : “

“Rosângela não permita que Laura use o lápis de maneira incorreta em casa,

porque ela já sabe como usá-lo , aqui na escola”.

Dessa maneira ela rapidamente aprendeu a reconhecer as letras em bastão

em madeira e EVA daí para escrevê-las também não demorou :ela as escreve

com uma altura de cerca de 2,0cm e estamos em processo para reduzir suas

dimensões .

Também a utilização das formas geométricas para explicar o formato das letras

foi essencial: “O A que é um triângulo cortado na metade e o V que é um

triângulo de cabeça para baixo, sem o teto”. “O B que é uma reta com dois

semicírculos”, e por aí foi”.

Os seus livros passaram obrigatoriamente a ter que ter desenhos. Laura adora

descobrir e saber como é o corpo do bichinho de quem falamos , o

comprimento do rabo, o tamanho do chapéu , e quando não há desenhos, tal

qual as outras crianças da sua idade , ela pergunta: “ Esse livro não tem

figura?“

E para que nenhum “ desavisado “ sobre o tema pergunte : “ E pra que criança

cega quer desenho “?

Aqui, eu mesma tenho a resposta, pois é semelhante pergunta que faço

quando vejo um livro adaptado para o braile (destinado a crianças cegas), sem

as figuras e desenhos do livro original. São folhas e mais folhas impressas,

transcritas, sem nenhum desenho, sem nada que possa despertar o interesse

nesse sentido, e se fizéssemos o contrário ?,Se tirássemos os desenhos dos

livros infantis que vão para as demais crianças? Alguma ia se interessar por

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ele?

Crianças cegas não são diferentes . Gostam de encontrar desenhos e outras

figuras em seus livros e mais do que isso, precisam deles .

Talvez a resposta seja a de que quem produz os livros não saiba de nada disso

e já passou da hora de saber.

A possibilidade de divulgar essas informações, de estudar mais sobre o tema,

de descrever nossas experiências, e de poder demonstrá-las é fundamental

para que esse assunto passe a fazer parte do cotidiano das escolas, das salas

de aula, onde alunos cegos são excluídos de uma atividade tão prazerosa e

significativa, como a do desenho.

Não podemos continuar negando essa oportunidade a nossas crianças; elas

não podem pagar o ônus da nossa ignorância sobre o tema . E precisamos

desmistificar a idéia do professor que diz ao pequeno aluno que quer tocar em

desenhos que acabaram de ser expostos no mural da sala:

“Tira a mão daí, menino. A gente vê com os olhos .!?!?!?”

Atenciosamente,

Rosângela Gera.

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Descrição da Foto para capa

Fotografia em preto e branco nas dimensões 15 cm x 21 cm e formato

retrato, onde se vêem, em primeiro plano, duas figuras humanas - um homem e

uma mulher - em um flagrante de carnaval.

No segundo plano, mais ao longe, há pessoas desfocadas, em frente a

uma construção de tijolos aparentes, com duas janelas.

Vê-se, em parte, o lado esquerdo de uma mulher jovem, de rosto

arredondado, de olhos escuros, a qual fita um ponto à esquerda além da foto.

Ela usa chapéu de tonalidade clara e aba circular com laço de fita sobre a

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copa. A mulher tem a pele morena e traja uma fantasia carnavalesca com

mangas volumosas, formadas em parte por tecido e em parte por lantejoulas

circulares e brilhantes. Seus lábios, em um suave sorriso, deixam-lhe à mostra

os dentes. Ela abraça um rapaz por trás, recostando-lhe a face direita no braço

esquerdo, pouco abaixo do ombro.

O homem é jovem, tem rosto alongado, cabelos curtos e crespos e a

pele morena. Está com a face voltada para o rosto da mulher que o abraça. Os

lábios do homem são grossos e estão levemente abertos. Ele traja uma camisa

clara com desenhos de coqueiros no lado inferior esquerdo e usa um cordão

escuro com pingente. Na mão direita, segura um pano à altura do abdômen.

Descrição de Ernani e Lívia Guedes

* * *

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Artigos do Vol. 2, No 2 (2010)

Revista Brasileira de Tradução Visual:

Acesso à Informação e à Comunicação no Mundo Virtual

para Todas as Pessoas23

Romeu Kazumi Sassaki 24

Incontestável o valor da Revista Brasileira de Tradução Visual (RBTV),

recentemente tornada uma realidade em nosso país, graças ao longo e

persistente empenho envidado pelo professor Francisco José de Lima,

coordenador do Centro de Estudos Inclusivos (CEI), da Universidade Federal

de Pernambuco.

O valor da RBTV se deve a, pelo menos, três fatores: a demanda dos

potenciais usuários, o imperativo da legislação nacional e a pressão das

normas internacionais. Antes de descrever estes fatores, proponho que

relembremos, no próximo parágrafo, do que se trata a RBTV segundo a

proposta do próprio prof. Lima.

23

Citação bibliográfica:

SASSAKI, Romeu Kazumi. Revista brasileira de tradução visual: Acesso à informação e

à comunicação no mundo virtual para todas as pessoas. Recife/PE, ano I, n. 2, Mar/Jun

2010.

24 Consultor de inclusão social e autor dos livros “Inclusão: Construindo uma Sociedade para

Todos (7.ed., Rio de Janeiro: WVA, 2006)” e “Inclusão no Lazer e Turismo: em busca da

qualidade de vida (São Paulo, Áurea 2003).” E-mail: [email protected]

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A RBTV é uma publicação eletrônica, dotada de acessibilidade

comunicacional, gratuita, aberta a todas as pessoas (com ou sem deficiência)

interessadas em conhecer, divulgar ou relatar experiência sobre estudos

imagéticos em diversos campos, tais como: cinema, televisão, teatro, museus e

outras mídias em que imagem e som sejam possíveis. A RBTV terá

fotodescrição, audiodescrição, legendagem, closed captioning, desenhos em

relevo, fotografia, pintura, escultura etc. A RBTV faz parte de um projeto maior

(Associados da Inclusão), que trabalhará pelo empoderamento da pessoa com

deficiência e que está descrito no site www.associadosdainclusao.com.br.

Demanda dos potenciais usuários

Durante séculos, a existência de pessoas com deficiência foi ignorada,

desconhecida ou desconsiderada sempre que fontes como as autoridades

constituídas e/ou os setores da sociedade civil: (1) aprovavam leis aplicáveis

supostamente a toda a população, (2) construíam ambientes destinados

supostamente a toda a população, (3) formulavam políticas públicas que

beneficiariam supostamente toda a população, (4) instalavam programas e

serviços utilizáveis supostamente por toda a população.

Nesses vários cenários, destaco, em função da RBTV, apenas um eixo

transversal: a comunicação bilateral entre fonte e usuário. Portanto, para as

fontes acima, as pessoas com deficiência não eram consideradas usuárias,

nem mesmo potencialmente. A comunicação entre fonte e usuário estava

bloqueada inadvertidamente ou até deliberadamente.

Entretanto, as pessoas com deficiência demandaram a acessibilidade

comunicacional a partir de 1980, em termos mundiais e de início timidamente.

No decorrer dos últimos 30 anos, essa demanda cresceu e se organizou,

tornando-se um poder de pressão junto às autoridades constituídas e à

sociedade civil com o objetivo de exigir plena acessibilidade comunicacional em

todos os ambientes abertos supostamente a toda a população.

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As pessoas com deficiência passaram não só a exigir essa

acessibilidade, como também a oferecer conhecimentos e informações sobre

os modos pelos quais o acesso comunicacional deveria e deve acontecer.

Nesse período de três décadas, surgiu e se desenvolveu o lema “Nada sobre

nós, sem nós”. Ele significa que nada (lei, política pública, benefício, programa,

serviço, ambiente físico, transporte, tecnologia etc.) a respeito de pessoas com

deficiência deverá ser feito sem a participação das próprias pessoas com

deficiência em todo o processo de feitura: formulação, discussão, definição,

aprovação, implementação, monitoramento, avaliação e reformulação.

A RBTV é o resultado natural da demanda destes potenciais usuários.

Em processo simbiótico, a revista beneficiará diretamente as pessoas com

deficiência e, indiretamente, as pessoas sem deficiência.

Imperativo da legislação nacional

A legislação brasileira constitui outro fator desencadeante para a criação

da RBTV. Devemos cumpri-la. No que se refere à acessibilidade

comunicacional, nossas leis garantem as seguintes medidas, em resumo:

Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), instituído

pela Lei n. 9.998, de 17/8/2000, e regulamentado pelo Decreto n. 3.624,

de 5/10/2000. Cabe ao Ministério das Comunicações aplicar os recursos

do Fust, por exemplo, (a) Na implantação de acessos individuais para

prestação do serviço telefônico, em condições favorecidas, a

estabelecimentos de ensino, bibliotecas e instituições de saúde; (b) Na

implantação de acessos para utilização de serviços de redes digitais de

informação, destinadas ao acesso público, inclusive da internet, em

condições favorecidas, a estabelecimentos de ensino e bibliotecas,

incluindo os equipamentos terminais para operação pelos usuários; (c) Na

instalação de redes de alta velocidade, destinadas ao intercâmbio de

sinais e à implantação de serviços de teleconferência entre

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estabelecimentos de ensino e bibliotecas; (d) No fornecimento de acessos

individuais e equipamentos de interface a instituições de assistência a

deficientes; (e) No fornecimento de acessos individuais e equipamentos

de interface a deficientes carentes.

Critérios e normas de acessibilidade, instituídos pela Lei n. 10.098, de

19/12/2000. A acessibilidade é aqui entendida como “a supressão de

barreiras e obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano,

na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de

comunicação”. O poder público: (a) Promoverá a eliminação de barreiras

na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que

tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas

com deficiência visual, auditiva e com dificuldade de comunicação, para

garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao

trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer; (b)

Implementará a formação de profissionais intérpretes de escrita em braile,

língua de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de

comunicação direta à pessoa com deficiência visual, auditiva e com

dificuldade de comunicação. Os serviços de radiodifusão sonora e de

sons e imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de

permitir o uso da língua de sinais ou outra subtitulação, para garantir o

direito de acesso à informação às pessoas com deficiência auditiva.

Política Nacional do Livro, instituída pela Lei n. 10.753, de 30/10/2003. São

diretrizes pela política, entre outras: assegurar ao cidadão o pleno

exercício do direito de acesso e uso do livro; assegurar às pessoas com

deficiência visual o acesso à leitura. São considerados livros, entre outros:

livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas

com deficiência visual e livros impressos no sistema braile. Cabe ao

Poder Executivo implementar programas anuais para manutenção e

atualização do acervo de bibliotecas públicas, universitárias e escolares,

incluídas obras em sistema braile.

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Acesso da criança com deficiência à informação, assegurado no Artigo 23, da

Convenção sobre os Direitos da Criança, que foi promulgada pelo Decreto

n. 99.710, de 21/11/1990. Assim, o Brasil assumiu o dever de promover,

com espírito de cooperação internacional, um intercâmbio adequado de

informações nos campos da assistência médica preventiva e do

tratamento médico, psicológico e funcional das crianças com deficiência,

inclusive a divulgação de informações a respeito dos métodos de

reabilitação e dos serviços de ensino e formação profissional, bem como

o acesso a essa informação, a fim de que o nosso país possa aprimorar

sua capacidade e seus conhecimentos e ampliar sua experiência nesses

campos.

Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência, disposta pela

Lei n. 7.853, de 24/10/1989, tendo esta lei sido regulamentada pelo

Decreto n. 3.298, de 20/12/1999. Cabe aos órgãos e às entidades do

poder público (1) Assegurar à pessoa com deficiência o pleno exercício

de seus direitos básicos (por ex., educação, cultura); (2) Garantir o efetivo

atendimento das necessidades (por ex., comunicacionais) de pessoa com

deficiência, sem o cunho assistencialista; e (3) Viabilizar as seguintes

medidas: (a) Promover o acesso da pessoa com deficiência aos meios de

comunicação social; (b) Apoiar e promover a publicação e o uso de guias

de turismo com informação adequada à pessoa com deficiência; (c)

Incentivar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico em todas as áreas

do conhecimento relacionadas com a pessoa com deficiência. São

objetivos desta Política Nacional, entre outros, o acesso, o ingresso e a

permanência da pessoa com deficiência em todos os serviços oferecidos

à comunidade.

Combate à discriminação, compromisso adotado pelos signatários da

Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de

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Discriminação contra as Pessoas com Deficiência, promulgada pelo

Decreto n. 3.956, de 8/1/2001. Assim, o Brasil se comprometeu a tomar

medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista ou de

qualquer outra natureza, para, entre outras ações, (a) Eliminar

progressivamente a discriminação e os obstáculos de comunicação; (b)

Colaborar para o desenvolvimento de meios e recursos destinados a

facilitar ou promover a vida independente, a auto-suficiência e a

integração total, em condições de igualdade, à sociedade das pessoas

com deficiência; (c) Criar canais de comunicação eficazes que permitam

difundir entre as organizações públicas e privadas que trabalham com

pessoa com deficiência os avanços normativos e jurídicos ocorridos para

a eliminação da discriminação contra as pessoas com deficiência.

Sistemas e meios de informação e comunicação, utilizados, com segurança e

autonomia, total ou assistida, por pessoas com deficiência ou mobilidade

reduzida, assegurados pelo Decreto n. 5.296, de 2/12/2004. Tornou-se

obrigatória, 12 meses após a publicação deste Decreto, a acessibilidade

nos portais e sítios eletrônicos da administração pública na rede mundial

de computadores (internet), para o uso das pessoas com deficiência

visual, garantindo-lhes o pleno acesso às informações disponíveis. Os

telecentros comunitários instalados ou custeados pelos Governos federal,

estadual, municipal ou do Distrito Federal devem possuir instalações

plenamente acessíveis e, pelo menos, um computador com sistema de

som instalado, para uso preferencial por pessoas com deficiência visual.

Caberá ao poder público incentivar a oferta de aparelhos de telefonia

celular que indiquem, de forma sonora, todas as operações e funções

neles disponíveis no visor, bem como de aparelhos de televisão

equipados com recursos tecnológicos que permitam sua utilização de

modo a garantir o direito de acesso à informação às pessoas com

deficiência auditiva ou visual. Nesses recursos, incluem-se: (a) o circuito

de decodificação de legenda oculta; (b) o recurso para Programa

Secundário de Áudio (SAP); (c) as entradas para fones de ouvido com ou

sem fio. Estes recursos deverão ser obrigatoriamente contemplados pelo

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projeto de desenvolvimento e implementação da televisão digital. Cabe

ainda ao poder público: (1) Adotar mecanismos de incentivo para tornar

disponíveis em meio magnético, em formato de texto, as obras publicadas

no Brasil [a indústria de medicamentos deve disponibilizar exemplares de

bulas dos medicamentos em meio magnético, braile ou em fonte ampliada

e os fabricantes de equipamentos eletroeletrônicos e mecânicos de uso

doméstico devem disponibilizar exemplares dos manuais de instrução em

meio magnético, braile ou em fonte ampliada]; (2) Apoiar

preferencialmente os congressos, seminários, oficinas e demais eventos

científico-culturais que ofereçam apoios humanos às pessoas com

deficiência auditiva e visual, tais como tradutores e intérpretes da Língua

de sinais brasileira (Libras), ledores, guias-intérpretes, ou tecnologias de

informação e comunicação, tais como a transcrição eletrônica simultânea.

A Anatel, através do Decreto n. 5.645, de 28/12/05, regulamentou a

utilização, entre outros, dos seguintes sistemas de reprodução das

mensagens veiculadas para as pessoas com deficiência auditiva ou

visual: (a) subtitulação por meio de legenda oculta; (b) janela com

intérprete da Libras; e (c) descrição e narração em voz de cenas e

imagens.

Requisitos de acessibilidade no ensino superior, dispostos pela Portaria n.

3.284, de 7/11/2003. Para fins de autorização e reconhecimento e de

credenciamento de instituições de ensino superior, bem como para

renovação, o Ministério da Educação determina os seguintes requisitos de

acessibilidade, entre outros: (1) Em relação a alunos com deficiência

visual, a instituição interessada deve manter sala de apoio equipada com

máquina de datilografia braile, impressora braile acoplada ao computador,

sistema de síntese de voz, gravador e fotocopiadora que amplie textos,

software de ampliação de tela, equipamento para ampliação de textos

para atendimento a alunos com baixa visão, lupas, réguas de leitura,

scanner acoplado a computador. (2) Em relação a alunos com deficiência

auditiva, a instituição deve propiciar intérprete de língua de sinais/língua

portuguesa, especialmente quando da realização e revisão de provas,

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complementando a avaliação expressa em texto escrito ou quando este

não tenha expressado o real conhecimento do aluno.

Pressão das normas internacionais

Antes do advento da internet, a pressão internacional - para que cada

país implementasse os tratados de direitos referentes a pessoas com

deficiência - tinha pouca força de influência, embora conhecida e apoiada no

interior dos meios especializados. Já com a globalização nas comunicações

virtuais, essa pressão se tornou ágil, instantânea, abrangente, enfim poderosa.

Uma das inúmeras bandeiras defendidas pelo segmento das pessoas

com deficiência é a da acessibilidade comunicacional, seja ela digital, em

pessoa, por escrito, por telefonia ou qualquer outro meio. A RBTV é também

uma resposta à pressão internacional por uma comunicação totalmente

acessível de, para e sobre pessoas com deficiência em toda a sua diversidade.

Mas a mobilização mundial pela acessibilidade comunicacional remonta

aos primórdios da luta pelos direitos protagonizada por pessoas com

deficiência, pois o direito à informação e à comunicação acessíveis fazia parte

do conjunto de direitos. A mobilização, portanto, teve a seguinte trajetória

histórica:

Ao longo dos 12 meses de 1981, foi realizada uma enorme quantidade

de ações em comemoração ao Ano Internacional das Pessoas Deficientes

(AIPD), instituído em 16/12/1976 (Resolução 31/123) pela Organização das

Nações Unidas (ONU). O lema do AIPD já dizia tudo: “Participação Plena e

Igualdade”, ou seja, participação das pessoas com deficiência em todas as

áreas da sociedade com igualdade em dignidade e em direitos (conforme

estabelecidos na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, de

9/12/1975).

Em 3/12/1982, através da Resolução 37/52, a ONU adotou o Programa

Mundial de Ação relativo às Pessoas com Deficiência (PMAPD), que contém

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detalhes operacionais sobre como implementar todos os direitos das pessoas

com deficiência, formulados durante o AIPD.

O período de 1983 a 1992 foi oficializado como a Década das Pessoas

Deficientes das Nações Unidas (Resolução 37/53, de 3/12/1982) e utilizado

para avançar mais ainda na implementação dos direitos defendidos no acima

referido PMAPD.

Em 14/10/1992, a ONU instituiu o Dia Internacional das Pessoas com

Deficiência para ser comemorado anualmente no dia 3 de dezembro, também

para difundir, defender e implementar os direitos destas pessoas (Resolução

47/3).

Em 20/12/1993, a ONU lançou as 22 Normas sobre a Equiparação de

Oportunidades para Pessoas com Deficiência, documento no qual o direito de

acesso ao ambiente físico e à informação e comunicação constitui a Norma 5

(Resolução 48/96).

Finalmente, em 13/12/2006, a ONU adotou a Convenção sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi ratificada pelo Brasil com valor

de emenda constitucional através do Decreto Legislativo n. 186, de 9/7/2008, e

promulgada pelo Decreto n. 6.949, de 25/8/2009.

Este documento reconhece a importância da acessibilidade aos meios

físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação, à informação e

comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo de

todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. O conceito de

comunicação abrange as línguas, a visualização de textos, o braile, a

comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia

acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas

auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos

aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da

informação e comunicação acessíveis. O conceito de língua abrange as línguas

faladas e de sinais e outras formas de comunicação não-falada.

De acordo com este tratado internacional de direitos humanos, são

obrigações dos Estados Partes, entre outras, (a) Realizar ou promover a

pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e

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instalações com desenho universal; (b) Realizar ou promover a pesquisa, o

desenvolvimento, disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive

as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção,

dispositivos e tecnologias assistivas, adequados a pessoas com deficiência; (c)

Tomar medidas a serem aplicadas, entre outros, a informações, comunicações

e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos; (d) Promover o acesso de

pessoas com deficiência a novos sistemas e tecnologias da informação e

comunicação, inclusive à internet; (e) Promover, desde a fase inicial, a

concepção, o desenvolvimento, a produção e a disseminação de sistemas e

tecnologias de informação e comunicação, a fim de que esses sistemas e

tecnologias se tornem acessíveis a custo mínimo; (f) Assegurar que as pessoas

com deficiência possam exercer seu direito à liberdade de expressão e opinião,

inclusive à liberdade de buscar, receber e compartilhar informações e ideias,

em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e por intermédio de

todas as formas de comunicação de sua escolha (por ex., incentivando a mídia,

inclusive os provedores de informação pela internet, a tornar seus serviços

acessíveis a pessoas com deficiência); (g) Tomar medidas para que as

pessoas com deficiência possam ter acesso a bens culturais em formatos

acessíveis, ter acesso a programas de televisão, cinema, teatro e outras

atividades culturais, em formatos acessíveis e ter acesso a locais que ofereçam

serviços ou eventos culturais, tais como teatros, museus, cinemas, bibliotecas

e pontos turísticos, bem como, tanto quanto possível, ter o acesso a

monumentos e locais de importância cultural nacional.

Conclusão

Pelo exposto, a Revista Brasileira de Tradução Visual é, no contexto do

segmento das pessoas com deficiência, um produto natural da demanda dos

potenciais usuários, do imperativo da legislação nacional e da pressão das

normas internacionais. A RBTV é, também, uma solução ao problema central

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apontado nestes três fatores. A RBTV tem um enorme desafio a enfrentar,

contribuindo com a sua parte em benefício dos quase 26 milhões de pessoas

com deficiência existentes em nosso país.

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A TEORIA NA PRÁTICA: ÁUDIO-DESCRIÇÃO, UMA INOVAÇÃO NO MATERIAL

DIDÁTICO

Paulo André de Melo Vieira

Francisco José de Lima

RESUMO

O presente artigo aplica em duas atividades de ciências a técnica da áudio-descrição,

a qual consiste na transmissão por meio oral/textual dos elementos essenciais

oriundos de uma determinada imagem que esteja presente em uma dada forma de

expressão cultural, desde um filme do cinema às páginas dos livros didáticos,

permitindo, especialmente em relação a estes últimos, que suas mensagens e

conteúdos sejam compreendidos pelo aluno com deficiência visual ou com baixa

visão. Isto será comprovado através de dois exemplos práticos de como a áudio-

descrição favorece a compreensão de atividades presentes no livro didático. Os

benefícios da técnica serão apresentados segundo a literatura da área. O texto será

concluído com a assertiva de que a áudio-descrição traz benefícios tanto para os

alunos como para os professores no contexto educacional inclusivo.

Palavras-chave: áudio-descrição, livro de ciências, educação inclusiva, deficiência

visual, imagem.

ABSTRACT

This article applies audio description techniques on describing images found in a

textbook of science. Audio description can be defined as the translation, through oral

words or texts, of key elements seen on a certain image, such as those present on

various cultural expression, from a movie in the cinema to the pages of text books. It

allows people with visual disability to access visual content by reading or listening to

the description made for that image. It is asserted that audio description aids blind

students to comprehend an assortment of school visual activities and that it benefits

both apprentice and teachers as they learn how to better make use of visual images in

inclusive classroom settings.

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Keywords: audio description, people with disability, textbook, science book, visually

impaired people

INTRODUÇÃO

O Primado das Imagens no Contexto Escolar

Nós estamos rodeados por imagens visuais através da televisão, filmes, vídeos,

computadores e textos repletos de figuras. O uso destas fontes de imagens é óbvio

quando se anda pela escola. As salas de aula, muitas vezes, contêm computadores,

televisões, e aparelhos de DVD. As salas de aula das escolas, centros de mídia, e

laboratórios de informática estão cheios de imagens visuais. (HIBBING; RANKIN-

ERIKSON, 2003).

Como se pode entender do texto acima, a intensificação da utilização de imagens nos

ambientes educacionais remete-nos à necessidade de uma reflexão em termos do

acesso pelo aluno com deficiência visual à informação imagética presente nos

materiais didáticos, assegurando àquele aluno uma menor desigualdade no tocante à

permanência em sala de aula regular.

Relação Imagem e Texto Segundo a Teoria da Codificação Dual

Vários autores têm apontado para a relação que as imagens estabelecem com o texto

verbal e como se processam tais relações na mente dos alunos, de modo a

beneficiarem-se do jogo entre os elementos imagéticos e verbais no contexto escolar.

