Volume 14 - nº2

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ISSN 1517-4115

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ISSN 1517-4115

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REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAISPublicação semestral da Anpur

Volume 14, número 2, novembro de 2012

EDITOR RESPONSÁVELCarlos Antônio Brandão (IPPUR-UFRJ)

EDITOR ASSISTENTEFernanda Sánchez (PPGAU-UFF)

COMISSÃO EDITORIALJorge Ramón Montenegro Gómez (PPGEO-UFPR), Marcio Moraes Valença (PPGEUR-UFRN), Maria Lúcia Refinetti Martins

(PPGAU-USP), Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior (NAEA-UFPA), Tânia Fischer (CIAGS-UFBA)

CONSELHO EDITORIALAna Cristina Fernandes (UFPE); Ana Fani Alessandri Carlos (USP); Ananya Roy (University of California, Berkley);

Benny Schvarsberg (UnB); Bernardo Campolina Diniz (UFMG); Bernardo Mançano Fernandes (UNESP-PP); Carlos de Mattos (Pontificia Universidad Católica de Chile); Clara Irazabal (Columbia University, Nova York); Denise Elias (UECE);

Edna Castro (UFPA); Emilio Pradilla Cobos (Universidad Autonoma Metropolitana, Unidad Xochimilco, México); Geraldo Magela Costa (UFMG); Henri Acselrad (UFRJ); Ivo Marcos Theis (FURB); José Aldemir de Oliveira (UFAM);

Marco Aurélio A. de F. Gomes (UFBA); Mariana Fix (Unicamp); Martim Smolka (Lincoln Institute of Land Policy); Norma Lacerda (UFPE); Paul Claval (Université Paris-IV, Sorbonne); Roberto Luiz do Carmo (Unicamp);

Tamara Benakouche (UFSC); Victor Ramiro Fernández (Universidad Nacional del Litoral, Argentina)

COLABORADORESAdriana Soares de Schueler (UFRRJ); Angela Moulin Penalva Santos (UERJ); Antônio Cesar Ortega (UFU);

Alcides Goularti Filho (UNESC); Denise Elias (UFCE); Eduardo Costa (UFPA); Ester Limonad (UFF); Fernanda Sánchez (UFF); Geraldo Magela Costa (UFMG); Helion Póvoa Neto (UFRJ); Hipólita Siqueira (UFRJ);

Jeroen Klink (UFABC); João Sette Whitaker Ferreira (USP); Jorge Ramón Montenegro Gómez (UFPR); Márcio Moraes Valença (UFRN); Maria Lucia Gitahy (USP); Maria Lucia Refinetti Martins (USP); Maria do Livramento Clementino (UFRN);

Marley Vanice Deschamps (UnC); Monica Arroyo (USP); Nelson Baltrusis (UFBA); Olga Lúcia Freitas Firkowski (UFPR); Pedro de Novais Lima Júnior (UFRJ); Roberto Luiz do Carmo (Unicamp); Rosa Moura (IPARDES); Rosana Baeninger (Unicamp);

Marcos Aurelio Saquet (Unioeste); Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior (UFPA); Vladimir Bartalini (USP

SECRETARIAPedro Paulo Pinto Maia Filho

PROJETO GRÁFICOJoão Baptista da Costa Aguiar

LAYOUT DA CAPAFrancisca Alexandre de Azevedo

COORDENAÇÃO E EDITORAÇÃOAna Basaglia

IMPRESSÃO E DISTRIBUIÇÃOLetra Capital Editora (www.letracapital.com.br)

Indexada na Library of Congress (EUA)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais – v.14, n.2,2012. – Associação Nacional de Pós-Graduação ePesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editorresponsável Carlos Antônio Brandão : A Associação, 2012.

v.

Semestral.ISSN 1517-4115O nº 1 foi publicado em maio de 1999.

1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa em PlanejamentoUrbano e Regional). II. Brandão, Carlos Antônio.

711.4(05) CDU (2.Ed.) UFRJ711.405 CDD (21.Ed.) BC-2001-098

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S U M Á R I O

REPENSANDO O REGIONAL

11 nuevA estAtidAd bAjo lA re-emergenciA regionAl: lA reelAborAción del proyecto neoli-berAl y sus AlternAtivAs en lA periferiA – Victor Ramiro Fernandez y Lucas Cardozo

35 espAciAlizAndo o desenvolvimentismo – imAgi-nário, escAlAs e regulAção – Marcos Barcellos de Souza

55 A formulAção de políticAs públicAs e As concepções de espAço, território e região – Ivo Marcos Theis e Antônio Carlos Galvão

71 ordenAmento territoriAl, meio Ambiente e desenvolvimento regionAl: novAs questões, pos-síveis ArticulAções – Renata Bovo Peres e Elisângela de Almeida Chiquito

87 umA propostA de identificAção de perfis re-gionAis no brAsil: A centrAlidAde e A mobilidAde espAciAl dA populAção – Carlos Lobo, Ralfo Matos e Ricardo A. Garcia 103 mobilidAde populAcionAl e um novo signifi-cAdo pArA As cidAdes: dispersão urbAnA e reflexivA nA dinâmicA regionAl não metropolitAnA – Ricardo Ojima e Eduardo Marandola Jr.

ARTIGOS

119 políticAs de recuperAção de rios urbAnos nA

cidAde de são pAulo – possibilidAdes e desAfios – Solange Silva-Sánchez e Pedro R. Jacobi

133 cApitAl excedente e urbAnizAção: o pApel dos grAndes projetos urbAnos – Nadia Somekh e Ricardo Carlos Gaspar

147 políticAs de renovAção urbAnA no centro histórico de bogotá, colômbiA (1998-2007) – Carlos José Suárez

169 rede urbAnA regionAl, cidAdes médiAs e centrAlidAdes: estudo de montes clAros e dos centros emergentes de pirAporA, jAnAúbA e jA-nuáriA no norte de minAs gerAis – Iara Soares de França e Beatriz Ribeiro Soares

MEMÓRIA DOS PRESIDENTES

187 dois Anos de vidA AssociAtivA dA Anpur (2005-2007): virAdA de conjunturA, políticA de pesquisA, Acesso livre à informAção – Ana Fernandes

RE SE NHAS

197 Mar de riqueza, terra de contrastes – o petróleo no Brasil, de Rosélia Piquet – por Sol Garson

198 Regional economic development in China, de Saw Swee-Hock e John Wong – por Robson Dias da Silva

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REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAISPublicação semestral da Anpur

Volume 14, número 2, novembro de 2012

EDITOR RESPONSÁVELCarlos Antônio Brandão (IPPUR-UFRJ)

EDITOR ASSISTENTEFernanda Sánchez (PPGAU-UFF)

COMISSÃO EDITORIALJorge Ramón Montenegro Gómez (PPGEO-UFPR), Marcio Moraes Valença (PPGEUR-UFRN), Maria Lúcia Refinetti Martins

(PPGAU-USP), Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior (NAEA-UFPA), Tânia Fischer (CIAGS-UFBA)

CONSELHO EDITORIALAna Cristina Fernandes (UFPE); Ana Fani Alessandri Carlos (USP); Ananya Roy (University of California, Berkley);

Benny Schvarsberg (UnB); Bernardo Campolina Diniz (UFMG); Bernardo Mançano Fernandes (UNESP-PP); Carlos de Mattos (Pontificia Universidad Católica de Chile); Clara Irazabal (Columbia University, Nova York); Denise Elias (UECE);

Edna Castro (UFPA); Emilio Pradilla Cobos (Universidad Autonoma Metropolitana, Unidad Xochimilco, México); Geraldo Magela Costa (UFMG); Henri Acselrad (UFRJ); Ivo Marcos Theis (FURB); José Aldemir de Oliveira (UFAM);

Marco Aurélio A. de F. Gomes (UFBA); Mariana Fix (Unicamp); Martim Smolka (Lincoln Institute of Land Policy); Norma Lacerda (UFPE); Paul Claval (Université Paris-IV, Sorbonne); Roberto Luiz do Carmo (Unicamp);

Tamara Benakouche (UFSC); Victor Ramiro Fernández (Universidad Nacional del Litoral, Argentina)

COLABORADORESAdriana Soares de Schueler (UFRRJ); Angela Moulin Penalva Santos (UERJ); Antônio Cesar Ortega (UFU);

Alcides Goularti Filho (UNESC); Denise Elias (UFCE); Eduardo Costa (UFPA); Ester Limonad (UFF); Fernanda Sánchez (UFF); Geraldo Magela Costa (UFMG); Helion Póvoa Neto (UFRJ); Hipólita Siqueira (UFRJ);

Jeroen Klink (UFABC); João Sette Whitaker Ferreira (USP); Jorge Ramón Montenegro Gómez (UFPR); Márcio Moraes Valença (UFRN); Maria Lucia Gitahy (USP); Maria Lucia Refinetti Martins (USP); Maria do Livramento Clementino (UFRN);

Marley Vanice Deschamps (UnC); Monica Arroyo (USP); Nelson Baltrusis (UFBA); Olga Lúcia Freitas Firkowski (UFPR); Pedro de Novais Lima Júnior (UFRJ); Roberto Luiz do Carmo (Unicamp); Rosa Moura (IPARDES); Rosana Baeninger (Unicamp);

Marcos Aurelio Saquet (Unioeste); Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior (UFPA); Vladimir Bartalini (USP

SECRETARIAPedro Paulo Pinto Maia Filho

PROJETO GRÁFICOJoão Baptista da Costa Aguiar

LAYOUT DA CAPAFrancisca Alexandre de Azevedo

COORDENAÇÃO E EDITORAÇÃOAna Basaglia

IMPRESSÃO E DISTRIBUIÇÃOLetra Capital Editora (www.letracapital.com.br)

Indexada na Library of Congress (EUA)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais – v.14, n.2,2012. – Associação Nacional de Pós-Graduação ePesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editorresponsável Carlos Antônio Brandão : A Associação, 2012.

v.

Semestral.ISSN 1517-4115O nº 1 foi publicado em maio de 1999.

1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa em PlanejamentoUrbano e Regional). II. Brandão, Carlos Antônio.

711.4(05) CDU (2.Ed.) UFRJ711.405 CDD (21.Ed.) BC-2001-098

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e d i t o r i A l

Ao chegarmos a esse momento importante em que se comemoram os 30 anos da Anpur, podemos também celebrar os 14 anos da Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. É momento, portanto, de enaltecer a iniciativa de 1999, rememorar, mas também de reexaminar desafios e oportunidades que se repõem constantemente no caminho perene de se transformar a rbeur em um dos principais veículos de debate da área. Entre outras questões cruciais, é ensejo de se indagar até que ponto ela está atenta e apta a refletir adequadamente a riqueza das temáticas e abordagens emergen-tes, vindas dos mais variados campos disciplinares que informam e estruturam nosso complexo objeto.

Os seis primeiros artigos aqui apresentados são fruto da exitosa chamada Repensar o Regional, que nos convidou ao instigante debate sobre a natureza dos problemas re-gionais contemporâneos. Vivemos um momento de mudanças rápidas e decisivas no capitalismo e o objetivo do dossiê foi revisitar, problematizar e requalificar, do ponto de vista das teorias e das práticas, a “questão regional”, a partir de uma perspectiva multidisciplinar. As perguntas colocadas na chamada eram: Quais persistências, emer-gências e rupturas reafirmam ou renovam os fundamentos teórico-metodológicos, as hipóteses elaboradas e as estruturas analíticas necessárias para apreender os complexos processos socioespaciais contemporâneos? Quais são os objetos e perspectivas cons-truídos ou em construção? O resultado foi um conjunto rico de abordagens, desde o balanço das mutações recentes no espaço e no Estado, o revisitar e a atualização categorial e conceitual, a análise da natureza de fenômenos e processos, tais como de-senvolvimentismo, ordenamento territorial, deslocamentos populacionais e alterações da rede urbana.

Os três primeiros textos nos trazem aproximações sucessivas do objeto em fo-co, que vão de um mapeamento das principais perguntas da problemática regional, enquanto questão no Estado, no contexto latino-americano até as bases teóricas que fundamentam a formulação das políticas públicas de cunho territorial. O primeiro ar-tigo, de Victor Ramiro Fernandez e Lucas Cardozo, explora o que eles denominam de dupla emergência – do regionalismo e da estatalidade – e questiona como essas foram assimiladas e como articularam-se na reconfiguração funcional e espacial do Estado. Alertam para o risco de reafirmação do projeto de neoliberal, que se encontra forta-lecido e articulado através das redes econômicas e políticas globais, com particulares impactos no contexto latino-americano, em que a lógica desarticulada e fragmentária da atuação estatal na escala regional necessitaria ser contraposta por construções con-tra-hegemônicas. Neste sentido, trazem uma importante contribuição para o questio-namento de como foram operadas efetivamente as metamorfoses no Estado e em seu padrão de organização espacial. No segundo artigo, Marcos Barcellos de Souza parte do recente e controverso debate sobre a natureza do chamado “desenvolvimentismo” do Brasil, procurando repensar as bases espaciais desse processo. Aponta algumas lacunas na construção do imaginário espacial desenvolvimentista e sugere elementos metodológicos e conceituais para entender os processos espaciais em curso, discutindo

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o reescalonamento espacial do Estado, a partir de uma releitura da abordagem regula-cionista e neo-gramsciana, dando-nos um quadro sintético atualizado da fronteira da agenda de pesquisas daquilo que se poderia chamar de economia política geográfica internacional. No terceiro texto, Ivo Marcos Theis e Antônio Carlos Galvão procuram resgatar e atualizar as bases conceituais de espaço, território e região como possíveis fundamentos para a formulação de políticas públicas. Partem do pressuposto de que as políticas públicas poderiam ganhar maior efetividade se sua dimensão espacial fosse trazida para o primeiro plano. Realizam uma revisão das trilhas teóricas que colocaram a geografia e a economia em diálogo, procurando trazer elementos para a orientação de políticas que enfatizem a dimensão espacial.

Repensando o regional brasileiro, temos três interessantes artigos que atestam a atualidade desse debate. Renata Bovo Peres e Elisângela de Almeida Chiquito apon-tam a retomada, em alguma medida, do debate sobre concepções e estratégias de ordenamento territorial e de desenvolvimento territorial na agenda política brasileira. Constatam que esses e outros temas (como os ambientais) passaram a fazer parte do discurso e da definição das políticas públicas, com avanços na redefinição das escalas de planejamento, dos instrumentos de gestão e de instituições de âmbito regional. Po-rém, persistem o tratamento setorial dos problemas, a multiplicidade e a sobreposição de instituições públicas que se dedicam ao desenvolvimento regional, territorial ou local. Afirmam, por fim, que muitos são os entraves na direção do estreitamento dos possíveis e necessários diálogos e articulações entre escalas, instâncias e instrumentos de intervenção.

O trabalho de Carlos Lobo, Ralfo Matos e Ricardo Garcia teve como propósito elaborar uma proposta de classificação e tipificação, tendo como referência a centra-lidade e a mobilidade espacial da população, buscando identificar perfis regionais no Brasil, a partir das migrações internas. A análise foi realizada tendo por base os estoques de população residente e os fluxos migratórios extraídos dos microdados da amostra do Censo Demográfico de 2010. Um importante achado foi a tipificação de núcleos urbanos fora das principais regiões metropolitanas brasileiras, o que vem tor-nando mais densa a rede de cidades em cada uma de suas regiões de influência. Fica claro que necessitamos de mais pesquisas que nos permitam, ao analisar a distribuição e os fluxos da população, reconhecer dimensões ainda pouco exploradas do processo de dispersão espacial da população no vasto e heterogêneo território nacional.

Ainda sobre a questão da mobilidade espacial da população, o artigo de Ricardo Ojima e Eduardo Marandola Jr investiga os deslocamentos pendulares no processo recente de urbanização no contexto da dinâmica não metropolitana brasileira. Os au-tores se orientam pelos indícios de fortes mudanças nos modos de vida e no âmbito da vida cotidiana urbana, colocando ênfase nos novos processos e dinâmicas que vêm se disseminando pela rede urbana brasileira. Sobretudo indagam acerca das novas lógicas de uso e consumo do espaço que não são comandados pelas metrópoles.

Abrindo a seção Artigos, Solange Silva Sánchez e Pedro Jacobi apresentam como as políticas de recuperação de rios e córregos urbanos na cidade de São Paulo, após quase uma década de sua formulação no âmbito do plano diretor, ainda encontram pela frente enormes constrangimentos e desafios para sua implementação. Demons-tram como a busca de um novo paradigma na gestão dos recursos hídricos, como aquela que prevê a recuperação de córregos e fundos de vale, expõe as dificuldades do

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poder público municipal para regular e efetivar uma política cuja natureza é intrinse-camente intersetorial e de longo prazo.

Nadia Somekh e Ricardo Carlos Gaspar analisam a relação entre os grandes projetos urbanos, a absorção dos excedentes de capital e as crises econômicas da atu-alidade. Partem da definição conceitual de grandes projetos urbanos, à luz do novo papel das cidades na economia mundial contemporânea, para analisar a dinâmica imobiliária e as disputas em torno da terra e da renda do solo urbano. São ressaltados o papel do Estado nacional para o ordenamento do território, a política regional e a regulação pública do espaço urbano.

Carlos José Suárez apresenta interessante análise das políticas de renovação urbana do centro histórico de Bogotá, denominado La Calle del Cartucho, trazendo um panorama dos processos através dos quais se demoliram construções ao longo de dezesseis quarteirões e se impuseram a construção do Parque Terceiro Milênio, através de parcerias público-privadas e da atração de investimentos internacionais, que deram uma nova forma à estrutura urbana do centro da capital colombiana. Foram ainda examinadas as mudanças discursivas e dos planos e projetos de renovação e a sua relação com a localização e posterior deslocamento dos moradores de rua do centro da cidade.

No último artigo, Iara Soares de França e Beatriz Ribeiro Soares discutem o papel das cidades médias na estrutura urbana e as funções que elas exercem em âm-bito regional. A partir do estudo de caso da centralidade de Montes Claros e de suas interações espaciais e econômicas com os centros emergentes de Janaúba, Januária e Pirapora, analisam a configuração da rede urbana norte mineira.

Este número retoma a seção Memória de Presidentes, trazendo o depoimento de Ana Fernandes, que esteve à frente da diretoria da Anpur de 2005 a 2007. Essa seção, que julgamos importante também para o registro histórico da associação, tinha sido interrompida desde o volume 7, número 2 de 2005. Nos próximos números da revista, pretendemos trazer os demais depoimentos, atualizando a história das gestões anpurianas até o presente.

Completando as contribuições desse número, temos as resenhas de dois livros publicados recentemente. A primeira, de Sol Garson, apresenta a coletânea organi-zada por Rosélia Piquet, Mar de riqueza, terra de contrastes – o petróleo no Brasil, que reúne artigos, de diversos especialistas, sobre o polêmico tema do papel dos recursos petrolíferos para a federação brasileira. A segunda, de Robson Dias da Silva, apresenta a coletânea organizada por Saw Swee-Hock e John Wong, Regional economic develop-ment in China, que investiga a dimensão espacial do processo de crescimento econô-mico daquele território gigantesco, submetido hoje a variados e rápidos processos de urbanização e a profundas modificações em sua paisagem regional, que podem trazer questões importantes para nossa reflexão.

cArlos brAndão Edi tor res pon sá vel

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R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS V.14, N.2 / NOVEMBRO 2012 6

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poder público municipal para regular e efetivar uma política cuja natureza é intrinse-camente intersetorial e de longo prazo.

Nadia Somekh e Ricardo Carlos Gaspar analisam a relação entre os grandes projetos urbanos, a absorção dos excedentes de capital e as crises econômicas da atu-alidade. Partem da definição conceitual de grandes projetos urbanos, à luz do novo papel das cidades na economia mundial contemporânea, para analisar a dinâmica imobiliária e as disputas em torno da terra e da renda do solo urbano. São ressaltados o papel do Estado nacional para o ordenamento do território, a política regional e a regulação pública do espaço urbano.

Carlos José Suárez apresenta interessante análise das políticas de renovação urbana do centro histórico de Bogotá, denominado La Calle del Cartucho, trazendo um panorama dos processos através dos quais se demoliram construções ao longo de dezesseis quarteirões e se impuseram a construção do Parque Terceiro Milênio, através de parcerias público-privadas e da atração de investimentos internacionais, que deram uma nova forma à estrutura urbana do centro da capital colombiana. Foram ainda examinadas as mudanças discursivas e dos planos e projetos de renovação e a sua relação com a localização e posterior deslocamento dos moradores de rua do centro da cidade.

No último artigo, Iara Soares de França e Beatriz Ribeiro Soares discutem o papel das cidades médias na estrutura urbana e as funções que elas exercem em âm-bito regional. A partir do estudo de caso da centralidade de Montes Claros e de suas interações espaciais e econômicas com os centros emergentes de Janaúba, Januária e Pirapora, analisam a configuração da rede urbana norte mineira.

Este número retoma a seção Memória de Presidentes, trazendo o depoimento de Ana Fernandes, que esteve à frente da diretoria da Anpur de 2005 a 2007. Essa seção, que julgamos importante também para o registro histórico da associação, tinha sido interrompida desde o volume 7, número 2 de 2005. Nos próximos números da revista, pretendemos trazer os demais depoimentos, atualizando a história das gestões anpurianas até o presente.

Completando as contribuições desse número, temos as resenhas de dois livros publicados recentemente. A primeira, de Sol Garson, apresenta a coletânea organi-zada por Rosélia Piquet, Mar de riqueza, terra de contrastes – o petróleo no Brasil, que reúne artigos, de diversos especialistas, sobre o polêmico tema do papel dos recursos petrolíferos para a federação brasileira. A segunda, de Robson Dias da Silva, apresenta a coletânea organizada por Saw Swee-Hock e John Wong, Regional economic develop-ment in China, que investiga a dimensão espacial do processo de crescimento econô-mico daquele território gigantesco, submetido hoje a variados e rápidos processos de urbanização e a profundas modificações em sua paisagem regional, que podem trazer questões importantes para nossa reflexão.

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NUEVA ESTATIDAD BAJO LA RE-EMERGENCIA REGIONAL

La ReeLaboRación deL PRoyecto neoLibeRaL y sus aLteRnativas en La PeRifeRia

v í c t o R R a m i R o f e R n á n d e zL u c a s G a b R i e L c a R d o z o

R e s u m e n Posicionado desde la periferia –y con acento en el contexto latinoameri-cano– el artículo explora la reconfiguración funcional y espacial del Estado y de las dinámicas regionales que se articulan al mismo. Se sostiene que el paso de una matriz welfarista hacia nuevas formas de workfaristas de implicación del Estado y de configuración de las dinámicas regionales, más que una superación presenta el riesgo de constituir una reelaboración del proyec-to neoliberal, fortalecido y articulado a través de las redes económicas y políticas globales, con particulares impactos en la periferia. Se fundamenta cómo la hegemónica revisión discursiva y de prácticas producida a través de esas redes expresa una funcionalidad con la integración su-bordinada a los intereses de los actores trasnacionales que las controlan. En forma alternativa, se argumenta la necesidad estratégica de una construcción discursiva contra-hegemónica, con centro en la capacidad autónoma, nodal y articuladora de las dinámicas regionales del Estado.

P a L a b R a s c L a v e Estado; región; workfare; periferia; redes económicas; redes políticas.

INTRODUCCIÓN

Transitamos ya casi cuatro décadas de una profunda re-estructuración en las formas de acumulación y la regulación del capitalismo (Harvey, 1990). Ello ha comprendido los multidimensionales procesos de flexibilización que acompañaron la inédita capacidad de integrar múltiples y multi-localizadas formas de producción y realización (Dicken, 2003), conformadas entorno a redes económicas e institucionales habilitadas por la revolución tecnológica (Castells, 1990).

Bajo ese contexto de transformaciones, uno de los aspectos más destacados ha sido la emergencia de los escenarios regionales como ámbitos estratégicos en la articulación de esas nuevas formas de acumulación y regulación (Scott y Storper, 2003), cobrando relevancia a nivel académico y en la planificación de los estados.

Los impactos de la emergencia de los escenarios regionales sobre estos últimos, a partir de las nuevas formas de acumulación y regulación han sido considerados por una panoplia de contribuciones provenientes de la economía política, la geografía y el urba-nismo, conformando una reflexión progresivamente articulada acerca de las nuevas geo-grafías de la configuración estatal, así como de la nueva economía política de la estatidad. Los elementos novedosos de esa estatidad han comprendido una nueva lógica funcional y una profunda redefinición escalar del Estado que reflejaron el agotamiento e impulsaron la redefinición del patrón fordo-keynesiano de posguerra (Jessop, 2002).

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NUEVA ESTATIDAD BAJO LA RE-EMERGENCIA REGIONAL

La ReeLaboRación deL PRoyecto neoLibeRaL y sus aLteRnativas en La PeRifeRia

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R e s u m e n Posicionado desde la periferia –y con acento en el contexto latinoameri-cano– el artículo explora la reconfiguración funcional y espacial del Estado y de las dinámicas regionales que se articulan al mismo. Se sostiene que el paso de una matriz welfarista hacia nuevas formas de workfaristas de implicación del Estado y de configuración de las dinámicas regionales, más que una superación presenta el riesgo de constituir una reelaboración del proyec-to neoliberal, fortalecido y articulado a través de las redes económicas y políticas globales, con particulares impactos en la periferia. Se fundamenta cómo la hegemónica revisión discursiva y de prácticas producida a través de esas redes expresa una funcionalidad con la integración su-bordinada a los intereses de los actores trasnacionales que las controlan. En forma alternativa, se argumenta la necesidad estratégica de una construcción discursiva contra-hegemónica, con centro en la capacidad autónoma, nodal y articuladora de las dinámicas regionales del Estado.

P a L a b R a s c L a v e Estado; región; workfare; periferia; redes económicas; redes políticas.

INTRODUCCIÓN

Transitamos ya casi cuatro décadas de una profunda re-estructuración en las formas de acumulación y la regulación del capitalismo (Harvey, 1990). Ello ha comprendido los multidimensionales procesos de flexibilización que acompañaron la inédita capacidad de integrar múltiples y multi-localizadas formas de producción y realización (Dicken, 2003), conformadas entorno a redes económicas e institucionales habilitadas por la revolución tecnológica (Castells, 1990).

Bajo ese contexto de transformaciones, uno de los aspectos más destacados ha sido la emergencia de los escenarios regionales como ámbitos estratégicos en la articulación de esas nuevas formas de acumulación y regulación (Scott y Storper, 2003), cobrando relevancia a nivel académico y en la planificación de los estados.

Los impactos de la emergencia de los escenarios regionales sobre estos últimos, a partir de las nuevas formas de acumulación y regulación han sido considerados por una panoplia de contribuciones provenientes de la economía política, la geografía y el urba-nismo, conformando una reflexión progresivamente articulada acerca de las nuevas geo-grafías de la configuración estatal, así como de la nueva economía política de la estatidad. Los elementos novedosos de esa estatidad han comprendido una nueva lógica funcional y una profunda redefinición escalar del Estado que reflejaron el agotamiento e impulsaron la redefinición del patrón fordo-keynesiano de posguerra (Jessop, 2002).

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N U E V A E S T A T I D A D B A J O L A R E - E M E R G E N C I A R E G I O N A L

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Atento a que las nuevas configuraciones que afectan a la dinámica regional y al pro-pio estado han sido abordados esencialmente en los países centrales: ¿Qué podemos decir del escenario periférico, y más específicamente del latinoamericano? ¿Cómo las dos líneas de emergencia vinculadas al regionalismo y la transformación estatal fueron asimilados y con qué grado de articulación?

Hacia finales de los años 70, tuvo lugar un genuino –pero en parte fallido– intento de re-posicionar “la cuestión regional” desde una perspectiva crítica y latinoamericana, que procuraba trascender la descripción territorial y re-insertar el análisis de lo regional bajo el marco “de las formas espaciales contradictorias, resultantes de la organización y reor-ganización territorial de los procesos sociales dominados por relaciones capitalistas” (Coraggio, 2010, p.16). La recuperación del enfoque que ganó lugar con posterioridad a aquel intento situando a las regiones como centros estratégicos de transformación y desarrollo, vino de la mano de una transferencia más bien acrítica de los dispositivo teóricos originados en los países centrales (Fernández et al., 2008), siguiendo en tal sentido una tradición de pensar el desarrollo (regional) con instrumentos analíticos exógenos a nuestra realidad latinoamericana (De Mattos, 2010).

Más definidamente hacia los años 1990, y concomitantemente al dominio creciente de las reformas neoliberales, una “nueva ortodoxia regionalista” (noR) emergió de dicha “transferencia” (Fernández et al., 2008a), acompañada –y a veces antecedida– por un conjunto de contribuciones vernáculas, que exaltaron el posicionamiento de las regiones –y el regionalismo– como ámbitos de conformación de procesos de desarrollo endógeno (Vázquez Barquero, 2000) y socialmente auto-construidos (Boisier, 1988).

En el marco de esa (paradojalmente) tan escasa elaboración endógena de las condi-ciones para un desarrollo regional, y bajo el protagonismo de las reformas pro-mercado del neoliberalismo, la perspectiva regionalista transferida contenía una llamativa des-teo-rización del Estado, posicionándolo sólo desde la relevancia de su descentralización, según sus introductores, para devolver a la sociedad y al territorio su capacidad auto-productiva y lograr un desarrollo más equilibrado. Con escasas excepciones (De Mattos, 1989; Co-raggio, 1997), tanto los abordajes de la descentralización, como las propias políticas orien-tadas a la recuperación regionalista/localista, carecieron de una acabada fundamentación sobre los efectos de su impulso (Crescenzi y Rodríguez Pose, 2011).

Ese descuido del Estado y su reestructuración, así como el ingreso acrítico de la noR, no parecen haber sido inocuos. Más bien se presentan seriamente comprometi-dos en la generación de las limitaciones para obtener una mejor comprensión de los alcances y significados de las estrategias de desarrollo regional impulsadas no sólo bajo el dominio de Consenso de Washington (cW), sino también bajo las que se han venido promoviendo con posterioridad al replanteo que generaron sus efectos. La reversión de tal descuido, por lo tanto, parece cumplir un papel neurálgico para responder a los siguientes interrogantes:• ¿Cómo operaron efectivamente las transformaciones estatales tanto en sus patrones de

organización espacial como en su formas de implicación en el escenario latinoameri-cano, considerando no sólo el periodo de hegemonía de las reformas neoliberales, sino y fundamentalmente las más actuales reacciones a los efectos de estas reformas, que reflejan las acciones de organismos internacionales como las instancias nacionales y sub-nacionales del Estado?

• ¿Cómo se vinculan esas transformaciones con las políticas de desarrollo regional?• ¿Qué resultados conlleva desde el punto de vista del desarrollo regional y de los inte-

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reses afectados en un contexto signado por los efectos de las reformas neoliberales y el intento –al menos discursivo– de su reformulación como en la etapa actual?

El trabajo se enmarca precisamente en esa discusión y en la exploración de estos in-terrogantes, es decir, en la amplia problemática de la re-emergencia del desarrollo regional en el escenario latinoamericano y su vínculo con el proceso de reestructuración funcional y espacial del Estado bajo el capitalismo.

El análisis tiene como punto de partida el reconocimiento de una lógica extendida a nivel global, montada sobre la reestructuración espacial y escalar del Estado y el impulso de una nueva lógica funcional que desplaza la perspectiva “welfarista” que promovió el Estado de Bienestar hacia la promoción de una intervención “workfarista”, asociada en primer término a una implicación orientada hacia la “creación de ambientes productivos dinámicos”, sustentados en la cualificación de la productividad laboral y la innovación em-presarial. Operando bajo dicho marco, y referenciándonos sobre las políticas de desarrollo regional llevadas adelante en la experiencia argentina (post-neoliberal), sostenemos que en la periferia –latinoamericana– dichas transformaciones requieren comprenderse dentro de la presencia y la operación de redes políticas globales (RPG) crecientemente tras-nacionali-zadas (Peck, 2010), que se montan sobre la reestructuración escalar del Estado, y procuran construir lo regional a partir de una renovada impronta “workfarista-productivista”.

Situados en ese contexto latinoamericano en general sostenemos que esta implica-ción del Estado de matriz workfarista, desplegada con posterioridad al cW, más que una superación, representa una reelaboración del proyecto neoliberal a escala global. En la obtención de esta reelaboración ha jugado un papel crítico la capacidad de re-conformar un discurso hegemónico que, bajo una lógica de co-producción de políticas con los acto-res regionales, impone una extensión de los procesos de mercantilización, a través de una implicación estatal que facilita un renovado y más complejo proceso de desarticulación fragmentante al momento de implicar la dinámica regional.

Esa lógica desarticulada y fragmentaria que domina la implicación estatal a nivel regional en la periferia, contribuye a mantener inalterada la integración selectiva y su-bordinada del proceso de acumulación regional a las redes económicas globales (ReG) dominadas por las fracciones globales del capital, así como, por ello, a limitar la con-formación de un proceso de acumulación endógenamente sostenible, con capacidad de redistribución, que cualifique las condiciones sociales del conjunto del escenario nacional.

Para desarrollar este argumento el trabajo se organiza en tres secciones: en la prim-era, destacamos los cambios en las formas de reproducción global del capitalismo y la conformación de las redes y de cadenas globales sobre los que se redefine su organización y funcionamiento, para insertar en dicho contexto el análisis de la redefinición funcional y espacial del Estado. Para ello, consideramos las alteraciones funcionales operadas sobre el Estado en ese contexto de cambio global, observando el tránsito desde de las formas de implicación welfarista, desplazadas a través de las formas neoliberales inspiradas en el roll back, y la emergencia del nuevo patrón de implicación workfarista, fundado en nuevas estrategias neoliberales de roll out –con epicentro en los procesos de producción–. Seguidamente, analizamos los cambios espaciales en la estatidad y la emergencia de un nuevo escenario de ordenamiento escalar, bajo el que, junto al proceso de up-scaling que fortalece las capacidades y competencias de organismos supranacionales, ganan discursivamente posicionamiento las regiones desde un paralelo proceso de downscaling. Mostramos como la dimensión espacial y específicamente esa reestructuración escalar abren, desde su articulación con aquellos cambios funcionales, un escenario propicio para

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Atento a que las nuevas configuraciones que afectan a la dinámica regional y al pro-pio estado han sido abordados esencialmente en los países centrales: ¿Qué podemos decir del escenario periférico, y más específicamente del latinoamericano? ¿Cómo las dos líneas de emergencia vinculadas al regionalismo y la transformación estatal fueron asimilados y con qué grado de articulación?

Hacia finales de los años 70, tuvo lugar un genuino –pero en parte fallido– intento de re-posicionar “la cuestión regional” desde una perspectiva crítica y latinoamericana, que procuraba trascender la descripción territorial y re-insertar el análisis de lo regional bajo el marco “de las formas espaciales contradictorias, resultantes de la organización y reor-ganización territorial de los procesos sociales dominados por relaciones capitalistas” (Coraggio, 2010, p.16). La recuperación del enfoque que ganó lugar con posterioridad a aquel intento situando a las regiones como centros estratégicos de transformación y desarrollo, vino de la mano de una transferencia más bien acrítica de los dispositivo teóricos originados en los países centrales (Fernández et al., 2008), siguiendo en tal sentido una tradición de pensar el desarrollo (regional) con instrumentos analíticos exógenos a nuestra realidad latinoamericana (De Mattos, 2010).

Más definidamente hacia los años 1990, y concomitantemente al dominio creciente de las reformas neoliberales, una “nueva ortodoxia regionalista” (noR) emergió de dicha “transferencia” (Fernández et al., 2008a), acompañada –y a veces antecedida– por un conjunto de contribuciones vernáculas, que exaltaron el posicionamiento de las regiones –y el regionalismo– como ámbitos de conformación de procesos de desarrollo endógeno (Vázquez Barquero, 2000) y socialmente auto-construidos (Boisier, 1988).

En el marco de esa (paradojalmente) tan escasa elaboración endógena de las condi-ciones para un desarrollo regional, y bajo el protagonismo de las reformas pro-mercado del neoliberalismo, la perspectiva regionalista transferida contenía una llamativa des-teo-rización del Estado, posicionándolo sólo desde la relevancia de su descentralización, según sus introductores, para devolver a la sociedad y al territorio su capacidad auto-productiva y lograr un desarrollo más equilibrado. Con escasas excepciones (De Mattos, 1989; Co-raggio, 1997), tanto los abordajes de la descentralización, como las propias políticas orien-tadas a la recuperación regionalista/localista, carecieron de una acabada fundamentación sobre los efectos de su impulso (Crescenzi y Rodríguez Pose, 2011).

Ese descuido del Estado y su reestructuración, así como el ingreso acrítico de la noR, no parecen haber sido inocuos. Más bien se presentan seriamente comprometi-dos en la generación de las limitaciones para obtener una mejor comprensión de los alcances y significados de las estrategias de desarrollo regional impulsadas no sólo bajo el dominio de Consenso de Washington (cW), sino también bajo las que se han venido promoviendo con posterioridad al replanteo que generaron sus efectos. La reversión de tal descuido, por lo tanto, parece cumplir un papel neurálgico para responder a los siguientes interrogantes:• ¿Cómo operaron efectivamente las transformaciones estatales tanto en sus patrones de

organización espacial como en su formas de implicación en el escenario latinoameri-cano, considerando no sólo el periodo de hegemonía de las reformas neoliberales, sino y fundamentalmente las más actuales reacciones a los efectos de estas reformas, que reflejan las acciones de organismos internacionales como las instancias nacionales y sub-nacionales del Estado?

• ¿Cómo se vinculan esas transformaciones con las políticas de desarrollo regional?• ¿Qué resultados conlleva desde el punto de vista del desarrollo regional y de los inte-

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reses afectados en un contexto signado por los efectos de las reformas neoliberales y el intento –al menos discursivo– de su reformulación como en la etapa actual?

El trabajo se enmarca precisamente en esa discusión y en la exploración de estos in-terrogantes, es decir, en la amplia problemática de la re-emergencia del desarrollo regional en el escenario latinoamericano y su vínculo con el proceso de reestructuración funcional y espacial del Estado bajo el capitalismo.

El análisis tiene como punto de partida el reconocimiento de una lógica extendida a nivel global, montada sobre la reestructuración espacial y escalar del Estado y el impulso de una nueva lógica funcional que desplaza la perspectiva “welfarista” que promovió el Estado de Bienestar hacia la promoción de una intervención “workfarista”, asociada en primer término a una implicación orientada hacia la “creación de ambientes productivos dinámicos”, sustentados en la cualificación de la productividad laboral y la innovación em-presarial. Operando bajo dicho marco, y referenciándonos sobre las políticas de desarrollo regional llevadas adelante en la experiencia argentina (post-neoliberal), sostenemos que en la periferia –latinoamericana– dichas transformaciones requieren comprenderse dentro de la presencia y la operación de redes políticas globales (RPG) crecientemente tras-nacionali-zadas (Peck, 2010), que se montan sobre la reestructuración escalar del Estado, y procuran construir lo regional a partir de una renovada impronta “workfarista-productivista”.

Situados en ese contexto latinoamericano en general sostenemos que esta implica-ción del Estado de matriz workfarista, desplegada con posterioridad al cW, más que una superación, representa una reelaboración del proyecto neoliberal a escala global. En la obtención de esta reelaboración ha jugado un papel crítico la capacidad de re-conformar un discurso hegemónico que, bajo una lógica de co-producción de políticas con los acto-res regionales, impone una extensión de los procesos de mercantilización, a través de una implicación estatal que facilita un renovado y más complejo proceso de desarticulación fragmentante al momento de implicar la dinámica regional.

Esa lógica desarticulada y fragmentaria que domina la implicación estatal a nivel regional en la periferia, contribuye a mantener inalterada la integración selectiva y su-bordinada del proceso de acumulación regional a las redes económicas globales (ReG) dominadas por las fracciones globales del capital, así como, por ello, a limitar la con-formación de un proceso de acumulación endógenamente sostenible, con capacidad de redistribución, que cualifique las condiciones sociales del conjunto del escenario nacional.

Para desarrollar este argumento el trabajo se organiza en tres secciones: en la prim-era, destacamos los cambios en las formas de reproducción global del capitalismo y la conformación de las redes y de cadenas globales sobre los que se redefine su organización y funcionamiento, para insertar en dicho contexto el análisis de la redefinición funcional y espacial del Estado. Para ello, consideramos las alteraciones funcionales operadas sobre el Estado en ese contexto de cambio global, observando el tránsito desde de las formas de implicación welfarista, desplazadas a través de las formas neoliberales inspiradas en el roll back, y la emergencia del nuevo patrón de implicación workfarista, fundado en nuevas estrategias neoliberales de roll out –con epicentro en los procesos de producción–. Seguidamente, analizamos los cambios espaciales en la estatidad y la emergencia de un nuevo escenario de ordenamiento escalar, bajo el que, junto al proceso de up-scaling que fortalece las capacidades y competencias de organismos supranacionales, ganan discursivamente posicionamiento las regiones desde un paralelo proceso de downscaling. Mostramos como la dimensión espacial y específicamente esa reestructuración escalar abren, desde su articulación con aquellos cambios funcionales, un escenario propicio para

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permear las lógicas e intereses de las fracciones globales del capital que dominan las redes económicas globales antes referidas.

En la segunda sección, procuramos dar cuenta de la forma como la re-estructuración estatal y el involucramiento de las regiones se vincula a la compleja articulación de las redes económicas y políticas globales que las potencian en los escenarios periféricos. Para ello, destacamos la importancia de considerar las especificidades de la periferia del sistema mundo y las formas como en ella operan las lógicas e intereses de los actores que controlan las ReG, para posteriormente considerar las articulaciones de estas últimas con las RPG y los actores supranacionales que las motorizan. Apuntamos a mostrar el papel relevante que cumplen tanto las transformaciones espaciales y las formas de implicación del Estado y las regiones en el desarrollo de esas RPG, así como en la “redefinida continuidad” de las respuestas “pos-neoliberales” que las mismas logran a partir de los cambiantes contextos que ha enfrentado la periferia.

En la tercera y conclusiva sección, retomando lo planteado, indicamos como esa hegemónica revisión discursiva y de prácticas y su consecuente desarticulación fragmen-taria, de renovación de los procesos de mercantilización neoliberal, expresan una clara funcionalidad con la integración subordinada con la lógica e intereses de los actores que controlan las ReG. Sobre dicha base, argumentamos la necesidad estratégica de una cons-trucción discursiva contra-hegemónica, con centro en la capacidad autónoma, y nodal del Estado y un posicionamiento como articulador de las dinámicas regionales dentro de esa estrategia.

PRIMERA SECCIÓN: DIMENSIONES FUNCIONALES Y ESPACIALES DE LA RECONVERSIÓN ESTATAL EN EL MARCO DE LA TRANSFORMACIÓN GLOBAL DEL CAPITALISMO

tRansfoRmaciones GLobaLes deL caPitaLismo: eL contexto de emeRGencia de La tRansfoRmación estataL y La Re-emeRGencia ReGionaL

Hacia finales de los años 80, los análisis desarrollados entorno a la reconversión de los procesos de reproducción y realización del capital (esencialmente industrial) pusieron el acento la necesidad de configurar formas más flexibles ante las estructuras productivas rígidas, montadas bajo el fordo-keynesianismo de posguerra (Piore y Sabel, 1984). A la atención en los procesos de flexibilización se le sumó la consideración del papel central de la revolución tecnológica, esencialmente de las tecnologías de la información para sostener la emergencia de un nuevo paradigma tecno-productivo dentro de los que forman los ci-clos capitalistas (Pérez, 2001); sustentado en una serie de complejos y profundos cambios organizacionales y funcionales, y el creciente y determinante papel del conocimiento y la innovación, involucrando ello no sólo el papel de los grandes actores trasnacionales, sino su interacción con los complejos económicos institucionales, tanto locales como nacionales.

Dicho paradigma tecno-productivo, se ha visto fortalecido por la capacidad de faci-litar la existencia de, al menos, dos aspectos concomitantes y re-articulados: por un lado, las estrategias globales del descentramiento productivo (outsourcing) en la búsqueda de capitalizar multi-localizadamente aquellas condiciones asociadas a los costos o las calida-des infraestructurales y de la fuerza de trabajo, así como al acceso de mercados con escalas

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atractivas (por ejemplo, Asia). Por otro lado, la capacidad de ensamblar dichas estrategias globales a partir de puntos nodales de articulación, donde se concentra el desarrollo de los llamados servicios avanzados a la producción. El emergente de ello, ha sido la con-formación de complejos “sistemas globales de producción integrada” (unctad, 2002), o “encadenamiento globales de valor” (Kaplinsky y Readmen, 2001) facilitados por las nuevas tecnologías de la información (Karmarkar, 2000).

A través de las ReG –de los procesos de producción, desarrollo de servicios y ventas que las conforman, así como de la movilización internacional de crecientes flujos finan-cieros y de inversión– las operaciones de las grandes empresas trasnacionales han visto enormemente potenciada su capacidad de traspasar y seleccionar ámbitos regionales y nacionales, interactuando en tiempo real sobre una multiplicidad de actores económicos e institucionales posicionados en dichos ámbitos (Dicken, 2003). Estos actores regionales y nacionales, por su parte, encuentran una capacidad de integración a dichos encadena-mientos, como también de condicionamientos a los actores trasnacionales que los contro-lan, a partir de las variables de fortaleza que muestran sus sistemas regionales y nacionales de producción e innovación, históricamente configurados a partir de la interrelación de una serie importante de elementos (Cooke y Morgan, 1998). Lejos del “mundo plano” (flat world) (Friedman, 2006), que aquellos actores trasnacionales y su interacción con la variable fortaleza de esos sistemas localizados resultan múltiples procesos de selección, exclusión y subordinación, que tornan marcadamente irregular el escenario de las redes y los territorios (Dicken, 2003).

Ahora bien, la emergencia del nuevo paradigma, donde se combinan las lógicas de los grandes actores trasnacionales y el amplio espectro de actores regional y nacionalmente enraizados, ha conllevado un replanteo general de las formas de regulación institucional de los acuerdos capital-trabajo, así como de los patrones internacionales de funcionamien-to del capital productivo y financiero extendidas durante la hegemonía fordo-keynesiana (Peck y Tickell, 1994). Esas nuevas formas regulatorias, sin embargo, han adoptado un carácter marcadamente variable y poco definido (Goodwin y Painter, 1996), atento a la cantidad y especificidades de los elementos nacionales y regionales involucrados en el nuevo “ institutional fix” posfordista (Peck y Tickell, 1994).

No obstante ello, como elemento homogeneizador, los principales vectores que han guiado los nuevos y complejos procesos regulatorios, han estado permeados por –y en buena medida asociados a– la idea de la mercantilización de las relaciones sociales, las que configuran el centro de gravedad de los variados procesos de neo-liberalización des-plegados a partir de la crisis del patrón de acumulación fordo keynesiano de posguerra (Brenner et al., 2010).

Es en ese contexto, en el que confluyen esas indefinidas formas de regulación con el dominio –a veces más explícito y otras subyacentes– del constantemente recreado proceso neo-liberalizador, en el que deben ser insertos los cambios funcionales y espaciales del Estado, así como el involucramiento en ellos de las dinámicas regionales.

cambios funcionaLes en eL estado: deL desmanteLamiento Hacia La RecReación y desde eL WeLfaRe aL WoRkfaRe

Los cambios desde el punto de vista funcional que se han operado sobre el Estado pueden observarse desde dos grandes procesos discursivos, que estructuran su implicación en el nuevo complejo regulatorio.

