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E D U C A Ç Ã O P A R A T O D O S C O L E Ç Ã O Educação na Diversidade: experiências e desafios na Educação Intercultural Bilíngüe

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  • EDUCAO PARA TO

    DOS

    C

    O

    L E O

    Educao na Diversidade: experincias

    e desafi os na Educao Intercultural

    Bilnge

  • Lanada pelo Ministrio da Educa-o e pela UNESCO em 2004, a Coleo Educao para Todos um espao para divulgao de textos, documentos, relat-rios de pesquisas e eventos, estudos de pesquisadores, acadmicos e educado-res nacionais e internacionais, que tem por fi nalidade aprofundar o debate em torno da busca da educao para todos.

    A partir desse debate espera-se pro-mover a interlocuo, a informao e a formao de gestores, educadores e de-mais pessoas interessadas no campo da educao continuada, assim como rea-fi rmar o ideal de incluir socialmente um grande nmero de jovens e adultos ex-cludos dos processos de aprendizagem formal, no Brasil e no mundo.

    Para a Secretaria de Educao Conti-nuada, Alfabetizao e Diversidade (Se-cad), rgo, no mbito do Ministrio da Educao, responsvel pela Coleo, a educao no pode separar-se, nos de-bates, de questes como desenvolvimen-to socialmente justo e ecologicamente sustentvel; direitos humanos; gnero e diversidade de orientao sexual; esco-la e proteo a crianas e adolescentes; sade e preveno; diversidade tnico-racial; polticas afi rmativas para afrodes-cendentes e populaes indgenas; edu-cao para as populaes do campo; educao de jovens e adultos; qualifi ca-o profi ssional e mundo do trabalho; de-mocracia, tolerncia e paz mundial.

    O presente livro, volume 28 da Cole-o, rene relatos, anlises e descries de polticas pblicas apresentadas du-rante o Seminrio Internacional Educao na Diversidade. Experincias e Desafi os da Educao Intercultural Bilnge, reali-zado na Cidade do Mxico, em junho de 2003. Nele so apresentadas experin-cias de polticas pblicas educacionais dirigidas a povos indgenas em toda a

  • Organizador:Igncio Hernaiz

    Educao na Diversidade: experincias

    e desafi os na Educao Intercultural

    Bilnge

    EDUCAO PARA TO

    DOS

    C

    O

    L E O

    Braslia, 2007

    Edio Eletrnica

  • Edies MEC/Unesco

    SECAD Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e DiversidadeEsplanada dos Ministrios, Bl. L, sala 700Braslia, DF, CEP: 70097-900Tel: (55 61) 2104-8432Fax: (55 61) 2104-8476

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaRepresentao no BrasilSAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/Unesco, 9 andar Braslia, DF, CEP: 70070-914Tel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 3322-4261Site: www.unesco.org.brE-mail: [email protected]

  • Organizador:Igncio Hernaiz

    Educao na Diversidade: experincias

    e desafi os na Educao Intercultural

    Bilnge

    EDUCAO PARA TO

    DOS

    C

    O

    L E O

    Braslia, 2007

    Edio Eletrnica

  • 2007. Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao (Secad/MEC) e Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco)

    Conselho Editorial da Coleo Educao para TodosAdama OuaneAlberto MeloClio da CunhaDalila ShepardOsmar FveroRicardo Henriques

    Coordenao EditorialCoordenadora: Maria Adelaide Santana ChamuscaAssistente: Ana Luiza de Menezes Delgado

    Traduo: Maria Antonieta Pereira, Clarisse Barbosa, Knia Sulzia, Maria Tereza Pereira e Marta da Piedade Ferreira

    Reviso Tcnica: Cndido Alberto GomesDiagramao: Supernova DesignReviso de textos: Alessandro Mendes - 1375/99 DRT-DF

    Edio Eletrnica

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Educao na Diversidade: experincias e desafi os na educao intercultural bilnge /organizao, Igncio Hernaiz; traduo, Maria Antonieta Pereira... [et al]. 2. ed. -Braslia:Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade;Unesco, 2007.

    356 p. : il. (Coleo Educao para todos; 28)

    Ttulo original: Educacin en la diversidad: experiencias y desafos em la educacin intercultural bilnge.

    ISBN 978-85-60731-05-3

    1. Educao Intercultural. 2. Indgenas, Amrica Latina. 3. Bilingismo. 4. Srie

    CDU 37:800.732

    Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da Unesco e do Ministrio da Educao, nem comprometem a Organizao e o Ministrio. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da Unesco e do Ministrio da Educao a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitao de suas fronteiras ou limites.

  • Apresentao

    O presente livro, publicado originalmente no Brasil pela Unesco, rene rela-tos, anlises e descries de polticas pblicas apresentadas durante o Seminrio Internacional Educao na Diversidade. Experincias e Desafi os da Educao In-tercultural Bilnge, realizado na Cidade do Mxico, em junho de 2003. Nele so apresentadas experincias de polticas educacionais dirigidas a povos indgenas em toda a Amrica Latina, especialmente nos pases de lngua espanhola.

    Alm de complementar o livro Formao de Professores Indgenas: repen-sando trajetrias, volume 9 da Coleo Educao para Todos, que relata experin-cias semelhantes realizadas no Brasil, e tem por objetivo ampliar o debate sobre o conhecimento reunido nos dois livros e a interao com as polticas que vm sen-do desenvolvidas por esses outros pases, fortalecendo e ampliando o intercmbio na institucionalizao da Educao Escolar Indgena1.

    Essa articulao interamericana imprescindvel, uma vez que, nas regi-es fronteirias de nosso pas, existem povos indgenas cujos territrios extrapo-lam as fronteiras nacionais. Esse o caso dos Yanomami (Brasil e Venezuela), Tukano (Brasil e Colmbia), Ticuna (Brasil, Colmbia e Peru), Chiquitano (Brasil e Bolvia), Guarani (Brasil, Argentina, Paraguai, Bolvia, Uruguai), Ashaninka (Brasil, Peru, Bolvia), Macuxi (Brasil e Guiana) entre tantos outros, o que est a exigir polticas pblicas coordenadas que considerem as dinmicas sociais e interativas entre os povos.

    No Brasil, os direitos polticos, culturais e educacionais conquistados pelos povos indgenas, por meio de suas lutas e resistncias, afi rmados na Constituio Federal de 1988, constituem um instigante desafi o para as polticas pblicas. Isso porque, alm de reverter sculos de polticas e projetos homogeneizantes, anula-dores das identidades e diferenas tnicas, preciso transformar mentalidades, concepes e prticas estatais, levando em considerao novos paradigmas le-

    1 No Brasil, a modalidade de educao prpria dos povos indgenas denominada Educao Escolar Indge-na, enquanto no restante da Amrica Latina mais comum a denominao Educao Intercultural Bilnge.

  • gais e conceituais, que esto possibilitando processos de democratizao de nos-sa sociedade e reduzindo desigualdades sociais produzidas e reproduzidas pela excluso de segmentos sociais portadores de identidades contrastantes.

    Alm dos objetivos j explicitados, a Secad/MEC espera, com este livro, es-tar contribuindo para o dilogo entre os pases latino-americanos, tanto pela difu-so de experincias exitosas quanto pela oferta de subsdios para o fortalecimento de nossas polticas educacionais dirigidas aos povos indgenas.

    Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizaoe Diversidade do Ministrio da Educao

  • Sumrio

    Agradecimentos 13

    Apresentao da 1 Edio 15

    Prlogo 17

    Diversidade e Educao Intercultural Bilnge:estados da arte na Amrica Latina

    Experincias Sobre a Interculturalidade dos ProcessosEducativos: informes da dcada de 90 Mara Bertely Busquets e Erika Gonzlez Apodaca 23

    Direitos Culturais Indgenas e Educao Intercultural Bilnge:a situao legal na Amrica CentralDiego Alfonso Iturralde Guerrero 91

    Educao em reas Indgenas da Amrica Latina:balanos e perspectivasLuiz Enrique Lpez e Inge Sichra 101

    As Polticas Pblicas e a Educao na Diversidade

    Refl exo Poltico-Pedaggica sobre a Diversidadee a Educao Intercultural BilngeGuillermo Williamson Castro 125

  • A Poltica da Educao Bilnge Intercultural no MxicoSylvia Schmelkes 147

    Educao e Diversidade na Iniciativa Comunidadede Aprendizagem

    Ao Educacional Integral para o Desenvolvimento ComunitrioAndy May Cituk 157

    Rede de Comunidades de Aprendizagem: a viso a partirde uma organizao da sociedade civilUlises Mrquez Nava 165

    Gesto Participativa em Educao KelluwnProfessora Patrcia Gmez Ros 179

    Experincias sobre Educao Intercultural Bilngena Amrica Latina

    Educao Intercultural Bilnge: estratgias para sua aplicao no ChileGeraldine Abarca 189

    Experincia Educacional e Desenvolvimento Local: umaestratgia de pacifi cao de ayllus no confl ito por terrasCarlos Alconc 199

    Lnguas e Culturas no Currculo OcultoUbaldo Gardea Carrillo e Francisco Cardenal F. 209

  • Referncia Importncia da Lngua na EducaoUbaldo Gardea Carrillo 213

    A Educao Intercultural Bilnge na ReformaEducacional BolivianaLic. Pnfi lo Yapu Condo 215

    Experincia de Ensino-Aprendizagem Bilngee Intercultural na Zona Rural de Furcy, HaitiDavid Duwyn 233

    Escola Secundria Intercultural Bilnge Emiliano ZapataAlonso Mendez Guzmn 241

    Interveno Educativa com Meninas e Meninos queFreqentam Escolas Primrias GeraisMtro. Jess Arturo Alemn Martnez,Mtra. Ma. Del Socorro Reyna Martnez 265

    Educao Intercultural na Serra WixrikaRoco de Aguinaga 277

    A Educao nas Culturas Nativas: suas contribuiespara uma educao para todosWalter Heredia Martnez 287

    Uma Experincia de Educao Permanentena Serra Tarahumara, Chihuahua, Mxico Juan Carlos Prez CastroVzquez 289

    Anexo I: Agenda do Seminrio Internacional 291

    Anexo II: Projetos de Educao BsicaComunidade de Aprendizagem, fi nanciadospela Fundao Kellogg 297

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    Agradecimentos

    A Francisco Tancredi, Jana Arriagada, Blas Santos e Juan Carlos Tedesco, pelo apoio e confi ana.

    A Guillermo Williamson, por compartilhar o desafi o desde o princpio.

    A Sylvia Schmelkes e Raquel Ahuja.

    Aos coordenadores dos 14 projetos Comunidade de Aprendizagem.

    Aos autores das comunicaes do seminrio.

    A Margarita Poggi, Nerio Neirotti, Laura Fumagalli, Emilio Tenti, Paula Sca-liter, Felicitas Acosta, Nestor Lpez, Liliana Paredes, Marisol Paredes, Maria Jos Gamboa e a toda a equipe do IIPE/Unesco Buenos Aires.