Hibbing e Rankin-Erikson, 2003 citando Pressley & McCormick (1997) dizem que “As

representações verbais do conhecimento são compostas de palavras (o código verbal)

para objetos, eventos e idéias. As imagens ou sistema não-verbal representam o

conhecimento em “representações não-verbais que retêm alguma semelhança com as

percepções que as fazem surgir.” Expandindo essa assertiva, Swanson (1989) explica

que:

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O conceito de codificação dual, ou codificação do

conhecimento em representações tanto verbais quanto não-

verbais, sugere que os elementos de ambos os sistemas são

intricadamente conectados. Esta conexão entre sistemas de

codificação verbais e não-verbais nos permite criar imagens

quando ouvimos palavras e gerarmos nomes ou descrições de

coisas que vemos em figuras. (SWANSON, 1989, apud

HIBBING; RANKIN-ERIKSON, 2003, tradução nossa).

A cognição, de acordo com a TCD, envolve a atividade de dois

subsistemas distintos (...) um sistema verbal especializado em

lidar diretamente com a linguagem e um sistema não-verbal

(imagens) especializado em lidar com objetos e eventos não-

linguísticos. Supõe-se que os sistemas sejam compostos de

unidades representacionais internas, chamadas de logogens e

imagens, que são ativados quando a pessoa reconhece,

manipula, ou simplesmente pensa sobre palavras ou coisas. As

representações são específicas para cada modalidade, de

modo que temos diferentes logogens e imagens

correspondentes às propriedades auditivas, hápticas e motoras

de linguagem e objetos. Paivio (2006 )

Segundo Swanson, bons leitores são capazes de, na mente, criar conexões verbais e

não-verbais automaticamente, e “a incapacidade de fazer conexões verbais e não-

verbais rápida e eficientemente está relacionada a deficiências de aprendizagem.”

Diante desta interdependência imagem e texto, o aluno com deficiência visual enfrenta

uma situação de desigualdade e de exclusão por lhe ter sido historicamente denegado

o acesso ao pólo imagético desta dualidade. A áudio-descrição poderia lhe permitir

compreender e exercitar mentalmente estas inter-relações. A oferta da áudio-

descrição das imagens presentes no material didático vem a ser, portanto, crucial no

estabelecimento dessas conexões mentais entre imagem e texto para o aluno com

deficiência visual.

ÁUDIO-DESCRIÇÃO – DEFINIÇÃO

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A áudio-descrição é uma técnica de representação dos elementos-chave presentes

numa dada imagem que, ao dialogar com os elementos de um texto verbal, pode ser

descrita também de forma verbal para formar uma unidade completa de significação. A

áudio-descrição pode ser de uma imagem estática como uma pintura no museu, de

uma escultura em três dimensões, da gravura bidimensional presente nos livros

didáticos; ou de imagens dinâmicas que nada mais são do que um conjunto de

imagens estáticas que juntas criam a ilusão de movimento como o que se processa

nos filmes de cinema, televisão, peças de teatro, ou vídeos de computador.

Conforme se lê em http://www.audiodescricao.com/home.htm:

A audiodescrição é um recurso de tecnologia assistiva que

permite a inclusão de pessoas com deficiência visual junto ao

público de produtos audiovisuais. O recurso consiste na

tradução de imagens em palavras. É, portanto, também

definido como um modo de tradução audiovisual intersemiótico,

onde o signo visual é transposto para o signo verbal. Essa

transposição caracteriza-se pela descrição objetiva de imagens

que, paralelamente e em conjunto com as falas originais,

permite a compreensão integral da narrativa audiovisual. Como

o próprio nome diz, um conteúdo audiovisual é formado pelo

som e pela imagem, que se completam. A audiodescrição vem

então preencher uma lacuna para o público com deficiência

visual.

Iniciando-se em meados da década de 1980, os museus começaram a oferecer tours

com áudio-descrição (Snyder, 2002a) e as práticas difundiram-se largamente (ASTC,

2001). Piety (2003, p. 13) nota uma semelhança entre a áudio-descrição de peças de

museu e a de conteúdos dos livros. Pois como as áudio-descrições em museus são de

imagens estáticas, são as que mais se assemelham às áudio-descrições dos

conteúdos encontrados em livros.

Ao trabalhar a passagem da linguagem imagética para a linguagem verbal, a áudio-

descrição pode ser classificada como uma modalidade de tradução onde o que se

pretende fazer é processar as informações permitindo a sua passagem de uma

linguagem para a outra, procurando manter o maior nível de fidelidade entre o que

está numa linguagem e o que é veiculado utilizando-se de outra, sendo mais

importante preservar a integridade da mensagem do que fazer uma correspondência

literalizante palavra por palavra, elemento por elemento.

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Todo trabalho de tradução exige disciplina mental, paciência, raciocínio e sensibilidade

para se compreender como o outro compreende. Isto não é diferente no caso da

áudio-descrição, pois ela requer uma exegese da audiência, no sentido da

compreensão de como as audiências receptoras reagirão às diferentes possibilidades

de construção dos discursos descritivos. Assim, a áudio-descrição não pode ser

empreendida sem um cauteloso planejamento do que é necessário ser veiculado, do

que vai, não vai e como vai ser dito, num trabalho de alta seletividade, principalmente

sabendo que será necessário lidar com frequentes restrições de tempo, no caso das

exibições de imagens dinâmicas ou restrições de espaço, no caso das imagens

estáticas, e.g., descrições presentes nos livros didáticos e outras, uma vez que, em

todos os casos, se poderá estar diante de abundantes informações visuais. Sob essa

égide, nenhuma outra pessoa será melhor em preencher tais requisitos técnicos e

científicos que não o profissional para tal treinado e habilitado: o áudio-descritor.

Piety (2003, p. 32) citando Basil Hatim faz uma triangulação entre interpretação,

tradução e áudio-descrição para então denominar esta última de „transrepresentação‟:

Como um processo de linguagem, a descrição visual pode ser

vista como um membro da família das atividades de tradução e

interpretação. De acordo com Metzger (1999), „Tanto a

tradução e a interpretação lidam com a comunicação de um

dado texto para uma outra linguagem‟. Uma questão-chave

aqui é que o texto que está sendo comunicado é composto de

elementos visuais (cenas, sinais, sorrisos, etc.) em vez de

linguagem formalizada. Se tradução é o que acontece quando

o escrito é convertido para o escrito e interpretação quando o

conversacional é convertido em conversacional (HATIM, 1997),

então a descrição visual pode ser vista como

transrepresentação porque toma as informações visuais cruas

e as converte em linguagem.

O exercício de transrepresentação do visual para a linguagem escrita ou falada

provocará um enriquecimento na capacidade de expressão de quem empreende a

áudio-descrição, pois a riqueza de informações advindas do mundo visual tenderá a

enriquecer no outro pólo a capacidade de expressão no mundo lingüístico através do

esforço de fazer equivaler os elementos essenciais do não-verbal a formas verbais.

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A ÁUDIO-DESCRIÇÃO E SEUS BENEFÍCIOS PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA

De acordo com Fels, Udo, Ting, & Diamond, 2006; Packer, 2005; Schmeidler &

Kirchner, 2001 apud AFB, a áudio-descrição, segundo indivíduos que dela vêm

se utilizando, traz possibilidades de independência e igualdade com indivíduos

videntes, ao mesmo tempo, maior socialização, pois permite o diálogo sobre os

conteúdos presentes nas diversas formas de expressão cultural.

“...Vídeo descrição pode também beneficiar audiências secundárias de até um

milhão e meio de crianças entre 6 e 14 anos, com deficiências de

aprendizagem por capturar a sua atenção e aumentar as suas habilidades de

processar informações.” (Federal Communication Comission, 21 de Julho de

2000)

“A áudio-descrição é também usada em salas de aula comuns, já que as descrições

propiciam oportunidades de aprendizagem adicionais para construir o vocabulário e

desenvolver habilidades de descrição.” http://main.wgbh.org

A ÁUDIO-DESCRIÇÃO DAS IMAGENS NO MATERIAL DIDÁTICO

Dado o caráter estratégico do material didático no desenvolvimento intelectual dos

alunos, é mister ampliar o estudo de técnicas que venham, de forma padronizada e

segura, adequá-lo a uma ampla gama de necessidades estudantis, mormente de

acordo com os princípios do desenho universal.

Nas palavras de Marentette (2004), o Desenho Universal inclui os seguintes componentes:

Múltiplos meios de representação;

Múltiplos meios de expressão;

Múltiplos meios de envolvimento;

Uso equitativo;

Flexibilidade no uso;

Informações perceptíveis

Tolerância ao erro;

Baixo esforço físico;

Tamanho e espaço apropriados para o uso;

Comunidade de aprendizes;

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Ambiente inclusivo, acolhedor com alto nível de expectativas.

Assim, como se tem visto nos muitos exemplos de sucesso alcançados pela aplicação

da técnica de tradução visual em outras mídias, a áudio-descrição trará, ao espaço

escolar, significativa contribuição para a aprendizagem dos alunos com e sem

deficiência.

A título de ilustração da assertiva acima, tomemos os seguintes exemplos: 1. Em um

exercício (acerca da força da gravidade, extraído de um livro de Ciências da 2ª. Série

do Ensino Fundamental, Descobrindo o Ambiente (1991), página 31, encontramos as

figuras abaixo (Fig.1; Fig.2) sem nenhuma áudio-descrição:

“Qual das ilustrações representa o cesto que exige mais esforço para ser carregado?”

Fig. 1 Menina carregando cesto de flores. Fig. 2 Menino carregando cesto de frutas.

A pergunta óbvia a se fazer é: como poderá o aluno com deficiência visual responder a

esta questão sem que lhe seja oferecida a áudio-descrição das imagens, visto que ela

é crucial para a compreensão do que é pedido no exercício?

Sequer foi ofertada legenda como pista para as imagens.

Consideremos, agora, essa atividade com a oferta de áudio-descrição

“Qual das ilustrações representa o cesto que exige mais esforço para ser carregado?”

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Figura da esquerda em que uma menina carrega sorridente um cesto de flores.

Figura da direita em que um menino com boca contorcida carrega um cesto de frutas.

Como segundo exemplo, igualmente sem áudio-descrição, nem legenda, também do mesmo

livro de Ciências, analisemos o seguinte exercício encontrado nas páginas 92-93:

“Observe a ilustração da página ao lado, pense e responda no caderno:”

Fig. 3 Desenho, sem descrição, da parte hidráulica de uma casa.

1 Onde fica o hidrômetro? Para que ele serve?

2 Em que lugar fica armazenada a água que chega da rua?

3 Siga os canos coloridos de azul e descubra: para onde vai a água da

caixa?

4 Siga os canos coloridos de marrom e descubra: para onde vai a água

usada?

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5 Que acontecerá com a água da caixa se alguém esquecer a torneira

aberta?

6 Chico demorou 10 minutos no banho. Quantos litros de água ele

gastou, se de seu chuveiro saem 20 litros de água por minuto?

7 Compare suas descobertas com as de seus colegas. Pequenas

atitudes podem contribuir muito para evitar o desperdício da água

potável. Pensem conversem e descubram como usar o melhor da

água no seu dia-a-dia.

O texto apresentado no exercício acima está em quase total dependência da imagem que

com ele se relaciona. Aqui cabe bem a indagação: como poderia a criança com deficiência

visual responder às perguntas propostas sem ter acesso aos elementos visuais presentes

na imagem que lhe permitiriam a compreensão dos conteúdos propostos?

Agora, notemos a imagem do referido texto acompanhada de sua áudio-descrição:

“Observe a ilustração da página ao lado, pense e responda no caderno:”

Um cano azul leva água, que passa por um hidrômetro e sobe para a laje de cima do

primeiro andar enchendo quase toda a caixa d‟água a qual também possui uma bóia. Da

caixa, também por canos azuis, a água desce, no primeiro andar, para uma pia, para o vaso

sanitário e para o chuveiro, onde uma menininha está tomando banho, e para a pia do andar

térreo, onde uma mulher lava os pratos. Canos marrons saem da parte de baixo da pia, do

vaso, do chuveiro, da pia da cozinha e se juntam na caixa de esgoto, do lado de fora da

casa, e à qual está ligado um grande cano marrom que vai dar na rua.

Vemos, a partir do exemplo, que a áudio-descrição da imagem permitiria ao aluno com

deficiência visual ou com baixa visão compreender de onde a água veio (do hidrômetro, por

canos azuis); onde ficou armazenada (na caixa d‟água) e qual o seu destino após utilizada

(cano de esgoto, por canos marrons). Ao proceder à feitura da áudio-descrição, o autor, o

editor, ou o professor poderiam ser levados a refletir sobre a conveniência de substituir o

nome “Chico” por um nome feminino ou colocar uma figura de gênero masculino em lugar da

figura da menina, uma vez que uma criança com baixa visão pode ter dificuldade de

identificar, na imagem, o gênero da figura.

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Considerações finais

Do que aqui foi apresentado, pois, só podemos concluir pela importância/necessidade da

oferta da áudio-descrição nos livros didáticos, não só para ganho dos alunos com

deficiência, mas para todos que desses livros vão fazer uso, aí incluídos os próprios

professores.

Então, por que denegar à criança com deficiência a oferta de um recurso simples e de baixo

custo que traz benefícios a todos? A saber: ao áudio-descritores, aqueles trabalhadores que

serão contratados para elaborar as melhores descrições possíveis das imagens presentes

no material didático que exercitam suas habilidades verbais esforçando-se por oferecer uma

descrição que apresente de forma lógica e inteligível os elementos essenciais presentes nas

imagens; aos professores que terão o seu tempo de aula otimizado por ter a áudio-descrição

já ofertada no material didático; ao aluno com deficiência visual que poderá fazer o exercício

junto com os seus colegas; e ao aluno sem deficiência visual que terá seu poder de

percepção dos elementos presentes na imagem consideravelmente elevado.

Certamente não é pelo investimento econômico que se fará na melhoria da educação

também não é pela impossibilidade de encontrar profissionais capacitados para fazer áudio-

descrições das imagens contidas nos livros didáticos, logo é possível que a resposta esteja

no entendimento de que as pessoas com deficiência não fazem uso desses materiais ou que

se o fazem não são capazes de aprender as informações imagéticas neles contidas, em

ambos os casos a resposta esteia-se em barreiras atitudinais que levam ao aluno com

deficiência prejuízos de ordem educacional e mesmo social.

Os autores do presente artigo têm, portanto, diversas razões para acreditar que a áudio-

descrição traz benefícios a todos, no seio de uma sociedade para todos. E dentre essas

razões, certamente, a de que a técnica da áudio-descrição apresenta possibilidades reais de

aplicação na construção de um material didático mais acessível ao aluno com deficiência

visual, pois acrescenta informações ao texto que, de outra forma, ficariam em silêncio em

seu diálogo com a informação textual.

BIBLIOGRAFIA

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http://www.afb.org/Section.asp?SectionID=44&TopicID=338&DocumentID=4032

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ÁUDIO-DESCRIÇÃO: ORIENTAÇÕES PARA UMA

PRÁTICA SEM BARREIRAS ATITUDINAIS

Francisco J. Lima25

Lívia C. Guedes26

Marcelo C. Guedes27

Resumo

O presente artigo lista algumas das barreiras atitudinais contra a pessoa com

deficiência, mais comumente encontradas na sociedade e oferece sugestões para evitá-las,

quando da oferta do serviço de áudio-descrição, técnica que descreve as imagens ou cenas

de cunho visual, promovendo acessibilidade à comunicação e à informação, também para

as pessoas cegas ou com baixa visão. Nesse contexto aqui também se trata de questões

que envolvem a prática do áudio-descritor, se oferece orientações de como esse

profissional da tradução deve atuar para evitar barreiras atitudinais em seu ofício, bem como

alerta para o perigo de ações que venham limitar o exercício, a aplicabilidade e os recursos

instrumentais que o áudio-descritor pode valer-se na oferta dessa tecnologia assistiva. Dá

dicas de como se fazer a áudio-descrição, tanto quanto ressalta que esse gênero de

tradução visual é direito constitucional brasileiro, concluindo que, portanto, a áudio-descrição

deve ser garantida/oferecida sem custos aos clientes com deficiência que do serviço

necessitem.

Palavras-chave: áudio-descrição, barreiras atitudinais, pessoas com deficiência, tradução

visual, acessibilidade comunicacional.

Abstract

This article discusses the attitudinal barriers commonly practiced against people with

disability. A series of hints are given to avoid attitudinal barriers by the audio describer and

some of the bases for audio description are summarized to offer visual translators important

25 Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Coordenador do Centro de Estudos

Inclusivos (CEI/UFPE); Idealizador e Formador do Curso de Tradução Visual com ênfase em Áudio-descrição

“Imagens que Falam” (CEI/UFPE).

26 Áudio-descritora, Pedagoga e Mestra em Educação pela UFPE. 27 Áudio-descritor, Graduando em Comunicação Social: Cinema Digital.

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tools for their work. It stresses the importance of recognizing audio description as an

assistive technology, making the assertion that this service is due to people with visual

disability without no cost. It concludes that audio describers should be free to make their

choices as translators and that ruling their work without robust scientific research can be both

harful to audio describers and their clients, as well as to those who higher their work.

Keywords: audio description, attitudinal barriers, people with disability, visual translation,

communicational accessibility.

Introdução

Durante muito tempo, as pessoas com deficiência foram vistas como incapazes de

aprender e de manifestar conhecimento, sendo a elas denegado o acesso à cultura, tanto

quanto ao lazer e à educação.

Na presunção de que essas pessoas nasciam por desígnio divino, que existiam para

espiar pecados ou faltas cometidas por seus antecessores, nem se pensava em lhes

oferecer meios de acesso à educação mais básica, menos ainda ao conhecimento científico.

Assim, as pessoas com deficiência ficaram à margem da sociedade, isto é, asiladas e

exiladas socialmente em instituições ou longe dos ambientes sociais.

De acordo com Chicon e Soares (2003, apud LIMA et. ali. 2004, p.09-10), ao longo

do tempo, a sociedade demonstrou basicamente três atitudes distintas diante das pessoas

com deficiência:

[ ] inicialmente, seguindo a seleção biológica dos espartanos, ela

demonstrou menosprezar, eliminar/destruir todas as crianças mal

formadas ou deficientes; os bebês que nasciam com alguma

deficiência ou “deformação” eram jogados de uma montanha,

eliminando-se, assim, o que não era “perfeito”. Posteriormente,

numa atitude reativa, provinda da proteção e assistencialismo do

Cristianismo, evidenciou-se um conformismo piedoso; e, em

seguida, já na Idade Média, o comportamento da sociedade

caracterizou-se pela segregação e marginalização da pessoa com

deficiência, operadas pelos “exorcistas” e “exconjugadores” da

época, os quais acreditavam que as pessoas com deficiência faziam

parte de crenças demoníacas, supersticiosas e sobrenaturais. (grifos

nossos).

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Afastadas do convívio social e sem a possibilidade de estabelecerem eficientemente

uma comunicação que as permitisse compartilhar saberes e atuar contributivamente na

construção da sociedade em que viviam, às pessoas com deficiência foi negligenciado o

acesso e, conseqüentemente, o usufruto dos bens culturais, sociais, artísticos e

educacionais que as poderiam ter tornado, de fato, cidadãs.

Foi a partir desse entendimento preconceituoso sobre as pessoas com deficiência

que, historicamente, muitas barreiras atitudinais foram construídas e consolidadas, podendo

ser encontradas até hoje, nos mais diversos ambientes sociais e sob variadas formas,

dentre elas na própria comunicação.

De acordo com Gotti (2006), “As barreiras atitudinais são aquelas estabelecidas na

esfera social, em que as relações humanas centram-se nas restrições dos indivíduos e não

em suas habilidades”. (http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/revistainclusao2.txt).

As barreiras atitudinais, portanto, partem de uma predisposição negativa, de um

julgamento depreciativo em relação às pessoas com deficiência, sendo sua manifestação a

grande responsável pela falta de acesso e à conseqüente exclusão e marginalização social

vivenciada por todos os grupos vulneráveis, mais particularmente, por aquelas pessoas

vulneráveis em função da deficiência.

No entendimento de Guedes (2007, p.31):

[ ] a perpetuação das barreiras que reforçam a situação de

dependência e exclusão a que as pessoas com deficiência vêm

sendo freqüentemente submetidas é causada pela sociedade

quando esta não busca promover soluções alternativas de

acessibilidade a fim de remover as barreiras que limitam ou

impedem a plena atuação dessas pessoas.

Uma vez presentes na comunicação, as barreiras atitudinais podem levar à total

exclusão de uma pessoa com deficiência, por exemplo, ao deixar de oferecer o contato

acessível com acervos bibliográficos, programas artísticos e arquivos culturais socialmente

construídos. Dependências como essas incorrem em outros tipos de exclusão, de

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semelhante e maior gravidade, como a exclusão do sistema de ensino, do direito ao trabalho

etc.

Conforme Sassaki (2004, p.41), a eliminação de barreiras comunicacionais é uma

conseqüência da criação de acessibilidades comunicacionais, definidas como sendo a

ausência de barreiras:

[ ] na comunicação interpessoal (face-a-face, língua de sinais,

linguagem corporal, linguagem gestual etc.), na comunicação escrita

(jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em braile,

textos com letras ampliadas para quem tem baixa visão, notebook e

outras tecnologias assistivas para comunicar) e na comunicação

virtual (acessibilidade digital).

Guedes (2007, p.29) ressalta ainda que o acesso à informação também se vê

prejudicado diante de barreiras atitudinais, uma vez que elas estão:

[ ] localizadas na profundidade das demais barreiras, enraizadas a

ponto de competir com os obstáculos concretos que comumente

excluem ou marginalizam as pessoas com deficiência dos processos

naturais que promovem o acesso [ ] aos demais sistemas sociais

gerais.

Portanto, o fato de a sociedade ainda conceber a existência de barreiras na

comunicação pode ser explicado, em parte, pelas dificuldades que encontra em enxergar as

pessoas com deficiência como sujeitos produtivos e por creditar a elas o pejo da

inferioridade, ambos comportamentos que exemplificam barreiras atitudinais.

Segundo Werneck (2006, p.164), “Ainda não somos permeáveis a uma efetiva

comunicação de mão-dupla com pessoas em relação às quais nos sentimos superiores”.

Uma vez sentindo-se superior a essas pessoas, a sociedade deixa de estabelecer uma

comunicação eficiente, deixa de criar espaços de diálogo para ouvir as demandas das

pessoas com deficiência, colocando-se numa atitude que não permite a aprendizagem

mútua. Essa atitude de superioridade social, portanto, também é manifestação da barreira

atitudinal, a barreira que diminui as pessoas com deficiência, inferiorizando-as, a fim de

parecer superior a elas.

Na tomada de consciência de que as barreiras atitudinais são mais freqüentes do

que podemos pensar, o presente artigo lista algumas das barreiras mais comumente

encontradas na comunicação e oferece sugestões para evitá-las, quando da oferta de áudio-

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descrição, técnica que descreve as imagens ou cenas de cunho visual, promovendo

acessibilidade à comunicação, também para aquelas pessoas cegas ou com baixa visão.

Áudio-descrição: Comunicação legal

Nos dias de hoje, o direito à informação é tema universalmente debatido, tanto que

se tornou lugar comum nos depararmos com a máxima que anuncia a chegada da Era da

Informação.

Apesar de o direito à informação não figurar explicitamente entre os artigos de nossa

Carta Magna que definem o direito social ou fundamental da pessoa humana, a exemplo do

direito à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, ao respeito e à liberdade,

entendemos que para que se possa usufruir de todos esses direitos, faz-se necessário

garantir e preservar o acesso a um canal sem barreiras à informação, isto é, sem barreiras

atitudinais e comunicacionais.

Acordes com esse entendimento, no ano de 2004, publicou-se nos anais do Fórum

de Barcelona a seguinte afirmação:

Se o direito à comunicação e à informação também é um direito universal, a mídia pública e privada também deveria cumprir com a obrigação de fortalecer valores democráticos, elevar a diversidade e qualidade de seu conteúdo (especialmente no que se refere às crianças), ajudar as pessoas com deficiências físicas a ganhar acesso ao conteúdo, e garantir a normalidade nas suas descrições

de minorias sociais. (www.barcelona 2004.org apud Franco, http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid= S000967252006000100008&script=sci_arttext).

Logo, o acesso à informação não pode ser tratado como um tema isolado, uma vez

que ele está associado a outros direitos que, igualmente, conferem cidadania às pessoas. A

negação do direito à informação, portanto, pode marginalizar pessoas em situação de

vulnerabilidade social, tais como as pessoas com deficiência.

A fim de concretizar o direito à comunicação e o pleno acesso à informação, tramita

no Senado Federal uma proposta de Emenda Constitucional28 representada pelo Deputado

Federal Nazareno Fonteles, do PT do Piauí, defendendo nova redação para o Artigo 6º da

Constituição Federativa, na qual se lê a intenção de incluir a comunicação como direito

social:

28 http://www.camara.gov.br/sileg/integras/460005.pdf

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No que diz respeito à comunicação, há mais de 50 anos o direito à

comunicação é reconhecido no ordenamento jurídico de diversos

países. A ONU, em dezembro de 1946 reconheceu “a importância

transversal da comunicação para o desenvolvimento da

humanidade, enquanto um direito humano fundamental - no sentido

de básico - por ser pedra de toque de todas as liberdades às quais

estão consagradas as Nações Unidas, fator essencial de qualquer

esforço sério para fomentar a paz e o progresso no mundo...”. Vale

lembrar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu

Artigo 19º afirma que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de

opinião e de expressão”, o que implica o direito de não ser

inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir,

sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer

meio de expressão. (grifo nosso).