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permear las lógicas e intereses de las fracciones globales del capital que dominan las redes económicas globales antes referidas.

En la segunda sección, procuramos dar cuenta de la forma como la re-estructuración estatal y el involucramiento de las regiones se vincula a la compleja articulación de las redes económicas y políticas globales que las potencian en los escenarios periféricos. Para ello, destacamos la importancia de considerar las especificidades de la periferia del sistema mundo y las formas como en ella operan las lógicas e intereses de los actores que controlan las ReG, para posteriormente considerar las articulaciones de estas últimas con las RPG y los actores supranacionales que las motorizan. Apuntamos a mostrar el papel relevante que cumplen tanto las transformaciones espaciales y las formas de implicación del Estado y las regiones en el desarrollo de esas RPG, así como en la “redefinida continuidad” de las respuestas “pos-neoliberales” que las mismas logran a partir de los cambiantes contextos que ha enfrentado la periferia.

En la tercera y conclusiva sección, retomando lo planteado, indicamos como esa hegemónica revisión discursiva y de prácticas y su consecuente desarticulación fragmen-taria, de renovación de los procesos de mercantilización neoliberal, expresan una clara funcionalidad con la integración subordinada con la lógica e intereses de los actores que controlan las ReG. Sobre dicha base, argumentamos la necesidad estratégica de una cons-trucción discursiva contra-hegemónica, con centro en la capacidad autónoma, y nodal del Estado y un posicionamiento como articulador de las dinámicas regionales dentro de esa estrategia.

PRIMERA SECCIÓN: DIMENSIONES FUNCIONALES Y ESPACIALES DE LA RECONVERSIÓN ESTATAL EN EL MARCO DE LA TRANSFORMACIÓN GLOBAL DEL CAPITALISMO

tRansfoRmaciones GLobaLes deL caPitaLismo: eL contexto de emeRGencia de La tRansfoRmación estataL y La Re-emeRGencia ReGionaL

Hacia finales de los años 80, los análisis desarrollados entorno a la reconversión de los procesos de reproducción y realización del capital (esencialmente industrial) pusieron el acento la necesidad de configurar formas más flexibles ante las estructuras productivas rígidas, montadas bajo el fordo-keynesianismo de posguerra (Piore y Sabel, 1984). A la atención en los procesos de flexibilización se le sumó la consideración del papel central de la revolución tecnológica, esencialmente de las tecnologías de la información para sostener la emergencia de un nuevo paradigma tecno-productivo dentro de los que forman los ci-clos capitalistas (Pérez, 2001); sustentado en una serie de complejos y profundos cambios organizacionales y funcionales, y el creciente y determinante papel del conocimiento y la innovación, involucrando ello no sólo el papel de los grandes actores trasnacionales, sino su interacción con los complejos económicos institucionales, tanto locales como nacionales.

Dicho paradigma tecno-productivo, se ha visto fortalecido por la capacidad de faci-litar la existencia de, al menos, dos aspectos concomitantes y re-articulados: por un lado, las estrategias globales del descentramiento productivo (outsourcing) en la búsqueda de capitalizar multi-localizadamente aquellas condiciones asociadas a los costos o las calida-des infraestructurales y de la fuerza de trabajo, así como al acceso de mercados con escalas

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atractivas (por ejemplo, Asia). Por otro lado, la capacidad de ensamblar dichas estrategias globales a partir de puntos nodales de articulación, donde se concentra el desarrollo de los llamados servicios avanzados a la producción. El emergente de ello, ha sido la con-formación de complejos “sistemas globales de producción integrada” (unctad, 2002), o “encadenamiento globales de valor” (Kaplinsky y Readmen, 2001) facilitados por las nuevas tecnologías de la información (Karmarkar, 2000).

A través de las ReG –de los procesos de producción, desarrollo de servicios y ventas que las conforman, así como de la movilización internacional de crecientes flujos finan-cieros y de inversión– las operaciones de las grandes empresas trasnacionales han visto enormemente potenciada su capacidad de traspasar y seleccionar ámbitos regionales y nacionales, interactuando en tiempo real sobre una multiplicidad de actores económicos e institucionales posicionados en dichos ámbitos (Dicken, 2003). Estos actores regionales y nacionales, por su parte, encuentran una capacidad de integración a dichos encadena-mientos, como también de condicionamientos a los actores trasnacionales que los contro-lan, a partir de las variables de fortaleza que muestran sus sistemas regionales y nacionales de producción e innovación, históricamente configurados a partir de la interrelación de una serie importante de elementos (Cooke y Morgan, 1998). Lejos del “mundo plano” (flat world) (Friedman, 2006), que aquellos actores trasnacionales y su interacción con la variable fortaleza de esos sistemas localizados resultan múltiples procesos de selección, exclusión y subordinación, que tornan marcadamente irregular el escenario de las redes y los territorios (Dicken, 2003).

Ahora bien, la emergencia del nuevo paradigma, donde se combinan las lógicas de los grandes actores trasnacionales y el amplio espectro de actores regional y nacionalmente enraizados, ha conllevado un replanteo general de las formas de regulación institucional de los acuerdos capital-trabajo, así como de los patrones internacionales de funcionamien-to del capital productivo y financiero extendidas durante la hegemonía fordo-keynesiana (Peck y Tickell, 1994). Esas nuevas formas regulatorias, sin embargo, han adoptado un carácter marcadamente variable y poco definido (Goodwin y Painter, 1996), atento a la cantidad y especificidades de los elementos nacionales y regionales involucrados en el nuevo “ institutional fix” posfordista (Peck y Tickell, 1994).

No obstante ello, como elemento homogeneizador, los principales vectores que han guiado los nuevos y complejos procesos regulatorios, han estado permeados por –y en buena medida asociados a– la idea de la mercantilización de las relaciones sociales, las que configuran el centro de gravedad de los variados procesos de neo-liberalización des-plegados a partir de la crisis del patrón de acumulación fordo keynesiano de posguerra (Brenner et al., 2010).

Es en ese contexto, en el que confluyen esas indefinidas formas de regulación con el dominio –a veces más explícito y otras subyacentes– del constantemente recreado proceso neo-liberalizador, en el que deben ser insertos los cambios funcionales y espaciales del Estado, así como el involucramiento en ellos de las dinámicas regionales.

cambios funcionaLes en eL estado: deL desmanteLamiento Hacia La RecReación y desde eL WeLfaRe aL WoRkfaRe

Los cambios desde el punto de vista funcional que se han operado sobre el Estado pueden observarse desde dos grandes procesos discursivos, que estructuran su implicación en el nuevo complejo regulatorio.

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El primero de los procesos discursivos, centrado –no exclusivamente– en la dimensión social, corresponde a la etapa de lo que Peck y Tickell (2002), corresponde a la etapa de lo que Peck y Tickell (2002) denominaron oportunamente el “roll back” de la transformación neoliberal. Dicho proceso, ha sido impulsado a través del avance de la contra-revolución conservadora de los años 1980 (Toye, 1987), sobre la que se montó discursivamente la ne-cesidad de operar un fuerte desmantelamiento o reducción del eb (Crozier et al., 1975), al tiempo que de reponer activamente los mecanismos de mercado y asegurar el retiro de las pautas regulatorias con los que el Estado condicionaba el movimiento del capital.

Ocultando sus (im)posibilidades (O’Connor, 1973), la idea de un desmantelamien-to del eb ganó espacio progresivamente en el campo no sólo académico sino también institucional, fortaleciendo para ello el improbado y mítico argumento del “mercado auto-regulado” (Polanyi, 1944), no obstante que ha sido visible que ni el gasto estatal ni particularmente su gasto social pudieron ser reducidos (Dicken, 2003).

A lo largo de los años 1980 y los 1990, los procesos neoliberales de de roll back se expandieron a través de múltiples mecanismos de privatización y desregulación (Peck; Tickell, 2002), extendiendo con ello la dinámica de mercantilización a esferas antes colocadas bajo control estatal, al tiempo que retirando las estructuras estatales montadas durante la primacía de los acuerdos fordo-keynesianos para orientar y/o planificar los procesos de producción y consumo.

El segundo proceso discursivo, ligado al campo productivo –sumado a los efectos de la dinámica antecedente traducidos en un crecimiento de la desigualdad socio-espacial– se implicó activamente en la formación de la nueva arquitectura regulatoria posfordista, en lo que, en este caso, Peck y Tickell (1994) han denominado el “roll out” del proceso neo-liberalizador. Es decir, la etapa en la que las estructuras y formas de implicación estatal se reformulan para un nuevo y activo involucramiento que tiene como vector la expansión de las formas neoliberales, conllevando no contraposición sino complementación con la etapa de roll back antes mencionada (Peck, 2001).

Su nacimiento bien puede ser ubicado a partir de una “reacción desde la heterodoxia académica”, orientada a desafiar la idea de la desaparición del Estado (Ohmae, 1995) y a afirmar la necesidad de no confundir su transformación con su dilución (Jessop, 1994). La idea de un Estado transformado en sus funciones, pero plenamente activo y estratégi-camente implicado, caminó de la mano de la “herejía épocal” de un grupo de académi-cos, que visualizó su intervención y sus capacidades como el insumo fundamental para entender aquellas trayectorias diferenciadas y exitosas ante los procesos de globalización (Amsdem 1989; Wade, 1992; Weiss, 2003).

Al repertorio de recuperadores del Estado, se acoplaron muchos otros que, más allá del menor énfasis en los aspectos referidos al papel de las estructuras y capacidades, hacían eje en su nueva funcionalidad, desentendiéndolo de la solución a los problemas derivables del “desmantelamiento” del eb y en cambio promoviendo su implicación activa en el campo productivo.

Bajo un relato “productivista”, aparentemente distante de la ola neoclásica, el Estado de “los ganadores” fue destacado como un Estado que funda su fortaleza en la –variable– capacidad de crear, orientar y enriquecer las redes de las economías nacionales y regiona-les que se articulan a procesos supra y sub-nacionales en un contexto de creciente com-petencia global (Pérez, 2001). En esa implicación asume un papel neurálgico su aptitud para ofrecer “infraestructuras blandas”, asociadas a un múltiple e intangible conjunto de factores que resultan determinantes para obtener competitividad global en un escenario

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de desmantelamiento de las barreras comerciales del fordo-keynesiano, como, a manera de ejemplo, el suministro de información calificada en las estrategias comerciales, las ba-ses de producción científico tecnología y su vinculación con sectores estratégicos, la regu-lación de las formas de articular la inversión extranjera directa, entre otras (Weiss, 2003).

En tal contexto, en el que el Estado no aparece acorralado, sino con posibilidad de recuperar espacios en la globalización, su implicación se despega de dos aspectos dis-tintivos de la etapa fordo-keynesiana: en primer lugar; la redistribución para garantizar el bienestar social, así como el esquema de un Estado propietario o empresario, que prevaleció tanto en las variantes occidentales estatistas (como la francesa) como en las del socialismo real que dominaron en el Este de Europa antes del derrumbe de los regí-menes socialistas (Shonfield, 1994). En su lugar, emerge un discurso articulado en torno al “Estado de competencia” ante la globalización, condicionado a fortalecer su perfil schumpeteriano-workfarista (Jessop, 2002). Es decir, un Estado conminado a la creación de aquellas condiciones que permiten el incremento de la productividad a través de los procesos de aprendizaje e innovación y la cualificación de la fuerza de trabajo.

Ahora bien, el hecho de presentarse como un relato armonioso con la dinámica de la mercantilización de las relaciones sociales, incorporando novedosos conceptos (como los de governancia) que eluden el conflictivo desmantelamiento del eb en el campo social, permitió también en este caso su asimilación por las propias instancias que propugnaron durante los años 1980 y 1990 los procesos de “desmantelamiento” a través del relato del roll back, utilizando ahora esta perspectiva schumpeteriana-workfarista en su rol de Estado constructor de nuevas condiciones: roll out.

Fue precisamente ante los estrepitosos resultados arrojados por el cW (Portes, 1999), que esta expresión aparentemente heterodoxa y alternativa al desmantelamiento del Es-tado, afirmada en la pertinencia de su presencia y en sus capacidades para desplegar su implicación “schumpeteriana-workfarista”, terminó siendo asimilado por los propios Or-ganismos de Financiamientos Internacional (ofi) (bm, 1997). Incluso los mismos ofi que habían fomentado activamente el roll back del Estado bajo el cW, y propiciado el desmantelamiento de las instancias estatales vinculadas a la intervención productiva, se fueron inscribiendo en el reconocimiento de las “fallas de mercado” y el relanzamiento de una implicación estatal destinada a dar soporte al desarrollo de procesos productivos.En esta nueva implicación le fue dado al Estado un papel central en la articulación de múl-tiples intereses públicos y privados, necesarios para ligar esos procesos con la generación y transferencia del conocimiento.

SEGUNDA SECCIÓN: CAMBIOS ESPACIALES: PROYECTO NEOLIBERALIzADOR E INTERESES EN LA TRANSFORMACIÓN MULTIESCALAR Y LA INSTALACIÓN ESTRATéGICA DE LA REGIONALIDAD

Como indicamos inicialmente, la comprensión de las transformaciones estatales des-de la dimensión funcional –y la forma como ha sido asimilada– requieren ser observadas en forma articulada con otro patrón de cambios como es el espacial.

La dimensión espacial pone de relieve que la renovada convocatoria shupempete-riana-workfarista no implica sólo un cambio inscripto en un supuesto comportamiento

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El primero de los procesos discursivos, centrado –no exclusivamente– en la dimensión social, corresponde a la etapa de lo que Peck y Tickell (2002), corresponde a la etapa de lo que Peck y Tickell (2002) denominaron oportunamente el “roll back” de la transformación neoliberal. Dicho proceso, ha sido impulsado a través del avance de la contra-revolución conservadora de los años 1980 (Toye, 1987), sobre la que se montó discursivamente la ne-cesidad de operar un fuerte desmantelamiento o reducción del eb (Crozier et al., 1975), al tiempo que de reponer activamente los mecanismos de mercado y asegurar el retiro de las pautas regulatorias con los que el Estado condicionaba el movimiento del capital.

Ocultando sus (im)posibilidades (O’Connor, 1973), la idea de un desmantelamien-to del eb ganó espacio progresivamente en el campo no sólo académico sino también institucional, fortaleciendo para ello el improbado y mítico argumento del “mercado auto-regulado” (Polanyi, 1944), no obstante que ha sido visible que ni el gasto estatal ni particularmente su gasto social pudieron ser reducidos (Dicken, 2003).

A lo largo de los años 1980 y los 1990, los procesos neoliberales de de roll back se expandieron a través de múltiples mecanismos de privatización y desregulación (Peck; Tickell, 2002), extendiendo con ello la dinámica de mercantilización a esferas antes colocadas bajo control estatal, al tiempo que retirando las estructuras estatales montadas durante la primacía de los acuerdos fordo-keynesianos para orientar y/o planificar los procesos de producción y consumo.

El segundo proceso discursivo, ligado al campo productivo –sumado a los efectos de la dinámica antecedente traducidos en un crecimiento de la desigualdad socio-espacial– se implicó activamente en la formación de la nueva arquitectura regulatoria posfordista, en lo que, en este caso, Peck y Tickell (1994) han denominado el “roll out” del proceso neo-liberalizador. Es decir, la etapa en la que las estructuras y formas de implicación estatal se reformulan para un nuevo y activo involucramiento que tiene como vector la expansión de las formas neoliberales, conllevando no contraposición sino complementación con la etapa de roll back antes mencionada (Peck, 2001).

Su nacimiento bien puede ser ubicado a partir de una “reacción desde la heterodoxia académica”, orientada a desafiar la idea de la desaparición del Estado (Ohmae, 1995) y a afirmar la necesidad de no confundir su transformación con su dilución (Jessop, 1994). La idea de un Estado transformado en sus funciones, pero plenamente activo y estratégi-camente implicado, caminó de la mano de la “herejía épocal” de un grupo de académi-cos, que visualizó su intervención y sus capacidades como el insumo fundamental para entender aquellas trayectorias diferenciadas y exitosas ante los procesos de globalización (Amsdem 1989; Wade, 1992; Weiss, 2003).

Al repertorio de recuperadores del Estado, se acoplaron muchos otros que, más allá del menor énfasis en los aspectos referidos al papel de las estructuras y capacidades, hacían eje en su nueva funcionalidad, desentendiéndolo de la solución a los problemas derivables del “desmantelamiento” del eb y en cambio promoviendo su implicación activa en el campo productivo.

Bajo un relato “productivista”, aparentemente distante de la ola neoclásica, el Estado de “los ganadores” fue destacado como un Estado que funda su fortaleza en la –variable– capacidad de crear, orientar y enriquecer las redes de las economías nacionales y regiona-les que se articulan a procesos supra y sub-nacionales en un contexto de creciente com-petencia global (Pérez, 2001). En esa implicación asume un papel neurálgico su aptitud para ofrecer “infraestructuras blandas”, asociadas a un múltiple e intangible conjunto de factores que resultan determinantes para obtener competitividad global en un escenario

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de desmantelamiento de las barreras comerciales del fordo-keynesiano, como, a manera de ejemplo, el suministro de información calificada en las estrategias comerciales, las ba-ses de producción científico tecnología y su vinculación con sectores estratégicos, la regu-lación de las formas de articular la inversión extranjera directa, entre otras (Weiss, 2003).

En tal contexto, en el que el Estado no aparece acorralado, sino con posibilidad de recuperar espacios en la globalización, su implicación se despega de dos aspectos dis-tintivos de la etapa fordo-keynesiana: en primer lugar; la redistribución para garantizar el bienestar social, así como el esquema de un Estado propietario o empresario, que prevaleció tanto en las variantes occidentales estatistas (como la francesa) como en las del socialismo real que dominaron en el Este de Europa antes del derrumbe de los regí-menes socialistas (Shonfield, 1994). En su lugar, emerge un discurso articulado en torno al “Estado de competencia” ante la globalización, condicionado a fortalecer su perfil schumpeteriano-workfarista (Jessop, 2002). Es decir, un Estado conminado a la creación de aquellas condiciones que permiten el incremento de la productividad a través de los procesos de aprendizaje e innovación y la cualificación de la fuerza de trabajo.

Ahora bien, el hecho de presentarse como un relato armonioso con la dinámica de la mercantilización de las relaciones sociales, incorporando novedosos conceptos (como los de governancia) que eluden el conflictivo desmantelamiento del eb en el campo social, permitió también en este caso su asimilación por las propias instancias que propugnaron durante los años 1980 y 1990 los procesos de “desmantelamiento” a través del relato del roll back, utilizando ahora esta perspectiva schumpeteriana-workfarista en su rol de Estado constructor de nuevas condiciones: roll out.

Fue precisamente ante los estrepitosos resultados arrojados por el cW (Portes, 1999), que esta expresión aparentemente heterodoxa y alternativa al desmantelamiento del Es-tado, afirmada en la pertinencia de su presencia y en sus capacidades para desplegar su implicación “schumpeteriana-workfarista”, terminó siendo asimilado por los propios Or-ganismos de Financiamientos Internacional (ofi) (bm, 1997). Incluso los mismos ofi que habían fomentado activamente el roll back del Estado bajo el cW, y propiciado el desmantelamiento de las instancias estatales vinculadas a la intervención productiva, se fueron inscribiendo en el reconocimiento de las “fallas de mercado” y el relanzamiento de una implicación estatal destinada a dar soporte al desarrollo de procesos productivos.En esta nueva implicación le fue dado al Estado un papel central en la articulación de múl-tiples intereses públicos y privados, necesarios para ligar esos procesos con la generación y transferencia del conocimiento.

SEGUNDA SECCIÓN: CAMBIOS ESPACIALES: PROYECTO NEOLIBERALIzADOR E INTERESES EN LA TRANSFORMACIÓN MULTIESCALAR Y LA INSTALACIÓN ESTRATéGICA DE LA REGIONALIDAD

Como indicamos inicialmente, la comprensión de las transformaciones estatales des-de la dimensión funcional –y la forma como ha sido asimilada– requieren ser observadas en forma articulada con otro patrón de cambios como es el espacial.

La dimensión espacial pone de relieve que la renovada convocatoria shupempete-riana-workfarista no implica sólo un cambio inscripto en un supuesto comportamiento

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cíclico, que va desde la prevalencia del mercado al Estado, sino una compleja redefinición de estrategias que involucran intereses, lógicas y efectos sobre los que se recrean y fun-damentan los procesos de neo-liberalización y sus consecuentes procesos de desigualdad espacial. Es en dicho plano que aparecen: (a) la dimensión regional en el contexto de la reestructuración –funcional y escalar– del Estado y (b) la vinculación de esa reestructu-ración y la re-emergencia de esa dimensión espacial regional con los intereses contradic-torios en los que dominan las estrategias del capital global.

Es a esta altura bien conocido que el modelo de Estado-nación forjado bajo la matriz de Westfalia operó sobre un esquema de funcionamiento espacial y escalar con epicen-tro nacional, que fue reforzado y encontró plenitud bajo el modelo fordo-keynesiano (Brenner 2004a; Lobao et al., 2009). Sin embargo, la transformaciones operadas a partir del nuevo paradigma tecno-productivo y el proceso de globalización con el papel de las cadenas globales socavó el patrón de regulación de matriz nacional-céntrico, haciéndolo poco sostenible. Las nuevas formas de regulación a las que hemos hecho referencia, con-llevaron a una transformación en la conformación y actuación del Estado en el espacio, a partir de la transferencia de muchas competencias, recursos y funciones que fueron siendo asignadas tanto a las instancias supra-nacionales como sub-nacionales (Brenner, 2003).

Los cambios en las formas de organización e implicación estatal operado en las úl-timas dos décadas han acelerado la conformación de un complejo sistema de gobernanza multi-escalar (Jones, 1998), en el que, más allá de las especificidades que adopta en los di-ferentes escenarios nacionales y regionales (Lobao et al., 2009), el papel de la articulación estatal multinivel aparece como un aspecto a la vez central y seriamente reconfigurado.

En el marco de esa reconfiguración tuvo lugar un generalizado proceso de descen-tralización a escala global, que fue dando al nivel regional un inusitado reconocimiento tanto en el campo social como en el productivo. En el campo social, losprocesos de “re-escalonamiento hacia abajo” del Estado, a través de la promoción de la descentralización, ganó lugar bajo el objetivo explícito de propiciar formas de provisión más “eficientes”, y obtener una contracción del eb a través del desarrollo de formas de competencia inter-regional con la autogestión social (Lobao et al., 2009). En el campo productivo, en cam-bio, el re-escalamiento del Estado en el nivel regional ha priorizado su involucramiento estratégico en la conformación de redes e iniciativas locales que permiten compatibilizar formas más flexibles y descentralizadas de acumulación con los actuales procesos de transformación global.

Sin embargo, esta transformación espacial que afectó las escalas de la actuación estatal –reposicionando estratégicamente a las regiones– no pueden ser explicadas sólo desde el anacronismo de las formas de intervención top down, nacionalmente centraliza-das, y la supuesta mayor eficiencia de las formas espacialmente más descentralizadas en la provisión de servicios sociales. Tampoco, desde el campo productivo, puede explicarse desde la novedosa capacidad de acoplar las regiones a procesos localizados de acumulación más flexible, que alientan una lógica bottom up fundada en la posibilidad de capitalizar las potencialidades endógenas localmente posicionadas, como se presentadesde hace más de tres décadas por los enfoques localistas del desarrollo.

Las fuerzas que han tensado los procesos de descentralización y re-escalonamiento hacia abajo y hacia arriba se inscriben en el terreno de la generación y mutante expansión del proyecto político e ideológico neoliberal, y su estrecha vinculación con las lógicas e intereses que intervienen en los (re)ordenamientos espaciales que acompañan la crisis y transformación del capitalismo. Bajo esta última, nuevos actores impulsan una “política

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de las escalas” para articular las dinámicas funcionales y espaciales del Estado a la repro-ducción de sus desiguales intereses en el proceso de acumulación (Fernández, 2010).

En tal contexto, y posicionados como espacios disputados, la jerarquización de las regiones y el reposicionamiento de los niveles sub-nacionales del Estado y sus políticas no puede desvincularse de las lógicas representadas por el roll back –esencialmente en el campo social–, así como por el roll out workfarista –esencialmente el campo productivo–, que han orientado el proyecto neoliberal.

El desmantelamiento operado por el neoliberalismo –bajo el roll back–, afectando esencialmente la dimensión social, se hizo visible en el re-escalonamiento hacia abajo (downscaling) del Estado a través de los procesos de descentralización que ha contribuido a la extensión de los procesos de mercantilización que lo caracterizan. Estos últimos, por su parte, han sido ambientados por el comentado intento de comprimir el eb y posicionar las “políticas ofertistas”, donde campea el empresarialismo, la restricción fiscal, la prima-cía a las políticas monetarias sobre las de empleo y la implementación de variadas formas “desregulación” y privatización (Peet, 2003).

La entronización de ese re-escalonamiento con los procesos de mercantilización, ha tenido lugar a través de tres articulados mecanismos: (i) las transferencia de respon-sabilidades sin recursos a los niveles locales y de recursos sin responsabilidad a favor de los niveles supranacionales (Peck y Tickell, 1994); (ii) y el fomento a partir de ello de la competencia intra e inter–regional, que coloca a las regiones en las tareas de resolver sus intereses por sí mismo, al tiempo que lo hace emulando los mecanismos de mercado1 (Breathnach, 2010). Complementaria y no alternativamente a esos dos mecanismos, (iii) actúa la promoción de procesos de auto-resolución local, asociados a la rejerarquización tocqueviliana de la participación y auto-organización local (Osborne y Gaebler, 1992) y el despliegue de los procesos asociativos territorialmente delimitados.2

A través de estos tres elementos, el protagonismo de las instancias sub-nacionales del Estado logra ser inscripto dentro de la agenda neoliberal que denuncia la inviabilidad del welfare state (Brenner, 2004), así como con el visible intento de desmantelar las estructu-ras y recursos del Estado nacional, al tiempo que viabiliza su reemplazo por fragmentarios procesos competitivos y auto-resolutivos que deberían en principio limitar su expansión.

Desde el punto de vista de los intereses, ello parece abonar al objetivo de las fraccio-nes globales del capital de refrenar aquellas formas de implicación centralizadas, que le otorgan mayor capacidad al Estado para condicionar y gravar (fiscalmente) a esas fraccio-nes y dar sostenimiento a la amplia redistribución que imponen las coberturas universales propias de la intervención fordo-keynesiana (O’Connor, 1973).

Complementariamente, los “re-escalonamientos hacia arriba” han servido para en-contrar instancias surpa-nacionales que operan como disciplinantes del Estado, alineando sus acciones –y las del complejo de actores públicos y privados nacional y regionalmente posicionados– hacia esas tendencias descentralizadoras (Gill, 2002).

Por su parte, bajo el “momento re-constructivo” del roll out, y al establecer los dis-positivos regulatorios compatibles con la mercantilización, el downscaling del Estado ha tenido esta vez un lugar en el marco de una “fusión diluyente” junto con otros complejos de actores institucionales con los que se estimula su interrelación para la conformación de redes intra-locales de aprendizaje a innovación (Cooke y Morgan, 1998). El momento workfariano del regionalismo aparece dominado en tal contexto por la ideas de regiones empresarias, innovadoras y auto-suficientes, rotuladas bajo nombres que expresan esas dimensiones, como las de clusters y sistemas regionales de innovación (MacLeod, 2001).

1 En el caso latinoameri-cano, la existencia en sus distintas formas asumidas por estos mecanismos propi-ciadores del roll back puede observarse –a través de las distintas ingenierías institu-cionales– en las experiencias argentina (Cao, 2003), me-xicana (Reyes Garmendia et al., 2003) o la del Brasil de la guerra fiscal inter-estadual (Cavalcanti y Prado, 1998).

2 También en este caso la experiencia latinoamericana ha sido un laboratorio de experimentación para la ar-ticulación de los procesos de descentralización con los de auto-resolución social a nivel local, siendo tal vez la experiencia mexicana de PRONASOL la más renom-brable (Laurell, 2000).

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cíclico, que va desde la prevalencia del mercado al Estado, sino una compleja redefinición de estrategias que involucran intereses, lógicas y efectos sobre los que se recrean y fun-damentan los procesos de neo-liberalización y sus consecuentes procesos de desigualdad espacial. Es en dicho plano que aparecen: (a) la dimensión regional en el contexto de la reestructuración –funcional y escalar– del Estado y (b) la vinculación de esa reestructu-ración y la re-emergencia de esa dimensión espacial regional con los intereses contradic-torios en los que dominan las estrategias del capital global.

Es a esta altura bien conocido que el modelo de Estado-nación forjado bajo la matriz de Westfalia operó sobre un esquema de funcionamiento espacial y escalar con epicen-tro nacional, que fue reforzado y encontró plenitud bajo el modelo fordo-keynesiano (Brenner 2004a; Lobao et al., 2009). Sin embargo, la transformaciones operadas a partir del nuevo paradigma tecno-productivo y el proceso de globalización con el papel de las cadenas globales socavó el patrón de regulación de matriz nacional-céntrico, haciéndolo poco sostenible. Las nuevas formas de regulación a las que hemos hecho referencia, con-llevaron a una transformación en la conformación y actuación del Estado en el espacio, a partir de la transferencia de muchas competencias, recursos y funciones que fueron siendo asignadas tanto a las instancias supra-nacionales como sub-nacionales (Brenner, 2003).

Los cambios en las formas de organización e implicación estatal operado en las úl-timas dos décadas han acelerado la conformación de un complejo sistema de gobernanza multi-escalar (Jones, 1998), en el que, más allá de las especificidades que adopta en los di-ferentes escenarios nacionales y regionales (Lobao et al., 2009), el papel de la articulación estatal multinivel aparece como un aspecto a la vez central y seriamente reconfigurado.

En el marco de esa reconfiguración tuvo lugar un generalizado proceso de descen-tralización a escala global, que fue dando al nivel regional un inusitado reconocimiento tanto en el campo social como en el productivo. En el campo social, losprocesos de “re-escalonamiento hacia abajo” del Estado, a través de la promoción de la descentralización, ganó lugar bajo el objetivo explícito de propiciar formas de provisión más “eficientes”, y obtener una contracción del eb a través del desarrollo de formas de competencia inter-regional con la autogestión social (Lobao et al., 2009). En el campo productivo, en cam-bio, el re-escalamiento del Estado en el nivel regional ha priorizado su involucramiento estratégico en la conformación de redes e iniciativas locales que permiten compatibilizar formas más flexibles y descentralizadas de acumulación con los actuales procesos de transformación global.

Sin embargo, esta transformación espacial que afectó las escalas de la actuación estatal –reposicionando estratégicamente a las regiones– no pueden ser explicadas sólo desde el anacronismo de las formas de intervención top down, nacionalmente centraliza-das, y la supuesta mayor eficiencia de las formas espacialmente más descentralizadas en la provisión de servicios sociales. Tampoco, desde el campo productivo, puede explicarse desde la novedosa capacidad de acoplar las regiones a procesos localizados de acumulación más flexible, que alientan una lógica bottom up fundada en la posibilidad de capitalizar las potencialidades endógenas localmente posicionadas, como se presentadesde hace más de tres décadas por los enfoques localistas del desarrollo.

Las fuerzas que han tensado los procesos de descentralización y re-escalonamiento hacia abajo y hacia arriba se inscriben en el terreno de la generación y mutante expansión del proyecto político e ideológico neoliberal, y su estrecha vinculación con las lógicas e intereses que intervienen en los (re)ordenamientos espaciales que acompañan la crisis y transformación del capitalismo. Bajo esta última, nuevos actores impulsan una “política

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de las escalas” para articular las dinámicas funcionales y espaciales del Estado a la repro-ducción de sus desiguales intereses en el proceso de acumulación (Fernández, 2010).

En tal contexto, y posicionados como espacios disputados, la jerarquización de las regiones y el reposicionamiento de los niveles sub-nacionales del Estado y sus políticas no puede desvincularse de las lógicas representadas por el roll back –esencialmente en el campo social–, así como por el roll out workfarista –esencialmente el campo productivo–, que han orientado el proyecto neoliberal.

El desmantelamiento operado por el neoliberalismo –bajo el roll back–, afectando esencialmente la dimensión social, se hizo visible en el re-escalonamiento hacia abajo (downscaling) del Estado a través de los procesos de descentralización que ha contribuido a la extensión de los procesos de mercantilización que lo caracterizan. Estos últimos, por su parte, han sido ambientados por el comentado intento de comprimir el eb y posicionar las “políticas ofertistas”, donde campea el empresarialismo, la restricción fiscal, la prima-cía a las políticas monetarias sobre las de empleo y la implementación de variadas formas “desregulación” y privatización (Peet, 2003).

La entronización de ese re-escalonamiento con los procesos de mercantilización, ha tenido lugar a través de tres articulados mecanismos: (i) las transferencia de respon-sabilidades sin recursos a los niveles locales y de recursos sin responsabilidad a favor de los niveles supranacionales (Peck y Tickell, 1994); (ii) y el fomento a partir de ello de la competencia intra e inter–regional, que coloca a las regiones en las tareas de resolver sus intereses por sí mismo, al tiempo que lo hace emulando los mecanismos de mercado1 (Breathnach, 2010). Complementaria y no alternativamente a esos dos mecanismos, (iii) actúa la promoción de procesos de auto-resolución local, asociados a la rejerarquización tocqueviliana de la participación y auto-organización local (Osborne y Gaebler, 1992) y el despliegue de los procesos asociativos territorialmente delimitados.2

A través de estos tres elementos, el protagonismo de las instancias sub-nacionales del Estado logra ser inscripto dentro de la agenda neoliberal que denuncia la inviabilidad del welfare state (Brenner, 2004), así como con el visible intento de desmantelar las estructu-ras y recursos del Estado nacional, al tiempo que viabiliza su reemplazo por fragmentarios procesos competitivos y auto-resolutivos que deberían en principio limitar su expansión.

Desde el punto de vista de los intereses, ello parece abonar al objetivo de las fraccio-nes globales del capital de refrenar aquellas formas de implicación centralizadas, que le otorgan mayor capacidad al Estado para condicionar y gravar (fiscalmente) a esas fraccio-nes y dar sostenimiento a la amplia redistribución que imponen las coberturas universales propias de la intervención fordo-keynesiana (O’Connor, 1973).

Complementariamente, los “re-escalonamientos hacia arriba” han servido para en-contrar instancias surpa-nacionales que operan como disciplinantes del Estado, alineando sus acciones –y las del complejo de actores públicos y privados nacional y regionalmente posicionados– hacia esas tendencias descentralizadoras (Gill, 2002).

Por su parte, bajo el “momento re-constructivo” del roll out, y al establecer los dis-positivos regulatorios compatibles con la mercantilización, el downscaling del Estado ha tenido esta vez un lugar en el marco de una “fusión diluyente” junto con otros complejos de actores institucionales con los que se estimula su interrelación para la conformación de redes intra-locales de aprendizaje a innovación (Cooke y Morgan, 1998). El momento workfariano del regionalismo aparece dominado en tal contexto por la ideas de regiones empresarias, innovadoras y auto-suficientes, rotuladas bajo nombres que expresan esas dimensiones, como las de clusters y sistemas regionales de innovación (MacLeod, 2001).

1 En el caso latinoameri-cano, la existencia en sus distintas formas asumidas por estos mecanismos propi-ciadores del roll back puede observarse –a través de las distintas ingenierías institu-cionales– en las experiencias argentina (Cao, 2003), me-xicana (Reyes Garmendia et al., 2003) o la del Brasil de la guerra fiscal inter-estadual (Cavalcanti y Prado, 1998).

2 También en este caso la experiencia latinoamericana ha sido un laboratorio de experimentación para la ar-ticulación de los procesos de descentralización con los de auto-resolución social a nivel local, siendo tal vez la experiencia mexicana de PRONASOL la más renom-brable (Laurell, 2000).

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Bajo estas denominaciones, las regiones e instituciones estatales y no estatales que las impulsan, al tiempo que son estimuladas a su asociación intra-regional para cualificar sus condiciones de productividad y de innovación (Cooke y Morgan, 1998),aparecen com-pelidas a competir entre sí para acoplarse “exitosamente” como nodos competitivos en las ReG, donde dominan determinadas fracciones trasnacionalizadas del capital.

En síntesis, las formas de reescalonamiento del Estado y el posicionamiento regional desde el downscaling ha operado funcionalmente a los momentos expansivos de las estra-tegias neoliberales, tanto en sus formas desmantelatorias (roll back) como en su formato constructivo (roll out) de impulso workfariano, y en compatibilidad con los intereses re-productivos de las fracciones globales del capital. La convergencia de aquellos momentos con estos intereses viene dado por la procura de una dilución del patrón de acumulación y redistribución nacionalmente articulado por el Estado, y la asimilación de las regiones a los mecanismos de mercantilización que caracterizan las mencionadas estrategias.

La esPecificidad actuaL que asume eL Posicionamiento PeRiféRico y sus víncuLos con Las ReG

Como vimos, la dinámica pos-fordista redefine desde un nuevo patrón tecnológico la lógica de organización y funcionamiento del capitalismo a partir del desarrollo de ReG en tiempo real.

La lógica de funcionamiento bajo ReG no sólo no es novedosa, sino que ha sido la forma en que históricamente ha funcionado el capitalismo, y a partir de las cuales se estructuraron históricamente las jerarquías del sistema mundo (Hopkins y Wallerstein, 1986), en forma de centro, semi-periferias y periferias. En la conformación de esas jerar-quías, interviene la desigual capacidad de ciertos actores y territorios de controlar aquellas actividades de mayor valorización.

No obstante la referencia al enfoque del sistema mundo ha sido –también aquí– infundadamente abolida para analizar la forma como las redes o cadenas globales trabajan actualmente (Bair, 2005), lo cierto es que la dinámica de éstas últimas no parece mostrar alteración alguna respecto a las lógicas que conformaron esas estructu-ras jerárquicas y desiguales, fundadas en la retención de actividades centrales por parte de los centros. Sin embargo, la particularidad resulta de la capacidad otorgada por esas transformaciones tecnológicas de potenciar la descentralización y multi-localización de los procesos productivos y, posteriormente, re-ensamblarlos en tiempo real (Sassen, 1999), manteniendo una fuerte y doble centralización que facilita el mantenimiento de esa estructura jerárquica:a) La primera de esas formas tiene que ver con el fortalecimiento del proceso de centrali-

zación de la toma de decisiones en manos de un conjunto de actores trasnacionales, que se valen de las capacidades para comandar el despliegue de procesos de deslocalización de las ReG y retener las funciones.3

b) Esos centros decisionales operan una segunda centralización, de orden espacial, al emplazarse mayormente y sin alteraciones estructurales en los países centrales donde retienen las actividades de mayor importancia.4

Al maniobrar a partir de dicha centralización, los actores que controlan las activi-dades centrales y de más alta valorización de esas ReG capitalizan su multi-localización para interactuar selectivamente con determinados espacios y actores de la periferia, procurando desplegar sus lógicas e intereses y reforzando concomitantemente esos posicionamientos.

3 Las firmas trasnacionales de grandes capitales y de tecnologías intensivas, em-pleaban hacia mediados de los años 1990 alrededor de 72millones de personas y de ese total, 15 millones de per-sonas se encuentran en los países en desarrollo. Asimis-mo, representando Dichas empresas trasnacionales, así representan alrededor del 5% de la fuerza de trabajo mundial, y también controlan más del 33 % de los activos globales (UNRISD, 1995).

4 Hacia 2008, Europa y EEUU concentraban el 82 % de las empresas trasnacio-nales, teniendo en cuenta el origen de las mismas (UNC-TAD, 2008).

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Los mismos se benefician de la utilización de los mecanismos institucionales impul-sados por los momentos del desmantelamiento welfarista del roll back, así como los del workfarismo propios del momento del roll out.

El primero de esos momentos, genera nuevos espacios de rentabilidad que antes per-manecían bajo el control local y bajo mecanismos ajenos en principio a los del mercado. En otros términos, aseguran lo que Harvey (2004) ha denominado procesos de acumu-lación por desposesión, a partir de crecientes recursos sobre-acumulados que provienen del centro y se introducen en escenarios periféricos desde una capitalización selectiva de los procesos de privatización o desregulación. Pero al mismo tiempo, siempre en este momento del roll back, esas formas desmantelatorias conllevan la erradicación y progre-siva re-subordinación de aquellas modalidades de resistencias estatales nacionalmente centralizadas, que imponen una redistribución que amenazan al capital desde el campo fiscal y de los gastos, o crean condiciones de acumulación incompatibles con sus formas expansivas.

Por su parte, en el segundo momento, los mecanismos institucionales del momento workfariano del roll out, a través del impulso en su relato de acciones y prácticas produc-tivistas, se encaminan en los escenarios periféricos hacia la formación de múltiples centros o nodos productivos, que, de no quedar excluidos de esas redes, contribuyen desde su ingreso subordinado a la cualificación y expansión de las mismas.

Aunque estas lógicas desplegadas a partir de los momentos desmantelatorios y re-constructivos bien pueden aplicarse a los países centrales, su consideración en la periferia adquiere particular fortaleza, dada la presencia de trayectorias históricas en la que se re-troalimentan acumulativamente la incapacidad de asumir posiciones centrales en las ReG y desarrollar instituciones y Estados con fortaleza para ofrecer resistencias y alternativas.

Asimismo, si bien es cierto que esas restricciones en la fortaleza institucional contie-nen desiguales propiedades en la periferia, producto de las particulares trayectorias nacio-nales (Skocpol, 1977), la pervivencia de una estructura jerárquica del sistema mundo y la imposibilidad estructural de acceder a las posiciones de comando de esas redes globales, mantiene a los espacios periféricos y sus actores como ámbitos generalizadamente subor-dinados a esas redes y estrategias institucionales.

aRticuLación de Las RPG y sus víncuLos con Las ReG No obstante lo indicado, las formas como se articulan las lógicas de intereses en la

periferia, y la explicación de la modalidad en que se implica el Estado y las regiones para el desarrollo, demanda evaluar las –escasamente exploradas– conexiones entre estas ReG y las RPG5 que han pasado a dominar buena parte de la agenda de las políticas públicas y el global governance en las últimas dos décadas (Stone, 2004).

Es decir, la forma como las ReG, a partir de sus actores hegemónicos y sus estrategias de reproducción desde el centro hacia la periferia, convergen y al tiempo conviven con la lógica de redes y estrategias políticas, crecientemente trasnacionalizadas, que penetran desde el Norte hacia el Sur.

En tal sentido, así como las ReG constituyen su especificidad a partir de su multi-localización y re-ensamblamiento centralizado en tiempo real, las acciones y estrategias institucionales que dialogan con esos actores y articulan dichas redes con la matriz de actores locales, adquiere un inusitado y endémicamente carácter trasnacional (Simmons et al., 2008), que relativiza y, en parte, torna anacrónica la idea de un procesos decisorio completamente doméstico (Garrett et al., 2008).

5 Las RPG se encuentran en constante mutación de sus estrategias y su núcleo de ideas, incluso los actores supranacionales centrales que las motorizan. La forma como operan sobre el Esta-do a nivel de sus dinámicas funcionales y espaciales, así como el involucramiento de las regiones en tales trans-formaciones, varia atento a las diferencias que operan sobre los contextos globales y las formas específicas con los que procuran su enrai-zamiento y la redefinición hegemónica de sus ideas y prácticas. La mutación adap-tativa a diferentes contextos no altera la continuidad de la lógica re-mercanitilizadora, que empalma –y en gran me-dida facilita– el control de las fracciones globales del capi-tal que controlan las REG.

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Bajo estas denominaciones, las regiones e instituciones estatales y no estatales que las impulsan, al tiempo que son estimuladas a su asociación intra-regional para cualificar sus condiciones de productividad y de innovación (Cooke y Morgan, 1998),aparecen com-pelidas a competir entre sí para acoplarse “exitosamente” como nodos competitivos en las ReG, donde dominan determinadas fracciones trasnacionalizadas del capital.

En síntesis, las formas de reescalonamiento del Estado y el posicionamiento regional desde el downscaling ha operado funcionalmente a los momentos expansivos de las estra-tegias neoliberales, tanto en sus formas desmantelatorias (roll back) como en su formato constructivo (roll out) de impulso workfariano, y en compatibilidad con los intereses re-productivos de las fracciones globales del capital. La convergencia de aquellos momentos con estos intereses viene dado por la procura de una dilución del patrón de acumulación y redistribución nacionalmente articulado por el Estado, y la asimilación de las regiones a los mecanismos de mercantilización que caracterizan las mencionadas estrategias.

La esPecificidad actuaL que asume eL Posicionamiento PeRiféRico y sus víncuLos con Las ReG

Como vimos, la dinámica pos-fordista redefine desde un nuevo patrón tecnológico la lógica de organización y funcionamiento del capitalismo a partir del desarrollo de ReG en tiempo real.

La lógica de funcionamiento bajo ReG no sólo no es novedosa, sino que ha sido la forma en que históricamente ha funcionado el capitalismo, y a partir de las cuales se estructuraron históricamente las jerarquías del sistema mundo (Hopkins y Wallerstein, 1986), en forma de centro, semi-periferias y periferias. En la conformación de esas jerar-quías, interviene la desigual capacidad de ciertos actores y territorios de controlar aquellas actividades de mayor valorización.

No obstante la referencia al enfoque del sistema mundo ha sido –también aquí– infundadamente abolida para analizar la forma como las redes o cadenas globales trabajan actualmente (Bair, 2005), lo cierto es que la dinámica de éstas últimas no parece mostrar alteración alguna respecto a las lógicas que conformaron esas estructu-ras jerárquicas y desiguales, fundadas en la retención de actividades centrales por parte de los centros. Sin embargo, la particularidad resulta de la capacidad otorgada por esas transformaciones tecnológicas de potenciar la descentralización y multi-localización de los procesos productivos y, posteriormente, re-ensamblarlos en tiempo real (Sassen, 1999), manteniendo una fuerte y doble centralización que facilita el mantenimiento de esa estructura jerárquica:a) La primera de esas formas tiene que ver con el fortalecimiento del proceso de centrali-

zación de la toma de decisiones en manos de un conjunto de actores trasnacionales, que se valen de las capacidades para comandar el despliegue de procesos de deslocalización de las ReG y retener las funciones.3

b) Esos centros decisionales operan una segunda centralización, de orden espacial, al emplazarse mayormente y sin alteraciones estructurales en los países centrales donde retienen las actividades de mayor importancia.4

Al maniobrar a partir de dicha centralización, los actores que controlan las activi-dades centrales y de más alta valorización de esas ReG capitalizan su multi-localización para interactuar selectivamente con determinados espacios y actores de la periferia, procurando desplegar sus lógicas e intereses y reforzando concomitantemente esos posicionamientos.

3 Las firmas trasnacionales de grandes capitales y de tecnologías intensivas, em-pleaban hacia mediados de los años 1990 alrededor de 72millones de personas y de ese total, 15 millones de per-sonas se encuentran en los países en desarrollo. Asimis-mo, representando Dichas empresas trasnacionales, así representan alrededor del 5% de la fuerza de trabajo mundial, y también controlan más del 33 % de los activos globales (UNRISD, 1995).