    Afetuosamente,Ignacio Hernaiz

  • 15

    Apresentao da 1a edio

    Quando se quer estudar os homens, necessrio olhar bem de perto. Mas, para se estudar o homem preciso aprender a levar longe esse olhar. necessrio, antes de mais nada, observar as diferenas para ento descobrir as propriedades.( J. J. Rousseau. Essai sur l origine de langues, cap. VIII)

    O fator da interculturalidade na educao no pode ser negligenciado. A l-tima dcada testemunhou um interesse intenso no estudo do espao educacional como mbito de inegvel pluralidade humana. Para tanto, no to somente educa-dores, mas tambm socilogos, economistas, cientistas polticos e antroplogos con-tinuam a incitar um olhar interdisciplinar ao pesquisar sistemas educacionais nas mais diversas sociedades. Desse modo, este segundo volume da srie Comunidade de Aprendizagem, organizado pelo IIPE Buenos Aires e pela Fundao W. K. Kellogg em conseqncia do Seminrio Internacional Educao na Diversidade: experincias e desa os da Educao Intercultural Bilnge, realizado na Cidade do Mxico, em 2003, vem elucidar e contribuir para um questionamento mais aprofundado sobre a diver-sidade e o pluralismo cultural na educao, tendo como focos a populao indgena e o bilingismo nos pases da Amrica Latina.

    Muitos pases no mundo so bilnges, trilnges ou plurilnges. No Brasil, segundo Rodrigues (1980), falam-se cerca de 200 idiomas como lnguas tradicio-nais de comunidades estabelecidas no prprio territrio. Existem ainda 180 lnguas indgenas faladas em todas as regies do pas, principalmente nas regies Norte e Centro-Oeste. Vale ressaltar que a discusso sobre bilingismo tem sido realizada desde o sculo XIX em pases da Europa devido coexistncia de lnguas diversas num mesmo territrio. Na Amrica Latina esse um tema de divulgao ainda incipiente, que concentra dois plos de preocupaes: pedaggico e poltico.

    A promoo dos Direitos Humanos um dos pilares sobre os quais se ergue a poltica educacional da Unesco, sendo um dos meios mais importantes que dispo-mos para apoiar iniciativas na direo de uma sociedade mais justa e igualitria, que compreende e respeita a diversidade do ente humano em todas as suas instncias e espaos geogr cos.

  • 16

    Ainda hoje no se tem polticas pblicas coerentes que lidem diretamente com a realidade do interculturalismo no espao educacional, e com a necessidade de se proteger por um vis humanitrio com igualdade, justia e respeito, a diver-sidade da gura humana tanto em sua individualidade como quando representada por grupos sociais. A questo do indgena, das minorias tnicas, mostra que a edu-cao como um todo e cada disciplina como um componente vital dessa totalidade devem ter como m a cultura integral dos educandos, seu futuro e sua visibilidade. Sendo assim, se faz iminente, no contexto global no qual estamos todos inseridos, a adoo de uma pedagogia, de polticas pblicas que respeitem incondicionalmente os aspectos culturais, histricos, a organizao social, a linguagem e os processos diferenciados de aprendizagem dos povos, para que os mesmos no se solidi quem como herdeiros de uma educao autoritria, excludente, e que possam ser condu-tores do seu prprio processo de aprendizagem. A linguagem, meio de expresso de um povo, no pode ser ignorada. Nesse sentido, o bilingismo deve ser discutido como um projeto mais amplo para se elevar as minorias tnicas ao posto de atores sociais de extrema relevncia para a cultura educacional de um pas. preciso ainda estudar, questionar para que as respostas a esses con itos sejam concretas, para se esclarecer e contextualizar a diversidade da gura humana como parte indissocivel dos processos de desenvolvimento educacional.

    Nesse sentido, com grande prazer que trazemos para a sociedade brasileira este livro singular, que se impe como um compromisso inicial com os uxos de conhecimento, uxos esses que transitam continuamente entre fronteiras mveis, demonstrando que a humanidade, assim como a educao, necessita a rmar seu es-tado de constante expanso e recriao para o estabelecimento de polticas, de aes positivas que resguardem a diferena positiva da relao entre o eu e o outro.

    Rosamaria Durand Representante da Unesco no Brasil a.i

  • 17

    Prlogo

    A iniciativa de Educao Bsica Comunidade de Aprendizagem foi impulsio-nada pela Fundao W. K. Kellogg em nove pases da Amrica Latina e do Caribe por meio de 14 experincias de desenvolvimento educacional local e contou com a assistncia tcnica do Instituto Internacional de Planejamento da Educao (IIPE) para seu desenvolvimento e sua sistematizao.

    Essas experincias foram planejadas e implementadas por um conjunto muito diversifi cado de instituies, dentre as quais se encontram organizaes no-governamentais, universidades e governos locais, todas elas com uma rica experincia e uma trajetria em inovaes educacionais em contextos de extrema pobreza.

    As hipteses bsicas que inspiraram essa iniciativa afi rmam que a educa-o uma varivel-chave nos processos de desenvolvimento e que, para enfren-tar os desafi os de uma educao de boa qualidade em contextos de pobreza, indispensvel construir alianas entre os diferentes atores sociais que atuam em tais contextos. A escola sozinha, isolada do resto das instituies da comunidade, no pode satisfazer os objetivos dos processos de desenvolvimento e, por seu lado, os processos econmicos, polticos e culturais tampouco so possveis ou sustentveis sem uma slida base educacional. Os conceitos de educao como responsabilidade de todos e de alianas estratgicas para satisfazer necessidades bsicas de aprendizagem ocuparam um lugar muito relevante no modelo terico com o qual se justifi cou esse programa.

    Nesse contexto, foram estabelecidas alianas estratgicas entre organiza-es e atores da comunidade docentes, lderes juvenis e grupos de pais foram os protagonistas principais das redes conformadas para levar a cabo as atividades previstas por cada projeto. Mas tambm se estimulou a articulao dos projetos com as autoridades e os gestores de polticas pblicas para permitir uma transfe-rncia de resultados que permitisse expandir as aprendizagens e os benefi cirios das iniciativas.

  • 18

    A sistematizao dos resultados dos trabalhos realizados deu lugar a esta srie de publicaes cujo objetivo principal difundir as lies aprendidas pela Iniciativa de Educao Bsica Comunidade de Aprendizagem e pelo trabalho con-junto realizado por IIPE/Unesco e Fundao W. K. Kellogg.

    Vrios projetos consideravam como um de seus eixos principais a temtica da interculturalidade numa perspectiva de relaes entre povos indgenas, Estado e sociedade civil, ainda que em realidade a iniciativa fosse em si mesma um es-pao de desenvolvimento de experincias de diversidade no sentido mais amplo do termo; estiveram representados indgenas, jovens, moradores, camponeses, meninos e meninas em situao de vulnerabilidade e afrodescendentes, em con-textos formais e no formais de educao, no sistema educacional, na educao superior e na educao popular.

    Nesse contexto, foi organizado um evento internacional para discutir-se uma das respostas ao desafi o da interculturalidade: a Educao Intercultural Bilnge (EIB).

    Esse evento foi realizado nos dias 10 e 11 de junho de 2003, na Cidade do Mxico. O Seminrio Internacional Educao na Diversidade: experincias e desafi os da Educao Intercultural Bilnge foi organizado conjuntamente pela Co-ordenao Geral de Educao Intercultural Bilnge, da Secretaria de Educao Pblica do Mxico, pelo Projeto Gesto Participativa em Educao Kelluwn, da Universidad de La Frontera, do Chile, e pelo IIPE/Unesco Buenos Aires.

    O seminrio teve como propsito promover a discusso entre representantes de organismos de governo, organismos no-governamentais e organismos inter-nacionais, e elaborar propostas para a defi nio de polticas pblicas que atendam Educao Intercultural Bilnge. Alm disso, o evento permitiu aos participantes estrangeiros conhecer o amplo e rico patrimnio cultural mexicano. Participaram do Seminrio 105 pessoas: autoridades e funcionrios de ministrios da Educao e de organismos de diferentes governos, especialistas de diversas disciplinas e professores de escolas vinculadas EIB ou a outras experincias educacionais baseadas na diversidade, e coordenadores e profi ssionais de projetos da Iniciativa Comunidade de Aprendizagem provenientes de 12 pases.

    Esta publicao apresenta os principais produtos do seminrio como uma forma de contribuir para a discusso das polticas pblicas em educao e as reformas educacionais, com o objetivo de dar o salto adiante requerido por uma educao orientada para o cumprimento dos Direitos Humanos e para responder aos desafi os colocados pelo desenvolvimento com crescimento, sustentabilidade,

  • 19

    justia social, distribuio eqitativa da riqueza social, democracia e participao.

    O livro est dividido em quatro grandes captulos relativos organizao e dinmica do seminrio.

    No primeiro captulo, apresentado um estado da arte da EIB em trs sub-regies do continente, elaborado por especialistas de diversos pases da Amrica Central, da Amrica do Sul e, particularmente, da rea andina.

    No segundo captulo, esto as comunicaes introdutrias do seminrio, elaboradas pela coordenadora geral de Educao Intercultural Bilnge da Secre-taria de Educao Pblica do Mxico, Sylvia Schmelkes, e pelo ento coordenador Nacional do Programa de Educao Intercultural Bilnge do Ministrio de Educa-o do Chile, Guillermo Williamson.

    Na terceira parte, so apresentadas trs experincias da iniciativa Comunida-de de Aprendizagem que tm como componentes centrais a EIB. Tratam-se dos pro-jetos Gesto Participativa em Educao Kelluwn, Temuco, Chile; Rede de Comu-nidades de Aprendizagem em Comunidades Indgenas e Camponesas do Mxico, Puebla, Mxico; e Ao Educativa para o Desenvolvimento Comunitrio, Yucatn, Mxico.

    No ltimo captulo, so relatados diversos casos, particularmente de minis-trios da Educao, instituies acadmicas e organizaes sociais, que foram expostos em diversos painis temticos em que foram apresentadas e discutidas experincias.

    O IIPE/Unesco Buenos Aires e a Fundao W. K. Kellogg esperam con-tribuir, com esta publicao, para a refl exo e o planejamento de polticas, de programas pblicos e de iniciativas referentes diversidade e Educao Inter-cultural Bilnge no continente, os quais estejam destinados a atingir os objetivos de melhoria da qualidade da educao com eqidade.

    Essa srie de publicaes da iniciativa Comunidade de Aprendizagem com-pleta-se com mais trs estudos: um sobre a formao de recursos humanos, outro referente ao processo de auto-avaliao por meio dos projetos da Iniciativa e, um ltimo que apresenta os resultados da avaliao externa dos projetos.

    Todo esse esforo no teria sido possvel sem o compromisso e a dedi-cao de cada coordenador(a) de projeto e suas respectivas equipes. Tambm queremos dirigir nossos agradecimentos aos diretores de programas da Fundao W. K. Kellogg, Jana Arriagada e Blas Santos, que facilitaram e acompanharam o

  • 20

    trabalho da equipe de nosso instituto, e ao diretor da Fundao W. K. Kellogg para a Amrica Latina e o Caribe, Francisco Tancredi, pela confi ana depositada no IIPE-Unesco para o desenvolvimento dessa importante iniciativa.

    Pela sua participao no planejamento e na organizao do Seminrio Internacional, nosso especial reconhecimento a Sylvia Schmelkes e Guillermo Williamson.

    Juan Carlos Tedesco Diretor IIPE/Unesco Buenos Aires

  • Diversidade e Educao Intercultural Bilnge: estadosda arte na Amrica Latina

  • Os trs documentos reunidos neste captulo foram apresentados como uma contribuio para a re exo e o debate no Seminrio Internacional Educao na Diversidade: experincias e desa os da Educao Intercultural Bilnge. As opinies neles includas no representam, necessariamente, os enfoques das instituies organizadoras.

