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VOL. 4 | nº 4 Maio de 2019 Suplemento Gratuito ISSN 2596-1373 Realização: Apoio:

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VOL. 4 | nº 4

Maio de 2019

Suplemento Gratuito

ISSN 2596-1373

Realização:Apoio:

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ARTIGO

Alencar e Nabuco: dois polemistas e cavalos

Charles Ribeiro Pinheiro

FLORES DE AÇUCENA

Ode ao Amor do MarBarros Pinho

Minha TerraCaio Porfírio Carneiro

Dia da libertaçãoCaetano Ximenes Aragão

Invenção

Nilto Maciel (in memoriam)

GENTE ILUSTRADA

Weaver Lima

CHAPULETADAS

Alba Valdez: em sonho e realidade

Lílian Martins

RADIADORA

Bruno Paulino

Ricardo Kelmer

Juliana Guedes

João Bosco Ribeiro

Raymundo Netto

Milena Bandeira

Marcello Camelo

Henrique Beltrão

Daniel Glaydson Ribeiro

Inocêncio de Melo Filho

Íris Cavalcante

Dércio Braúna

Gylmar Chaves

Renato Pessoa

Carlos Nóbrega

Alves de Aquino

Luan Brito de Azevedo

CRISTALEIRA

Franklin Nascimento: a história de uma biografia perdida

Raymundo Netto

04 06

11

07

1512

FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA

João Dummar Netopresidência

André Avelino de Azevedodireção administrativo-financeira

Raymundo Nettogerente editorial e de projetos

Emanuela Fernandesanálise de projetos

MARACAJÁ

Raymundo Nettocuradoria, pesquisa e edição geral

Emanuela Fernandesassistência editorial

Charles Ribeiro, Lílian Martins, Weaver Lima, Lene Chaves, Daniel Brandão e Raymundo Netto colaboraram nesta edição com textos, cartuns e quadrinhos (exceto os da seção “Radiadora”)

Rafael Limaverdeilustrações

Amaurício Cortezeditor de design

Giselle Fernandes projeto gráfico

Amaurício CortezWelton Travassoseditoração eletrônica

Karlson Gracietipografia Maracajá

[email protected]

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução

sem autorização prévia e escrita. Todas as

informações e opiniões são de responsabilidade dos

respectivos autores, não refletindo a opinião deste

suplemento ou de seus editores.

Este suplemento literário mensal é parte integrante

do Programa Fortaleza Criativa, em decorrência

do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação

Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal da Cultura

de Fortaleza, sob o nº 05/2018.

ISSN 2596-1373

Fundação Demócrito Rocha

Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora

Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará

Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271

fdr.org.br | [email protected]

Todos os direitos desta edição reservados à:

TIRAGOSTOS

Raymundo Netto

Daniel Brandão

Leni Chaves

Artista da capaRafael Limaverde

24MALA DE ROMANCES

O Impossível Romance da Franga de Granja com o

Galo Pé-Duro

Klévisson Viana

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Para ler todas as edições da revista Maracajá e assistir a todas as suas videoentrevistas, acesse:

fdr.org.br/maracaja

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Do Alpendre

Leitores, amigos e amigas dessas aventuras maracajás,

bem-vindos e bem-vindas.

Como nas demais edições, trazemos uma parte, apenas,

da produção da literatura pintada no cenário cearense.

Dela, extraímos contos, poesias e artigos, sempre no

esforço de traçar a diversidade e a pluralidade estética e/ou temática, seja de auto-

res reconhecidos (vivos ou não), assim como a de iniciantes.

A “Mala de Romances” volta nessa edição com Klévisson Viana.

Alba Valdez, primeira mulher a ingressar na Academia Cearense de Letras é o tema

da “Chapuletadas”, por Lílian Martins.

“A História de uma Biografia Perdida” deita na “Cristaleira” Franklin Nascimento,

um dos autores de O Canto Novo da Raça, obra inaugural do Modernismo no Ceará,

e de Maracajá.

“Gente Ilustrada” tem como protagonista do mês, Weaver Lima, artista plástico,

quadrinista e fanzineiro.

O pesquisador Charles Ribeiro, nos 190 anos de José de Alencar, fala um pouco so-

bre o famigerado e polêmico debate jornalístico entre Alencar e Joaquim Nabuco.

Na videoentrevista do mês, Daniel Brandão, jornalista, professor e quadrinista,

autor de “Os Mundos de Liz”, tiras diárias publicadas em O POVO, e colaborador

deste suplemento.

A Maracajá é terreno vasto e pertence a todos que dela se apropriarem. Abanquem-

se e a devorem!

Raymundo Netto

Curador e editor de Maracajá

O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta

por onde escorre

e se perde

o sangue do Ceará.

O mar não se tinge de vermelho

porque o sangue do Ceará

é azul

O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta

(Demócrito Rocha – assinando “Antônio

Garrido” – para Maracajá nº 1)

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Artigo

Alencar e Nabuco: dois polemistas e cavalos

Uma das mais instigan-

tes polêmicas da litera-

tura brasileira ocorreu

entre José de Alencar e

Joaquim Nabuco.

O mote da briga foi a repercussão negativa da peça O

jesuíta, escrita por Alencar em 1860, somente encenada em

1875. O espetáculo atraiu pouco público ao Teatro São Luís, no

Rio de Janeiro, saindo de cartaz após a terceira apresentação.

Com esse fracasso, a polêmica se instaurou quando Nabuco,

anonimamente, escreveu um texto ácido contra a peça no

jornal O Globo. Esse confronto verbal é significativo para ob-

servamos a tensão na construção da tradição literária brasi-

leira, pois Alencar já era considerado o “chefe da literatura

nacional”, segundo Afrânio Coutinho. O desafiador, Joaquim

Nabuco, era jovem aristocrata, filho de um senador imperial,

que passou uma longa estadia na França e, para se afirmar

como novo escritor, imprescindível era demolir o “gigante”.

Nabuco iniciou a série de ataques com a coluna “Aos do-

mingos”, no dia 3 de outubro de 1875, com o intuito de “fazer

um minucioso exame da obra literária de Alencar”. Com a

repercussão do texto, revelou sua identidade e escreveu mais

sete artigos. Impetuosamente, acusou o autor de Iracema de

estar em decadência literária; de ser um escritor de gabinete

que “desconhecia” as paisagens brasileiras que pintava; de en-

tregar um livro mais falso do que outro e de só ter sucesso na

imprensa, pois coagia os jornalistas com seu prestígio político.