4 Hacia 2008, Europa y EEUU concentraban el 82 % de las empresas trasnacio-nales, teniendo en cuenta el origen de las mismas (UNC-TAD, 2008).

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Los mismos se benefician de la utilización de los mecanismos institucionales impul-sados por los momentos del desmantelamiento welfarista del roll back, así como los del workfarismo propios del momento del roll out.

El primero de esos momentos, genera nuevos espacios de rentabilidad que antes per-manecían bajo el control local y bajo mecanismos ajenos en principio a los del mercado. En otros términos, aseguran lo que Harvey (2004) ha denominado procesos de acumu-lación por desposesión, a partir de crecientes recursos sobre-acumulados que provienen del centro y se introducen en escenarios periféricos desde una capitalización selectiva de los procesos de privatización o desregulación. Pero al mismo tiempo, siempre en este momento del roll back, esas formas desmantelatorias conllevan la erradicación y progre-siva re-subordinación de aquellas modalidades de resistencias estatales nacionalmente centralizadas, que imponen una redistribución que amenazan al capital desde el campo fiscal y de los gastos, o crean condiciones de acumulación incompatibles con sus formas expansivas.

Por su parte, en el segundo momento, los mecanismos institucionales del momento workfariano del roll out, a través del impulso en su relato de acciones y prácticas produc-tivistas, se encaminan en los escenarios periféricos hacia la formación de múltiples centros o nodos productivos, que, de no quedar excluidos de esas redes, contribuyen desde su ingreso subordinado a la cualificación y expansión de las mismas.

Aunque estas lógicas desplegadas a partir de los momentos desmantelatorios y re-constructivos bien pueden aplicarse a los países centrales, su consideración en la periferia adquiere particular fortaleza, dada la presencia de trayectorias históricas en la que se re-troalimentan acumulativamente la incapacidad de asumir posiciones centrales en las ReG y desarrollar instituciones y Estados con fortaleza para ofrecer resistencias y alternativas.

Asimismo, si bien es cierto que esas restricciones en la fortaleza institucional contie-nen desiguales propiedades en la periferia, producto de las particulares trayectorias nacio-nales (Skocpol, 1977), la pervivencia de una estructura jerárquica del sistema mundo y la imposibilidad estructural de acceder a las posiciones de comando de esas redes globales, mantiene a los espacios periféricos y sus actores como ámbitos generalizadamente subor-dinados a esas redes y estrategias institucionales.

aRticuLación de Las RPG y sus víncuLos con Las ReG No obstante lo indicado, las formas como se articulan las lógicas de intereses en la

periferia, y la explicación de la modalidad en que se implica el Estado y las regiones para el desarrollo, demanda evaluar las –escasamente exploradas– conexiones entre estas ReG y las RPG5 que han pasado a dominar buena parte de la agenda de las políticas públicas y el global governance en las últimas dos décadas (Stone, 2004).

Es decir, la forma como las ReG, a partir de sus actores hegemónicos y sus estrategias de reproducción desde el centro hacia la periferia, convergen y al tiempo conviven con la lógica de redes y estrategias políticas, crecientemente trasnacionalizadas, que penetran desde el Norte hacia el Sur.

En tal sentido, así como las ReG constituyen su especificidad a partir de su multi-localización y re-ensamblamiento centralizado en tiempo real, las acciones y estrategias institucionales que dialogan con esos actores y articulan dichas redes con la matriz de actores locales, adquiere un inusitado y endémicamente carácter trasnacional (Simmons et al., 2008), que relativiza y, en parte, torna anacrónica la idea de un procesos decisorio completamente doméstico (Garrett et al., 2008).

5 Las RPG se encuentran en constante mutación de sus estrategias y su núcleo de ideas, incluso los actores supranacionales centrales que las motorizan. La forma como operan sobre el Esta-do a nivel de sus dinámicas funcionales y espaciales, así como el involucramiento de las regiones en tales trans-formaciones, varia atento a las diferencias que operan sobre los contextos globales y las formas específicas con los que procuran su enrai-zamiento y la redefinición hegemónica de sus ideas y prácticas. La mutación adap-tativa a diferentes contextos no altera la continuidad de la lógica re-mercanitilizadora, que empalma –y en gran me-dida facilita– el control de las fracciones globales del capi-tal que controlan las REG.

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Ese aceleramiento de la difusión trasnacional de políticas, no puede disociarse de los procesos de re-escalamiento hacia arriba, los que, como indicamos, resultan concomitan-tes al downscaling y suponen la transferencia de un cúmulo de facultades decisorias estra-tégicas, antes nacionalmente posicionadas, a favor de instancias supra-nacionales. Dicho re-escalonamiento ha conllevado la constitución de los ofi como piezas fundamentales para conformar esas RPG, a partir de centralizar la implementación de un sofisticado pool de reglas de financiamiento, procesos de capacitación y manuales de actuación, en el que se involucran co-productivamente un heterogéneo cúmulo de agentes externos e internos, públicos y privados, económicos e instituciones (Peck, 2011).

Una compleja amalgama de actores académicos, consultores, capacitadores y to-madores de decisión supra-nacionales, como de funcionarios estatales, organizaciones no gubernamentales, instancias de evaluación técnicas localizadas en diversas escalas se involucran en un tejido de acciones. Como indica Prince, asistimos a la “creación de comunidades de actores que están situados en sus contextos políticos nacionales, pero también en esas redes internacionales donde sus prácticas son frecuentemente configura-das, sino no enteramente dirigidas” (Prince, 2012, p.200).

Bajo esa compleja trama institucional y formas socialmente co-producidas de implementación, las políticas desplegadas a través de las RPG mantienen como vector dominante de su funcionamiento la implementación de las diferentes formas de mercan-tilización que distinguen los momentos del proceso de neo-liberalización a los que nos hemos estado refiriendo y a través de los cuales interactúan con los actores locales que conforman las ReG.

No obstante, las lógicas que inspiran las RPG preservan como vector la instauración de formas de mercantilización que compelen a los actores públicos y privados a desarro-llar mecanismos de cualificación de las condiciones de productividad para mejorar sus condiciones de reproducción y eventualmente plegarse al motor dinámico de las ReG.

En tanto involucra esa pluralidad de agentes y actores, los procesos de mercantili-zación, lejos de presentarse como implantaciones de organismos supranacionales, trans-feridos a partir de una aplicación acrítica y descendente, resultan de una combinación de caminos. En ciertos momentos predominan las formas disciplinantes (Gill, 2002) o coercitivas, orientadas a la instalación generalizada de aquellas prácticas competitivas a nivel de empresas, ciudades, regiones y Estados (Harvey, 1989) que viabilizan el momento anti-welfariano y desmantelatorio del roll back; mientras que en otros momentos, más ac-tuales y propios del roll out workfarista, las pervivientes formas coercitivas en la adopción de los programas (Viana y Fonseca, 2011), conviven con un repertorio consensualista, institucionalmente negociado y colectivamente co-producido, que involucra las múltiples agencias y actores compelidos a su reconversión (Peck, 2011).

La estRateGia imPLicación estataL en La confiGuRación de Las RPGLa forma como las RPG operan conllevan una implicación no secundaria del Esta-

do. Si bien es cierto que su presencia en los escenarios periféricos –con excepción de las reconocidas experiencias del este asiático– ha venido dominada por la debilidad, el invo-lucramiento de su escala nacional en las RPG adquiere, sin embargo, un papel destacado en la configuración de la intrincada trama de actores supranacionales y sub-nacionales que se involucran.

No obstante, la creciente heterogeneidad de actores involucrados, la presencia esta-tal, lejos de alejarse ante la invasiva impronta auto-reguladora del procesos de mercanti-

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lización (Polanyi, 1944),ha resultado vital en el armado del soporte de una plataforma material a través de la que se canalizan, desde los instrumentos de disciplinamiento contenidos en múltiples programas de financiamiento y su marco de condicionalidades hasta la co-producción consensual de políticas impulsadas en correlato con marcos conceptuales difundidos a través de múltiples manuales, documentos y seminarios de capacitación, entre otros, y el involucramiento cruzado de consultores y funcionarios (Prince, 2012).6

La acción estatal asume en este caso un papel relevante en la recepción, asimilación y socialización de determinadas visiones acerca de cómo funciona el sistema económico e institucional a escala global y, ante ello, como los actores locales deben actuar y orga-nizarse para acoplarse apropiadamente a ese sistema. Al mismo tiempo, esas visiones se benefician de la “experimentación” derivada de un involucramiento activo de muchos de los actores hacia los que se dirigen los instrumentos (Peck, 2011).

En el marco de esa compleja y entrecruzada implicación en las RPG, el Estado, desde su instancia nacional, contribuye a presentar sus propios y “nuevos” re-acomodamientos espaciales y funcionales, que lo relativizan y subordinan, como parte de un proceso colec-tivamente beneficioso. Al operar de tal manera, se posiciona como una pieza esencial al momento de instalar las tendencias y traccionar los comportamientos de los actores bajo las modalidades asociadas tanto a las formas del desmantelamiento –roll back– o como las reconstructivas –roll out– de la mercantilización neoliberal.

Su configuración como un canalizador de los impulsos disciplinantes y ensamblador de los emprendimientos co-productivos y consensuados que acompañan a las RPG, repre-senta para el Estado su desplazamiento como instancia capaz de operar en el despliegue de contra-lógicas, así como la dilución de su capacidad de actuar como centro productor de ideas y estrategias autónomas al implementar los programas orientados al desarrollo.

Este último aspecto, resulta vital y claramente diferenciador respecto de las formas estatales que dominan en los países centrales, pues conlleva el progresivo renunciamien-to a actuar como núcleo configurador de proyectos endógenos –y disputables–, y su funcionalización como instancia de acoplamiento y potenciación de dichas redes, tanto económicas y de políticas globales, viabilizando su penetración en los ámbitos nacionales y la configuración multi-escalar de los espacios regionales a partir de la promoción del downscaling y los mecanismos de mercantilización neoliberal. Es decir, los mecanismos que, bajo distintos momentos, hacen prevalecer aquellos parámetros de eficiencia y pro-ductividad que facilitan la expansión controlada de las ReG.

La “PRoducción ReGionaL” de La imPLicación estataL en Las RPG: Las continuidades en La desaRticuLación y La fRaGmentación

Tanto los agentes supra-nacionales que estimulan las RPG como los Estados –recon-figurados– que, como indicamos, las integran y dinamizan, pasan a ser parte de un mismo conducto, que no obstante va readaptando la forma como se vincula con los escenarios regionales, donde aterrizan y enriquecen sus estrategias políticas.

El reposicionamiento de esos escenarios, por un lado, viabiliza una respuesta su-peradora a los “anacronismos institucionales y espaciales” implantados bajo el vertical y adormecedor rigor de los patrones planificadores vigentes bajo el fordo-keynesianos; y, por otro, coloca a los ámbitos regionales como espacios a ser (re)construidos para su con-formación como instancias estratégicas, que deben potenciarse para alcanzar la eficiencia y la productividad que los llevará a un escenario de mayor competitividad.

6 Esos marcos conceptuales se nutren de un variado cuer-po de categorías, muchas veces articuladas, que viajan desde los países centrales hacia la periferia tales como: cadenas de valor, clusters, distritos industriales, siste-mas regionales de innova-ción, desarrollo productivo local, governancia, respon-sabilidad social empresaria, etc. La mayor parte de ellas ganaron peso en el nuevo ambiente discursivo workfa-riano.

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Ese aceleramiento de la difusión trasnacional de políticas, no puede disociarse de los procesos de re-escalamiento hacia arriba, los que, como indicamos, resultan concomitan-tes al downscaling y suponen la transferencia de un cúmulo de facultades decisorias estra-tégicas, antes nacionalmente posicionadas, a favor de instancias supra-nacionales. Dicho re-escalonamiento ha conllevado la constitución de los ofi como piezas fundamentales para conformar esas RPG, a partir de centralizar la implementación de un sofisticado pool de reglas de financiamiento, procesos de capacitación y manuales de actuación, en el que se involucran co-productivamente un heterogéneo cúmulo de agentes externos e internos, públicos y privados, económicos e instituciones (Peck, 2011).

Una compleja amalgama de actores académicos, consultores, capacitadores y to-madores de decisión supra-nacionales, como de funcionarios estatales, organizaciones no gubernamentales, instancias de evaluación técnicas localizadas en diversas escalas se involucran en un tejido de acciones. Como indica Prince, asistimos a la “creación de comunidades de actores que están situados en sus contextos políticos nacionales, pero también en esas redes internacionales donde sus prácticas son frecuentemente configura-das, sino no enteramente dirigidas” (Prince, 2012, p.200).

Bajo esa compleja trama institucional y formas socialmente co-producidas de implementación, las políticas desplegadas a través de las RPG mantienen como vector dominante de su funcionamiento la implementación de las diferentes formas de mercan-tilización que distinguen los momentos del proceso de neo-liberalización a los que nos hemos estado refiriendo y a través de los cuales interactúan con los actores locales que conforman las ReG.

No obstante, las lógicas que inspiran las RPG preservan como vector la instauración de formas de mercantilización que compelen a los actores públicos y privados a desarro-llar mecanismos de cualificación de las condiciones de productividad para mejorar sus condiciones de reproducción y eventualmente plegarse al motor dinámico de las ReG.

En tanto involucra esa pluralidad de agentes y actores, los procesos de mercantili-zación, lejos de presentarse como implantaciones de organismos supranacionales, trans-feridos a partir de una aplicación acrítica y descendente, resultan de una combinación de caminos. En ciertos momentos predominan las formas disciplinantes (Gill, 2002) o coercitivas, orientadas a la instalación generalizada de aquellas prácticas competitivas a nivel de empresas, ciudades, regiones y Estados (Harvey, 1989) que viabilizan el momento anti-welfariano y desmantelatorio del roll back; mientras que en otros momentos, más ac-tuales y propios del roll out workfarista, las pervivientes formas coercitivas en la adopción de los programas (Viana y Fonseca, 2011), conviven con un repertorio consensualista, institucionalmente negociado y colectivamente co-producido, que involucra las múltiples agencias y actores compelidos a su reconversión (Peck, 2011).

La estRateGia imPLicación estataL en La confiGuRación de Las RPGLa forma como las RPG operan conllevan una implicación no secundaria del Esta-

do. Si bien es cierto que su presencia en los escenarios periféricos –con excepción de las reconocidas experiencias del este asiático– ha venido dominada por la debilidad, el invo-lucramiento de su escala nacional en las RPG adquiere, sin embargo, un papel destacado en la configuración de la intrincada trama de actores supranacionales y sub-nacionales que se involucran.

No obstante, la creciente heterogeneidad de actores involucrados, la presencia esta-tal, lejos de alejarse ante la invasiva impronta auto-reguladora del procesos de mercanti-

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lización (Polanyi, 1944),ha resultado vital en el armado del soporte de una plataforma material a través de la que se canalizan, desde los instrumentos de disciplinamiento contenidos en múltiples programas de financiamiento y su marco de condicionalidades hasta la co-producción consensual de políticas impulsadas en correlato con marcos conceptuales difundidos a través de múltiples manuales, documentos y seminarios de capacitación, entre otros, y el involucramiento cruzado de consultores y funcionarios (Prince, 2012).6

La acción estatal asume en este caso un papel relevante en la recepción, asimilación y socialización de determinadas visiones acerca de cómo funciona el sistema económico e institucional a escala global y, ante ello, como los actores locales deben actuar y orga-nizarse para acoplarse apropiadamente a ese sistema. Al mismo tiempo, esas visiones se benefician de la “experimentación” derivada de un involucramiento activo de muchos de los actores hacia los que se dirigen los instrumentos (Peck, 2011).

En el marco de esa compleja y entrecruzada implicación en las RPG, el Estado, desde su instancia nacional, contribuye a presentar sus propios y “nuevos” re-acomodamientos espaciales y funcionales, que lo relativizan y subordinan, como parte de un proceso colec-tivamente beneficioso. Al operar de tal manera, se posiciona como una pieza esencial al momento de instalar las tendencias y traccionar los comportamientos de los actores bajo las modalidades asociadas tanto a las formas del desmantelamiento –roll back– o como las reconstructivas –roll out– de la mercantilización neoliberal.

Su configuración como un canalizador de los impulsos disciplinantes y ensamblador de los emprendimientos co-productivos y consensuados que acompañan a las RPG, repre-senta para el Estado su desplazamiento como instancia capaz de operar en el despliegue de contra-lógicas, así como la dilución de su capacidad de actuar como centro productor de ideas y estrategias autónomas al implementar los programas orientados al desarrollo.

Este último aspecto, resulta vital y claramente diferenciador respecto de las formas estatales que dominan en los países centrales, pues conlleva el progresivo renunciamien-to a actuar como núcleo configurador de proyectos endógenos –y disputables–, y su funcionalización como instancia de acoplamiento y potenciación de dichas redes, tanto económicas y de políticas globales, viabilizando su penetración en los ámbitos nacionales y la configuración multi-escalar de los espacios regionales a partir de la promoción del downscaling y los mecanismos de mercantilización neoliberal. Es decir, los mecanismos que, bajo distintos momentos, hacen prevalecer aquellos parámetros de eficiencia y pro-ductividad que facilitan la expansión controlada de las ReG.

La “PRoducción ReGionaL” de La imPLicación estataL en Las RPG: Las continuidades en La desaRticuLación y La fRaGmentación

Tanto los agentes supra-nacionales que estimulan las RPG como los Estados –recon-figurados– que, como indicamos, las integran y dinamizan, pasan a ser parte de un mismo conducto, que no obstante va readaptando la forma como se vincula con los escenarios regionales, donde aterrizan y enriquecen sus estrategias políticas.

El reposicionamiento de esos escenarios, por un lado, viabiliza una respuesta su-peradora a los “anacronismos institucionales y espaciales” implantados bajo el vertical y adormecedor rigor de los patrones planificadores vigentes bajo el fordo-keynesianos; y, por otro, coloca a los ámbitos regionales como espacios a ser (re)construidos para su con-formación como instancias estratégicas, que deben potenciarse para alcanzar la eficiencia y la productividad que los llevará a un escenario de mayor competitividad.

6 Esos marcos conceptuales se nutren de un variado cuer-po de categorías, muchas veces articuladas, que viajan desde los países centrales hacia la periferia tales como: cadenas de valor, clusters, distritos industriales, siste-mas regionales de innova-ción, desarrollo productivo local, governancia, respon-sabilidad social empresaria, etc. La mayor parte de ellas ganaron peso en el nuevo ambiente discursivo workfa-riano.

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Desde su redefinido rol “ensamblador”, el Estado, por su parte, redescubre la dimen-sión regional, urgido por las necesidades de financiamiento que le eviten el colapso de su endeudamiento, la cobertura de las necesidades sociales que amenazan su legitimidad y/o el estímulo de procesos productivos que le den sustento fiscal. Es decir, el Estado redescubre en los ámbitos regionales un “espacio de maniobras” para actuar ante las con-diciones sociales, económicas y territoriales de alta desigualdad que dominan el escenario periféricos e interpelan su existencia.

En otros términos, operando en gran medida bajo el financiamiento y asesoramien-to experto que brindan las instancias supranacionales de las RPG, el Estado nacional pasa a visualizar las instancias sub-nacionales como ámbitos desde donde “recomponer” su le-gitimidad, amenazada por la crisis y por los efectos sociales desiguales y espacialmente ex-cluyentes del roll back. Por lo tanto, el Estado se involucra desde las instancias nacionales como un privilegiado facilitador del downscaling promovido por los ofi, contribuyendo en forma no secundaria a materializar la paradojal “promoción desde arriba” (top down) de procesos que se pretenden que funcionen “desde abajo” (bottom up), es decir, desde el activado dinamismo de los espacios regionales.

Como ya indicamos, esas instancias regionales se vuelven ámbitos acríticos para concretar, la extensión de los procesos de mercantilización, tanto en su versión de acumu-lación por desposesión y desmantelamiento del roll back, como en la forma productivista workfariana, que recrea la relevancia de los nodos productivos regionales.

En tanto los mecanismos ligados a la reestructuración estatal como al reposiciona-miento regional han mostrado clara convivencia con la persistencia –o profundización– de la incapacidad de revertir la desigualdad y la limitada capacidad de inclusión social y terri-torial, surgen como interrogantes: ¿Por qué esa operatoria adquiere una funcionalidad indis-cutida?; ¿Cuáles son los factores que inviabilizan o debilitan el desarrollo de otras lógicas?

Dos elementos emergen como fundamentos a explorar respuestas a esos interrogan-tes: (a) la operación hegemónica con las que el circuito de prácticas, ideas y discursos se instala en los actores regionales, y (b) la triple y fragmentaria desarticulación que acompa-ñan los dispositivos de intervención de las RPG, a nivel de las relaciones inter-regionales, al interior de esos ámbitos y a nivel de su articulación intra-estatal. A continuación desa-rrollaremos las respuestas presentadas:a) La operación de hegemonía significa una lograda capacidad contextualmente desarro-

llada por las RPG y las organizaciones supra-nacionales que las orientan, de posicionar cada momento de la reconfiguración estatal y sus formas de implicación como partes de un proceso que es mayoritariamente asimilado como necesario y colectivamente beneficioso. Bajo una forma combinada de disciplina o coerción y consenso, y en el contexto de necesidades indicadas, los procesos resultan –finalmente– asimilados en su mayoría por las instancias estatales y buena parte de los propios actores regionales como caminos necesarios. Es en el marco de esa capacidad hegemónica que se inscri-ben los cambios que acompañan el proceso re-constructivo del Estado y el protagonis-mo regional. Es decir, en la capacidad de presentar a la regionalización de las acciones workfaristas del roll out como un cambio cualitativo, de carácter pos-neoliberal, orientado a redefinir y reconstruir sus formas de implicación para transformar las limitaciones e inequidades derivadas del proceso desmantelatorio del roll back.7

b) Bajo esa no siempre lineal construcción de hegemonía, gana lugar la triple dinámica de desarticulación y funcionamiento fragmentario que viabiliza los momentos de re-mercantilización. Esta dinámica se conforma:

7 En ese contexto deben interpretarse, por ejemplo, la experiencia argentina en relación a la “construcción regional” a través de la pro-moción de clusters, impulsa-dos por programas auspicia-dos por el BID y el PNUD con posterioridad al colapso de 2001 –y el replanteo de los vectores de política del CW–. Los mismos se sustentan en un relato hegemónico y consensual, de matriz esen-cialmente empresarial, que sostiene la posibilidad de configurar regiones operan-do como nodos competitivos e innovadores, a partir de la organización colectiva de los actores institucionales y económicos que operan en su interior (Fernández et al., 2008b).

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• Entre los ámbitos regionales, al promoverse la configuración de las instancias regionales como unidades autónomas, potencialmente competitivas y socialmente auto-resolutivas, que se posicionan diferencial –y competitivamente– ante las ReG (Fernández y Vigil, 2009).

• Al interior de los ámbitos regionales, a partir de una desarticulación fragmentaria que escinde las dimensiones estrictamente productivas de las condiciones de repro-ducción sociales (Fernández et al. 2010).

• Al interior del propio Estado, a partir de un acoplamiento a las RPG dominado por la ausencia de puntos de centralización estratégicos y la promoción de múltiples implicaciones institucionales locales que resultan inconexas en los propios ámbitos regionales (Cardozo et al. 2010).

Ambos procesos –de configuración hegemónica y desarticulación fragmentaria–, terminan operando como elementos que potencian la funcionalidad de las RPG –y los procesos de trasnacionalización de políticas que se expresan a través de esas redes– con la reconfiguración de las lógicas y diversificados intereses que dominan las ReG.

TERCERA SECCIÓN: REPENSANDO LA IMPLICACIÓN ESTATAL Y EL REPOSICIONAMIENTO REGIONAL: ¿QUé IMPLICARÍA ACTUAR MÁS ALLÁ DEL NEOLIBERALISMO?

Hemos sostenido que, operando a través de las RPG, pero bajo otras condiciones y nuevas modalidades respecto del periodo desmantelatorio del roll back, el reordenamiento escalar y la implicación del “Estado ensamblador” desarrolladas después de la crisis del cW propician una renovada inserción de la dimensión regional en la lógica de expansión de los procesos de mercantilización que caracterizan al proyecto neoliberal. Al hacer ello, el involucramiento estratégico de la dimensión regional viene a facilitar –o al menos no afectar– la reproducción constante de las fracciones trasnacionalizadas del capital global que controlan las ReG e imponen un patrón subordinado –y excluyente– de acumulación en la periferia. En este sentido, la triple lógica de desarticulación fragmentaria produce:a) A partir de la primera desarticulación, un doble efecto, desprendido de la renovada

competencia interregional que habilita el estímulo individualizado sobre determina-dos nodos productivos regionales. El primer efecto se encuentra relacionado con la posibilidad de obtener del escenario competitivo diferentes nodos especializados con potencialidad de integrarse a las ReG para cualificar sus eslabonamientos. El segundo efecto, se vincula a la limitación, derivada de esa forma nodalmente fragmentaria y nacionalmente desarticulada, para operar estrategias articuladas que otorguen escala para condicionar las fracciones globales del capital –y las ReG que controlan– cuando las mismas se insertan en los distintos escenarios nacionales.

b) Como consecuencia de la segunda desarticulación fragmentante, un resultado desac-tivador sobre los intentos de reformular un patrón redistributivo universal, montado a partir de potenciales exacciones al capital trasnacional, operadas desde una instancia nacional que vincula la cualificación de la estrategia de acumulación con una mejora masiva e incluyente de las condiciones sociales de reproducción. Dicha desactivación, constituye un resultado necesario de la visible desvinculación entre las dimensiones estrictamente productivas y las sociales que dominan las políticas y dinámicas regio-

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Desde su redefinido rol “ensamblador”, el Estado, por su parte, redescubre la dimen-sión regional, urgido por las necesidades de financiamiento que le eviten el colapso de su endeudamiento, la cobertura de las necesidades sociales que amenazan su legitimidad y/o el estímulo de procesos productivos que le den sustento fiscal. Es decir, el Estado redescubre en los ámbitos regionales un “espacio de maniobras” para actuar ante las con-diciones sociales, económicas y territoriales de alta desigualdad que dominan el escenario periféricos e interpelan su existencia.

En otros términos, operando en gran medida bajo el financiamiento y asesoramien-to experto que brindan las instancias supranacionales de las RPG, el Estado nacional pasa a visualizar las instancias sub-nacionales como ámbitos desde donde “recomponer” su le-gitimidad, amenazada por la crisis y por los efectos sociales desiguales y espacialmente ex-cluyentes del roll back. Por lo tanto, el Estado se involucra desde las instancias nacionales como un privilegiado facilitador del downscaling promovido por los ofi, contribuyendo en forma no secundaria a materializar la paradojal “promoción desde arriba” (top down) de procesos que se pretenden que funcionen “desde abajo” (bottom up), es decir, desde el activado dinamismo de los espacios regionales.

Como ya indicamos, esas instancias regionales se vuelven ámbitos acríticos para concretar, la extensión de los procesos de mercantilización, tanto en su versión de acumu-lación por desposesión y desmantelamiento del roll back, como en la forma productivista workfariana, que recrea la relevancia de los nodos productivos regionales.

En tanto los mecanismos ligados a la reestructuración estatal como al reposiciona-miento regional han mostrado clara convivencia con la persistencia –o profundización– de la incapacidad de revertir la desigualdad y la limitada capacidad de inclusión social y terri-torial, surgen como interrogantes: ¿Por qué esa operatoria adquiere una funcionalidad indis-cutida?; ¿Cuáles son los factores que inviabilizan o debilitan el desarrollo de otras lógicas?

Dos elementos emergen como fundamentos a explorar respuestas a esos interrogan-tes: (a) la operación hegemónica con las que el circuito de prácticas, ideas y discursos se instala en los actores regionales, y (b) la triple y fragmentaria desarticulación que acompa-ñan los dispositivos de intervención de las RPG, a nivel de las relaciones inter-regionales, al interior de esos ámbitos y a nivel de su articulación intra-estatal. A continuación desa-rrollaremos las respuestas presentadas:a) La operación de hegemonía significa una lograda capacidad contextualmente desarro-

llada por las RPG y las organizaciones supra-nacionales que las orientan, de posicionar cada momento de la reconfiguración estatal y sus formas de implicación como partes de un proceso que es mayoritariamente asimilado como necesario y colectivamente beneficioso. Bajo una forma combinada de disciplina o coerción y consenso, y en el contexto de necesidades indicadas, los procesos resultan –finalmente– asimilados en su mayoría por las instancias estatales y buena parte de los propios actores regionales como caminos necesarios. Es en el marco de esa capacidad hegemónica que se inscri-ben los cambios que acompañan el proceso re-constructivo del Estado y el protagonis-mo regional. Es decir, en la capacidad de presentar a la regionalización de las acciones workfaristas del roll out como un cambio cualitativo, de carácter pos-neoliberal, orientado a redefinir y reconstruir sus formas de implicación para transformar las limitaciones e inequidades derivadas del proceso desmantelatorio del roll back.7

b) Bajo esa no siempre lineal construcción de hegemonía, gana lugar la triple dinámica de desarticulación y funcionamiento fragmentario que viabiliza los momentos de re-mercantilización. Esta dinámica se conforma:

7 En ese contexto deben interpretarse, por ejemplo, la experiencia argentina en relación a la “construcción regional” a través de la pro-moción de clusters, impulsa-dos por programas auspicia-dos por el BID y el PNUD con posterioridad al colapso de 2001 –y el replanteo de los vectores de política del CW–. Los mismos se sustentan en un relato hegemónico y consensual, de matriz esen-cialmente empresarial, que sostiene la posibilidad de configurar regiones operan-do como nodos competitivos e innovadores, a partir de la organización colectiva de los actores institucionales y económicos que operan en su interior (Fernández et al., 2008b).

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• Entre los ámbitos regionales, al promoverse la configuración de las instancias regionales como unidades autónomas, potencialmente competitivas y socialmente auto-resolutivas, que se posicionan diferencial –y competitivamente– ante las ReG (Fernández y Vigil, 2009).

• Al interior de los ámbitos regionales, a partir de una desarticulación fragmentaria que escinde las dimensiones estrictamente productivas de las condiciones de repro-ducción sociales (Fernández et al. 2010).

• Al interior del propio Estado, a partir de un acoplamiento a las RPG dominado por la ausencia de puntos de centralización estratégicos y la promoción de múltiples implicaciones institucionales locales que resultan inconexas en los propios ámbitos regionales (Cardozo et al. 2010).

Ambos procesos –de configuración hegemónica y desarticulación fragmentaria–, terminan operando como elementos que potencian la funcionalidad de las RPG –y los procesos de trasnacionalización de políticas que se expresan a través de esas redes– con la reconfiguración de las lógicas y diversificados intereses que dominan las ReG.

TERCERA SECCIÓN: REPENSANDO LA IMPLICACIÓN ESTATAL Y EL REPOSICIONAMIENTO REGIONAL: ¿QUé IMPLICARÍA ACTUAR MÁS ALLÁ DEL NEOLIBERALISMO?

Hemos sostenido que, operando a través de las RPG, pero bajo otras condiciones y nuevas modalidades respecto del periodo desmantelatorio del roll back, el reordenamiento escalar y la implicación del “Estado ensamblador” desarrolladas después de la crisis del cW propician una renovada inserción de la dimensión regional en la lógica de expansión de los procesos de mercantilización que caracterizan al proyecto neoliberal. Al hacer ello, el involucramiento estratégico de la dimensión regional viene a facilitar –o al menos no afectar– la reproducción constante de las fracciones trasnacionalizadas del capital global que controlan las ReG e imponen un patrón subordinado –y excluyente– de acumulación en la periferia. En este sentido, la triple lógica de desarticulación fragmentaria produce:a) A partir de la primera desarticulación, un doble efecto, desprendido de la renovada

competencia interregional que habilita el estímulo individualizado sobre determina-dos nodos productivos regionales. El primer efecto se encuentra relacionado con la posibilidad de obtener del escenario competitivo diferentes nodos especializados con potencialidad de integrarse a las ReG para cualificar sus eslabonamientos. El segundo efecto, se vincula a la limitación, derivada de esa forma nodalmente fragmentaria y nacionalmente desarticulada, para operar estrategias articuladas que otorguen escala para condicionar las fracciones globales del capital –y las ReG que controlan– cuando las mismas se insertan en los distintos escenarios nacionales.

b) Como consecuencia de la segunda desarticulación fragmentante, un resultado desac-tivador sobre los intentos de reformular un patrón redistributivo universal, montado a partir de potenciales exacciones al capital trasnacional, operadas desde una instancia nacional que vincula la cualificación de la estrategia de acumulación con una mejora masiva e incluyente de las condiciones sociales de reproducción. Dicha desactivación, constituye un resultado necesario de la visible desvinculación entre las dimensiones estrictamente productivas y las sociales que dominan las políticas y dinámicas regio-

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nales, así como la atención a aquella última dimensión a partir de una forma fragmen-taria de auto-resolución social localmente emplazada.

c) Finalmente, la ausencia de una articulación estatal institucional que opere sobre a y b, inviabiliza una estrategia estatal articulada, capaz de condicionar al capital y fortalecer en una forma espacialmente más integrada y endógena de acumulación y redistribu-ción nacional.

Estos resultados colocan un desafío al momento de (re)pensar una implicación estatal y el reposicionamiento regional capaz de alterar las formas neoliberales de prácti-cas y relatos que despliegan un doble ocultamiento. Por un lado, se presentan como una alteración de las formas neoliberales desplegadas bajo el cW, cuando refuerzan –bajo otros medios y modalidades– dichos patrones mercantilizadores. Por otro lado, como todo relato hegemónico, se presentan como colectivamente beneficiosos, no obstante que, como indicamos, efectivamente recrean las formas subordinadas y excluyentes de reproducción que las fracciones globales del capital imponen desde el control estraté-gico de las ReG.

Pensar y actuar –sobre y desde el Estado y las regiones– más allá del neoliberalismo, conlleva el desafío de construir otro relato contra-hegemónico, acompañado de un com-plejo de prácticas, capaces de involucrar un patrón de implicación funcional y organiza-ción espacial del Estado en el que la estrategias multi-escalares que dinamizan lo regional no conlleven a una mayor complejización de la desarticulación fragmentaria, sino que coadyuven a la conformación de un patrón articulado de acumulación, con capacidad de controlar –con creciente endogeneidad– las formas de valorización y potenciar, a partir de ello, un proceso articulado de redistribución social y espacial.

En lo espacial organizacional, ello requiere instalar la necesidad de forjar un Estado que recupera la capacidad de articulación tanto desde el punto de vista horizontal como vertical. En relación al primer aspecto, uno de los más relevantes es el desafío estatal latinoamericano que transita por la capacidad de construir una modalidad articuladora en el nivel nacional, a partir de la edificación de una instancia nodal que pueda anudar bajo un mismo cuerpo de objetivos y acciones las diferentes estrategias desprendidas de diversas instancias nacionales, que han tendido a operar, como indicamos, en forma desconectada. En relación al segundo aspecto, con eje en la dimensión vertical, la cohe-rencia desde la nodalidad nacional adquiere sentido a partir del desarrollo de un paralelo y coordinado proceso de articulación inter-escalar, con aptitud para superar un patrón de construcción de “arriba hacia abajo”, que se ha mostrado dispuesto a girar tanto hacia la descentralización fragmentante como hacia la integración autoritaria. Para ello, resulta esencial la construcción de mecanismos que permitan capturar las formas co-productivas que han marcado el giro workfarista de las redes trasnacionales para asimilarlas dentro de una estrategia nacionalmente articulada, que suma a la centralidad del involucramiento estatal una alta implicación regional.

La canalización “de abajo hacia arriba” de esas formas coproducidas y colectivas de implicación productivo regional, requieren lograr una capacidad incidental efectiva de las instancias estatales regionales en las instancias nodales y la conformación del relato contra-hegemónico al neoliberalismo del roll out. Pero también, desde una dimensión organizacional, para que ello encuentre materialidad, es preciso canalizar esas formas co-productivas en estructuras estatales cuya consistencia institucional en todos los niveles (regionales y locales) se desenvuelva a la par de una sensible reversión en las formas de coordinación escalar.

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Este último aspecto, conecta con la dimensión funcional de la implicación estatal y la forma como contribuyen a ello las regiones. En esta dimensión, el desafío consiste en desarrollar una articulación escalar del Estado que permita revertir las utilización de las formas socialmente co-productivas y colectivas de desarrollo regional dentro de las paradojales estrategias de “desarrollo desde abajo impulsados desde arriba” que impone el patrón disciplinario y ensamblador de las redes trasnacionales. Ello requiere mutar desde un Estado ensamblador hacia otro con mayor autonomía financiera y capacidad de autodefinición conceptual, con capacidad de desplegar estrategias de articulación y complementariedad entre los nodos de acumulación regional. Ello resulta fundamental para relevar al fragmentalismo inter-regional competitivo y excluyente, y dotar a los actores de esos nodos de la capacidad para desplegar actividades más dinámicas en los encadenamientos productivos, sumando crecientemente en tal tarea espacios desplazados y tradicionalmente periféricos.

La asociación de la implicación estatal y regional a una endogeneización del proceso de acumulación que suma nuevos actores y espacios bajo el control de actividades más dinámicas, resulta imprescindible no sólo para dar al Estado la consistencia fiscal que opera como primer escalón para des-subordinarse de las redes trasnacionales, sino para construir también coordinadas y no fragmentarias formas redistributivas –lo que incluye tanto cobertura universales a nivel social y espacial como re-inversiones selectivas a ese nivel para potenciar de determinados actores y espacios históricamente periféricos-.

La sostenibilidad de esta modalidad redistributiva sobre la base de ese patrón de acumulación endógeno y dinámico, conlleva asimismo la habilidad para re-articular a largo plazo las dimensiones social y productivas que dominan al interior de las propias regiones señaladas como exitosas, así como la posibilidad de revertir la reproducción de procesos de desigualación socio-espacial desde una mayor implicación de actores y regio-nes periféricas.

CONCLUSIONES

A lo largo de este artículo, hemos propuesto un análisis sobre las relaciones entre el posicionamiento estratégico otorgado a los procesos de regionalización y las transforma-ciones espaciales y funcionales del Estado, integrando dicha relación en un marco com-prensivo de los procesos de reestructuración del capitalismo y recreación de las estrategias de neo-liberalización.

En tal sentido, nuestra argumentación ha procurado advertir los riesgos de asumir acríticamente un relato, globalmente difundido, que entiende la regionalización como una consecuencia natural de procesos de crisis de los espacios nacionales en la forma como estos se expandieron en la última posguerra, exalta las “ventajas naturales” asociadas a los procesos descentralización para operar en un mapa institucional más difuso y complejo, donde dominan los registros de la gobernanza, la horizontalidad y la cooperación.

Posicionarnos desde un ámbito periférico, hemos propuesto analizar las transforma-ciones en la funcionalidad y espacialidad estatal y la jerarquización de lo regional desde un registro analítico sustancialmente diferente, sustentado en dos vectores altamente interrelacionados: a) el reconocimiento de los intereses contradictorios del capitalismo y la utilización de las dinámicas institucionales y espaciales para concretar su desigualadora reproducción, b) y por otro, la relevancia del papel de los dispositivos discursivos y los re-

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nales, así como la atención a aquella última dimensión a partir de una forma fragmen-taria de auto-resolución social localmente emplazada.

c) Finalmente, la ausencia de una articulación estatal institucional que opere sobre a y b, inviabiliza una estrategia estatal articulada, capaz de condicionar al capital y fortalecer en una forma espacialmente más integrada y endógena de acumulación y redistribu-ción nacional.

Estos resultados colocan un desafío al momento de (re)pensar una implicación estatal y el reposicionamiento regional capaz de alterar las formas neoliberales de prácti-cas y relatos que despliegan un doble ocultamiento. Por un lado, se presentan como una alteración de las formas neoliberales desplegadas bajo el cW, cuando refuerzan –bajo otros medios y modalidades– dichos patrones mercantilizadores. Por otro lado, como todo relato hegemónico, se presentan como colectivamente beneficiosos, no obstante que, como indicamos, efectivamente recrean las formas subordinadas y excluyentes de reproducción que las fracciones globales del capital imponen desde el control estraté-gico de las ReG.

Pensar y actuar –sobre y desde el Estado y las regiones– más allá del neoliberalismo, conlleva el desafío de construir otro relato contra-hegemónico, acompañado de un com-plejo de prácticas, capaces de involucrar un patrón de implicación funcional y organiza-ción espacial del Estado en el que la estrategias multi-escalares que dinamizan lo regional no conlleven a una mayor complejización de la desarticulación fragmentaria, sino que coadyuven a la conformación de un patrón articulado de acumulación, con capacidad de controlar –con creciente endogeneidad– las formas de valorización y potenciar, a partir de ello, un proceso articulado de redistribución social y espacial.

En lo espacial organizacional, ello requiere instalar la necesidad de forjar un Estado que recupera la capacidad de articulación tanto desde el punto de vista horizontal como vertical. En relación al primer aspecto, uno de los más relevantes es el desafío estatal latinoamericano que transita por la capacidad de construir una modalidad articuladora en el nivel nacional, a partir de la edificación de una instancia nodal que pueda anudar bajo un mismo cuerpo de objetivos y acciones las diferentes estrategias desprendidas de diversas instancias nacionales, que han tendido a operar, como indicamos, en forma desconectada. En relación al segundo aspecto, con eje en la dimensión vertical, la cohe-rencia desde la nodalidad nacional adquiere sentido a partir del desarrollo de un paralelo y coordinado proceso de articulación inter-escalar, con aptitud para superar un patrón de construcción de “arriba hacia abajo”, que se ha mostrado dispuesto a girar tanto hacia la descentralización fragmentante como hacia la integración autoritaria. Para ello, resulta esencial la construcción de mecanismos que permitan capturar las formas co-productivas que han marcado el giro workfarista de las redes trasnacionales para asimilarlas dentro de una estrategia nacionalmente articulada, que suma a la centralidad del involucramiento estatal una alta implicación regional.

La canalización “de abajo hacia arriba” de esas formas coproducidas y colectivas de implicación productivo regional, requieren lograr una capacidad incidental efectiva de las instancias estatales regionales en las instancias nodales y la conformación del relato contra-hegemónico al neoliberalismo del roll out. Pero también, desde una dimensión organizacional, para que ello encuentre materialidad, es preciso canalizar esas formas co-productivas en estructuras estatales cuya consistencia institucional en todos los niveles (regionales y locales) se desenvuelva a la par de una sensible reversión en las formas de coordinación escalar.

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Este último aspecto, conecta con la dimensión funcional de la implicación estatal y la forma como contribuyen a ello las regiones. En esta dimensión, el desafío consiste en desarrollar una articulación escalar del Estado que permita revertir las utilización de las formas socialmente co-productivas y colectivas de desarrollo regional dentro de las paradojales estrategias de “desarrollo desde abajo impulsados desde arriba” que impone el patrón disciplinario y ensamblador de las redes trasnacionales. Ello requiere mutar desde un Estado ensamblador hacia otro con mayor autonomía financiera y capacidad de autodefinición conceptual, con capacidad de desplegar estrategias de articulación y complementariedad entre los nodos de acumulación regional. Ello resulta fundamental para relevar al fragmentalismo inter-regional competitivo y excluyente, y dotar a los actores de esos nodos de la capacidad para desplegar actividades más dinámicas en los encadenamientos productivos, sumando crecientemente en tal tarea espacios desplazados y tradicionalmente periféricos.

La asociación de la implicación estatal y regional a una endogeneización del proceso de acumulación que suma nuevos actores y espacios bajo el control de actividades más dinámicas, resulta imprescindible no sólo para dar al Estado la consistencia fiscal que opera como primer escalón para des-subordinarse de las redes trasnacionales, sino para construir también coordinadas y no fragmentarias formas redistributivas –lo que incluye tanto cobertura universales a nivel social y espacial como re-inversiones selectivas a ese nivel para potenciar de determinados actores y espacios históricamente periféricos-.

La sostenibilidad de esta modalidad redistributiva sobre la base de ese patrón de acumulación endógeno y dinámico, conlleva asimismo la habilidad para re-articular a largo plazo las dimensiones social y productivas que dominan al interior de las propias regiones señaladas como exitosas, así como la posibilidad de revertir la reproducción de procesos de desigualación socio-espacial desde una mayor implicación de actores y regio-nes periféricas.

CONCLUSIONES

A lo largo de este artículo, hemos propuesto un análisis sobre las relaciones entre el posicionamiento estratégico otorgado a los procesos de regionalización y las transforma-ciones espaciales y funcionales del Estado, integrando dicha relación en un marco com-prensivo de los procesos de reestructuración del capitalismo y recreación de las estrategias de neo-liberalización.

En tal sentido, nuestra argumentación ha procurado advertir los riesgos de asumir acríticamente un relato, globalmente difundido, que entiende la regionalización como una consecuencia natural de procesos de crisis de los espacios nacionales en la forma como estos se expandieron en la última posguerra, exalta las “ventajas naturales” asociadas a los procesos descentralización para operar en un mapa institucional más difuso y complejo, donde dominan los registros de la gobernanza, la horizontalidad y la cooperación.

Posicionarnos desde un ámbito periférico, hemos propuesto analizar las transforma-ciones en la funcionalidad y espacialidad estatal y la jerarquización de lo regional desde un registro analítico sustancialmente diferente, sustentado en dos vectores altamente interrelacionados: a) el reconocimiento de los intereses contradictorios del capitalismo y la utilización de las dinámicas institucionales y espaciales para concretar su desigualadora reproducción, b) y por otro, la relevancia del papel de los dispositivos discursivos y los re-

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latos hegemónicos que, como tales, procuran imponer como colectivamente beneficiosos lo que representa una reproducción particularizada de ciertos intereses.

En la consideración de estos dos vectores, siempre desde ese posicionamiento peri-férico, sostuvimos la necesidad de considerar el papel de las ReG y RPG, cuya deferencia interrelacionada vincula lógicas e intereses finalmente entrelazados. Por un lado, las ReG formadas desde la dominancia de empresas trasnacionales (ets) que controlan los nodos de valorización más dinámicos e interconectan estratégicamente una multiplicidad de puntos de actividad, y por otro, las RPG, en este caso dominadas por el protagonismo de instancias supranacionales, a través de los que se conforman relatos hegemónicos que perforan las dinámicas nacionales y regionales y permean financiera y conceptualmente las políticas y los diseños institucionales. En la interconexión de las lógicas e intereses de ambas redes, dichos relatos contribuyen no secundariamente a instalar como algo colec-tivamente beneficioso, mecanismos –crecientemente trasnacionalizados– de organización social, institucional y productiva.

Dominados por un constante impulso de mercantilización de las relaciones sociales, dichos mecanismos no alteran sino que refuerzan la capacidad subordinante de aquellos actores que controlan las RPG. Es bajo este último escenario –y esta lógica-, que hemos puesto a consideración la impronta workfarista que ganó espacio discursivo después de la crisis del cW y el anacronismo de las formas desmantelatorias de la mercantilización neoliberal (roll back) desarrolladas con ímpetu en los años 1990.

Hemos tratado de destacar –con algunas referencias a América Latina– que, expre-sando una clara reconfiguración en el relato hegemónico, ese enfoque workfarista que ha dominado los contenidos de las políticas y la organización estatal de la última década, reconstruye –roll out– antes que suplantar los procesos de neo-liberalización, escudado en un complejo dispositivo trasnacional de financiamiento, relatos, tecnologías conceptuales y prácticas multi-escalares. En dicho dispositivo, el Estado queda comprometido a través de un activo y descentralizado involucramiento, orientado a la promoción de formas intra-territoriales, en las que campea la participación comunitaria, las redes instituciona-les horizontales y el protagonismo de las pequeñas y medianas empresas.