Ciente da necessidade de se promover e implementar o acesso das pessoas com

deficiência aos meios de comunicação, bem como ao compartilhamento dos bens culturais

socialmente produzidos, é que o Ministério das Comunicações aprovou, em 27 de junho de

2006, a Portaria Nº. 310, a qual define, entre outros, a áudio-descrição como um recurso de

acessibilidade que:

[ ] corresponde a uma locução, em língua portuguesa, sobreposta

ao som original do programa, destinada a descrever imagens, sons,

textos e demais informações que não poderiam ser percebidos ou

compreendidos por pessoas com deficiência visual.

As bases jurídicas da Portaria Nº. 310/2006 estão vinculadas à existência de outros

documentos normativos que formam o elenco das medidas constitucionais para a áudio-

descrição, quais sejam:

Lei Nº. 10.098, de 19 de dezembro de 2000:

Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na

comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas

que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às

pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de

comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à

comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao

esporte e ao lazer.

(http://agenda.saci.org.br/index2.php?modulo=akemi&s=documentos

&parametro=1742);

Decreto Lei Nº. 5.296, de 02 de dezembro de 2004: Art. 59. O Poder Público apoiará preferencialmente os congressos,

seminários, oficinas e demais eventos científico-culturais que

ofereçam, mediante solicitação, apoios humanos às pessoas com

deficiência auditiva e visual, tais como tradutores e intérpretes de

LIBRAS, ledores, guias-intérpretes, ou tecnologias de informação e

comunicação, tais como a transcrição eletrônica simultânea.

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(http://agenda.saci.org.br/index2.php

?modulo=akemi&s=documentos&parametro=13983);

Portaria Nº. 466, de 30 de julho de 2008, em cuja redação determinou: Art. 1º. Conceder o prazo29 de noventa dias, contado da data de

publicação desta Portaria, para que as exploradoras de serviço de

radiodifusão de sons e imagens e de serviço de retransmissão de

televisão (RTV) passem a veicular, na programação por elas

exibidas, o recurso de acessibilidade de que trata o subitem 3.3 da

Norma Complementar no 01/2006, aprovada pela Portaria no 310,

de 27 de junho de 2006, ficando mantidas as demais condições

estabelecidas no subitem 7.1 da mesma Norma.

No âmbito geral30, os seguintes instrumentos legais somam-se aos documentos

supramencionados e podem ser interpretados como respaldo para a proposta da áudio-

descrição, enquanto medida de acessibilidade básica e indispensável para a Inclusão Social

das pessoas com deficiência:

Constituição Federativa do Brasil (1988), que defende em seu Artigo 220 que:

A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão

qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição;

Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº. 8.069/90):

Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura.

29 Com a publicação da Portaria Nº. 661/2008, o prazo de 90 dias e a obrigatoriedade a ele vinculado foram revogados. 30 Sugerimos a leitura da Lei nº. 4.117, de 27 de agosto de 1962, que institui o Código Brasileiro de

Telecomunicações; do Decreto-Lei nº. 236, de 28 de fevereiro de 1967, que modifica e complementa a Lei nº.

4.117, de 1962; da Lei nº. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a

Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e consolida as Normas de proteção; da Lei nº 10.048, de 8 de

novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica; da Lei nº. 10.436, de 24 de

abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS; do Decreto nº. 52.795, de 31 de outubro

de 1963, que aprova o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão; do Decreto nº. 3.298, de 20 de dezembro de

1999, que regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989; do Decreto nº. 5.371, de 17 de fevereiro de

2005, que aprova o Regulamento do Serviço de Retransmissão de Televisão e do Serviço de Repetição de

Televisão, ancilares ao Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens; do Decreto nº. 5.645, de 28 de dezembro de

2005, que altera o art. 53 do Decreto no 5.296, de 2004; da Instrução Normativa nº. 1, de 02 de dezembro de

2005, da Secretaria de Comunicação Institucional da Secretaria Geral da Presidência da República, que

regulamenta o art. 57 do Decreto no 5.296, de 2004; da Norma Brasileira ABNT NBR 15290:2005, que dispõe

sobre Acessibilidade em Comunicação na Televisão.

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Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude. [ ]

Art. 75. Toda criança ou adolescente terá acesso às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária.

Em face do exposto, entendemos que em nosso país já se dispõe de uma gama

considerável de ordenamentos legais que justificam juridicamente a prática da áudio-

descrição como recurso legítimo de acessibilidade.

Assim, quando as barreiras atitudinais forem eliminadas nas emissoras e demais

entidades que promovem a cultura, o entretenimento e as artes, e passarem a emitir

o “sinal da acessibilidade”, a áudio-descrição será, enfim, uma prática ostensiva.

O alcance social da áudio-descrição

A técnica de áudio-descrição, conforme definido no

www.adinternational.org/ADIad.html:

[ ] envolve a acessibilidade aos elementos visuais do teatro,

televisão, cinema e outras formas de arte para pessoas cegas, com

baixa visão, ou qualquer outra deficiência visual. É um serviço de

narração que tenta descrever aquilo que está disponível ao vidente,

e é oferecido sem custo adicional ao espectador com deficiência

visual – aquelas imagens que uma pessoa que é cega, ou com

deficiência visual, antes só podia ter acesso por meio dos sussurros

de um colega vidente.

Em teatros, em museus, e assistindo à televisão, a filmes, e a

apresentações em vídeo, a áudio-descrição é comentário e narração

que guia o ouvinte através da apresentação com descrições

concisas, objetivas de novas cenas, cenários, trajes, linguagem

corporal, e “piadas visuais”, todos colocados entre trechos de

diálogos ou músicas. (http://www.adinternational.org/ADIad.html).

Segundo Graciela Pozzobon, em www.audiodescricao.com.br, a narração de cenas

por meio de sussurros ao espectador cego:

[ ] além de ser incompleta, causa incômodo aos espectadores que enxergam, de forma que as pessoas cegas freqüentemente deixam de tentar entender o filme, ou programa. Por outro lado, se imaginarmos uma sala de cinema ou um canal de televisão que ofereça um meio pelo qual a pessoa com deficiência visual ouça o conteúdo do programa com independência, audiodescrito, desenvolvido especialmente para ela, com certeza veremos uma grande parcela deste público, normalmente excluído, assistindo a

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programas e desfrutando do conteúdo audiovisual com autonomia e conforto da mesma maneira que uma pessoa que enxerga.31

Assim, com a oferta da áudio-descrição, ao ir ao cinema, teatro, palestras etc.,

pessoas cegas ou com baixa visão terão a oportunidade de ampliar o conhecimento advindo

do conteúdo das imagens ali apresentadas (em filmes, peças, slides, cartazes,

transparências, folders e conhecer os gestos que o expositor estaria fazendo para ilustrar a

sua fala), ao mesmo tempo que as demais pessoas da platéia.

Os principais benefícios do oferecimento da áudio-descrição para as pessoas

cegas, por exemplo, incluem:

[ ] conhecer os ambientes visuais do programa; compreender melhor os materiais televisivos; sentir-se independente; (...) sentir satisfação; alívio dos espectadores sem deficiência visual com quem

assistiam aos programas32. Numericamente falando, através da áudio-descrição se estaria permitindo o acesso à

informação e comunicação a, pelo menos, 48,1%, dos quase 24,5 milhões de brasileiros

com deficiência, percentual relativo às pessoas que declararam ter comprometimentos

visuais33. Porém, os benefícios provenientes da áudio-descrição não se restringem ao

público com deficiência visual.

Igualmente, a áudio-descrição permite que pessoas disléxicas, cuja presença de um

distúrbio de aprendizagem compromete a capacidade de leitura, escrita e soletração de mais

de 5% da população em todo o mundo (http://www.dislexia.org.br/abd/dislexia.html),

restituam sua autonomia, pelo simples fato de lançarem mão do recurso sonoro para ouvir

aquelas informações cuja leitura lhes poderia causar transtornos e atrasos significativos,

prejudicando o entendimento.

Também as principais dificuldades encontradas por uma criança em idade escolar

ou, por exemplo, por um profissional disléxico que necessite memorizar textos, tais como,

dividir palavras, relacionar letras a seus respectivos sons, reconhecer fonemas e/ou

compreender o que lêem34, passam a ser amplamente minimizadas pelo uso da áudio-

descrição, quando, através desse recurso de acessibilidade comunicacional, se substitui ou

se complementa a informação visual com a informação sonora.

31 http://www.audiodescricao.com.br/www/index.html

32 ASTC – “Accessible Practices/ Best Practices/ Audio-Description”, Association of Science – Technology Centres. Disponível online: http://www.astc.org/resource/access/medad.htm 33 Censo Demográfico (IBGE, 2000). 34 http://www.crfaster.com.br/dislexicosfamosos.pdf.

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Já as pessoas analfabetas têm a chance de utilizar o recurso da áudio-descrição

para terem acesso ao mundo de conhecimentos e informações que só lhes seria possível

adentrar através da leitura e escrita. Sendo a essas pessoas facultado o direito de acessar

informações auditivas e, através delas, realizar aprendizagens significativas, já se poderia

estimar que, pelo menos 14,6 milhões35 de brasileiros analfabetos, estariam mais próximos

do conhecimento e, assim, mais distantes da marginalização social.

Além de beneficiar diretamente as pessoas com deficiência durante eventos,

programas ou espetáculos artísticos e culturais, a áudio-descrição tem um alcance ainda

maior quando utilizada como ferramenta pedagógica. Para tanto, imaginemos a seguinte

cena: um aluno cego vai à escola e, em sua primeira aula do dia, o professor pede aos

alunos que abram o livro na página 15 e concentrem-se na análise de gráficos matemáticos.

Apesar de o aluno cego estar inserido numa sala de aula regular, junto com outras

crianças com e sem deficiência, são momentos como este que definirão se a metodologia

adotada pelo professor e, conseqüentemente, a proposta pedagógica da escola, assumirão

ou não uma conduta inclusiva.

O professor inclusivo, ciente de que seu papel como mediador da aprendizagem

requer a contemplação das necessidades de todos os alunos, cuidará de áudio-descrever

para o aluno cego as informações contidas nos gráficos, tendo para com ele a atenção

necessária ao alcance total das informações pretendidas36.

Sem uma adequada áudio-descrição por parte do professor, ao aluno, incorrer-se-á

no que Lima (1998, p.15-16) já antecipava:

[ ] mesmo que o professor tenha habilitação para educação

especial, ele poderá estar presumindo que a representação que

formula para explicação de dada informação ao aluno sem limitação

visual seja a mesma que deveria dar ao aluno cego. É possível que

seu pressuposto seja de que uma vez verbalizando o exemplo dado

à sala, isso bastará à compreensão do aluno cego.

35 Estimativa apresentada pelo IBGE (http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza. php?id_noticia=132&id_pagina=1), referente ao ano de 2002. 36 Salientamos que, no caso específico de gráficos e outras configurações bidimensionais, constitui-se como recurso de acessibilidade bastante eficiente para a apropriação de informações visuais por pessoas cegas e com baixa visão, a disponibilização concomitante da áudio-descrição e de materiais em relevo que favoreçam a captura háptica (através da ponta dos dedos). O leitor interessado deve recorrer Para maiores informações, sugerimos a leitura dos seguintes artigos: - LIMA, F. J. e DA SILVA, J. A. Algumas considerações a respeito da necessidade de se pesquisar o sistema tátil e de se ensinar desenhos e mapas táteis às crianças cegas ou com limitação parcial da visão. Revista Benjamim Constant, n° 17. Rio de Janeiro: IBCENTRO, 2000; - LIMA, F. J. O efeito do treino com desenhos em relevo no reconhecimento háptico de figuras bidimensionais tangíveis. Livro de Resumos - III Seminário de Pesquisa, página 57. Ribeirão Preto, SP, 2000; - LIMA, F. J. e GUEDES, L. C. A produção do desenho em relevo: a caneta M/H 1.0 como alternativa tecnológica de acesso à educação, por meio da arte. Submetido à Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), 2004.

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O professor inclusivo poderá lançar mão dos recursos de acessibilidade disponíveis,

promovendo oportunidades para a eliminação de barreiras atitudinais entre os alunos,

através do estímulo de atividades coletivas de áudio-descrição que envolvam a todos,

sensibilizando-os e dando-lhes autonomia para também desenvolverem e se beneficiarem

do recurso em conjunto.

Mais significativamente, o professor inclusivo poderá oportunizar a todos os

alunos o entendimento de que a áudio-descrição, antes de ser um recurso que beneficia a

um ou outro aluno da turma, com essa ou aquela deficiência, constitui-se como um recurso

pedagógico que agrega a característica de ser acessível.

Assim, a áudio-descrição pode ser considerada como ferramenta pedagógica de

acessibilidade quando a sua aplicação tiver por objetivo:

- minimizar ou eliminar as barreiras presentes nos meios de comunicação que se

interponham ao acesso à educação, tais como aquelas presentes no acesso a materiais

bibliográficos;

- proporcionar que alunos com deficiência visual, com dislexia e outros tenham acesso aos

conteúdos escolares, ao mesmo tempo que o restante da turma;

- permitir que todas as ilustrações, imagens, figuras, mapas, desenhos e demais

configurações bidimensionais, presentes nos livros didáticos, fichas de exercícios, provas,

comunicados aos pais, cartazes, circulares internas etc., também sejam disponibilizadas

através da áudio-descrição;

- zelar pela autonomia, empoderamento e independência dos alunos com deficiência visual

e outros usuários do recurso;

- atentar para a descrição de objetos que fazem parte do cotidiano escolar, como a

disposição do mobiliário da sala de aula, da planta baixa da escola, da distribuição do

acervo na biblioteca, dos espaços de recreação e outros ambientes e produtos de uso

comum etc.;

- perceber a transversalidade do recurso, por exemplo, ao estimular que através de uma

atividade coletiva de áudio-descrição, durante uma aula de matemática ou de ciências, os

alunos possam desenvolver descrições por escrito de tal sorte que as informações ali

contidas possam ser aproveitadas nas aulas de língua portuguesa;

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- considerar a importância de democratizar as informações e conhecimentos construídos em

sala de aula para toda a comunidade escolar, oferecendo este recurso em exposições,

mostras, feiras de ciências, apresentações, reuniões de pais e mestres, encontros

pedagógicos, aulas de reforço escolar, excursões temáticas, jogos e olimpíadas esportivas,

exibição de filmes e nos demais encontros e atividades cuja educação seja o foco;

- reforçar o respeito pela diversidade humana, praticando e divulgando ações de cunho

acessível entre os alunos com e sem deficiência;

- atrair parceiros que possam financiar projetos de acessibilidade na escola e a partir dela;

- criar programas e projetos de voluntariado e monitoria que envolvam o público interno da

instituição e a comunidade escolar, a fim de capacitar os interessados na temática da áudio-

descrição e levar a diante outras iniciativas de acessibilidade;

- promover encontros de formação, reflexão e sensibilização sobre a inclusão social das

pessoas com deficiência para professores, funcionários, gestores, alunos e comunidade,

fortalecendo a máxima de que a inclusão só poderá ser construída através da perpetuação

de práticas acessíveis, ou seja, a partir da eliminação de barreiras tais como as atitudinais e

aquelas presentes nos meios de comunicação.

Barreiras atitudinais na áudio-descrição

A fim de auxiliar aos áudio-descritores a construir e desenvolver seus roteiros de

maneira inclusiva, isto é, respeitando e contemplando a diversidade humana que deles

poderão se servir, apresentamos, a seguir, algumas das barreiras atitudinais que devem ser

evitadas desde a concepção dos roteiros até a realização/gravação da áudio-descrição.

Salientamos, contudo, que essas orientações tanto podem servir para as áudio-

descrições simultâneas (desenvolvidas em eventos ao vivo, como em peças de teatro,

acompanhamento pedagógico, palestras etc.), como para as áudio-descrições pré-gravadas

(aquelas mais aplicadas ao cinema e televisão).

Barreira Atitudinal de Generalização: generalizar a forma de realizar a áudio-

descrição, baseando suas escolhas e atitudes nas predileções de uma pessoa

especificamente ou de um grupo de pessoas com deficiência.

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Pelo fato de uma pessoa cega, por exemplo, achar que lhe basta receber umas

poucas informações, essenciais para o entendimento da obra, o áudio-descritor não deve

generalizar que todas as pessoas cegas prefiram receber as informações dessa mesma

maneira, ou seja, muitos outros podem desejar conhecer as minúcias de uma apresentação

visual, como os detalhes do figurino dos artistas ou as cores das casas apresentadas em

uma cena.

Lembre-se de que a áudio-descrição deve primeiro eleger os elementos essenciais

da cena ou imagem; depois, as informações secundárias, sem prejuízo da mensagem

central. Contudo, não deve deixar de oferecer os demais elementos sempre que o tempo

permitir ou, quando necessário, antes ou intervalo da apresentação.

Barreira Atitudinal de Padronização: presumir que porque os usuários têm uma dada

característica, são cegos, por exemplo, suas respostas ao entendimento da áudio-descrição

serão as mesmas entre todos.

Lembre-se de que os usuários da áudio-descrição não formam grupos homogêneos

e ainda que tenham características semelhantes, não perderão sua individualidade, pois

todos têm seus próprios recursos cognitivos para compreender aquilo que está sendo

transmitido. Considere que em uma mesma platéia você poderá áudio-descrever para

grupos de pessoas cegas, disléxicas, analfabetas, com baixa visão etc., e que mesmo esses

grupos tendo características semelhantes entre si, cada espectador é único.

Barreira Atitudinal de Ignorância: desconhecer as características dos usuários da áudio-

descrição.

Lembre-se de que para realizar um bom trabalho de áudio-descrição é preciso

conhecer o público a que ela se destina. Poderão fazer uso desse recurso pessoas cegas ou

com baixa visão, pessoas com dislexia ou, ainda, pessoas analfabetas que vão ao cinema

para assistir a filmes estrangeiros legendados.

Além dos espectadores convencionais, há que se considerar a presença de qualquer

outra pessoa que queira fazer uso do serviço. Afinal, assistir a filmes, peças teatrais e a todo

tipo de apresentações visuais, aproveitando o serviço de áudio-descrição, pode ser uma

opção enriquecedora para qualquer pessoa e as pessoas com deficiência intelectual,

certamente, se beneficiarão desta técnica também, visto que ela esclarece com palavras

aquilo que se está vendo.

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O áudio-descritor que conhece o público para o qual está trabalhando terá maiores

chances de acertar em suas escolhas, de evitar expressões preconceituosas e outras

atitudes discriminatórias durante a realização do serviço.

Barreira Atitudinal de Medo: temer realizar áudio-descrições de algum gênero ou conteúdo

específico que o áudio-descritor julgue ofensivo ao público-alvo do serviço; temer utilizar

palavras cujo sentido ilustraria a condição de deficiência de uma pessoa, tais como

“cegueira” ou “surdez”, por receio de magoar os espectadores cegos ou surdos que estejam

na platéia, ou de ser injusto com eles.

Lembre-se de que as pessoas com deficiência estão atentas a sua realidade e o uso

de palavras que reforcem ou admitam a verdade sobre elas só será compreendido como

negativo se trouxerem o peso da depreciação, caso contrário, serão apenas palavras

descritivas.

Barreira Atitudinal de Rejeição: recusar-se a interagir com os usuários do serviço de

áudio-descrição e seus acompanhantes, adotando comportamentos hesitantes diante da

possibilidade de ter o seu trabalho avaliado ou de ter um contato mais aproximado com esse

público.

Lembre-se de que para alcançar bons resultados como áudio-descritor é necessário

adquirir conhecimentos sobre as necessidades do público a que o serviço se destina, sobre

a forma como costuma absorver e compreender as informações recebidas e sobre as

possíveis falhas na comunicação geradas a partir desse desconhecimento.

Barreira Atitudinal de Propagação da deficiência: julgar (em virtude de um usuário do

serviço de áudio-descrição apresentar uma dada deficiência), que ele tem uma outra

deficiência, e que esta o incapacita de compreender a áudio-descrição e o conteúdo

descrito.

Lembre-se de que a existência de uma deficiência não implica em outra e de que não

existe relação entre deficiência e a capacidade intelectual de uma pessoa. Além do mais,

mesmo as pessoas com deficiência intelectual podem entender aos filmes e outros

conteúdos, mormente quando auxiliadas pela áudio-descrição.

Aquele que tem uma deficiência terá condições de avaliar, compreender, apreciar ou

não um espetáculo áudio-descrito se este vier relacionado a outras características

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particulares, tais como, o seu grau de escolaridade, sua idade ou as suas preferências

pessoais.

Barreira Atitudinal de Inferioridade: acreditar que o espectador com deficiência,

mesmo utilizando o recurso da áudio-descrição, tem chances inferiores de alcançar a

compreensão das cenas e intenções do filme ou peça exibida, comparativamente aos

espectadores videntes.

Lembre-se de que a crença na potencialidade das pessoas, independentemente de

suas deficiências ou características particulares, deve permear toda e qualquer atitude do

áudio-descritor, cujo serviço prestado deverá objetivar a transmissão fidedigna das

informações visuais, tais quais as pessoas videntes têm acesso. Portanto, o áudio-descritor

deve concentrar-se, primeiramente, em prestar um bom serviço, deixando que os resultados

sejam sentidos pela platéia.

Barreira Atitudinal de Comparação: comparar os espectadores com deficiência com

aqueles que não têm deficiência, julgando que os primeiros têm como única motivação para

ir ao cinema, teatro etc., a oferta de áudio-descrição.

Lembre-se de que toda pessoa, independente de ter ou não uma deficiência, vai ao

cinema, teatro, palestra, museu, casa de espetáculo em geral, interessada em seu conteúdo

relacionado. Atrelar as motivações pessoais do espectador à oferta da áudio-descrição é

superestimar o papel do áudio-descritor.

Barreira Atitudinal de Piedade: ter atitudes protetoras para com os usuários da áudio-

descrição por sentir dó ou pena deles, em virtude de sua deficiência.

Lembre-se de que a existência da barreira atitudinal de piedade pode levar o áudio-

descritor a cometer erros graves como interpretar conteúdos visuais, apresentar conclusões

pessoais e antecipar informações para os espectadores com deficiência, podendo lhes dar a

impressão de que não bastaria áudio-descrever, mas seria necessário também lhes explicar

as descrições ou, ainda, desrespeitar a sequência e o ritmo das cenas, para que as pessoas

com deficiência não tenham um “trabalho a mais” na hora de compreendê-las.

Lembre-se, ainda, de que as pessoas com deficiência não devem ser tratadas como

coitadinhas; elas são pessoas humanas que merecem respeito por sua dignidade, e atitudes

apiedadas não condizem com uma postura inclusiva, devidamente respeitosa.

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Barreira Atitudinal de Adoração do Herói: considerar que uma pessoa com deficiência

visual, por exemplo, consumidora do serviço de áudio-descrição, seja “especial”,

“excepcional” ou “extraordinária” pelo simples fato de assistir a espetáculos, de frequentar

lugares públicos onde comumente se vê pessoas videntes ou sem nenhum tipo de

deficiência. Ou, ainda, pelo fato de serem capazes de compreender aquilo que está sendo

apresentado e áudio-descrito.

Lembre-se de que todas as pessoas têm seus pontos de força e de fraqueza e isso

não necessariamente está ligado à condição de deficiência. Considerar que uma pessoa tem

atitudes heróicas simplesmente porque está vivendo a sua vida e superando os obstáculos

naturais de sua personalidade e características íntimas, não é uma atitude que acrescenta

valor aquela pessoa. Assim como as demais pessoas, as pessoas com deficiência

desejariam ser reconhecidas como heroínas quando seus próprios feitos ou atitudes

justificassem tal deferência.

Barreira Atitudinal de Baixa Expectativa: acreditar que os usuários da áudio-descrição

não poderão compreender aquilo que está sendo apresentado pelo fato de terem uma

deficiência. Acreditar que, pelo fato de as pessoas com deficiência visual não serem

frequentemente vistas em cinemas ou teatros, por exemplo, elas não se interessam por

atividades culturais, sociais, educacionais ou artísticas.

Julgar os limites impostos pela deficiência visual como sendo sinônimos de

incapacidade constitui barreira atitudinal que impede o áudio-descritor de sentir a apreciação

de seu trabalho.

Lembre-se de que o fato de as pessoas com deficiência não serem vistas nos

espetáculos pode ser decorrente da costumeira falta de acessibilidade física e

comunicacional que graçam os ambientes em que eles se dão. Além do mais, as barreiras

atitudinais abundantemente encontradas pelas pessoas com deficiência acabam, muitas

vezes, por lhes desencorajar a frequentar esses lugares.