José de Alencar, aborrecido com as críticas, defendeu a

sua peça e, ao descobrir a identidade do seu algoz, seguiu es-

crevendo mais artigos irritadiços no mesmo jornal. A troca de

desaforos se estendeu por três meses: Nabuco, aos domingos,

e Alencar, às quintas.

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Art

igo

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O mais interessante dessa polêmica

é a comparação entre escritores e cavalei-

ros, por Nabuco. Ele comparou a ativida-

de literária a uma corrida e a obra de cada

autor a um cavalo, tendo como hipódro-

mo principal, o Rio de Janeiro.

No concorrido turfe do romantis-

mo, cujo prêmio era a “popularidade”

entre os leitores, citou vários corredores

como Gonçalves de Magalhães, Sales

Torres Homem, Porto Alegre, Pereira

da Silva, contudo, declarou que o “jo-

ckey do Guarani” se encontrava muito

adiantado e o único que lhe estava pró-

ximo era Joaquim Manuel de Macedo.

Na metáfora do crítico, os cavalos de

Alencar foram vencedores porque,

além do público ser diminuto, os con-

correntes fraquíssimos.

Em contrapartida, Alencar com a

missão de “arrancá-lo do êxtase em que

vive como um narciso namorado de si”

usou vários epítetos para desqualificá-

-lo como escritor, taxando-o de “folheti-

nista parisiense”, “tribuno gorado”, “ma-

caqueador da língua francesa” e, para

ser alvo constante da atenção pública,

seus textos nos jornais serviam como

um “tônico” ao “orgasmo de vaidade”

que impacientemente cultivava.

Sobre a metáfora suscitada,

Alencar como “jockey” afirma que

se sua Carta sobre Confederação dos

Tamoios foi uma égua voraz, enquanto

o irrelevante “Sr. J. Nabuco” não pas-

sava de um dr. Fausto montado em

um cabo de vassoura, “a cavalgar por

esses ares a fora, levando por pajem

um Mefistófeles, bom diabo, fanfar-

rão, mas inofensivo”.

Anos depois, no livro Minha

Formação, Joaquim Nabuco reconhe-

ceu ter sido bastante audacioso e ima-

turo em tentar demolir José de Alencar,

que também tinha uma face prepo-

tente. Os dois foram intelectuais que

contribuíram inestimavelmente para

a cultura brasileira, porém o embate

verbal estampado nos jornais nos reve-

la que nem tudo são flores em relação

à Literatura, constituindo-se também

num minado espaço de concorrência.

No afã de vituperar um contra o outro,

os escritores se comportaram mais

como cavalos do que cavaleiros.

Charles Ribeiro Pinheiro

[email protected]

Professor de Literatura, com douto-

rado em Literatura comparada pela

Universidade Federal do Ceará (UFC),

com a tese “Rodolfo Teófilo polemista:

a crítica polêmica como estratégia de

glorificação literária” (Capes). Foi coor-

denador do projeto de extensão “O en-

tre-lugar na Literatura cearense” (UFC),

além de atuar como revisor, redator,

roteirista e autor de livros didáticos de

literatura.

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Flores de Açucena

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Dia da libertação

pelas vertentes da noite

a manhã já se fazia

quando Iansã abriu as grades

das cadeias da Bahia

pra ver Bárbara passar

por dentro da luz do dia

 

dia pleno de orixás

cavalgando a ventania

ogun oxum olorun

vento alvo alvenaria

de cabelos cor de cal

que de seu rosto escorria

 

do corpo dos encantados

a noite se fez em dia

tocaram todos os sinos

das igrejas da Bahia

pra ver Bárbara passar

por dentro da luz do dia

Caetano Ximenes Aragão

Invenção

De tanto não te ver, aflito o peito,

desesperado, resolvi inventar-te.

Hoje duvido se eras desse jeito

e se de fato és, no todo ou em parte.

De tanto não te ver, nunca te ver,

ou por sumires tão furtivamente,

ou minha sorte bem mesquinha ser,

achei por bem criar-te novamente.

Quem mais existe? Qual mais delas noto?

Talvez a que me fez seu criador,

talvez a que me fez versejador.

Não sei a quem amor eu mais devoto:

se a ti que foges − minha inspiração,

se a ti que chegas − minha criação.

Nilto Maciel (in memoriam)

Minha Terra

Minha terra 

querida com laço de fita 

eu rimaria sem pressa. 

A minha terra é áspera 

é tempo que se prolonga 

desde avoengos tropéis 

que o sopro do vento não mata 

em espaço tão corrido 

ao embalo desta rede. 

Meu pé borrando a parede 

e o ranger dos armadores 

pra cá pra lá 

pra lá pra cá 

marca o tempo presente 

tic-tac ao correr do tempo 

que firma o mourão na terra 

e com ela perpetua 

currais porteiras campos 

espelhos de águas tranquilas 

paredes buscando os céus 

pé direito oito metros 

janelas portas rangentes 

alpendre aberto aos caminhos 

retratos que fitam austeros 

esperam muito de mim 

e me eternizam aqui 

na argila deste chão.

Caio Porfírio Carneiro

Ode ao Amor do Mar

Gosto do mar 

pelo absurdo 

sensual 

de suas sereias 

pelo encrespar 

do vento 

no ventre 

de peixes 

abomináveis 

pelo lésbico 

despudor 

das ondas 

violentando 

as águas 

gosto do mar 

absorvendo 

sol 

na máscara 

de bronze 

dos pescadores 

gosto do mar 

mistério azul 

das mulheres-marinhas 

visivelmente estranguladas 

gosto do mar 

concupiscente 

e paradoxal 

em seus horrores.

Barros Pinho

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Q uando o assunto é a presen-

ça feminina nas academias

literárias no país, muito se

fala sobre Rachel de Queiroz

(1910-2003), a primeira mu-

lher a ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL). Mas

este aparente pioneirismo não nos deveria ser um motivo de

orgulho e, sim, de vergonha! Pensar que somente em 1977

permitiram que uma mulher pudesse ocupar o espaço de

poder1 da mais prestigiosa academia literária nacional é, para

1 A expressão vem dos postulados teóricos de Pierre Bourdieu sobre os campos de produção cultural (intelectual, científica e artística) e as suas relações de poder, explícitas ou implícitas, conscientes ou in-conscientes, em que permeiam todas as relações humanas, em toda parte do espaço social.