  • Experincias sobre a Interculturalidade

    dos Processos Educativos: informes da

    dcada de 90 Mara Bertely Busquets*Erika Gonzlez Apodaca**

    Odocumento aqui apresentado foi elaborado partindo de uma pesquisa detalhada que uma equipe interdisciplinar, formada por 12 acadmicos provenientes de distintas instituies1, realizou sob a coordenao de Mara Bertely Busquets, para a integrao do estado de conhecimento do campo Educao e Diversidade Cultural correspondente dcada de 90.2 Como sntese, sero apresentados aqui os debates e as linhas de pesquisa mais relevantes na produo desse campo, assim como os materiais identi cados pelos autores. Em uma breve viso prospectiva, so descritas algumas metas e necessidades em matria de educao para a diversidade e educao intercultural no Mxico.

    O tema que abordamos formou-se na ltima dcada como um campo de estudos emergente, de interesses e posicionamentos mltiplos. Um conjunto sig-ni cativo de pesquisas e trabalhos que tm por objeto a diversidade cultural e a

    * Pesquisadora Ciesas** Doutoranda UAM Iztapalapa1 Sonia Comboni Salinas (UAM-X), Jos Manuel Jurez (UAM-X), Mara Bertely Busquets (Ciesas), Erika

    Gonzlez Apodaca (UAM-I), Carlos Escalante Fernndez (DIE-Cinvestav), Rossana Podest Siri (ICSYH-Buap), Elizabeth Martnez Buenabad (ICSY-Buap), Adriana Robles Valle (UIA), Gabriela Czarny (SEByN-SEP), Patricia Medina Melgarejo (UPN), Gisela V. Salinas Snchez (UPN/DGENAMDF) e Mara Victoria Avils (UPN).

    2 Ser publicado oportunamente pelo Consejo Mexicano de Investigacin Educativa. Posteriormente, por Ber-tely (2003), no prelo.

  • 24

    interculturalidade nos processos educativos, interpretados a partir de um espectro amplo de temticas de interesse e perspectivas terico-metodolgicas pode de-monstr-lo. A respeito disso, enquanto o estado de conhecimento da dcada de 80 recolheu em um pequeno setor da produo desse campo (WEST, 1995) os anos 90, pelo contrrio, produziram uma extensa gama de materiais atravessados pelos eixos da diversidade cultural, da educao e dos povos indgenas, dos quais mais de 700 foram localizados e registrados no documento-base deste trabalho.3

    Quadro 1 Educao e diversidade cultural. Quantidade e tipo de produto por subcampo

    Debatelatino-ameri-

    cano

    Etnicidade na escola

    Histria da educao

    Sociolin-gstica

    educativa

    Processos sociocul-turais em interaes educativas

    ONGs e educao

    intercultural

    Formao docente na

    e para a diversidade

    Total

    Livros 27 44 10 23 2 14 13 133

    Captulo/artigo em livros 51 25 29 27 2 6 8 168

    Revista/artigo de revista 28 16 9 8 15 8 18 102

    Tese/licenciatura

    monografi a espec.0 4 0 8 2 3 3 20

    Dissertao de mestrado 0 18 2 6 2 1 3 32

    Tese de doutorado 1 5 5 0 1 0 0 12

    Documentos/informes

    e diagnsticos4 9 1 8 4 7 48 81

    Documentos eletrnicos

    e pginas da web14 0 0 0 0 16 0 30

    Fruns/memrias

    e comunicaes4 23 11 11 2 3 30 84

    Materiais/programas

    e propostas curriculares0 3 4 2 1 1 18 29

    Documentos ofi ciais 7 4 0 0 0 0 4 15

    Totais 136 151 71 93 31 59 165 706

    3 Entre eles esto livros, captulos de livros, artigos de revista, teses em distintos nveis, informes, relatrios de pesquisas, documentos ofi ciais, pginas da web, anais de eventos ou fruns, comunicaes, vdeos, materiais didticos e propostas formativas. A busca e a recuperao dos produtos tiveram como referen-tes centrais as seguintes bibliotecas e centros de documentao: Colegio de Mxico (Colmex), Centro de Estudios Educativos A. C. (CEE), Departamento de Investigaciones Educativas (DIE/Cinvestav), Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropologa Social (Ciesas), Universidad Nacional Autnoma de Mxico (Unam), Universidad Autnoma Metropolitana (UAM), Universidad Iberoamericana (UIA), Universidad Pedaggica Nacional (UPN), Instituto Latinoamericano de Comunicacin Educativa (ILCE), Escuela Nacional de Antropologa e Historia (Enah), Instituto Nacional Indigenista (INI), Direccin General de Educacin Indge-na (DGEI/SEP), Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educacin (SNTE) e Subsecretara de Educacin Bsica y Normal (SEByN/ SEP), entre outros espaos localizados em distintas entidades federativas.

  • 25

    O material est organizado em seis subcampos temticos especializados,4 ori-ginalmente de nidos durante o processo de coleta e anlise dos trabalhos:

    1) Etnicidade e escola. Resistncia, apropriao e formas de participao nativa; 2) A educao e os povos indgenas numa perspectiva histrica; 3) Lngua e sociolingstica educativa; 4) Processos socioculturais em interaes educativas; 5) ONG e redes eletrnicas na educao intercultural; e 6) Formao docente na e para a diversidade.

    Numericamente falando, e sem considerar a primeira coluna, no reportada neste documento, a produo concentrou-se nas reas de Formao docente na e para a diversidade e Etnicidade e escola. Tais dados, embora re itam uma nfase distintiva na produo, no necessariamente signi cam a consolidao e/ou solidez dos campos de estudo, pois, no primeiro caso, interferem fatores, como o tipo de materiais de car-ter majoritariamente informativo e diagnstico, enquanto no segundo caso interfere a ambigidade conceitual com a qual usado o termo etnicidade. A rea temtica numericamente menor Processos socioculturais em interaes educativas re ete seu processo de conformao como campo analtico emergente e de alta especializa-o cuja informao circula principalmente por meio de artigos de revistas. Com respeito aos subcampos intermedirios, o nmero de produtos registrados deve ser lido em funo de seu tipo; os casos Histria da educao e Sociolingstica educativa incluem um nmero signi cativo de livros e captulos de livros que re etem trajet-rias mais extensas de pesquisa. No entanto, deve-se considerar que, no primeiro caso, foram includos estudos histricos de educao rural que abordam a especi cidade do indgena na categoria camponeses, enquanto no segundo foram includas anlises sociolingsticas em contextos no-escolares, por sua complementaridade com os es-tudos de sociolingstica educativa. signi cativo que ambos os casos entre outros apresentem teses especializadas, geradoras de conhecimentos de ponta, ainda que chame a ateno a carncia de trabalhos de doutorado no subcampo de Sociolings-tica educativa, cuja trajetria supe pesquisas nesse nvel.

    4 Devido ao fato de que a produo da Amrica Central e do Sul ser apresentada em documentos paralelos a esse frum, a cargo de equipes responsveis pela sua elaborao, este documento no inclui as memrias da rea Educao para a diversidade: um olhar ao debate latino-americano. No estado de conhecimento original, o referido subcampo insere no contexto latino-americano as pesquisas e os trabalhos produzidos no Mxico.

  • 26

    O campo Etnicidade e escola mostra seu carter emergente no alto nmero de teses registradas, cujos resultados difundem-se em informes de fruns, artigos de re-vistas e captulos de livros. No entanto, a escassez desse tipo de trabalho nos campos ONG e Formao docente na e para a diversidade tambm signi cativa. A respeito da rea ONG e educao intercultural, sumamente interessante a centralidade dos meios eletrnicos e pginas da web como via de difuso e circulao de conhecimento e informao diversi cada, relacionada com o planejamento de polticas educativas interculturais em contextos nacionais, regionais e globais, com os debates sobre as reformas e iniciativas de educao intercultural bilnge na Amrica Latina e com os direitos lingsticos e culturais dos povos indgenas, entre outros.

    A indagao sobre os sujeitos que estudam o material analisado gera conclu-ses interessantes a respeito do tipo de posies e perspectivas presentes na pesquisa desse campo. Uma grande quantidade de trabalhos responde s preocupaes dos planejadores das polticas pblicas educativas interculturais e, conseqentemente, de ne seu objeto como indgenas em geral. A partir desse primeiro locus de enun-ciao (BERTELY, 1997), prioriza-se a interveno educativa e a interculturalidade institucional, abordando temas e problemas de estudo relacionados com as polticas educativas na e para a diversidade no Mxico e em outros pases, com a educao indgena no Mxico e na Amrica Latina, em geral, ou em pases, regies tnicas e entidades federativas espec cas. Em contraste, um segundo locus de enunciao corresponde s perspectivas dos atores, documentadas em trabalhos5 cujo objeto par-ticulariza-se, de nindo-se como regies e povos indgenas de entidades federativas do Mxico e grupos tnicos sobrepostos a limites estatais. Vrios desses trabalhos correspondem a dissertaes de mestrado e teses de doutorado, alm de pesquisas realizadas no mbito acadmico. O habitus universitrio parece mais aberto an-lise de atores educativos emergentes e de apropriaes tnicas da escola, enquanto o habitus normalista ou planejador orienta-se para a interveno educativa e para os projetos o ciais de educao intercultural.

    Porm, o material produzido, as linhas de pesquisa abordadas e as perspecti-vas terico-metodolgicas que o distinguem, inscrevendo posicionamentos episte-molgicos e tico-polticos particulares, movem-se em um conjunto de tenses ou pontos polares que se opem em debates distintivos no tema. Trs desses pontos desejamos mencionar aqui. O primeiro aparece sob a forma de paradigmas con-trapostos sobre a identidade tnica e as relaes tnico-nacionais. A herana do indigenismo institucionalizado e a reao essencialista, por um lado, contrapem-se

    5 Especialmente de mestrado e doutorado.

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    anlise da identidade tnica em termos de interculturalidade vivida e cidadania tnica6 (BERTELY, 1997). Discusses de fundo relacionam-se com essa tenso, entre elas a concepo do indgena como sujeito de atendimento pblico, inspirador de concepes assistencialistas da educao indgena ou como sujeito de direito, no exerccio de formas alternativas de cidadania.

    Relacionada com a anterior, em outra tenso que atravessa esse campo, a iden-tidade essencial est contraposta identidade que se porta. Nessa ltima, os processos de apropriao e etnognese supem a recriao permanente da identidade, apelan-do para o uso emblemtico de referentes histrico-culturais dos grupos. Tradio e modernidade no constituem referentes excludentes entre si, e sim referentes que so negociados em amlgamas identitrias que emergem das necessidades propostas por um contexto global em acelerada transformao, que traz em si mudanas pro-fundas nas relaes sociais e produtivas locais.

    Finalmente, a tenso conceitual sobre a interculturalidade tambm atravessa a produo do subcampo. Um conceito que perpassa suas dimenses culturais e tende a obscurecer as polticas recorrente nos trabalhos dos planejadores da EIB; no entanto, os trabalhos vinculados a atores educacionais emergentes aproximam-se de conceitos de interculturalidade poltica que perpassam a dimenso tnica da EIB. Seu correlato no debate latino-americano o eixo que vai de uma noo de inter-culturalidade, entendida como a busca de dilogo cultural entre iguais, a outra que demanda a explicitao da desigualdade histrica como condio sine qua non de qualquer possibilidade de dilogo, tenso caracterizada como momentos distintivos do referido debate (MOYA, 1992).