Barreira Atitudinal de Compensação: oferecer um serviço de áudio-descrição que procure

minimizar a eventual falta de acesso à informação visual de uma dada cena, antecipando às

pessoas com deficiência visual informações (descrições antecipadas e interpretativas) que

as privilegiem.

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Lembre-se de que nem tudo que é visto será possível descrever, portanto, não se deve

procurar compensar o espectador com deficiência com informações que ainda não estão

disponíveis aos demais. A áudio-descrição visa à igualdade de acesso ao conteúdo do filme,

portanto, o antecipar ou interpretar, além de desigualar os espectadores, subestima a

capacidade de entendimento do espectador com deficiência.

Barreira Atitudinal de Exaltação do modelo: usar a imagem do espectador com

deficiência, usuário do serviço de áudio-descrição, como modelo de persistência, coragem e

superação diante dos demais espectadores.

Lembre-se de que, quando o assunto é a inclusão de pessoas com deficiência, o único

modelo que deve ser ressaltado é o modelo da acessibilidade, do desenho universal, enfim

da inclusão de todas as pessoas humanas na sociedade. Em nada auxiliará fazer exaltações

sobre o potencial, inteligência ou habilidade de uma dada pessoa com deficiência que não

sejam absolutamente verdadeiras.

Barreira Atitudinal de Estereótipos: pensar no espectador com deficiência, construindo

em torno da deficiência generalizações positivas ou negativas sobre todas as pessoas que

têm aquela mesma deficiência.

Lembre-se de que não é a deficiência que definirá a capacidade de compreender o que está

sendo áudio-descrito, mas sim a clareza, a objetividade e o uso de um vocabulário coerente

com a natureza da obra descrita e de seu público.

Barreira Atitudinal de Negação: considerar os espectadores com deficiência da mesma

forma que os demais espectadores, não levando em consideração as necessidades reais e

específicas advindas de sua deficiência. Na barreira atitudinal de negação, nega-se a

existência da deficiência do espectador, neste caso, a áudio-descrição não é oferecida e se

o for, apenas se o fará em algumas situações que terceiros acreditem ser necessárias.

Lembre-se de que negar a deficiência de uma pessoa, em qualquer momento, não é

o mesmo que lhe tratar com respeito ou dedicar-lhe o rótulo de “pessoa normal”. Para que a

áudio-descrição cumpra, de fato, o seu papel como meio de comunicação inclusivo ou

recurso de comunicação acessível, é mister que ela considere não só a existência e a

justificativa de usuários com deficiência na platéia, como também conheça as características

dessas deficiências. Assim, o áudio-descritor poderá prestar um melhor serviço, alcançando

a todos.

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Barreira Atitudinal de Substantivação da deficiência: identificar o espectador usuário do

serviço a partir do nome do sentido ou órgão relacionado à sua deficiência, como se essa

“parte” representasse o “todo” da pessoa.

Lembre-se de que se referir ao espectador com deficiência visual como “o cego” ou

“o visual” ou, no caso de pessoas disléxicas, chamá-las de “as disléxicas”, passa a ser

pejorativo, não correspondendo a uma atitude inclusiva.

Lembre-se de que, ao interagir com o espectador o áudio-descritor deve buscar

conhecer-lhe o nome e a ele identificar-se para que ambos saibam com quem estão falando.

Barreira Atitudinal de Segregação: obrigar as pessoas com deficiência, usuárias do

serviço de áudio-descrição, a ocupar determinados assentos no auditório, agindo de modo a

segregá-las, não lhes permitindo a tomada de decisão sobre onde desejam sentar-se.

Lembre-se de que quando por razões técnicas, aos espectadores com deficiência for

necessário destinar locais específicos, o áudio-descritor deve informar-lhes as razões e

perguntar-lhes se desejam ficar ali.

Lembre-se de que obrigar as pessoas com deficiência a estarem “num lugar a elas

destinado”, sem que assim desejem, constitui-se crime e, portanto, é atitude contrária aos

preceitos mais básicos de socialização, democracia e cidadania.

Barreira Atitudinal de Adjetivação: adotar adjetivos para designar as pessoas com

deficiência, atribuindo-lhes classificações pejorativas como “lentas”, “distraídas”,

“desmemoriadas” etc.

Lembre-se de que o uso de tal adjetivação, tanto deteriora individualmente a identidade das

pessoas, como o faz coletivamente, a partir da presunção de que o indivíduo com deficiência

visual ou o grupo de pessoas com deficiência visual, por exemplo, seriam formados por

pessoas “deficientes”(ineficientes), ao passo que o que são designa-se , com melhor

conceito, de pessoa com deficiência. Nos dois casos, a barreira atitudinal e o desrespeito

residem em adjetivar as pessoas de forma depreciativa.

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Algumas dicas para quando for áudio-descrever

* Evite sobrepor a áudio-descrição às falas dos personagens ou efeitos sonoros importantes

para a compreensão do produto.

Lembre-se de que assim como os espectadores sem deficiência, os espectadores

com deficiência, usuários do serviço de áudio-descrição, devem ter acesso a todas as

informações provenientes do material originalmente apresentado, como a trilha sonora e os

diálogos, e que a áudio-descrição deverá ser adicionada a esses elementos fundamentais.

Assim, as pessoas que buscarem o serviço de áudio-descrição terão acesso a todas as

informações do filme, peça ou exibição, podendo compartilhar de suas impressões com os

demais espectadores com e sem deficiência.

* Evite classificar desordenamente um conteúdo visual (filme, curta-metragem, peça teatral,

desenho animado etc.) como pertencente a um determinado gênero específico. Basear-se

numa classificação errônea, poderá levar-lhe a fazer a áudio-descrição de um determinado

conteúdo visual, adotando uma impostação de voz ou entonação caricata e equivocada.

Lembre-se de que o fato de um conteúdo visual adotar linguagens como a animação,

a computação gráfica ou elementos cênicos que aparentem ser destinados, por exemplo, a

um público infantil, não significa que ele seja realmente destinado a esse público.

O trabalho do áudio-descritor deve refletir a atenção de que as ferramentas e

linguagens visuais utilizadas nos produtos culturais e artísticos nem sempre são destinadas

a um mesmo público, a exemplo do cinema de animação, que produz filmes para todos os

gêneros e para todos os públicos, por exemplo, das mais diversas faixas etárias.

* Evite a utilização desnecessária de termos técnicos, de palavreado rebuscado e/ou de

expressões tendenciosas e ambíguas que dificultem a compreensão do público assistente.

Lembre-se de que a áudio-descrição deve ser construída a partir de uma linguagem clara,

simples, objetiva e acessível para que a compreensão do conteúdo assistido não seja

prejudicada e que, ao invés de promover comunicação, se construa novas barreiras

comunicacionais através da escolha da linguagem.

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* Evite aproveitar todas as pausas entre os diálogos ou cada momento de silêncio para fazer

áudio-descrição.

Lembre-se de que haverá momentos em que o silêncio será utilizado de forma intencional,

como um elemento importante para o entendimento da trama, e que os usuários do serviço

de áudio-descrição também devem ter a oportunidade de conhecer e compreender as

intenções geradas a partir da escolha de recursos como esse.

* Evite basear a áudio-descrição em juízos de valor pessoais ou moralismos.

Lembre-se de que, ao prestar um serviço de áudio-descrição, o profissional deve abster-se

de qualquer condicionamento íntimo a respeito do conteúdo assistido. Ao aceitar um

trabalho de áudio-descrição, é mais aconselhável que o profissional considere previamente

a natureza do conteúdo a ser áudio-descrito, evitando aqueles que possivelmente lhes

gerariam desconforto.

Considerações finais

Considerando a classificação das barreiras atitudinais aqui apresentadas, bem como

as orientações sugeridas a fim de evitá-las na prática de áudio-descrição, concluímos que

para que se realize um trabalho de tradução visual de forma acessível, cada profissional

deve, cotidianamente, revisar a sua prática, buscando examinar as próprias atitudes a fim de

não cometer barreiras sociais que venham a desvirtuar o sentido de seu trabalho.

Salientamos, porém, que as barreiras atitudinais aqui elencadas não esgotam o

universo de possibilidades de outras barreiras que podem atingir os diversos perfis humanos

e advir da combinação dessas barreiras atitudinais com outras.

Acreditamos que será apenas a partir da eliminação das barreiras atitudinais,

presentes nos meios de comunicação, que as pessoas com deficiência visual e os demais

beneficiários da democratização da áudio-descrição, como recurso legítimo de

acessibilidade, poderão ter garantias de acesso aos demais direitos sociais e fundamentais

da pessoa humana, sendo-lhes, daí favorecido o usufruto da educação, do trabalho, do

lazer, da cultura e da garantia efetiva de sua liberdade de expressão e manifestação num

mundo cada vez mais inclusivo.

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Em última instância, é importante que entendamos que a áudio-descrição é recursos

assistivo, advindo da área da tradução visual, isso significa que os usuários deste serviço

têm direito constitucional a essa forma de acessibilidade.

Em outras palavras, isso implica em obrigação de oferta do serviço aos que estão a

frente da organização de eventos culturais, aos que estão a frente da produção de eventos e

produtos educacionais e isso significa que é obrigação de que o serviço prestado seja feito

com qualidade e sem custo adicional aos clientes que desse serviço necessitam.

Por outro lado, não se pode impor regras, normas ou obrigações ao ofício dos

tradutores visuais que trabalham com a áudio-descrição, pois eles são, primeiramente,

profissionais da tradução. Enquanto tais têm o livre direito de exercer a escolha intelectual

da tradução que vão fazer, da qualidade do serviço que vão prestar e da maneira que o

farão.

Certamente, diretrizes, dicas, orientações como as que aqui foram apresentadas e

muitas outras, deverão fazer parte da formação do áudio-descritor, de seu código de ética,

da conduta que deverá ter para com seus clientes, sejam eles os usuários ou os

contratantes do serviço de áudio-descrição. No entanto, o áudio-descritor não pode ser

tolhido da sua liberdade de expressão por regras que ultrapassem o conhecimento daqueles

que eventualmente as venham produzir ou que, de alguma forma, limitem, no presente ou

no futuro, a atuação daquele profissional.

No Brasil, assim como na maioria dos demais países, a áudio-descrição ainda é um

serviço pouco oferecido e, principalmente, pouco conhecido pelos potenciais clientes.

Com efeito, apesar de a áudio-descrição surgir na academia, a partir de uma

dissertação de mestrado, ela ainda é muito pouco cientificamente investigada, o que

significa que não temos conhecimento basilar suficiente para a construção de regras

normativas que não levem em consideração pesquisas, técnicas e opiniões dos próprios

áudio-descritores, dos formadores destes e de seus clientes.

Em suma, as orientações aqui apresentadas não se prestam a regrar o papel do

áudio-descritor, sua atuação profissional ou as ferramentas e aplicações com as quais vai

trabalhar ou ainda em que situações as vai utilizar.

Logo, estas orientações devem ser vistas , quando muito, como diretrizes para o

profissional da áudio-descrição, que pretende, com ética e inclusividade, investir no campo

da tradução visual para propiciar acessibilidade comunicacional à pessoas historicamente

excluídas por razão de deficiência.

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Decreto Nº. 5.296/2004

http://agenda.saci.org.br/index2.php?modulo=akemi&s=documentos& parametro=13983

Portaria 310/2006:

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1

Portaria 466/2008:

http://www.mc.gov.br/o-ministerio/legislacao/portarias/portaria-466.pdf

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

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http://www.astc.org/resource/access/medad.htm Censo Demográfico (IBGE, 2000): http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=132&id_p

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http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/revistainclusao2.txt

http://www.crfaster.com.br/dislexicosfamosos.pdf

Uma Eleição “Deficiente”

A chamada do noticiário para o jornal da noite cita uma matéria onde o chefe político

de plantão da localidade inaugurou um novo complexo esportivo dedicado às

pessoas com deficiência. A reportagem, para ilustrar a matéria mostra a quadra

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poliesportiva novinha e cenas de um jogo de basquetebol entre cadeirantes, seguido

de um jogo de futebol de salão para pessoas com deficiência visual.

Todos elogiam o lugar e exaltam a figura do doutor fulano que tornou aquele sonho

possível. Em sua entrevista, o doutor fulano ressalta a importância da inclusão social

(mesmo que isso signifique isolar pessoas com deficiência em um local só para elas)

e faz promessas de mais benefícios para os “coitadinhos deficientes”. Candidato a

deputado na eleição que se aproxima, o doutor Fulano espera ser votado

maciçamente por esse público.

Em casa, Marcos, que é pessoa com deficiência visual, ouve a matéria e chama a

esposa para descrever o que a TV está mostrando, pois, em nenhum momento a

emissora pensou que do outro lado da telinha existem milhões de cegos assistindo

ao jornal e não têm acesso às imagens, pois a tal emissora não disponibiliza áudio-

descrição dos seus programas.

Em casa, Ana Maria, que é surda e vive sozinha, não tem ninguém para chamar

para lhe ajudar a saber a que exatamente as imagens da TV se referem, pois a

emissora também não legendou a programação, nem providenciou a oferta da janela

de LIBRAS para traduzir o que estava sendo dito na matéria.

Em casa, Dagoberto, que é cadeirante, achou tudo muito bonito, mas lamentou que

não vai poder usar o complexo esportivo pois esse, apesar de acessível,está

localizado num bairro da cidade que não é servido por transporte público adaptado.

Em casa, Mariana, pessoa com deficiência intelectual, pediu que a mãe a levasse

para jogar basquete naquela quadra e teve de ouvir como resposta que a TV

informara que aquele local tinha sido cedido para uma entidade de reabilitação, a

qual não atende pessoas com a deficiência de Mariana.

Nesse momento, o doutor fulano acabava de perder ou, pelo menos, deixava de

ganhar, no mínimo, 4 votos.

O último censo demográfico brasileiro aponta a existência de mais de 24 milhões de

pessoas com deficiência no Brasil. Se mantida a proporção (14,5%), o censo que

será realizado este ano de 2010 deverá encontrar quase 30 milhões de pessoas com

deficiência. O maior grupo é o das pessoas com deficiência visual, parcial ou total,

seguido pelo grupo das pessoas com deficiência física ou motora.

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Desse total, mais de 70% têm mais de 16 anos e, portanto, são eleitores. Cerca de

20 milhões de votos (na verdade, muito mais, se considerarmos os familiares dessas

pessoas) espalhados por todo Brasil. Sonho de consumo de qualquer candidato.

Deveria ser o sonho de consumo de todo marketeiro que vai cuidar da propaganda

eleitoral desses candidatos.

Os políticos ainda se preocupam em fazer jogo de cena e em entregar pacotes de

caridade em forma de benefícios fiscais, gratuidades ou verbas para entidades

assistencialistas. Os marketeiros não têm esse poder. Mas teriam o poder de fazer a

mensagem publicitária chegar a esses eleitores e isso seria muito mais simples do

que parece.

Numa eleição onde os meios de comunicação eletrônicos serão cada vez mais a

ferramenta para se chegar aos eleitores, a falta de preocupação com a

acessibilidade comunicacional é gritante. Se você entrar no site de qualquer um dos

grandes partidos políticos vai encontrar, em todos eles, programas de TV da

legenda. Nenhum deles tem qualquer recurso de acessibilidade.

Nem vou entrar no mérito da falta de acessibilidade nas TV´s abertas, essas estão

protegidas da obrigatoriedade da oferta de acessibilidade por manobras protelatórias

do Ministério das Comunicações.

Verdade se diga, isso não é exclusividade de políticos e de marketeiros. Esta

semana mesmo recebi um material de divulgação de um curso sobre inclusão.

Nem o material, nem o site da faculdade que o promovia eram acessíveis. Ao

procederem assim, os promotores de tal curso pareciam dizer: “Afinal de contas,

para que as pessoas com deficiência precisam de acesso a conteúdos que falem a

respeito delas?”

Pior ainda é visitar algumas páginas de políticos que são, eles mesmos, pessoas

com deficiência, e descobrir que em seus sites existem conteúdos sem

acessibilidade.

Convém lembrar que essa preocupação dos criadores e produtores dos programas

de TV, rádio e de páginas da Internet não pode se resumir às questões tecnológicas

(se bem que só isso já seria um salto de qualidade enorme), mas também à

linguagem e às atitudes devem ser ponto de preocupação desses profissionais.

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Muitas pessoas com deficiência, historicamente, tiveram pouco ou nenhum acesso à

educação formal e, em decorrência disso, nem sempre vão entender mensagens

que usam expressões mais complexas. O que os marketeiros não podem esquecer

é que, mesmo sem a mesma bagagem cultural, essas pessoas têm consciência

política.

Claro, existe uma grande massa de manobra que se satisfaz com o fato de ganhar

um passe livre para o transporte público e barganhar seu voto em troca disso, para

depois descobrir que o ônibus é gratuito. E também essas pessoas, junto às demais

pessoas com deficiência não conseguirão chegar ao ponto ou embarcar no

transporte, pela falta de acessibilidade física.

Claro, existe uma grande massa manobrada por instituições assistencialistas que as

tutelam e fazem qualquer negócio para não perder esse poder. Não poucas dessas

instituições têm representantes (geralmente, não são as próprias pessoas com

deficiência) nas câmaras e no senado, eleitos às custas dessa troca de

favores. Tanto uns como outros continuarão presentes na próxima eleição, mas isso

também está mudando.

As pessoas estão ficando mais críticas e mais preocupadas em conquistar sua

autonomia. Não adianta a propaganda do governante Beltrano falar que está

colocando professores auxiliares nas séries iniciais do ensino fundamental se,

quando o aluno chega à escola ele descobre que isso só acontece numa escola

modelo ou projeto piloto do outro lado da cidade.

Não adianta nada políticos e marketeiros tomarem todas as medidas para que suas

campanhas sejam acessíveis se os locais de votação estão repletos de escadas

inacessíveis, armadilhas diversas para pessoas com deficiência física, com

dificuldade de locomoção, com baixa visão e cegas.

Agora, se você é profissional de marketing, ou produtor de mídia eletrônica e vai

trabalhar para algum candidato nas próximas eleições, não deixe de se informar a

respeito dos recursos de acessibilidade disponíveis e não se esqueça de incluí-los

na sua campanha.

Descubra o que é áudio-descrição, legendagem, interpretação de Libras, existe

muita informação a respeito disso na Internet. Convide pessoas com deficiência para

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participarem dos focus groups sobre a campanha. Entenda a terminologia e a

linguagem usadas com essas pessoas.

Isso tudo não garante que todas as pessoas com deficiência votarão no seu

candidato mas, pelo menos, evitará que votos sejam perdidos pelo fato de todos

esses eleitores em potencial sequer haverem tido conhecimento da sua proposta,

pois ela lhes estava inacessível.

Fábio Adiron é consultor e professor de marketing direto, pai de pessoa com

deficiência e militante dos movimentos em defesa dos direitos das pessoas com

deficiência.

ARTES VISUAIS PARA DEFICIENTES VISUAIS:

O PAPEL DO PROFESSOR NO ENSINO DE DESENHO PARA CEGOS

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Diele Fernanda Pedrozo de Morais37

[email protected]

RESUMO

Este artigo apresenta parte do referencial teórico e prático da pesquisa desenvolvida junto aos alunos

da Escola de Educação Especial Professor Osny Macedo Saldanha, na qual atuo como docente

desde 2006. Neste percurso, tive como principal objetivo encontrar alternativas do ensino do

desenho, com o intuito de realizar uma pesquisa na qual as pessoas implicadas tivessem “algo a

dizer e fazer”. No decorrer deste texto busca-se discutir além das questões específicas do ensino do

desenho, a valorização da criança não-visual, apontando que o modo pelo qual esta se apropria dos

conhecimentos não está destituído de significados – culturais, sociais ou afetivos – pelo fato desta

“não enxergar”. É inegável a importância da visão para o desenvolvimento da criança, sendo assim,

justifica-se o impacto que sua ausência pode causar no desenvolvimento do indivíduo, no entanto, se

indaga sob quais parâmetros essas concepções estão sendo calcadas. As reflexões neste ponto se

pautaram na experiência como docente, no contato com a realidade da criança não-visual, e

principalmente, na busca incansável de conscientizar as pessoas ditas “normais” de que a cr iança

pode, e deve, se desenvolver como um ser integral, não considerando somente suas limitações, mas

sim, suas potencialidades.

Palavras-chave: Deficiente Visual; Ensino do Desenho; Inclusão; Pesquisa-ação.

ABSTRACT

This article shows part of theoretical and practical referencial of developed research together with the

students from Escola de Educação Especial Professor Osny Macedo Saldanha, which I am teacher

since 2006. On this course, I had as main target to find out alternatives from drawing’s educat ion, with

the intention to realize a research which the involved people had “something to say or to do”. During

this text seeks to discuss besides of specific questions from drawing’s education, the recognition of

blind child appointing that the mode which one appropriates of skills is not related of cultural, social

and affective meaning because of this one does not see. It is undeniable the importance of sight for

the children’s development, thus, it justifies the impact that their absence can cause on the

development of individual, however if inquires under what parameters these conceptions are being

based. The reflections on this issue were discussed on the experience like teacher, in contact with the

reality of blind child, and mainly, on the tireless pursuit to let the “normal” people aware that the

children can and must develop as a integral human, not considering only their limitations, but your

potentials.

Keywords: Blind; Drawing’s Education; Inclusion; Action research.

1. UM POUCO DE HISTÓRIA

Antes de entrar nas questões específicas que se pretendem tratar neste artigo, cabe apontar alguns pressupostos que deram início a pesquisa iniciada em 2006, para que assim, seja possível compreender onde surgiu o interesse em ensinar Artes Visuais para deficientes visuais.

Na última década incluir alunos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino tem sido sem dúvida, uma das questões mais discutidas no país, principalmente por estar amparada e fomentada pela legislação vigente.

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Mestranda regularmente matriculada na turma 2009/II, do PPGAV – CEART/UDESC, na linha de Pesquisa Ensino das Artes.

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Segundo Mazzota (1996) a preocupação com educação de pessoas com necessidades especiais no Brasil é recente. Bisaccione e Mendes (2008 p.70) apontam alguns marcos importantes na difusão da filosofia de Educação Inclusiva: a Conferência Mundial sobre Educação para Todos na cidade de Jomtien, na Tailândia, em 1990, a partir da qual se estabeleceu os primeiros ensaios da política de educação inclusiva; e a Conferência Mundial sobre necessidades especiais, que ocorreu na Espanha em 1994, resultando na elaboração da Declaração de Salamanca, onde a concepção de educação inclusiva substituiu definitivamente o conceito de educação especial.

No Brasil, o caráter de Educação Inclusiva foi implementado pela Lei de Diretrizes e

Bases n° 9.394/9638, na qual se afirma que: “[...] todas as crianças devem ser acolhidas pela

escola, independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais.”

Bueno (2001) esclarece que o termo necessidades educativas especiais não se

restringe apenas a pessoas com deficiência, mas também a toda parcela da população que

vem sendo historicamente excluída da escola e da sociedade.

Mas afinal, o que seria incluir uma criança com necessidades especiais no sistema

regular de ensino? Entende-se aqui a inclusão como algo que vai além das barreiras

arquitetônicas e acessibilidade, incluir é transpor barreiras atitudinais, o que implica em uma

mudança de pensamento frente ao diferente.

Para Sassaki (1997) o processo de inclusão exige uma mudança na sociedade:

“Incluir é trocar, entender, respeitar, valorizar, lutar contra exclusão, transpor barreiras que a sociedade criou para as pessoas. É oferecer o desenvolvimento da autonomia, por meio da colaboração de pensamentos e formulação de juízo de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da via.” (SASSAKI, 1997, p.41)

Partindo desse pressuposto de inclusão, as escolas deveriam ser espaços

democráticos, atendendo todos os alunos, independentemente de suas diferenças. Porém

sabemos que, para que esta realidade seja possível, seria necessário uma nova postura da

escola, que precisaria refletir o projeto pedagógico, o currículo, a metodologia de ensino, as

formas de avaliação e atitude dos educadores.

A inclusão efetiva dos alunos com necessidades especiais no ensino regular

depende de ações que favoreçam a integração social, no qual escola e a comunidade

escolar devem ser adaptar para oferecer serviços educativos de qualidade para todos.

No entanto, dentro da nossa realidade de ensino, é preciso destacar o despreparo

dos professores do ensino regular para receber em suas salas de aula alunos com

necessidades especiais. Bisaccione e Mendes (2008, p.71) apontam que “parece

necessário produzir conhecimento sobre como deve ser formado o professor especializado e

como deve ser capacitado o professor do ensino regular para fazer frente à inclusão”. As

autoras salientam ainda, que é preciso conhecer um pouco mais da realidade das nossas

escolas e os desafios que representam para o professor do ensino regular ter um aluno com

necessidades especiais em sua turma.

38

E mais recentemente, com as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica (Resolução

CNE/CEB Nº 2), e Plano Nacional de Educação - Educação Especial são exemplos de documentos que

defendem e asseguram o direito de todos ao ensino regular.