Entre sus principales atractivos, que viabilizan la instalación hegemónica de ese dispositivo, figura la posibilidad de obtener por medio de ello una lógica productiva sus-tentada en la aptitud para colocar la cualificación de la producción y la competitividad al alcance de –casi– todos, y de convertir en protagonistas a regiones y localidades que operaron como receptores pasivos de emprendimientos nacionales.

En nuestra argumentación, la recreación del procesos de neo-liberalización que acompaña este relato se funda en su renovado –pero indetenido– intento de extender –sin fin– las relaciones de mercantilización y –en compatibilidad con aquellas intereses de aquellas fracciones tras-nacionalizadas del capital global que controlan las RPG– de mantener un patrón básicamente desarticulado y fragmentario de reproducción, que se instala triplemente; entre las regiones, al interior de éstas entre sus dimensiones sociales y productivas, y al interior del propio Estado entre sus diferentes escalas.

Este último, no obstante activo, aparece inmerso en la acción y dominio concep-tual y financiero de estas RPG y sus actores hegemónicos, operando como instancia –no articulada– de ensamble entre los emprendimiento de los actores trasnacionales y un creciente, desarticulado y fragmentario involucramiento de las regiones.

Esa triple desarticulación fragmentaria, como hemos argumentado, resulta una pieza no secundaria para comprender los vínculos entre ambas redes y, en el marco de

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esa recreación de las formas neoliberales, para dar cuenta de los límites para promover un desarrollo económico y socialmente inclusivo desde la periferia. Resulta, en síntesis, esencial para dar cuenta de la paradojal lógica de convocar como protagonistas tanto a las regiones como al Estado, para finalmente colocarlos a funcionar en calidad de autores de reparto dentro de redes con intereses, relatos, y prácticas exógenas que condicionan las estrategias económicas e institucionales.

Ciertamente, las transformaciones estatales y las dinámicas regionales operan com-plejas y específicas reacciones, al tiempo que las tecnologías políticas que les acompañan desarrollan innúmeras mutaciones re-adaptativas, para operar, bajo mismos propósitos, reconociendo los particulares y cambiantes escenarios locales, y enfrentando un escenario necesariamente conflictivo y disputado. Producto de ello, nuestra lectura, lejos de ser vista desde un lente funcionalista –y mucho menos determinista–, pretende operar como una invitación a indagar y reconocer tanto las especificidades como las regularidades que esos procesos asumen.

Desde ese reconocimiento, y procurando capitalizar ese involucramiento de los ac-tores regionales alentado por las RPG, planteamos la posibilidad y necesidad de delinear un mapa de implicación estatal y fortalecimiento regional que preferentemente posean alternativas a las predominantes formas de workfarismo neoliberalizador.

En tal tarea, sostuvimos la relevancia de orientar ambos elementos (Estado y re-giones) hacia un involucramiento capaz, en relación a las ReG, de generar un proceso de acumulación endógeno, con capacidad de limitar o revertir las formas de integración subordinada a las mismas; y, en relación a las RPG, de superar el alineamiento acrítico a los dispositivos (trasnacionales) sobre los que se edifica la triple desarticulación fragmen-taria. En relación al Estado, ello supone, desde lo funcional, la capacidad de reemplazar su papel de actor “capturado y ensamblador”, por otro en el que puede operar como un nodo estratégico en la elaboración autónoma de estrategias de ideas y el direccionamiento al proceso de acumulación. Desde lo espacial, ello implica un re-vinculación con las re-giones a través de un despliegue multi-escalar, capaz de fundar aquellas estrategias no sólo en imposiciones verticales, sino en la riqueza operativa que brinda un dinámica bottom up, resultado de una implicación regional en la gestación de la estrategia nacional. Esto último conlleva tanto la configuración de mecanismos que garanticen el protagonismo de las instancias sub-nacionales en los ámbitos –coordinados– de elaboración nacional, co-mo la capacidad de fortalecer las estructuras institucionales de esas instancias y sus inte-racciones con los actores sociales y económicos históricamente subordinados o excluidos.

Trabajar en una redefinición del Estado y el protagonismo regional en tal sentido podría contribuir, tal vez en no menor medida, en la necesaria tarea de pensar y actuar más allá del neoliberalismo, re-asociando la idea del desarrollo a una transformación cualitativa de envergadura, cuyos alcances no cuentan aún con un dispositivo teórico apropiado que dé cuenta del mismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMSDEM, A. Asia s next giant: South Korea and late Industrialization.Oxford Univer-sity Press, 1989. 400p.BANCO MUNDIAL. “El estado en un mundo en transformación”. Informe sobre el desarrollo mundial. Washington D. C, 1997.

Víctor Ramiro Fernández é doutor em Ciências Políti-cas pela Universidad Autó-noma de Madrid, España. Pesquisador do Conicet. Diretor do IIETE – Instituto de Investigación Estado, Te-rritorio y Economía, da Uni-versidad Nacional del Litoral, Santa Fe, Argentina. E-mail: [email protected].

Lucas Gabriel Cardozo é geógrafo pela Facultad de Humanidades y Ciencias de la Universidad Nacional del Litoral. Pesquisador do IIETE – Instituto de Investigación Estado, Territorio y Econo-mía, da Universidad Nacional del Litoral, Santa Fe, Argen-tina. E-mail: [email protected].

Ar ti go re ce bi do em outubro de 2012 e apro va do pa ra pu bli ca ção em fevereiro de 2013.

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latos hegemónicos que, como tales, procuran imponer como colectivamente beneficiosos lo que representa una reproducción particularizada de ciertos intereses.

En la consideración de estos dos vectores, siempre desde ese posicionamiento peri-férico, sostuvimos la necesidad de considerar el papel de las ReG y RPG, cuya deferencia interrelacionada vincula lógicas e intereses finalmente entrelazados. Por un lado, las ReG formadas desde la dominancia de empresas trasnacionales (ets) que controlan los nodos de valorización más dinámicos e interconectan estratégicamente una multiplicidad de puntos de actividad, y por otro, las RPG, en este caso dominadas por el protagonismo de instancias supranacionales, a través de los que se conforman relatos hegemónicos que perforan las dinámicas nacionales y regionales y permean financiera y conceptualmente las políticas y los diseños institucionales. En la interconexión de las lógicas e intereses de ambas redes, dichos relatos contribuyen no secundariamente a instalar como algo colec-tivamente beneficioso, mecanismos –crecientemente trasnacionalizados– de organización social, institucional y productiva.

Dominados por un constante impulso de mercantilización de las relaciones sociales, dichos mecanismos no alteran sino que refuerzan la capacidad subordinante de aquellos actores que controlan las RPG. Es bajo este último escenario –y esta lógica-, que hemos puesto a consideración la impronta workfarista que ganó espacio discursivo después de la crisis del cW y el anacronismo de las formas desmantelatorias de la mercantilización neoliberal (roll back) desarrolladas con ímpetu en los años 1990.

Hemos tratado de destacar –con algunas referencias a América Latina– que, expre-sando una clara reconfiguración en el relato hegemónico, ese enfoque workfarista que ha dominado los contenidos de las políticas y la organización estatal de la última década, reconstruye –roll out– antes que suplantar los procesos de neo-liberalización, escudado en un complejo dispositivo trasnacional de financiamiento, relatos, tecnologías conceptuales y prácticas multi-escalares. En dicho dispositivo, el Estado queda comprometido a través de un activo y descentralizado involucramiento, orientado a la promoción de formas intra-territoriales, en las que campea la participación comunitaria, las redes instituciona-les horizontales y el protagonismo de las pequeñas y medianas empresas.

Entre sus principales atractivos, que viabilizan la instalación hegemónica de ese dispositivo, figura la posibilidad de obtener por medio de ello una lógica productiva sus-tentada en la aptitud para colocar la cualificación de la producción y la competitividad al alcance de –casi– todos, y de convertir en protagonistas a regiones y localidades que operaron como receptores pasivos de emprendimientos nacionales.

En nuestra argumentación, la recreación del procesos de neo-liberalización que acompaña este relato se funda en su renovado –pero indetenido– intento de extender –sin fin– las relaciones de mercantilización y –en compatibilidad con aquellas intereses de aquellas fracciones tras-nacionalizadas del capital global que controlan las RPG– de mantener un patrón básicamente desarticulado y fragmentario de reproducción, que se instala triplemente; entre las regiones, al interior de éstas entre sus dimensiones sociales y productivas, y al interior del propio Estado entre sus diferentes escalas.

Este último, no obstante activo, aparece inmerso en la acción y dominio concep-tual y financiero de estas RPG y sus actores hegemónicos, operando como instancia –no articulada– de ensamble entre los emprendimiento de los actores trasnacionales y un creciente, desarticulado y fragmentario involucramiento de las regiones.

Esa triple desarticulación fragmentaria, como hemos argumentado, resulta una pieza no secundaria para comprender los vínculos entre ambas redes y, en el marco de

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Ciertamente, las transformaciones estatales y las dinámicas regionales operan com-plejas y específicas reacciones, al tiempo que las tecnologías políticas que les acompañan desarrollan innúmeras mutaciones re-adaptativas, para operar, bajo mismos propósitos, reconociendo los particulares y cambiantes escenarios locales, y enfrentando un escenario necesariamente conflictivo y disputado. Producto de ello, nuestra lectura, lejos de ser vista desde un lente funcionalista –y mucho menos determinista–, pretende operar como una invitación a indagar y reconocer tanto las especificidades como las regularidades que esos procesos asumen.

Desde ese reconocimiento, y procurando capitalizar ese involucramiento de los ac-tores regionales alentado por las RPG, planteamos la posibilidad y necesidad de delinear un mapa de implicación estatal y fortalecimiento regional que preferentemente posean alternativas a las predominantes formas de workfarismo neoliberalizador.

En tal tarea, sostuvimos la relevancia de orientar ambos elementos (Estado y re-giones) hacia un involucramiento capaz, en relación a las ReG, de generar un proceso de acumulación endógeno, con capacidad de limitar o revertir las formas de integración subordinada a las mismas; y, en relación a las RPG, de superar el alineamiento acrítico a los dispositivos (trasnacionales) sobre los que se edifica la triple desarticulación fragmen-taria. En relación al Estado, ello supone, desde lo funcional, la capacidad de reemplazar su papel de actor “capturado y ensamblador”, por otro en el que puede operar como un nodo estratégico en la elaboración autónoma de estrategias de ideas y el direccionamiento al proceso de acumulación. Desde lo espacial, ello implica un re-vinculación con las re-giones a través de un despliegue multi-escalar, capaz de fundar aquellas estrategias no sólo en imposiciones verticales, sino en la riqueza operativa que brinda un dinámica bottom up, resultado de una implicación regional en la gestación de la estrategia nacional. Esto último conlleva tanto la configuración de mecanismos que garanticen el protagonismo de las instancias sub-nacionales en los ámbitos –coordinados– de elaboración nacional, co-mo la capacidad de fortalecer las estructuras institucionales de esas instancias y sus inte-racciones con los actores sociales y económicos históricamente subordinados o excluidos.

Trabajar en una redefinición del Estado y el protagonismo regional en tal sentido podría contribuir, tal vez en no menor medida, en la necesaria tarea de pensar y actuar más allá del neoliberalismo, re-asociando la idea del desarrollo a una transformación cualitativa de envergadura, cuyos alcances no cuentan aún con un dispositivo teórico apropiado que dé cuenta del mismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMSDEM, A. Asia s next giant: South Korea and late Industrialization.Oxford Univer-sity Press, 1989. 400p.BANCO MUNDIAL. “El estado en un mundo en transformación”. Informe sobre el desarrollo mundial. Washington D. C, 1997.

Víctor Ramiro Fernández é doutor em Ciências Políti-cas pela Universidad Autó-noma de Madrid, España. Pesquisador do Conicet. Diretor do IIETE – Instituto de Investigación Estado, Te-rritorio y Economía, da Uni-versidad Nacional del Litoral, Santa Fe, Argentina. E-mail: [email protected].

Lucas Gabriel Cardozo é geógrafo pela Facultad de Humanidades y Ciencias de la Universidad Nacional del Litoral. Pesquisador do IIETE – Instituto de Investigación Estado, Territorio y Econo-mía, da Universidad Nacional del Litoral, Santa Fe, Argen-tina. E-mail: [email protected].

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SHONFIELD, A. In defense of the mixed economy. Oxford University Press, 1994. 231p.SIMMONS, B; DOBBIN, F; GARRETT, G. (Eds), The global diffusion of markets and democracy. New York: Cambridge University Press, 2008. 384p.SKOCPOL, T. “Review: Wallerstein’s World Capitalist System: A Theoretical and Histo-rical Critique”. American Journal of Sociology, Vol. 82, No. 5, p. 1075-1090, 1977.STONE D. “Transfer agents and global networks in the ‘transnationalization’ of policy”. Journal of European Public Policy, 11, p. 545–566, 2004.TOYE, J. Dilemmas of development. Reflection on the counter-revolution in development theory and police. Basil Blackwell, 1987, p.177.UNCTAD. “The world’s top 100 non-financial TNCs, ranked by foreign assets”. Eras-mus University database, 2008.UNRISD – United Nations Research Institute for Social Development. States of Disa-rray: The social effects of Globalization, Geneva, 1995.VÁZQUEZ-BARQUERO, A. “Desarrollo endógeno y globalización”. Revista Eure, 26 (79), p. 47-65, 2000.VIANA, L. y FONSECA, F. “Impactos sociais e econômicos da atuação do Banco Inte-ramericano de Desenvolvimento nas políticas públicas”. In: Cadernos do Desenvolvimento, Río de Janeiro, 6 (9), p. 199-213, 2011.WADE, R. Governing the market. Economic Theory and the role of government in East Asian industrialization, Princeton and Oxford: Princeton University Press, 1992. 439p.WEISS, L. “Gobernanza global, estrategias nacionales: Cómo los Estados hacen espacio para el desenvolverse bajo la OMC”. Revista DAAGE. Año 3. n. 4. Santa Fe. República Argentina, p. 7-40, 2003.

a b s t R a c t Positioned on the periphery – and with an emphasis on the Latin American context – the article explores the functional and spatial reconfiguration of the state and the regional dynamics related to it. It is argued that the transition from a welfarist matrix to workfarist forms of state intervention and the reconfiguration of regional dynamics presents the risk of becoming a reformulation of the neo-liberal project, articulated and strengthened through economic networks and global policies that produce particular effects on the periphery. It explains how the hegemonic discourses and practices generated through these networks are functional to a subordinated integration to the interests of transnational actors that control them. Alternatively, it discusses the necessity of a strategic counter-hegemonic discursive construction that should focus on the capacity to articulate the regional dynamics of the state.

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LOBAO, L.; MARTIN, R.; RODRÍGUEZ-POSE, A.“Editorial: rescaling the state: new modes of institutional-territorial organization”. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 2 (1), p. 3-12, 2009.MACLEOD, G. “New regionalism reconsidered: globalization and the remaking of political economic space”. International Journal of Urban and Regional Research, 25(4), p. 804–829, 2001.MORGAN, K. “The Polycentric State: New Spaces of Empowerment and Engage-ment?”. Regional Studies, 41, p. 1237-1251, 2007.O’CONNOR, J. The Fiscal Crisis of the State. St. Martin s Press, 1973. 276p.OHMAE, K. The End of the Nation State: The Rise of Regional Economies. Free Press.1995. 214p.OSBORNE, D.; GAEBLER. T. Reinventing Government: How the Entrepreneurial Spirit Is Transforming the Public Sector. Reading, MA: Addison-Wesley,1992. 405p.PECK J. “Neoliberalizing states: thin policies/hard outcomes”. Progress in Human Geo-graphy, 25(3), p. 445-455, 2001.PECK, J. “Economías y políticas de escala: políticas rápidas, relaciones inter escalares y workfare neoliberal”. In FERNÁNDEZ, V.; BRANDÃO, C. (Orgs.) Escalas y Políticas del desarrollo regional: desafíos para América Latina, Buenos Aires: Miño & Dávila, 2010. p. 77-120.PECK J. “Geographies of policy: from transfer-diffusion to mobility-mutation”. Progress in Human Geography, 35(6), p. 773-797, 2011.PECK J. y TICKELL, A. “Jungle law breaks out: neoliberalism and global-local disor-der”. Area, 26(4), p. 317-326, 1994.PECK J. y TICKELL, A. “Neoliberalizing Space”. Antipode, 34(3), p. 380–404, 2002. PEET, R. Unholy Trinity: The IMF, World Bank, and WTO. London: Zed Press, 2003. 250p.PEREZ C. “Cambio tecnológico y oportunidades de desarrollo como blanco móvil”. Revista de la CEPAL, n. 75, 2001, p. 115-136. PIORE, M.; SABEL, C. The Second Industrial Divide: possibilities for prosperity, New York, Basic Books, 1984, p. 309.POLANYI, K. The Great Transformation: the political and economic origins of our time. Beacon Press, Boston, 1944. 317p.PORTES, A. “El neoliberalismo y la sociología del desarrollo: tendencias emergentes y efectos inesperados”. Perfiles Latinoamericanos, n. 13, p. 9-53, 1999.PRINCE, R. “Policy transfer, consultants and the geographies of governance”. Progress in Human Geography, 36(2), p. 188–203, 2012. REYES GARMENDIA, E.; SOTO,L; LÓPEZ ORTIZ, H., “México: federalismo ver-sus decentralización”. Política y Cultura, 19, 3, p. 27-43, 2003.RODRIGUEZ-POSE, A.y GILL, N., “The global trend toward devolution and its im-plications”. Environment and Planning C: Government and Policy 21, p. 333-351, 2003.SABEL, C. “Flexible Specialization and the Re-emergence of Regional Economies”, en HIRST, P.; ZEITLIN, J. (Eds.), Reversing Industrial Decline: Industrial Structure and Policy in Britain and Her Competitors.Oxford: Berg, 1989. p.17-70.SASSEN, S. La ciudad global: New York, London, Tokio, Eudeba, Buenos Aires. 1999. 458p.SCOTT, A. y STORPER, M. “Regions, Globalization, Development”. Regional Studies, 37(6&7), p. 579-593, 2003.

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SHONFIELD, A. In defense of the mixed economy. Oxford University Press, 1994. 231p.SIMMONS, B; DOBBIN, F; GARRETT, G. (Eds), The global diffusion of markets and democracy. New York: Cambridge University Press, 2008. 384p.SKOCPOL, T. “Review: Wallerstein’s World Capitalist System: A Theoretical and Histo-rical Critique”. American Journal of Sociology, Vol. 82, No. 5, p. 1075-1090, 1977.STONE D. “Transfer agents and global networks in the ‘transnationalization’ of policy”. Journal of European Public Policy, 11, p. 545–566, 2004.TOYE, J. Dilemmas of development. Reflection on the counter-revolution in development theory and police. Basil Blackwell, 1987, p.177.UNCTAD. “The world’s top 100 non-financial TNCs, ranked by foreign assets”. Eras-mus University database, 2008.UNRISD – United Nations Research Institute for Social Development. States of Disa-rray: The social effects of Globalization, Geneva, 1995.VÁZQUEZ-BARQUERO, A. “Desarrollo endógeno y globalización”. Revista Eure, 26 (79), p. 47-65, 2000.VIANA, L. y FONSECA, F. “Impactos sociais e econômicos da atuação do Banco Inte-ramericano de Desenvolvimento nas políticas públicas”. In: Cadernos do Desenvolvimento, Río de Janeiro, 6 (9), p. 199-213, 2011.WADE, R. Governing the market. Economic Theory and the role of government in East Asian industrialization, Princeton and Oxford: Princeton University Press, 1992. 439p.WEISS, L. “Gobernanza global, estrategias nacionales: Cómo los Estados hacen espacio para el desenvolverse bajo la OMC”. Revista DAAGE. Año 3. n. 4. Santa Fe. República Argentina, p. 7-40, 2003.

a b s t R a c t Positioned on the periphery – and with an emphasis on the Latin American context – the article explores the functional and spatial reconfiguration of the state and the regional dynamics related to it. It is argued that the transition from a welfarist matrix to workfarist forms of state intervention and the reconfiguration of regional dynamics presents the risk of becoming a reformulation of the neo-liberal project, articulated and strengthened through economic networks and global policies that produce particular effects on the periphery. It explains how the hegemonic discourses and practices generated through these networks are functional to a subordinated integration to the interests of transnational actors that control them. Alternatively, it discusses the necessity of a strategic counter-hegemonic discursive construction that should focus on the capacity to articulate the regional dynamics of the state.

k e y W o R d s State; region; workfare; periphery; economic networks; policy ne-tworks.

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ESPACIALIZANDO O DESENVOLVIMENTISMO

ImagInárIo, Escalas E rEgulação

m a r c o s B a r c E l l o s d E s o u z a

r E s u m o O recente debate sobre um possível retorno do “Desenvolvimentismo” ao Brasil traz à tona diversas questões que têm sido acompanhadas de polêmicos debates, sobre-tudo no campo da macroeconomia e das políticas sociais. Acreditamos tratar-se de excelente oportunidade para se (re)pensar as bases espaciais do desenvolvimentismo, pois estas fornecerão subsídios fundamentais para entender as opções e estratégias em tela. O presente artigo visa apontar algumas lacunas na construção do imaginário espacial desenvolvimentista e sugerir elementos metodológicos e conceituais para a compreensão dos processos espaciais na vigência de um “novo” desenvolvimentismo. Neste sentido, defendemos uma preocupação com o rees-calonamento espacial do Estado e propomos a articulação da Abordagem da Regulação com uma interpretação de inspiração neo-gramsciana. Para ilustrar este argumento, aplicamos estes conceitos numa releitura da “questão regional” no Brasil.

P a l a v r a s - c h a v E Estado; desenvolvimentismo; nacionalismo metodo-lógico; reescalonamento; abordagem da regulação; hegemonia.

INTRODUÇÃO

O recente debate sobre um possível retorno do “Desenvolvimentismo” ao Brasil traz à tona diversas questões: como seria este novo modelo? Em que medida ele conserva práticas antigas ou se metamorfoseia em estratégia significativamente distinta? Seria o “novo desenvolvimentismo” uma oposição nítida ao neoliberalismo, sendo seu aparente sucesso recente prova inequívoca de vitória sobre o “modelo” rival? Essa discussão tem sido acompanhada de polêmicos debates, sobretudo no campo da macroeconomia e das políticas sociais. Acreditamos tratar-se de excelente oportunidade para se (re)pensar as bases espaciais do desenvolvimentismo, pois estas fornecerão subsídios fundamentais para responder às perguntas feitas acima. Neste sentido, para entender os complexos efeitos de “conservação-dissolução” (Jessop, 2008) que estão em conflito, torna-se necessário revisitar alguns elementos do imaginário espacial desenvolvimentista que, por motivos ideológicos ou metodológicos, permaneciam em larga medida encobertos.

As abordagens desenvolvimentistas são geralmente centradas no Estado, o que im-plica que lidam com um imaginário espacial específico e com uma concepção particular sobre as relações entre Estado, sociedade e economia. Nas abordagens centradas no Es-tado, a ênfase jaz nas intenções dos funcionários públicos, sendo que o Estado se torna “uma esfera pública de programas, planos e ideias” (Mitchell, 1991, p. 82) definidos em prol de um interesse nacional, o que ressalta seu aspecto subjetivo e sua nítida separação da sociedade e dos conflitos que cruzam o Estado. Essas abordagens também costumam enfatizar uma separação institucional rígida entre Estado e economia, tratando ambos co-

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ESPACIALIZANDO O DESENVOLVIMENTISMO

ImagInárIo, Escalas E rEgulação

m a r c o s B a r c E l l o s d E s o u z a

r E s u m o O recente debate sobre um possível retorno do “Desenvolvimentismo” ao Brasil traz à tona diversas questões que têm sido acompanhadas de polêmicos debates, sobre-tudo no campo da macroeconomia e das políticas sociais. Acreditamos tratar-se de excelente oportunidade para se (re)pensar as bases espaciais do desenvolvimentismo, pois estas fornecerão subsídios fundamentais para entender as opções e estratégias em tela. O presente artigo visa apontar algumas lacunas na construção do imaginário espacial desenvolvimentista e sugerir elementos metodológicos e conceituais para a compreensão dos processos espaciais na vigência de um “novo” desenvolvimentismo. Neste sentido, defendemos uma preocupação com o rees-calonamento espacial do Estado e propomos a articulação da Abordagem da Regulação com uma interpretação de inspiração neo-gramsciana. Para ilustrar este argumento, aplicamos estes conceitos numa releitura da “questão regional” no Brasil.

P a l a v r a s - c h a v E Estado; desenvolvimentismo; nacionalismo metodo-lógico; reescalonamento; abordagem da regulação; hegemonia.

INTRODUÇÃO

O recente debate sobre um possível retorno do “Desenvolvimentismo” ao Brasil traz à tona diversas questões: como seria este novo modelo? Em que medida ele conserva práticas antigas ou se metamorfoseia em estratégia significativamente distinta? Seria o “novo desenvolvimentismo” uma oposição nítida ao neoliberalismo, sendo seu aparente sucesso recente prova inequívoca de vitória sobre o “modelo” rival? Essa discussão tem sido acompanhada de polêmicos debates, sobretudo no campo da macroeconomia e das políticas sociais. Acreditamos tratar-se de excelente oportunidade para se (re)pensar as bases espaciais do desenvolvimentismo, pois estas fornecerão subsídios fundamentais para responder às perguntas feitas acima. Neste sentido, para entender os complexos efeitos de “conservação-dissolução” (Jessop, 2008) que estão em conflito, torna-se necessário revisitar alguns elementos do imaginário espacial desenvolvimentista que, por motivos ideológicos ou metodológicos, permaneciam em larga medida encobertos.

As abordagens desenvolvimentistas são geralmente centradas no Estado, o que im-plica que lidam com um imaginário espacial específico e com uma concepção particular sobre as relações entre Estado, sociedade e economia. Nas abordagens centradas no Es-tado, a ênfase jaz nas intenções dos funcionários públicos, sendo que o Estado se torna “uma esfera pública de programas, planos e ideias” (Mitchell, 1991, p. 82) definidos em prol de um interesse nacional, o que ressalta seu aspecto subjetivo e sua nítida separação da sociedade e dos conflitos que cruzam o Estado. Essas abordagens também costumam enfatizar uma separação institucional rígida entre Estado e economia, tratando ambos co-

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mo instituições antitéticas e dando pouca relevância a outros mecanismos de governança, instituições e formas extra-econômicas. No desenvolvimentismo cepalino as instituições, assim como as variáveis políticas, estão presentes em certas circunstâncias, mas como variáveis exógenas. Embora o método estruturalista latino-americano dê especial destaque aos parâmetros extra-econômicos, as instituições são justamente a “cola” que liga estes às variáveis econômicas. Ao não problematizá-las, pode-se comprometer o entendimento dos diversos encaixes estruturais entre Estado, sociedade e mercado.

As abordagens centradas no Estado são vítimas de um “estatismo imerso”, que acaba contendo e subordinando os estudos de outras escalas espaciais a um arcabouço nacional (Taylor, 1996). Além disso, há uma tendência a privilegiar uma noção centralizada e hie-rarquizada do Estado que planeja e executa suas políticas de forma top down. A territoriali-dade do Estado tende a ser reduzida a um receptáculo que “suga” para dentro de si relações sociais e através do qual seu poder soberano é exercido. Ainda que este recipiente continue representando uma fonte privilegiada de poder do Estado, é importante reconhecer que apresenta alguns vazamentos, de ordem política, econômica (principalmente), cultural e social, e que as formas e escalas territoriais do Estado são contingentes (Taylor, 1994). A globalização significou uma oportunidade e uma necessidade para que as ciências sociais repensassem suas bases espaciais, e o caminho mais promissor consiste em investir num pensamento transdisciplinar que reconheça os novos mosaicos, escalas e redes (Taylor, 1996) e que questione o imaginário espacial centrado no Estado nacional. Questionar, neste, caso não significa sua negação, mas uma abertura para se pensar em como as ar-ticulações das dimensões sócio-espaciais e o poder do Estado não estão necessariamente contidas num receptáculo nacional.

Uma abordagem centrada na sociedade é mais sensível aos conflitos sociais que atravessam o Estado e ao estabelecimento de relações com a sociedade civil e a economia, sendo mais favorável à formulação de uma “imaginação geográfica estendida” (Doucette, 2007). Nestes casos, sua perspectiva globalizante permite uma reflexão sobre como grupos sociais e agentes relevantes são atraídos para o campo de força do Estado, que se mantém atuante sob a norma da hegemonia. Neste sentido, há elementos para entender a incor-poração de novas forças e a redefinição qualitativa, no processo econômico e político, de atores já incorporados e das relações entre eles. Em geral, as abordagens centradas no Estado concentram-se nos seus procedimentos regulamentares,1 enquanto as abordagens centradas na sociedade lidam com seus aspectos regulatórios, entendidos no sentido da reprodução do Estado e seu papel na reprodução das relações econômicas e sociais que o cruzam (Jessop e Sum, 2006). São estes aspectos que uma abordagem espacializada crítica deve priorizar.

Este artigo, além desta introdução, esta organizado da seguinte maneira. Na seção 2, será dado destaque à literatura sobre reescalonamento espacial do Estado, um tema pouco estudado no que diz respeito ao desenvolvimentismo. Na seção 3, procuramos mostrar como algumas relações espaciais foram ofuscadas pela “teoria do Estado Desenvolvimen-tista” e seu imaginário espacial (territorial e escalar) correspondente, e indicar que a globa-lização e o neoliberalismo romperam e modificaram padrões existentes. Para ilustrar estes argumentos, examinaremos na seção 4 alguns aspectos da construção territorial do Estado Desenvolvimentista, enquanto na seção 5 discutiremos sua construção escalar, com ênfase na “questão regional” brasileira e apresentando aportes teóricos que serão importantes para a reflexão sobre um “novo desenvolvimentismo”.

1 A ênfase é nas regras, leis, procedimentos e instituições elaborados no plano jurídico--político ou econômico e su-as correspondentes práticas administrativas. Esta aborda-gem se propõe a orientar a implementação de políticas públicas a partir do Estado (ver Clark, 1992).

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ESCALAS ESPACIAIS E TERRITóRIO

Não é nosso objetivo fazer uma revisão do amplo debate sobre escalas espaciais, já realizada por Marston et al. (2005) e Gonzalez (2005), entre outros. Assim, partindo sim-plesmente das escalas como “organizadores geogáficos da vida social” ou “mapas mentais do mundo” (Gonzalez, 2005), pretendemos apenas destacar os principais elementos para uma análise do reescalonamento espacial do Estado e sua aplicação ao caso brasileiro. A nosso ver, as principais contribuições sobre escalas espaciais estão resumidas em Peck (2002), Brenner (2009a) e Jessop (2009), e são reproduzidas no quadro abaixo. Estes pon-tos são cruciais para pensar processos de reescalonamento, entendidos como mudanças nas relações e configurações escalares.

Quadro 1 – Elementos do Reescalonamento

Natureza Método na Análise do Reescalonamento

Construção social Mosaicos e não pirâmides

Relações de poderOrganização vertical; hierarquias; políticas de escalas; escalas dominantes e escalas nodais

RelacionalRealismo crítico; configuração escalar, relações interes-calares

ProcessualMetodologia processual, análise qualitativa: não são jogos de soma zero; path dependency

Imersão em geografias polimorfasArcabouço TPNS (território, lugar, rede, escala); coorde-nação estratégica

Com base nestes elementos, podemos abordar alguns pontos críticos. O primeiro

consiste na necessidade de evitar pensar nas escalas como unidades de análise e ação e focar na sua natureza relacional e processual.2 Em outras palavras, o foco analítico deve ser o entendimento dos processos de reescalonamento, ao invés das escalas em si (Brenner, 2009a). Isto nos leva a outra questão: as relações entre escalas e o problema sob análise. Neste caso, pensamos que deve-se evitar a noção de que cada problema tem sua escala espacial específica e reconhecer que ele é a aglutinação de práticas sociais e regulatórias que ocorrem em várias escalas, sendo que às vezes o problema atravessa as escalas ou consiste na própria relação entre elas. Assim, é possível afirmar que as determinações e manifestações de dado fenômeno ocorrem simultaneamente ou a partir de uma sequência cronológica de práticas em várias escalas, e não em uma escala específica. Cada processo social ou forma institucional pode estar relacionado com diferentes padrões de articulação escalar, configurando um mosaico de articulações.

Ao invés de uma visão compartimentada das múltiplas escalas e buscar “a escala ade-quada”, é necessário pensar sobre como elas se (re)definem em função de determinado(s) processo(s) e, ao fazê-lo, podem mudar a própria natureza do problema. O reconheci-mento da dimensão escalar das práticas (Mansfield, 2005) ilustra como escalas devem ser tratadas como processos e não como objetos, admitindo maior grau de complexidade. Isto não deve implicar, entretanto, abandonar preocupações com padrões de reescalonamento ou periodização. Na verdade, o que importa é manter “distinções claras e reflexivas” sobre os níveis de análise empregados durante os movimentos do abstrato para o concreto e do

2 Ao invés do aparente feti-che por escalas em alguns debates recentes, preferi-mos o “fetiche por proces-sos”, como defende Jamie Peck (2003).

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mo instituições antitéticas e dando pouca relevância a outros mecanismos de governança, instituições e formas extra-econômicas. No desenvolvimentismo cepalino as instituições, assim como as variáveis políticas, estão presentes em certas circunstâncias, mas como variáveis exógenas. Embora o método estruturalista latino-americano dê especial destaque aos parâmetros extra-econômicos, as instituições são justamente a “cola” que liga estes às variáveis econômicas. Ao não problematizá-las, pode-se comprometer o entendimento dos diversos encaixes estruturais entre Estado, sociedade e mercado.

As abordagens centradas no Estado são vítimas de um “estatismo imerso”, que acaba contendo e subordinando os estudos de outras escalas espaciais a um arcabouço nacional (Taylor, 1996). Além disso, há uma tendência a privilegiar uma noção centralizada e hie-rarquizada do Estado que planeja e executa suas políticas de forma top down. A territoriali-dade do Estado tende a ser reduzida a um receptáculo que “suga” para dentro de si relações sociais e através do qual seu poder soberano é exercido. Ainda que este recipiente continue representando uma fonte privilegiada de poder do Estado, é importante reconhecer que apresenta alguns vazamentos, de ordem política, econômica (principalmente), cultural e social, e que as formas e escalas territoriais do Estado são contingentes (Taylor, 1994). A globalização significou uma oportunidade e uma necessidade para que as ciências sociais repensassem suas bases espaciais, e o caminho mais promissor consiste em investir num pensamento transdisciplinar que reconheça os novos mosaicos, escalas e redes (Taylor, 1996) e que questione o imaginário espacial centrado no Estado nacional. Questionar, neste, caso não significa sua negação, mas uma abertura para se pensar em como as ar-ticulações das dimensões sócio-espaciais e o poder do Estado não estão necessariamente contidas num receptáculo nacional.

Uma abordagem centrada na sociedade é mais sensível aos conflitos sociais que atravessam o Estado e ao estabelecimento de relações com a sociedade civil e a economia, sendo mais favorável à formulação de uma “imaginação geográfica estendida” (Doucette, 2007). Nestes casos, sua perspectiva globalizante permite uma reflexão sobre como grupos sociais e agentes relevantes são atraídos para o campo de força do Estado, que se mantém atuante sob a norma da hegemonia. Neste sentido, há elementos para entender a incor-poração de novas forças e a redefinição qualitativa, no processo econômico e político, de atores já incorporados e das relações entre eles. Em geral, as abordagens centradas no Estado concentram-se nos seus procedimentos regulamentares,1 enquanto as abordagens centradas na sociedade lidam com seus aspectos regulatórios, entendidos no sentido da reprodução do Estado e seu papel na reprodução das relações econômicas e sociais que o cruzam (Jessop e Sum, 2006). São estes aspectos que uma abordagem espacializada crítica deve priorizar.

Este artigo, além desta introdução, esta organizado da seguinte maneira. Na seção 2, será dado destaque à literatura sobre reescalonamento espacial do Estado, um tema pouco estudado no que diz respeito ao desenvolvimentismo. Na seção 3, procuramos mostrar como algumas relações espaciais foram ofuscadas pela “teoria do Estado Desenvolvimen-tista” e seu imaginário espacial (territorial e escalar) correspondente, e indicar que a globa-lização e o neoliberalismo romperam e modificaram padrões existentes. Para ilustrar estes argumentos, examinaremos na seção 4 alguns aspectos da construção territorial do Estado Desenvolvimentista, enquanto na seção 5 discutiremos sua construção escalar, com ênfase na “questão regional” brasileira e apresentando aportes teóricos que serão importantes para a reflexão sobre um “novo desenvolvimentismo”.

1 A ênfase é nas regras, leis, procedimentos e instituições elaborados no plano jurídico--político ou econômico e su-as correspondentes práticas administrativas. Esta aborda-gem se propõe a orientar a implementação de políticas públicas a partir do Estado (ver Clark, 1992).

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ESCALAS ESPACIAIS E TERRITóRIO

Não é nosso objetivo fazer uma revisão do amplo debate sobre escalas espaciais, já realizada por Marston et al. (2005) e Gonzalez (2005), entre outros. Assim, partindo sim-plesmente das escalas como “organizadores geogáficos da vida social” ou “mapas mentais do mundo” (Gonzalez, 2005), pretendemos apenas destacar os principais elementos para uma análise do reescalonamento espacial do Estado e sua aplicação ao caso brasileiro. A nosso ver, as principais contribuições sobre escalas espaciais estão resumidas em Peck (2002), Brenner (2009a) e Jessop (2009), e são reproduzidas no quadro abaixo. Estes pon-tos são cruciais para pensar processos de reescalonamento, entendidos como mudanças nas relações e configurações escalares.

Quadro 1 – Elementos do Reescalonamento

Natureza Método na Análise do Reescalonamento

Construção social Mosaicos e não pirâmides

Relações de poderOrganização vertical; hierarquias; políticas de escalas; escalas dominantes e escalas nodais

RelacionalRealismo crítico; configuração escalar, relações interes-calares

ProcessualMetodologia processual, análise qualitativa: não são jogos de soma zero; path dependency

Imersão em geografias polimorfasArcabouço TPNS (território, lugar, rede, escala); coorde-nação estratégica

Com base nestes elementos, podemos abordar alguns pontos críticos. O primeiro

consiste na necessidade de evitar pensar nas escalas como unidades de análise e ação e focar na sua natureza relacional e processual.2 Em outras palavras, o foco analítico deve ser o entendimento dos processos de reescalonamento, ao invés das escalas em si (Brenner, 2009a). Isto nos leva a outra questão: as relações entre escalas e o problema sob análise. Neste caso, pensamos que deve-se evitar a noção de que cada problema tem sua escala espacial específica e reconhecer que ele é a aglutinação de práticas sociais e regulatórias que ocorrem em várias escalas, sendo que às vezes o problema atravessa as escalas ou consiste na própria relação entre elas. Assim, é possível afirmar que as determinações e manifestações de dado fenômeno ocorrem simultaneamente ou a partir de uma sequência cronológica de práticas em várias escalas, e não em uma escala específica. Cada processo social ou forma institucional pode estar relacionado com diferentes padrões de articulação escalar, configurando um mosaico de articulações.

Ao invés de uma visão compartimentada das múltiplas escalas e buscar “a escala ade-quada”, é necessário pensar sobre como elas se (re)definem em função de determinado(s) processo(s) e, ao fazê-lo, podem mudar a própria natureza do problema. O reconheci-mento da dimensão escalar das práticas (Mansfield, 2005) ilustra como escalas devem ser tratadas como processos e não como objetos, admitindo maior grau de complexidade. Isto não deve implicar, entretanto, abandonar preocupações com padrões de reescalonamento ou periodização. Na verdade, o que importa é manter “distinções claras e reflexivas” sobre os níveis de análise empregados durante os movimentos do abstrato para o concreto e do

2 Ao invés do aparente feti-che por escalas em alguns debates recentes, preferi-mos o “fetiche por proces-sos”, como defende Jamie Peck (2003).

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simples para o complexo – e de volta (Brenner, 2009c). A busca por “níveis” intermediá-rios não pode, entretanto, deixar de reconhecer a complexidade, contingência e emergên-cia em processos sociais diversos, conforme ensina o realismo crítico.

Desta forma, mesmo que as escalas sejam reconhecidas como processos emergentes e divergentes, que

envolvem uma miríade de fenômenos escalares que podem ser convergentes/ divergentes, compatíveis ou mutuamente exclusivos, complementares/contraditórios, etc (...) Ainda assim, a existência de múltiplos processos de escalonamento e ordens escalares abre um im-portante campo de investigação para o escalonamento, reescalonamento e descalonamento, os fatores que condicionam, possibilitam e geram estes processos, e os efeitos destes processos em diferentes conjunturas (Jessop, 2009, p. 95).

Isto reforça o papel dos ajustes escalares como parte de um ajuste espaço-temporal mais amplo, a ocorrência de escalas dominantes, a importância de seletividades escalares estruturalmente inscritas e a identificação das escalas (relativamente poucas) que são efe-tivamente institucionalizadas, o que dependerá das narrativas escalares e tecnologias de poder empregadas (Jessop, 2009).

Outra questão que resulta fundamental é o problema da variedade dos reescalona-mentos no tempo e no espaço. Reescalonamentos não são lineares ou mecânicos. Não ocorrem exclusivamente de forma top down e, embora os regimes de regras que têm importância ao animar reescalonamentos geralmente permaneçam numa escala superior (Peck, 2002), estes não ocorrem de forma unilateral e idêntica a partir da globalização. Pelo contrário, os reescalonamentos ajudam a constituir a própria globalização (Mans-field, 2005).

No que diz respeito à hipótese da difusão de um padrão de reescalonamento do “cen-tro”3 para outros países, é preciso reconhecer que a escala nacional pode desempenhar im-portante papel como mediadora institucional, coordenadora e, às vezes, promotora destes processos. Deve-se admitir também que os reescalonamentos não reproduzem de forma mecânica processos sincrônicos, emanados a partir deste “centro” (Egler, 1992). Ocorrem também processos assincrônicos, decorrentes do acúmulo diferenciado de técnicas produ-tivas, políticas e organizacionais. Outros reescalonamentos podem até ser limitados, ou bloqueados. Desta forma, uma configuração escalar é também “um acúmulo desigual de tempo” (Santos, 1976, p.21).

É sob esta lente que devemos tentar entender as potencialidades e restrições da aplicação do referencial teórico sobre reescalonamento do Estado, de nítido viés euro-cêntrico, para o caso periférico e, mais concretamente, brasileiro. Parece implícito em parte da literatura certo roteiro no qual diante da crise do fordismo e aprofundamento da globalização, o Estado nacional transfere poderes para escalas supranacionais (uE, Nafta, agências multilaterais) e subnacionais (Regiões Metropolitanas, cidades-globais, cidades--região etc.) acompanhados de processos de descentralização e criação de novas agências regionais. Neste “roteiro”, costuma-se presumir que a escala nacional torna-se reduzida, “oca” (hollowed out) ou residual, quando na verdade os problemas de coordenação estraté-gica e a internacionalização do Estado podem exigir substanciais desafios e transformação qualitativa. Esta renovada importância do Estado nacional supõe que o reescalonamento não implica num jogo de soma zero entre a escala nacional e outras escalas e deve implicar na superação da noção do Estado nacional como um receptáculo.

3 Consideramos “centro” – neste caso, em uma escala global –, como “o lugar onde se concentram as variáveis mais ‘modernas’” (Santos, 1976, p. 19).

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Com base nestes argumentos, pode-se afirmar que processos de reescalonamento do Estado não seguem roteiros pré-estabelecidos, não são unidirecionais, e que as pressões não vêm de um “centro” global, ou, ao menos, não apenas deste. Ademais, é impossível entender seu reescalonamento isoladamente no sentido downscaling. Estas pressões, no período recente, devem ser entendidas como consequência de projetos multiescalares de neoliberalização e respondem às lógicas de imposição, experimentação, hibridização, transferência e aprendizado, que produzem um neoliberalismo espacialmente variegado (Brenner et al., 2010). É necessário, neste caso, identificar e diferenciar os processos de reescalonamento do Estado em relação a outros reescalonamentos.

De forma semelhante ao que ocorreu com as escalas espaciais, o território também tem sido alvo de intensos debates sobre sua relação com a espacialidade do Estado, com novas formas de regionalismo e sobre as condições de sua relevância ante o paradigma topológico das redes. No que tange ao primeiro caso, é necessário ir além da “armadi-lha territorial” implícita na noção da territorialidade do Estado restrita à soberania e ao receptáculo nacional estático. O território deve ser entendido como algo em progresso, permeado por tensões e contradições – assim como o próprio Estado. Como bem define Joe Painter, “o território é necessariamente poroso, histórico, variante, desigual e perecível” (2010; p.1094). É importante ter em mente que apesar dos esforços do Estado em deli-mitar e moldar os territórios para sustentar seu poder, “[o] território nunca está completo, mas sempre se tornando. É também uma promessa que o Estado não pode cumprir” (idem).

Na próxima seção, analisaremos como o imaginário espacial desenvolvimentista fornece um arcabouço para entender transformações nas escalas espaciais e no território. Entendemos “o conceito de ‘desenvolvimentismo’, como a ideologia de superação do subdesenvolvimento através de uma industrialização capitalista, planejada e apoiada pelo Estado(...)”, fundado em quatro elementos ideológicos fundamentais: i) a consciência da necessidade e viabilidade da implementação de um sistema industrial integrado no país; ii) a necessidade de instituir mecanismos de centralização de recursos financeiros capazes de viabilizar a acumulação industrial pretendida; iii) a idéia de planejamento estatal e intervenção governamental em apoio à iniciativa privada; e iv) a nova dimensão tomada pelo nacionalismo econômico, até então pouco expressivo (Bielschowski, 2004, p.250-2). Estes elementos se articulam num projeto hegemônico que envolve a mobilização ampla de apoio a um programa de ação que defende o interesse geral e favorece os interesses de longo prazo da fração de capital hegemônica (Jessop, 1983).

IMAgINáRIO ESPACIAL DESENVOLVIMENTISTA

nacIonalIsmo EconômIco E Escala nacIonal

O nacionalismo econômico é um dos pilares do desenvolvimentismo. Embora esta noção tenha surgido da necessidade de preservar a exploração de recursos naturais domés-ticos do domínio estrangeiro, culminou na proposição de um modelo auto-sustentado de desenvolvimento que deveria completar as etapas de industrialização por substituição de importações, de modo a se libertar das restrições externas ao crescimento e da conse-quente vulnerabilidade. Com efeito, os defensores do nacionalismo no IsEB4 e na cEPal defendiam uma revolução nacional como complemento da revolução capitalista na peri-feria. Dessa forma, elaborou-se um projeto de nação que visava uma solidariedade entre

4 Instituto Superior de Es-tudos Brasileiros, grupo de intelectuais conhecidos por debater e divulgar idéias nacionalistas e industrializan-tes. Convém mencionar que o tipo de nacionalismo su-gerido não era radical, mas algo semelhante ao adotado pelas potências estrangeiras em etapas do seu desenvol-vimento.