    Como pano de fundo de tais eixos, a produo do campo Educao e di-versidade cultural proporciona indcios de um processo de apropriao local da escolarizao pblica (BERTELY, 1997), que delineia amplos riscos e possibi-lidades no contexto das polticas neoliberais e dos processos de autonomia de fato exercidos pelos povos indgenas. Nesse sentido, adquire relevncia especial a promoo de estudos que documentem a participao ativa dos povos indgenas na de nio do tipo de educao que requerem, que analisem as experincias de diversidade lingstica e cultural em contextos rurais e urbanos, e que informem sobre a capacidade autnoma dos povos em matria educativa e no contexto das reformas institucionais.

    6 Para Guillermo De La Pea (1999), a cidadania tnica defi ne-se como a solicitao de manter uma iden-tidade cultural e uma organizao societal diferenciada dentro de um Estado, o qual, por sua vez, deve no s reconhecer, mas tambm proteger e sancionar juridicamente tais diferenas. Tudo isso implica re-delinear o que at agora chamamos de Estado nacional.

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    Etnicidade e escola. Resistncia, apropriao e formas de participao nativa

    Um campo de produo central nas tendncias que caracterizam a situao da EIB no Mxico o relacionado com os processos tnicos e suas mltiplas vincu-laes com o dispositivo escolar, documentado por Mara Bertely Busquets y Erika Gonzlez Apodaca (BERTELY, 1997). Um total de 151 produtos, entre os quais sobressai um nmero signi cativo de livros, captulos de livros, artigos em revistas especializadas, informes de fruns, comunicaes e teses de ps-graduao colocam esse campo em segundo lugar, numericamente falando. Nele exerce in uncia a ambigidade terica com que usado o conceito de etnicidade; no entanto, tambm se deve considerar que a in uncia do levante zapatista e a reivindicao da inter-culturalidade educativa como um direito tm contribudo para aumentar o interesse terico por esse objeto de estudo.

    Longe de ser contingente, a emergncia do tema tnico na escola est si-tuada em um contexto caracterizado pelo aparecimento de novos atores, paradig-mas terico-metodolgicos e agentes sociais em educao, sendo que uma de suas manifestaes que organizaes e sujeitos indgenas no Mxico e na Amrica Latina estejam propondo, negociando e desenvolvendo propostas educativas in-terculturais construdas a partir da base, aproveitando o respaldo poltico que re-presenta o estabelecimento o cial da EIB como orientadora da poltica educativa vigente. Essas experincias, de nidas pelos sujeitos como alternativas, no senti-do de que buscam imprimir aos processos educativos uma ancoragem slida na identidade tnica e na cultura, formam parte importante das contribuies desse campo. Tambm o so os estudos orientados para os contextos multiculturais com populaes indgenas migrantes, que traduzem em snteses tnicas particulares os signi cados e as prticas derivados de seus distintos nveis de insero urbana, de suas prticas produtivas e culturais tradicionais e de sua vivncia escolar. Estamos diante da emergncia de novos objetos de investigao e de enfoques terico-me-todolgicos, associados s aceleradas mudanas no entorno poltico e cultural de nossas sociedades.

    A natureza emergente desse campo est evidenciada no fato de que uma parte importante de suas contribuies encontra-se em dissertaes de mestrado e teses de doutorado, difundidas em artigos de revistas e fruns especializados so-bre o assunto. A esse respeito referimos trs teses de doutorado, uma do Ciesas (BERTELY, 1998b) e duas da Universidad Iberoamericana (ACLE TOMASSINI, 2000; REBOLLEDO, 2000), e dez dissertaes de mestrado, entre elas qua-

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    tro do Ciesas (ROJAS, 1999a; GONZLEZ APODACA, 2000; TOVAR, 2000 e GONZLEZ CAQUEO, 2000), duas do DIE/Cinvestav (CZARNY, 1995 e FEIERSTEIN, 1999), uma do Colegio de Michoacn (MARTNEZ BUENABAD, 2000), uma da Escuela Nacional Superior de Ciencias de la Educacin del Estado de Mxico (PREZ SNCHEZ, 1996) e uma da Universidad Autnoma Metropolitana Xochimilco (ALVARADO, 2000). Signi cativamente, foram pro-duzidas tambm teses em universidades estrangeiras que tratam da relao etnici-dade-escola no caso mexicano (MOSLEY, 2001; ROELOFSEN, 1999).

    Os estudos pioneiros sobre etnicidade e escola, que inspiram vrios dos tra-balhos descritos aqui, foram produzidos nos projetos de Guillermo de la Pea, Ma-ra Eugenia Vargas, Luis Vzques Len, Susan Street e Mara Bertely, no Centro de Pesquisas e Estudos Superiores em Antropologia Social. O tema comeou a ser discutido com maior rigor terico e conceitual em vrios nichos de interlocuo e produo; entre eles, o seminrio permanente Escolas, Indgenas e Etnicidade (Seie-Ciesas), as linhas de pesquisa vigentes no DIE/Cinvestav, o campo de estudos So-ciedade, cultura e educao do Mestrado em Cincias da Educao do Icem, e fruns permanentes como o seminrio Povos Indgenas, Estado e Sociedade no Mxico: novas relaes, novas contradies? realizado no Ciesas como parte do projeto coletivo As Polticas Sociais para os Indgenas no Mxico: atores, mediaes e nichos de identidade. Entre outros eventos mais direcionados para a formulao de polticas educativas de aspecto intercultural como a o cina Perspectivas das Polticas Educativas e Lin-gsticas nos Contextos Interculturais no Mxico e o seminrio Polticas Educativas e Lingsticas no Mxico e na Amrica Latina, organizados em 2001 pela Coordenao Geral de Educao Bilnge da SEP, pela Unesco e pelo Ciesas , esses se distin-guem como centros de discusso e produo terica que incorporam a etnicidade ao tratamento dos processos educativos em um contexto de diversidade.

    Os estudos sobre etnicidade e escola abarcam seis linhas temticas, de ni-das segundo o seu objeto. A primeira delas concernente aos imaginrios tnicos na educao indgena e compreende um conjunto de trabalhos que analisam as classi caes heterclitas construdas em distintos perodos histricos em torno do indgena, de acordo com os paradigmas antropolgicos e histricos hegemni-cos vigentes. Esses imaginrios sociais levaram o indgena a transitar de sujeito de civilizao a sujeito de proletarizao, folclorizao, essencializao e compensa-o em matria educativa (BERTELY, 1998; MUOZ, 2001b; RAMOS, 1996). Os estudos dessa linha temtica documentam o papel desempenhado por esses imaginrios o ciais na construo das representaes hegemnicas do indigenis-mo no Mxico, analisando o discurso escrito (FEIERSTEIN, 1999), a manipu-

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    lao do tnico com nalidade de controle (FAVRE, 1994; LOMNITZ, 1995), ou a forma como a classi cao vigente leva consolidao de novos cacicazgos7 indgenas (PINEDA, 1993).

    A segunda linha temtica refere-se a trabalhos que tm por objeto a inter-mediao poltica e sua relao com a escolarizao. Nela, so identi cadas duas grandes vertentes: a que informa sobre o intermedirio poltico-cultural formado pelo Estado corporativo entre 1960 e 1980 intermediao corporativa (PINEDA, 1993; VARGAS, 1994; RAMOS, 1996; NAKAMURA, 2000) e uma segunda em que se pergunta pelas formas de intermediao civil que so observadas no contexto atual (ROJAS, 1999; GONZLEZ CAQUEO, 2000).

    A intermediao corporativa tem sido objeto de numerosos trabalhos, mui-tos deles paradigmticos. Apoiada em teorias construtivistas da etnicidade, Mara Eugenia Vargas (1994) analisa o processo de conformao como intermedirios da comunicao intertnica dos promotores e educadores formados dentro da Edu-cao Bilnge Bicultural na regio tarasca, e mostra as contradies de sua socia-lizao e do tipo de ideologia introjetada. Em uma linha similar, Nakamura (2000) documenta a dimenso ideolgica associada formao de intelectuais indgenas no Programa de Formao Pro ssional de Etnolingistas do Ciesas, e Olvia Pineda (1992) analisa a expanso do Sistema Bilnge Bicultural em Chiapas e seu impacto na formao de cacicazgos indgenas. Outros trabalhos nessa vertente so as teses de Jos Luis Ramos (1996) sobre os processos de identi cao tnica em educadores bilnges mixtecos, e de Liliana Feierstein (1999) sobre as marcas e rastros histricos da conquista nos discursos escritos da Opinac, da Ampibac e da Direo Geral de Educao Indgena.

    Pelo lado da intermediao civil so encontradas interessantes constataes que do conta da chegada de novos atores e agentes educativos que documentam os papis que esto desempenhando na gestao de projetos educativos interculturais, a partir do exerccio da etnicidade. As pesquisas dessa natureza abordam temas como a articulao de referentes da tradio e da modernidade em snteses identi-trias peculiares e propostas educativas interculturais; a construo de identidades maleveis; as justaposies entre as de nies o ciais e locais do currculo escolar; e a intermediao poltico-cultural que leva os atores a uma apropriao estratgica do discurso educativo o cial. Entre a ampla produo existente nessa linha temtica, destacamos a tese de Anglica Rojas (1999a) sobre uma escola secundria em um

    7 O termo no encontra correspondncia exata em portugus. Porm, o pargrafo no qual se insere carac-terizado por aes arbitrrias e abuso de poder. [N.T.]

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    povoado huichol, realizada com a interveno de novos agentes educativos governa-mentais e no-governamentais, e caracterizada pelos dilemas que implica a constru-o de um currculo etnicista e ao mesmo tempo gerador de cidadania nos contedos e nas prticas de ensino. Tambm desse modo, a tese de Gonzlez Caqueo (2000) documenta processos de recon gurao tnica em Paracho, Michoacn, realizados por lderes pro ssionais e organizaes tnicas.8

    Interseccionando a intermediao corporativa e a intermediao civil, na linha denominada apropriao escolar e etnognese so encontradas pesquisas relacionadas com a forma como os povos indgenas esto vinculados s polticas educativas nacio-nais e, na atualidade, aos processos de globalizao. Apelando para a sua identidade histrica como povos ancestrais, participam de um processo de etnognese que supe sua capacidade para reinventar tradies (HOBSBAWM; RANGER, 1993) e comu-nidades imaginadas (ANDERSON, 1993). Para Guillermo De La Pea (no prelo), essa dinmica de negociao dos processos culturais deriva de que os processos de globalizao vigentes no supem de maneira imediata a desagregao das culturas tnicas e as dinmicas locais, do mesmo modo que no obtiveram a desagregao das comunidades nacionais.

    Para Else Rockwell, a relao das polticas educativas com as dinmicas locais est caracterizada por ciclos de apropriao recproca (ROCKWELL, 1996a) que pem limites transmisso cultural. Nesses ciclos, a poltica educativa expropria tradies populares e locais, porm, por sua vez, deve negociar localmente os signi- cados escolares, enfrentando foras sociais que transformam os planos educativos de modo imprevisvel. No caso dos povos indgenas, tais ciclos de apropriao tm um carter etnogentico, mediante o uso emblemtico de recursos culturais diversos que combinam criativamente tradio e modernidade. Os trabalhos apresentados aqui tm como objeto a apropriao etnogentica documentada em histrias sociais da escolarizao em povos determinados ou na gestao de projetos de educao intercultural em que os educadores bilnges e pro ssionais indgenas apropriam-se, pela base, da escola o cial.