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Dados como estes deram origem à problemática desta pesquisa, tendo em vista

que, o curso de licenciatura em Educação Artística da Universidade Federal do Paraná - no

qual me graduei no ano de 2007 - não contemplava em sua grade curricular disciplinas

referentes ao atendimento de alunos com necessidades especiais. Entretanto, estando

licenciada em Artes Visuais, de acordo com a LDB 9.394/96, em minha atuação poderia

receber em sala alunos com necessidades especiais, incluindo neste caso deficientes

visuais39.

Seria possível ensinar artes visuais para uma criança não-visual40? Como

transformar cores, formas e linhas em representações acessíveis à uma pessoa cega?

Partindo destes questionamentos, as reflexões construídas a seguir se pautaram na

experiência como docente, no contato com a realidade da criança não-visual, e

principalmente, na busca incansável de conscientizar as pessoas ditas “normais”, que a

criança cega pode, e deve, se desenvolver como um ser integral, não considerando somente

suas limitações, mas sim, suas potencialidades.

2. O PAPEL DO PROFESSOR NO ENSINO DE CRIANÇAS CEGAS

O primeiro contato com a realidade em questão aconteceu no ano de 2005, quando

ainda acadêmica do curso de Educação Artística, propus uma exposição de desenhos

sensoriais para os alunos da Escola de Educação Especial Professor Osny Macedo

Saldanha41, mantida pelo Instituto Paranaense de Cegos. A vivência tinha como objetivo

realizar um percurso didático onde eram apresentados os conceitos de ponto, linha e forma,

em desenhos táteis e estruturas concretas. Como primeiro resultado, foi possível notar o

entendimento dos alunos cegos dos conceitos apresentados, bem como a possibilidade de

ensinar desenho utilizando linhas táteis.

A experiência foi estimulante e encantadora, e no ano seguinte, decidida a

pesquisar sobre o tema no trabalho de conclusão do curso de graduação, surgiu a

oportunidade de atuar como docente na escola supracitada. A partir desta nova situação que

se apresentou, a concepção da pesquisa teve de ser modificada, e, portanto, a metodologia

redesenhada: não estaria apenas interferindo na realidade observada, neste caso estaria

também, fazendo parte desta realidade.

Atuando como professora-pesquisadora, tive a oportunidade de desempenhar um

papel ativo na própria realidade dos fatos observados. Esta figura do professor-pesquisador

foi defendida por Lawrence Stenhouse que julgava necessário que “o docente tivesse pleno

domínio da prática pedagógica”, e acreditava na investigação como único caminho para isso

(ELLIOTT, 1998 p. 137). Portanto, neste estudo, a investigação em sala de aula é voltada

para a prática, aliada ao saber teórico, e a reflexão contínua deste processo.

Estes pressupostos caracterizam metodologicamente este estudo como uma

pesquisa-ação, que na definição de Michel Thiollent designa:

“[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e

realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um

problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes

39

Entende-se como deficiente visual pessoas cegas (percepção de luz, a falta total da visão), ou com baixa visão (mesmo com auxílio óptico não possuim visão suficiente). 40

O termo não-visual é utilizado no decorrer do texto como sinônimo de criança cega. 41

A Escola de Educação Especial Professor Osny Macedo Saldanha, mantida pelo Instituto Paranaense de Cegos – IPC, é a única escola do Estado que ainda oferece Ensino Fundamental para crianças deficientes visuais (cegos ou com baixa visão) com idades entre 6 e 14 anos. No período da tarde funciona como Centro de Apoio Especializado, prestando atendimento aos alunos deficientes visuias que estudam no ensino regular.

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representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo

cooperativo e participativo”. (THIOLLENT , 2003, p.14)

Ferreira (2006, p.231) aponta que estudos na área da educação inclusiva que

adotaram a pesquisa-ação como metodologia mostram que quanto mais o professor

conhece seus alunos (interesses, habilidades, necessidades, história de vida) e incorpora

esse conhecimentos no planejamento das estratégias de ensino a serem adotadas “maiores

serão as chances de promover a participação de cada aluno(a) na atividade de sala de aula,

a inclusão e o sucesso escolar de todos”.

Mesmo com conhecimento mínimo, e até então teórico, a respeito da deficiência

visual, e nenhuma experiência na área da educação especial, decidi transformar a sala de

aula em um “laboratório de pesquisa”, no qual os sujeitos tinham “algo a dizer e a fazer”.

Estava disposta a esclarecer minhas dúvidas e curiosidades a respeito das pessoas cegas,

ouvindo seus relatos e observando sua realidade.

Nesse sentido, podemos apontar a obra de Pierre Bourdieu como fundamental no

entendimento das relações entre a pesquisa e o pesquisador, principalmente pelo fato do

autor considerar que a pesquisa sociológica só tem sentido quando alia pensamento e ação.

Valle (2008, p. 95-96) afirma que Bourdieu “desejava pensar a teoria e a prática de forma

articulada”, e acredita que seu legado nos leva à compreensão de nossas próprias práticas e

de nossas opções teórico-metodológicas, inspirando as pesquisas sobre a educação

brasileira”.

Ao aliar o saber teórico e o saber prático no decorrer das investigações que

permearam, e ainda permeiam esta pesquisa, foi possível compreender os resultados e as

respostas dos alunos frente às dificuldades apresentadas, bem como apontar novos

questionamentos levando-se em conta estes resultados e respostas. Cada atividade

alimentava as posteriores, revelando uma “conversa” de uma ação com a ação seguinte,

entremeadas de justificativas e explicitações dos objetivos, não se resumindo a uma

seqüência linear de tópicos soltos.

Valle (2008, p.102) afirma que a pesquisa sociológica não é linear, “durante o

desenvolvimento dos trabalhos de investigação, a problemática pode mudar de direção, as

hipóteses podem ser redefinidas, as opções metodológicas podem ser diversificadas”. Estas

elaborações envolvem um “pensar” com antecedência, um “projetar” sobre o que pode ser o

processo de ensino-aprendizagem dos alunos, bem como, um “rever” o acontecido e as

reações dos mesmos.

Dentro desta perspectiva, do decorrer deste estudo, busca-se compreender o

desenvolvimento de cada aluno e conhecê-los em vários aspectos – sociais, cognitivos,

afetivos e emocionais – o que implica uma constante investigação por meio de observações,

diálogos com as crianças, com suas famílias e com os outros docentes da escola.

Em outras palavras, segundo Peruzzo (2005, p. 131) “procura-se dizer que há mais

coisas a compreender e não apenas aquilo que pode ser verificado estatisticamente”. A

questão, no nosso modo de ver, é que não se podem desconsiderar as particularidades do

sujeito pesquisado, nem aceitar a idéia de que somente a informação “quantificável” possa

ter valor científico dentro do campo das Ciências Humanas.

Acredita-se, portanto, que numa pesquisa ancorada na dialética seja possível

entender a complexidade e a profundidade do sujeito pesquisado, por meio da possibilidade

de diálogo e do encontro com o outro no contexto da pesquisa. Segundo Amorim (2004,

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p.15) a idéia do dialogismo foi construída por Bakhtin, e nesta perspectiva, o autor discute a

questão da alteridade, e a relação do pesquisador com o „outro‟.

Podemos entender a alteridade no contexto deste estudo, pelo pressuposto de que

todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos, ou seja, nossa existência

só é permitida mediante um contato com o outro, dessa forma, eu apenas existo a partir do

outro, da visão do outro, o que me permite também compreender o mundo a partir de um

olhar diferenciado, partindo tanto do diferente, quanto de mim mesmo. (AMORIN, 2004)

Os fundamentos teóricos a respeito do sujeito cego e seu desenvolvimento levaram

a questionar a postura de pesquisadores e profissionais da educação, pois em grande parte,

apontam que o referencial teórico e as práticas que nele se fundam, têm sido elaboradas

com o amparo de um referencial próprio ao vidente42. Sendo assim observa-se que os

conceitos e idéias referentes “aquele que não enxerga”, são construídos pelos pré-conceitos

e idéias “daquele que enxerga”. O diferente é desprezado, não se ouve a voz do „outro‟,

desconsiderando a questão da alteridade. Tais concepções levam a uma tendência a impor

pessoa cega as estruturas do mundo "visível", anulando até mesmo a proposta educacional

voltado para a criança cega, que passa a ser entendida primeiramente pela sua deficiência,

e não por suas possibilidades e potencialidades.

Entende-se, portanto, que a inclusão da criança cega – seja no parque em que ela

costuma freqüentar, na escola, ou em um âmbito maior, na sociedade – diz respeito às

possibilidades e oportunidades que essa criança tem para se desenvolver como ser

humano. E essa condição, mais do que se pensa, está extremamente ligada a concepções,

expectativas e representações que se tem a respeito de quem “não enxerga”. Para que

possam ser superadas estas expectativas limitadoras ou até mesmo “sobrenaturais” sobre a

criança não-visual, é necessário que haja disposição para conhecer o “outro”.

3. CONHECENDO O „OUTRO‟: O SUJEITO NÃO-VISUAL

Considerando o papel preponderante da visão nas nossas relações com o meio, torna-se praticamente impossível imaginar a vida sem imagens visuais, o que nos leva a conotações, que muitas vezes ultrapassam o real significado de sua ausência. Quando pensamos em um mundo sem a possibilidade de ver, nos remetemos imediatamente a “escuridão”, porém, sabe-se que não basta fechar os olhos para reproduzirmos o mundo da pessoa cega.

Amiralian (1997, p.22-23) comenta em seu livro “Compreendendo o Cego” que “a

situação de ficarmos momentaneamente privados da visão é perturbadora”, pois nos

sentimos perdidos, sem ponto de referência, e acreditamos ser este o estado constante dos

sujeitos cegos. A imagem que temos da pessoa cega foi adquirida durante toda a nossa

vida, e se fundamenta em concepções populares que por um lado concebem os cegos como

seres inferiores e dignos de piedade; ou seres superiores, dotados de poderes

sobrenaturais.

Estas concepções são históricas, e segundo Vygotski (1997, p.100) tem início na

antiguidade, mais precisamente na Idade Média. O autor aponta que em vestígios desta

época são visíveis as opiniões populares sobre o cego, onde se via a cegueira, antes de

tudo como uma enorme desgraça, e o cego como um ser indefeso, inválido e abandonado.

Por outro lado, acreditavam que os cegos desenvolviam forças místicas superiores, e que

possuíam uma “visão espiritual”. Esta visão sobrenatural do cego, segundo o autor, teve

42

O termo se refere a pessoa que faz uso da vista, em oposição aos cegos.

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continuidade com o advento do cristianismo, acreditava-se que por seu sofrimento, os cegos

eram seres mais próximos de Deus.

Vygotski (2007, p.101) afirma que, somente no século XVIII, surgiu uma nova

concepção sobre a cegueira: “no lugar do prejuízo, a experiência e o estudo”. No plano

teórico, esta nova concepção teve grande importância na educação dos cegos,

incorporando-os na vida social, tendo em vista que nesta época, surgiu a possibilidade de

educação para os deficientes visuais.

Quais são as idéias e concepções a cerca da cegueira hoje? Ora, parece-me

muitas vezes que cultivamos todos os conceitos existentes na antiguidade, tendo em vista

que ainda temos a visão do “cego coitado” ou do “super cego”. A visão errônea acerca da

cegueira se perdura desde a antiguidade, e é alimentada de certa forma pela literatura,

pelas concepções populares e pela maneira distorcida de criar concepções sem antes ouvir

o „outro‟. Estas colocações são postas principalmente pela vivência com pessoas cegas, por

ouvir suas experiências e observar a atitude das pessoas videntes frente a esta condição.

Acredita-se que a real compreensão dos sujeitos cegos, só poderá ser atingida pela

apreensão de todos os fatores estruturantes de sua personalidade. Segundo Vygotski (1997,

p.104) para compreender todas as particularidades do sujeito cego, temos de tomar como

base as “exigências do pensamento dialético”, ou seja, para entender qualquer fenômeno

em sua totalidade, é preciso considerá-lo em conexão com sua história e seu contexto.

Embora pensemos que a criança deficiente visual pode desenvolver as atividades

da mesma forma que uma criança vidente, é necessário lembrar que, as mesmas têm suas

limitações, e seu desenvolvimento ocorre de maneira diferente. A deficiência em si não afeta

o que a criança é capaz de aprender cognitivamente, mas sim como irá aprender. A chave

para o desenvolvimento da criança deficiente visual será a compreensão do mundo através

de instrumentos alternativos, ou seja, se ela atinge o mesmo nível de desenvolvimento de

uma criança dita normal, é porque o alcança de outro modo, caminho ou meio. (VYGOTSKI,

1997)

Para aqueles que procuram um trabalho educacional com deficientes visuais, é

necessário compreender o que implica, no desenvolvimento destes alunos, possuir algum

impedimento visual. Para tanto, é preciso considerar, entre outros fatores: se possui baixa

visão, qual é seu grau de acuidade visual; se sua cegueira é congênita ou adquirida; e no

caso da cegueira adquirida, em que idade aconteceu.

“Os sujeitos com deficiências visuais são heterogêneos, se levarmos em

conta duas características importantes: por um lado, o resíduo visual que

possuem, e por outro, o momento de aquisição de sua deficiência, pois um

sujeito cego de nascimento não é igual àquele que adquire essa condição

ao longo da vida. Em função desse momento, seus condicionantes pessoais

e suas aprendizagens serão totalmente diferentes”. (GONZÁLEZ, 2007,

p.102)

As diferenças nas tarefas de raciocínio entre cegos congênitos e adquiridos se

devem a ocorrência de diferentes modos de representação, que, por sua vez, resultam em

diferentes habilidades de processamento cognitivo. Uma das principais dificuldades que

estas crianças cegas congênitas enfrentam no que se refere ao desenvolvimento cognitivo,

diz respeito à “lacuna na apreensão dos estímulos devido à ausência da percepção visual”

(CUNHA; ENUMO, 2003, p.39).

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A percepção visual é o principal canal de veiculação e acesso às informações que

serão, posteriormente, utilizadas para construção das representações da criança sobre o

mundo. A criança cega, em função de não poder alcançar as semelhanças e diferenças dos

objetos do ambiente através de imagens visuais, deverá compreender o mundo que a cerca

pela indicação verbal das suas características, ou pela percepção tátil, como por exemplo:

[...] a formação do conceito de cão dependerá da apreensão de diferentes

estímulos, sensações táteis, auditivas, olfativas e visuais, que geram

informações que, através da visão, serão integradas, estabelecendo, assim,

o conceito propriamente dito. [...] a criança dita normal toca a cabeça, o

corpo, as pernas do cão, ouve seus latidos e, ao mesmo tempo, vê a

imagem do cão todo (CUNHA; ENUMO, 2003, p.39).

Pensando na conceituação, reconhecemos um objeto por suas características mais

marcantes e relevantes, como, por exemplo: ao identificar o animal “cão”, construímos seu

conceito através de sua forma, textura e através dos sons que este emite, para então fazer a

ligação do significado à palavra. Estes dados ficam arquivados em nossa memória, assim,

sempre que nos for solicitado a imagem referente à palavra “cão”, iremos buscar em nossos

registros mentais todas as informações apreendidas referentes a este conceito.

Informações como estas, exemplificam o motivo pelo qual nós humanos

compartilhamos a experiência de sermos capazes de evocar uma imagem mental de um

evento que ocorreu muitos anos atrás e, simultaneamente, experimentar os sentimentos

ligados à situação, como se ela estivesse ocorrendo agora. Esta capacidade se refere à

memória sensorial, construída a partir dos estímulos do meio e já significada e interpretada

pelo sujeito. (MORAIS, 2006, p.10)

Sendo assim, podemos dizer que a memória humana é capaz de realizar uma

grande variedade de operações, entre estas, a identificação e classificação de sons, sinais,

cheiros, gostos e sensações. Portanto, entende-se que a formação da imagem mental, não

depende somente do sentido da visão, mas também, de todas as outras experiências

sensoriais provenientes dos estímulos que recebemos. No caso da ausência de um dos

sentidos, a imagem mental é criada por meio dos outros sentidos de percepção.

Dentro da escassez de referencial a respeito do assunto no campo pedagógico, foi

fundamental a aproximação aos conhecimentos da Neurociência, com os quais foi possível

compreender como ocorre o processo da formação da imagem mental, e compreender que

a formação da imagem não ocorre apenas pelo canal visual, e que, portanto, a criança cega

é capaz de formar imagens mentais dos objetos por meio de informações provenientes de

outras modalidades sensoriais.

Pesquisas no âmbito da neurologia têm desvendado novos caminhos para a

compreensão das funções da imagem e da visualidade, nos ajudando a compreender a

construção do conhecimento da criança cega. O neurologista e neurocientista Antônio

Damásio (2000, p.402) denomina imagem “a estrutura mental construída a partir de sinais

provenientes de cada uma das modalidades sensoriais – visuais, auditivas, olfativas,

gustatória e somatossensoriais”. Portando, podemos considerar que se a pessoa vidente

identifica o mundo que a cerca utilizando todos os seus sentidos, é possível, no caso da

ausência do sentido visual, que esse conhecimento seja construído utilizando outros

sentidos desenvolvidos de acordo com suas experiências e oportunidades. Cohen salienta

esta concepção, ao afirmar que “o ser humano não vê apenas com os olhos, ele vê através

de toda uma experiência acumulada” (2001, p.176).

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Começar a compreender, mesmo que pouco, o funcionamento cerebral e sua

imensa complexidade, permite que alguns questionamentos sejam formulados: como ocorre

o processo de formação da imagem mental da criança cega? Seria possível que

informações provenientes de todos os sentidos possam ser transformadas em

representações gráficas? Como fazer com que as imagens mentais das crianças cegas

sejam representadas em seus desenhos?

4. DESENHAR SEM VER: O ENSINO DO DESENHO PARA CRIANÇAS CEGAS

O referencial teórico que trata do ensino do desenho para crianças não-visuais é

escasso, e pesquisas nesta área ainda apontam controvérsias. Muitos consideram que

ensinar desenho para uma criança cega, é impor uma aprendizagem imposta pelos

videntes, que se dá a partir de “padrões visuais”, sendo assim, a representação gráfica do

cego uma reprodução visual imposta por quem enxerga e, portanto, falsa. (AMIRALIAN,

1997, p.85)

Oliveira (2008, p.247) relata alguns casos de artistas deficientes visuais, e na análise

de entrevistas e depoimentos também indica a participação relevante de familiares e

profissionais em sua formação e em seu trabalho cotidiano. Reily (apud Oliveira, 2008, p.247

) aponta certa tendência a não se colocar em relevo a participação de outras pessoas na

formação dos artistas com deficiência, segundo ela, “a mediação de outros sujeitos fica

ofuscada, muitas vezes por uma visão de desempenho do artista como algo inato, um dom”.

Entretanto, quando falamos em crianças cegas, e principalmente cegas de

nascimento, temos de levar em conta que o conhecimento do mundo se dará pela mediação

desse conhecimento. Neste processo de construção, a informações concedidas pelas

pessoas que convivem com a criança cega, terão papel importante na formação de

conceitos sobre os objetos.

“Quando apresentamos um objeto para que aquele que não vê desenhe,

além de permitir o toque no objeto, quando isso é possível, usamos também

a fala para descrevê-lo. A descrição verbal é um recurso essencial para

auxiliar, passo a passo, ou toque a toque, o reconhecimento do objeto pelo

cego.” (DUARTE, s/ data, p.14)

Outro ponto que deve ser destacado é que muitas vezes o recurso verbal se

sobrepõe as experiências da criança cega. É importante que a criança cega utilize todos os

recursos possíveis para formar a sua própria conceituação dos objetos, seja por meio de sua

vivência, ou pela mediação dos conhecimentos por outras pessoas.

Embora estudos sobre o ensino do desenho para cegos sejam escassos, esta

preocupação não é recente. Amiralian (1997, p.87-89) aponta os estudos de Victor

Lowenfeld (1939), que utilizou desenhos de cegos para analisar o desenvolvimento da

criatividade, de conceitos de forma e espaço, e de representações mentais. Este estudo

trouxe importantes contribuições para a compreensão da arte da criança e da influência do

sentido da visual sobre o desenho. Outro pesquisador apontando pela autora foi Millar

(1975), que analisando o desenho da figura humana de crianças cegas, videntes e videntes

vendadas, concluiu que, embora a experiência visual seja uma condição facilitadora, não é

necessária para a realização de desenhos.

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Entre os autores e pesquisadores que abordam o assunto desenho e cegos, os

textos da pesquisadora Maria Lúcia Batezat Duarte43 foram as referências mais

significativas. Apesar dos sujeitos envolvidos na presente investigação estarem inseridos em

um contexto diferente – uma Escola de Educação Especial – o referencial teórico traçado

pela pesquisadora teve grande importância no entendimento do processo de formação da

imagem mental e aquisição da linguagem gráfica de crianças cegas. Partindo das

constatações e discussões da pesquisadora, foi possível delinear alguns pressupostos que

guiaram a organização metodológica do presente estudo.

Duarte acompanha desde 2002 a aquisição da linguagem gráfica de Manuella44. Em

seus primeiros relatos, a pesquisadora conta que tinha como objetivo ensinar para menina

representações de esquemas gráficos45 mais freqüentes encontrados nos desenhos das

crianças em idade escolar, tendo em vista, que Manuella não se sentia inserida no seu

grupo por não saber desenhar. O resultado esperados seriam a inclusão efetiva da aluna no

ambiente escolar, tornando-a capaz de representar o mundo como seus colegas. Para a

Duarte, “ensinar uma criança cega a desenhar tem como meta imediata integrá-la a uma

brincadeira infantil extremamente usual desde os primórdios da história da humanidade”.

(2004-a, p. 138)

Duarte (2004-a) deu início às atividades com a proposta de mostrar o que era

desenhar, por meio dos seguintes passos metodológicos:

“O primeiro momento do processo requer o reconhecimento do objeto em

experiência tátil. [...] O segundo momento requer uma ação dirigida na qual

a criança percorre com o dedo indicador (o dedo mais sensível, aquele que

lê em Braille) as bordas da superfície e contorno dos objetos. [...] No terceiro

momento, a figura é apresentada à criança recortada sobre um material

plástico (E.V.A). [...] No quinto momento a criança faz a primeira tentativa de

desenhar o objeto traduzido em forma geométrica. [...] no sexto momento a

criança relê e identifica tatilmente a figura de seu próprio desenho. No

sétimo e último momento dentre as principais seqüências de aprendizagem,

a criança é estimulada a realizar representações de novos objetos com a

mesma figura geométrica (DUARTE, 2004-a, p. 139-140).

A autora explica que pelos mesmos procedimentos, outras formas já foram

apresentadas à menina, obtendo resultados satisfatórios, pois, no decorrer do aprendizado,

Manuella começava a desenhar suas próprias representações dos objetos (DUARTE,

2004a, p.140).

Entre os trabalhos da autora, foi encontrado no texto “O desenho como elemento de

cognição e comunicação ensinando crianças cegas” (2004b), que inspirou muito da

concepção de ensino desenvolvida aqui. No referido texto, a pesquisadora afirma que, é

possível construir uma noção totalizadora dos objetos, utilizando materiais e métodos

adequados, permitindo às crianças cegas, de modo tátil, compreender as bordas dos objetos

e suas “linhas de contorno”, utilizando uma “seqüência-temporal” e não “visual-espacial”

como a dos videntes:

Em artigo no qual conta sua experiência com desenhos de crianças e adultos cegos,

John M. Kennedy (apud DUARTE, 2004, p. 138) afirma que, “[...] os cegos, como os

videntes, compreendem a noção de linha de contorno, a linha imaginária que a borda dos

objetos permite intuir”. O autor define a linha de contorno como uma linha inexistente, mas,

43

Maria Lúcia Batezat Duarte atualmente é orientadora da pesquisa em questão. 44

Manuella é cega congênita, na época a menina tinha 8 anos, estuda em uma escola de ensino regular. 45

A expressão “esquema gráfico” de Duarte também pode ser entendida como os estereótipos.

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aos olhos de quem vê ou ao tato de quem toca, determina as bordas de superfície do objeto,

ou seja, o limite que o separa dos outros.

Entender que a criança cega pode compreender a linha de contorno dos objetos foi

um ponto importante da metodologia de Duarte, que norteou o desenvolvimento de um

método de ensino do desenho para crianças não-visuais. Tendo como base os pressupostos

já apresentados pela pesquisadora, foi possível, elaborar um método de ensino de desenho

para cegos, que envolve a exploração sistemática do tato, a explicação verbal e desenhos

táteis reproduzidos com materiais que possibilitem o relevo46. (MORAIS, 2006)47.

Durante as primeiras aulas com os alunos da Escola de Educação Professor Osny

Macedo Saldanha, no ano de 2006, foi possível responder alguns questionamentos a cerca

dos sujeitos da pesquisa. No que diz respeito ao ensino do desenho em específico, foi

constatado que as crianças não realizam representações gráficas48 de objetos; os alunos

apenas faziam movimentos contínuos do giz de cera sobre o papel, e o traçado não permitia

que sentissem as linhas tatilmente. Conheciam pouco, ou quase nada, dos elementos

básicos do desenho, e pareciam não saber a finalidade do que estavam fazendo. Quando

eram solicitados a verbalizar o que desenhavam, o traçado ganhava o ritmo das suas falas,

que pouco se relaciona com o objeto. Neste momento, percebeu-se que ensinar desenho

para uma criança cega seria mais do que adaptar uma metodologia de ensino, mas

compreender como ela se apropria das imagens visuais e as transforma em imagens

mentais.