Alba Valdez:em sonho e realidade

Chapuletadas

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nós brasileiros, um advento tardio

frente a todas as demais mulheres

escritoras que a antecederam e que

muito contribuíram para as letras

nacionais, até mesmo para a própria

edificação do projeto artístico-literá-

rio da ABL como, por exemplo, Júlia

Lopes de Almeida (1862 - 1934).

Neste sentido, apesar da relevân-

cia da romancista de O Quinze, poucos

saberiam dizer qualquer fato a mais

sobre a presença dela e de quaisquer

outras mulheres nas academias e agre-

miações literárias no Brasil. Bem pou-

cos, ainda, saberiam informar quem

teria sido a primeira escritora cearen-

se a ingressar na primeira academia de

letras no país, a Academia Cearense de

Letras (1894). Pois bem, esta mulher foi

Alba Valdez (1874-1962), e é para ela e

a todas as mulheres silenciadas e avil-

tadas em seus trabalhos, relegadas à

invisibilidade do esquecimento biblio-

gráfico, a quem dedico este artigo.

Nascida Maria Rodrigues

Peixe, no sítio Espírito Santo, em São

Francisco de Uruburetama, atual

Itapajé, a 12 de dezembro de 1874, ado-

taria mais tarde, com o intuito de que

os pais não soubessem de seu ofício de

escritora, o pseudônimo “Alba Valdez”.

“Alba” em homenagem a sua gran-

de amiga, Alba Pompeu (1878 - 1949),

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filha de Thomaz Pompeu (1852-1929).

O sobrenome “Valdez” foi retirado do

antigo Dicionário Valdez da Língua

Portuguesa. Em 1877, seus pais passa-

ram a residir em Fortaleza, devido à

grande seca daquele ano. Em 1889, for-

mou-se professora pela Escola Normal

e, em 1922, ingressou na Academia

Cearense de Letras. Infelizmente, em

1930, a ACL passou por uma reestru-

turação e, nela, o seu nome foi retira-

do da composição da entidade, retor-

nando somente em 1937, quando sob

nova reestruturação. O triste episódio

rendeu um dos artigos mais belos es-

crito pela escritora, intitulado “De pé”,

publicado no Jornal do Comércio, de

Fortaleza, em 22 de maio de 1930.

Além da ACL, Alba Valdez per-

tenceu ao Centro Literário, Instituto

do Ceará, Boêmia Literária, Iracema

Literária e à Ala Feminina da Casa de

Juvenal Galeno. Seu primeiro livro,

Em Sonho... Fantasias foi publicado, em

1901, quando tinha apenas 26 anos.

A obra marca também o primeiro re-

gistro literário do gênero crônica em

uma publicação impressa no Ceará e é

o resultado de uma seleção feita pela

própria autora dos seus textos publi-

cados no Diário do Ceará. Além de crô-

nicas, a obra contém também contos e

alguns deles ganharam tradução para

o sueco, pelo poeta Göran  Björkman

(1860-1923) e para o francês, sendo o

seu conto “A Carta” publicado no jor-

nal Le Matin, de Paris.

Em 2017, o livro ganhou segun-

da edição para a Coleção Clássicos

Cearenses, publicado pelas Edições

Demócrito Rocha. Ironicamente, a

nova edição ganhou prefácio da escri-

tora Ângela Gutiérrez (1945), que se

tornaria, posteriormente, a primeira

mulher a presidir a ACL. Seis anos de-

pois da sua estreia na literatura, Alba

Valdez publicou Dias de Luz, recor-

dações da adolescência, obra até hoje

ainda não reeditada.

O pioneirismo da escritora não

foi somente na literatura, mas tam-

bém nas áreas da educação e do jorna-

lismo, nas quais colaborou escrevendo

para jornais e revistas em Fortaleza e

em outras cidades do Brasil.

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É uma das fundadoras e presi-

denta da Liga Feminista Cearense

(1904), onde lutou pela emancipação

feminina e pelo direito ao voto, e há

quem diga que ela serviu até de inspi-

ração ao pintor Raimundo Cela (1890-

1954) para a imagem feminina da

Liberdade no célebre painel “Abolição

dos Escravos”, de 1938, fato lembra-

do no discurso de posse de Eduardo

Campos (1923-2007), na ACL, em

1963, na cadeira de número 22, antes

pertencido a Alba Valdez.

A história surpreendente de Alba

Valdez, marcada pela luta em defesa

dos direitos da mulher, nos encoraja a

seguir adiante, pois onde mais r-exis-

tam “mulheres que, como eu, moure-

jam na seara das letras”2 persistiremos

na luta, lembrando que ninguém solta

a mão de ninguém!

2 Trecho do artigo “De pé” de Alba Valdez.

Lílian Martins

l il ianabreu_mar t [email protected]

Jornalista, tradutora, professora, pes-

quisadora e militante em Literatura

Cearense. Mestre em Literatura

Comparada pela UFC com a disser-

tação vencedora do Prêmio Bolsa de

Fomento à Literatura da Fundação

Biblioteca Nacional e Ministério da

Cultura (2015) e do Edital de Incentivo

às Artes da Secretaria de Cultura de

Fortaleza (Secultfor) em 2016. Desde

2008, apresenta e produz o programa

literário semanal Autores e Ideias da

Rádio FM Assembleia (96,7 MHz) da

Assembleia Legislativa do Estado do

Ceará. Escreve, mensalmente, sobre

música e literatura para a coluna: “Ao

pé do ouvido: Baladas para Leitores”

do Blog Leituras da Bel, vinculado ao

Portal O POVO Online.

Para conhecer mais

de Alba Valdez

Em Sonho... Fantasias, de Alba

Valdez (EDR), Coleção

Clássicos Cearenses

O livro pode ser adquirido na

Livraria Dummar

Endereço físico: Av. Aguanambi,

282, Joaquim Távora

(sede do jornal O POVO)

Endereço virtual (e-commerce):

livrariadummar.com.br

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Weaver Lima

Cearense, iniciou no meio artístico

criando e integrando o grupo Seres

Urbanos, responsável pela edição, na

década de 1990, de uma série de fan-

zines que se tornaram referência no

meio alternativo brasileiro. Em 2015,

publicaria Seres Urbanos: antologia

do quadrinho underground cearense,

eleito melhor livro de HQ no prê-

mio Miolo(s), organizado pela editora

Lote 42 e pela Biblioteca Mário de

Andrade, em São Paulo.

Desde o início dos anos 2000,

Weaver dedica-se às artes visuais.

Sua exposição individual “Weaver

Discos: pop descarado” circulou,

entre 2012 e 2013, em seis capitais

brasileiras, além de Itália e Portugal.