    Dentre os trabalhos dessa natureza, destacamos a tese de doutorado de Ma-ra Bertely (1998b), inspirada no mtodo histrico antropolgico de Friedrich. A autora documenta, a partir de 1885, um sculo de histria da cultura escolarizada entre os zapotecos de Villa Hidalgo, Yalalag, assentados posteriormente na zona metropolitana da cidade do Mxico.

    8 Outros trabalhos nesse sentido so as teses de Martnez Buenabad (2000) e Daniele Roelofsen (1999), a comunicao de Moreno e Robertson (2001) e o trabalho de Valenzuela (2000).

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    O trabalho mostra de que forma, medida que o Estado implanta polticas educativas dirigidas a incorporar as culturas locais mexicanidade a escola federal, a escola socialista e a escola da unidade nacional os setores nativos apropriam-se dos projetos escolares o ciais, adequando-os a seus interesses comunitrios, de faces e privados. As competncias letradas e o castelhano escrito convertem-se em insumos favorveis a tais interesses, contribuindo com os migrantes para manter suas redes sociais, polticas e econmicas, para inserir-se no mercado de trabalho urbano e recriar seus projetos tnicos na cidade, dentre outros aspectos.

    Na linha de apropriao etnogentica, a tese de Gonzlez Apodaca (2000) documenta um processo de construo de um projeto de educao intercultural o cial e, ao mesmo tempo, tnico. Articulado com uma histria local que leva for-mao de distintos tipos de intermediao civil, o projeto do nvel de bacharelado o resultado de um processo de apropriao e construo pela base, via interme-diao poltica que desempenham os pro ssionais mix. Em um contexto de tenso permanente, o projeto d conta das intersees, justaposies e contraposies entre um projeto tnico subalterno, interessado na formao de quadros polticos e pro- ssionais mix com identidades mltiplas, e um projeto hegemnico, con gurado por novos esquemas e agentes de nanciamento.

    Da mesma forma, destacam-se as teses de Anna Mosley (2001), que vincula os processos de apropriao da escola s concepes de desenvolvimento entre os habitantes de uma comunidade zapoteca da Sierra Norte de Oaxaca, apelando para um enfoque metodolgico de matiz interpretativo, e de Stefano Sartorello (2002) em relao s prticas e interpretaes de sujeitos nhuas em relao ao teleba-charelado estatal na Huasteca veracruzana. Os fenmenos de apropriao escolar tambm foram documentados em outros pases latino-americanos; como no caso que Nicanor Rebolledo (2000) noti ca sobre a expanso da escola indgena o cial entre os palikur do Brasil.

    A quarta linha etnicidade, escola e ecossistema cultural engloba os traba-lhos que analisam a vinculao entre os trs elementos considerados como unidades socioambientais, enfatizando suas respectivas in uncias e impactos. A importncia dos trabalhos elaborados sob esse ttulo est na contribuio para a compreenso das relaes recprocas entre a escola e os contextos sociais e culturais nos quais ela se insere. Nesse ttulo, por exemplo, a tese de Acle Tomassini (2000) analisa o ecos-sistema escolar con gurado em torno de uma escola primria monolnge, estatal, em San Pedro Abajo, Estado do Mxico, e a forma como ele intervm nas crises e recomposies tnicas do grupo otom.

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    A linha que trata da escolarizao e relaes intra e intertnicas contm tra-balhos escassos, no obstante a relevncia dos estudos sobre o papel dessas relaes nos processos de etnicidade. Nas pesquisas divulgadas (TOVAR ALVAREZ, 2000; BERTELY, 1998b; CZARNY, 1995), a escola e as competncias escolares so analisadas como insumos das relaes sociais, e freqentemente expressam os con- itos intra e intertnicos. A tese de Czarny (1995) analisa as relaes intertnicas que ocorrem em uma escola primria com crianas, docentes e diretores de diversas procedncias tnicas, encontrando traos de interculturalidade como um retorno a si mesmo do olhar informado do outro, na perspectiva de Todorov. As relaes inter e intra-tnicas e suas vinculaes com os dispositivos escolares cam, no entanto, como objetos de pesquisa pendentes de estudos no campo do qual nos ocupamos.

    Finalmente, uma importante linha analtica da etnicidade na escola ocupa-se dos fenmenos de desterritorializao das fronteiras tnicas, aludindo a uma etnici-dade que transpe crescentemente as regies de refgio e comunidades indgenas para situar-se em espaos descontnuos que transcendem, inclusive, os limites nacionais (DE LA PEA, 1999). O impacto dos processos de globalizao que supem mo-vimento acelerado de recursos, idias e pessoas comea a ver-se re etido em estudos de identidades tnicas urbanas (MARTNEZ CASAS, 2001), e de indgenas em escolas e contextos urbanos sob a forma de censos e diagnsticos (como os realiza-dos na cidade do Mxico por BAZA, 1994), estudos de modelos de atendimento a crianas indgenas (no Distrito Federal, por BECEZ, 1994), e os trabalhos de pesquisa com zapotecos urbanos (HIRABAYASHI, 1981 e BERTELY, 1998b e c) e com crianas mazahuas em escolas urbanas (CZARNY, 1995). Destaca-se nessa linha, de forma notvel, a escassez de pesquisas dos processos tnico-educativos em zonas fronteirias e centros de recepo de migrantes temporrios. Somente so re-feridos os trabalhos de Virginia Villa (1998a e b) sobre as expectativas de familiares e crianas indgenas que trabalham como diaristas, assentados em campos agrcolas multiculturais e multilnges.9

    Em matria de etnicidade urbana, a produo identi cada mostra a comple-xidade das con guraes identitrias e as estratgias tnicas que marcam a insero dos indgenas nesses contextos. Ainda que referido ao caso guatemalteco, o trabalho de Manuela Camus (2000) indaga o que signi ca ser indgena na cidade, interpre-tando as percepes subjetivas de seus sujeitos de estudo no contexto das condies objetivas em que so produzidos. A autora estabelece uma relao direta entre o

    9 A partir de 2000, esse tema comeou a ser analisado no seminrio coordenado pela Dra. Norma del Ro na Universidad Autnoma Metropolitana, em colaborao com o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef).

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    espao de residncia e as manifestaes diferenciadas de etnicidade, identi cando vrios tipos de etnicidade urbana que relacionam de maneiras distintas as fronteiras entre o rural e o urbano. Essa ltima linha temtica vincula de maneiras diferentes a modernidade com a vigncia das atribuies tnicas.

    Desafi os e perspectivas

    Geralmente, a produo do campo de estudo Etnicidade e Escola desenvol-ve um debate central que ope duas perspectivas claramente diferenciadas entre si: por um lado, paradigmas tericos (e ideolgicos) derivados do indigenismo institucionalizado e, ao contrrio do que se poderia pensar, ainda vigentes que tiveram como resposta posturas e proposies essencialistas em espaos o ciais e acadmicos; por outro lado, esto as novas perspectivas terico-metodolgicas, que se afastam de essencialismos e primordialismos, optando por enfocar a et-nicidade e a identidade tnica de maneira processual e dinmica. Esse segundo olhar lanado aos processos tnicos enfatiza os conceitos de cidadania tnica e interculturalidade vivida e tambm a anlise das formas com que os sujeitos ind-genas traduzem e transformam, mediante processos de apropriao etnogentica, os modelos educativos o ciais.

    As anlises e os trabalhos aqui descritos mostram que as organizaes e lideranas indgenas, alm de serem pro ssionais e educadores posicionados como intermedirios corporativos e civis, so participantes ativos das atuais classi caes identitrias, com capacidade de contestao diante das de nies o ciais do que ser indgena. Objetos de estudo recorrentes nesse campo so os trnsitos entre nveis de identi cao local, regional, nacional e global, freqentemente justapos-tos mediante usos emblemticos dos recursos culturais e simblicos dos atores. As contribuies aqui analisadas parecem convergir em direo a novas con guraes da etnicidade e dos processos escolares, nas quais as competncias escolares e pro- ssionais tendem a representar papis importantes na manuteno e na recriao da etnicidade. Em sntese, as tendncias desse campo convidam a transcender olhares e posicionamentos herdados do indigenismo de cunho antigo e a prestar ateno s con guraes emergentes de etnicidade na escola, sob o eixo da apropriao.

    Nessa lgica, so colocados vrios desa os para os anos vindouros. A cres-cente complexidade da noo de identidade, traduzida em amlgamas identitrias mltiplas, prope enormes exigncias ao planejamento de currculos escolares na e para a diversidade, cuja ateno inicia-se ao aprofundar o estudo das novas con -

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    guraes identitrias que causam impacto na escola. Entre elas, destaca-se a anlise das identidades tnicas em escolas de zonas fronteirias, especialmente no norte do pas, onde a escassez de trabalhos dessa ordem notria.

    Para a formulao de currculos interculturais e a de nio de propostas edu-cativas na e para a diversidade, compreender os processos tnicos e suas vinculaes com os processos educativos torna-se hoje uma necessidade e uma possibilidade. As constataes referidas constituem um meio de chamar a ateno das instncias de planejamento e elaborao de currculo para que se abram e considerem as experin-cias escolares que surgem de processos tnicos em contextos espec cos como meio de relao para dar contedo Educao Intercultural Bilnge. O reconhecimento o cial e o apoio institucional s experincias mencionadas tm a ver com o sentido tnico da Educao Intercultural Bilnge, que at o momento no foi considerado, j que o Estado continua de nindo o indgena como sujeito de interesse pblico e no como sujeito de direito.

    Essa aproximao das apropriaes escolares em seus dois sentidos, em dire-o a rmao tnica e insero cidad, rompe com vises estticas do indge-na na escola, as quais ainda esto vigentes na formulao das polticas educativas nacionais. Tambm possibilita re etir sobre propostas educativas orientadas para propiciar relaes intertnicas e tnico-nacionais menos desvantajosas. Ainda assim, considerando que as experincias divulgadas na linha de intermediao marcam uma tendncia intermediao civil nos nveis mdio-bsico, mdio-superior e su-perior enquanto a intermediao corporativa do educador mantm-se no nicho da educao bsica um lo de pesquisas futuras nesse campo diz respeito ao impacto do sistema educativo o cial na gestao de propostas educativas intercul-turais, ancoradas em contextos socioculturais e histricos espec cos e construdos a partir da base.

    At essa data, no foi considerado o conhecimento produzido nessa matria nas propostas curriculares e nas reformas do sistema educativo indgena. Isso se con rma na anlise do campo Formao em e para a Diversidade, no qual as pro-postas de formao de docentes indgenas na perspectiva intercultural no remetem em absoluto a experincias como as aqui registradas. Segundo o que a rma Hctor Muoz (2001b, 19), a discusso dos processos tnicos na escola tem sido margina-lizada diante das questes poltica e pedagogicamente estratgicas, como a moder-nizao da educao bsica e os paradigmas hegemnicos vigentes. No entanto, previsvel que dada a forte emergncia desses processos seja imprescindvel lev-los mesa de discusso.