Resultados significativos podem ser apontados durante os 3 anos de vivência com os

alunos da escola em questão. Hoje, as crianças cegas envolvidas nesta pesquisa fazem

suas próprias representações gráficas dos objetos, reconhecem formas em relevo,

conseguem compreender imagens táteis, e representam, até mesmo, imagens de objetos

que não podem ser tocados, como uma paisagem. Algumas destas crianças nunca andaram

sobre uma montanha, não conhece visualmente a imensidão do mar, não sabem o que é o

azul do céu, não pode tocar a linha do horizonte, mas com algumas linhas táteis no papel,

entendem, explicam, representam e criam conceitos de objetos que parecem tão

inacessíveis a alguém que “não pode ver”.

5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

“Para mudar o mundo, é preciso mudar as maneiras de fazer o mundo, isto

é, a visão de mundo e as operações práticas pelas quais os grupos são

produzidos e reproduzidos.” (Bourdieu apud Valle, 2008, p.98)

O presente artigo teve como objetivo refletir sobre as possibilidades de ensino do

desenho para crianças cegas, entretanto, mais do que isso, se buscou no decorrer do texto

discutir a valorização da criança não-visual, e o modo pelo qual esta se apropria dos

conhecimentos, demonstrando que, sua constituição como sujeito não está destituída de

significados – culturais, sociais ou afetivos – pelo fato de “não enxergar”. Apropriar-se destas

46

Como ferramenta são utilizados giz de cera, folha de sulfite 90gr sobreposta a folhas de E.V.A, e alfinetes. 47

Trabalho de Graduação, do curso de Licenciatura em Educação Artística, 2006.

48 O termo representação gráfica é utilizado no decorrer do texto como sinônimo de desenho.

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experiências, para a criança cega, mesmo em circunstâncias desfavoráveis, mostra que ela

não é “deficiente49”, inferior, incapaz, impotente.

Como observado na literatura a respeito do assunto, além de muitos autores

compararem o desenvolvimento da criança cega com a vidente, as diferenças por eles

encontradas geralmente revelam na criança não-visual a desvantagem e a incapacidade.

Assim, percebemos que, na maioria dos casos, apresentam um enfoque reducionista do

desenvolvimento infantil, pois ignoram o contexto e desconsideram que o indivíduo se

desenvolve na interação com meio cultural, social e afetivo em que está inserido.

É inegável a importância da visão para o desenvolvimento, principalmente para

quem a possui, sendo assim, justifica-se o impacto que sua ausência pode causar no

desenvolvimento do indivíduo, no entanto, se indaga sob quais parâmetros essas

concepções estão sendo calcadas. Desta maneira, indaga-se também, sob qual perspectiva

a educação especial deveria traçar suas metas de intervenção, que postura e que atitudes

deveriam assumir os profissionais da área, para que o ensino seja compreendido dentro de

uma perspectiva mais ampla.

Uma atitude realista sobre o desenvolvimento da criança não-visual seria buscar

conhecer o indivíduo tal como ele é, para então, intervir de maneira adequada. Estudos

sobre o desenvolvimento da identidade de crianças videntes e não-videntes, comentam a

dificuldade que a criança poderia apresentar ao desenvolver certas habilidades. No entanto,

nas observações da realidade das crianças cegas da instituição pesquisada, constatou-se a

possibilidade que as mesmas têm de realizá-las. Ou seja, a dificuldade existe, mas ela não é

impeditiva do desenvolvimento e conhecimento da criança não-visual, pois, tal dificuldade

está impregnada de expectativas sociais referentes ao processo de aprendizagem dessa

criança.

É importante ressaltar que, pelo fato da criança não-visual compreender o mundo

utilizando outros sentidos, a percepção através destes pode ser mais ou menos acurada,

levando-se em conta as circunstâncias e oportunidades que teve para aguçá-los. Neste

processo, a família, a escola, e todos os profissionais envolvidos, tem papel importante no

desenvolvimento desta criança; oferencendo condições para seu crescimento como

indivíduo, ou seja, torná-lo capaz de se desenvolver dentro da sua realidade, de suas

potencialidades e de seus limites.

No âmbito social e educacional, este estudo busca redimensionar o papel da escola

no que se refere à inclusão, já que esta, na maioria das vezes, identifica as crianças com

necessidades educacionais especiais – neste caso em específico as crianças não-visuais –

primeiramente pela sua “deficiência”, e não por suas potencialidades. Para reverter este

quadro, seria necessário que as questões sociais pertinentes às necessidades e às

capacidades individuais destes alunos, fossem superadas no contexto do sistema

educacional. O elemento biológico não deveria ser o único determinante para as

necessidades humanas. Embora a criança possa ser privada de um elemento biológico,

físico ou sensorial, suas necessidades e habilidades, como já citado anteriormente, são

produzidas de acordo com suas possibilidades e oportunidades.

As reflexões neste ponto se pautaram na experiência como docente, no contato

com a realidade da criança não-visual, e principalmente, na busca incansável de

conscientizar as pessoas ditas “normais” de que a criança cega pode, e deve, se

desenvolver como um ser integral, não considerando somente suas limitações, mas sim,

49 O termo “deficiente” se aplica neste momento em oposição ao conceito de “eficiente”.

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suas potencialidades. Seria pretensioso dizer que esta postura é capaz de mudar o conceito

estabelecido em nossa sociedade, porém, a divulgação desta pesquisa e a discussão que

aqui proponho, se colocam como uma forma de democratizar o conhecimento sobre o

assunto, que até o presente momento se encontra ainda bastante desconhecido e limitado a

um grupo pequeno de pesquisadores.

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INCLUSÃO E CULTURA SURDA: OBSERVANDO QUESTÕES ACERCA DA

SURDEZ

Liane Carvalho Oleques

PPGAV/UDESC/2010

[email protected]

Resumo Este artigo é um recorte da pesquisa de mestrado “Desenho infantil: entre a palavra e a imagem” que faz uma análise da produção gráfica de uma criança surda em paralelo a uma criança ouvinte. Assim, foi necessário conhecer e expor as questões que envolvem a surdez em toda sua complexidade, dando base a pesquisa. Num primeiro momento ressaltam-se alguns aspectos do processo de ensino e aprendizagem da educação especial introduzindo as questões concernentes a surdez e suas especificidades. Autores como Gonzalez (2007), Lucia Reily (2007), Vigotski (1997), Oliver Sacks (1998), Ronice de Quadros (1997) e Márcia Goldfeld dão base ao trabalho no tocante ao ensino especial bem como a cultura surda. Palavras-chaves: educação especial, deficiência, surdez e cultura surda Abstract This article is part of a research Masters' Playground Design: between word and image "which analyzes the graphic production of a deaf child in parallel with a hearing child. It was therefore necessary to understand and explain the issues surrounding deafness in all its complexity, giving basic research. At first it is worth highlighting some aspects of the teaching and learning of special education by introducing the issues concerning deafness and its specificities. Authors such as Gonzalez (2007), Lucia Reily (2007), Vygotsky (1997), Oliver Sacks (1998), Ronice Frame (1997) and Marcia Goldfeld are the basis of work with regard to special education and deaf culture. Keywords: special education, disability, deafness and deaf culture

Considerando os aspectos que envolvem a surdez no âmbito das

necessidades especiais e culturais, este trabalho apresenta algumas questões e

reflexões acerca do sujeito surdo. Num primeiro momento, será realizada uma

pequena introdução ao contexto das necessidades especiais na contemporaneidade,

permeando por alguns autores como Gonzalez (2007), Lucia Reily (2007) e Vigotski

(1997) que tratam as necessidades especiais fora do ponto de vista da deficiência,

encarando-a como uma diferença no processo de ensino e aprendizagens.

Num segundo momento do texto a surdez ganha evidência, salientando,

suas características e a educação de surdos na atualidade, pontuando o Ensino das

Artes Visuais.

Ainda é possível perceber na sociedade contemporânea um olhar

indiferente para com as pessoas com deficiências, com necessidades especiais.

Reily (2007) discorre acerca das barreiras atitudinais, caracterizadas pelos limites e

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preconceitos que a sociedade impõe as pessoas com algum tipo de necessidade

específica. Desta forma, as consequências sociais da deficiência consolidam a

condição de incapacidade.

Limites e preconceitos, impostos injustamente, sem o mínimo

conhecimento e entendimento acerca do assunto, por parte destas pessoas. A

autora argumenta sobre a necessidade de estudos referentes ao tema, a fim de

desmistificar e esclarecer a sociedade com relação à deficiência:

Justifica-se o estudo das concepções sociais da diferença pela necessidade de melhor compreender como as representações da deficiência se constituem e se desenvolvem, como são reveladas e disseminadas, para que se possa encontrar modos de demonstrar mitos e estereótipos de deficiência que se cristalizaram ao longo do tempo, na perspectiva de trabalhar em prol da inclusão. (REILY, 2007, p. 221)

Considerando os procedimentos pedagógicos que implementam o ensino

atualmente, é importante salientar que nem todos os alunos possuem o mesmo ritmo

de aprendizagem, portanto, é necessário compreender estas diversidades de modo

a atender este público. A Educação Especial destina-se ao atendimento de pessoas

cegas, surdas, autistas, com déficit cognitiva ou deficiência múltipla, além de

pessoas com altas habilidades, em instituições especializadas, atendendo específica

e exclusivamente alunos com determinadas necessidades especiais de

aprendizagem. Para isso, faz-se necessário a adaptação de metodologias já

existentes para o processo de inclusão.

De acordo com González (2007) que, trás alguns conceitos e dados

históricos acerca da experiência em atendimentos educacionais especiais na

Espanha, alunos que necessitam de um atendimento específico não podem ser

considerados incapacitados, considerando que sua dificuldade relaciona-se mais ao

sistema social e cultural que os rodeiam do que na existência de uma disfunção

neurológica. Assim, o autor define que pessoas que necessitam de um processo

educacional específico são aquelas que:

(...) apresentam algum tipo de deficiência física, psíquica ou sensorial, ou que estão em situação de risco social ou de desvantagem por fatores de origem social, econômico ou cultural que os impedem de acompanhar o ritmo normal do processo de ensino-aprendizagem. Por meio desses atendimentos especiais pretende-se conseguir o máximo desenvolvimento das possibilidades e capacidades desses alunos, respeitando as diferenças individuais apresentadas ao longo desse processo. (GONZÁLEZ, 2007, p. 19)

Para tanto, é necessário que o processo de inclusão venha a quebrar as

barreiras do preconceito, especificamente, sociais e culturais que compreendem as

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1

pessoas que necessitam de um processo de aprendizagem diferenciado ou

adaptado como pessoas incapacitadas para o convívio social, relegando-as a

marginalidade.

A colaboração de Vigotski50 (1997) neste assunto tem mostrado que suas

reflexões atendem a demanda teórica sobre Educação Especial na atualidade. Este

autor já apontava para uma visão social da deficiência em detrimento a patologia,

ressaltando que o meio social deveria agir de modo que possibilitasse situações,

provocadoras de reações que compensassem a condição de deficiente. Desta

maneira, Vigotski acreditava que o olhar perante a deficiência deveria se concentrar

nos processos compensatórios, desviando a atenção da deficiência ou patologia

associada à incapacidade.

Já na época em que produziu seus estudos acerca das necessidades

especiais acreditava que a escola especial deveria criar tarefas positivas gerando

formas de trabalhos específicos que atendessem as peculiaridades de seus

educandos, e não simplesmente aplicar um programa simplificado e facilitado da

escola regular.

Desta forma, tem-se como objetivo na Educação Especial, portanto,

possibilitar que este aluno, por meio de profissionais capacitados e recursos

especializados, alcance o máximo de desenvolvimento pessoal e social,

possibilitando uma melhor qualidade de vida “(...) nos âmbitos pessoal, familiar,

social e profissional”. (GONZÁLEZ, 2007, p. 21).

É importante salientar que alunos que necessitam de um atendimento

específico, seja no ensino regular ou em escolas especializadas, não sejam privados

do conhecimento e de interações sociais que os tornam cidadãos plenos na

sociedade contemporânea, assim como coloca González:

Depois de vermos as dificuldades surgidas na tentativa de determinar o que se deve entender por conduta normal e diferente, posso dizer que uma pessoa sã ou normal é aquela capaz de viver satisfatoriamente em um dado meio social, realizar-se nesse meio e conseguir sua felicidade, ao mesmo tempo em que tenta ser útil para a sociedade. A pessoa diferente (deficiente) é a que precisa dos repertórios sociais adequados para realizar-se em seu ambiente social e escolar. (GONZÁLEZ, 2007, p. 22).

Neste sentido, Vigotski (1997) pontua a importância dos processos

compensatórios, salientando a necessidade da escola especial evidenciar a

compensação social, a educação social como forma de inclusão em detrimento a

50

Quanto à escrita do nome do autor será usada “VIGOTSKI” por considerar-se a forma mais simples e utilizada na maior parte da bibliografia do autor aqui citada.

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deficiência. Uma escola especial, segundo este autor deveria não apenas adaptar-se

as insuficiências, mas principalmente superá-las.

Da surdez

Dentro do panorama apresentado anteriormente, ou seja, as pessoas que

necessitam de algum tipo de atendimento específico ou diferenciado para terem

acesso e o máximo de aproveitamento em seu ambiente social encontram-se as

pessoas privadas do sentido da audição. Deste modo, serão abordadas, algumas

questões características do sujeito surdo como a língua de sinais, a cultura surda e

as propostas educacionais voltada ao atendimento destas pessoas. Autores como

Oliver Sacks (1998), Ronice de Quadros (1997), Márcia Goldfeld (2002) e Karen

Strobel (2008) entre outros subsidiam questões no âmbito da surdez e suas

especificidades.

Considerando a surdez no ponto de vista de sua condição física e

patológica é possível classificar aqui os que têm sérias dificuldades para ouvir em

função de algum dano no aparelho auditivo, interferindo pouco no desenvolvimento

da linguagem quando esta é trabalhada desde os primeiros anos de vida, porém,

ainda possuem esperanças com amplificadores de som e aparelhos implantados no

ouvido interno que fornecem impulsos elétricos permitindo a percepção do som.

Neste mesmo grupo destacam-se também os profundamente ou totalmente surdos,

que nada ouvem, além, de possuírem pouca esperança no tratamento. O quadro a

seguir mostra os cinco níveis de perda auditiva relacionando-os as consequências

na linguagem e fala.

Quadro I.51

MEDIDA AUDIOMÉTRICA EFEITOS DA PERDA AUDITIVA NA

COMPREENSÃO DA FALA

Leve (26-40 dB) Pode apresentar dificuldade em

comunicação e expressão.

Moderado (41-55 dB) Pode apresentar vocabulário limitado e

problemas na fala.

Grave (56-70 dB) Provavelmente terá dificuldade na

51

Tabela elaborada segundo o quadro fornecido em: GODOY, Maria de Fátima Reipert de. Educação artística para deficientes auditivos: uma leitura a partir da visão de professores. Tese de doutorado. São Paulo:

IP/USP, 1998. P. 10.

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3

utilização da linguagem e

compreensão, além de vocabulário

limitado.

Severo (71-90 dB) Pode ser capaz de perceber sons altos

ao redor, porém apresenta acentuada

dificuldade na linguagem e fala.

Profundo (acima de 91-dB) Auxilio da visão para a comunicação.

Grave dificuldade na linguagem e fala.

Sendo assim, considera-se com “surdez” a pessoa incapacitada de

perceber o mínimo som a ponto de não favorecer-se com qualquer tratamento ou

aparelhos auditivos. Todavia, considerando alguns aspectos como grau e início da

perda, a surdez não limita o desenvolvimento cognitivo do indivíduo, tão pouco

afetará seu desenvolvimento se diagnosticada nos primeiros anos de vida e desde

então trabalhada a linguagem de modo consistente.

Partindo de outras perspectivas que se aproximam da surdez dentro de um

grupo linguístico diferenciado, é possível considerar alguns aspectos relevantes que

permitem entender essa condição singular e essa forma própria de assimilar e

entender o mundo, como a língua de sinais e a cultura surda.

Oliver Sacks (1998), neurologista que entre inúmeros trabalhos dedica-se,

da mesma maneira, a surdez, utiliza o termo Surdez (com letra maiúscula)

compreendendo um grupo linguístico e cultural, e surdez (com letra minúscula)

compreendendo uma condição física e uma visão médica. Desta forma destaca:

(...) comecei a vê-los [os surdos] sob uma luz diferente, especialmente quando avistava três ou quatro deles fazendo sinais, cheios de uma vivacidade, uma animação que eu não conseguia perceber antes. Só então comecei a pensar neles não como surdos, mas como Surdos, como membros de uma comunidade lingüística diferente. (SACKS, 1998, p. 16)

Partindo desta perspectiva, já é possível pensar nos processos de inclusão

dos surdos. Nesta visão a condição patológica não se sobressai, visando à surdez

dentro de um grupo que compreende o mundo de forma diferente, porém, que

precisa de auxílios e estímulos educacionais específicos para que a linguagem seja

constituída e facilite a interação do sujeito surdo dentro de seu ambiente social.

Vigotski (1997) já ressaltava a importância da educação social para que a pessoa

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surda tenha condições de se “inserir na vida social como participante plenamente

válido” 52 (p. 235).

Em seu livro “Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos” Sacks

(1998) se questiona acerca de como é o mundo aqueles que não ouvem? Como é

viver privado do sentido da audição, o que acontece se uma pessoa não tem acesso

e não constitui uma linguagem? “O que é necessário para nos tornarmos seres

humanos completos?” (p. 49), pergunta o autor.

Desde muito pequenos, nós ouvintes, começamos a ter entendimento da

nossa volta por meio da língua oral que possui como modalidades de interação o

meio auditivo-oral. Desta forma, aprendemos a falar por imitação, repetindo o que

nos é apresentado. Assim, aprendemos que as coisas e os objetos que nos rodeiam

possuem nomes, aprendemos como usá-los, classificá-los, generalizá-los. Nossa

compreensão do mundo torna-se facilitada e possível através da linguagem, nosso

pensamento se constitui e nossas ações são planejadas, constituímos consciência

do eu.

Mas como fica a situação daqueles impossibilitados de ouvir?

Quando se faz uma pesquisa relativa à surdez é necessário, também,

considerar em que fase da vida ela se manifestou, ou seja, antes da formação da

linguagem – surdez pré-linguística – ou depois da aquisição da linguagem – surdez

pós-linguística. Considerar estas etapas se faz necessário, pois, a linguagem possui

um papel determinante, conforme Vigotski (2005), no desenvolvimento do

pensamento e, portanto, na compreensão do mundo. Deste modo, um surdo pós-

linguístico ainda possui experiências e imagens auditivas para recorrer, facilitando

suas interações com o meio ambiente, o que não acontece com um sujeito surdo

pré-linguístico.

Sacks (1998) relata as vozes e sons “fantasmagóricos” que algumas

pessoas com surdez pós-linguística pensam ouvir. O autor explica que este fato

decorre em função das experiências e associações auditivas anteriores. De modo

semelhante, é possível compreender como pessoas acidentadas ainda sentem o

membro amputado. Acrescenta ainda: “Não se trata de imaginar no sentido usual,

mas de uma tradução instantânea e automática da experiência visual para uma

experiência auditiva correlata (...)” (p.20). Da mesma forma, acontece com ouvintes

e falantes quando estes imaginam alguém falando, há uma voz concebida na mente.

Porém, parece muito difícil para uma pessoa surda pré-linguística conceber este tipo

52

Tradução da autora.

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de voz ou som, uma vez que ela não tem o mínimo entendimento de como seria um

som, tão pouco, o imagina. Vivem, assim, num mundo de absoluto silêncio, sem

perspectivas sonoras.

Serão essas pessoas, os surdos pré-linguísticos, o foco desta reflexão,

considerando aqui o objetivo desta investigação, para tanto, faz-se necessário

abordar e esclarecer características deste sujeito, pois, pode haver uma dificuldade

para os ouvintes e falantes em compreender a surdez em toda sua complexidade.

Sacks (1998) diz que as pessoas tendem a avaliar a surdez como um

incômodo ou uma desvantagem, “mas quase nunca como algo devastador, num

sentido radical.” (p.22). A vista disto, os ouvintes tendem a considerar a surdez

menos grave do que a cegueira, porém, conforme o autor, a surdez pode se tornar

extremamente grave, pois, os surdos pré-linguísticos podem sofrer danos

irreversíveis se sua linguagem não for suficientemente trabalhada, de modo a

atender suas capacidades e necessidades intelectuais, do contrário parecerão

“deficientes mentais” (p.22). Sendo assim, Sacks salienta:

E ser deficiente na linguagem, para um ser humano, é uma das calamidades mais terríveis, porque é apenas por meio da língua que entramos plenamente em nosso estado e cultura humanos, que nos comunicamos livremente com nossos semelhantes, adquirimos e compartilhamos informações. (SACKS, 1998, p. 22)

Márcia Goldfeld (2002) que pesquisou o desenvolvimento e as relações de

uma criança surda com atraso na linguagem, também destaca a importância da

linguagem que vai além da comunicação, estabelecendo funções organizadoras e

planejadoras do pensamento. A autora que segue uma concepção

sociointeracionista adotada por Vigotski, considera a linguagem como “(...) o

instrumento do pensamento mais importante que o homem possui (...)” (2002, p. 60)

permitindo, na pessoa surda, que os processos cognitivos se desenvolvam: “(...)

toda a cognição passa a ser determinada pela linguagem (...)” (2002, p.60).

Percebe-se, assim, a necessidade premente da estimulação e aquisição da

linguagem em pessoas surdas desde os primeiros anos de vida os quais estes

processos começam a se desenvolver e se internalizar. Do contrário, segundo

Goldfeld (2002), crianças surdas que sofrem atraso na aquisição da linguagem

podem padecer de danos irreversíveis no desenvolvimento de suas funções

cognitivas. A autora, também, observa a necessidade do auxílio constante da família

no processo de propagação da linguagem: “É preciso que a família da criança surda

tenha consciência da necessidade de estimular essa criança. As informações que

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naturalmente à criança ouvinte recebe devem ser dadas também à criança surda

(...)” (2002, p. 160).

Contudo, de que modo a pessoa surda pode desenvolver-se

linguisticamente?

A língua de sinais é, atualmente, a forma mais acessível à aquisição da

linguagem à pessoa surda, pois, é uma língua de modalidade visual-gestual,

permitindo um desenvolvimento completo da linguagem e por consequência acesso

as funções cognitivas.

A língua de sinais, ao contrário da língua oral que esbarra em um

empecilho orgânico no sujeito surdo, não necessita ser ensinada a ela, esta língua

se constitui e se desenvolve naturalmente, considerando repertórios adequados para

esta situação. Assim, como uma criança ouvinte aprende a falar por imitação de

forma natural e espontânea, a língua de sinais é assimilada pela criança surda em

contato com outras pessoas adultas surdas ou em contato com adultos ouvintes que

dominam a língua de sinais, a fim, de estimulá-la, dando-lhe acesso a linguagem e

consequentemente a comunicação, a organização de pensamento e a consciência.

Dessa forma, Sacks discorre acerca da língua de sinais em detrimento a

língua oral que muitos surdos são submetidos:

As pessoas profundamente surdas não mostram em absoluto nenhuma inclinação inata para falar. Falar é uma habilidade que tem que ser ensinada a elas, e constitui um trabalho de anos. Por outro lado, elas demonstram uma inclinação imediata e acentuada para a língua de sinais que, sendo uma língua visual, é para essas pessoas totalmente acessível. (SACKS, 1998, p. 43)

O autor acrescenta ainda que o desenvolvimento da gramática da língua de

sinais ocorre na mesma idade e forma que o desenvolvimento da língua oral na

criança ouvinte, todavia, os sinais se sucedem mais cedo por ser considerado mais

fácil, pois, consistem em movimentos muito simples dos músculos, enquanto, a fala

consiste em movimentos mais complexos tornando-se possível somente no segundo

ano de vida da criança. Dessa maneira, conforme Sacks, uma criança surda pode

fazer o sinal de “leite” já aos quatro meses de idade, enquanto uma criança ouvinte

da mesma idade põe-se a chorar. Assim, não há indícios que o uso da língua de

sinais iniba a aquisição e aprendizagem da língua oral, ocorrendo, geralmente, o

contrário.