Desde 2011, realiza o projeto de arte

itinerante “RASTRO”, percorrendo ci-

dades do interior do estado do Ceará

e realizando intervenções artísticas.

Em 2016, uma exposição sobre o pro-

jeto foi selecionada no programa na-

cional da CAIXA Cultural.

A ilustração “História Oral III”

(spray sobre recorte de madei-

ra, 67 x 53cm) integra a série

RASTRO.

Gente Ilustrada

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Cri

stal

eira

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Franklin Nascimento:

Ao recebermos a indicação de

Sânzio de Azevedo e a autori-

zação do, então, secretário da

Cultura, Auto Filho, para a publi-

cação, como parte integrante da

série Luz do Ceará, coleção Nossa Cultura, do título O Canto Novo

da Raça, poesias de Jáder de Carvalho, Franklin Nascimento,

Mozart Firmeza (Pereira Júnior) e Sidney Netto, obra original-

mente impressa pela tipografia Urânia em 1927, ficamos bastante

felizes. Sentíamos que estávamos conseguindo trazer à tona, dos

porões escuros do nosso tradicional esquecimento, obras de rele-

vância que contribuiriam, doravante, para a compreensão da for-

mação artística e literária cearense.

Vinha-nos sempre a questão: como era possível uma obra,

que conforme bem nos define o prof. Sânzio, é o livro inaugural

de uma corrente literária, o Modernismo, no Ceará, ter que es-

perar 84 anos para ter direito a uma segunda edição? Pois bem,

Cristaleira

12

a história de uma biografia perdida

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Cri

stal

eira

13

Franklin Nascimento:

durante o processo de organização e pu-

blicação de tal livro, teríamos outras ale-

grias que gostaríamos de compartilhar

agora com, você, leitor.

Quando lemos na apresentação

de Sânzio de Azevedo, sobre o poeta

Franklin Nascimento, um dos quatro au-

tores da referida obra, “(...) aquele cujos

dados biobibliográficos são mais escassos.

Nascido em Fortaleza no dia 21 de abril

de 1901, não se sabe onde e quando fale-

ceu (...)”, nos preocupamos. Isto, pois, reco-

nhecido o trabalho incansável, honesto e

sério de pesquisador, aceitamos tal afir-

mativa como uma provocação que justifi-

caria ainda mais a edição da obra. E assim

o fizemos. Passamos a buscar na internet

e conversar com outros pesquisadores

sobre o possível paradeiro de Franklin.

Tínhamos sempre a impressão de que

ele teria saído do Ceará, o que justificaria

o seu “desaparecimento” e o desconheci-

mento de sua continuidade na literatura.

Um dia, porém, quase por acaso,

encontramos numa página da web um

comentário de uma neta de Franklin,

Karla, residente em Belém do Pará, citan-

do qualquer coisa a respeito do avô que

era poeta no Ceará. Tentamos rastreá-la e

conseguimos descobrir o seu filho, Felipe,

um jovem que tinha um blogue no qual

postava crônicas. Por meio de uma rede

social do qual faz parte, escrevemos, fa-

lamos sobre a proposta de publicação

do livro do bisavô, a sua importância e

a necessidade de resgatarmos a sua bio-

grafia, ora inconclusa. Com dias, con-

seguimos conversar, por telefone, com

o filho de Franklin, Túlio, residente em

Recife, e depois com Tereza, residente em

Fortaleza, e, desde então, muitos dos mis-

térios sobre o suposto “paradeiro” come-

çaram a ser naturalmente desvendados.

O primeiro deles foi descobrir que

o Franklin Nascimento, na realidade, se

chamava João Abreu do Nascimento.

“Franklin”, um pseudônimo. Cremos, uma

homenagem ao seu pai Abdon Franklin

do Nascimento. Por meio de contatos

telefônicos ou e-mails, além da única

foto de Franklin em juventude, a famí-

lia nos apresentou a sua origem, nome

dos pais, histórias da infância, trajetória

profissional e familiar e, inclusive, não

poderia deixar de ser, a data de seu fa-

lecimento, em 24 de janeiro de 1978, e o

seu local, fato que nos causou maior as-

sombro: em Fortaleza, Ceará! Ou seja, o

Franklin, ou João, nasceu, viveu e morreu

aqui, “debaixo de nossas barbas”, como se

diz. Ou seja, foi “esquecido” ainda em vida.

Estranhou-nos a família — teve 10

filhos — não ter conhecimento da exis-

tência de O Canto Novo da Raça, nem de

seus poemas publicados neste livro. “Não

falava sobre isso (poesias, livros) em casa”,

nos afirmou o filho. Asseguraram-me

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Cri

stal

eira

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não saber de outra publicação qual-

quer de Franklin. Perguntei-lhes sobre

Nuvem de Gafanhotos, título que encon-

trei na Revista de Antropofagia nº 6, de

outubro de 1928, dirigido por Antônio

de Alcântara Machado e gerenciado por

Raul Bopp, em São Paulo. Na revista, o

seu poema “Pomo Roído” aparece como

se extraído de Nuvem de Gafanhotos.

Provavelmente, supomos, o título provi-

sório de um livro que o poeta pensava em

publicar e não o fez.

O fato é que Franklin, com pouco,

desapareceu do circuito literário, sabe-se

lá por que razão. Depois do lançamento

de O Canto..., além de pequenas contribui-

ções na revista Movimento e na Revista

de Antropofagia, foi um dos fundadores

de Maracajá (1927) e Cipó de Fogo (1931), e

casou-se, em 1933, com Francisca Aguiar,

a Francinete. Inclusive, me foi relatada a

história muito romântica da perseguição

do jovem e apaixonado João, em bondes,

à futura esposa.

Por meio de um recorte de jor-

nal, descobrimos que Franklin, que

gostava de anedotas e as escrevia,

participou da fundação da Academia

Cearense de Humoristas, com sede na

Associação Cearense de Imprensa, já

na década de 1960.

Também soubemos que chegara a

se corresponder com Carlos Drummond

de Andrade, “poeta amado meu”, como a

ele se dirigiu em primeira carta, em 1974,

e que obteve resposta.

Dos filhos, pouco mais conseguimos

além do que se lê na biografia publicada

no livro. João, que atuava como conta-

bilista, era simpatizante do comunismo,

ateu e boêmio, nunca apegado às coisas

materiais. O filho Túlio se recorda de ter

crescido vendo na sala de casa, pendu-

rado em local de honra, o retrato de Luís

Carlos Prestes. Como poeta que era não

nos surpreende seu comportamento de

estranhamento e desajuste a este mundo,

a sua sensação de solidão e uma tal angús-

tia que parecia nunca se acabar.