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simples para o complexo – e de volta (Brenner, 2009c). A busca por “níveis” intermediá-rios não pode, entretanto, deixar de reconhecer a complexidade, contingência e emergên-cia em processos sociais diversos, conforme ensina o realismo crítico.

Desta forma, mesmo que as escalas sejam reconhecidas como processos emergentes e divergentes, que

envolvem uma miríade de fenômenos escalares que podem ser convergentes/ divergentes, compatíveis ou mutuamente exclusivos, complementares/contraditórios, etc (...) Ainda assim, a existência de múltiplos processos de escalonamento e ordens escalares abre um im-portante campo de investigação para o escalonamento, reescalonamento e descalonamento, os fatores que condicionam, possibilitam e geram estes processos, e os efeitos destes processos em diferentes conjunturas (Jessop, 2009, p. 95).

Isto reforça o papel dos ajustes escalares como parte de um ajuste espaço-temporal mais amplo, a ocorrência de escalas dominantes, a importância de seletividades escalares estruturalmente inscritas e a identificação das escalas (relativamente poucas) que são efe-tivamente institucionalizadas, o que dependerá das narrativas escalares e tecnologias de poder empregadas (Jessop, 2009).

Outra questão que resulta fundamental é o problema da variedade dos reescalona-mentos no tempo e no espaço. Reescalonamentos não são lineares ou mecânicos. Não ocorrem exclusivamente de forma top down e, embora os regimes de regras que têm importância ao animar reescalonamentos geralmente permaneçam numa escala superior (Peck, 2002), estes não ocorrem de forma unilateral e idêntica a partir da globalização. Pelo contrário, os reescalonamentos ajudam a constituir a própria globalização (Mans-field, 2005).

No que diz respeito à hipótese da difusão de um padrão de reescalonamento do “cen-tro”3 para outros países, é preciso reconhecer que a escala nacional pode desempenhar im-portante papel como mediadora institucional, coordenadora e, às vezes, promotora destes processos. Deve-se admitir também que os reescalonamentos não reproduzem de forma mecânica processos sincrônicos, emanados a partir deste “centro” (Egler, 1992). Ocorrem também processos assincrônicos, decorrentes do acúmulo diferenciado de técnicas produ-tivas, políticas e organizacionais. Outros reescalonamentos podem até ser limitados, ou bloqueados. Desta forma, uma configuração escalar é também “um acúmulo desigual de tempo” (Santos, 1976, p.21).

É sob esta lente que devemos tentar entender as potencialidades e restrições da aplicação do referencial teórico sobre reescalonamento do Estado, de nítido viés euro-cêntrico, para o caso periférico e, mais concretamente, brasileiro. Parece implícito em parte da literatura certo roteiro no qual diante da crise do fordismo e aprofundamento da globalização, o Estado nacional transfere poderes para escalas supranacionais (uE, Nafta, agências multilaterais) e subnacionais (Regiões Metropolitanas, cidades-globais, cidades--região etc.) acompanhados de processos de descentralização e criação de novas agências regionais. Neste “roteiro”, costuma-se presumir que a escala nacional torna-se reduzida, “oca” (hollowed out) ou residual, quando na verdade os problemas de coordenação estraté-gica e a internacionalização do Estado podem exigir substanciais desafios e transformação qualitativa. Esta renovada importância do Estado nacional supõe que o reescalonamento não implica num jogo de soma zero entre a escala nacional e outras escalas e deve implicar na superação da noção do Estado nacional como um receptáculo.

3 Consideramos “centro” – neste caso, em uma escala global –, como “o lugar onde se concentram as variáveis mais ‘modernas’” (Santos, 1976, p. 19).

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Com base nestes argumentos, pode-se afirmar que processos de reescalonamento do Estado não seguem roteiros pré-estabelecidos, não são unidirecionais, e que as pressões não vêm de um “centro” global, ou, ao menos, não apenas deste. Ademais, é impossível entender seu reescalonamento isoladamente no sentido downscaling. Estas pressões, no período recente, devem ser entendidas como consequência de projetos multiescalares de neoliberalização e respondem às lógicas de imposição, experimentação, hibridização, transferência e aprendizado, que produzem um neoliberalismo espacialmente variegado (Brenner et al., 2010). É necessário, neste caso, identificar e diferenciar os processos de reescalonamento do Estado em relação a outros reescalonamentos.

De forma semelhante ao que ocorreu com as escalas espaciais, o território também tem sido alvo de intensos debates sobre sua relação com a espacialidade do Estado, com novas formas de regionalismo e sobre as condições de sua relevância ante o paradigma topológico das redes. No que tange ao primeiro caso, é necessário ir além da “armadi-lha territorial” implícita na noção da territorialidade do Estado restrita à soberania e ao receptáculo nacional estático. O território deve ser entendido como algo em progresso, permeado por tensões e contradições – assim como o próprio Estado. Como bem define Joe Painter, “o território é necessariamente poroso, histórico, variante, desigual e perecível” (2010; p.1094). É importante ter em mente que apesar dos esforços do Estado em deli-mitar e moldar os territórios para sustentar seu poder, “[o] território nunca está completo, mas sempre se tornando. É também uma promessa que o Estado não pode cumprir” (idem).

Na próxima seção, analisaremos como o imaginário espacial desenvolvimentista fornece um arcabouço para entender transformações nas escalas espaciais e no território. Entendemos “o conceito de ‘desenvolvimentismo’, como a ideologia de superação do subdesenvolvimento através de uma industrialização capitalista, planejada e apoiada pelo Estado(...)”, fundado em quatro elementos ideológicos fundamentais: i) a consciência da necessidade e viabilidade da implementação de um sistema industrial integrado no país; ii) a necessidade de instituir mecanismos de centralização de recursos financeiros capazes de viabilizar a acumulação industrial pretendida; iii) a idéia de planejamento estatal e intervenção governamental em apoio à iniciativa privada; e iv) a nova dimensão tomada pelo nacionalismo econômico, até então pouco expressivo (Bielschowski, 2004, p.250-2). Estes elementos se articulam num projeto hegemônico que envolve a mobilização ampla de apoio a um programa de ação que defende o interesse geral e favorece os interesses de longo prazo da fração de capital hegemônica (Jessop, 1983).

IMAgINáRIO ESPACIAL DESENVOLVIMENTISTA

nacIonalIsmo EconômIco E Escala nacIonal

O nacionalismo econômico é um dos pilares do desenvolvimentismo. Embora esta noção tenha surgido da necessidade de preservar a exploração de recursos naturais domés-ticos do domínio estrangeiro, culminou na proposição de um modelo auto-sustentado de desenvolvimento que deveria completar as etapas de industrialização por substituição de importações, de modo a se libertar das restrições externas ao crescimento e da conse-quente vulnerabilidade. Com efeito, os defensores do nacionalismo no IsEB4 e na cEPal defendiam uma revolução nacional como complemento da revolução capitalista na peri-feria. Dessa forma, elaborou-se um projeto de nação que visava uma solidariedade entre

4 Instituto Superior de Es-tudos Brasileiros, grupo de intelectuais conhecidos por debater e divulgar idéias nacionalistas e industrializan-tes. Convém mencionar que o tipo de nacionalismo su-gerido não era radical, mas algo semelhante ao adotado pelas potências estrangeiras em etapas do seu desenvol-vimento.

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as classes locais soldada em torno da competição com potências estrangeiras (IsEB); ou uma aliança liderada pela burguesia industrial local com vistas a transformação estrutural (cEPal) (Bresser Pereira, 2005). Ao associar tão intimamente o nacionalismo e o Estado como guardiões de um interesse comum manifesto num projeto de nação, estas interpre-tações omitem que qualquer definição de um bem geral, independente do que a retórica política possa sugerir,

são sempre ‘ilusórias’ na medida em que qualquer tentativa de defini-los ocorre num terreno estrategicamente seletivo e envolve a articulação diferencial e a agregação de interesses, opini-ões e valores(...). De fato, uma das tarefas-chave do Estado é ajudar na organização de ajustes espaço-temporais que facilitam o adiamento e o deslocamento de contradições, tendências de crises e conflitos para o benefício daqueles plenamente incluídos no ‘interesse geral’ à custa daqueles que estão mais ou menos excluídos (Jessop, 2008, p.11).

Para entender estas condições de adiamento/deslocamento das crises, o nacionalis-mo – e regimes políticos e ideologias que o sustentam como interesse geral – precisam ser estudados a partir de uma perspectiva multiescalar que vislumbre a ação do Estado nos processos de seletividade espacial e destruição criativa do espaço. Ademais, cabe lembrar que a ideologia nacionalista no Brasil eventualmente encobria relações antigas com o capi-tal estrangeiro e formas de internacionalização, como o alinhamento geopolítico como os Eua a partir de 1941; a adoção de uma estratégia de industrialização transnacionalizante e, a partir de 1970, uma precoce transnacionalização financeira5 (Fiori, 1995).

Um elemento fundamental para entender a espacialidade no desenvolvimentismo é reconhecer que as formas de nacionalismo devem mudar com o tempo. Cardoso (1993) explicita este ponto ao afirmar ser necessário redefinir o conceito de nacionalismo, para que este tenha alguma validade analítica durante o capitalismo associado. As bases eco-nômicas (empresa estatal e empresa privada) mudaram e a subordinação da economia nacional a formas mais modernas de dominação econômica exigiu a modernização do Estado. Para Bresser Pereira (2005), isto não deve significar a submissão permanente da burguesia nacional à estrangeira, mas que, dado o caráter “alienado e ambíguo” da burguesia nacional e as contradições entre interesses de países centrais e intermediários, situações históricas específicas afetarão as possibilidades de alianças e aproximações com grupos nacionalistas ou estrangeiros.

O que as interpretações discutidas sugerem é que a escala nacional não é fixa e, a partir de novos processos de competição e cooperação (em múltiplas escalas), ela se flexio-na, ou seja, sua própria natureza muda e não apenas as funções regulatórias distribuídas entre as escalas (Smith, 2008). Uma nova rodada de flexão da escala nacional, com efeitos sobre outras escalas geográficas, é observada na etapa posterior de globalização e desregu-lamentação dos mercados nos anos 1990. Qualquer novo nacionalismo deve, portanto, partir da não necessária contradição entre nacionalismo e internacionalismo. Não se trata de reconstruir a escala nacional nos moldes do nacional-desenvolvimentismo, porque esta escala se flexionou e as relações entre as escalas mudaram, mas provê-la de capacidade regulatória para promover uma articulação escalar – ainda que possivelmente conflituosa – mais adequada aos interesses estratégicos (desiguais) domésticos, segundo nova forma de ajuste espaço-temporal.

Outro elemento presente no imaginário espacial desenvolvimentista é o naciona-lismo metodológico, que assumiu feições próprias nas teorias que visavam explicar o

5 Conforme argumenta Hugo Radice (1984), a economia inglesa só foi realmente au-tossuficiente entre as déca-das de 1930 e 50. A partir de 50, sua internacionaliza-ção seria determinante, de modo que a noção keyne-siana de economia nacional autossuficiente se prolonga-ria apenas como um “mito”. Obviamente as formas de internacionalização diferem se comparadas com as ocorridas na economia bra-sileira. Porém, se tomarmos internacionalização produtiva e financeira como um con-ceito relacional, os efeitos sobre as economias perifé-ricas devem ser apreciados também.

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subdesenvolvimento. Segundo Medeiros (2010), o nacionalismo metodológico estaria presente em interpretações que explicavam e comparavam o desempenho entre países com base na dinâmica de seus fatores internos. Para este autor, o estruturalismo latino--americano seria uma vertente crítica ao nacionalismo metodológico pois “A abordagem centro-periferia recusava a limitar ou atribuir o sucesso ou fracasso do desenvolvimento às políticas e decisões definidas estritamente no espaço nacional” (p.639), sendo a autonomia nacional não um pressuposto, mas uma conquista do processo de desenvolvimento. No entanto, o sucesso obtido por alguns países na industrialização, na implementação de um setor doméstico de bens de capital e na internacionalização dos seus mercados internos nos anos 1970 teria levado à endogeneização dos determinantes de crescimento, conforme alegava a Escola de Campinas. Neste sentido, o nacionalismo metodológico seria válido até a crise dos anos 1980.

A limitação desta interpretação, entretanto, é que permanece refém dos seus próprios problemas conceituais. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o nacionalismo me-todológico constitui um “viéis” analítico em qualquer contexto. Este viéis, característico de abordagens centradas no Estado, consiste em dar uma primazia ontológica à escala nacional e privilegiar o que ocorre dentro das suas fronteiras vis a vis as relações entre pa-íses. São ignoradas as transformações destas fronteiras (externas ou internas), as mudanças na territorialidade e nas escalas espaciais do Estado, as relações do Estado nacional com outras escalas espaciais e as práticas sociais e políticas que atravessam estas fronteiras. Em suma, analisam relações sociais e espaciais sob um filtro nacional e tomam como garantido um momento histórico da dialética de territorialização/desterritorialização do capital e do espaço do Estado na escala nacional (Brenner, 2004).

o sIstEma cEntro-PErIfErIa

A concepção das relações centro-periferia representou grande contribuição analítica e política do pensamento da cEPal à Teoria do Subdesenvolvimento, como uma crítica à teoria das vantagens comparativas e como uma contribuição original à teoria do imperia-lismo. Além do seu mérito em expor uma relação de poder com concentração diferencial do excedente econômico nos planos externo e interno, tem a vantagem de tratar de um sistema aberto, no qual a relação entre seus integrantes muda com o tempo. No entanto, o sistema centro-periferia, ainda que mire uma escala global, não foge do nacionalismo metodológico, pois sua unidade principal de análise continua sendo os países (como territórios limitados nos quais Estados-nações exercem soberania) em seus esforços (dife-renciados) de desenvolvimento “para dentro”, ao invés de firmas, sistemas empresariais, grupos econômicos, indústrias, sistemas urbanos, circuitos de capital ou divisões espaciais do trabalho6 (Brenner, 2004).

A dicotomia explícita na noção centro-periferia também é passível de críticas, pois oculta diversos tipos de conectividade. A crítica mais comum diz respeito aos laços entre o capital internacional e as classes dominantes domésticas, tal qual argumentado pelas teorias da dependência. Pode-se estender a crítica a outros tipos de redes, como cadeias produtivas globais ou redes de políticas. Em termos de imaginário espacial, o dualismo pode induzir a um pensamento que engessa as relações de subordinação e omite as diversas formas de difusão de conhecimento, ideias e discursos que circulam em ambas as direções, sua hibridização contextual e diferentes posicionalidades de sujeitos e lugares, conforme aludiu a crítica pós-colonial. Enfatizar a hibridização e complexidade das relações entre

6 Neste raciocínio, nos vale-mos dos elementos aponta-dos por Brenner (2004) em sua crítica ao nacionalismo metodológico presente no Sistema Mundo de Immanuel Wallerstein.

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as classes locais soldada em torno da competição com potências estrangeiras (IsEB); ou uma aliança liderada pela burguesia industrial local com vistas a transformação estrutural (cEPal) (Bresser Pereira, 2005). Ao associar tão intimamente o nacionalismo e o Estado como guardiões de um interesse comum manifesto num projeto de nação, estas interpre-tações omitem que qualquer definição de um bem geral, independente do que a retórica política possa sugerir,

são sempre ‘ilusórias’ na medida em que qualquer tentativa de defini-los ocorre num terreno estrategicamente seletivo e envolve a articulação diferencial e a agregação de interesses, opini-ões e valores(...). De fato, uma das tarefas-chave do Estado é ajudar na organização de ajustes espaço-temporais que facilitam o adiamento e o deslocamento de contradições, tendências de crises e conflitos para o benefício daqueles plenamente incluídos no ‘interesse geral’ à custa daqueles que estão mais ou menos excluídos (Jessop, 2008, p.11).

Para entender estas condições de adiamento/deslocamento das crises, o nacionalis-mo – e regimes políticos e ideologias que o sustentam como interesse geral – precisam ser estudados a partir de uma perspectiva multiescalar que vislumbre a ação do Estado nos processos de seletividade espacial e destruição criativa do espaço. Ademais, cabe lembrar que a ideologia nacionalista no Brasil eventualmente encobria relações antigas com o capi-tal estrangeiro e formas de internacionalização, como o alinhamento geopolítico como os Eua a partir de 1941; a adoção de uma estratégia de industrialização transnacionalizante e, a partir de 1970, uma precoce transnacionalização financeira5 (Fiori, 1995).

Um elemento fundamental para entender a espacialidade no desenvolvimentismo é reconhecer que as formas de nacionalismo devem mudar com o tempo. Cardoso (1993) explicita este ponto ao afirmar ser necessário redefinir o conceito de nacionalismo, para que este tenha alguma validade analítica durante o capitalismo associado. As bases eco-nômicas (empresa estatal e empresa privada) mudaram e a subordinação da economia nacional a formas mais modernas de dominação econômica exigiu a modernização do Estado. Para Bresser Pereira (2005), isto não deve significar a submissão permanente da burguesia nacional à estrangeira, mas que, dado o caráter “alienado e ambíguo” da burguesia nacional e as contradições entre interesses de países centrais e intermediários, situações históricas específicas afetarão as possibilidades de alianças e aproximações com grupos nacionalistas ou estrangeiros.

O que as interpretações discutidas sugerem é que a escala nacional não é fixa e, a partir de novos processos de competição e cooperação (em múltiplas escalas), ela se flexio-na, ou seja, sua própria natureza muda e não apenas as funções regulatórias distribuídas entre as escalas (Smith, 2008). Uma nova rodada de flexão da escala nacional, com efeitos sobre outras escalas geográficas, é observada na etapa posterior de globalização e desregu-lamentação dos mercados nos anos 1990. Qualquer novo nacionalismo deve, portanto, partir da não necessária contradição entre nacionalismo e internacionalismo. Não se trata de reconstruir a escala nacional nos moldes do nacional-desenvolvimentismo, porque esta escala se flexionou e as relações entre as escalas mudaram, mas provê-la de capacidade regulatória para promover uma articulação escalar – ainda que possivelmente conflituosa – mais adequada aos interesses estratégicos (desiguais) domésticos, segundo nova forma de ajuste espaço-temporal.

Outro elemento presente no imaginário espacial desenvolvimentista é o naciona-lismo metodológico, que assumiu feições próprias nas teorias que visavam explicar o

5 Conforme argumenta Hugo Radice (1984), a economia inglesa só foi realmente au-tossuficiente entre as déca-das de 1930 e 50. A partir de 50, sua internacionaliza-ção seria determinante, de modo que a noção keyne-siana de economia nacional autossuficiente se prolonga-ria apenas como um “mito”. Obviamente as formas de internacionalização diferem se comparadas com as ocorridas na economia bra-sileira. Porém, se tomarmos internacionalização produtiva e financeira como um con-ceito relacional, os efeitos sobre as economias perifé-ricas devem ser apreciados também.

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subdesenvolvimento. Segundo Medeiros (2010), o nacionalismo metodológico estaria presente em interpretações que explicavam e comparavam o desempenho entre países com base na dinâmica de seus fatores internos. Para este autor, o estruturalismo latino--americano seria uma vertente crítica ao nacionalismo metodológico pois “A abordagem centro-periferia recusava a limitar ou atribuir o sucesso ou fracasso do desenvolvimento às políticas e decisões definidas estritamente no espaço nacional” (p.639), sendo a autonomia nacional não um pressuposto, mas uma conquista do processo de desenvolvimento. No entanto, o sucesso obtido por alguns países na industrialização, na implementação de um setor doméstico de bens de capital e na internacionalização dos seus mercados internos nos anos 1970 teria levado à endogeneização dos determinantes de crescimento, conforme alegava a Escola de Campinas. Neste sentido, o nacionalismo metodológico seria válido até a crise dos anos 1980.

A limitação desta interpretação, entretanto, é que permanece refém dos seus próprios problemas conceituais. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o nacionalismo me-todológico constitui um “viéis” analítico em qualquer contexto. Este viéis, característico de abordagens centradas no Estado, consiste em dar uma primazia ontológica à escala nacional e privilegiar o que ocorre dentro das suas fronteiras vis a vis as relações entre pa-íses. São ignoradas as transformações destas fronteiras (externas ou internas), as mudanças na territorialidade e nas escalas espaciais do Estado, as relações do Estado nacional com outras escalas espaciais e as práticas sociais e políticas que atravessam estas fronteiras. Em suma, analisam relações sociais e espaciais sob um filtro nacional e tomam como garantido um momento histórico da dialética de territorialização/desterritorialização do capital e do espaço do Estado na escala nacional (Brenner, 2004).

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A concepção das relações centro-periferia representou grande contribuição analítica e política do pensamento da cEPal à Teoria do Subdesenvolvimento, como uma crítica à teoria das vantagens comparativas e como uma contribuição original à teoria do imperia-lismo. Além do seu mérito em expor uma relação de poder com concentração diferencial do excedente econômico nos planos externo e interno, tem a vantagem de tratar de um sistema aberto, no qual a relação entre seus integrantes muda com o tempo. No entanto, o sistema centro-periferia, ainda que mire uma escala global, não foge do nacionalismo metodológico, pois sua unidade principal de análise continua sendo os países (como territórios limitados nos quais Estados-nações exercem soberania) em seus esforços (dife-renciados) de desenvolvimento “para dentro”, ao invés de firmas, sistemas empresariais, grupos econômicos, indústrias, sistemas urbanos, circuitos de capital ou divisões espaciais do trabalho6 (Brenner, 2004).

A dicotomia explícita na noção centro-periferia também é passível de críticas, pois oculta diversos tipos de conectividade. A crítica mais comum diz respeito aos laços entre o capital internacional e as classes dominantes domésticas, tal qual argumentado pelas teorias da dependência. Pode-se estender a crítica a outros tipos de redes, como cadeias produtivas globais ou redes de políticas. Em termos de imaginário espacial, o dualismo pode induzir a um pensamento que engessa as relações de subordinação e omite as diversas formas de difusão de conhecimento, ideias e discursos que circulam em ambas as direções, sua hibridização contextual e diferentes posicionalidades de sujeitos e lugares, conforme aludiu a crítica pós-colonial. Enfatizar a hibridização e complexidade das relações entre

6 Neste raciocínio, nos vale-mos dos elementos aponta-dos por Brenner (2004) em sua crítica ao nacionalismo metodológico presente no Sistema Mundo de Immanuel Wallerstein.

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forças externas e internas não significa, no entanto, renunciar a análise do impacto contí-nuo das assimetrias de poder (Slater, 1998).

A noção centro-periferia enquanto referencial analítico foi aplicada também – não necessariamente nos marcos da formulação cepalina original – para ilustrar a materia-lização de geografias de dominação presentes na sociedade capitalista. Cabe apontar a dificuldade em estabelecer relações do tipo centro-periferia em uma dada escala, quando numa abordagem multiescalar estas relações possivelmente se embaralham. Em outras palavras, considerando a “gestalt das escalas” (Smith, 2008, p.195), “o mesmo objeto pode parecer radicalmente diferente visto de diferentes posições escalares”, sendo o argumento válido em relação a centros e periferias. Esta indeterminação é maior durante processos de reescalonamento. Uma visão radical do sistema centro-periferia dificulta, assim, o enten-dimento da globalização como um fenômeno “multicêntrico, multiescalar, multitemporal, multiforme e multicausal” (Jessop e Sum, 2006) e das formas complexas de difusão do neoliberalismo.

cEntralIsmo

Como vimos, a centralização é um dos elementos ideológicos basilares do desenvol-vimentismo. Com efeito, uma ampla concentração de recursos e poder na escala nacional tornou-se condição necessária para os esforços de industrialização, planejamento e coor-denação empreendidos, dado o estágio anterior das forças produtivas e a fragmentação do aparelho institucional do Estado. Em parte, o centralismo pode ser explicado pelo caráter autoritário em algumas fases do pacto desenvolvimentista. Na República brasileira, esta associação entre federação centrífuga e democracia de um lado, e federação centrípeta e autoritarismo, de outro, tem sido comumente associada à metáfora das “sístoles e diásto-les”, ou ao movimento pendular do federalismo. Se a primeira metáfora se mostra inade-quada pois o “conteúdo sociológico de cada movimento tem sido sempre diverso” (Sallum Jr, 1996, p.28), a metáfora do pêndulo também é geograficamente imprópria pela ideia de repetição idêntica, quando na verdade o que se verifica é uma mudança qualitativa da escala nacional e/ou das escalas sub/supra nacionais, reconfigurando suas relações.

Com efeito, pode-se argumentar ainda que costumam ocorrer movimentos simultâ-neos de centralização e descentralização, de modo que faz-se necessária uma abordagem mais nuançada destes processos, que aborde suas dimensões política, econômica, social e espacial. Por exemplo, segundo Fiori (1995) o tipo de relações historicamente estabelecido entre o poder central e as oligarquias regionais impossibilitam falar de uma centralização efetiva do poder no Brasil. Cabe lembrar que mesmo durante fases mais acentuadas de centralização, a integração efetiva do aparato do Estado como arranjo institucional que persegue políticas relativamente coerentes é problemática, uma vez que suas diversas agên-cias e órgãos têm racionalidades governamentais e programas administrativos diferentes (Jessop, 2008).

As manifestações do imaginário espacial desenvolvimentista descrito acima refletem a forma peculiar como a noção do território como um receptáculo foi construída neste modelo. Com efeito, respondem a uma contribuição teórica original e a um momento his-tórico que postulava respostas a determinados problemas concretos. Não obstante, deve--se ter em conta que dado imaginário reflete também um reconhecimento politicamente mediado do contexto e, portanto, sujeito a distorções (Brenner, 2004).

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BREVES NOTAS SOBRE A CONSTRUÇÃO TERRITORIAL DO ESTADO BRASILEIRO: UM RECEPTáCULO PECULIAR

Como vimos, o receptáculo territorial (de poder, riqueza, cultural e social) constru-ído em torno do Estado-Nação constitui um meio historicamente fundamental pelo qual o Estado utiliza a territorialidade como fonte (estratégia) de poder. Peter Taylor (1994) discute como estes elementos interagem na formação dos Estados Modernos, seguindo determinados padrões e sequências, desde a crise do feudalismo até a globalização. No entanto, a análise do autor tem nítido viéis eurocêntrico e, como os estudos recentes sobre “estatalidade”, tem no Tratado de Westphalia seu marco institucional-analítico. Ademais, sua análise é pouco relacional, ignorando como a evolução da territorialidade colonial ajudou a transformar os Estados europeus. São necessárias, portanto, algumas mediações para se entender o processo de formação da territorialidade dos Estados periféricos, em particular do Estado brasileiro.

A princípio, deve-se reconhecer que não se verifica um atraso linear no preenchimen-to do receptáculo, mas sim uma sobreposição de sincronias e assincronias que resultam na particularidade das estratégias territoriais empregadas pelo Estado. O território colo-nial tem importância destacada na conformação dos receptáculos de poder e de riqueza dos Estados Modernos, através da divisão do mundo entre as potências marítimas e seu papel na manutenção do frágil equilíbrio de poder europeu; e da acumulação primitiva e exploração colonial durante o mercantilismo. Por outro lado, a ruptura com os processos coloniais no Novo Mundo decorre das revoluções nacionalistas européias, cujos elementos culturais e identitários foram incentivados e apropriados pelos Estados neste continente. Não obstante, seria um equívoco apontar uma causalidade unidirecional, assim como ignorar as transformações “de dentro” do território colonial e seu papel embrionário na consolidação de uma territorialidade estatal nacional. Conforme discutiremos a seguir, a forma como o Estado enquanto receptáculo territorial foi preenchido terá repercussões duradouras nas estratégias e projetos espaciais do Estado desenvolvimentista e fornece um substrato para seu imaginário espacial.

O desafio de colonizar um país com dimensões continentais implicou que o Estado português desde o início utilizasse estratégias político-administrativas diferentes das que aplicava ao seu território. Por exemplo, a instauração das capitanias hereditárias aliava a soberania metropolitana sobre o território com traços feudalizantes, reforçados pelo isolamento e autarquização. Não obstante a existência de relações de coação e controle, a tomada de consciência de interesses autóctones e autocentrados na colônia foi resultado de um longo processo, que levou cerca de duzentos anos e foi orientado pela ocupação de terras (“leit motiv da colonização”), pelo poder decorrente da propriedade destas e o consequente enraizamento das elites territoriais (Moraes, 1991) . Apesar disto, pode-se afirmar que o passo inicial decisivo para o preenchimento do receptáculo de poder na futura nação foi a vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1808. A partir deste mo-mento, o Brasil se torna “o epicentro do mundo lusitano”, tendo a colônia recebido toda a superestrutura do Estado português tradicional, que foi sobreposta às suas estruturas burocráticas e jurídicas (Lessa, 2008, p. 241). Sobre o processo de Independência, cabe lembrar a dificuldade na construção de uma identidade nacional, que foi contornada pela promessa de integridade territorial e a instauração do pacto fundante com as elites regionais. Esse pacto era responsável pela garantia da manutenção da escravidão e do

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forças externas e internas não significa, no entanto, renunciar a análise do impacto contí-nuo das assimetrias de poder (Slater, 1998).

A noção centro-periferia enquanto referencial analítico foi aplicada também – não necessariamente nos marcos da formulação cepalina original – para ilustrar a materia-lização de geografias de dominação presentes na sociedade capitalista. Cabe apontar a dificuldade em estabelecer relações do tipo centro-periferia em uma dada escala, quando numa abordagem multiescalar estas relações possivelmente se embaralham. Em outras palavras, considerando a “gestalt das escalas” (Smith, 2008, p.195), “o mesmo objeto pode parecer radicalmente diferente visto de diferentes posições escalares”, sendo o argumento válido em relação a centros e periferias. Esta indeterminação é maior durante processos de reescalonamento. Uma visão radical do sistema centro-periferia dificulta, assim, o enten-dimento da globalização como um fenômeno “multicêntrico, multiescalar, multitemporal, multiforme e multicausal” (Jessop e Sum, 2006) e das formas complexas de difusão do neoliberalismo.

cEntralIsmo

Como vimos, a centralização é um dos elementos ideológicos basilares do desenvol-vimentismo. Com efeito, uma ampla concentração de recursos e poder na escala nacional tornou-se condição necessária para os esforços de industrialização, planejamento e coor-denação empreendidos, dado o estágio anterior das forças produtivas e a fragmentação do aparelho institucional do Estado. Em parte, o centralismo pode ser explicado pelo caráter autoritário em algumas fases do pacto desenvolvimentista. Na República brasileira, esta associação entre federação centrífuga e democracia de um lado, e federação centrípeta e autoritarismo, de outro, tem sido comumente associada à metáfora das “sístoles e diásto-les”, ou ao movimento pendular do federalismo. Se a primeira metáfora se mostra inade-quada pois o “conteúdo sociológico de cada movimento tem sido sempre diverso” (Sallum Jr, 1996, p.28), a metáfora do pêndulo também é geograficamente imprópria pela ideia de repetição idêntica, quando na verdade o que se verifica é uma mudança qualitativa da escala nacional e/ou das escalas sub/supra nacionais, reconfigurando suas relações.

Com efeito, pode-se argumentar ainda que costumam ocorrer movimentos simultâ-neos de centralização e descentralização, de modo que faz-se necessária uma abordagem mais nuançada destes processos, que aborde suas dimensões política, econômica, social e espacial. Por exemplo, segundo Fiori (1995) o tipo de relações historicamente estabelecido entre o poder central e as oligarquias regionais impossibilitam falar de uma centralização efetiva do poder no Brasil. Cabe lembrar que mesmo durante fases mais acentuadas de centralização, a integração efetiva do aparato do Estado como arranjo institucional que persegue políticas relativamente coerentes é problemática, uma vez que suas diversas agên-cias e órgãos têm racionalidades governamentais e programas administrativos diferentes (Jessop, 2008).

As manifestações do imaginário espacial desenvolvimentista descrito acima refletem a forma peculiar como a noção do território como um receptáculo foi construída neste modelo. Com efeito, respondem a uma contribuição teórica original e a um momento his-tórico que postulava respostas a determinados problemas concretos. Não obstante, deve--se ter em conta que dado imaginário reflete também um reconhecimento politicamente mediado do contexto e, portanto, sujeito a distorções (Brenner, 2004).

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BREVES NOTAS SOBRE A CONSTRUÇÃO TERRITORIAL DO ESTADO BRASILEIRO: UM RECEPTáCULO PECULIAR

Como vimos, o receptáculo territorial (de poder, riqueza, cultural e social) constru-ído em torno do Estado-Nação constitui um meio historicamente fundamental pelo qual o Estado utiliza a territorialidade como fonte (estratégia) de poder. Peter Taylor (1994) discute como estes elementos interagem na formação dos Estados Modernos, seguindo determinados padrões e sequências, desde a crise do feudalismo até a globalização. No entanto, a análise do autor tem nítido viéis eurocêntrico e, como os estudos recentes sobre “estatalidade”, tem no Tratado de Westphalia seu marco institucional-analítico. Ademais, sua análise é pouco relacional, ignorando como a evolução da territorialidade colonial ajudou a transformar os Estados europeus. São necessárias, portanto, algumas mediações para se entender o processo de formação da territorialidade dos Estados periféricos, em particular do Estado brasileiro.

A princípio, deve-se reconhecer que não se verifica um atraso linear no preenchimen-to do receptáculo, mas sim uma sobreposição de sincronias e assincronias que resultam na particularidade das estratégias territoriais empregadas pelo Estado. O território colo-nial tem importância destacada na conformação dos receptáculos de poder e de riqueza dos Estados Modernos, através da divisão do mundo entre as potências marítimas e seu papel na manutenção do frágil equilíbrio de poder europeu; e da acumulação primitiva e exploração colonial durante o mercantilismo. Por outro lado, a ruptura com os processos coloniais no Novo Mundo decorre das revoluções nacionalistas européias, cujos elementos culturais e identitários foram incentivados e apropriados pelos Estados neste continente. Não obstante, seria um equívoco apontar uma causalidade unidirecional, assim como ignorar as transformações “de dentro” do território colonial e seu papel embrionário na consolidação de uma territorialidade estatal nacional. Conforme discutiremos a seguir, a forma como o Estado enquanto receptáculo territorial foi preenchido terá repercussões duradouras nas estratégias e projetos espaciais do Estado desenvolvimentista e fornece um substrato para seu imaginário espacial.

O desafio de colonizar um país com dimensões continentais implicou que o Estado português desde o início utilizasse estratégias político-administrativas diferentes das que aplicava ao seu território. Por exemplo, a instauração das capitanias hereditárias aliava a soberania metropolitana sobre o território com traços feudalizantes, reforçados pelo isolamento e autarquização. Não obstante a existência de relações de coação e controle, a tomada de consciência de interesses autóctones e autocentrados na colônia foi resultado de um longo processo, que levou cerca de duzentos anos e foi orientado pela ocupação de terras (“leit motiv da colonização”), pelo poder decorrente da propriedade destas e o consequente enraizamento das elites territoriais (Moraes, 1991) . Apesar disto, pode-se afirmar que o passo inicial decisivo para o preenchimento do receptáculo de poder na futura nação foi a vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1808. A partir deste mo-mento, o Brasil se torna “o epicentro do mundo lusitano”, tendo a colônia recebido toda a superestrutura do Estado português tradicional, que foi sobreposta às suas estruturas burocráticas e jurídicas (Lessa, 2008, p. 241). Sobre o processo de Independência, cabe lembrar a dificuldade na construção de uma identidade nacional, que foi contornada pela promessa de integridade territorial e a instauração do pacto fundante com as elites regionais. Esse pacto era responsável pela garantia da manutenção da escravidão e do

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estatuto da terra, o que conferiu demasiado poder aos proprietários rurais e representava um desafio à soberania nacional.

Neste sentido, a integridade política foi mantida à base da força e do estabelecimento de relações de clientela entre o poder central e oligarquias regionais, que se renovariam de diversas maneiras e no futuro seriam limites políticos para o Estado desenvolvimentista (Fiori, 1995). Diferente do que ocorreu na Europa, o preenchimento político do receptá-culo territorial do Estado não foi baseado em poder militar e recurso a guerras, à parte as revoltas regionais contornadas pelo Império em meados do século XIX e alguns conflitos por demarcações de fronteiras.7 Pelo contrário, a ausência de poderosos inimigos internos e externos ao longo da História é um dos elementos que explicariam a baixa penetração da ideologia de Segurança Nacional em camadas amplas da população e do empresariado (Fiori, 1995). No caso brasileiro, o receptáculo de poder foi preenchido pelo projeto de concluir a formação territorial, o que dará um viéis geopolítico ao aparelho de Estado e um protagonismo à aliança com as elites regionais e o capital estrangeiro – neste caso, já apontando um potencial “vazamento” – na ocupação dos fundos territoriais não povoados (Moraes, 1991). A preservação e expansão do território e o controle da população sempre foram prioridades políticas para as elites, a princípio subordinando a economia e depois, durante o transformismo desenvolvimentista, utilizando esta como fonte de legitimação8 (Werneck Vianna, 1996). Os períodos de governo autoritário ilustram como o Estado Na-cional como receptáculo de poder e coerção interna foi uma importante estratégia política. No entanto, a crise do desenvolvimentismo e os programas de ajuste estrutural indicam as rachaduras e um reescalonamento em direção a organismos multilaterais.

No que diz respeito ao receptáculo da riqueza, a ocupação do território e apropriação privada de suas “infindáveis” fronteiras de acumulação também explicam a territorialidade do Estado. Durante a colonização, a criação dos mercados externos e internos ilustra bem a “função de oportunidade do território”. Neste caso, a concentração pessoal e regional de riquezas na colônia acaba sendo uma das condições necessárias para o funcionamento do sistema colonial (Arroyo, 2004), e terá consequências duradouras na estruturação do território. Ainda no período colonial, a mineração destaca-se por promover uma proto-integração territorial e deslocar também o epicentro econômico do mundo lusitano para o Brasil (Lessa, 2008). A longa construção do mercado interno evoluiu a partir do aprofundamento (limitado, dado que em base mercantil) dos complexos econômicos re-gionais com sua hinterlândia, estabelecendo uma rede de cidades complexa, mas restrita; a sobredeterminação do complexo econômico do café em São Paulo perante as outras regiões, decorrente de sua maior produtividade e base em relações capitalistas; e, por fim, a industrialização que subordinou definitivamente as economias primário-exportadoras à sua lógica, o que exigiu pesados investimentos estatais em infraestrutura. (Brandão, 2007). Com efeito, o processo de integração produtivo-espacial da economia nacional vai atingindo maiores graus de complexidade na medida em que a industrialização abarca a indústria pesada e as relações de complementaridade com a periferia atingem maior profundidade e confrontamento/harmonização entre as diversas frações de capital, sendo o Estado desenvolvimentista essencial neste processo através das empresas estatais, do planejamento e da coordenação, soldando o pacto entre os diferentes capitais e renovando as fronteiras de ocupação e acumulação.

Assim, a internalização truncada do ciclo econômico no espaço nacional (Bran-dão, 2007) decorrente do fim das barreiras para circulação de mercadorias e integração produtiva garantiram o preenchimento da riqueza no receptáculo territorial nacional.

7 Estes não se comparam às guerras e intromissões em assuntos internos da Eu-ropa pré-Westphalia, sendo possível, no caso brasileiro, qualificar o “parto sem dor do Estado Nacional” (Lessa, 2008).

8 O “territorialismo” seria um traço marcante da formação nacional brasileira, distin-guindo-a dos outros países da América Latina (Werneck Vianna, 1996).

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Obviamente, a presença marcante do capital estrangeiro, principalmente a partir do caráter associado adquirido, já era fonte de vazamentos. No entanto, foi com a crise do Estado desenvolvimentista nos anos 1980 e o fim de sua capacidade coordenadora que as rachaduras se intensificaram. Quando a dinâmica de crescimento com base no mercado interno e impulsos do centro dinâmico enfraquece, a periferia nacional passivamente aceita novas formas de inserção externa baseadas em reprimarização, baixos salários e in-centivos fiscais. Estes processos serão acentuados com a abertura comercial, privatizações e desregulamentações.

No que tange à dimensão cultural, esta foi um elemento hesitante na construção nacional. Carlos Lessa (2008) ilustra como, desde a elaboração da História oficial até a escolha dos mitos nacionais, passando pela mobilização da literatura e artes em geral e pela necessidade de resposta às teses estrangeiras ambientalistas e racistas que “explicavam” o atraso, foi uma preocupação do Estado definir uma identidade nacional brasileira. Esta só ocorreu tardiamente, com a valorização do sincretismo e da criatividade. Neste momento, é dado o passo inicial para a descoberta do povo e o preenchimento do receptáculo cultu-ral. No entanto, o povo não pode ocupar esta função enquanto sua dimensão social não for reconhecida. Ao contrário do que ocorreu na Europa, o nacionalismo brasileiro não surgiu de reivindicações populares pela democracia, cidadania plena ou uma noção uni-versalista do progresso, que depois foi absorvida pelo Estado como fonte de legitimação. Pelo contrário, foi uma invenção do Estado no início, e travada em sua evolução pela asso-ciação do progresso com um positivismo de viés autoritário e pelo veto das elites agrárias à industrialização e modernização. Embora estes obstáculos tenham sido removidos pelo Es-tado populista, este foi incapaz de preencher a dimensão social do receptáculo territorial.

Se na Europa a identidade nacional esteve intimamente ligada à democracia e à cons-trução do Estado de Bem Estar Social, estes foram elementos problemáticos na construção social brasileira. Com efeito, a concepção da obrigação moral de proteção social do povo pelo Estado é ausente na formação da nação brasileira – como fica óbvio se lembrarmos a manutenção da escravidão após a Independência -, sendo apenas enfrentada mais aberta-mente na Constituição de 1988. Neste longo processo, o povo foi concebido como vetor de ocupação do território, força (super-explorada) de trabalho, massa de manobra política e variável de ajuste espacial, via migração, sem que nunca tenham sido desenvolvidos adequadamente os canais institucionais para cidadania política e social (Fiori, 1995). Se, de fato, é possível apontar esforços na criação de um Welfare State, este nunca rompeu definitivamente sua natureza seletiva, meritocrática, regressiva, clientelista e assistencialista (Draibe, 1993). Os projetos mais recentes de renda mínima e modernização institucional não estão isolados das transformações no mundo do trabalho e pressões competitivas pela substituição de um sistema de Welfare por um Workfare que vêm se disseminando nos países desenvolvidos. Nesses casos, a troca da garantia de inclusão social através da cidadania nacional pelo entendimento do salário social como um custo internacional de produção, contrabalançada pela mobilização dos movimentos sociais globais, desafiam o receptáculo social nacional.

Tentamos demonstrar nesta seção que a construção da nação no Brasil deu-se em sobreposição ao processo menos comentado de construção (material e ideológica) do Estado nacional como receptáculo territorial. No caso brasileiro, um território já em grande medida definido e que exercia pressões centrípetas precedeu o Estado e a nação. O preenchimento deste receptáculo apenas (quase) se realizou na vigência do Estado Desen-volvimentista, embora vazamentos estruturais tenham sido uma constante, ao contrário

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estatuto da terra, o que conferiu demasiado poder aos proprietários rurais e representava um desafio à soberania nacional.

Neste sentido, a integridade política foi mantida à base da força e do estabelecimento de relações de clientela entre o poder central e oligarquias regionais, que se renovariam de diversas maneiras e no futuro seriam limites políticos para o Estado desenvolvimentista (Fiori, 1995). Diferente do que ocorreu na Europa, o preenchimento político do receptá-culo territorial do Estado não foi baseado em poder militar e recurso a guerras, à parte as revoltas regionais contornadas pelo Império em meados do século XIX e alguns conflitos por demarcações de fronteiras.7 Pelo contrário, a ausência de poderosos inimigos internos e externos ao longo da História é um dos elementos que explicariam a baixa penetração da ideologia de Segurança Nacional em camadas amplas da população e do empresariado (Fiori, 1995). No caso brasileiro, o receptáculo de poder foi preenchido pelo projeto de concluir a formação territorial, o que dará um viéis geopolítico ao aparelho de Estado e um protagonismo à aliança com as elites regionais e o capital estrangeiro – neste caso, já apontando um potencial “vazamento” – na ocupação dos fundos territoriais não povoados (Moraes, 1991). A preservação e expansão do território e o controle da população sempre foram prioridades políticas para as elites, a princípio subordinando a economia e depois, durante o transformismo desenvolvimentista, utilizando esta como fonte de legitimação8 (Werneck Vianna, 1996). Os períodos de governo autoritário ilustram como o Estado Na-cional como receptáculo de poder e coerção interna foi uma importante estratégia política. No entanto, a crise do desenvolvimentismo e os programas de ajuste estrutural indicam as rachaduras e um reescalonamento em direção a organismos multilaterais.

No que diz respeito ao receptáculo da riqueza, a ocupação do território e apropriação privada de suas “infindáveis” fronteiras de acumulação também explicam a territorialidade do Estado. Durante a colonização, a criação dos mercados externos e internos ilustra bem a “função de oportunidade do território”. Neste caso, a concentração pessoal e regional de riquezas na colônia acaba sendo uma das condições necessárias para o funcionamento do sistema colonial (Arroyo, 2004), e terá consequências duradouras na estruturação do território. Ainda no período colonial, a mineração destaca-se por promover uma proto-integração territorial e deslocar também o epicentro econômico do mundo lusitano para o Brasil (Lessa, 2008). A longa construção do mercado interno evoluiu a partir do aprofundamento (limitado, dado que em base mercantil) dos complexos econômicos re-gionais com sua hinterlândia, estabelecendo uma rede de cidades complexa, mas restrita; a sobredeterminação do complexo econômico do café em São Paulo perante as outras regiões, decorrente de sua maior produtividade e base em relações capitalistas; e, por fim, a industrialização que subordinou definitivamente as economias primário-exportadoras à sua lógica, o que exigiu pesados investimentos estatais em infraestrutura. (Brandão, 2007). Com efeito, o processo de integração produtivo-espacial da economia nacional vai atingindo maiores graus de complexidade na medida em que a industrialização abarca a indústria pesada e as relações de complementaridade com a periferia atingem maior profundidade e confrontamento/harmonização entre as diversas frações de capital, sendo o Estado desenvolvimentista essencial neste processo através das empresas estatais, do planejamento e da coordenação, soldando o pacto entre os diferentes capitais e renovando as fronteiras de ocupação e acumulação.

Assim, a internalização truncada do ciclo econômico no espaço nacional (Bran-dão, 2007) decorrente do fim das barreiras para circulação de mercadorias e integração produtiva garantiram o preenchimento da riqueza no receptáculo territorial nacional.

7 Estes não se comparam às guerras e intromissões em assuntos internos da Eu-ropa pré-Westphalia, sendo possível, no caso brasileiro, qualificar o “parto sem dor do Estado Nacional” (Lessa, 2008).

8 O “territorialismo” seria um traço marcante da formação nacional brasileira, distin-guindo-a dos outros países da América Latina (Werneck Vianna, 1996).

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Obviamente, a presença marcante do capital estrangeiro, principalmente a partir do caráter associado adquirido, já era fonte de vazamentos. No entanto, foi com a crise do Estado desenvolvimentista nos anos 1980 e o fim de sua capacidade coordenadora que as rachaduras se intensificaram. Quando a dinâmica de crescimento com base no mercado interno e impulsos do centro dinâmico enfraquece, a periferia nacional passivamente aceita novas formas de inserção externa baseadas em reprimarização, baixos salários e in-centivos fiscais. Estes processos serão acentuados com a abertura comercial, privatizações e desregulamentações.