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    A educao e os povos indgenas em umaperspectiva histrica

    A produo terica relacionada com os indgenas na histria da educa-o, sistematizada por Carlos Escalante (ESCALANTE, no prelo), con gura um subcampo analtico com antecedentes na histria da educao rural, porm em processo de constituio independente, com perguntas e metodologias prprias. O autor informa que, a partir de meados da dcada de 90, o interesse dos historiado-res e de outros cientistas sociais pelos setores subalternos e pela historicidade dos processos de escolarizao, com o levante zapatista e a in uncia do movimento indgena renovado, constituem fatores disciplinares e extradisciplinares que ex-plicam o interesse crescente pelo tema e a passagem de um enfoque centrado na histria da educao indgena ao estudo dos indgenas na histria da educa-o, passando de uma nfase na ao do Estado a um interesse na perspectiva dos destinatrios.

    O subcampo recuperou um total de 71 produtos, em sua maioria livros, ca-ptulos de livros, artigos de revistas, cinco teses de doutorado e duas dissertaes de mestrado, alm de comunicaes e anais de fruns: uma produo historiogr ca que vai de 1994 ao incio de 2002. Alm dos nichos de produo j menciona-dos na introduo, incluem-se o Colegio Mexiquense e pesquisadores estrangeiros, cujos trabalhos localizaram-se na Universidad de Aguascalientes (UAA), no Cole-gio de Michoacn (Colmich), no Instituto Superior de Ciencias de la Educacin del Estado de Mxico (Isceem), entre outros. O autor identi ca ainda dois grupos de autores: o primeiro formado por pesquisadores j consolidados na histria da educao como Pilar Gonzalbo, Dorothy Tank, Luz Elena Galvn, Elsie Rockwell e Mary Kay Voughan, entre muitos outros, e na educao indgena, a partit de distintas perspectivas disciplinares, como Mara Eugenia Vargas, Brbara Cifuen-tes, Mara Bertely, Margarita Nolasco, Alfredo Lpez Austin e Juan Jos Romero, entre outros. No segundo grupo, o autor inclui jovens historiadores em educao, como Ariadna Acevedo, Adelina Arredondo, Laura Giraudo ou Stephen Lewis, dentre outros, cujo aparecimento mostra a renovao da comunidade acadmica nesse subcampo. Finalmente, os grupos indgenas estudados de maneira espec ca no conjunto dos trabalhos referidos so purpechas, zapotecos, nhuas, yaquis, ta-rahumaras, mazahuas e tzeltales, ainda que seja divulgado que a maioria dos produ-tos referem-se aos indgenas de forma geral.

    O autor utilizou uma periodizao convencional para a organizao dos materiais. Em relao educao na poca pr-hispnica foi identi cada uma escas-

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    sa produo terica; a que existe (LPEZ AUSTIN, 1996; ROMERO GALVN, 1996; VALVERDE, 1996) so ensaios orientados para a anlise das instituies edu-cativas da poca pr-hispnica nos casos dos astecas e maias, as formas de socializao nas referidas instituies, os valores morais e os rituais de passagem. A notria escas-sez de trabalhos sobre a educao pr-hispnica um vazio a ser preenchido. O tema considerado relevante, pois visualizado como uma das duas tradies confrontadas posteriormente na poca colonial, sob aes de resistncia passiva e seleo de idias e costumes dos conquistadores (GONZALBO, 2000).

    No estudo da poca colonial so referidas pesquisas sistemticas e profun-das, que aludem confrontao de duas tradies educativas, a indgena e a es-panhola, e que tm lugar sob respostas indgenas imposio cultural, respostas como a aceitao efetiva, a rebeldia total e a simulao e o engano (GONZAL-BO, 2000), com o fenmeno do sincretismo, entendido como apropriao seletiva, reelaborao e reinterpretao de ambas as cosmovises e dos sistemas valorativos (GONZALBO, 2000). Tambm so referidas anlises historiogr cas dos povoa-dos indgenas (TANCK, 1999) e as formas de participao nativa na implantao de escolas, como o estudo de Dorothy Tanck sobre a relao entre as escolas e as caixas comunitrias e a fundao de escolas gratuitas pelos povoados indgenas, an-tes que os municpios espanhis o zessem (TANCK, 2002a). Em todos os casos citados pelo autor, uma constante o emprego de recursos usados pelos indgenas diante da ordem colonial.

    Durante o sculo XIX, os indgenas so quali cados pelo autor como invisveis e negados. Da Independncia ao Por riato,10 veri ca-se escasso interesse pelo estudo da educao indgena, tanto mais signi cativo porque o perodo chave na cimenta-o da cidadania nacional e na construo da nao. Um dos desa os desse subcampo est em preencher os vazios existentes na documentao de processos de longo prazo que so importantes para se compreender as tentativas das elites de construir uma op-o educativa para indgenas e camponeses (ESCALANTE, no prelo). Nesse sentido, o caso do sculo XIX demanda uma visibilidade do indgena na educao, por meio de les mltiplos de estudos, tarefa demasiado complexa, se se considera que das evidncias documentais da poca foram apagadas as categorias coloniais, apagando-se os indgenas da documentao.

    Alguns dos les j inicialmente explorados so a formao de elites ind-genas letradas no Colegio de San Gregorio, de 1821 a 1857 (ESCOBAR, 1994, 1999); as preo cupaes e concepes educativas de alguns intelectuais do princpio 10 Perodo de governo do general Porfi rio Daz, presidente da Repblica do Mexico de 1876 a 1911. [N.T.]

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    do sculo Jos Mara Luis Mora, Lorenzo de Zavala e Jos Mara Iglesias, entre outros a respeito da educao rural e indgena; e o impacto da legislao liberal de desamortizao de bens comunitrios na manuteno das escolas (GALINDO PELEZ, 1994).

    Finalmente, o sculo XX remete grande quantidade de produtos, de alcance regional, institucional ou local, que mostram um contexto atravessado pelas polmicas sobre as relaes tnico-nacionais e a construo da nao moderna (ESCALAN-TE, no prelo). Um grupo de temas estudados est centrado na ao indigenista do Estado em distintas instituies educativas desse perodo. Entre elas, esto as for-maes do Departamento de Cultura Indgena, no princpio de 1922, e sua liao SEP (FELL, 1996); do Departamento de Assuntos Indgenas, criado no governo cardenista e analisado por Ceclia Greaves durante o perodo presidencial de Manuel vila Camacho, junto com os centros de capacitao (GREAVES, 2001b); do projeto callista11 da Casa do Estudante Indgena (LOYO, 1996a, 1998) e a experincia de Carapan sob o incentivo de Manuel Senz (DIETZ, 1999a), entre outras. De modo indireto, Giraudo analisa o impacto da Casa del Estudiante Indgena em escolas ru-rais de Puebla e Veracruz, a partir da seleo das mesmas sob o critrio de que nelas daro aulas os docentes egressos daquela instituio (GIRAUDO, 2000).

    Outro conjunto importante de trabalhos destaca as dimenses culturais e ide-olgicas dos processos de escolarizao, a partir da apropriao local das propostas educativas governamentais e da permanncia da legitimidade comunitria diante das polticas assimilacionistas, incorporativas e castelhanizadoras do Estado indigenista (BERTELY, 1998b), das relaes estabelecidas pelos indgenas e camponeses com as escolas nos casos de Sonora, Puebla (VAUGHAN, 1997) e Tlaxcala (ROCKWELL, 1994, 1996a e b, 1998, 2002), do papel dos indgenas escolarizados em instituies indigenistas na traduo local das propostas educativas governamentais (VARGAS, 1994, GIRAUDO e SNCHEZ, 2001) e das formas culturais de apropriao pos-tas em jogo para conseguir o controle local das escolas (ROCKWELL, 1994, 1996a e b, 1998, 2002). Esse setor de produo compartilha o eixo identi cado no sub-campo Etnicidade e Escola da apropriao escolar e das transformaes orientadas culturalmente s quais submetido o dispositivo escolar.

    Finalmente, um terceiro conjunto de trabalhos analisa diferentes respostas locais educao indgena, em regies espec cas do pas. Entre elas, encontra-se a regio purpecha de Michoacn, com estudos sobre a poltica indigenista dos

    11 Esse termo se refere ao governo de Plutarco Elias Calles (1924/1928) e aos acontecimentos polticos que tiveram lugar nesse perodo.

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    ltimos 50 anos (DIETZ, 1999a), a experincia educativa de Carapan (TORRES, 1998, 1999) e a anlise dos educadores bilnges de 1964 a 1982 (VARGAS, 1994); o Estado do Mxico, com os trabalhos de Luz Elena Galvn sobre as comunidades mazahuas (GALVN, no prelo) e o trabalho sobre as misses culturais e a Escuela Regional Campesina de Tenera (CIVERA, 1997); Oaxaca, com os trabalhos j mencionados de Mara Bertely com os zapotecos da Sierra Norte (1998b e 1999a), o estudo de Enrique Bernal sobre uma escola primria em San Miguel Alopam em um perodo de 20 anos (BERNAL, 1997) e a Sierra Norte de Puebla (VAU-GHAN, 2000; ACEVEDO, 2000). Contam-se, ainda, estudos de Tlaxcala (RO-CKWELL, 1994, 1996a e b, 1998, 2002) e de Veracruz (GIRAUDO; SNCHEZ, 2001), entre os mais signi cativos.

    As contribuies desse perodo relacionam-se com os debates sobre a ressig-ni cao da relao entre etnicidade, cidadania, nacionalismo e escola, assim como sobre os vnculos entre identidade, cultura escolar e cultura nacional. Apontam, em sua maioria, para a nfase do carter multidimensional e recproco da transmisso cultural na escola, e para as negociaes culturais e simblicas que transformaram o projeto nacional e impediram sua imposio vertical nas comunidades indgenas por meio da escola. Os projetos culturais ps-revolucionrios mostram-se como produ-to das relaes entre o nacional e o local (ESCALANTE, no prelo), e o conjunto de trabalhos referidos enfatiza a participao indgena como decisiva no funciona-mento e no desenvolvimento do processo educativo indigenista.

    Desafi os e perspectiva

    Segundo o autor, as pesquisas desse subcampo, ainda que insu cientes, j formam uma base para pesquisas posteriores. Dada a ateno dos pesquisadores desse subcampo pelas formas de participao dos indgenas nos processos de esco-larizao em suas diferentes etapas, um dos desa os vindouros ser incentivar estu-dos historiogr cos sobre os grupos tnicos espec cos, suas estratgias educativas, seus usos da alfabetizao e da escolarizao e suas formas de relao com as polticas educativas o ciais. Em tais estudos, outro desa o tambm colocado tem a ver com a preciso terico-conceitual dos termos que vo conformando o contexto terico desse subcampo emergente, localizando, a rma seu autor, os momentos de sua apario.

    O estudo dos indgenas na histria da educao e sua percepo como sujei-tos educativos em diferentes contextos histricos e orientaes de poltica educativa pode subsidiar as anlises sobre a ao educativa atual e incorporar-se re exo

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    sobre propostas educativas interculturais. A viso diacrnica dos processos educati-vos e de seus vnculos com os processos culturais e as dinmicas socioeconmicas, sociais e polticas nos nveis local, regional e estatal, abordados a partir de perspec-tivas de subalternidade, so elementos centrais para isso. Nesse sentido, e contando com o crescimento observado na produo sobre o tema, parece previsvel sua futura consolidao como campo analtico da historiogra a da educao.