Na carta a Drummond, felizmente

mantida em fotocópia — e ainda desco-

nhecida por alguns de seus familiares —,

todos esses sentimentos são devidamente

revelados, como se Franklin soubesse que

a outro poeta ele poderia fazê-lo, e se tra-

tando de Drummond, com certeza o en-

tenderia. Na carta ele fala de sua velhice

(estava com 73 anos), da sua tristeza por

não ter “tutu” para publicar um livro com

seus versos acumulados de uma vida, da

sua dificuldade de pedir a ajuda de ami-

gos para fazê-lo, da sua intenção de levar

em seu caixão os versos que nunca iria

publicar — o que de fato aconteceu, por

conta da obediência da filha —, e anexou

alguns deles, além de quadrinhas de sátira

e humor. De quebra, é claro, arriscou pedir

a Drummond um livro seu autografado.

Graças ao empenho da família

de Franklin, que sempre nos atendeu

prontamente, conseguimos elabo-

rar a nova biografia de João Abreu do

Nascimento, o Franklin Nascimento,

um dos autores de O Canto Novo da

Raça, um pequeno, mas para quem sabe

bem o que é isso, um grande serviço

para nossa historiografia literária.

Para mim, particularmente, poucas

são as emoções que podem ser compara-

das à de se ler, mesmo por telefone, um

poema desconhecido de um pai a uma

filha, e ter a certeza de que, após tantos e

tantos anos, a voz do poeta se fez imortal,

forte, clara e melódica transcendendo a

tudo, inclusive à vida, e tudo aquilo que

ela, pessoalmente, lhe negou.

Raymundo Netto

[email protected]

O Canto Novo da Raça, 2ª edição, série Luz

do Ceará, da Coleção Nossa Cultura da

Secult (2011), com coordenação editorial,

capa, projeto gráfico, revisão, digitação e

apêndice de Raymundo Netto, apresen-

tação de Sânzio de Azevedo, diagramação

de Elias Saboia e ilustrações de Audifax

Rios (90 páginas).

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Radiadora

As Almas Penadas do Açude Grande

Foi numa noite de chuva forte, com re-

lâmpagos e trovões, que ouvi pela primei-

ra vez ao redor de uma fogueira junto aos

meus primos a horripilante história das

almas penadas do açude grande contada

pelo velho Manuel Rosendo, vaqueiro da

fazenda Forquilha – propriedade do meu

avô – e um dos maiores contadores de

casos de assombração em toda a redon-

deza do vilarejo de Boa Fé.

Manuel Rosendo dizia que o açude

grande, aquele mundão de água, quando

nos dias de cheia era atração garantida

para os pescadores, os banhistas, os ani-

mais, e, claro, para os moradores do vi-

larejo, sobretudo para as crianças que se

divertiam, apesar dos perigos.

As histórias sobre as almas penadas

do açude grande eram antigas, reforçava

o velho narrador. E iniciaram no dia em

que um casal de crianças, Mariazinha e

Pedrinho, filhos do bodegueiro Zé Lins,

sumiram misteriosamente aos olhos da

mãe zelosa que sempre foi dona Lúcia e

que entrava agora aflita e aos gritos na

bodega do marido:

– Zé me acuda! Me acuda! Não

consigo achar os meninos. Já procurei

em tudo que foi canto, não sei onde

diabos se meteram. Sumiram desde

manhãzinha, quando fui estender a

roupa no cercado. E além do mais tô

com uns pressentimentos.

– Calma, mulher! Calma! Não fale

em diabo, que isso atrai coisa ruim. Deixe

de tanta besteira. Devem de está por aí

nos terreiros, brincando com o menino

do cumpadre Luís, eles aparecem já. –

respondeu sem demonstrar muita preo-

cupação Zé Lins, tentado também dessa

forma acalmar a mulher.

Deu a noite e os meninos não apa-

receram. A mãe caiu nos prantos receosa

de suas premonições. Zé Lins fechou a

bodega, foi acima e foi abaixo, e não deu

vista de nenhum sinal dos dois filhos,

acabando por reunir todos os homens

do vilarejo, que solidários ganharam os

matos com lampiões acesos no caminho

do açude grande, pois foram informados

pela preta velha Nastácia que as crianças

tinham sido vistas brincando na beira

d’água no fim da tarde.

Os corpos das crianças foram

encontrados por um pescador, boian-

do perto da parede do açude, naquela

mesma noite, enganchados numa árvore.

Os olhos esbugalhados, a face carcomida

pelos pequenos peixes e as marcas indis-

tintas de machucados espalhadas pelos

corpos deixou todos atônitos e perplexos.

Nunca ninguém conseguiu entender o

que se deu com os filhos de seu Zé Lins.

Teria alguém matado aquelas crianças

e jogado os corpos na água? As crianças

teriam ido nadar e se afogado? Nunca

ninguém soube responder. E por que tra-

gédia tão sofrida se abatera sobre aquela

pobre família? Por que criaturas tão pue-

ris teriam sofrido tanta violência?

O tempo passou e logo surgiram

as primeiras histórias das aparições das

almas das crianças à noite, vestidas de

branco com velas nas mãos, na beira

d’água do açude grande.

Zé Lins ficou sabendo das supostas

aparições pelo cochichado de seus clien-

tes na bodega, mas não acreditou naquilo

até que sua mulher numa noite lhe disse

na hora do jantar:

– Zé, eu vi nossos filhos. Eu vi nos-

sos filhos mortos! Eles querem te ver.

O bodegueiro não conseguiu en-

golir mais nada. Insone, perturbado

com as palavras da mulher ressoando

na cabeça e a lembrança doída dos fi-

lhos. Ela insistia:

– Zé, eu vi nossos filhos. Eu vi nos-

sos filhos mortos! Eles querem te ver.

Ele saiu de casa sem que ninguém o

visse e seguiu no rumo do açude grande.

No outro dia pela manhã, suas rou-

pas, sua faca e seu rosário, que costuma-

va carregar no pescoço, foram encontra-

dos numa canoa que vagava solitária no

meio do açude. Porém o seu corpo nunca

foi encontrado.

Ainda hoje contam alguns pes-

cadores mais antigos que, ao pescar no

açude grande em noite de lua alta, é pos-

sível esbarrar com a alma do homem

na canoa a perguntar por seus filhos,

Mariazinha e Pedrinho.