No que tange à dimensão cultural, esta foi um elemento hesitante na construção nacional. Carlos Lessa (2008) ilustra como, desde a elaboração da História oficial até a escolha dos mitos nacionais, passando pela mobilização da literatura e artes em geral e pela necessidade de resposta às teses estrangeiras ambientalistas e racistas que “explicavam” o atraso, foi uma preocupação do Estado definir uma identidade nacional brasileira. Esta só ocorreu tardiamente, com a valorização do sincretismo e da criatividade. Neste momento, é dado o passo inicial para a descoberta do povo e o preenchimento do receptáculo cultu-ral. No entanto, o povo não pode ocupar esta função enquanto sua dimensão social não for reconhecida. Ao contrário do que ocorreu na Europa, o nacionalismo brasileiro não surgiu de reivindicações populares pela democracia, cidadania plena ou uma noção uni-versalista do progresso, que depois foi absorvida pelo Estado como fonte de legitimação. Pelo contrário, foi uma invenção do Estado no início, e travada em sua evolução pela asso-ciação do progresso com um positivismo de viés autoritário e pelo veto das elites agrárias à industrialização e modernização. Embora estes obstáculos tenham sido removidos pelo Es-tado populista, este foi incapaz de preencher a dimensão social do receptáculo territorial.

Se na Europa a identidade nacional esteve intimamente ligada à democracia e à cons-trução do Estado de Bem Estar Social, estes foram elementos problemáticos na construção social brasileira. Com efeito, a concepção da obrigação moral de proteção social do povo pelo Estado é ausente na formação da nação brasileira – como fica óbvio se lembrarmos a manutenção da escravidão após a Independência -, sendo apenas enfrentada mais aberta-mente na Constituição de 1988. Neste longo processo, o povo foi concebido como vetor de ocupação do território, força (super-explorada) de trabalho, massa de manobra política e variável de ajuste espacial, via migração, sem que nunca tenham sido desenvolvidos adequadamente os canais institucionais para cidadania política e social (Fiori, 1995). Se, de fato, é possível apontar esforços na criação de um Welfare State, este nunca rompeu definitivamente sua natureza seletiva, meritocrática, regressiva, clientelista e assistencialista (Draibe, 1993). Os projetos mais recentes de renda mínima e modernização institucional não estão isolados das transformações no mundo do trabalho e pressões competitivas pela substituição de um sistema de Welfare por um Workfare que vêm se disseminando nos países desenvolvidos. Nesses casos, a troca da garantia de inclusão social através da cidadania nacional pelo entendimento do salário social como um custo internacional de produção, contrabalançada pela mobilização dos movimentos sociais globais, desafiam o receptáculo social nacional.

Tentamos demonstrar nesta seção que a construção da nação no Brasil deu-se em sobreposição ao processo menos comentado de construção (material e ideológica) do Estado nacional como receptáculo territorial. No caso brasileiro, um território já em grande medida definido e que exercia pressões centrípetas precedeu o Estado e a nação. O preenchimento deste receptáculo apenas (quase) se realizou na vigência do Estado Desen-volvimentista, embora vazamentos estruturais tenham sido uma constante, ao contrário

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dos Estados Europeus onde preenchimento/vazamento são momentos históricos distintos. A territorialidade continua sendo uma fonte eficaz de poder do Estado, no entanto é preciso reconhecer que processos de reescalonamentos e novas redes acompanham alguns dos vazamentos no receptáculo, o que representa desafios e oportunidades para o Estado Nacional. O problema das abordagens centradas no Estado é que assumem como obje-to fundamental de suas teorias aquilo que na verdade é resultado de uma convergência histórica específica entre Estado-território-soberania-nação,9 deixando pouco lugar para a contingência nas formas espaciais do Estado.

A CONSTRUÇÃO ESCALAR DO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA

Conforme argumentamos, o Estado é desde o início não apenas territorialmente construído, mas também escalarmente esculpido. Esta construção dificilmente pode ser apreendida por abordagens centradas no Estado, que tendem a privilegiar a escala nacional e sua centralização/descentralização “de cima para baixo”. As agências e escalas espaciais do Estado são reflexo e condicionam a luta de classes intra e entre regiões (ou países), cujos interesses serão representados no aparelho de Estado de acordo com a composição e os conflitos entre blocos hegemônicos nascentes organizados na mesma escala e entre escalas.

Oliveira (1981) fornece insights importantes sobre a construção escalar do Estado enquanto discute a “questão regional” no Brasil. Partindo de uma abordagem centrada na sociedade, o autor analisa como o aparelho do Estado foi entrecortado por estratégias e frações de classe que mobilizam escalas espaciais diferentes à medida que a divisão regional do trabalho se torna mais complexa e blocos hegemônicos se consolidam regionalmente e nacionalmente. Neste sentido, o aparelho do Estado fornece uma estrutura para que interesses e escalas sejam selecionados. Uma dada organização territorial do Estado irá privilegiar certos blocos dominantes e nascentes organizados em determinadas escalas espaciais através de uma seletividade estrutural que poderá acarretar mudanças na sua forma e acompanhará processos de assimilação, subordinação e destruição comandados pelo bloco hegemônico organizado na escala dominante (Collinge, 1996).

Sob esta lógica, Oliveira (1981) analisa o processo de “abertura das regiões” e conse-quente integração nacional a partir dos anos 1930. As regiões, até então “fechadas” poli-ticamente, se desenvolviam de formas distintas conforme as determinações internacionais (demanda externa e controle do financiamento e comercialização) e o aprofundamento internamente diferenciado da divisão social do trabalho. Neste sentido, a região do Nor-deste algodoeiro-pecuário, cujo desenvolvimento era determinado pela realização externa do algodão e pelos cartéis internacionais responsáveis por seu financiamento e comerciali-zação, conseguiu impor sua hegemonia ante a mais tradicional burguesia açucareira-têxtil, deslocada pela produção nas Antilhas. A subordinação desta burguesia na escala regional deu-se pelo controle dos cartéis internacionais sobre a produção têxtil e, principalmente, pela “imposição” da forma de reprodução da mão de obra semicapitalista típica da “re-gião” algodoeira-pecuária sobre sua rival. A consolidação do Nordeste algodoeiro-pecuário representou a “captura” da principal agência do Estado então atuante no Nordeste, o dnocs.10 Esta, apesar de ser uma agência de abrangência teoricamente nacional, tinha um nítido recorte territorial, o “polígono das secas”, e mantinha as condições de repro-

9 Ainda que alguns autores apontem para a inconclusão da nação, estes geralmente alegam que caberia finalizar a tarefa e completar o re-ceptáculo.

10 Departamento Nacional de Obras Contra a Seca.

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dução da estrutura econômica e social favoráveis ao bloco hegemônico nascente, o que implicava manter as condições semicapitalistas de trabalho no campo.

A atuação do Estado sobre o Nordeste se complementaria pela criação do Iaa,11 em 1933. Esta agência assiste ao conflito entre a burguesia industrial nascente e a burguesia não industrial no Centro-Sul e vai defender a produção de açúcar no Nordeste açucareiro--têxtil, ao mesmo tempo em que bloqueia o seu desenvolvimento industrial através de políticas de preço mínimo. Do ponto de vista da escala regional nordestina, a ação do Estado através do dnocs e do Iaa12 tentará a regulação das relações de produção na região, fornecendo as bases materiais para que a pax agrarie nordestina sob a hegemonia da burguesia algodoeira-pecuária se estabeleça. Do ponto de vista da escala nacional, verifica-se a partir da década de 1930 a consolidação da hegemonia da burguesia industrial paulista nas escalas regional (do Centro-Sul) e nacional, possibilitada pelo “fechamento” (externo) da escala nacional e da “abertura” desta escala para a circulação de mercadorias. Neste processo, a região com maior estágio de desenvolvimento das forças produtivas e maior produtividade se impôs, subordinando a região algodoeira-pecuária e lançando as bases para a futura “destruição” das “regiões” nordestinas.

Nesta dinâmica, o Estado Nacional foi ator chave na super-regulação,13 ao condicio-nar os blocos hegemônicos e a forma do aparato estatal. Como vimos, teve papel crucial no estabelecimento de estruturas espaciais hegemônicas através da limitação territorial das escalas regulatórias (como no caso do dnocs, e depois a Sudene) e substancial na abertu-ra de novas escalas de acumulação (nacional, e depois internacional), o que alterou as do-minâncias escalares do regime de acumulação e do modo de regulação nas duas “grandes crises” regulatórias observadas em 1930 e 1964. Segundo o modelo de organização escalar proposto por Collinge (1999), é possível problematizar um encaixe estrutural regulatório escalar no qual as escalas dominantes e escalas nodais14 da acumulação, regulação e super--regulação interagem de forma entrelaçada (não necessariamente coincidentes e variáveis no tempo) para criar uma ordem social coesa, ou um processo de “societalização”. O mo-delo assume que ordens escalares e sociais estão sujeitas a crises e reestruturação quando a divisão escalar do trabalho ótima de um regime de acumulação não pode ser alcançada, como decorrência de um déficit regulatório. No caso da incapacidade da ordem societal vigente regular e incorporar mudanças nas escalas dominantes, ela poderá ser substituída por outro bloco de poder hegemônico, que estabelecerá uma nova ordem espacial. Este processo provavelmente ocorrerá na transição de um regime de acumulação para outro, e foi exatamente o que ocorreu em 1930 e em 1964.

Durante o regime de acumulação extensiva do período primário-exportador (Con-ceição, 1989), é possível apontar a escala internacional como dominante do ponto de vista da acumulação, enquanto as escalas regional e nacional eram nodais. No que tange a regu-lação, a escala urbana (concentradora do excedente) era dominante, assim como a escala regional, sendo esta o espaço privilegiado do poder oligárquico, cristalizado nos governos estaduais. A escala nacional era nodal, mais restrita à administração das políticas cambiais, de valorização do café e dos conflitos com o poder local. A luta pela hegemonia intra e inter-regiões, reforçada pela seletividade estrutural do Estado e pela fragilidade do modo de regulação vigente, irá alterar esta organização escalar a partir da Revolução de 1930.

Durante o populismo, a burguesia industrial subordinou os interesses agrário-expor-tadores na configuração de um bloco histórico. Isto implicou na reconfiguração das relações entre os blocos hegemônicos regionais, sendo a intervenção do Estado através do dnocs e do Iaa essencial neste sentido. O novo regime de acumulação era do tipo intensivo e de-

11 Instituto do Açúcar e do Álcool.

12 Não se deve esquecer outras importantes agências do Estado atuando no Nor-deste, como a Companhia Hidrelétrica do São Fran-cisco (CHESF), a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) e o Banco do Nordes-te do Brasil (BNB), criadas nos anos 1940 e 1950. Pri-vilegiamos analiticamente o DNOCS e o IAA, seguindo Oliveira (1981), por acreditar que ambas as instituições ilustram bem a seletividade estratégica escalar do Esta-do na Região.

13 A super-regulação pode ser entendida como a coor-denação das formas regula-doras (Collinge, 1999).

14 Escalas dominantes conferem o poder a certas organizações sobre organi-zações em outras escalas, abaixo ou acima. Escalas nodais são não-dominantes, mas servem como o lócus primário para realização/en-trega de certas atividades em uma dada ordem espaço--temporal (Collinge, 1999).

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dos Estados Europeus onde preenchimento/vazamento são momentos históricos distintos. A territorialidade continua sendo uma fonte eficaz de poder do Estado, no entanto é preciso reconhecer que processos de reescalonamentos e novas redes acompanham alguns dos vazamentos no receptáculo, o que representa desafios e oportunidades para o Estado Nacional. O problema das abordagens centradas no Estado é que assumem como obje-to fundamental de suas teorias aquilo que na verdade é resultado de uma convergência histórica específica entre Estado-território-soberania-nação,9 deixando pouco lugar para a contingência nas formas espaciais do Estado.

A CONSTRUÇÃO ESCALAR DO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA

Conforme argumentamos, o Estado é desde o início não apenas territorialmente construído, mas também escalarmente esculpido. Esta construção dificilmente pode ser apreendida por abordagens centradas no Estado, que tendem a privilegiar a escala nacional e sua centralização/descentralização “de cima para baixo”. As agências e escalas espaciais do Estado são reflexo e condicionam a luta de classes intra e entre regiões (ou países), cujos interesses serão representados no aparelho de Estado de acordo com a composição e os conflitos entre blocos hegemônicos nascentes organizados na mesma escala e entre escalas.

Oliveira (1981) fornece insights importantes sobre a construção escalar do Estado enquanto discute a “questão regional” no Brasil. Partindo de uma abordagem centrada na sociedade, o autor analisa como o aparelho do Estado foi entrecortado por estratégias e frações de classe que mobilizam escalas espaciais diferentes à medida que a divisão regional do trabalho se torna mais complexa e blocos hegemônicos se consolidam regionalmente e nacionalmente. Neste sentido, o aparelho do Estado fornece uma estrutura para que interesses e escalas sejam selecionados. Uma dada organização territorial do Estado irá privilegiar certos blocos dominantes e nascentes organizados em determinadas escalas espaciais através de uma seletividade estrutural que poderá acarretar mudanças na sua forma e acompanhará processos de assimilação, subordinação e destruição comandados pelo bloco hegemônico organizado na escala dominante (Collinge, 1996).

Sob esta lógica, Oliveira (1981) analisa o processo de “abertura das regiões” e conse-quente integração nacional a partir dos anos 1930. As regiões, até então “fechadas” poli-ticamente, se desenvolviam de formas distintas conforme as determinações internacionais (demanda externa e controle do financiamento e comercialização) e o aprofundamento internamente diferenciado da divisão social do trabalho. Neste sentido, a região do Nor-deste algodoeiro-pecuário, cujo desenvolvimento era determinado pela realização externa do algodão e pelos cartéis internacionais responsáveis por seu financiamento e comerciali-zação, conseguiu impor sua hegemonia ante a mais tradicional burguesia açucareira-têxtil, deslocada pela produção nas Antilhas. A subordinação desta burguesia na escala regional deu-se pelo controle dos cartéis internacionais sobre a produção têxtil e, principalmente, pela “imposição” da forma de reprodução da mão de obra semicapitalista típica da “re-gião” algodoeira-pecuária sobre sua rival. A consolidação do Nordeste algodoeiro-pecuário representou a “captura” da principal agência do Estado então atuante no Nordeste, o dnocs.10 Esta, apesar de ser uma agência de abrangência teoricamente nacional, tinha um nítido recorte territorial, o “polígono das secas”, e mantinha as condições de repro-

9 Ainda que alguns autores apontem para a inconclusão da nação, estes geralmente alegam que caberia finalizar a tarefa e completar o re-ceptáculo.

10 Departamento Nacional de Obras Contra a Seca.

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dução da estrutura econômica e social favoráveis ao bloco hegemônico nascente, o que implicava manter as condições semicapitalistas de trabalho no campo.

A atuação do Estado sobre o Nordeste se complementaria pela criação do Iaa,11 em 1933. Esta agência assiste ao conflito entre a burguesia industrial nascente e a burguesia não industrial no Centro-Sul e vai defender a produção de açúcar no Nordeste açucareiro--têxtil, ao mesmo tempo em que bloqueia o seu desenvolvimento industrial através de políticas de preço mínimo. Do ponto de vista da escala regional nordestina, a ação do Estado através do dnocs e do Iaa12 tentará a regulação das relações de produção na região, fornecendo as bases materiais para que a pax agrarie nordestina sob a hegemonia da burguesia algodoeira-pecuária se estabeleça. Do ponto de vista da escala nacional, verifica-se a partir da década de 1930 a consolidação da hegemonia da burguesia industrial paulista nas escalas regional (do Centro-Sul) e nacional, possibilitada pelo “fechamento” (externo) da escala nacional e da “abertura” desta escala para a circulação de mercadorias. Neste processo, a região com maior estágio de desenvolvimento das forças produtivas e maior produtividade se impôs, subordinando a região algodoeira-pecuária e lançando as bases para a futura “destruição” das “regiões” nordestinas.

Nesta dinâmica, o Estado Nacional foi ator chave na super-regulação,13 ao condicio-nar os blocos hegemônicos e a forma do aparato estatal. Como vimos, teve papel crucial no estabelecimento de estruturas espaciais hegemônicas através da limitação territorial das escalas regulatórias (como no caso do dnocs, e depois a Sudene) e substancial na abertu-ra de novas escalas de acumulação (nacional, e depois internacional), o que alterou as do-minâncias escalares do regime de acumulação e do modo de regulação nas duas “grandes crises” regulatórias observadas em 1930 e 1964. Segundo o modelo de organização escalar proposto por Collinge (1999), é possível problematizar um encaixe estrutural regulatório escalar no qual as escalas dominantes e escalas nodais14 da acumulação, regulação e super--regulação interagem de forma entrelaçada (não necessariamente coincidentes e variáveis no tempo) para criar uma ordem social coesa, ou um processo de “societalização”. O mo-delo assume que ordens escalares e sociais estão sujeitas a crises e reestruturação quando a divisão escalar do trabalho ótima de um regime de acumulação não pode ser alcançada, como decorrência de um déficit regulatório. No caso da incapacidade da ordem societal vigente regular e incorporar mudanças nas escalas dominantes, ela poderá ser substituída por outro bloco de poder hegemônico, que estabelecerá uma nova ordem espacial. Este processo provavelmente ocorrerá na transição de um regime de acumulação para outro, e foi exatamente o que ocorreu em 1930 e em 1964.

Durante o regime de acumulação extensiva do período primário-exportador (Con-ceição, 1989), é possível apontar a escala internacional como dominante do ponto de vista da acumulação, enquanto as escalas regional e nacional eram nodais. No que tange a regu-lação, a escala urbana (concentradora do excedente) era dominante, assim como a escala regional, sendo esta o espaço privilegiado do poder oligárquico, cristalizado nos governos estaduais. A escala nacional era nodal, mais restrita à administração das políticas cambiais, de valorização do café e dos conflitos com o poder local. A luta pela hegemonia intra e inter-regiões, reforçada pela seletividade estrutural do Estado e pela fragilidade do modo de regulação vigente, irá alterar esta organização escalar a partir da Revolução de 1930.

Durante o populismo, a burguesia industrial subordinou os interesses agrário-expor-tadores na configuração de um bloco histórico. Isto implicou na reconfiguração das relações entre os blocos hegemônicos regionais, sendo a intervenção do Estado através do dnocs e do Iaa essencial neste sentido. O novo regime de acumulação era do tipo intensivo e de-

11 Instituto do Açúcar e do Álcool.

12 Não se deve esquecer outras importantes agências do Estado atuando no Nor-deste, como a Companhia Hidrelétrica do São Fran-cisco (CHESF), a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) e o Banco do Nordes-te do Brasil (BNB), criadas nos anos 1940 e 1950. Pri-vilegiamos analiticamente o DNOCS e o IAA, seguindo Oliveira (1981), por acreditar que ambas as instituições ilustram bem a seletividade estratégica escalar do Esta-do na Região.

13 A super-regulação pode ser entendida como a coor-denação das formas regula-doras (Collinge, 1999).

14 Escalas dominantes conferem o poder a certas organizações sobre organi-zações em outras escalas, abaixo ou acima. Escalas nodais são não-dominantes, mas servem como o lócus primário para realização/en-trega de certas atividades em uma dada ordem espaço--temporal (Collinge, 1999).

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terminado pelo processo de industrialização por substituições de importações, decorrente da necessidade do capital se reproduzir em escala ampliada e da tentativa de construção de uma dinâmica industrial intra e interdepartamental autônoma. Sua estabilização de-mandou uma alteração drástica no modo de regulação, sobretudo no que tange à relação salarial e à organização do Estado, viabilizando o pacto populista (Conceição, 1989).

O estabelecimento desta nova ordem societal exigiu mudanças na organização esca-lar, impossíveis de serem comandadas pelas oligarquias regionais. A escala nacional passa a ser dominante no que tange à acumulação e à regulação. A escala regional se torna nodal na acumulação e na regulação (com a manutenção das frentes de valorização mercantil no primeiro caso, e do poder de suas elites, no segundo), a escala urbana continua dominante em relação à regulação (agora qualitativamente diferente, com a descentralização muni-cipal da Constituição de 1946) e a escala internacional se torna nodal nos dois casos. No que tange à regulação espacial do Estado durante o populismo, o recurso a uma interpre-tação de inspiração neo-gramsciana pode ilustrar alguns pontos.

Neste sentido, propomos que o período conhecido como “desenvolvimentismo” seja entendido como um encaixe estrutural – nem sempre perfeito – entre uma estratégia de acumulação e um projeto hegemônico, que consolidou um bloco histórico. Apesar da relativa permanência deste “pacto” entre as décadas de 1930 e 1980,15 entendemos que ocorreram algumas mudanças nas estratégias de acumulação, no projeto hegemônico e, sobretudo, nos graus de hegemonia, entendida de uma forma dinâmica (Jessop, 1983). O populismo pode ser caracterizado por uma faceta do projeto hegemônico assentado na “ideologia desenvolvimentista” e numa estratégia de acumulação baseada na industriali-zação substitutiva de importações16 (IsI). Embora a Revolução de 1930 seja considerada uma “revolução passiva”, pode-se encontrar alguns aspectos próximos da instauração de uma “hegemonia de uma nação” na escala nacional, quando mesmo considerando-se a diferença entre retórica populista e realidade, é possível apontar melhorias nas condições de vida das massas populares, distribuição de renda, participação política e acesso a edu-cação17 (Pinto apud Bresser Pereira, 1977), em torno de algo que tinha alguns elementos de um projeto “nacional-popular”.

No entanto, se o novo regime de acumulação “fordista-periférico” e sua organização escalar foram convergentes com a nova hegemonia burguesa do capital industrial paulista, problemas na regulação regional no Nordeste se faziam presentes. Ali, a regulação do Estado baseada na intervenção do dnocs e Iaa era frágil, e a seletividade estrutural do Estado pela burguesia algodoeira-pecuária, acompanhada da perda de poder econômico e político da burguesia açucareira-têxtil, limitaram sobremaneira o papel estratégico da última. Neste contexto, Oliveira (1981) argumenta que não havia as condições para o surgimento do populismo no Nordeste, o que resultou no agravamento das tensões na regulação do trabalho e da terra, num conflito aberto entre o campesinato/operariado e a burguesia industrial local. Em outras palavras, podemos argumentar que se havia algo próximo a uma hegemonia de “uma nação” na escala nacional, no Nordeste ocorria uma “guerra de manobra”, pendendo para os setores populares.

A tentativa de corrigir o déficit de regulação (e de hegemonia) que bloqueava o encaixe (àquela altura já problemático, dadas as contradições da IsI e as estratégias dos oligopólios internacionais) entre a estratégia de acumulação e o projeto hegemônico pre-tendidos, deu-se pela intervenção espacial do Estado através da Sudene.

Não muito após sua fundação em 1959, ficou patente que, naquele contexto, uma estratégia de acumulação substitutiva de importações regionais e uma hegemonia exten-

15 Segundo Fiori (1995, p.132), apesar das transfor-mações estruturais, contra-dições e disfunções, trata-se de “aspectos e dimensões de um pacto social, eco-nômico e político que, em nosso entender, vigoraram durante toda a trajetória de-senvolvimentista”.

16 Entendemos estraté-gia de acumulação como a imposição da lógica de valorização de uma fração hegemônica de capital sobre as outras frações no circuito do capital, completando este circuito com as necessárias formas extra-econômicas (Jessop, 1983). No caso do processo de ISI, a fração in-dustrial passa a ser hegemô-nica, determinando a forma de expansão/mutação/meta-morfose do capital mercantil regional, o abastecimento do setor agrícola (em bens para o consumo urbano e máquinas para o campo) e recebendo fundos transferi-dos do setor exportador.

17 Referimo-nos à polêmica entre Francisco de Oliveira e Bresser Pereira. Para o pri-meiro, o populismo trata-se da instauração de uma nova conciliação de interesses en-tre as classes dominantes, “às expensas das classes dominadas, mas contradito-riamente empurradas por es-tas” (Oliveira, 1989, p.118), assumindo feições de uma Revolução Passiva (como argumenta Werneck Vianna, 1996). Segundo Bresser, o caráter concentrador do po-pulismo, transferindo renda dos trabalhadores para o setor industrial, só surge em sua fase final, “quando ele já se desfigurava” (Bresser Pereira, 1977, p. 121). Com base em Jessop (1983), ar-gumentamos que a forma concreta da hegemonia pode apresentar elementos dos dois momentos, talvez como uma característica provisória do populismo como siste-ma político e como modo de regulação do fordismo periférico.

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siva do tipo popular no Nordeste seriam impossíveis (ver Tavares, 2004). A Sudene, no entanto, representou uma reterritorialização do poder do Estado com o deslocamento da escala da super-regulação para seu território de atuação,18 o que deu nova esperança à questão regional. Neste sentido, destaca-se a coordenação, pela Sudene, de todos os organismos de planejamento federais que atuavam na Região, além de envolver a parti-cipação conjunta de governos federais e estaduais em programas e projetos e representar um esboço do federalismo cooperativo no Brasil, “quebrando a prática centralizada do planejamento nacional” (Bercovici, 2003, p.107). A nova agência era uma autarquia fede-ral com poderes especiais que praticava a “unidade de planejamento e descentralização da execução” (Tavares, 2004). No entanto, a super-regulação não se resume a isto. A Sudene, em seu “mandato democrático” (1959/63), não logrou estabilizar os conflitos em torno da regulação do trabalho e da terra no Nordeste, em razão, sobretudo, da oposição da oligarquia agrária e da burguesia local. A “guerra de manobra” foi apenas contornada, de certa forma, graças ao caráter reformista do órgão e sua estratégia de “ataque pelos flan-cos”, mas continuou representando uma ameaça para os interesses da burguesia industrial do Centro-Sul.

O papel regulatório da Sudene fica nítido se considerarmos que foi apenas através da atuação desta agência que a “abertura” das regiões se completa, assim como a efetiva integração nacional a partir da exportação de capitais produtivos para o Nordeste através do conhecido “Sistema 34/18”. Mais do que isso, a agência foi essencial na transição de uma estratégia de acumulação baseada na substituição de importações para uma baseada no capitalismo associado19 (onde a burguesia doméstica é subordinada), articulando as estratégias escalares das burguesias nacional e internacional.20

Com a necessária modernização produtiva e institucional decorrente da oligopoli-zação do capital, as mudanças na escala produtiva e a complexidade tecnológica limitam a substituição de importações. Desta forma, fez-se necessária a mudança do regime de acumulação para um fordismo periférico “selvagem”, que ao priorizar o setor de bens de consumo duráveis exigiu grande concentração de renda. Como argumenta Conceição (1989), as mudanças maiores foram no modo de regulação, ocorrendo alterações em to-das suas formas institucionais. A Sudene foi importante na reorganização escalar do novo regime de acumulação, facilitando a dominância da escala internacional, no que tange à acumulação, e reforçando a escala nacional em relação à acumulação e à regulação. Seu caráter provisório como escala da super-regulação refinou os instrumentos de intervenção do governo federal e evitou uma guerra de manobra no Nordeste. Se a intervenção da Sudene per se não foi capaz de corrigir o déficit regulatório, foi importante na transição do modo de regulação populista para o fordismo periférico “selvagem” – ou o modo de “regulação autoritário” (Oliveira, 1990) -, servindo de exemplo para as políticas regionais e reorganizando o ajuste espaço-temporal (Jessop e Sum, 2006) desenvolvimentista com seus mecanismos de “fuga para frente” na escala nacional. Este ajuste envolve o estabe-lecimento de alguns limites territoriais e temporais que permitem a reprodução de uma “coerência estruturada”, escolhendo vencedores e perdedores dentro e fora de um dado espaço econômico, associado a seus padrões específicos (embora contestados) de distribui-ção desigual de benefícios e desenvolvimento espacial desigual. Neste sentido, um ajuste espaço-temporal supõe uma seletividade espacial do Estado, relacionada a uma estratégia de acumulação (Jones, 1997).

Durante o Plano de Metas e devido aos requisitos econômicos concentradores da estratégia de industrialização por substituição de importações, nitidamente houve uma

18 Este abrangia todos os Estados da região Nordeste mais o território de Minas Gerais coberto pelo Polígono das Secas.

19 Esta estratégia de acu-mulação caracteriza-se pela hegemonia do capital indus-trial estrangeiro, com cres-cente participação do setor produtivo estatal e do capital financeiro internacional. O setor industrial doméstico e o setor agrário ocuparão po-sição subordinada. Mesmo durante sua crise, a estra-tégia de industrialização por substituição de importações não foi totalmente elimina-da. Como lembra Jessop (1983), existem várias estra-tégias de acumulação com-petindo entre si, recebendo diferentes graus de apoio das frações de capital.

20 Houve também mudan-ças discursivas e nas nar-rativas escalares do projeto hegemônico desenvolvimen-tista, como a inclusão ideoló-gica da segurança nacional, da noção de eficiência e de símbolos como o Brasil--Potência. Esta “adaptação” do projeto hegemônico e sua articulação com a nova estratégia de acumulação teve grande relevância nas políticas regionais pós-1964. Não obstante, os fundamen-tos da ideologia desenvol-vimentista (industrialização, planejamento, centralização e nacionalismo) continuaram determinantes.

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terminado pelo processo de industrialização por substituições de importações, decorrente da necessidade do capital se reproduzir em escala ampliada e da tentativa de construção de uma dinâmica industrial intra e interdepartamental autônoma. Sua estabilização de-mandou uma alteração drástica no modo de regulação, sobretudo no que tange à relação salarial e à organização do Estado, viabilizando o pacto populista (Conceição, 1989).

O estabelecimento desta nova ordem societal exigiu mudanças na organização esca-lar, impossíveis de serem comandadas pelas oligarquias regionais. A escala nacional passa a ser dominante no que tange à acumulação e à regulação. A escala regional se torna nodal na acumulação e na regulação (com a manutenção das frentes de valorização mercantil no primeiro caso, e do poder de suas elites, no segundo), a escala urbana continua dominante em relação à regulação (agora qualitativamente diferente, com a descentralização muni-cipal da Constituição de 1946) e a escala internacional se torna nodal nos dois casos. No que tange à regulação espacial do Estado durante o populismo, o recurso a uma interpre-tação de inspiração neo-gramsciana pode ilustrar alguns pontos.

Neste sentido, propomos que o período conhecido como “desenvolvimentismo” seja entendido como um encaixe estrutural – nem sempre perfeito – entre uma estratégia de acumulação e um projeto hegemônico, que consolidou um bloco histórico. Apesar da relativa permanência deste “pacto” entre as décadas de 1930 e 1980,15 entendemos que ocorreram algumas mudanças nas estratégias de acumulação, no projeto hegemônico e, sobretudo, nos graus de hegemonia, entendida de uma forma dinâmica (Jessop, 1983). O populismo pode ser caracterizado por uma faceta do projeto hegemônico assentado na “ideologia desenvolvimentista” e numa estratégia de acumulação baseada na industriali-zação substitutiva de importações16 (IsI). Embora a Revolução de 1930 seja considerada uma “revolução passiva”, pode-se encontrar alguns aspectos próximos da instauração de uma “hegemonia de uma nação” na escala nacional, quando mesmo considerando-se a diferença entre retórica populista e realidade, é possível apontar melhorias nas condições de vida das massas populares, distribuição de renda, participação política e acesso a edu-cação17 (Pinto apud Bresser Pereira, 1977), em torno de algo que tinha alguns elementos de um projeto “nacional-popular”.

No entanto, se o novo regime de acumulação “fordista-periférico” e sua organização escalar foram convergentes com a nova hegemonia burguesa do capital industrial paulista, problemas na regulação regional no Nordeste se faziam presentes. Ali, a regulação do Estado baseada na intervenção do dnocs e Iaa era frágil, e a seletividade estrutural do Estado pela burguesia algodoeira-pecuária, acompanhada da perda de poder econômico e político da burguesia açucareira-têxtil, limitaram sobremaneira o papel estratégico da última. Neste contexto, Oliveira (1981) argumenta que não havia as condições para o surgimento do populismo no Nordeste, o que resultou no agravamento das tensões na regulação do trabalho e da terra, num conflito aberto entre o campesinato/operariado e a burguesia industrial local. Em outras palavras, podemos argumentar que se havia algo próximo a uma hegemonia de “uma nação” na escala nacional, no Nordeste ocorria uma “guerra de manobra”, pendendo para os setores populares.

A tentativa de corrigir o déficit de regulação (e de hegemonia) que bloqueava o encaixe (àquela altura já problemático, dadas as contradições da IsI e as estratégias dos oligopólios internacionais) entre a estratégia de acumulação e o projeto hegemônico pre-tendidos, deu-se pela intervenção espacial do Estado através da Sudene.

Não muito após sua fundação em 1959, ficou patente que, naquele contexto, uma estratégia de acumulação substitutiva de importações regionais e uma hegemonia exten-

15 Segundo Fiori (1995, p.132), apesar das transfor-mações estruturais, contra-dições e disfunções, trata-se de “aspectos e dimensões de um pacto social, eco-nômico e político que, em nosso entender, vigoraram durante toda a trajetória de-senvolvimentista”.

16 Entendemos estraté-gia de acumulação como a imposição da lógica de valorização de uma fração hegemônica de capital sobre as outras frações no circuito do capital, completando este circuito com as necessárias formas extra-econômicas (Jessop, 1983). No caso do processo de ISI, a fração in-dustrial passa a ser hegemô-nica, determinando a forma de expansão/mutação/meta-morfose do capital mercantil regional, o abastecimento do setor agrícola (em bens para o consumo urbano e máquinas para o campo) e recebendo fundos transferi-dos do setor exportador.

17 Referimo-nos à polêmica entre Francisco de Oliveira e Bresser Pereira. Para o pri-meiro, o populismo trata-se da instauração de uma nova conciliação de interesses en-tre as classes dominantes, “às expensas das classes dominadas, mas contradito-riamente empurradas por es-tas” (Oliveira, 1989, p.118), assumindo feições de uma Revolução Passiva (como argumenta Werneck Vianna, 1996). Segundo Bresser, o caráter concentrador do po-pulismo, transferindo renda dos trabalhadores para o setor industrial, só surge em sua fase final, “quando ele já se desfigurava” (Bresser Pereira, 1977, p. 121). Com base em Jessop (1983), ar-gumentamos que a forma concreta da hegemonia pode apresentar elementos dos dois momentos, talvez como uma característica provisória do populismo como siste-ma político e como modo de regulação do fordismo periférico.

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siva do tipo popular no Nordeste seriam impossíveis (ver Tavares, 2004). A Sudene, no entanto, representou uma reterritorialização do poder do Estado com o deslocamento da escala da super-regulação para seu território de atuação,18 o que deu nova esperança à questão regional. Neste sentido, destaca-se a coordenação, pela Sudene, de todos os organismos de planejamento federais que atuavam na Região, além de envolver a parti-cipação conjunta de governos federais e estaduais em programas e projetos e representar um esboço do federalismo cooperativo no Brasil, “quebrando a prática centralizada do planejamento nacional” (Bercovici, 2003, p.107). A nova agência era uma autarquia fede-ral com poderes especiais que praticava a “unidade de planejamento e descentralização da execução” (Tavares, 2004). No entanto, a super-regulação não se resume a isto. A Sudene, em seu “mandato democrático” (1959/63), não logrou estabilizar os conflitos em torno da regulação do trabalho e da terra no Nordeste, em razão, sobretudo, da oposição da oligarquia agrária e da burguesia local. A “guerra de manobra” foi apenas contornada, de certa forma, graças ao caráter reformista do órgão e sua estratégia de “ataque pelos flan-cos”, mas continuou representando uma ameaça para os interesses da burguesia industrial do Centro-Sul.

O papel regulatório da Sudene fica nítido se considerarmos que foi apenas através da atuação desta agência que a “abertura” das regiões se completa, assim como a efetiva integração nacional a partir da exportação de capitais produtivos para o Nordeste através do conhecido “Sistema 34/18”. Mais do que isso, a agência foi essencial na transição de uma estratégia de acumulação baseada na substituição de importações para uma baseada no capitalismo associado19 (onde a burguesia doméstica é subordinada), articulando as estratégias escalares das burguesias nacional e internacional.20

Com a necessária modernização produtiva e institucional decorrente da oligopoli-zação do capital, as mudanças na escala produtiva e a complexidade tecnológica limitam a substituição de importações. Desta forma, fez-se necessária a mudança do regime de acumulação para um fordismo periférico “selvagem”, que ao priorizar o setor de bens de consumo duráveis exigiu grande concentração de renda. Como argumenta Conceição (1989), as mudanças maiores foram no modo de regulação, ocorrendo alterações em to-das suas formas institucionais. A Sudene foi importante na reorganização escalar do novo regime de acumulação, facilitando a dominância da escala internacional, no que tange à acumulação, e reforçando a escala nacional em relação à acumulação e à regulação. Seu caráter provisório como escala da super-regulação refinou os instrumentos de intervenção do governo federal e evitou uma guerra de manobra no Nordeste. Se a intervenção da Sudene per se não foi capaz de corrigir o déficit regulatório, foi importante na transição do modo de regulação populista para o fordismo periférico “selvagem” – ou o modo de “regulação autoritário” (Oliveira, 1990) -, servindo de exemplo para as políticas regionais e reorganizando o ajuste espaço-temporal (Jessop e Sum, 2006) desenvolvimentista com seus mecanismos de “fuga para frente” na escala nacional. Este ajuste envolve o estabe-lecimento de alguns limites territoriais e temporais que permitem a reprodução de uma “coerência estruturada”, escolhendo vencedores e perdedores dentro e fora de um dado espaço econômico, associado a seus padrões específicos (embora contestados) de distribui-ção desigual de benefícios e desenvolvimento espacial desigual. Neste sentido, um ajuste espaço-temporal supõe uma seletividade espacial do Estado, relacionada a uma estratégia de acumulação (Jones, 1997).

Durante o Plano de Metas e devido aos requisitos econômicos concentradores da estratégia de industrialização por substituição de importações, nitidamente houve uma

18 Este abrangia todos os Estados da região Nordeste mais o território de Minas Gerais coberto pelo Polígono das Secas.

19 Esta estratégia de acu-mulação caracteriza-se pela hegemonia do capital indus-trial estrangeiro, com cres-cente participação do setor produtivo estatal e do capital financeiro internacional. O setor industrial doméstico e o setor agrário ocuparão po-sição subordinada. Mesmo durante sua crise, a estra-tégia de industrialização por substituição de importações não foi totalmente elimina-da. Como lembra Jessop (1983), existem várias estra-tégias de acumulação com-petindo entre si, recebendo diferentes graus de apoio das frações de capital.

20 Houve também mudan-ças discursivas e nas nar-rativas escalares do projeto hegemônico desenvolvimen-tista, como a inclusão ideoló-gica da segurança nacional, da noção de eficiência e de símbolos como o Brasil--Potência. Esta “adaptação” do projeto hegemônico e sua articulação com a nova estratégia de acumulação teve grande relevância nas políticas regionais pós-1964. Não obstante, os fundamen-tos da ideologia desenvol-vimentista (industrialização, planejamento, centralização e nacionalismo) continuaram determinantes.

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seletividade espacial do Estado em São Paulo. Com a crise do modelo de IsI e a tran-sição para a estratégia de acumulação do capitalismo associado, a seletividade espacial desdobrou-se primeiro para o Nordeste, sendo a Sudene a base para a integração nacional e um “experimento regulatório” que guiou a institucionalidade da política regional no período autoritário, cuja seletividade escalar voltou-se para a macro-região. Os requisitos da nova estratégia de acumulação e do novo modo de regulação, somados ao risco de uma “guerra de posição” em escala nacional, evidenciaram a incapacidade da ordem societal vigente de regular as mudanças na dominância escalar. A solução política adotada exigiu mudanças no bloco histórico21 e no aparelho do Estado que avançaram as condições para uma hegemonia de “duas nações” (Jessop, 1983), onde a aliança política burocrático--autoritária escolheu setores de apoio estrategicamente importantes e voltou-se contra as classes populares como inimigo comum (Cardoso, 1993).

A breve interpretação sobre a “questão regional” e intervenção do Estado apresenta-da aqui pretende chamar atenção para alguns aspectos da construção escalar do Estado e apontar a articulação de estratégias em diferentes horizontes escalares de ação. Buscando um diálogo próximo entre a Abordagem da Regulação e uma interpretação neo-grams-ciana, tentamos mostrar que as escalas são constitutivas da regulação espacial – podendo ser “causas” ou “soluções” para crises regulatórias –, e que a hegemonia é disputada na interpenetração de múltiplas escalas. A análise proposta é compatível com o realismo crítico na medida em que buscamos identificar as condições de estabilização e o interesse geral de um ajuste espaço-temporal (mais abstrato) com base no regime de acumulação e na relação entre estratégias de acumulação, projetos hegemônicos e graus de hegemonia, destacando o seu momento estratégico através de dilemas, contradições e limites à regu-lação. Desta forma, relacionamos as escalas de ação como recursos empregados em dado ajuste espaço temporal para tentar resolver contradições estruturais do capital e seus dile-mas estratégicos (Jessop e Sum, 2006), sem desconhecer que se pode avançar muito mais no que tange a graus de concretude-complexidade e formas mais específicas de “políticas escalares”.

A abordagem apresentada também aponta a insuficiência de análises que limitam a espacialidade do Estado a seu sentido “restrito”, como a maioria dos trabalhos sobre fede-ralismo e relações intergovernamentais, sobre a materialidade institucional do Estado ou sobre a imersão de escalas espaciais em hierarquias de instituições do Estado. Conforme argumenta Brenner (2004), é preciso complementá-las pelo entendimento do espaço do Estado em seu sentido “integral”, o que requer entender o papel das diversas agências do Estado na regulação político-econômica e a imersão de dada escala do Estado em amplas divisões escalares de regulação estatal. Esta abordagem mais completa ilustra a co-evolução dialética do que Brenner denominou “estratégias espaciais e projetos espaciais do Estado” (relacionados à organização administrativa territorial e escalar), tal como tentamos ilustrar tendo como pano de fundo a “questão regional” brasileira. Ademais, permite que se en-tenda a evolução da espacialidade do Estado com base na complexa interação de sucessivas camadas regulatórias com a paisagem institucional (territorial e escalar) herdada, numa dinâmica de path dependency. Como bem ilustra Oliveira (1990, p.67), “o que se encontra não são camadas consistentes que se superpõem, mas um solo misto, combinado, arga-massado, cujos elementos constitutivos interagem dinamicamente”. Sob esta lógica pode-mos observar os conflitos entre o dnocs e a Sudene – que nunca foi efetivamente capaz de regulá-lo -; a transição do “federalismo cooperativo” liderado pela Sudene para uma recentralização administrativa; a perda do privilégio no que tange à seletividade espacial

21 Que incorporou os seto-res modernos do empresa-riado e da classe média, so-bre a hegemonia das Forças Armadas, e alijou grupos tra-dicionais (Cardoso, 1993).

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do Estado e absorção dos programas de incentivos fiscais – decorrentes das mudanças no foco da política regional pós-64 -; e o novo papel dos fundos públicos e empresas estatais atuando no Nordeste, que “unificaram” nacionalmente a estratégia de acumulação do capitalismo associado e reconfiguraram a hegemonia sob a “regulação autoritária”.

CONCLUSÃO

Argumentamos neste artigo que qualquer análise sobre a espacialidade do novo desenvolvimentismo deve dialogar com algumas lacunas existentes nas abordagens tradicionais do Estado Desenvolvimentista – e buscar superá-las. Neste sentido, uma abordagem crítica deve suplantar a noção de poder do Estado territorialmente contíguo, imersa numa imaginação espacial “presa” e focada na escala nacional, por uma abordagem centrada na sociedade que favoreça uma imaginação geográfica estendida, multiescalar e que entenda a soberania e o poder do Estado como fragmentados e negociados interna-mente e externamente (Doucette, 2007). Esta interpretação deve incorporar as tendências e contra-tendências em direção a uma desnacionalização, que inclui a des-territorialização/re-territorialização do poder do Estado em diversas escalas visando uma nova inserção competitiva e a emergência de um regime internacional de políticas.

A espacialidade do Estado “novo desenvolvimentista”, seus projetos e estratégias espaciais (territoriais e escalares), devem ser entendidos com base na rearticulação de um novo projeto hegemônico e uma nova estratégia de acumulação. Enquanto estes elementos estavam bem definidos durante o auge do desenvolvimentismo, ainda existem interroga-ções quanto à sua forma atual e futura. Neste sentido, propomos uma abordagem que cap-turasse os aspectos teóricos daquela dinâmica examinando a construção escalar do Estado a partir da “questão regional” brasileira, onde alguns processos de reescalonamento do Estado foram associados aos regimes de acumulação, projetos hegemônicos e estratégias de acumulação vigentes. Argumentamos que a associação da Abordagem da Regulação com uma interpretação neo-gramsciana fornece elementos promissores para entender as contradições estruturais e estratégicas das políticas escalares e territoriais do Estado. No entanto, muito trabalho ainda é necessário para examinar como estas relações evoluíram até a crise desenvolvimentista e como responderam aos projetos neoliberais. Não obstante, pensamos que uma análise adequada sobre as respostas e dilemas do Estado e da sociedade e sobre os reescalonamentos e a natureza das estratégias em circulação no momento atual dependerá de um estudo detalhado daquelas questões.

REFERÊNCIAS BIBLIOgRáFICAS

ARROYO, M. “Território, mercado e Estado: uma convergência histórica”. GEOgraphia, Ano. 6, N 12, 2004.BERCOVICI, G. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Editora Max Limonad, 2003.BIELSCHOWSKI, R. Pensamento Econômico Brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvi-mentismo. 5ª ed. Rio de Janeiro: contraponto Editora, 2000.BRANDÃO, C. A. Território e Desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.

Marcos Barcellos de Sou-za é economista pelo Insti-tuto de Economia da UFRJ. Mestre e Doutor em Desen-volvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP. E-mail: [email protected].

Ar ti go re ce bi do em setem-bro de 2012 e apro va do pa-ra pu bli ca ção em fevereiro de 2013.

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seletividade espacial do Estado em São Paulo. Com a crise do modelo de IsI e a tran-sição para a estratégia de acumulação do capitalismo associado, a seletividade espacial desdobrou-se primeiro para o Nordeste, sendo a Sudene a base para a integração nacional e um “experimento regulatório” que guiou a institucionalidade da política regional no período autoritário, cuja seletividade escalar voltou-se para a macro-região. Os requisitos da nova estratégia de acumulação e do novo modo de regulação, somados ao risco de uma “guerra de posição” em escala nacional, evidenciaram a incapacidade da ordem societal vigente de regular as mudanças na dominância escalar. A solução política adotada exigiu mudanças no bloco histórico21 e no aparelho do Estado que avançaram as condições para uma hegemonia de “duas nações” (Jessop, 1983), onde a aliança política burocrático--autoritária escolheu setores de apoio estrategicamente importantes e voltou-se contra as classes populares como inimigo comum (Cardoso, 1993).