Muitas são as concepções errônias e inadequadas atribuídas à língua de

sinais. Uma delas, talvez a mais popular, seja de que esta língua é um conjunto de

gesto que interpreta a língua oral. Apresentam, também, da mesma forma que a

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língua oral todas as estruturas linguísticas necessárias para expressarem idéias

concretas, abstratas ou complexas. Dessa forma, Ronice de Quadros (1997)

pesquisadora na área na surdez com ênfase na língua de sinais explica que:

(...) os sinais eram considerados apenas representações miméticas, totalmente icônicas, sem nenhuma estrutura interna formativa. Entretanto, as pesquisas que vem sendo realizadas nesse campo evidenciam que tais línguas são sistemas abstratos de regras gramaticais (...). Assim como com qualquer outra língua, é possível produzir expressões metafóricas (poesias, expressões idiomáticas) utilizando uma língua de sinais. (QUADROS, 1997, p. 47)

Quadros (1997) explica que esta língua é estabelecida pela visão e da

utilização do espaço, assim: “A diferença na modalidade determina o uso de

mecanismos sintéticos especialmente diferentes dos utilizados nas línguas orais” (p.

46). Por este motivo as línguas de sinais são sistemas linguísticos independentes

das línguas faladas.

Conclui-se, portanto, este breve esclarecimento acerca da língua de sinais

evidenciando uma citação de Quadros que sintetiza muito bem o que foi visto até

agora. A autora caracteriza a língua de sinais como línguas naturais, provenientes

da necessidade de comunicação:

Tais línguas são naturais internamente e externamente, pois refletem a capacidade psicológica humana para a linguagem e porque surgiram da mesma forma que as línguas orais – da necessidade específica e natural dos seres humanos de usarem um sistema lingüístico para expressarem idéias, sentimentos e ações. As línguas de sinais são sistemas linguísticos que passaram de geração em geração de pessoas surdas. São línguas que não se derivaram das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre as pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual como modalidade lingüística. (QUADROS, 1997, p. 47)

Propostas educacionais para surdos no Brasil

Este tópico tem como objetivo relatar as principais propostas educacionais

para surdos vigentes no Brasil. Serão, portanto, descritas as principais

características de cada proposta, sendo que a pesquisa não visa fazer uma análise

crítica acerca da educação de surdos, todavia, é de interesse constar quais práticas

metodológicas estão sendo desenvolvidas no Brasil. Tendo em vista, que as

pesquisas acerca da surdez têm como alicerces, especialmente, estudos na área da

linguística e psicologia considera-se a visão de duas autoras com ênfase nos

estudos sobre surdez: Ronice Müller de Quadros (1997) e Marcia Goldfeld (2002).

É possível destacar na atualidade duas principais propostas para a

educação de crianças surdas no Brasil: o Bilinguismo e o Oralismo. No Brasil estas

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duas propostas continuam vigentes, pois, considera-se que não exista uma

metodologia mais adequada, dando a possibilidade de escolha à pessoa surda.

Durante muitos anos o Oralismo foi difundido como a proposta mais

adequada a formação e educação do indivíduo surdo. Esta metodologia avaliava a

surdez como uma patologia ou deficiência que deveria ser amenizada visando a

oralização. Ou seja, seu objetivo era reabilitar o indivíduo surdo de forma que sua

interação com o mundo ouvinte fosse possível apenas pelo desenvolvimento da

língua oral, encaminhando sua personalidade e identidade para tal. Goldfeld (2002)

discorre acerca do Oralismo enfatizando que seu objetivo é direcionar a criança

surda “à normalidade” ou “à não-surdez”. A autora explica com clareza como se

constitui o processo desta proposta e seu tempo de duração:

A criança surda deve, então, submeter-se a um processo de reabilitação que inicia com a estimulação auditiva precoce, ou seja, que consiste em aproveitar os resíduos auditivos que quase a totalidade dos surdos possuem, e possibilitá-las a discriminar os sons que ouvem. Pela audição e, em algumas metodologias, também com bases nas vibrações corporais e da leitura oro-facial, acriança deve chegar à compreensão da fala dos outros e por último começar a oralizar. Este processo, se for iniciado ainda nos primeiros meses de vida, dura em torno de 8 a 12 anos, dependendo das características individuais da criança, tais como: tipo de perda auditiva, época em que ocorreu a perda auditiva, participação da família no processo de reabilitação etc. (GOLDFELD, 2002, p. 35)

Dentro desta proposta existem outras metodologias que se baseiam na

proposta oralista se concentrando no objetivo do desenvolvimento da língua oral.

Tendo em vista seu objetivo, o Oralismo desconsidera questões

relacionadas à cultura surda. Quadros (1997, p. 26) considera esta proposta,

segundo a visão de vários estudiosos acerca da surdez (Sánchez, Ferreira Brito e

Skliar), “como uma imposição social de uma maioria lingüística (os falantes das

línguas orais) sobre uma minoria lingüística sem expressão diante da comunidade

ouvinte (os surdos).”

Ao contrário do Oralismo, o Bilinguismo respeita as particularidades do

indivíduo surdo e sua cultura, trata a surdez não como uma patologia que necessita

ser curada, porém como um modo diversificado e singular de pensar e se comunicar

que deve ser respeitado.

Quanto o que é possível afirmar sobre o Bilinguismo, considera-se como a

proposta mais viável, até então, ao ensino da criança surda. Propõem o aprendizado

da língua de sinais como língua natural e este, pressuposto para o aprendizado da

língua escrita. Segundo Quadros (1997) a proposta Bilíngue busca captar o direito

da criança surda em ser ensinada na língua de sinais, tendo em vista, que esta

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língua é natural da pessoa surda e adquirida de forma espontânea, ao contrário da

língua oral que é adquirida de forma sistematizada.

Esta mesma autora acrescenta que uma proposta basicamente Bilíngue

não é totalmente favorável considerando as duas culturas as quais a pessoa surda

deve conviver: a cultura ouvinte e a cultura surda. “Uma proposta educacional, além

de ser Bilíngue, deve ser bicultural para permitir o acesso rápido e natural da criança

surda à comunidade ouvinte e para fazer com que ela se reconheça como parte de

uma comunidade surda.” (1997, p. 28). Somente respeitando estas particularidades,

a criança surda reconhecida dentro de sua própria cultura, poderá integrar-se

satisfatoriamente a comunidade ouvinte.

Outro fator relevante para se criar condições favoráveis no ensino do

Bilinguismo é o comprometimento integral da família, tendo em vista, que a maior

parte das crianças surdas em processo escolar originam-se de famílias ouvintes. O

ideal é que a família também tenha o entendimento e conhecimento da língua de

sinais auxiliando e integrando a criança neste contexto.

A entrevista realizada na coleta de dados da pesquisa de mestrado

(OLEQUES, Liane C. (2008) Análise do repertório gráfico de uma criança não

ouvinte: a surdez e suas implicações no desenho infantil. Projeto de Mestrado), com

a professora do menino surdo sujeito desta pesquisa, mostrou que mesmo o

aprendizado da língua de sinais numa proposta Bilingue pode tornar-se lenta quando

não há o apoio da família.

A professora que é responsável pela classe especial de 1ª a 4ª de alunos

surdos, explica que o menino não ingressou na escola com um repertório de sinais

consistente. Sua comunicação era restrita ao contexto familiar com muitos gestos e

pantomimas. Isso dificultou seu aprendizado, tendo em vista que o que era

aprendido na escola não era vivenciado em casa, já que a família ouvinte não

prezava pela mesma forma de comunicação. A professora entrevistada lembra-se

que o menino levou cerca de um ano até aprender e internalizar o sinal em LIBRAS

de “água”, pois até então “água” era representado pelo gesto de levar um copo a

boca. Ainda comenta que, por esse motivo, o aprendizado da LIBRAS torna-se

repetitivo e lento, pois, todos os dias deve-se reforçar os mesmo sinais até o que o

aluno internalize a palavra e o conceito.

Considerações finais

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0

Realizar observações acerca das pessoas com necessidades especiais

torna-se um tanto complicado quanto a terminologia utilizada. É preciso um pouco de

atenção para que nossas palavras, mesmo sem intenção, não tendam a estabelecer

ou separar o que é normal ou deficiente na sociedade contemporânea, pois, como

foi visto, esta condição deve ser encarada como uma forma diferenciada, uma

necessidade específica ou especial de ensino e aprendizagem, criando

possibilidades para sua reabilitação na sociedade.

É interessante ressaltar aqui as palavras de Simi Linton53, deficiente física

e participante do movimento de direito dos deficientes, introduzindo, desta forma, o

leitor ao contexto social das necessidades especiais:

Saímos, não escondendo nossas pernas atrofiadas sob mantas de lã marrom, ou com óculos escuras tampando nossos olhos pálidos, mas aparecemos de Shorts e sandálias, de macacão e terno, vestidos para brincar ou trabalhar, encarando de frente, desmascarados, sem pedir desculpas. (...) E não somos somente os atletas cadeirantes “sarados” vistos recentemente nos comerciais de tevê, mas também criaturas desengonçadas, atarracadas, desajeitadas, e encaroçadas declarando que vergonha não mais definirá nosso guarda-roupa nem nosso discurso. Hoje estamos por toda parte, de cadeiras de rodas ou em marcha desenfreada pela rua, ao som do toque de nossas bengalas, sugando ar por tubos de respiração, seguindo nossos cães guias, soprando e aspirando nos nossos acionadores de sopro que controlam nossas cadeiras motorizadas. Às vezes pode acontecer de haver baba, escuta de vozes alheias, nossa fala pode soar entrecortada, podemos utilizar cateter para coleta de urina, podemos viver com um sistema imune comprometido. Estamos todos ligados uns aos outros, não pela lista de nossos sintomas coletivos, mas pelas circunstâncias sociais e políticas que nos forjaram como grupo, nos encontramos como grupo e buscamos uma voz para expressar não o desespero pela nossa condição, mas a revolta pela nossa condição social. Nossos sintomas, mesmo que sejam às vezes dolorosos, assustadores, desagradáveis, ou difíceis de lidar, ainda fazem parte do cotidiano da vida. Existem e sempre existiram em todas as comunidades de todos os tempos. O que denunciamos são as estratégias utilizadas para nos privar de nossos direitos, de oportunidades e da busca da felicidade. (LINTON, 1998, p. 03 -04)

Portanto compreende-se que possibilitando habilidades específicas através

de repertórios adequados, pessoas com necessidades especiais possam usufruir de

condições dignas de inclusão a sociedade, sem esquecer do meio social que, por

sua vez, deve ser trabalhado para que possa receber estas pessoas com o respeito

e dignidade com que tem direito todo cidadão.

Com relação às pessoas surdas foi possível concluir que não há limites

cognitivos intrínsecos a surdez quando se oferecem todas as possibilidades de

acesso para a consolidação da linguagem. Portanto, a surdez deve ser

diagnosticada o mais cedo possível e a língua de sinais, vivenciada pela criança

desde os primeiros anos de vida para que possibilite, plenamente, a comunicação e 53 LINTON, 1998 apud REILY, 2007, p. 220.

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1

o intercurso do pensamento. A linguagem deve desenvolver-se, considerando a

criança ativamente envolvida no processo de comunicação de seu ambiente sócio

cultural.

Referências Bibliográficas:

DANESI, Marlene Canarim. Estudo exploratório do desenho de crianças

surdas, relacionando a representação gráfica da imagem corporal com o uso

da língua de sinais. Porto Alegre e Bueno Aires.Tese de mestrado, 2003.

GODOY, Maria de Fátima Reipert de. Educação artística para deficientes

auditivos: uma leitura a partir da visão de professores. Tese de

doutorado. São Paulo: IP/USP, 1998.

GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa

perspectiva sóciointeracionista. 2º edição. São Paulo: Plexus Editora,

2002.

GONZÁLEZ, Eugênio. Necessidades educacionais específicas. Porto

Alegre: Artmed, 2007.

OLEQUES, Liane C. (2008) Análise do repertório gráfico de uma criança não

ouvinte: a surdez e suas implicações no desenho infantil. Projeto de

Mestrado. PPGAV/CEART/UDESC, 2008.

REILY, Helena Lúcia. Retratos urbanos de deficiência. In: Inclusão, Práticas

pedagógicas e trajetórias da pesquisa. Org. Denise M. de Jesus, Claudio

Roberto Baptista, Maria Aparecida Santos C. Barreto e Sonia Lopes Victor.

Porto Alegre: Ed. Mediação, 2007. P. 220 – 232.

SACKS, Oliver. Vendo vozes. Uma viagem ao mundo dos surdos. Ed.

Companhia das letras, São Paulo, 1998. Tradução: Laura Teixeira Motta.

SHMITT, Deonísio. Curso de pedagogia para surdos. Língua Brasileira de

Sinais. Florianópolis, UDESC: CEAD, 2002.

SILVA, Daniele Nunes Henrique. Como brincam as crianças surdas. São

Paulo: Plexus Editora, 2002.

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a Cultura Surda.

Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2008.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,

1998.

_____________. Obras escogidas V: fundamentos de defectologia. Madri:

1997.

______________. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes,

2005.

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2

Para inglês ouvir: Política de adoção da audiodescrição na TV digital do Reino Unido

Flávia Oliveira Machado

1

O Reino Unido estreou a era da televisão digital em 1998 com o padrão DVB (Digital

Video Broadcasting). Onze anos depois, o Ofcom (Office of Communication - órgão regulador do setor de comunicação do Reino Unido) anunciou que 89,8% dos lares ingleses recebiam o

sinal digital. Após o desenvolvimento dessa tecnologia, foi iniciado em 2008 o processo de desligamento da transmissão analógica de televisão, que está previsto para terminar em 2012.

Além da multiprogramação e da alta qualidade de som e imagem, os ingleses foram os primeiros a conseguirem disponibilizar a audiodescrição como opção de acessibilidade nessa nova mídia. A audiodescrição é um áudio extra que descreve o cenário, o figurino, a

movimentação dos personagens e todos os outros elementos que não são compreendidos, principalmente, por pessoas com deficiência visual. O objetivo é acrescentar esse áudio

durante os intervalos dos diálogos, sem, no entanto, sobrepor informações contidas na trilha sonora original. Vale lembrar, que este recurso atende também às necessidades de pessoas

com dislexia, com deficiência intelectual e ainda idosos. Atualmente, 10% da programação já possuem audiodescrição e há uma forte pressão para que essa cota aumente para 20%. O presente artigo pretende apontar, através e referências bibliográficas e documentais, algumas

especificidades da televisão digital no Reino Unido e como está sendo feita a política de promoção da audiodescrição nesse meio de comunicação. Primeiramente, será exposto o

conceito do termo audiodescrição. Depois, será traçado um breve panorama da implementação da TV digital no país, bem como suas estratégias políticas até chegar no switch over e na segunda geração do DVB. Após essa contextualização, pretende-se analisar

as iniciativas políticas para a inserção, promoção e aprimoramento da audiodescrição na televisão digital inglesa. Para isso serão apresentados dois atores chaves no desenvolvimento

dessa política: o Ofcom e o RNIB (Royal National Institute of Blind People). O estudo sobre a política de implantação desse recurso de acessibilidade no Reino Unido, onde a

audiodescrição está mais difundida, serve como ponto de partida para outros países que pretendem avançar na questão de inclusão social de pessoas com deficiência visual através dos meios de comunicação, principalmente, a televisão. Palavras chave: Audiodescrição. Televisão Digital. Política de Comunicação. Reino

Unido. DVB. OFCOM.

1. Audiodescrição

1

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital da UNESP/Bauru, Flávia

Oliveira Machado ([email protected]) está desenvolvendo em sua dissertação um

estudo sobre as políticas públicas para a promoção da audiodescrição na TV digital brasileira.

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3

O projeto é orientado pelo Prof. Dr. Antonio Carlos de Jesus ([email protected] ).

Primeiramente, faz-se necessário conceituar o termo audiodescrição uma vez que ele

parece ser novo mesmo no Reino Unido, como será comprovado ainda neste artigo através

dos dados referentes às últimas pesquisas relativas a esse recurso.

É sabido que pessoas com deficiência visual não usufruem uma recepção de textos

audiovisuais, teatrais e outros tipos de conteúdos culturais de forma apropriada às suas

necessidades. A audiodescrição é um recurso de acessibilidade que promove uma fruição

satisfatória de produções culturais. Esta técnica é um tipo de tradução audiovisual e, por se

tratar de tradução de imagens em palavras, ela é considerada uma tradução intersemiótica.

Esse recurso consiste em um áudio extra com descrições de cenários, figurinos,

expressões faciais e corporais dos personagens, ações, entrada e saída de personagens e todos

aqueles elementos relevantes para a compreensão do conteúdo visual por uma pessoa com

dificuldade para usufruir tal conteúdo. Preferencialmente, essa narração deve entrar entre os

diálogos e os efeitos sonoros para que não haja sobreposição de informações. Vale lembrar

que este recurso atende também às necessidades de pessoas com dislexia, com deficiência

intelectual e ainda idosos.

A satisfação de espectadores que utilizam o serviço de audiodescrição foi comprovada

em uma pesquisa do Ofcom em 2008 com espectadores que utilizam esse recurso. Entre os

principais benefícios apontados estão: o ato de assistir a televisão ficou mais agradável, a

sensação de igualdade por poder comentar com pessoas sem deficiência os programas de TV,

independência e inclusão social. Porém, segundo o mesmo estudo, ainda há muito para ser

melhorado. Os espectadores com deficiência visual responderam que se deve aumentar o

número de programas que disponibilizam o recurso, bem como a ampliar dos gêneros de

programas e ainda melhorar a forma como é informada a existência da opção do serviço no

programa (OFCOM, 2008, p. 30).

Antes de iniciar a exposição sobre a adoção da audiodescrição no Reino Unido e os

atores envolvidos nessa temática, abordaremos a implementação da televisão digital neste país

bem como as questões políticas e econômicas relacionadas a este processo.

2. TV Digital no Reino Unido

2.1. O Padrão DVB

No início dos anos 90 empresas do setor de comunicação começaram a discutir a

viabilidade da criação de uma plataforma pan européia de televisão digital terrestre. Foi então

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4

que em 1993 foi criado o Digital Video Broadcasting Project, formado por representantes do

setor privado e público. Na mesma época, o Working Group in Digital Television também

estava estudando possibilidades para essa nova mídia e trouxe para a discussão novos

conceitos como recepção móvel e HDTV (High Definition Television). Entretanto, o Digital

Video Broadcasting Project tinha a vantagem de ter membros que eram da European

Broadcasting Union o que agilizou a normatização do padrão DVB (Digital Vídeo

Broadcasting) (DVB ORG, online).

O projeto DVB era dividido em dois módulos de trabalho: o comercial e o técnico. O

grande desafio inicial era desenvolver um padrão que atendesse tanto as tecnologias de

broadcasting digital via satélite, cabo e terrestre. O sistema também deveria transportar em

pacotes uma combinação de arquivos de áudio, imagem e multimídia, permitindo assim que

posteriormente qualquer tipo de nova mídia e diferentes tipos de vídeos e áudios de alta

definição pudessem ser transmitidos. O enfoque do padrão foi trazer multiprogramação,

interatividade e som e imagem de alta qualidade.

Por causa do avanço do projeto MAC (Multiplexed Analogue Components) da

Comissão Européia, que norteou os parâmetros da tecnologia digital, a indústria broadcasting

por satélite e por cabo se desenvolveram mais rapidamente do que a terrestre. Por isso, em

1993 o padrão DVB-S (Digital Video Broadcasting for Satellite) foi lançado e no ano seguinte

o DVB-C (Digital Video Broadcasting for Cable networks) chegou ao mercado (DVB ORG,

online). Entretanto, somente a partir de 1998 é que o público pode usar essa tecnologia.

Após o desenvolvimento desses tipos de padrões e das tecnologias de compressão de

dados, está em desenvolvimento a segunda geração do DVB. Uma das novidades é o uso do

MPG-4 para a compressão. Vale ressaltar que os novos padrões são compatíveis com a

primeira geração.

2.2. Regulamentação do setor

Em 1995, a BSkyB (empresa do conglomerado do australiano naturalizado

estadunidense Rupert Murdoch) já liderava o mercado de televisão paga analógica com 75%

das assinaturas de televisão via satélite (Goodwin, 2005, p.155), que ultrapassavam os 5

milhões de assinantes. A preocupação do governo era em relação à manutenção dessa

liderança na era digital. Para combater uma possível concentração do mercado televisivo nas

mãos da empresa, o governo teve que regular a competição econômica no mercado. Por isso,

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5

foi criado o Broadcasting Act em 1996, que determinava entre outros pontos, a licença de

transmissão para o desenvolvimento da televisão digital de outra maneira além da transmissão

via satélite (Broadcasting Act 1996, 8). A estratégia usada para viabilizar isso foi

regulamentar a concessão de multiplexadores nacionais. Ou seja, o espectro britânico foi

dividido em 6 faixas e cada uma seria controlada por um operador. A empresa fica

responsável pela transmissão de 4 a 6 canais em uma faixa do espectro na qual antes era

possível transmitir somente um canal. Dos seis multiplexadores, três foram destinados sem

custo algum para emissoras de transmissão terrestre existentes (BBC, ITV, Channels 4 e 5 e

S4C), e o restante foi destinado a ITC (Independent Television Commission), órgão público

responsável na época por regular a televisão comercial. Ela era responsável por determinar

quais empresas iriam controlar os outros três multiplexadores (SMITH, 1999). Após uma

disputa entre a DTN (Digital Television Network) e a BDB (British Digital Broadcasting),

que em 1998 passou a se chamar ONdigital, esta venceu a batalha após desfazer uma aliança

com a BSkyB por pressão política. Mas como afirma Goodwin (2005), a BSkyB passou de

benevolente sócia para voraz concorrente no campo da plataforma digital. Prova disso foi que

a BSkyB lançou seu serviço digital com seis semanas de antecedência em relação à ONdigital.

Entretanto, mesmo depois de ser reformulada para ITV Digital, em 2002 foi decretada a

falência da ONdigital (GOODWIN, 2005, p. 161-162).

A saída encontrada para o até então fracasso da televisão digital terrestre no Reino

Unido foi a criação da Freeview, um consórcio comandado pela BBC, Crown-Castle e

BSkyB. Segundo Cave, a participação da BBC é dada pelo controle de um multiplexador, a

BSkyB provê alguns canais e a Crown-Castle comanda dois multiplexadores (CAVE, 2006,

p.108). Trazendo a proposta de TV digital terrestre gratuita, a Freeview conseguiu mais

adesão do público inglês a essa nova mídia. O grande atrativo, diferente do modelo da ITV

Digital, era a recepção gratuita de canais, dessa forma, o espectador paga somente o

equipamento (set-top box ou aparelho de televisão com o conversor digital integrado). A

comprovação do sucesso é que hoje a Freeview é líder no mercado de televisão digital.

Todavia, Goodwin (2005) afirma que se o Reino Unido liderou a revolução da TV digital em

2003, muito se deve à televisão digital por satélite e não terrestre.

Apesar de o governo ter anunciado em 1999 que o switch over ocorreria no período de

2006 a 2010, o processo de desligamento do sinal analógico só iniciou em 2008 com previsão

de término em 2012 (CAVE, 2006, p. 110). Um dos motivos para o adiamento era que a

adesão à nova tecnologia era baixa. Dentre as iniciativas para essa mudança, em 2007, o

governo inglês criou um programa de ajuda ao switch over (Digital Switchover Help Scheme)

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para atender pessoas com mais de 75 anos, pessoas com deficiência que recebem auxílio

financeiro do governo, pessoas que recebem cuidado domiciliar e pessoas com deficiência

visual. O programa, que pretende atingir 7 milhões de pessoas, irá prestar auxílio em relação a

equipamentos, instalação e suporte técnico após o desligamento do sinal analógico. O

departamento de Cultura, Mídia e Esporte e a BBC são os responsáveis pelo projeto, cujo

custo é estimado em 603 milhões de libras. Para as pessoas atendidas pelo serviço pode haver

um custo padrão de 40 libras, mas dependendo da situação financeira da família, essa taxa

pode não ser cobrada. Tendo em vista que um dos públicos alvo são pessoas com deficiência

visual, foi colocado no projeto que os equipamentos deverão ter configuração compatível para

receberem a audiodescrição (Digital Help Scheme Agreement, online).

A prova do deslanche da TV digital no Reino Unido é o relatório sobre progresso

dessa nova mídia relativo ao segundo semestre de 2009. Segundo o Ofcom, 89,8% das casas

desfrutavam na televisão digital, sendo que 12,9% via cabo, 34,8% via satélite e 40,2% via

terrestre – 37,6% Freeview e 2,7% por via satélite gratuito (OFCOM, 2009b).

Em decorrência da completa digitalização do setor, o governo enfrenta a questão do

dividendo digital. Desde 2004, o Ofcom está discutindo como será a gestão da parcela do

espectro radioelétrico que ficará sem uso devido à menor faixa de banda necessária para a

transmissão digital em relação à faixa usada para a transmissão analógica. O órgão busca

garantir que o espectro seja explorado com o máximo de aproveitamento e que seus usuários

possam ter a flexibilidade de adaptação e inovação no seu uso. Para Leiva (2009), o governo

está deixando importantes questões de lado como: reservar freqüências para futuras inovações

no uso do espectro; deixar espaço para uso livre de obtenção de licença; e reservar um espaço

para o desenvolvimento da televisão móvel. Mas, governo britânico vem sofrendo pressões da

Comissão Européia que deseja a harmonização técnica de utilização da subfaixa 790 – 862

MHz para ser destinada à transmissão de dados da telefonia celular, o que pode facilitar o

serviço de roaming internacional. Segundo Matthew Howett (BBC NEWS, 2009), o Ofcom

está tentando cooperar com a União Européia nesse momento que é propício para a telefonia

celular.