Bruno Paulino

[email protected]

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Cem Vezes Mais

Essa Moça ‘Tá Diferente

Deus é fiel, tá sabendo? Prova disso é que semana passada

abriu uma igreja evangélica aqui pertinho. Toda noite tem

culto, uma ruma de carrão importado na frente. Chance boa

de faturar um troco, ajudar a tia a pagar o aluguel do barraco,

ela que me cria desde que mamãe morreu. Morreu no corre-

dor do hospital, gosto nem de lembrar, bola pra frente, meu

irmão. Primeiro, segundo, terceiro dia guardando os carros da

igreja, faturei nada. Eles não tinham dinheiro, só cartão. Mas

sempre diziam que eu orasse muito que Deus proveria. Tinha

um que dizia assim, “Precisa olhar o carro não, moleque, Deus

tá vigiando”. Era o carrão mais bacana de todos. Olhei no vidro,

tinha um adesivo, “Foi Deus que me deu”. Uma noite descobri

que o dono do carro era o pastor da igreja. Descobri porque

entrei lá acompanhando minha tia, ela queria orar pelo primo

que os polícia mataram por engano numa batida dia desses.

O pastor estendeu um bauzinho na nossa frente e disse que

aquela noite era especial, que Deus estava ali ao lado dele, e

que a gente receberia cem vezes mais o que a gente botasse

naquele bauzinho. Minha tia enxugou as lágrimas, abriu a

bolsa e contou as moedas. Dava uns dez reais, era tudo que ela

tinha. Ela botou as moedas no bauzinho e rezou. Eu olhei nos

olhos do pastor. Ele repetiu, sorrindo, “Cem vezes mais, meu

filho, tenha fé”. Eu acreditei nele, claro. E botei uma nota de

vinte. No dia seguinte, quando o pastor saiu da igreja, cadê o

carrão? Tava lá não. O lugar mais vazio do mundo. Eu também

não tava. Naquela hora eu tava dirigindo o carro dele, o Isaías

me esperando com dois milzim na mão. Deus é fiel.

Ricardo Kelmer

[email protected]

Desde a infância, Alan e eu nos entreolhávamos, com muita

doçura. Ao completarmos quinze anos, passamos a frequen-

tar a Sociedade Lírica do Belmonte, criada pelo padre Ágio

Moreira de Deus. Lá, comecei os estudos de flauta transversal

e Alan tocava violão clássico.

Os tempos tinham mudado, saímos do Cariri e nos

mudamos para Fortaleza, o ano era 1969 e o casamento ia

muito bem. Estudávamos, agora, no Conservatório de Música

Alberto Nepomuceno. Neste espaço, conheci a holandesa

Judy. Ela tinha olhos de piscina, usava roupas folgadas e fai-

xas florais na cabeça.

Alan sentiu que algo estava muito estranho. Com Judy,

aprendi a renovar os valores dentro de uma casa. Por isso, pas-

sei a reivindicar direitos iguais em relação às tarefas domésti-

cas. Em poucos dias, o café de Alan tinha o sabor mais apurado

que o meu, deixando o lar inteiro cheirando à baunilha. Pelas

calçadas, as pessoas comentavam baixinho: “essa moça ‘tá di-

ferente”. Passei a sair de casa sem sutiã, o que era um escânda-

lo e usava uma enorme peruca loira.

Neste mesmo ano, fui convidada pelo pessoal do Ceará

a me apresentar em alguns festivais. Não parava mais em

casa, o que fez Alan entrar em total desespero. Às vezes, ele

preparava alguns jantares românticos, mas quase sempre

eu estava de pileque, sem muita fome, escutando, no último

volume, uma velha radiola, os discos dos Mutantes e da Gal

Costa, saindo a rodopiar pela casa. O ano estava muito frutí-

fero e tinha feito amizades de toda uma vida. Pensei em me

separar, mas Alan fazia uma boa comida, dividia as tarefas

de casa, era amoroso e o olhar doce permanecia. Então, resol-

vi dar uma nova chance, com o combinado de que não inter-

ferisse na minha carreira artística.

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O Relicário 

“Vão-se os anéis, ficam os dedos.”

Minha avó repetia estas palavras

sempre que um objeto que nos era que-

rido se perdia ou acabava em pedaços.

Dizia para nos irritar, ou assim pare-

cia-nos, em meio à fútil ira da privação

que, na falta de adequada perspectiva,

tomava proporções dramáticas.

Seu sábio e meigo riso de divertida

compreensão, como o de quem pacien-

temente ouve as fabulosas queixas de

uma criança frustrada com suas ques-

tões cotidianas, nos soava sarcástico e

cruel. Aos nossos ouvidos, suas palavras

de conforto eram descarada afronta. 

A perspectiva, contudo, hora ou

outra, em catarse ou relutante rendi-

ção, nos arrebata, revoluciona e en-

vergonha, e o faz com distinto talento

para o drama.  

“Vão-se os dedos, ficam os anéis” 

Reconheci a desenhada letra pre-

enchida de significado no ordinário

pedaço de papel pardo que encimava a

pequena caixa azul-marinho de pape-

lão mantida fechada graças a um fino

elástico prateado preso à sua face infe-

rior,  envolvendo-lhe  precariamente. O

conteúdo era algo mais curioso. 

Um caderninho em ruínas, de

miolo nobre não-pautado, estava pre-

enchido de notas sobre tudo e coisa

nenhuma, palavras que, há muito, per-

deram seu significado. Um passaporte

surrado narrava, como um romance

gráfico, contos cuja memória fora varri-

da pelo apressado correr dos anos. Um

ingresso de cinema, quase completa-

mente apagado, contava de uma ami-

zade morta precocemente.

Não havia fotos, apenas objetos

que, apartados da alma que os manti-

vera reunidos por tanto tempo, diziam

muito pouco de seu real valor, como

que relutantes em revelar os segredos

de sua falecida curadora. 

No fundo do recipiente, uma joia

– um relicário dourado onde lia-se,

gravado em relevo, “tempus fugit”. Ao

toque, abriu-se, revelando um pedaço

envelhecido de papel, dobrado incontá-

veis vezes à forma de um pequeno qua-

drilátero intocado por décadas. Inscrita

em seu interior uma confissão desespe-

rada de uma mente humana corroída

pelo medo. Medo de ver escorregar por

entre seus dedos a felicidade que custa-

ra a conquistar e que julgava imerecida. 

Encantada, encarei uma última

vez o conteúdo, ora devassado, da caixa

de relíquias anônimas, na certeza de

que os medos de sua colecionadora ja-

mais escaparam às fronteiras daquele

débil bilhete. 