    Lngua e sociolingstica educativa A recompilao da produo de materiais sobre os processos sociolings-

    ticos na esfera educativa, realizada por Rosana Podest Siri e Elizabeth Martnez Buenabad (PODEST; BUENABAD, no prelo), permitiu observar um notrio incremento e um aprofundamento no nmero e no tipo de estudos realizados du-rante os ltimos dez anos, que mostra sua consolidao como campo de estudos na pesquisa educativa mexicana. Um ramo dos mesmos, tambm de crescente impor-tncia, refere-se aos processos lingsticos da educao intercultural bilnge, que incluem basicamente estudos das lnguas indgenas e do espanhol, na escola e em seus entornos sociais, objeto que j vinha sendo divulgado de modo bem delineado em estados de conhecimento anteriores.

    Na integrao do estado de conhecimento desse subcampo, foram recompila-dos um total de 93 materiais produzidos, dos quais a maior parte so livros e captulos de livros. Foram citadas oito monogra as em nvel de licenciatura e seis dissertaes em nvel de mestrado, ainda que se deva destacar a inexistncia de pesquisas de dou-torado. No entanto, as dez referncias a comunicaes e anais de fruns indicam que esse subcampo consolidou seu lugar nos espaos de interlocuo e debate. As autoras assinalam que uma grande parte da produo est a cargo de instncias acadmicas e no de instituies o ciais, o que, como em outros casos, mostra a necessidade de vinculaes entre as pesquisas produzidas e os responsveis por elaborar planos e pro-gramas educativos. Entre os espaos de produo esto, alm dos j mencionados na introduo, as unidades UPN de Oaxaca e Puebla, e a Benemrita Universidad Aut-noma de Puebla (Buap); neles h referncias sobre a existncia de grupos de pesqui-sadores e alunos de ps-graduao, dedicados plenamente a esse campo de pesquisa, dos quais alguma produo foi organizada por Hctor Muoz (2001d). Outras cole-tneas especializadas, produto de reunies cient cas sobre o tema, com a presena do Mxico, da Amrica Latina e de alguns pases europeus, so os trabalhos de Muoz e Podest (1993), Muoz e Lewin (1996) e Muoz (2001). O tema tambm dis-cutido amplamente em seminrios sobre lingstica educativa, dentre os quais foram

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    citados trs com impacto nacional. O seminrio Polticas Educativas e Lingsticas no Mxico e na Amrica Latina, organizado pelas Naes Unidas no nal de 2001, chegou a um interessante e desolador balano do estado atual da EIB no Mxico, no qual so destacados a inexistncia de currculos interculturais bilnges nos planejamentos, nos programas e nas prticas educativas e o estabelecimento de um currculo intercultural para toda a populao infantil nacional (PODEST; BUENABAD, no prelo). Por outro lado, a discusso do anteprojeto do Instituto Nacional de las Lenguas Indgenas gerou outro seminrio nacional que convocou lingistas, membros de academias de lnguas indgenas, lderanas indgenas e funcionrios para discutir a criao do referi-do organismo, em seu carter de instituio orientada para fortalecer o multilingismo como poltica de Estado. Em terceiro lugar, as autoras fazem referncia ao seminrio Escola, Indgenas e Etnicidade, coordenado por Mara Bertely e Mara Eugenia Vargas, do Ciesas, como espao permanente que convoca diversos especialistas em educao, histria, antropologia educativa e sociolingstica educativa, entre outros. Junto com fruns e o cinas no retomados aqui, tais espaos constituem tentativas de apoiar de forma direta as prticas educativas em contextos interculturais e bilnges, permitindo uma difuso das pesquisas frente a frente com os responsveis por operacionalizar os afazeres educativos.

    Em relao ao material escrito, foram identi cados dois tipos de pesquisas: aquelas que constituem descries e anlises sociolingsticas em geral, e as loca-lizadas em ou relacionadas com espaos ulicos e escolares. Em razo de sua complementaridade, os trabalhos divulgados incluem ambas as vertentes. As linhas temticas identi cadas pelas autoras foram vrias; em termos gerais, todas elas apre-sentaram relevncia para o projeto e para a implantao das polticas, do planeja-mento e dos programas interculturais e bilnges.

    Nos estudos que tm por objeto o contato comunicativo e os fenmenos de deslocamento esto localizadas as pesquisas pioneiras da sociolingstica mexicana (DE LA TORRE, 1994; HAMEL, 1995, 1996, 1998; ZIMMERMANN, 1997; PODEST, 1993a, 2000; MUOZ, 1999; CRUZ, 2001), seguidas pelas anli-ses de atitudes lingsticas que exploram a conscincia lingstica dos falantes e seus juzos de valor sobre os diversos usos e aspectos da lngua (GARCA, 1995; CORTS, 1995; MUOZ, 1997b, 1999; MENA e RUIZ, 1993, 1996; MENA, RUIZ e MUOZ, 1999). A linha de pro cincia lingstica, pro cincia textu-al e aproveitamento escolar avalia as competncias dos estudantes bilnges em distintas habilidades lingsticas e permite avaliar o impacto escolar no grau de vitalidade e/ou deslocamento das lnguas indgenas, tema introduzido no Mxico por Gloria Bravo Ahuja e Nancy Mediano. Essa linha inclui anlises sociolings-

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    ticas comunitrias, atitudes lingsticas e aquisio da leitura-escrita como tpicos complementares (FRANCIS, 1997; MENA; MUOZ; RUIZ, 1999; PODEST, 1996a, 1997a, 2000). Assim, os trabalhos de etnogra a da fala tambm se relacio-nam com a funcionalidade, a vitalidade e o deslocamento das lnguas indgenas, tanto no espao comunitrio ( JULIN CABALLERO, 1999; CORONADO SUZAN, 1999; PRECIADO, 2000; MENA; MUOZ; RUIZ 1999; PODES-T, 2000) como na sala de aula (MENA; MUOZ; RUIZ, 1999; PODEST, 2000; CRUZ, 2001). Como complementares, esto os trabalhos de etnogra a da escrita em contextos indgenas, uma interessante linha incipiente que considera diversos aspectos, como a regulao comunitria dos usos da escrita, sua disposio espacial e os atos de escrita (PREZ, 1995; PODEST, 2000), temas sumamente relevantes para os programas escolares de leitura. Posteriormente, esto localizados os trabalhos que realizam uma microanlise etnogr ca da educao, linha que enfoca problemas de interao, cognio e currculo, que caracterizam a sala de aula indgena bilnge e seus vnculos com a presena de estratgias discursivas e educativas no-compartilhadas entre os participantes do espao ulico (MENA; MUOZ; RUIZ, 1999). A linha aquisio de lnguas indgenas trabalha a sociali-zao primria, linha temtica emergente que relevante para os fundamentos da EIB (DE LEN, 1999). Outro grupo de trabalho est voltado para o estudo das polticas da linguagem e polticas educativas (MARTNEZ BUENABAD, 1992; MUOZ, 1997a, 1998b, 1999, 2001a e b; HAMEL, 1993, 1997a; PODEST, 2000), muito relacionado com aqueles que abordam temas de direitos lingsticos e educao (HAMEL, 1995).

    A linha emergente lngua e cultura integra pesquisas sobre as representa-es culturais (PODEST, 2002) e os contedos tnicos e comunitrios das lnguas indgenas ( JIMNEZ, 1993; PODEST, 1994b, 1996a e b; SALVADOR, 2002). Ainda que esteja em uma fase incipiente de seu desenvolvimento terico-metodo-lgico, sua nfase em conhecer as lgicas culturais que subjazem nas lnguas, como nica forma de reorientar um ensino de lngua respaldado pelos correspondentes padres culturais, coloca-a em um lugar de primeira importncia diante da confec-o de currculos interculturais. Tambm aqui, como em outros campos, so refe-ridas pesquisas escassas em contextos de migrao (CALVO, 1997; GALEANA, 2001; MALDONADO, 1996); destacam-se, no entanto, algumas propostas inte-ressantes de autoria nativa, como os textos de meninos e meninas nhuas, lhos de migrantes na cidade de Puebla (PODEST, 1997b), que permitem a aproximao das representaes sociais de seus prprios mundos de vida, cosmogonia, prefern-cias, gostos, valores e imaginrios sociais e culturais.

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    Finalmente, as autoras identi cam na linha planejamento da identidade tnico-cultural e educao bilnge um objeto de pesquisa que documenta a in-su cincia de um planejamento lingstico na EIB, se no for acompanhado por um planejamento da identidade tnico-cultural e, por conseguinte, indicam a urgente demanda de uma poltica da identidade, alm de uma poltica lingstica (ZIMMERMANN, 1997).

    Da extensa produo encontrada, so inferidos alguns sinais pontuais da si-tuao geral desse subcampo. Convm destacar, em primeira instncia, que a nfase esteja posta no nvel primrio da educao bsica, cando em um lugar completa-mente marginal nos nveis mdio (SALVADOR, 2002) e superior. De forma igual, os estudos priorizam a escolarizao, marginalizando a socializao primria como objeto de anlise. De modo igual educao indgena, a sociolingstica educativa parece continuar encerrada no nicho da educao bsica, fato que contrasta com as experincias de educao intercultural, produto de processos de apropriao tnica da escola, divulgadas no campo Etnicidade e Escola.

    Em alguns trabalhos, que analisam o nvel de formadores de docentes, tam-bm constante a falta de ferramentas que vinculem a lingstica com a antro-pologia educativa e a histria, com exceo do mestrado em Sociolingstica da Educao Bsica e Bilnge da UPN Oaxaca e da linha Diversidade Lingstica e Sociocultural do mestrado em Desenvolvimento Educativo da UPN-Ajusco. Esse divrcio re ete-se igualmente em outros nveis educativos e, com fora especial, no projeto e no planejamento de currculos, constituindo uma problemtica ex-tremamente complexa que tem em suas razes a vigncia de enfoques bilnges de cunho antigo para os quais a lngua no compreendida nem usada em toda a sua potencialidade simblica como o artefato simblico que possibilita uma comunicao (MUOZ, 2001b) ou o armazm das prticas culturais do grupo que a inventou e a fala e no um mero instrumento de comunicao (ZIMMER-MANN, 1997). As linhas de pesquisa planejamento da identidade tnico-cultural e educao bilnge, lngua e cultura, entre outras, abrem interessantes les ana-lticos nesse sentido.

    Outro aspecto a ser considerado a quantidade de grupos lingsticos no registrados em pesquisas ou trabalhos. As excees, que formam o panorama dos estudos do multilingismo em nosso pas, so o mixteco, o mixe, o triqui, o zapoteco, em Oaxaca, o huichol, em Jalisco, o mazahua, do Estado do Mxico, e o maia, de Chiapas; no foram referidos estudos comparativos interestatais com uma mesma lngua. Ainda que seja considerado um mosaico lingstico integrado somente pelas

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    56 lnguas indgenas registradas nos censos populacionais, o caminho a percorrer pelos pesquisadores da sociolingstica educativa longo; por isso, a necessidade de aprofundar o conhecimento da realidade multilingual e pluricultural do pas me-diante estudos de regies lingsticas espec cas, includas aquelas que se sobre-pem aos limites estatais. Os contextos migratrios continuam sendo nesse, como em outros campos, uma chamada de ateno urgente.