3. Audiodescrição no Reino Unido

3.1. Outro tipo de Guarda

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Para substituir a Independent Television Commission (ITC), a Radio Authority (RA), o

Radiocommunications Agency , o Office of Telecommunications (Oftel) e a Broadcasting

Standards Commission (BSC) foi criado em 2003 o Office of Communication (Ofcom) através

do Communication Act. Este novo órgão é uma instituição independente responsável por

regular a telecomunicação, a radiodifusão e o uso do espectro britânico. Os objetivos do

Ofcom foram descritos no White Paper de 2000. Segundo o documento, as três áreas de

atuação do órgão seria requerer das empresas auto-regulamentação em relação: 1) à qualidade

dos conteúdos, à quantidade de publicidade, aos patrocinadores e à acessibilidade a pessoas

com deficiência; 2) às cotas na programação para conteúdos independentes e regionais e à

agilidade na transmissão de notícias; 3) à qualidade do serviço público prestado de

radiodifusão. Às empresas caberia fazerem sua auto-regulamentação e o Ofcom iria intervir

como último recurso para fazer valer os objetivos desse serviço público (SMITH, 2006).

Neste momento cabe um pequeno esclarecimento sobre o modelo britânico de

regulamentação que possui dois tipos de documentos chaves para a criação de uma lei. O

primeiro é o Green Paper é um documento resultante de uma consulta liderada pelo governo,

que contém propostas com diversas alternativas para futuras políticas governamentais. O

Green Paper irá contribuir para a produção do segundo documento que é o White Paper. Este

contém fortes recomendações que poderão resultar em uma mudança legislativa.

Diferentemente do primeiro, o White Paper é de responsabilidade do departamento relativo à

temática do documento (ACCA, 2009). Somente após a discussão do White Paper é feito o

projeto de lei que é enviado ao Parlamento e votado para receber, se aprovado, o

assentamento real tornando-se lei (LEAL FILHO, 1997, p.43).

Voltando às questões relativas à regulamentação no Reino Unido, Smith (2006) afirma

que a criação do Ofcom, através do Communication Act, foi determinada por três fatores: o

esforço dos meios de comunicação comercial na convergência digital, a qual foi usada para

justificar a desregulamentação do setor; ao comprometimento do novo partido Trabalhista aos

princípios de liberalização do mercado e políticas de inovação; a batalha travada entre dois

órgãos governamentais (ITC e Oftel); e acordos entre departamentos rivais durante o mandado

do partido Trabalhista (SMITH, 2006, p. 937). O Communication Act concedeu ao Ofcom

autoridade para fiscalizar o mercado do espectro do Reino Unido na era digital. Entretanto,

Harding e O‟Connor (apud SMITH, 2006, p. 936) comentam que a política de

desregulamentação lançada com o Communication Act preparou o terreno para o aumento da

concentração dos meios de comunicação, ao acabar com as restrições de fusão e controle de

empresas estrangeiras (principalmente estadunidense) no setor de comunicação.

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Sendo o órgão que regulamenta o setor de comunicação, o Ofcom é o responsável pela

política de implementação dos recursos de acessibilidade previstos pelo White Paper de 2000.

Antes de analisar os principais pontos da estratégia para a adoção da audiodescrição na

televisão digital do Reino Unido, será apresentado rapidamente o RNIB, que é o principal

instituto que atende às pessoas com deficiência visual no Reino Unido. Essa entidade

pressiona e colabora com o Ofcom para a promoção da audiodescrição no país.

3.2. Lobbista de Peso

O fundador da RNIB foi Thomas Rhodes Armitage, um médico que aos trinta anos

perdeu a visão e começou a lutar pela auto-estima e por novas oportunidades para as pessoas

com deficiência visual. Em 1868, ele fundou a British and Foreign Society for Improving

Embossed Literature for the Blind, que depois se transformou em British and Foreign Blind

Association. Mas foi somente em 1953 que foi dado o nome de Royal National Institute of the

Blind e mais recentemente, em 2007, foi acrescentado a palavra People ao final do nome.

As áreas de atuação do instituto são: a promoção do Braille através de publicações

como revistas, livros, panfletos, contas de banco, partituras musicais, entre outros produtos

em Braille; o auxílio a estudantes com deficiência visual, pais, professores, escolas e

faculdades que atendem a esse público; treinamento e capacitação para o mercado de trabalho;

venda de equipamentos específicos para esse público; prestação de serviço na produção de

áudio livros e manutenção da biblioteca nacional da RNIB; promoção e divulgação da

audiodescrição e locação e venda de vídeos com esse recurso; suporte para informações sobre

deficiência visual via telefone e email. Além de atuar na sociedade com campanhas de

conscientização e divulgação de informações relacionadas à deficiência visual (RNIB, 2009b,

online).

O RNIB contribui ativamente na promoção e divulgação da audiodescrição para

informar a população sobre como ela deve acessar o serviço. Foram disponibilizados no site e

em folders (digitais e impressos) informações sobre quais equipamentos são necessários,

como usar e quais as vantagens do serviço. A instituição também informa sobre como uma

pessoa pode ser beneficiada pelo programa de ajuda para o término da transmissão de sinal

analógico de televisão (Digital Swtichover Help Scheme). Como já foi comentado neste

artigo, caso o espectador seja candidato ao auxílio, o governo subsidia a compra do aparelho

para a recepção do sinal digital de TV (o set-top box) (RNIB, 2009b, online).

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Além de pressionar o governo e os radiodifusores, o RNIB também atua junto às

produtoras de cinema para a inclusão da audiodescrição nos DVD e nas salas de cinemas. O

resultado desse trabalho é que em 2009, mais de 300 salas de cinemas já estavam preparadas

para prover aos espectadores cegos um fone de ouvido capaz de receber a transmissão da

audiodescrição. E mais de 400 títulos de DVDs com audiodescrição já estavam sendo

vendidos nas lojas (YOUR LOCAL CINEMA, online). O RNIB ainda arranja fôlego para ir

além das fronteiras britânicas. Em outubro deste ano, foi lançado o projeto Bollywood que

pretende expandir e promover a audiodescrição na indústria cinematográfica da Índia. O papel

da instituição é aproximar organizações britânicas e indianas que atendem a pessoas com

deficiência visual e ainda fazer recomendações para Bollywood adotar a audiodescrição em

seus filmes.

4. Uma questão de política pública

A temática da audiodescrição está presente em pesquisas do Reino Unido desde a

década de 90. Entre 1992 e 1995, a ITC realizou o projeto Audetel (Audio Described

Television). Reguladores, associações de espectadores e empresas de radiodifusão se

integraram para desenvolver audiodescrição para a televisão. Foi demonstrado que era

possível a transmissão de audiodescrição através dos sinais analógicos da televisão. Esse

projeto foi substituído pelo Broadcasting Act de 1996 que determinou que em dez anos 10%

dos programas da televisão digital terrestre deveriam ter audiodescrição (GREENING;

ROLPH, 2007, p. 128). Outro projeto desenvolvido foi o TIWO (Television in Words),

durante 2002 e 2004, que tinha como objetivo criar um sistema computacional que permitisse

otimizar a criação de roteiros de audiodescrição e personalizar esse recurso para diferentes

audiências (jovens, idosos, pessoas com ou sem memória visual e pessoas que preferem mais

ou menos aprofundamento na interpretação do conteúdo) (SALWAY, online). Porém, este

estudo esbarra em um ponto importante do processo de produção audiovisual. Poucas são as

produções que seguem a risca o roteiro original, ou seja, durante as gravações, a edição ou a

finalização de um conteúdo, muitos elementos são alterados em relação ao roteiro de

gravação. Para além das fronteiras do Reino Unido, pesquisadores europeus e de outras partes

do mundo têm discutido desde 2005 questões relacionadas à acessibilidade e ao acesso às

mídias na conferência Media for All. Em sua terceira edição realizada na Antuérpia (Bélgica)

em outubro de 2009, foram abordados entre outras temáticas, como legendagem, dublagem,

legenda fechada para surdos, a audiodescrição. Além de dois workshops sobre o assunto,

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0

foram apresentados 17 trabalhos sobre aprimoramento das técnicas de audiodescrição e

experiências na adoção desse recurso. Um dos trabalhos apresentador foi os primeiros

resultados do Pear Tree Project, que tem como objetivo a criação de um padrão de qualidade

para a audiodescrição européia. Os países participantes do projeto são Reino Unido, Espanha,

Grécia, Bélgica, Polônia, Itália, Irlanda e França. Considerando as especificidades de cada

língua, esse trabalho busca padrões para o aperfeiçoamento da audiodescrição nos conteúdos

europeus (MEDIA FOR ALL, 2009).

Além da pesquisa, o Reino Unido se destaca por colocar em prática a audiodescrição.

Depois da determinação em relação à porcentagem da programação com audiodescrição do

Broadcasting Act em 1996, o Communication Act em 2003 ampliou a obrigatoriedade do

serviço para a televisão digital a cabo e por satélite. Mas foi com o Code on Television Access

Services do Ofcom que determinou 2008 como data limite para a adoção da audiodescrição

em 10% da grade de programação (GREENING; ROLPH, 2007, p. 128).

A plataforma digital permitiu a adoção da audiodescrição devido ao avanço

tecnológico em relação à televisão analógica. Com o aumento da compressão de dados é

possível acrescentar um canal de áudio exclusivo para esse tipo de recurso de acessibilidade.

Desse modo, o espectador pode acessar a audiodescrição quando quiser através da ativação

desse recurso via controle remoto. A recepção da audiodescrição na plataforma Freeview é

mixada no próprio set-top box, permitindo que o espectador altere independentemente o áudio

da audiodescrição e o áudio original de acordo com o seu gosto, enquanto na BSkyB (líder na

TV por satélite) e na Virgin (líder na TV a cabo) a audiodescrição é pré-mixada junto com o

programa original, sendo necessário somente uma configuração de linguagem feita pelo

espectador para o modo “narrativo” para a audiodescrição ser ouvida (GREENING; ROLPH,

2007, p. 130).

Apesar da audiodescrição estar presente nos programas de TV, não havia um intenso

uso do serviço por falta de divulgação para a população. Por isso, foi realizada entre 1 de

fevereiro e 14 de março de 2008 uma campanha para informar a população sobre esse tipo de

recurso de acessibilidade. A campanha conduzida pela aliança entre as empresas de

radiodifusão e o RNIB com facilitação da Ofcom. A divulgação foi com materiais para a

televisão, impressos e para o rádio. Foram feitas duas análises, uma antes (A) e outra depois (B) da campanha de divulgação. E em 2009, foi feita uma nova consulta (C), porém sem a

execução de uma campanha de divulgação prévia. Comparando os resultados das três

pesquisas, temos: a porcentagem da população em geral que sabia do serviço foi 37% (A),

60% (B) e 45% (C); e entre as pessoas com deficiência visual foi de 43% (A), 69% (B) e 50%

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(C). A causa apontada para o não crescimento das porcentagens entre a pesquisa B (em abril

de 2008) e a pesquisa C (em 2009) foi a não utilização de uma campanha prévia sobre

audiodescrição o que gerou em 2008 um crescimento imediato do conhecimento em relação

ao serviço. Desse modo, com relação ao grupo de pessoas com deficiência, foi comprovado a

necessidade de se fazer campanhas regulares para a divulgação da audiodescrição para manter

um crescimento em relação à campanha B (OFCOM, 2009a).

Em 2009, os maiores canais da televisão inglesa já possuíam audiodescrição em 10%

dos programas. Por isso, de 3 de setembro a 12 de novembro do mesmo ano, o Ofcom fez

uma consulta pública sobre o futuro da audiodescrição. Foram dadas 3 opções de escolha: 1)

não alterar a porcentagem de 10% de programas com audiodescrição; 2) aumentar para 20%

de programas com audiodescrição em todos os canais; 3) aumentar para 20% de programas

com audiodescrição somente nos 10 canais públicos enquanto os outros 48 canais

continuariam a seguir a cota de 10%. O RNIB fez uma campanha para que as pessoas e

familiares que a instituição atende respondessem a consulta. A opção sugerida pela instituição

foi a de número 2. E a estratégia usada para aumentar a adesão à campanha foi a divulgação

no site de informações sobre as opções de envio da resposta e até motivando os espectadores a

pedirem para os seus membros do parlamento que participassem da consulta também.

Ademais, a entidade sugeriu que os participantes escrevessem sobre as suas experiências em

relação à audiodescrição, qual a sua importância e ainda quais aspectos deveriam ser

melhorados (RNIB, 2009a, online).

Todavia, o governo não possui um mecanismo de controle para saber se o aumento de

10% para 20% da programação está sendo de programas inéditos ou de reprises. Por exemplo,

a BSkyB poderia alcançar a nova cota colocando mais vezes durante a programação um

mesmo filme ou programa em horários e canais diferentes. Cabe então à população fiscalizar

esse tipo de estratégia e se for o caso, fazer reclamações para que isso não ocorra.

5. Conclusão

O Reino Unido se destaca na implementação da audiodescrição por de fato criar uma

política para a adoção de recursos de acessibilidade. O Ofcom, órgão responsável pelo setor

de telecomunicação e radiodifusão, assume seu papel fazendo valer as leis criadas para a

promoção desse recurso. Através de pesquisas e consultas públicas, o governo consegue ter

parâmetros para a manutenção e o aprimoramento da audiodescrição. As empresas de

comunicação, por sua vez, conseguem ter um retorno sobre a prestação deste serviço e

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2 recebem também sugestões de quais tipos de programas são mais adequados

para ter a audiodescrição, cuja qualidade também é analisada para melhor atender ao público. O

RNIB, além de pressionar o governo, auxilia o Ofcom durante as consultas públicas e

as pesquisas mediando o contato do governo com o público com deficiência visual. E a audiência

consome esse serviço e ao mesmo tempo luta pela ampliação da disponibilização desse recurso

tanto na televisão digital quanto em outros conteúdos audiovisuais. Cabe aos outros países

analisarem de maneira crítica a experiência britânica, para que possam tirar proveito de pontos que possam auxiliar na criação de uma política de comunicação para a adoção da

audiodescrição em seus meios de comunicação.

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5 RELATO DE EXPERIÊNCIA: ENSINANDO LAURA A FAZER

DESENHOS EM RELEVO

Caro Editor, ao ler a seção relato de experiência desta Revista, em que

apresentava o texto da Rosângela Gera, falando sobre a experiência da filha que,

sendo cega, aprendia a desenhar e se beneficiar dessa atividade rica para a

aprendizagem e para o lazer das crianças, senti-me estimulada a escrever também e

compartilhar meu relato sobre esse tópico, já que fui eu a professora de Laura, durante

todo esse processo de ensino de como ela poderia reconhecer os desenhos e de

como os poderia desenhar.

Assim, falar de desenho hoje, me emociona pela gratificante experiência

que vivenciei no ano de 2009. Foram muitas descobertas e aprendizagens, em

particular, com a atividade de ensino de desenho a uma criança cega. Ensiná-la a

desenhar foi marcante pela satisfação que isso trouxe a minha aluna, Laurinha.

Esta trajetória teve início uma semana antes de as aulas começarem,

quando ao visitá-la em sua casa, ela me mostrou toda empolgada o seu estojo, cheio

de lápis e giz de cera. Nessa hora fiquei intrigada, o que fazer com aquele estojo? A

menina era cega. Poderia ela escrever com aqueles lápis e giz de cera? E quando

fossem atividades relacionadas ao desenho, o que a Laura iria fazer? Sem ter uma

resposta pronta, comecei a pesquisar sobre o tema e, junto com a mãe de Laura,

descobrimos estratégias que contribuiriam para aquisição dessa habilidade.

Comecei por aquilo que motivava Laura naquele momento, investiguei o

que ela desejava desenhar, e uma atividade cotidiana que fazíamos era que as

crianças desenhassem, na própria agenda, referências sobre o tempo naquele dia, se

ensolarado faziam um sol, se nublado desenhavam nuvens e assim por diante. Para

isso, adaptamos uma prancheta, forrando-a com uma tela de nylon, que

proporcionava alto relevo aos riscos que executava de maneira que ela podia seguir

com os dedos o desenho que havia feito. "...Então o sol é redondo..."; de posse então

de um círculo , examinava seus contornos, contornava-o e em seguida repetia no

papel.

No início foi difícil, pois ela empunhava o lápis com muita dificuldade, não tinha

firmeza, seus primeiros traços saíram muito fracos, não permitindo que ela sentisse

seus próprios riscos, mas isso não foi motivo de desânimo. Eu compreendi a

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6 dificuldade que ela apresentava, entendendo que não tinha a ver com sua deficiência

visual. Isso se devia a outro fator, pois essa prática havia sido negligenciada pelos

meus colegas que no decorrer dos anos não a ensinaram a desenhar, e eu tinha que

ensinar como empunhar um lápis, como fazemos com as crianças menores que

entram na escola.

Desenho de um sol, na cor

alaranjada feito por aluna com

deficiência visual.

Não demorou muito, aos poucos os riscos de Laura ganhavam firmeza.

Lembro do dia que ela fez o seu primeiro sol, um círculo com os raios saindo dele, a

coleguinha do lado, ao ver seu desenho expressa em bom tom: “Laura como seu

desenho está lindo! o sorriso dela foi tão intenso que neste momento tive a certeza de

quanto o desenhar era importante para ela.”

Desenho da figura humana, na cor verde,

representando a amiga de Laura.

E isso se confirmou quando Laura expressou no meu ouvido o desejo de

desenhar sua melhor amiga, ela fez a cabeça, tronco, abdômen e extremidades,

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7 mostrando perfeita noção sobre o esquema corporal. Para fazer os cabelos, Laura

pediu para passar as mãos no cabelo da amiga para saber se era liso ou cacheado. É

difícil descrever o que sentimos ao ver um desenho produzido por uma criança cega,

que nunca enxergou e que o seu desenho podia ser admirado pelos colegas. Fiquei

imaginando o que a Laura devia sentir nesse momento.

Outro material adaptado para que Laura aprendesse a fazer e reconhecer

desenhos foi a prancheta de velcro com a caneta de lã. Retiramos a tinta da caneta e

colocamos um pedaço de lã, fizemos um nó na ponta para que não se soltasse da

caneta. As crianças adoraram esse material, todos queriam a prancheta, queriam

desenhar como a Laura, ela fazia traços e formas, a lã grudava no velcro e assim

permitia a exploração tátil do seu desenho, essa prancheta foi muito útil para trabalhar

a coordenação, já que a caneta era fina e Laura precisava ter firmeza ao segurá-la.

Figura representando uma

árvore (em verde) e um

balanço na cor rosa. Da

árvore vê-se a copa e o

tronco. Do balanço vem-se

riscos representando

respectivamente: as barras

de sustentação lateral e

superior, bem como as

correntes e o assento.

Além dos desenhos Laura começou a fazer as letras do seu nome que

tinham o traçado contínuo, como exemplo L, U, G. Esse trabalho com o nome foi feito

paralelo ao reconhecimento das formas geométricas e dos desenhos que podemos

formar através de suas derivações, assim também ocorreu com as letras do alfabeto.

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8 Para as letras era feita uma associação, como exemplo: o B é como se

fosse dois semicírculos, um em cima do outro, o V é como um triângulo de cabeça

para baixo sem o teto.

Rapidamente ela conseguiu aprender as letras em bastão e em pouco

tempo já estava escrevendo na sua prancheta. Para se orientar no espaço da folha eu

fiz uma régua vazada de uns 2 centímetros e meio.

Teve um dia que ela chegou empolgada com a tarefa de casa e logo foi

tirando a atividade da pasta e falou: “Tia, você não vai acreditar que eu fiz o meu nome

sozinha, só o G que eu não sabia…” e quando ela tirou a folha da pasta a coleguinha

do lado leu rapidinho: “LAURA GERA”, ela parecia que ia explodir de alegria, mas não

é por menos, ela sempre sonhou em poder escrever de lápis também.

Figura com o nome Laura

escrito com letras de forma.

Várias outras experiências positivas aconteceram no decorrer do ano. Hoje

tenho certeza que um grande passo foi dado pela Laura, que nós também acertamos

em investir nessa habilidade, e isso não foi nada mirabolante, apenas propiciamos a

oportunidade para ela.

Desenhar faz parte da vida de todo mundo, o desenho alegra, encanta.

Dou como exemplo os livros de histórias, qual criança gostaria de ler um livro sem

nenhuma gravura? Simplesmente um livro assim não é interessante, e com esse

pensamento nós também adaptamos todos os livros de histórias, tínhamos o cuidado

de fazer desenhos com grande diversidade de texturas para que ela apreciasse,

explorasse e os reconhecesse. Isso se tornou uma prática tão constante que Laura se

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9 recusava a ler livros que não os tivesse. Sem contar que todas as crianças queriam

levar os livros em Braille, que puderam ser compartilhados entre a turma, pois tinha as

duas escritas.

Para encerrar esse relato gostaria de exemplificar mais um fato ocorrido já

no final do ano, que comprova como a inclusão é maravilhosa. Após fazer a atividade,

três colegas pegaram a prancheta de desenho, pediram o papel, pois queriam fazer

desenhos para Laura, elas sentaram no chão, e com o giz de cera começaram a fazê-

los, primeiramente foi uma casa, assim que terminaram chamaram a Laura e lhe

entregaram a prancheta, para que fizesse o reconhecimento do desenho, vendo que

ela não estava conseguindo identificar a outra colega, foi intervindo: “também você

desenhou muito embolado, deixa que eu vou fazer outro Laura” e assim o fez.

Depois pegou a mão dela e falou: “Olha, aqui é o telhado…” e foi

descrevendo o seu desenho, depois elas queriam ensiná-la a fazer outros desenhos, e

pediram para que Laura fizesse um coração, ao sinalizar que não sabia fazer, a outra

coleguinha retirou um coração de EVA que estava no mural e o entregou, para que

Laura o contornasse.

E dessa forma as meninas foram se entendendo, buscando estratégias

diferentes, assim como eu mesma fazia.

Senti-me gratificada, elas pareciam ser meu espelho, nesta hora percebi o

significado daquele velho dito popular: “as palavras comovem, os exemplos arrastam”.

Sei que há muito a aprender, a caminhada da Laura será grande, mas

espero que essa sementinha plantada possa crescer, frutificar e dar frutos a tantas

outras crianças cegas e tantos professores e assim como eu, poderão ter o privilégio

de vivenciar momentos simples, mas que eternizam a prática pedagógica.

Por fim, gostaria de fazer uma nota, deixando meus sinceros

agradecimentos ao Professor Francisco Lima, que foi nosso mestre, incansável,

sempre disposto a contribuir e partilhar, suas ricas idéias e ensinamentos, os quais

propiciaram-me um caminho de descobertas e à pequena Laura, a satisfação para sua

vida escolar.

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0 O Violeiro54 (1899).

Reconhecido por pintar pessoas simples do cotidiano do interior de São Paulo

José Ferraz de Almeida Junior (1850-1899), ilustra a capa do volume II da

Revista Brasileira de Tradução Visual, tanto como homenagem aquele pintor,

quanto como um exemplo de áudio-descrição aplicada às imagens estáticas.

Para conhecer mais a respeito desse artista e de muitos outros, visite a

pinacoteca do estado de São Paulo ou acesse seu site:

HTTP://www.pinacoteca.org.br

Descrição da foto de capa volume II, ano I

Sentado no batente de uma janela de uma casa de sapê um homem branco

toca viola. Do batente para cima a parede está rebocada e pintada com cor

54 Pinacoteca do Estado de São Paulo – pintura em óleo sobre tela.

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1 amarela. Do batente para baixo vê-se estrutura de barro e madeira comum as

casas de pau-a-pique. O violeiro está com as costas apoiada no umbral

esquerdo da janela, usa um chapéu marrom cuja parte frontal da aba esta

dobrada para cima enquanto a atrás, a aba esta dobrada para baixo. Ele veste

uma camisa xadrez em tons de cinza e branco e calça clara. Do lado de fora

da casa, em pé, uma mulher está encostada no umbral direito da janela. A

mulher, com cabelo preto preso em coque, está com o rosto olhando para a

direita, em direção às mãos do violeiro. Ela esta com os lábios entreabertos. A

mulher veste uma blusa vermelha comprida que cobre parte de uma saia

marrom. A blusa tem bolinhas brancas e mangas largas e longas cobrindo a

metade do antebraço. Ao pescoço, a mulher trás um lenço branco com listras

vermelhas. Com a mão direita segura uma extremidade do lenço e com a outra,

segura a extremidade esquerda.

Tradução de Ernani Ribeiro e Paulo Vieira.