João Bosco Ribeiro

[email protected]

Em novembro, criei um grupo de

rock progressivo, o Apolo Crazy, com-

posto por garotas insubmissas, Judy

era a baterista. O regime militar pres-

crevia um bom comportamento nas

apresentações de bandas. O grupo to-

cava apenas um som experimental e

não tínhamos problemas com a polícia,

aparentemente.

Era uma quarta-feira, próxima

aos festejos natalinos, e a banda foi se

apresentar na Rádio Dragão do Mar. O

programa chamava-se “Hoje é dia de

Rock”, que contava com o apoio popu-

lar e tinha muitos fãs. Judy costumava

falar em nome de todas nós, mas senti

uma vontade de pegar o microfone e

manifestar alguns pontos de vista sobre

as últimas perseguições e repressões

aos artistas nordestinos. Não deu outra,

quando saímos do estúdio da emissora,

os militares nos atacaram com trucu-

lência e prenderam os radialistas.

Depois de realizar um depoi-

mento para o Doi-Codi, Judy voltou

para casa, transtornada. Enquanto eu

acabei ficando. Duas semanas depois,

meu marido saiu pelas ruas, entregan-

do panfletos pela cidade, em tempos

de chumbo, com o seguinte título: “Eu,

Alan Ferreira, procuro minha esposa.”

Juliana Guedes

[email protected]

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De Pedra

Mesmo não suportando a loucura da mulher, vê-la partir lhe

seria insuportável.

Uma noite, durante conflituoso jantar, a drogou.

Tomou-a adormecida nos braços e a levou para o mato,

quase em frente à lagoa, ainda visível à janela de sua casa. Lá

chegando, amarrou-a rente a um tronco estreito de árvore,

onde previamente havia preparado baldes com água, areia

e cimento.

Desacordada, ela respirava suavemente, balbuciando

seu nome e deixando que a lua revelasse a ternura no rosto,

à medida que ele punha e moldava sobre seu corpo a massa

ainda molhada do cimento. Começou pelos pés. Aos poucos,

as pernas, o tronco, os seios, os braços, até finalmente cobrir-

lhe toda a cabeça.

Amanheceu. O Sol o encontrou sentado no capim, ainda

trêmulo, com uma pequena espátula à mão e olheiras mar-

cadas de despedida, enquanto iluminava e aquecia a figura

tosca daquela mulher. Foi quando teve a impressão de ouvir

dela um soluço abafado, quase como um estalo. Acordara?

Todos os dias, seria a primeira imagem que veria ao le-

vantar. Horas e horas à janela.

À noite, tinha pesadelos. Ouvia os seus desaforos, as

suas lamúrias. Imaginava que ela lá não mais estaria, que

mesmo em pedra pudesse lhe escapar, se lançando nas águas

lodosas da lagoa. Mas não. Ela permanecia ali, imóvel, como

encantada, a seu alcance, aquecida para sempre em seu amor

e zelo. E assim foi durante meses.

A ausência dela era quase despercebida. Trabalhava em

casa, poucos amigos, filha única de mãe idosa. Quando muito,

um telefonema — “Ela não está. Quer deixar recado?” — Não

queria. Sabia que a ingrata não retornaria.

Aos finais de tarde, aguardava a noite ao lado da mulher.

Falava sobre seu dia, contava-lhe novidades, a presenteava,

confessava a falta que lhe fazia e, por fim, numa loucura pró-

pria e sincera dos amantes, a cobria em beijos amorosos, se

agarrando àquele corpo frio, áspero e inerte.

Em uma noite quente, porém, ele acordou e viu ao pé

de sua cama a mulher de pedra. Em silêncio, e através de

seus olhos nus e cinzentos, parecia mirá-lo, até jogar-se sobre

ele, e, com as mãos, tomar-lhe fortemente o pescoço e o ar.

Valendo-se do vagar desajeitado da estátua, ele conseguiu,

com esforço, escapar-lhe. Ainda torpe e surpreso, pegou uma

marreta e a golpeou no abdome. O corpo começou a rachar.

Abriu-se de meio a meio. “O que foi que eu fiz, meu amor? O

que foi que eu fiz?”, repetia. A estátua fez-se em pedaços e

de seu interior apenas um grito moribundo, aterrorizante, de

uma agonia jamais ouvida igual.

Ele, abalado, jogou-se sobre os escombros, a procurar a

mulher, qualquer pedaço dela, mas nada encontrou. Saiu gri-

tando, com restos de entulho nas mãos, e jogou-se na lagoa,

pondo-se no fundo da lama com o peso de sua própria cons-

ciência e da imagem perdida de sua mulher amada.

Raymundo Netto

[email protected]

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Para Esquecer

Não comporei para ti poemas,

para que tua imagem se desfaça aos poucos,

a clareza da pele imersa na luz desta terra,

para que tuas linhas se apaguem no ar,

sem delícia, nem memória, nem fantasias,

para que teus gestos – que dançam! –

venham, com o tempo, a parar.

Henrique Beltrão

[email protected]

Dormência

eu não tenho

medo da chuva.

eu tenho medo

é de não sentir

os pingos caindo

no meu corpo cansado.

Milena Bandeira

[email protected]

Maracaiá

avia, avoa, vaia

azunha, arranha, assanha

ruge, urge, ressurge

abocanha, arreganha, entranha

arenga, assunga, rasga

afronta, confronta, reconta

enfeita, descatita, empriquita

cutuca, papoca, provoca

frondoso, garboso, lustroso

afrontado, espritado, inzabuado

porreta, arrombado, aloprado

alencarino, genuíno, malino

arisco, risco, trisco

atento, retinto, maracajá

Marcello Camelo

[email protected]

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2020

Tempo Herança

Cirurgicamente se amputa coração dopado de veado preto.

Proibicionismo inventado para matar pobre e lavar Grana.

Em nome da REAL generosidade: Primeira-Dama, libras

maçônicas, amazonas, etnocídio, fugas brancas.

– Larga meu corpo, Estado do caralho!

diz potiguar enjaulada, cujo CRIME:

monetizar e ingerir cultura natural, mijada

maconha coca crack mec feice;

das redes sociais ela trafica

conversões à Facção Paulista

e inefáveis códigos éticos

hoje picha, seu sangue repentista

corta cabeça de Novos Batistas

Ministros Damares Messias

enquanto, indígena, canta:

– Supremos Corvos Federais,

que se regalam da carniça

sentenciáveis “nunca mais”

ao que só tem em Vossa missa:

bilionários, fraternidade!