A breve interpretação sobre a “questão regional” e intervenção do Estado apresenta-da aqui pretende chamar atenção para alguns aspectos da construção escalar do Estado e apontar a articulação de estratégias em diferentes horizontes escalares de ação. Buscando um diálogo próximo entre a Abordagem da Regulação e uma interpretação neo-grams-ciana, tentamos mostrar que as escalas são constitutivas da regulação espacial – podendo ser “causas” ou “soluções” para crises regulatórias –, e que a hegemonia é disputada na interpenetração de múltiplas escalas. A análise proposta é compatível com o realismo crítico na medida em que buscamos identificar as condições de estabilização e o interesse geral de um ajuste espaço-temporal (mais abstrato) com base no regime de acumulação e na relação entre estratégias de acumulação, projetos hegemônicos e graus de hegemonia, destacando o seu momento estratégico através de dilemas, contradições e limites à regu-lação. Desta forma, relacionamos as escalas de ação como recursos empregados em dado ajuste espaço temporal para tentar resolver contradições estruturais do capital e seus dile-mas estratégicos (Jessop e Sum, 2006), sem desconhecer que se pode avançar muito mais no que tange a graus de concretude-complexidade e formas mais específicas de “políticas escalares”.

A abordagem apresentada também aponta a insuficiência de análises que limitam a espacialidade do Estado a seu sentido “restrito”, como a maioria dos trabalhos sobre fede-ralismo e relações intergovernamentais, sobre a materialidade institucional do Estado ou sobre a imersão de escalas espaciais em hierarquias de instituições do Estado. Conforme argumenta Brenner (2004), é preciso complementá-las pelo entendimento do espaço do Estado em seu sentido “integral”, o que requer entender o papel das diversas agências do Estado na regulação político-econômica e a imersão de dada escala do Estado em amplas divisões escalares de regulação estatal. Esta abordagem mais completa ilustra a co-evolução dialética do que Brenner denominou “estratégias espaciais e projetos espaciais do Estado” (relacionados à organização administrativa territorial e escalar), tal como tentamos ilustrar tendo como pano de fundo a “questão regional” brasileira. Ademais, permite que se en-tenda a evolução da espacialidade do Estado com base na complexa interação de sucessivas camadas regulatórias com a paisagem institucional (territorial e escalar) herdada, numa dinâmica de path dependency. Como bem ilustra Oliveira (1990, p.67), “o que se encontra não são camadas consistentes que se superpõem, mas um solo misto, combinado, arga-massado, cujos elementos constitutivos interagem dinamicamente”. Sob esta lógica pode-mos observar os conflitos entre o dnocs e a Sudene – que nunca foi efetivamente capaz de regulá-lo -; a transição do “federalismo cooperativo” liderado pela Sudene para uma recentralização administrativa; a perda do privilégio no que tange à seletividade espacial

21 Que incorporou os seto-res modernos do empresa-riado e da classe média, so-bre a hegemonia das Forças Armadas, e alijou grupos tra-dicionais (Cardoso, 1993).

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do Estado e absorção dos programas de incentivos fiscais – decorrentes das mudanças no foco da política regional pós-64 -; e o novo papel dos fundos públicos e empresas estatais atuando no Nordeste, que “unificaram” nacionalmente a estratégia de acumulação do capitalismo associado e reconfiguraram a hegemonia sob a “regulação autoritária”.

CONCLUSÃO

Argumentamos neste artigo que qualquer análise sobre a espacialidade do novo desenvolvimentismo deve dialogar com algumas lacunas existentes nas abordagens tradicionais do Estado Desenvolvimentista – e buscar superá-las. Neste sentido, uma abordagem crítica deve suplantar a noção de poder do Estado territorialmente contíguo, imersa numa imaginação espacial “presa” e focada na escala nacional, por uma abordagem centrada na sociedade que favoreça uma imaginação geográfica estendida, multiescalar e que entenda a soberania e o poder do Estado como fragmentados e negociados interna-mente e externamente (Doucette, 2007). Esta interpretação deve incorporar as tendências e contra-tendências em direção a uma desnacionalização, que inclui a des-territorialização/re-territorialização do poder do Estado em diversas escalas visando uma nova inserção competitiva e a emergência de um regime internacional de políticas.

A espacialidade do Estado “novo desenvolvimentista”, seus projetos e estratégias espaciais (territoriais e escalares), devem ser entendidos com base na rearticulação de um novo projeto hegemônico e uma nova estratégia de acumulação. Enquanto estes elementos estavam bem definidos durante o auge do desenvolvimentismo, ainda existem interroga-ções quanto à sua forma atual e futura. Neste sentido, propomos uma abordagem que cap-turasse os aspectos teóricos daquela dinâmica examinando a construção escalar do Estado a partir da “questão regional” brasileira, onde alguns processos de reescalonamento do Estado foram associados aos regimes de acumulação, projetos hegemônicos e estratégias de acumulação vigentes. Argumentamos que a associação da Abordagem da Regulação com uma interpretação neo-gramsciana fornece elementos promissores para entender as contradições estruturais e estratégicas das políticas escalares e territoriais do Estado. No entanto, muito trabalho ainda é necessário para examinar como estas relações evoluíram até a crise desenvolvimentista e como responderam aos projetos neoliberais. Não obstante, pensamos que uma análise adequada sobre as respostas e dilemas do Estado e da sociedade e sobre os reescalonamentos e a natureza das estratégias em circulação no momento atual dependerá de um estudo detalhado daquelas questões.

REFERÊNCIAS BIBLIOgRáFICAS

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Marcos Barcellos de Sou-za é economista pelo Insti-tuto de Economia da UFRJ. Mestre e Doutor em Desen-volvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP. E-mail: [email protected].

Ar ti go re ce bi do em setem-bro de 2012 e apro va do pa-ra pu bli ca ção em fevereiro de 2013.

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a B s t r a c t The recent debate about a possible return to “Developmentalism” in Brazil brings out several issues that have been accompanied by polemical debates, especially in the fields of macroeconomics and social policies. We believe this is also an excellent opportunity

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a B s t r a c t The recent debate about a possible return to “Developmentalism” in Brazil brings out several issues that have been accompanied by polemical debates, especially in the fields of macroeconomics and social policies. We believe this is also an excellent opportunity

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to revisit the spatial bases of “developmentalism”, as they provide subsidies to understand the current options and strategies at stake. This article aims to highlight some shortcomings in the construction of the developmental spatial imaginary and to suggest some methodological and conceptual elements to understand the spatial processes under a “new developmentalism”. Therefore, we stress the changing state territoriality and state rescaling and propose an articulation of the Regulation Approach and a neo-Gramscian analysis. In order to illustrate this argument, we apply these concepts in a study of the “regional problem” in Brazil.

K E y w o r d s State; Developmentalism; Methodological Nationalism; Rescaling; Regulation Approach; Hegemony.

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A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

E as ConCEpçõEs dE Espaço, TErriTório E rEgião

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r E s u M o A preocupação que inspirou este artigo foi que políticas públicas podem lograr maior efetividade se sua dimensão espacial for trazida para o primeiro plano. E se noções como espaço, território e região, aqui examinadas, tiverem seus significados devidamente explicitados. Comparativamente, as estratégias de desenvolvimento informadas pela consideração geográfica dos problemas a serem enfrentados tendem a ser mais bem encaminhadas no contexto brasileiro atual. O artigo inicia com uma revisão das trilhas teóricas perseguidas pela Geografia e pela Economia na formulação de seus respectivos conceitos de espaço. Em seguida, avança-se sobre as noções de territó-rio e região, respectivamente, tomadas como elementos centrais para a formulação de políticas que enfatizam a dimensão espacial – buscando, tanto quanto possível, colocar a Geografia e a Economia em diálogo. Por fim, na última seção, procura-se relacionar as concepções examinadas com as estra-tégias de desenvolvimento que se descortinam para o país nessa desafiadora quadra de sua história.

p a l a v r a s - C h a v E Brasil; desenvolvimento; espaço; políticas públicas; região; território.

INTRODUÇÃO

O debate sobre o desenvolvimento no Brasil, esse país de extensão continental e de ainda elevadas desigualdades sociais e regionais, reclama atenção especial para as questões espaciais. As ações desencadeadas em favor da população podem ter endereço e estar mais atreladas aos lugares onde os problemas se manifestam. Do contrário, ocorrem dispersão de esforços, ineficiência no emprego dos meios e ineficácia na obtenção dos resultados almejados.1 O espaço representa um elemento de referência para se ampliar a efetividade das políticas de promoção do desenvolvimento no seu papel de reduzir desigualdades e equiparar as condições básicas da cidadania.

Nesse princípio de Século XXi apresenta-se a possibilidade de construção de uma sociedade mais justa no Brasil. Esta, certamente, guarda relação com a competência adqui-rida em se lidar com as questões espaciais das políticas governamentais. Em especial, das que promovem redução da pobreza e inclusão social, estruturadas a partir dos mecanismos de transferência de renda e outros benefícios às populações carentes.

O estágio inicial de uma trajetória inclusiva de desenvolvimento foi cumprido na década recém-encerrada, abrindo, inclusive, condições para novos avanços. Demandas mais complexas tendem a manifestar-se, exigindo a consideração do espaço como refe-rência importante para as políticas e estratégias de desenvolvimento. Áreas ainda alheias ao significado da dimensão espacial na formulação e condução de suas políticas públicas deverão passar a incorporá-la.

1 Isso não significa negar a importância da adoção de princípios universais na condução das políticas públi-cas, em especial, de cunho social. Em realidade, não há contradição entre políticas focalizadas e universais, desde que seja reservado espaço crescente para as políticas universais. Quanto às primeiras, tão mais ne-cessárias quanto maiores as desigualdades, que este-jam bem orientadas ao seu público-alvo.

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to revisit the spatial bases of “developmentalism”, as they provide subsidies to understand the current options and strategies at stake. This article aims to highlight some shortcomings in the construction of the developmental spatial imaginary and to suggest some methodological and conceptual elements to understand the spatial processes under a “new developmentalism”. Therefore, we stress the changing state territoriality and state rescaling and propose an articulation of the Regulation Approach and a neo-Gramscian analysis. In order to illustrate this argument, we apply these concepts in a study of the “regional problem” in Brazil.

K E y w o r d s State; Developmentalism; Methodological Nationalism; Rescaling; Regulation Approach; Hegemony.

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A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

E as ConCEpçõEs dE Espaço, TErriTório E rEgião

i v o M a r C o s T h E i sa n T ô n i o C a r l o s F . g a l v ã o

r E s u M o A preocupação que inspirou este artigo foi que políticas públicas podem lograr maior efetividade se sua dimensão espacial for trazida para o primeiro plano. E se noções como espaço, território e região, aqui examinadas, tiverem seus significados devidamente explicitados. Comparativamente, as estratégias de desenvolvimento informadas pela consideração geográfica dos problemas a serem enfrentados tendem a ser mais bem encaminhadas no contexto brasileiro atual. O artigo inicia com uma revisão das trilhas teóricas perseguidas pela Geografia e pela Economia na formulação de seus respectivos conceitos de espaço. Em seguida, avança-se sobre as noções de territó-rio e região, respectivamente, tomadas como elementos centrais para a formulação de políticas que enfatizam a dimensão espacial – buscando, tanto quanto possível, colocar a Geografia e a Economia em diálogo. Por fim, na última seção, procura-se relacionar as concepções examinadas com as estra-tégias de desenvolvimento que se descortinam para o país nessa desafiadora quadra de sua história.

p a l a v r a s - C h a v E Brasil; desenvolvimento; espaço; políticas públicas; região; território.

INTRODUÇÃO

O debate sobre o desenvolvimento no Brasil, esse país de extensão continental e de ainda elevadas desigualdades sociais e regionais, reclama atenção especial para as questões espaciais. As ações desencadeadas em favor da população podem ter endereço e estar mais atreladas aos lugares onde os problemas se manifestam. Do contrário, ocorrem dispersão de esforços, ineficiência no emprego dos meios e ineficácia na obtenção dos resultados almejados.1 O espaço representa um elemento de referência para se ampliar a efetividade das políticas de promoção do desenvolvimento no seu papel de reduzir desigualdades e equiparar as condições básicas da cidadania.

Nesse princípio de Século XXi apresenta-se a possibilidade de construção de uma sociedade mais justa no Brasil. Esta, certamente, guarda relação com a competência adqui-rida em se lidar com as questões espaciais das políticas governamentais. Em especial, das que promovem redução da pobreza e inclusão social, estruturadas a partir dos mecanismos de transferência de renda e outros benefícios às populações carentes.

O estágio inicial de uma trajetória inclusiva de desenvolvimento foi cumprido na década recém-encerrada, abrindo, inclusive, condições para novos avanços. Demandas mais complexas tendem a manifestar-se, exigindo a consideração do espaço como refe-rência importante para as políticas e estratégias de desenvolvimento. Áreas ainda alheias ao significado da dimensão espacial na formulação e condução de suas políticas públicas deverão passar a incorporá-la.

1 Isso não significa negar a importância da adoção de princípios universais na condução das políticas públi-cas, em especial, de cunho social. Em realidade, não há contradição entre políticas focalizadas e universais, desde que seja reservado espaço crescente para as políticas universais. Quanto às primeiras, tão mais ne-cessárias quanto maiores as desigualdades, que este-jam bem orientadas ao seu público-alvo.

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Se há avanço na adoção de categorias espaciais em certas políticas, cabe reconhecer que as leituras do espaço estão muitas vezes eivadas de dificuldades conceituais, de inter-pretações parciais, do uso inapropriado de conceitos, de descuidos para com a natureza das relações entre espaço e tempo na determinação do alcance das iniciativas. De um lado, tais deficiências de interpretação residem na inexistência de concepções nítidas; as análises mal acessam os referenciais teóricos subjacentes. De outro, as análises acabam por adotar opções simplificadoras, que reiteram a referência ao espaço como mera dimensão acessória ou complementar dos problemas ditos substantivos que pretendem tratar. Em qualquer caso, tende-se a transformar espaço, território e região em sinônimos.

Menosprezar a dimensão espacial da realidade social não ajuda à sua compreensão. Mas, não existe uma única concepção de espaço. De fato, há uma longa e interminável discussão sobre o espaço e o papel que cumpre na reprodução dos sistemas socioeconô-micos. Trata-se de um debate que, já faz algum tempo, suscita controvérsia e comunica significados próprios para outros conceitos, como território e região. Esse debate reflete as muitas abordagens que disciplinas como a Geografia e a Economia, a partir de pre-ocupações diferentes, lograram construir ao longo do tempo, o que deixa terreno fértil para confusões.

A reprodução social cobra seu preço em termos de poder explicativo dos métodos e teorias mobilizados para prover seu mais adequado entendimento. Daí que muitas con-cepções dominantes são desalojadas por novas visões, que acompanham as mudanças so-ciais. A incessante ida e vinda de paradigmas emergentes, dominantes e cadentes dá conta da dinâmica que preside essa permanente evolução conceitual (Kuhn, 1987).

Que lições úteis nos ensinam a Geografia e a Economia sobre os conceitos de espaço, território e região? E sobre a forma de manuseá-los? Sobre quais perspectivas teóricas eri-gir estratégias futuras para o desenvolvimento do País? Nosso intuito aqui é tratar desses dois ângulos de visão, dos de geógrafos e economistas, enquanto construções históricas significativas e representativas da análise espacial. Muitas vezes suas concepções estiveram próximas e convergiram. Noutras, porém, seguiram percursos diferentes. Para reforçar essa compreensão, é necessário retomar algumas das raízes íntimas desses conceitos e perquirir as razões pelas quais cada disciplina adotou uma ou outra perspectiva.

O pressuposto que nos orienta neste artigo é de que, sobretudo, no momento de passagem de uma fase inicial para outra mais avançada da globalização, políticas públicas tendem a ganhar maior efetividade, num contexto como o brasileiro, se a preocupação com a dimensão espacial for trazida para o primeiro plano.2 E se forem explicitados os significados de noções como espaço, território e região, que podem informar as estraté-gias de desenvolvimento para o enfrentamento dos graves problemas que ainda desafiam os brasileiros.

O artigo estrutura-se, assim, a partir da revisão das trilhas teóricas perseguidas pela Geografia e pela Economia. Procura-se, inicialmente, explorar em maior detalhe o con-ceito de espaço. Em seguida, revisam-se as noções de território e região como elementos centrais às formulações de políticas que enfatizam a dimensão espacial. Com relação a esses conceitos, busca-se explorar as conexões orgânicas com outros conceitos estruturan-tes (como o de nação), com vistas a desvelar sua associação com as instâncias da política. Finalmente, na última seção, procura-se relacionar as concepções examinadas com as estratégias de desenvolvimento adotadas no país.

2 Convém lembrar que as políticas públicas, propria-mente, não constituem o ob-jeto deste artigo. É oportuno notar, porém, uma desconsi-deração quase generalizada da literatura sobre o tema (que, talvez, não deva sur-preender) com a espaciali-dade das políticas públicas, por exemplo, com os seus impactos no território (Frey, 2000; Heidemann e Salm, 2009; Souza, 2003; Souza, 2006).

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CONCEPÇÕES DE ESPAÇO... NA GEOGRAFIA E NA ECONOMIA

O termo espaço costuma ser associado à distância, vizinhança, distribuição, limites ou fronteiras. É assim que tende a ser empregado por diferentes áreas do conhecimento. Mas ele também pode ser relacionado a uma divisão espacial do trabalho e referido a uma dada alocação econômica de recursos. Esse é o sentido de espaço utilizado pela Geografia Econômica e disciplinas afins. Espaço pode ser reportado, ainda, ao significado espacial de fenômenos sociais e/ou políticos relevantes. É assim que se entende espaço desde discipli-nas como a Geografia Social e a Geopolítica, respectivamente. Para além desses sentidos conhecidos de espaço, também se fala, já faz um tempo, de espaços virtuais e cyberespaços. Mas, o que é mesmo espaço? Aliás, como a Geografia define espaço?

A tarefa da Geografia, da Antigüidade até o século XiX, era oferecer a quem por isso se interessasse uma descrição apropriada da Terra (no sentido dado pela Geografia alemã: Land). O conhecimento geográfico, portanto, compreendia um conjunto de conteúdos que dizia respeito ao que, em cada época, revelava conhecimento de tudo o que podia ser identificado na superfície do planeta. Todavia, na segunda metade do século Xviii, a partir da importante contribuição do filósofo Immanuel Kant, na condi-ção de professor de Geografia Física na Universität Königsberg, entre 1756 e 1796, dois elementos passaram a ser destacados nessa tarefa: terra (no sentido dado pela Geografia alemã: Land) e população (Leute). Ou seja, com Kant, a Geografia passou a descrever as relações entre os indivíduos e o lugar (considerado em termos de suas características físicas) onde viviam.

A partir do século XiX, duas correntes no interior da Geografia viriam a dar o tom do debate sobre a relação entre terra e população – uma relação que passou a se traduzir como entre espaço (em alemão: Raum) e ser humano (em alemão: Mensch): o determi-nismo geográfico (também conhecido como determinismo ambiental, uma tradução de Naturdeterminismus) e o possibilismo. O determinismo geográfico teve no alemão Friedrich Ratzel, fundador da Geografia Humana, seu mais conhecido propagador. Este defendia que o ser humano era condicionado pelo ambiente físico em que vivia. Isso significava que o espaço impunha as condições para a sobrevivência dos indivíduos (Lebensraum). Assim, alguns espaços (por exemplo, aqueles em que as temperaturas são mais amenas) seriam mais propícios para o florescimento das comunidades humanas (por exemplo, em termos de produção material) que outros (por exemplo, aqueles em que as temperaturas são muito baixas ou muito altas). A essa corrente está associada à difusão do termo terri-tório. Já o possibilismo confundiu-se com a obra do francês Paul Vidal de la Blache, que postulava que era o ser humano quem moldava o espaço em que vivia. Isso significava que o ambiente físico não impunha limitações à sobrevivência humana a priori; pelo contrário, na perspectiva do possibilismo (termo cunhado pelo historiador Lucien Febvre, aluno de la Blache), o ambiente físico provia inúmeras possibilidades para que os indivíduos gerassem condições adequadas para adaptá-lo às suas necessidades e exigências. A essa corrente está associada a generalização do uso do termo região (Theis, 2000, p. 57-59).

O espaço que aqui interessa é, evidentemente, o espaço geográfico. No entanto, o interesse nesse conceito está relacionado à preocupação com a compreensão das lógicas que presidem as interações entre as atividades econômicas e os lugares onde ocorrem. Esse espaço talvez já pudesse ser dito espaço econômico. Antes, contudo, cabe precisar melhor a explicação derivada da própria Geografia.

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Se há avanço na adoção de categorias espaciais em certas políticas, cabe reconhecer que as leituras do espaço estão muitas vezes eivadas de dificuldades conceituais, de inter-pretações parciais, do uso inapropriado de conceitos, de descuidos para com a natureza das relações entre espaço e tempo na determinação do alcance das iniciativas. De um lado, tais deficiências de interpretação residem na inexistência de concepções nítidas; as análises mal acessam os referenciais teóricos subjacentes. De outro, as análises acabam por adotar opções simplificadoras, que reiteram a referência ao espaço como mera dimensão acessória ou complementar dos problemas ditos substantivos que pretendem tratar. Em qualquer caso, tende-se a transformar espaço, território e região em sinônimos.

Menosprezar a dimensão espacial da realidade social não ajuda à sua compreensão. Mas, não existe uma única concepção de espaço. De fato, há uma longa e interminável discussão sobre o espaço e o papel que cumpre na reprodução dos sistemas socioeconô-micos. Trata-se de um debate que, já faz algum tempo, suscita controvérsia e comunica significados próprios para outros conceitos, como território e região. Esse debate reflete as muitas abordagens que disciplinas como a Geografia e a Economia, a partir de pre-ocupações diferentes, lograram construir ao longo do tempo, o que deixa terreno fértil para confusões.

A reprodução social cobra seu preço em termos de poder explicativo dos métodos e teorias mobilizados para prover seu mais adequado entendimento. Daí que muitas con-cepções dominantes são desalojadas por novas visões, que acompanham as mudanças so-ciais. A incessante ida e vinda de paradigmas emergentes, dominantes e cadentes dá conta da dinâmica que preside essa permanente evolução conceitual (Kuhn, 1987).

Que lições úteis nos ensinam a Geografia e a Economia sobre os conceitos de espaço, território e região? E sobre a forma de manuseá-los? Sobre quais perspectivas teóricas eri-gir estratégias futuras para o desenvolvimento do País? Nosso intuito aqui é tratar desses dois ângulos de visão, dos de geógrafos e economistas, enquanto construções históricas significativas e representativas da análise espacial. Muitas vezes suas concepções estiveram próximas e convergiram. Noutras, porém, seguiram percursos diferentes. Para reforçar essa compreensão, é necessário retomar algumas das raízes íntimas desses conceitos e perquirir as razões pelas quais cada disciplina adotou uma ou outra perspectiva.

O pressuposto que nos orienta neste artigo é de que, sobretudo, no momento de passagem de uma fase inicial para outra mais avançada da globalização, políticas públicas tendem a ganhar maior efetividade, num contexto como o brasileiro, se a preocupação com a dimensão espacial for trazida para o primeiro plano.2 E se forem explicitados os significados de noções como espaço, território e região, que podem informar as estraté-gias de desenvolvimento para o enfrentamento dos graves problemas que ainda desafiam os brasileiros.

O artigo estrutura-se, assim, a partir da revisão das trilhas teóricas perseguidas pela Geografia e pela Economia. Procura-se, inicialmente, explorar em maior detalhe o con-ceito de espaço. Em seguida, revisam-se as noções de território e região como elementos centrais às formulações de políticas que enfatizam a dimensão espacial. Com relação a esses conceitos, busca-se explorar as conexões orgânicas com outros conceitos estruturan-tes (como o de nação), com vistas a desvelar sua associação com as instâncias da política. Finalmente, na última seção, procura-se relacionar as concepções examinadas com as estratégias de desenvolvimento adotadas no país.

2 Convém lembrar que as políticas públicas, propria-mente, não constituem o ob-jeto deste artigo. É oportuno notar, porém, uma desconsi-deração quase generalizada da literatura sobre o tema (que, talvez, não deva sur-preender) com a espaciali-dade das políticas públicas, por exemplo, com os seus impactos no território (Frey, 2000; Heidemann e Salm, 2009; Souza, 2003; Souza, 2006).

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CONCEPÇÕES DE ESPAÇO... NA GEOGRAFIA E NA ECONOMIA

O termo espaço costuma ser associado à distância, vizinhança, distribuição, limites ou fronteiras. É assim que tende a ser empregado por diferentes áreas do conhecimento. Mas ele também pode ser relacionado a uma divisão espacial do trabalho e referido a uma dada alocação econômica de recursos. Esse é o sentido de espaço utilizado pela Geografia Econômica e disciplinas afins. Espaço pode ser reportado, ainda, ao significado espacial de fenômenos sociais e/ou políticos relevantes. É assim que se entende espaço desde discipli-nas como a Geografia Social e a Geopolítica, respectivamente. Para além desses sentidos conhecidos de espaço, também se fala, já faz um tempo, de espaços virtuais e cyberespaços. Mas, o que é mesmo espaço? Aliás, como a Geografia define espaço?

A tarefa da Geografia, da Antigüidade até o século XiX, era oferecer a quem por isso se interessasse uma descrição apropriada da Terra (no sentido dado pela Geografia alemã: Land). O conhecimento geográfico, portanto, compreendia um conjunto de conteúdos que dizia respeito ao que, em cada época, revelava conhecimento de tudo o que podia ser identificado na superfície do planeta. Todavia, na segunda metade do século Xviii, a partir da importante contribuição do filósofo Immanuel Kant, na condi-ção de professor de Geografia Física na Universität Königsberg, entre 1756 e 1796, dois elementos passaram a ser destacados nessa tarefa: terra (no sentido dado pela Geografia alemã: Land) e população (Leute). Ou seja, com Kant, a Geografia passou a descrever as relações entre os indivíduos e o lugar (considerado em termos de suas características físicas) onde viviam.

A partir do século XiX, duas correntes no interior da Geografia viriam a dar o tom do debate sobre a relação entre terra e população – uma relação que passou a se traduzir como entre espaço (em alemão: Raum) e ser humano (em alemão: Mensch): o determi-nismo geográfico (também conhecido como determinismo ambiental, uma tradução de Naturdeterminismus) e o possibilismo. O determinismo geográfico teve no alemão Friedrich Ratzel, fundador da Geografia Humana, seu mais conhecido propagador. Este defendia que o ser humano era condicionado pelo ambiente físico em que vivia. Isso significava que o espaço impunha as condições para a sobrevivência dos indivíduos (Lebensraum). Assim, alguns espaços (por exemplo, aqueles em que as temperaturas são mais amenas) seriam mais propícios para o florescimento das comunidades humanas (por exemplo, em termos de produção material) que outros (por exemplo, aqueles em que as temperaturas são muito baixas ou muito altas). A essa corrente está associada à difusão do termo terri-tório. Já o possibilismo confundiu-se com a obra do francês Paul Vidal de la Blache, que postulava que era o ser humano quem moldava o espaço em que vivia. Isso significava que o ambiente físico não impunha limitações à sobrevivência humana a priori; pelo contrário, na perspectiva do possibilismo (termo cunhado pelo historiador Lucien Febvre, aluno de la Blache), o ambiente físico provia inúmeras possibilidades para que os indivíduos gerassem condições adequadas para adaptá-lo às suas necessidades e exigências. A essa corrente está associada a generalização do uso do termo região (Theis, 2000, p. 57-59).

O espaço que aqui interessa é, evidentemente, o espaço geográfico. No entanto, o interesse nesse conceito está relacionado à preocupação com a compreensão das lógicas que presidem as interações entre as atividades econômicas e os lugares onde ocorrem. Esse espaço talvez já pudesse ser dito espaço econômico. Antes, contudo, cabe precisar melhor a explicação derivada da própria Geografia.

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Entre as contribuições recentes de uma Geografia mais crítica se destacam a do filóso-fo francês Henri Lefebvre e a do geógrafo brasileiro Milton Santos. O espaço, geográfico, na perspectiva lefebvriana, parece colocar-se num continuum subjetividade-objetividade. Aí se identifica, inicialmente, um espaço material, isto é, o espaço da experiência, suscetível à percepção desde o contato físico e as sensações. Depois, há uma representação do espaço, isto é, um espaço ainda real, mas agora concebido e apreendido pelos indivíduos. E, por fim, têm-se espaços de representação, isto é, espaços da imaginação, das emoções e dos sen-tidos incorporados do cotidiano. Trata-se, pois, de um espaço (construído) que contém dimensões materiais, conceptuais e/ou vividas (Lefebvre, 1991; Godoy, 2008).

Já o espaço na original perspectiva de Milton Santos é referido a um todo social, captado na e através da realidade geográfica, a partir da articulação dialética entre forma e conteúdo (Santos, 2008, p. 13). Há, contudo, que atentar para o fato de que esta noção de espaço acabaria sendo lapidada ao longo de sua extensa produção intelectual (Saquet e Silva, 2008). Por exemplo, os ensaios de mais nítida inspiração marxista, sobretudo aqueles publicados em meados dos anos 1970 até o início dos anos 1980,3 dariam lugar, da segunda metade dessa década em diante, a escritos nos quais a noção de espaço seria associada a outras preocupações e fundamentada em outras inspirações – escritos que, todavia, não se revelariam, por isso, menos instigantes e críticos.

Todavia, uma das formulações mais avançadas desse conceito na Geografia parece ser a derivada do trabalho do geógrafo britânico David Harvey. Ele concluiu, num ensaio re-cente, que o termo espaço revela ser uma palavra-chave extraordinariamente complicada. Ele funciona mesmo como termo composto... Por resultar de múltiplas determinações. De modo que – assim propõe – uma concepção específica de espaço não pode conferir significado ao que quer que seja se isolada de outras concepções. No entanto, é precisa-mente isso que torna o termo, sobretudo, se unido a tempo, tão rico em possibilidades (Harvey, 2006, p. 148). Parece ser um bom mote para se conhecer melhor o que tem a dizer sobre espaço.

É evidente: desde a Geografia, o espaço pode ser considerado uma coisa em si mes-ma, ter sua existência tomada independentemente da matéria circundante. Esse é o con-ceito de espaço absoluto, o mais difundido. É o espaço utilizado como recipiente, escaninho ou compartimento, em que se dispõem ou depositam coisas. Contudo, o espaço, também, pode ser considerado como uma relação de objetos. Esse é o espaço relativo, uma interação entre coisas; esta ocorre, precisamente, por causa das coisas existentes, que se relacionam umas com as outras. Há, por fim, um espaço que está contido nas coisas mesmas. Esse é o espaço relacional, em face do qual um objeto existe apenas na medida em que contém (e representa em si mesmo) relações com outros objetos (Harvey, 1973, p. 13).

A concepção de espaço absoluto é, perfeitamente, adequada para questões de pro-priedade e delimitação de fronteiras. Assim, também, com as concepções de espaço relati-vo e espaço relacional, que são adequadas para outras questões. Em princípio, parece mais indicado tomar as três concepções, em tensão dialética umas com as outras, e procurar captar a realidade factual como resultado da interconexão entre elas. Entretanto, a des-peito da conveniência de se considerar ou uma ou outra das citadas concepções, segundo seja o caso, parece impossível compreender o terreno, em permanente mudança, sobre o qual se forma a subjetividade política e se desenrolam as ações políticas – que é o que aqui importa – se não se considerá-lo em termos relacionais.4

Um exemplo é a economia política de corte marxista, que parece passível de apreen-são somente de uma perspectiva relacional. O mundo aí descortinado é um no qual rela-

3 Entre outros, podem ser, especialmente, menciona-dos “Espaço e dominação: uma abordagem marxista”, de 1975 (capítulo 5, Santos, 2003), “Sociedade e espa-ço: a formação social como teoria e método”, de 1977 (capítulo 1, Santos, 2005) e “Espaço e capital: o meio técnico-científico” (capítulo 3, Santos, 2008).

4 Ver Harvey (2006, p. 126, 129). Pierre Bourdieu afirma, a propósito, que “é preci-so pensar relacionalmente” (2005, p. 27). E justifica: “Se é verdade que o real é relacional, pode acontecer que eu nada saiba de uma instituição acerca da qual eu julgo saber tudo, porque ela nada é fora das suas rela-ções com o todo” (Bourdieu, 2005, p. 31).

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ções materiais são estabelecidas entre os indivíduos. Isto é, as pessoas interagem umas com as outras por intermédio do que produzem e comercializam. As relações sociais, portanto, não são (como a ciência social convencional as concebe) interações entre seres humanos que vivem em harmonia em sociedade. São relações, socialmente construídas, entre coisas. O valor, em termos marxistas, é uma relação social. Portanto, concebido relacionalmente. Seu quadro de referência é dado pelo espaço-tempo relacional. O valor de uma mercado-ria, um carro, por exemplo, internaliza toda a geografia histórica de infindáveis processos concretos de trabalho, sob condições específicas em que se dá a acumulação de capital (considerem-se, por exemplo, as quase ilimitadas possibilidades de interações entre traba-lho vivo e trabalho morto) no espaço-tempo do mercado mundial. Aí estão subjacentes os traços da história de proletarização dos indivíduos, portanto, de sua conversão em instrumentos para a valorização do capital; assim como, do desenvolvimento científico e tecnológico e, portanto, da natureza e da qualidade dos objetos produzidos; e da constante modificação do espaço, não apenas a que corresponde à mudança de uma fração do meio físico em ambiente construído, mas, sobretudo, a que diz respeito à alteração e à transfor-mação (permanentes) deste último (Harvey, 2006, p. 142).

De modo que o espaço geográfico pode ser muitas coisas. Por exemplo, reduzido a um recipiente, a ser preenchido e esvaziado com os objetos e as relações do mundo material. Ou a uma relação entre coisas. No entanto, uma compreensão mais apropriada deveria levar em consideração que o espaço é uma dimensão importante e, sobretudo, condição primária da existência humana. O que implica a necessidade de atentar, simul-taneamente, para as três concepções de espaço indicadas. Inclusive, quando se trata do que se chama espaço econômico. É raro, porém, encontrar na Economia uma formulação mais elaborada de espaço, como proposta por Harvey e outros geógrafos críticos.5

Para a Economia convencional, a questão que, da primeira metade do século XiX até a primeira metade do século XX despertou maior atenção foi a localização das firmas e das atividades produtivas e, posteriormente, o ordenamento dos sistemas de cidades e suas áreas de influência. A partir dos trabalhos de von Thünen (1826), passando pelas contribuições de Alfred Weber (1909), Walter Christaller (1933) e August Lösch (1940), o problema da distribuição ótima das atividades no espaço e da hierarquia das cidades pelo gradiente de suas funções fascinou gerações de estudiosos. Menos difundidas fora da Alemanha, essas contribuições encontrariam, mais tarde, um ponto de convergência na síntese elaborada por Walter Isard (1960), que viria a ser o marco da Regional Science.

Nesses trabalhos, os espaços, que hoje seriam chamados de regiões (e que compre-endiam as frações de um espaço mais amplo, que hoje seria chamado de território) eram considerados estruturantes das configurações espaciais observadas. O espaço abstrato e ideal, matematizado e geometrizado, era teorizado a partir dos conceitos básicos de distância e custos de transporte. Ele moldaria as relações entre os agentes econômicos, produtores e consumidores, fossem elas atividades agrícolas, industriais ou de serviços. As posições relativas das cidades no espaço considerado conformavam redes hierarquizadas, que refletiam a maior provisão de serviços essenciais. Aos poucos, outras variáveis, como os custos de mão-de-obra e os fatores de aglomeração, ganhariam relevância. Seguindo a lógica teórica neoclássica, essas concepções confluíam para uma noção de espaço como mero receptáculo de relações econômicas e sociais.

Já na era keynesiana, novas concepções teóricas, inspiradas na concorrência im-perfeita e nas desproporções de poder entre as firmas nos mercados, promoveram uma guinada nas interpretações espaciais (Hirschman, 1961; Myrdal, 1972; Perroux, 1967).

5 Embora esse ponto, em especial, não seja avançado no presente artigo, dadas as intenções devidamente expli-citadas na introdução, cabe observar que, no início dos anos 1980, David Harvey, por intermédio de seu “The Limits to Capital” (sobretu-do, nos capítulos 11 a 13), e Neil Smith, por meio de seu “Uneven Development” (principalmente, no capítulo 3), formulariam uma noção de espaço (coerente com o conceito relacional de espa-ço) referido a uma original teoria do desenvolvimento geográfico desigual (ver Har-vey, 1982, p. 415-445; e Smith, 1988, p. 191-219).

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Entre as contribuições recentes de uma Geografia mais crítica se destacam a do filóso-fo francês Henri Lefebvre e a do geógrafo brasileiro Milton Santos. O espaço, geográfico, na perspectiva lefebvriana, parece colocar-se num continuum subjetividade-objetividade. Aí se identifica, inicialmente, um espaço material, isto é, o espaço da experiência, suscetível à percepção desde o contato físico e as sensações. Depois, há uma representação do espaço, isto é, um espaço ainda real, mas agora concebido e apreendido pelos indivíduos. E, por fim, têm-se espaços de representação, isto é, espaços da imaginação, das emoções e dos sen-tidos incorporados do cotidiano. Trata-se, pois, de um espaço (construído) que contém dimensões materiais, conceptuais e/ou vividas (Lefebvre, 1991; Godoy, 2008).

Já o espaço na original perspectiva de Milton Santos é referido a um todo social, captado na e através da realidade geográfica, a partir da articulação dialética entre forma e conteúdo (Santos, 2008, p. 13). Há, contudo, que atentar para o fato de que esta noção de espaço acabaria sendo lapidada ao longo de sua extensa produção intelectual (Saquet e Silva, 2008). Por exemplo, os ensaios de mais nítida inspiração marxista, sobretudo aqueles publicados em meados dos anos 1970 até o início dos anos 1980,3 dariam lugar, da segunda metade dessa década em diante, a escritos nos quais a noção de espaço seria associada a outras preocupações e fundamentada em outras inspirações – escritos que, todavia, não se revelariam, por isso, menos instigantes e críticos.

Todavia, uma das formulações mais avançadas desse conceito na Geografia parece ser a derivada do trabalho do geógrafo britânico David Harvey. Ele concluiu, num ensaio re-cente, que o termo espaço revela ser uma palavra-chave extraordinariamente complicada. Ele funciona mesmo como termo composto... Por resultar de múltiplas determinações. De modo que – assim propõe – uma concepção específica de espaço não pode conferir significado ao que quer que seja se isolada de outras concepções. No entanto, é precisa-mente isso que torna o termo, sobretudo, se unido a tempo, tão rico em possibilidades (Harvey, 2006, p. 148). Parece ser um bom mote para se conhecer melhor o que tem a dizer sobre espaço.

É evidente: desde a Geografia, o espaço pode ser considerado uma coisa em si mes-ma, ter sua existência tomada independentemente da matéria circundante. Esse é o con-ceito de espaço absoluto, o mais difundido. É o espaço utilizado como recipiente, escaninho ou compartimento, em que se dispõem ou depositam coisas. Contudo, o espaço, também, pode ser considerado como uma relação de objetos. Esse é o espaço relativo, uma interação entre coisas; esta ocorre, precisamente, por causa das coisas existentes, que se relacionam umas com as outras. Há, por fim, um espaço que está contido nas coisas mesmas. Esse é o espaço relacional, em face do qual um objeto existe apenas na medida em que contém (e representa em si mesmo) relações com outros objetos (Harvey, 1973, p. 13).

A concepção de espaço absoluto é, perfeitamente, adequada para questões de pro-priedade e delimitação de fronteiras. Assim, também, com as concepções de espaço relati-vo e espaço relacional, que são adequadas para outras questões. Em princípio, parece mais indicado tomar as três concepções, em tensão dialética umas com as outras, e procurar captar a realidade factual como resultado da interconexão entre elas. Entretanto, a des-peito da conveniência de se considerar ou uma ou outra das citadas concepções, segundo seja o caso, parece impossível compreender o terreno, em permanente mudança, sobre o qual se forma a subjetividade política e se desenrolam as ações políticas – que é o que aqui importa – se não se considerá-lo em termos relacionais.4

Um exemplo é a economia política de corte marxista, que parece passível de apreen-são somente de uma perspectiva relacional. O mundo aí descortinado é um no qual rela-

3 Entre outros, podem ser, especialmente, menciona-dos “Espaço e dominação: uma abordagem marxista”, de 1975 (capítulo 5, Santos, 2003), “Sociedade e espa-ço: a formação social como teoria e método”, de 1977 (capítulo 1, Santos, 2005) e “Espaço e capital: o meio técnico-científico” (capítulo 3, Santos, 2008).

4 Ver Harvey (2006, p. 126, 129). Pierre Bourdieu afirma, a propósito, que “é preci-so pensar relacionalmente” (2005, p. 27). E justifica: “Se é verdade que o real é relacional, pode acontecer que eu nada saiba de uma instituição acerca da qual eu julgo saber tudo, porque ela nada é fora das suas rela-ções com o todo” (Bourdieu, 2005, p. 31).

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ções materiais são estabelecidas entre os indivíduos. Isto é, as pessoas interagem umas com as outras por intermédio do que produzem e comercializam. As relações sociais, portanto, não são (como a ciência social convencional as concebe) interações entre seres humanos que vivem em harmonia em sociedade. São relações, socialmente construídas, entre coisas. O valor, em termos marxistas, é uma relação social. Portanto, concebido relacionalmente. Seu quadro de referência é dado pelo espaço-tempo relacional. O valor de uma mercado-ria, um carro, por exemplo, internaliza toda a geografia histórica de infindáveis processos concretos de trabalho, sob condições específicas em que se dá a acumulação de capital (considerem-se, por exemplo, as quase ilimitadas possibilidades de interações entre traba-lho vivo e trabalho morto) no espaço-tempo do mercado mundial. Aí estão subjacentes os traços da história de proletarização dos indivíduos, portanto, de sua conversão em instrumentos para a valorização do capital; assim como, do desenvolvimento científico e tecnológico e, portanto, da natureza e da qualidade dos objetos produzidos; e da constante modificação do espaço, não apenas a que corresponde à mudança de uma fração do meio físico em ambiente construído, mas, sobretudo, a que diz respeito à alteração e à transfor-mação (permanentes) deste último (Harvey, 2006, p. 142).

De modo que o espaço geográfico pode ser muitas coisas. Por exemplo, reduzido a um recipiente, a ser preenchido e esvaziado com os objetos e as relações do mundo material. Ou a uma relação entre coisas. No entanto, uma compreensão mais apropriada deveria levar em consideração que o espaço é uma dimensão importante e, sobretudo, condição primária da existência humana. O que implica a necessidade de atentar, simul-taneamente, para as três concepções de espaço indicadas. Inclusive, quando se trata do que se chama espaço econômico. É raro, porém, encontrar na Economia uma formulação mais elaborada de espaço, como proposta por Harvey e outros geógrafos críticos.5

Para a Economia convencional, a questão que, da primeira metade do século XiX até a primeira metade do século XX despertou maior atenção foi a localização das firmas e das atividades produtivas e, posteriormente, o ordenamento dos sistemas de cidades e suas áreas de influência. A partir dos trabalhos de von Thünen (1826), passando pelas contribuições de Alfred Weber (1909), Walter Christaller (1933) e August Lösch (1940), o problema da distribuição ótima das atividades no espaço e da hierarquia das cidades pelo gradiente de suas funções fascinou gerações de estudiosos. Menos difundidas fora da Alemanha, essas contribuições encontrariam, mais tarde, um ponto de convergência na síntese elaborada por Walter Isard (1960), que viria a ser o marco da Regional Science.

Nesses trabalhos, os espaços, que hoje seriam chamados de regiões (e que compre-endiam as frações de um espaço mais amplo, que hoje seria chamado de território) eram considerados estruturantes das configurações espaciais observadas. O espaço abstrato e ideal, matematizado e geometrizado, era teorizado a partir dos conceitos básicos de distância e custos de transporte. Ele moldaria as relações entre os agentes econômicos, produtores e consumidores, fossem elas atividades agrícolas, industriais ou de serviços. As posições relativas das cidades no espaço considerado conformavam redes hierarquizadas, que refletiam a maior provisão de serviços essenciais. Aos poucos, outras variáveis, como os custos de mão-de-obra e os fatores de aglomeração, ganhariam relevância. Seguindo a lógica teórica neoclássica, essas concepções confluíam para uma noção de espaço como mero receptáculo de relações econômicas e sociais.

Já na era keynesiana, novas concepções teóricas, inspiradas na concorrência im-perfeita e nas desproporções de poder entre as firmas nos mercados, promoveram uma guinada nas interpretações espaciais (Hirschman, 1961; Myrdal, 1972; Perroux, 1967).

5 Embora esse ponto, em especial, não seja avançado no presente artigo, dadas as intenções devidamente expli-citadas na introdução, cabe observar que, no início dos anos 1980, David Harvey, por intermédio de seu “The Limits to Capital” (sobretu-do, nos capítulos 11 a 13), e Neil Smith, por meio de seu “Uneven Development” (principalmente, no capítulo 3), formulariam uma noção de espaço (coerente com o conceito relacional de espa-ço) referido a uma original teoria do desenvolvimento geográfico desigual (ver Har-vey, 1982, p. 415-445; e Smith, 1988, p. 191-219).

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Elas vaticinavam que a tendência da organização social capitalista era o desequilíbrio. E que a evolução das sociedades ocorria, exatamente, nos solavancos recorrentes, motor das mudanças econômicas. Às políticas de desenvolvimento caberia estimular tais rupturas.

O espaço interessava enquanto reflexo das relações econômicas dominantes, que dão forma aos vetores principais de transformação. A noção de espaço econômico de Perroux (1967), assim como a de Boudeville (1961), quebrava a associação preferencial ao equi-líbrio, à concorrência perfeita e a outros pressupostos atrelados à concepção neoclássica, como o perfeito conhecimento dos mercados pelos agentes econômicos. Também inspi-rada pelos espaços abstratos da matemática, sobretudo, em François Perroux, ela definia a presença marcante de pontos ou polos de desenvolvimento, que concentram os recursos e confirmam as dotações desiguais de poder entre as distintas frações do capital. As unidades mais aptas reforçam crescentemente suas posições sobre as demais, num mundo em que as estruturas de mercado e os padrões da concorrência estão mais próximos dos modelos oligopolistas. A economia dos pólos de desenvolvimento envereda, aqui, pela realização dos processos de acumulação de capital e reprodução social concentrados no território, dando lugar à mencionada guinada de abordagens espaciais.

Outros enfoques na Economia, de inspiração marxista, têm avançado na formulação de uma noção mais elaborada de espaço. Uma primeira é a perspectiva adotada por José Luis Coraggio (Galvão, 1988), para quem espaço é um envoltório ou receptáculo de elementos e relações econômicas e sociais. Essa vertente pretendeu analisar os elementos históricos concretos, determinismos, para desnudar o substrato lógico-teórico dos proces-sos relevantes para a análise espacial. Buscou, assim, leis abstratas capazes de responder a critérios de recorrência e legalidade, que importam na identificação de formas espaciais e, portanto, teorias espaciais. Se, por um lado, o espaço real é “uma categoria (determinação constitutiva) [...] uma condição de existência dos objetos físicos e tal qual o tempo não existe por si mesmo, por outro, não é, tampouco, uma propriedade física dos corpos; tal propriedade advém [...] da espacialidade” (Coraggio, 1980, p. 9). Essa propriedade permite mediar a relação entre duas ordens de ser – física e social – na conjugação dos respectivos fatores determinantes dessa dimensão espacial comum dos fenômenos sociais.