    Desafi os e perspectiva

    O principal desa o apontado pelas autoras desse subcampo, cujo objeto, como foi possvel apreciar, amplo e complexo, est na vinculao entre pesquisadores e planejadores/operadores de programas de Educao Intercultural Bilnge, visando difundir e aproximar os resultados da pesquisa, e propiciar sua incorporao por meio de responsveis pela interveno educativa. Um conjunto de temas, segundo Muoz (1998a), seriam centrais a esse respeito: a diversidade lingstica e cultural do Mxico (ZIMMERMANN, 1997); os bilingismos modernos e a lngua escrita (MUOZ, 1997a e b); a tradio oral e a normatizao da lngua indgena (GOS-SEN, 1989); as autorias indgenas e a refuncionalizao do discurso oral e escrito (LINDENBERG, 1996a e b; PODEST, 1996b); a relao lngua-urbanizao (PODEST, 1994b; MUOZ, 1998a; CORONADO SUZN, 1999); a migrao e a transformao sociocultural (PARDO, 1996); a revitalizao tnica e os meios de comunicao; cultura, desenvolvimento e comunicao; doutrinas do bilingismo e da interculturalidade na sala de aula.

    Centrar a ao educativa na identidade e na cultura, base de um enfoque intercultural (MUOZ, 2001b), prope enormes desa os no campo da lngua en-quanto armazm simblico da cultura. Entre os que surgem da produo desse subcampo esto a superao do reducionismo da cultura ao campo da lingstica e a possibilidade de considerar a lngua como um dos elementos centrais, porm no o nico, na de nio e na operacionalizao da EIB. Os estudos mostram que a aprendizagem da lngua indgena em si mesma no su ciente, se no estiver integrada s atividades produtivas e rituais dos povos (PODEST; MARTNEZ). As linhas emergentes de planejamento da identidade tnico-cultural e educao bi-lnge, lngua e cultura parecem apontar nessa direo. Ao mesmo tempo, tambm so apontados como sem resoluo os problemas metodolgicos do ensino do espa-nhol como segunda lngua e a normatizao ortogr ca das lnguas indgenas, entre outros mltiplos aspectos que con guram o panorama de pesquisa desse subcampo nos anos por vir.

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    Em torno do contexto da investigao qualitativa que tem orientado a pro-duo desse subcampo, as propostas de autoria nativa recentemente exploradas abrem possibilidades e desa os de construo de novas metodologias dialgicas, apontadas pelas autoras como possibilidades de pesquisa coerentes com a experi-ncia intercultural e que demandam novos posicionamentos: aqui, os sujeitos vem a si mesmos exercendo papis protagnicos na construo de suas prprias reali-dades sociais e educativas.

    Finalmente, o estudo das lnguas e de seus usos, suas funes e seus poten-ciais signi cativos, no contexto dos novos cenrios multiculturais caracterizados por fenmenos nacionais e internacionais de migrao, tornam-se centrais para a con-feco de polticas, planejamentos e programas educativos em um Mxico inserido num mundo globalizado. Nesse sentido, observa-se um trnsito gradual da pesquisa sobre a diversidade lingstico-cultural e dos fenmenos sociolingsticos de con-textos indgenas rurais a contextos de multiculturalidade urbana, sob novos usos, comportamentos e atitudes lingsticas. Essa tendncia na pesquisa coloca-se como parte dos novos objetos de estudo desse subcampo.

    Processos socioculturais em interaes educativas Em mais uma das intersees entre educao e cultura esse subcampo est

    construdo, recompilado e analisado por Adriana Robles Valle e Gabriela Czarny (ROBLES; CZARNY, no prelo). Seus objetos de estudo so os processos socio-culturais ligados a estilos de aprendizagem e contedos culturalmente situados, que tm lugar em diversas situaes educativas. A anlise dessas ltimas realiza-se a partir de um enfoque cultural que, apesar de ser denominado de distintas formas, tem como denominador comum a abordagem de situaes educativas ulicas e ex-tra-ulicas em funo do contexto sociocultural em que esto inseridas.

    A partir desse tipo de abordagem terica, a diversidade cultural das esco-las est entendida como diversas concepes de mundo postas em prtica pelos membros de grupos culturalmente diferenciados, ou em seu interior, no sendo eles necessariamente indgenas. As pesquisas educativas reunidas nesse subcampo, no entanto, tratam de grupos indgenas. Um total de 21 trabalhos, em sua maior parte artigos de revistas especializadas e, em menor nmero, documentos, livros, cap-tulos de livros e teses de doutorado, dissertaes de mestrado e monogra as de licenciatura, do conta de um subcampo altamente especializado, de interesse ainda incipiente, cujo antecedente est localizado no Grupo de Estudos Socioculturais do DIE, integrado em meados dos anos noventa por professores pesquisadores como

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    Elsie Rockwell, Ruth Mercado, Antonia Candela, Ruth Paradise e Rafael Qui-rz. Atualmente, esse grupo conhecido como um espao privilegiado de re exo nesse campo, junto com o seminrio permanente Escola, indgenas e etnicidade do Ciesas. Outros nichos de produo identi cados foram a Universidade Pedaggica Nacional (UPN), a Diviso de Ps-Graduao em Pedagogia da Unam, o Centro de Educao de Adultos para a Amrica Latina (Crefal), a Universidade de Gua-dalajara (UDG) e o Iteso, instituies em que tambm se faz trabalho de campo, anunciando em um prazo mdio uma documentao signi cativa de experincias e processos dessa ndole. As autoras tambm informam que a preocupao com as formas de ensino culturalmente situadas est presente nas atuais grades curriculares para a formao dos docentes das escolas normais e da direo de Pesquisa Educati-va da SEByN-SEP (Plano de Estudos Educao Primria: 1997, Plano de Estudos Educao Pr-Escolar e Secundria: 1999), e na linha de formao Educao e diversidade sociocultural e lingstica do mestrado em Desenvolvimento Educativo da UPN Ajusco.

    A princpio, o material registrado est centrado, em sua maior parte, no nvel de educao primria, em franco desequilbrio relativamente a outros nveis bsicos e superiores. Tambm nesse caso o direcionamento para a educao primria mos-tra a necessidade de aprofundar e ampliar esse tipo de estudos em outros nveis do sistema educativo nacional, o que contribuiria com importantes dados para avaliar qualitativamente a articulao-desarticulao de distintos nveis escolares com esti-los e formas socioculturais locais.

    Segundo as autoras desse subcampo, um primeiro conjunto de trabalhos in-formam e dialogam com a antropologia, a psicologia cultural e o enfoque cultu-ral (ROBLES; CZARNY, no prelo), combinando distintas perspectivas de anlise quantitativa da interao e da comunicao em contextos escolares e comunitrios com populao indgena. Nessa vertente, destacam-se as contribuies de Ruth Pa-radise (1991, 1992, 1996, 1998), que, de maneira geral, analisa as prticas de inte-rao de crianas mazahuas em termos de sua prpria cultura. A autora mostra que as referidas prticas promovem nas crianas o desenvolvimento de capacidades e es-tilos de aprendizagem espec cos, como a observao e a independncia, que por sua vez possibilitam uma cooperao tcita na interao, contrastando com os aspectos culturais ocidentais que identi cam essa cooperao como signo de passividade. A cultura est concebida como a capacidade de ser partcipe das prticas cuotidianas, e a aprendizagem desenvolvida na experincia (ROBLES; CZARNY, no prelo). Paradise indica que prevalecem concepes ocidentalmente condicionadas a respei-to das formas de interao na sala de aula, que levam a impor estratgias de ensino

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    em franca descontinuidade cultural com os estilos socioculturais e a identidade in-dividual e coletiva dos alunos.

    Em um sentido similar, Mara Bertely (1995, 2001, 2000a) documenta estilos de interao e conhecimentos locais de crianas mazahuas e suas famlias em um contexto escolar, analisando as adaptaes escolares e docentes e a mazahuizao da escola, a partir de sua insero. Tambm documenta uma srie de estratgias docentes de um professor mazahua entre elas, o ensino no-centralizado e a aprendizagem paralela que se tornam culturalmente pertinentes. A autora pergunta-se pelo de-sa o da diversidade sociocultural nas escolas, fazendo a proposta de uma escola in-tercultural inclusiva, fundada na construo de estratgias de ensino-aprendizagem culturalmente situadas, em vez de impor comportamentos escolares estereotipados.

    Nessa mesma vertente, Adriana Robles (1994, 1996) analisa o uso do tem-po e do espao de crianas mazahuas em um jardim de infncia, atendidas por um professor no-indgena. A autora documenta a expresso de diferenas culturais relevantes, mas no-excludentes nem inibidoras da comunicao intercultural, que tm lugar dentro de adaptaes e estratgias realizadas pelo docente. Ela conclui que os elementos do dilogo intercultural na escola provm das referidas adapta-es e estratgias docentes, e no de modelos institucionais alheios; para a autora, o enfoque sociocultural permite contextualizar os usos de acordo com a incidncia do ambiente sociocultural das crianas, alm de considerar os signi cados que so construdos na interao social.

    Finalmente, o trabalho de Gabriela Czarny (1995) documenta o espao in-tercultural de uma escola primria urbana com estudantes e professores de distin-tas procedncias tnicas e diferentes contextos socioculturais, enfocando o debate sobre o atendimento diversidade escolar em escolas regulares e sobre as iden-tidades culturais que so construdas em contextos de migrao indgena para a cidade. Novamente, mostra-se um conjunto de interaes que tm como base os contextos socioculturais dos alunos e a observao como orientadora de seu estilo de aprendizagem.

    Esses e outros trabalhos que as autoras do subcampo divulgam nessa vertente con rmam, com De Haan (1999), quo incerto interpretar, em termos de de cit, um grupo que no compartilha prticas de aprendizagem prototpicas, alheias a seu modelo cultural. Estudos dessa ordem sublinham a necessidade de que os modelos tericos que orientam os processos educativos incorporem a diversidade de prticas de ensino-aprendizagem e que, tanto quanto essa diversidade documentada e siste-matizada, alimentem as elaboraes localizadas de currculos interculturais.

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    Uma segunda linha desse subcampo pedagogia e saberes culturais cita tra-balhos derivados de preocupaes de natureza principalmente pedaggica. As tem-ticas giram em torno da anlise de formas de aprendizagem vivencial, prprias dos grupos indgenas; formas de ser, fazer e aprender assim como de suas contribuies reais e potenciais para a elaborao de um currculo intercultural (ROBLES; CZARNY). Na diversidade de produtos encontrados, so mencionados trabalhos sobre socializao feminina em atividades artesanais (TORRES, 1998), formas de conhecimento de crianas indgenas lhas de trabalhadores diaristas migrantes (MEDINA, 1997), identidade indgena huichola e relaes de poder manifestadas na conduta ritual (CORONA, 1999), e conhecimentos socioculturais em campos disciplinares espec cos como as matemticas (ALDAZ, 1995, 1998) e as cincias (GONZLEZ MECALCO, 2001).

    Finalmente, um terceiro conjunto de trabalhos est constitudo por projetos de recuperao e apropriao curricular de conhecimentos locais, em que so diagnosti-cados resultados educativos de experincias escolares diversas, entre elas as realiza-das com tzeltales de Chiapas (SALDVAR, 2001), huicholes de Jalisco (ROJAS, 1999b) e mixes de Oaxaca (GMEZ, 2000). Em todos os casos projetos sob interveno de novos agentes educativos como ONGs e fundaes privadas est destacada a relevncia que adquire, para o sucesso do processo educativo, sua ar-ticulao com as formas, os eleme