“Nunca mais!”, direi eu insubmissa,

petrificada em marginalidade,

“Nunca mais!” dirá a carniça,

torturada em neoliberdade,

ao Espantalho da Justiça.

Daniel Glaydson Ribeiro

[email protected]

O Poema

O poema é fruto do meu ofício

Está em minha vida

No meu cotidiano

Na minha rotina

Seu tecido veste-me

Seu nascimento em mim

Renova-me apesar dos árduos combates

Apesar do tempo que pesa nos meus ombros

Curvando-me as costas.

Inocêncio de Melo Filho

[email protected]

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Impressões aos Sessenta

A impressão que eu tenho

é ter me deslocado para dentro 

de uns sonhos duradouros.

Vivi toda a infância

sem me importar com ruínas,

casas mal-pintadas,

pessoas que mancavam,

estradas sinuosas.

Na adolescência,

continuei dentro deles,

Também não me ative

em sempre acordar cedo

para ler as estrelas derradeiras,

ver o sol nascer.

Por essa época,

estava mesmo era engraçado 

por namorar agarradinho,

beijar com muito aceite.

Veio então um sopro

e cheguei aos sessenta,

ainda pelejando 

em desfazer rochas

onde residem alguns poemas.

Gylmar Chaves

[email protected]

A Resposta para a Desumanização

a poesia ocorre, surta, surge, surpreende

assalta, assusta, luta

a poesia não se cala, a poesia

ela insiste, insiste, insiste

ate ser parida, virar palavra, verso, reverso, germinar

ela fala do saqueio, da opressão, do túnel sem luz

do abismo, do abismo, do abismo

ah, mas ela fala da vida também

apesar dos cataclismas, dos holocautos

ela fala da vida

a poesia é a resposta tenaz

para uma terra devastada

para um coração estéril

vantagem sobre a destruição em série

a poesia é a resposta do homem para a desumanização

vou ali, levar minha poesia para passear

vamos indo de braços dados e peito aberto

brincar de ser poema

Íris Cavalcante

[email protected]

Pela Caridadede Suas Mãos e Dentes

É o mais certo amor

o que temos pela rudeza das coisas.

O bicho que se milagrou homem

(pela caridade de suas mãos e dentes),

que pariu um deus

com gravetos e pedras

(para depois apedrejá-lo):

esse bicho talha sem descanso

dentro da coisa milagrada.

Dércio Braúna

[email protected]

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O Batismo Depois do Outuno

eu não digo o teu nome na febre do vulcão,

na mão de argila, domada de ventania

e alagamento. eu não digo o teu nome

ecoado de pássaros, dentro do ventre,

orçado na miudez. eu não digo o teu nome

com a ajuda de deus, ferido na dimensão

aguda da língua. eu não digo o teu nome

no poema, na asa do caos, na louça e no amargo.

o teu nome, o teu líquido nome, saído do absurdo

e da fé. amor.

Renato Pessoa

[email protected]

Estátua

A minha ruga da raiva

risca meu rosto de rusga.

A minha ruga da dúvida

risca meu rosto de busca.

A minha testa é um texto

que escreve e apaga meu susto.

Sim eu tenho esse rosto

que enquanto existe é meu busto.

Carlos Nóbrega

[email protected]

Não há tempo a perder

com poesia,

inaproveitável

mercadoria

Espaço não há

pra se gastar

com Paul Valéry

Por isso

Alves de Aquino

[email protected]

ANUNCIE AQUI

Nasceu o Poema

Atropela um pássaro em voo

Rosto de menino versus bico e penas

Os carros cá embaixo olham de través

Dois corpos que colidem

Na prisão do ar

Acima das cruzes, acima dos topos

Construções, tosca soberba

Livres partilham

na jaula em meu tórax

Este seio azul

Constelado de poemas

Luan Brito de Azevedo

[email protected]

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Mal

a d

e R

oman

ces

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O Impossível Romance da Franga de Granja com o Galo Pé-Duro

Minha querida franguinha,

Nosso amor é sem futuro...

Peço, não fique abatida:

Entre nós existe um muro!

Você é moça tão fina,

Não sobe em qualquer poleiro...

Vou-me embora, sem destino,

Cantar noutro galinheiro!

Sou rústico como o sertão,

Sou aço duro de espada!

És frágil como uma rosa

De feição mais delicada...

E, nesse ingrato porvir,

Sofro igual a um aleijado:

Eu sou um filho da plebe!

Tu comes milho importado...

Adeus, adeus, minha amada!

Do meu pai, herdei prudência.

Sou um fruto da natura;

Tu és filha da ciência.

Nasceste em berço de ouro,

Numa linda chocadeira;

Eu sou um frango matuto,

Desses vendidos na feira.

Sou boêmio e o meu cantar

Sempre rompe a madrugada:

Meu corococó saúda

O surgir da alvorada.

Sou um cantador do mato,

Só temo mesmo a raposa.

Ao morrer, quero seu nome

Junto ao meu, na fria lousa...

Não vejo luz no caminho,

Somente o breu do escuro...

Você é franga de granja

E eu sou galo pé-duro.

Klévisson Viana

[email protected]

Mala de Romances

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Tiragostos

Rafael Limaverde

Nascido em Belém/PA, 1976, natura-

lizado cearense, iniciou sua carreira

ilustrando para o jornal O POVO.

Formado em Artes visuais pelo

Instituto Federal do Ceará (IFCE), é xi-

logravurista, grafiteiro, design e ilus-

trador. Teve sua primeira exposição

de pinturas e infogravuras intitulada

“Caos” - Fortaleza (2000) e, depois, a

segunda, “Xilofagia”. Realizou a expo-

sição individual “Gabinete Místico”

com 13 aquarelas na Galeria Estoril

- Fortaleza/CE (2015). É curador da

exposição Eco Barroco no CCBNB e

Bestiário Nordestino.

Pesquisa atualmente desenhos, pin-

turas, gravura e assemblages, tendo

como referência a cosmovisão reli-

giosa, tanto litúrgica (sacralizada pela

igreja) como a para-litúrgica (sacrali-

zada pela religiosidade popular), bem

como o imaginário fantástico, bestial,

grotesco. Baseia seu trabalho na sim-

bologia, no imaginário, na história,

nos objetos, templos e rituais que

compõem a experiência sagrada e

profana da transcendência humana.

artista da capa

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Os FitoManos de Raymundo Netto

Os mundos de Liz de Daniel Brandão

Tira de Lene Chaves