Outra vertente que inspira a análise econômica pós-neoclássica e pós-keynesiana, cuja tradição recente reporta à Geografia crítica, considera o espaço como elemento inte-grante da realidade material, produzido e reproduzido na ordem social (Harvey, 1982). O espaço construído é, em si mesmo, uma categoria dessa ordem. Também nesse caso recorre--se à história para dela retirar o substrato necessário para a análise. Mas, aí se procura afas-tar concepções que confluem para uma apreensão abstrata e geral dos fenômenos espaciais. Não se especificam leis. Procede-se à análise contextual de relações sociais, enfatizando-se as econômicas, com especial atenção à organização espacial da sociedade. Com esse fim, abandonam-se as pretensões de construção de um arcabouço teórico universal, aplicável a todos os campos do conhecimento. Assim, questões envolvidas numa visão geral do espa-ço são deixadas para trás em favor de uma visão que define seu objeto, desde o início, co-mo um atributo social: a localização das atividades humanas, que é socialmente produzida.6

A noção de espaço construído resguarda aspectos cruciais para a compreensão das configurações e organizações espaciais, incluindo o necessário enraizamento espacial--temporal de parcela do movimento geral do capital, incrustrado em formas de capital fixo e infraestruturas, cujo ciclo de rotação e tempo de circulação se estende por prazos mais longos. A forma geral abstrata da relação social capitalista envolve, para além desta equação reprodutiva ideal, variadas manifestações espaço-temporais de processos de acu-

6 De maneira assemelha-da, porém, a partir de ou-tro contexto teórico, a nova geografia econômica de Paul Krugman e seguidores define seu objeto como a localização da produção no espaço (Krugman, 1997; Krugman, 1999).

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mulação e de formas consorciadas de circulação de rendas – aluguéis, juros e impostos. Elas concorrem para a regulação do sistema, atenuando-lhe tensões congênitas. Além disso, cabe considerar que a forma do capital a juros desdobra-se sobre as demais esferas, reafirmando a relativa ascendência do dinheiro e do crédito na equação capitalista. Ao replicar sua lógica sobre o mercado de terras, de títulos da dívida pública e outros campos, financeiriza a circulação dessas rendas, que, assim, podem assumir a forma de capital fic-tício. Se e quando isso acontece, o desenvolvimento da relação capitalista é impulsionado ainda mais fortemente.

Mas é na compreensão do papel que o espaço exerce na dinâmica capitalista, sobre-tudo, no movimento de valorização/desvalorização, que a abordagem de David Harvey mostrou-se adequada, logrando sua análise dar um passo à frente.7 Esse passo consistiu, basicamente, na explicitação dos mecanismos pelos quais o capital amplia seu comando sobre o (e tira proveito do) espaço – ou, especificamente, das diferenças intrínsecas que a localização induz e reproduz. Assim, Harvey (1989) oferece explicação adequada das determinações espaciais da crise de fins do século XX/início do século XXi.

Em síntese: formulações como a dos economistas neoclássicos limitaram-se a tratar o espaço como receptáculo – quando não a excluí-lo da análise por considerá-lo irrelevante. A despeito de sensíveis avanços verificados com os aportes de Hirschman, Myrdal e Per-roux, a noção de espaço com que operaram foi a de espaço relativo. A natureza relacional do espaço na economia apenas é desvelada a partir de enfoques críticos, tendo aqui sido, brevemente, expostos os de José Luis Coraggio e (do geógrafo) David Harvey.

No âmbito de uma Geografia Econômica também crítica, praticada por (cabe en-fatizar: poucos) economistas, destaca-se, como um dos enfoques mais instigantes, o de Alain Lipietz. O argumento é inteligível: seres humanos, em qualquer tempo e lugar, não sobrevivem se não desenvolverem alguma atividade produtiva que lhes gere meios para sua reprodução física. Com o tempo, cresce a população, amplia-se a divisão do trabalho, sofisticam-se as técnicas e se modificam e exacerbam os meios de intervenção no ambiente físico. Esses processos todos não se dão apenas num certo espaço, mas, de fato, definem seus próprios espaços.8 Logo, esse espaço não é simples repositório de fatos econômicos mais ou menos relevantes do estágio atual de desenvolvimento social. De um lado, ele resulta das relações que se dão entre classes e grupos sociais no presente (por exemplo, dos conflitos em torno do solo urbano, digamos, entre especuladores imobiliários e sem-tetos); de outro, ele aparece como constrangimento objetivo, algo herdado do passado que se impõe no presente (desde leis e normas até obras viárias e equipamentos urbanos). Essa é uma concepção de espaço econômico relacional, o espace socio-économique concret de que fala Alain Lipietz (1988, p. 24-25), permanentemente, recriado pela sociedade.

O TERRITÓRIO... SEGUNDO A GEOGRAFIA E A ECONOMIA

A noção de território, de emprego pouco frequente por parte de economistas, vem se tornando uma das mais usuais na Geografia.9 De fato, os enfoques econômicos conven-cionais não têm levado em conta a Geografia, propriamente. Todavia, desta, ignoram que parte considerável da realidade factual pode ser captada recorrendo ao conceito de territó-rio. A despeito das controvérsias suscitadas por sua herança, já que sua origem costuma ser associada ao determinismo geográfico, a Geografia tem considerado território como uma

7 Para uma síntese da litera-tura acerca da perspectiva de Harvey sobre o espaço, bem como de seus desdo-bramentos sobre a políti-ca urbana, ver Fernandes (2001).

8 Como lembra David Har-vey (2006, p. 123), “proces-ses do not occur in space but define their own spatial frame”.

9 “Nas últimas décadas do século XX [...] a região quase desaparece frente à dominância do conceito de território” (Haesbaert, 2009, p. 630).

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Elas vaticinavam que a tendência da organização social capitalista era o desequilíbrio. E que a evolução das sociedades ocorria, exatamente, nos solavancos recorrentes, motor das mudanças econômicas. Às políticas de desenvolvimento caberia estimular tais rupturas.

O espaço interessava enquanto reflexo das relações econômicas dominantes, que dão forma aos vetores principais de transformação. A noção de espaço econômico de Perroux (1967), assim como a de Boudeville (1961), quebrava a associação preferencial ao equi-líbrio, à concorrência perfeita e a outros pressupostos atrelados à concepção neoclássica, como o perfeito conhecimento dos mercados pelos agentes econômicos. Também inspi-rada pelos espaços abstratos da matemática, sobretudo, em François Perroux, ela definia a presença marcante de pontos ou polos de desenvolvimento, que concentram os recursos e confirmam as dotações desiguais de poder entre as distintas frações do capital. As unidades mais aptas reforçam crescentemente suas posições sobre as demais, num mundo em que as estruturas de mercado e os padrões da concorrência estão mais próximos dos modelos oligopolistas. A economia dos pólos de desenvolvimento envereda, aqui, pela realização dos processos de acumulação de capital e reprodução social concentrados no território, dando lugar à mencionada guinada de abordagens espaciais.

Outros enfoques na Economia, de inspiração marxista, têm avançado na formulação de uma noção mais elaborada de espaço. Uma primeira é a perspectiva adotada por José Luis Coraggio (Galvão, 1988), para quem espaço é um envoltório ou receptáculo de elementos e relações econômicas e sociais. Essa vertente pretendeu analisar os elementos históricos concretos, determinismos, para desnudar o substrato lógico-teórico dos proces-sos relevantes para a análise espacial. Buscou, assim, leis abstratas capazes de responder a critérios de recorrência e legalidade, que importam na identificação de formas espaciais e, portanto, teorias espaciais. Se, por um lado, o espaço real é “uma categoria (determinação constitutiva) [...] uma condição de existência dos objetos físicos e tal qual o tempo não existe por si mesmo, por outro, não é, tampouco, uma propriedade física dos corpos; tal propriedade advém [...] da espacialidade” (Coraggio, 1980, p. 9). Essa propriedade permite mediar a relação entre duas ordens de ser – física e social – na conjugação dos respectivos fatores determinantes dessa dimensão espacial comum dos fenômenos sociais.

Outra vertente que inspira a análise econômica pós-neoclássica e pós-keynesiana, cuja tradição recente reporta à Geografia crítica, considera o espaço como elemento inte-grante da realidade material, produzido e reproduzido na ordem social (Harvey, 1982). O espaço construído é, em si mesmo, uma categoria dessa ordem. Também nesse caso recorre--se à história para dela retirar o substrato necessário para a análise. Mas, aí se procura afas-tar concepções que confluem para uma apreensão abstrata e geral dos fenômenos espaciais. Não se especificam leis. Procede-se à análise contextual de relações sociais, enfatizando-se as econômicas, com especial atenção à organização espacial da sociedade. Com esse fim, abandonam-se as pretensões de construção de um arcabouço teórico universal, aplicável a todos os campos do conhecimento. Assim, questões envolvidas numa visão geral do espa-ço são deixadas para trás em favor de uma visão que define seu objeto, desde o início, co-mo um atributo social: a localização das atividades humanas, que é socialmente produzida.6

A noção de espaço construído resguarda aspectos cruciais para a compreensão das configurações e organizações espaciais, incluindo o necessário enraizamento espacial--temporal de parcela do movimento geral do capital, incrustrado em formas de capital fixo e infraestruturas, cujo ciclo de rotação e tempo de circulação se estende por prazos mais longos. A forma geral abstrata da relação social capitalista envolve, para além desta equação reprodutiva ideal, variadas manifestações espaço-temporais de processos de acu-

6 De maneira assemelha-da, porém, a partir de ou-tro contexto teórico, a nova geografia econômica de Paul Krugman e seguidores define seu objeto como a localização da produção no espaço (Krugman, 1997; Krugman, 1999).

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mulação e de formas consorciadas de circulação de rendas – aluguéis, juros e impostos. Elas concorrem para a regulação do sistema, atenuando-lhe tensões congênitas. Além disso, cabe considerar que a forma do capital a juros desdobra-se sobre as demais esferas, reafirmando a relativa ascendência do dinheiro e do crédito na equação capitalista. Ao replicar sua lógica sobre o mercado de terras, de títulos da dívida pública e outros campos, financeiriza a circulação dessas rendas, que, assim, podem assumir a forma de capital fic-tício. Se e quando isso acontece, o desenvolvimento da relação capitalista é impulsionado ainda mais fortemente.

Mas é na compreensão do papel que o espaço exerce na dinâmica capitalista, sobre-tudo, no movimento de valorização/desvalorização, que a abordagem de David Harvey mostrou-se adequada, logrando sua análise dar um passo à frente.7 Esse passo consistiu, basicamente, na explicitação dos mecanismos pelos quais o capital amplia seu comando sobre o (e tira proveito do) espaço – ou, especificamente, das diferenças intrínsecas que a localização induz e reproduz. Assim, Harvey (1989) oferece explicação adequada das determinações espaciais da crise de fins do século XX/início do século XXi.

Em síntese: formulações como a dos economistas neoclássicos limitaram-se a tratar o espaço como receptáculo – quando não a excluí-lo da análise por considerá-lo irrelevante. A despeito de sensíveis avanços verificados com os aportes de Hirschman, Myrdal e Per-roux, a noção de espaço com que operaram foi a de espaço relativo. A natureza relacional do espaço na economia apenas é desvelada a partir de enfoques críticos, tendo aqui sido, brevemente, expostos os de José Luis Coraggio e (do geógrafo) David Harvey.

No âmbito de uma Geografia Econômica também crítica, praticada por (cabe en-fatizar: poucos) economistas, destaca-se, como um dos enfoques mais instigantes, o de Alain Lipietz. O argumento é inteligível: seres humanos, em qualquer tempo e lugar, não sobrevivem se não desenvolverem alguma atividade produtiva que lhes gere meios para sua reprodução física. Com o tempo, cresce a população, amplia-se a divisão do trabalho, sofisticam-se as técnicas e se modificam e exacerbam os meios de intervenção no ambiente físico. Esses processos todos não se dão apenas num certo espaço, mas, de fato, definem seus próprios espaços.8 Logo, esse espaço não é simples repositório de fatos econômicos mais ou menos relevantes do estágio atual de desenvolvimento social. De um lado, ele resulta das relações que se dão entre classes e grupos sociais no presente (por exemplo, dos conflitos em torno do solo urbano, digamos, entre especuladores imobiliários e sem-tetos); de outro, ele aparece como constrangimento objetivo, algo herdado do passado que se impõe no presente (desde leis e normas até obras viárias e equipamentos urbanos). Essa é uma concepção de espaço econômico relacional, o espace socio-économique concret de que fala Alain Lipietz (1988, p. 24-25), permanentemente, recriado pela sociedade.

O TERRITÓRIO... SEGUNDO A GEOGRAFIA E A ECONOMIA

A noção de território, de emprego pouco frequente por parte de economistas, vem se tornando uma das mais usuais na Geografia.9 De fato, os enfoques econômicos conven-cionais não têm levado em conta a Geografia, propriamente. Todavia, desta, ignoram que parte considerável da realidade factual pode ser captada recorrendo ao conceito de territó-rio. A despeito das controvérsias suscitadas por sua herança, já que sua origem costuma ser associada ao determinismo geográfico, a Geografia tem considerado território como uma

7 Para uma síntese da litera-tura acerca da perspectiva de Harvey sobre o espaço, bem como de seus desdo-bramentos sobre a políti-ca urbana, ver Fernandes (2001).

8 Como lembra David Har-vey (2006, p. 123), “proces-ses do not occur in space but define their own spatial frame”.

9 “Nas últimas décadas do século XX [...] a região quase desaparece frente à dominância do conceito de território” (Haesbaert, 2009, p. 630).

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estrutura ativa (de regressão, de permanência ou de desenvolvimento), não apenas como um perímetro-receptáculo de eventos e atividades (Veltz, 1999, p. 138).

Inicialmente, é preciso chamar atenção para o fato de que território não é o mesmo que espaço. A noção de território implica, evidentemente, uma dimensão espacial. No entanto, existem no interior da Geografia distintos pontos de vista quanto à precedência (ou não) do espaço em relação ao território (Haesbaert, 2009). Assim, tem-se, de um lado, uma perspectiva que considera que o espaço (como uma primeira natureza) antecede o território (este, portanto, como uma segunda natureza). O território não é o espaço, mas uma produção social, a partir do espaço dado (Raffestin, 1993). De outro lado, há um ar-gumento contrário, segundo o qual o espaço não antecede o território, já que, como este, também aquele é socialmente produzido. O território diferencia-se do espaço por repousar na dimensão política (estatal, sobretudo) de tal espaço construído (Lefebvre, 1991).

Território e territorialidade dizem respeito à espacialidade humana. A Geografia en-fatiza a materialidade do território, inclusive a interação sociedade-meio ambiente. Mas, o que é, então, território? Em poucas palavras, território poderia ser entendido como um espaço geográfico no qual se verifica a interação entre um sistema de objetos e um sistema de ações – no sentido de Milton Santos (Haesbaert, 2004). No entanto, há uma dimensão presente no conceito de território que precisa ser devidamente enfatizada: a política.10

Assim, conquanto tenha raízes na Geografia, o conceito de território, que abarca as relações de poder que os indivíduos contraem entre si, acabaria se estabelecendo como fun-damento universal do Direito e do Estado (Veltz, 1999, p. 235). Sua relevância aqui radica no fato de que chama a dimensão da política para o primeiro plano. Afinal, o território é ad-ministrado por um Estado no âmbito de uma nação. Um projeto de nação, à frente do qual se encontra o poder condensado num Estado, abarca a totalidade de um dado território.

Talvez seja pouco relevante lembrar o que se considera nação. Até mesmo por que, dificilmente, algum critério poderia ser invocado para decidir quais coletividades huma-nas deveriam ser definidas como nações. De modo que inexistem critérios objetivos que expliquem por que certas coletividades se tornaram nações – e outras não. A língua, a etnia ou mesmo uma combinação de língua, território comum, história comum, traços culturais comuns e outros parecem ser critérios ambíguos, mutáveis, opacos e inúteis. O que, todavia, deve ser tomado em conta é que “a equação nação = Estado = povo e, especialmente, povo soberano, vinculou indubitavelmente a nação ao território, pois a estrutura e a definição dos Estados eram agora essencialmente territoriais” (Hobsbawm, 1998, p. 14-15, 32).

No mais das vezes, o território de uma dada nação é visto mais como um sistema de objetos e atores localizados, e menos como interações, memória compartilhada e projetos. Todavia, o que importa é o que sucede entre os atores/agentes/sujeitos de um território (por exemplo, o Estado, as classes sociais), no contexto dos processos de organização, comuni-cação e cooperação. Aqui, então, o território passa a ser definido pelas relações – políticas, cabe reiterar – que têm lugar entre atores/agentes/sujeitos e objetos (Veltz, 1999, p. 236).

SOBRE REGIÃO... COMO A ENTENDEM A GEOGRAFIA E A ECONOMIA

O mais problemático dos conceitos utilizados na economia que, entre outras discipli-nas do conhecimento, têm sua origem na Geografia é região. Problemático não apenas por algum uso indevido por parte dos economistas – o que, certamente, acontece. Mas, tam-

10 Com efeito, “um territó-rio é um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder [...] um campo de força concernente a relações de poder espa-cialmente delimitadas” (Sou-za, 1997, p. 24). Ou, dito de outra forma, “o território se define, mais estritamente, a partir de uma abordagem sobre o espaço que prio-riza [...] as problemáticas de caráter político, ou que envolvem a manifestação/realização das relações de poder, em suas múltiplas esferas” (Haesbaert, 2009, p. 625).

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bém, por que aqui se está diante de uma noção, fundamental para os geógrafos, extrema-mente controvertida no âmbito da Geografia mesma (Haesbaert, 2005, 2010). O conceito de região, como já referido, passa a ser difundido a partir da obra de Paul Vidal de la Blache. Aí ela se referia à paisagem, ficando designada por região geográfica. Ex post factum se tem, também, uma região derivada do determinismo geográfico de Friedrich Ratzel, a região natural. De modo geral, cada uma das correntes internas à Geografia (a Nova Geografia, a Geografia Crítica etc.) formulou sua própria e correspondente concepção de região.

Afirmar, portanto, que a região é “um espaço com características físicas e sociocul-turais homogêneas, fruto de uma história que teceu relações que enraizaram os homens ao território e que particularizou este espaço, fazendo-o distinto dos espaços contíguos” (Lencioni, 1999, p. 100); ou que a região é definida como a extensão territorial, que corresponde a uma dada parte da sociedade, no âmbito territorial de uma determinada formação social nacional, em síntese, a expressão espacial de certa formação social regional no contexto espacial de uma determinada formação social nacional (Lacoste, 1990); ou que “a região expressa [uma] área formada pela articulação entre verticalidade (ordens, comandos) e horizontalidade (cooperação, conflitos locais, cotidiano) [...]; entre fluxos e estrutura sócio-espacial; entre identidade/homogeneidade e a identificação, pela consci-ência social, do que é diferente ou oposto [...] [que ela] corresponde ao extenso de uma forma social [...], ao corpo de relações sociedade-natureza, incluindo organização social, cultura e decisão política” (Ribeiro, 2004, p. 199); ou, mesmo, que pelo termo região é possível identificar porções determinadas da superfície terrestre, definidas a partir de cri-térios específicos e objetivos pré-estabelecidos, os quais podem provir das ciências naturais ou das ciências sociais, dado que as diferentes partes de um território podem diferenciar--se em função de fatores naturais ou de determinações sociais; mas que uma região ganha sentido e existência apenas quando a ela se associa um agrupamento humano; de modo que o termo região constitui um recurso conceitual que permite compreender as distintas partes da realidade geográfica, em geral, referidas aos âmbitos subnacionais, em que tem lugar a existência humana (Palácios, 1983); enfim, afirmar uma ou outra dessas coisas, ou todas elas juntas, constitui, evidentemente, um risco.

A controvérsia em torno do conceito de região no interior da Geografia implica inú-meros aspectos que não podem ser tratados aqui. O da definição das fronteiras (e sua mu-dança no tempo) não é o único nem, talvez, o mais importante.11 O de sua identificação por distintos critérios (econômicos, políticos, etc.) continua custando papel e discurso. O da precedência da identidade cultural da população, abarcada por seus limites físicos, ainda não exauriu os conflitos entre os diferentes níveis de governo.

O que, na Geografia (crítica, sobretudo) parece ter emergido com força no deba-te recente sobre a questão regional é a visibilidade dos atores/agentes/sujeitos. Assim, “a região [...] é antes de qualquer coisa uma construção social que atende a interesses políticos precisos” Embora nem todos os atores/agentes/sujeitos sejam portadores de uma racionalidade bem definida na sua intervenção no espaço, a região não deixa de ser “produto do pensamento social, de práticas hegemônicas e contra-hegemônicas; [...] uma representação, parte da construção social do espaço de uma sociedade”. De maneira que a região é construída “a partir da ação de distintos atores/agentes/sujeitos em múltiplas escalas articuladas que de certa forma encontram um rebatimento em práticas e processos sócio-espaciais histórica e geograficamente localizados” (Limonad, 2004, p. 57-58).

A Geografia brasileira teve importantes contribuições sobre a questão regional. Das mais conhecidas é a do já referido geógrafo Milton Santos. No início dos anos 1970 ele

11 Não há “meios de [de-finir] de forma categórica uma linha divisória precisa, um marco delimitador que permita [...] afirmar ‘aqui termina uma região A e ali começa uma região B’, pois, o espaço é uma expressão de continuidades e descon-tinuidades físicas e sociais” (Limonad, 2004, p. 57).

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estrutura ativa (de regressão, de permanência ou de desenvolvimento), não apenas como um perímetro-receptáculo de eventos e atividades (Veltz, 1999, p. 138).

Inicialmente, é preciso chamar atenção para o fato de que território não é o mesmo que espaço. A noção de território implica, evidentemente, uma dimensão espacial. No entanto, existem no interior da Geografia distintos pontos de vista quanto à precedência (ou não) do espaço em relação ao território (Haesbaert, 2009). Assim, tem-se, de um lado, uma perspectiva que considera que o espaço (como uma primeira natureza) antecede o território (este, portanto, como uma segunda natureza). O território não é o espaço, mas uma produção social, a partir do espaço dado (Raffestin, 1993). De outro lado, há um ar-gumento contrário, segundo o qual o espaço não antecede o território, já que, como este, também aquele é socialmente produzido. O território diferencia-se do espaço por repousar na dimensão política (estatal, sobretudo) de tal espaço construído (Lefebvre, 1991).

Território e territorialidade dizem respeito à espacialidade humana. A Geografia en-fatiza a materialidade do território, inclusive a interação sociedade-meio ambiente. Mas, o que é, então, território? Em poucas palavras, território poderia ser entendido como um espaço geográfico no qual se verifica a interação entre um sistema de objetos e um sistema de ações – no sentido de Milton Santos (Haesbaert, 2004). No entanto, há uma dimensão presente no conceito de território que precisa ser devidamente enfatizada: a política.10

Assim, conquanto tenha raízes na Geografia, o conceito de território, que abarca as relações de poder que os indivíduos contraem entre si, acabaria se estabelecendo como fun-damento universal do Direito e do Estado (Veltz, 1999, p. 235). Sua relevância aqui radica no fato de que chama a dimensão da política para o primeiro plano. Afinal, o território é ad-ministrado por um Estado no âmbito de uma nação. Um projeto de nação, à frente do qual se encontra o poder condensado num Estado, abarca a totalidade de um dado território.

Talvez seja pouco relevante lembrar o que se considera nação. Até mesmo por que, dificilmente, algum critério poderia ser invocado para decidir quais coletividades huma-nas deveriam ser definidas como nações. De modo que inexistem critérios objetivos que expliquem por que certas coletividades se tornaram nações – e outras não. A língua, a etnia ou mesmo uma combinação de língua, território comum, história comum, traços culturais comuns e outros parecem ser critérios ambíguos, mutáveis, opacos e inúteis. O que, todavia, deve ser tomado em conta é que “a equação nação = Estado = povo e, especialmente, povo soberano, vinculou indubitavelmente a nação ao território, pois a estrutura e a definição dos Estados eram agora essencialmente territoriais” (Hobsbawm, 1998, p. 14-15, 32).

No mais das vezes, o território de uma dada nação é visto mais como um sistema de objetos e atores localizados, e menos como interações, memória compartilhada e projetos. Todavia, o que importa é o que sucede entre os atores/agentes/sujeitos de um território (por exemplo, o Estado, as classes sociais), no contexto dos processos de organização, comuni-cação e cooperação. Aqui, então, o território passa a ser definido pelas relações – políticas, cabe reiterar – que têm lugar entre atores/agentes/sujeitos e objetos (Veltz, 1999, p. 236).

SOBRE REGIÃO... COMO A ENTENDEM A GEOGRAFIA E A ECONOMIA

O mais problemático dos conceitos utilizados na economia que, entre outras discipli-nas do conhecimento, têm sua origem na Geografia é região. Problemático não apenas por algum uso indevido por parte dos economistas – o que, certamente, acontece. Mas, tam-

10 Com efeito, “um territó-rio é um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder [...] um campo de força concernente a relações de poder espa-cialmente delimitadas” (Sou-za, 1997, p. 24). Ou, dito de outra forma, “o território se define, mais estritamente, a partir de uma abordagem sobre o espaço que prio-riza [...] as problemáticas de caráter político, ou que envolvem a manifestação/realização das relações de poder, em suas múltiplas esferas” (Haesbaert, 2009, p. 625).

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bém, por que aqui se está diante de uma noção, fundamental para os geógrafos, extrema-mente controvertida no âmbito da Geografia mesma (Haesbaert, 2005, 2010). O conceito de região, como já referido, passa a ser difundido a partir da obra de Paul Vidal de la Blache. Aí ela se referia à paisagem, ficando designada por região geográfica. Ex post factum se tem, também, uma região derivada do determinismo geográfico de Friedrich Ratzel, a região natural. De modo geral, cada uma das correntes internas à Geografia (a Nova Geografia, a Geografia Crítica etc.) formulou sua própria e correspondente concepção de região.

Afirmar, portanto, que a região é “um espaço com características físicas e sociocul-turais homogêneas, fruto de uma história que teceu relações que enraizaram os homens ao território e que particularizou este espaço, fazendo-o distinto dos espaços contíguos” (Lencioni, 1999, p. 100); ou que a região é definida como a extensão territorial, que corresponde a uma dada parte da sociedade, no âmbito territorial de uma determinada formação social nacional, em síntese, a expressão espacial de certa formação social regional no contexto espacial de uma determinada formação social nacional (Lacoste, 1990); ou que “a região expressa [uma] área formada pela articulação entre verticalidade (ordens, comandos) e horizontalidade (cooperação, conflitos locais, cotidiano) [...]; entre fluxos e estrutura sócio-espacial; entre identidade/homogeneidade e a identificação, pela consci-ência social, do que é diferente ou oposto [...] [que ela] corresponde ao extenso de uma forma social [...], ao corpo de relações sociedade-natureza, incluindo organização social, cultura e decisão política” (Ribeiro, 2004, p. 199); ou, mesmo, que pelo termo região é possível identificar porções determinadas da superfície terrestre, definidas a partir de cri-térios específicos e objetivos pré-estabelecidos, os quais podem provir das ciências naturais ou das ciências sociais, dado que as diferentes partes de um território podem diferenciar--se em função de fatores naturais ou de determinações sociais; mas que uma região ganha sentido e existência apenas quando a ela se associa um agrupamento humano; de modo que o termo região constitui um recurso conceitual que permite compreender as distintas partes da realidade geográfica, em geral, referidas aos âmbitos subnacionais, em que tem lugar a existência humana (Palácios, 1983); enfim, afirmar uma ou outra dessas coisas, ou todas elas juntas, constitui, evidentemente, um risco.

A controvérsia em torno do conceito de região no interior da Geografia implica inú-meros aspectos que não podem ser tratados aqui. O da definição das fronteiras (e sua mu-dança no tempo) não é o único nem, talvez, o mais importante.11 O de sua identificação por distintos critérios (econômicos, políticos, etc.) continua custando papel e discurso. O da precedência da identidade cultural da população, abarcada por seus limites físicos, ainda não exauriu os conflitos entre os diferentes níveis de governo.

O que, na Geografia (crítica, sobretudo) parece ter emergido com força no deba-te recente sobre a questão regional é a visibilidade dos atores/agentes/sujeitos. Assim, “a região [...] é antes de qualquer coisa uma construção social que atende a interesses políticos precisos” Embora nem todos os atores/agentes/sujeitos sejam portadores de uma racionalidade bem definida na sua intervenção no espaço, a região não deixa de ser “produto do pensamento social, de práticas hegemônicas e contra-hegemônicas; [...] uma representação, parte da construção social do espaço de uma sociedade”. De maneira que a região é construída “a partir da ação de distintos atores/agentes/sujeitos em múltiplas escalas articuladas que de certa forma encontram um rebatimento em práticas e processos sócio-espaciais histórica e geograficamente localizados” (Limonad, 2004, p. 57-58).

A Geografia brasileira teve importantes contribuições sobre a questão regional. Das mais conhecidas é a do já referido geógrafo Milton Santos. No início dos anos 1970 ele

11 Não há “meios de [de-finir] de forma categórica uma linha divisória precisa, um marco delimitador que permita [...] afirmar ‘aqui termina uma região A e ali começa uma região B’, pois, o espaço é uma expressão de continuidades e descon-tinuidades físicas e sociais” (Limonad, 2004, p. 57).

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problematizaria o conceito, indicando, com incomum perspicácia, que “os progressos realizados no domínio dos transportes e das comunicações, bem como a expansão da economia internacional – que se tornou generalizada – explicam a crise da noção clássica de região”. Naquele contexto, vaticinaria que “a região já não é uma realidade viva, dotada de coerência interna” (Santos, 1986, p. 9-10). Haveria, portanto, que reformular essa noção – tarefa que, então, empreenderia a partir de obra publicada em 1985. Aí Milton Santos propôs que

a região se definiria [...] como o resultado das possibilidades ligadas a uma certa presença, nela, de capitais fixos exercendo determinado papel ou determinadas funções técnicas e das condições do seu funcionamento econômico [...] Pode-se dizer – concluiria – que há uma verdadeira dialética entre ambos esses fatores concretos, um influenciando e modificando o outro (Santos, 2008, p. 90).

Outra significativa e competente contribuição, de nítida inspiração marxista, é en-contrada no estudo seminal de Francisco de Oliveira. Ao analisar o Nordeste foi preciso que definisse não apenas os contornos da dinâmica regional brasileira, mas reconceituasse mesmo região. Embora inferisse que a região poderia ser considerada de qualquer pers-pectiva, por exemplo, desde suas “diferenciações econômicas, sociais, políticas, culturais, antropológicas, geográficas, históricas”, não lhe foi difícil admitir que a tradição geográfica deveria ter precedência. Inclusive, por permitir que se captasse a região como formação espacial sócio-econômico-histórica específica em face de uma formação espacial sócio-econômi-co-histórica mais geral.12 Ousadamente, porém, a região acaba inscrita num contexto mais amplo de relações (econômicas, sociais, políticas...). Desse ângulo, “uma região seria [...] o espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital e por conseqüência uma forma espacial de luta de classes”. Como, aí, se distinguiria uma região de outra? “A especificidade de cada região completa-se [...] num quadro de referên-cias que [inclui] outras regiões, com níveis distintos de reprodução do capital e relações de produção” (Oliveira, 1981, p. 27- 29).

O que se constata nos enfoques críticos acima resenhados é sua forte aderência a uma concepção relacional de região. O mesmo não se pode divisar nas concepções de região originárias na Economia, sobretudo, nos enfoques convencionais. Estes, quando tratam de definir região, tendem a colocar em maior relevo uma área (geográfica), caracterizada por um dado nível de desenvolvimento urbano e seu entorno; área que funciona como quadro espacial da vida cotidiana de uma dada coletividade de pessoas e que contém um conjunto de atividades socioeconômicas, sujeito a forças de repulsão e atração (Scott, 1998). De fato, aqui predomina a típica concepção de espaço-região absoluto – com reservas, de espaço-região relativo.

Contudo, também se identificam enfoques críticos na Economia que lidam com a problemática do espaço; e, entre esses, há os que contribuem para a elaboração de uma concepção relacional de região. Assim, tem-se que

a região aparece [...] como o produto das relações inter-regionais e estas como uma dimensão das relações sociais. Não há região pobre, há apenas regiões de pobres, e, se há regiões de pobres, é porque há regiões de ricos e relações sociais que polarizam riqueza e pobreza e as dispõem diferentemente no espaço (Lipietz, 1988, p. 29).

12 Na tradição da Geografia crítica brasileira passou a ser empregado o conceito de formação sócio-espacial, que compreende a expres-são geográfica da unidade e totalidade das diversas esferas (econômica, social, política, cultural) da vida de uma sociedade, assim como as relações que desenvol-ve com a natureza (Santos, 1977).

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Nesta formulação, uma região está conectada ao espaço a ela circundante, portanto, às demais regiões, frações sub-nacionais que integram uma formação social de escala na-cional. Como, porém, diferenciar umas regiões de outras? No contexto de uma formação social capitalista, as regiões podem ser diferenciadas em três categorias principais (Lipietz, 1988, p. 98-111):a) Regiões que apresentam forte meio tecnológico: a estas se atribuem as funções de direção

do processo de trabalho e de valorização do capital com base em tecnologias avançadas, o que as caracteriza como de acumulação auto-centrada;

b) Regiões que apresentam uma densidade de força de trabalho qualificada, nas quais tem lugar uma fabricação elaborada, o que as caracteriza como regiões intermediárias (ou semiperiféricas); e

c) Regiões que apresentam reservas de mão-de-obra não qualificada, frequentemente, de origem rural, responsáveis pela montagem desqualificada, o que as caracteriza como regiões periféricas.

Evidentemente, uma formação social nacional compreende um território heterogê-neo, produto do desenvolvimento desigual de suas regiões. Assim, num dado momento histórico, regiões do tipo “a” tendem a derivar vantagens e aumentar as distâncias já existentes em relação às regiões do tipo “c”. Esta desigualdade pode ser explicada como a expressão espacial da articulação de diversos modos de produção. Daí resulta, então, o desenvolvimento geográfico desigual, propriamente, que se traduz por desigualdades cumulativas do processo de acumulação de capital e do lucro e, portanto, da pobreza e da miséria (Lipietz, 1988, p. 157).

A questão regional, na perspectiva de um enfoque crítico da Economia, passa a ser compreendida como uma problemática especificamente capitalista. Uma região, produto das desigualdades produzidas pelo capitalismo, é um espaço concreto ao nível do qual se regulam as contradições secundárias entre as classes dominantes, baseado no estágio alcan-çado pela articulação dos modos de produção e pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas. Uma região é, assim, a base infraestrutural que delimita o espaço econômico regional e sua correspondente superestrutura. E esta repousa na atuação dos diferentes atores/agentes/sujeitos que integram o bloco hegemônico regional13 no espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preocupação que inspirou este artigo foi que políticas públicas podem lograr maior efetividade se sua dimensão espacial for trazida para um plano mais destacado. E se noções como espaço, território e região, aqui examinadas, tiverem seus significados melhor explicitados. As estratégias de desenvolvimento, informadas pela espacialidade dos problemas a serem enfrentados por políticas públicas, devidamente referidas aos seus respectivos contextos geográficos, tendem a favorecer seu melhor encaminhamento no contexto brasileiro atual.

Esses problemas dizem respeito, sobretudo, às desigualdades sociais e espaciais que se acumularam ao longo dos tempos. Aqui é preciso atentar para o fato de que, na ciência social brasileira, Celso Furtado, talvez, seja o autor da obra mais ousada no exame das disparidades sócio-espaciais que têm afligido o país. E, em conseqüência, quem propiciou entendimento mais acurado da problemática regional brasileira. Sua incansável busca por elucidar a questão regional vem desde A formação econômica do Brasil (1959), ganhando

13 Cf. Lipietz (1988, p. 159). A expressão “bloco hegemônico regional” é inspirada em Gramsci e se reporta a um sistema de exploração e de articulação dos modos de produção, à forma e base das alianças entre as classes dominan-tes, e à forma e suporte da dominação ideológica sobre as classes dominadas.

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problematizaria o conceito, indicando, com incomum perspicácia, que “os progressos realizados no domínio dos transportes e das comunicações, bem como a expansão da economia internacional – que se tornou generalizada – explicam a crise da noção clássica de região”. Naquele contexto, vaticinaria que “a região já não é uma realidade viva, dotada de coerência interna” (Santos, 1986, p. 9-10). Haveria, portanto, que reformular essa noção – tarefa que, então, empreenderia a partir de obra publicada em 1985. Aí Milton Santos propôs que

a região se definiria [...] como o resultado das possibilidades ligadas a uma certa presença, nela, de capitais fixos exercendo determinado papel ou determinadas funções técnicas e das condições do seu funcionamento econômico [...] Pode-se dizer – concluiria – que há uma verdadeira dialética entre ambos esses fatores concretos, um influenciando e modificando o outro (Santos, 2008, p. 90).

Outra significativa e competente contribuição, de nítida inspiração marxista, é en-contrada no estudo seminal de Francisco de Oliveira. Ao analisar o Nordeste foi preciso que definisse não apenas os contornos da dinâmica regional brasileira, mas reconceituasse mesmo região. Embora inferisse que a região poderia ser considerada de qualquer pers-pectiva, por exemplo, desde suas “diferenciações econômicas, sociais, políticas, culturais, antropológicas, geográficas, históricas”, não lhe foi difícil admitir que a tradição geográfica deveria ter precedência. Inclusive, por permitir que se captasse a região como formação espacial sócio-econômico-histórica específica em face de uma formação espacial sócio-econômi-co-histórica mais geral.12 Ousadamente, porém, a região acaba inscrita num contexto mais amplo de relações (econômicas, sociais, políticas...). Desse ângulo, “uma região seria [...] o espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital e por conseqüência uma forma espacial de luta de classes”. Como, aí, se distinguiria uma região de outra? “A especificidade de cada região completa-se [...] num quadro de referên-cias que [inclui] outras regiões, com níveis distintos de reprodução do capital e relações de produção” (Oliveira, 1981, p. 27- 29).

O que se constata nos enfoques críticos acima resenhados é sua forte aderência a uma concepção relacional de região. O mesmo não se pode divisar nas concepções de região originárias na Economia, sobretudo, nos enfoques convencionais. Estes, quando tratam de definir região, tendem a colocar em maior relevo uma área (geográfica), caracterizada por um dado nível de desenvolvimento urbano e seu entorno; área que funciona como quadro espacial da vida cotidiana de uma dada coletividade de pessoas e que contém um conjunto de atividades socioeconômicas, sujeito a forças de repulsão e atração (Scott, 1998). De fato, aqui predomina a típica concepção de espaço-região absoluto – com reservas, de espaço-região relativo.

Contudo, também se identificam enfoques críticos na Economia que lidam com a problemática do espaço; e, entre esses, há os que contribuem para a elaboração de uma concepção relacional de região. Assim, tem-se que

a região aparece [...] como o produto das relações inter-regionais e estas como uma dimensão das relações sociais. Não há região pobre, há apenas regiões de pobres, e, se há regiões de pobres, é porque há regiões de ricos e relações sociais que polarizam riqueza e pobreza e as dispõem diferentemente no espaço (Lipietz, 1988, p. 29).

12 Na tradição da Geografia crítica brasileira passou a ser empregado o conceito de formação sócio-espacial, que compreende a expres-são geográfica da unidade e totalidade das diversas esferas (econômica, social, política, cultural) da vida de uma sociedade, assim como as relações que desenvol-ve com a natureza (Santos, 1977).

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Nesta formulação, uma região está conectada ao espaço a ela circundante, portanto, às demais regiões, frações sub-nacionais que integram uma formação social de escala na-cional. Como, porém, diferenciar umas regiões de outras? No contexto de uma formação social capitalista, as regiões podem ser diferenciadas em três categorias principais (Lipietz, 1988, p. 98-111):a) Regiões que apresentam forte meio tecnológico: a estas se atribuem as funções de direção

do processo de trabalho e de valorização do capital com base em tecnologias avançadas, o que as caracteriza como de acumulação auto-centrada;

b) Regiões que apresentam uma densidade de força de trabalho qualificada, nas quais tem lugar uma fabricação elaborada, o que as caracteriza como regiões intermediárias (ou semiperiféricas); e

c) Regiões que apresentam reservas de mão-de-obra não qualificada, frequentemente, de origem rural, responsáveis pela montagem desqualificada, o que as caracteriza como regiões periféricas.

Evidentemente, uma formação social nacional compreende um território heterogê-neo, produto do desenvolvimento desigual de suas regiões. Assim, num dado momento histórico, regiões do tipo “a” tendem a derivar vantagens e aumentar as distâncias já existentes em relação às regiões do tipo “c”. Esta desigualdade pode ser explicada como a expressão espacial da articulação de diversos modos de produção. Daí resulta, então, o desenvolvimento geográfico desigual, propriamente, que se traduz por desigualdades cumulativas do processo de acumulação de capital e do lucro e, portanto, da pobreza e da miséria (Lipietz, 1988, p. 157).

A questão regional, na perspectiva de um enfoque crítico da Economia, passa a ser compreendida como uma problemática especificamente capitalista. Uma região, produto das desigualdades produzidas pelo capitalismo, é um espaço concreto ao nível do qual se regulam as contradições secundárias entre as classes dominantes, baseado no estágio alcan-çado pela articulação dos modos de produção e pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas. Uma região é, assim, a base infraestrutural que delimita o espaço econômico regional e sua correspondente superestrutura. E esta repousa na atuação dos diferentes atores/agentes/sujeitos que integram o bloco hegemônico regional13 no espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preocupação que inspirou este artigo foi que políticas públicas podem lograr maior efetividade se sua dimensão espacial for trazida para um plano mais destacado. E se noções como espaço, território e região, aqui examinadas, tiverem seus significados melhor explicitados. As estratégias de desenvolvimento, informadas pela espacialidade dos problemas a serem enfrentados por políticas públicas, devidamente referidas aos seus respectivos contextos geográficos, tendem a favorecer seu melhor encaminhamento no contexto brasileiro atual.

Esses problemas dizem respeito, sobretudo, às desigualdades sociais e espaciais que se acumularam ao longo dos tempos. Aqui é preciso atentar para o fato de que, na ciência social brasileira, Celso Furtado, talvez, seja o autor da obra mais ousada no exame das disparidades sócio-espaciais que têm afligido o país. E, em conseqüência, quem propiciou entendimento mais acurado da problemática regional brasileira. Sua incansável busca por elucidar a questão regional vem desde A formação econômica do Brasil (1959), ganhando

13 Cf. Lipietz (1988, p. 159). A expressão “bloco hegemônico regional” é inspirada em Gramsci e se reporta a um sistema de exploração e de articulação dos modos de produção, à forma e base das alianças entre as classes dominan-tes, e à forma e suporte da dominação ideológica sobre as classes dominadas.

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público mais amplo com o Relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nor-deste [gTdn] e permanecendo como preocupação em obras mais recentes – não por outro motivo que pela, a rigor, inexplicável persistência das absurdas desigualdades regionais que o país vem acumulando até o presente (Araújo, 2005; Diniz, 2009).

Para se captar o que favorece a reprodução das desigualdades sócio-espaciais no Brasil é preciso apoiar-se na análise das relações de poder. E esta remete à noção, discutida neste artigo, de território. Com efeito, é colocando sob a lupa a dimensão territorial do processo de desenvolvimento brasileiro que se pode alcançar um entendimento de como as diver-sas frações da classe dominante vêm exercendo sua hegemonia; de como as elites vêm operando nas diversas escalas do território, com vistas à preservação de seus interesses e privilégios; de como mudanças sociais de caráter emancipatório podem ser exitosas. Trazer o conceito de território para o centro do debate sobre o desenvolvimento brasileiro sugere uma orientação em dupla direção: de um lado, na da desconstrução, em todas as escalas (nacional, regional, local), das condições que perpetuam o pacto conservador sobre o qual repousa o atraso estrutural do país; de outro, na da construção, participativa e subsidia-riamente, em todas as escalas, de uma nova hegemonia, sobre a qual possa apoiar-se uma sociedade mais equitativa (Brandão, 2007, p. 216-217).

Novas condições políticas passaram a vigorar no país ao longo da última década – e não apenas como produto da intervenção da autoridade pública no território.14 Se bem que o resgate do papel do Estado (e do planejamento territorial) constitua um fato inques-tionável, também teve lugar uma reestruturação produtiva nos dois últimos decênios, que levou ao surgimento de ilhas dinâmicas em vários pontos do território. Tanto essa quanto aquele parecem sugerir uma nova regionalização para o Brasil (Becker, 2004, p. 11).

Todavia, uma nova regionalização constitui tema relevante, à luz da discussão de conceitos empreendida nas seções anteriores, se motivada por demandas em favor da redução de desigualdades sócio-espaciais. Se as condições políticas que passaram a vigorar continuarem conspirando em defesa dos interesses das frações das classes dominantes (ainda hegemônicas), a nova regionalização, reconcentrando poderes e desencadeando guerras entre lugares,15 poderá colocar a federação em risco. Se, ao contrário, as condições políticas propiciarem mudanças de caráter emancipatório, a federação poderá expressar-se num território em que avançam relações de solidariedade e cooperação.16

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASARAÚJO, T. B. de et al. “Política Nacional de Desenvolvimento Regional: uma proposta para discussão”. In: LIMONAD, E. et al. (org.) Brasil século XXI: por uma nova regiona-lização? São Paulo: Max Limonad, 2004. p. 28-53.ARAÚJO, T. B. de. “Celso Furtado, o Nordeste e a construção do Brasil”. In: ALENCAR Jr., J.S. (org.) Celso Furtado e o desenvolvimento regional. Fortaleza: BNB, 2005. p. 209-236.BECKER, B. “Uma nova regionalização para pensar o Brasil?” In: LIMONAD, E. et al. (org.) Brasil século XXI: por uma nova regionalização? São Paulo: Max Limonad, 2004. p. 11-27.BOUDEVILLE, J.R. Les espaces économiques. Paris: Presses Universitaires de France, 1961.BOURDIEU, P. O poder simbólico. 8 ed. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.BRANDÃO, C. Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas: Ed. Unicamp, 2007.

14 Sobre as políticas de in-tervenção no território no pe-ríodo recente, com especial atenção para a Política Na-cional de Desenvolvimento Regional, ver, por exemplo, Araújo et al. (2004).

15 Cabendo, por isso, a pergunta: podem os Estados – e, num nível inferior, as cidades e as regiões – fazer outra coisa que não seduzir investidores, nacionais ou estrangeiros? Existem pos-sibilidades para a adoção de políticas mais seletivas, nas quais as instituições públi-cas já não se contentem em gerir as condições necessá-rias para o desenvolvimento econômico, mas atuem ver-dadeiramente na orientação das trajetórias do sistema produtivo? (Veltz, 1999, p. 137).

16 Cf. Galvão (2000, p. 298); cabe lembrar que “fe-deralismo é o conceito mais amplo que tem sido utilizado para expressar a ideia de que a organização política deve basear-se na solida-riedade e na cooperação, não na compulsão” (Furtado, 1999, p. 39).

Antônio Carlos F. Galvão é economista, doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Bra-sil), analista de ciência e tec-nologia do CNPq e diretor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). E-mail: [email protected].

Ivo Marcos Theis é econo-mista, doutor em Geografia pela Universität Tübingen (Alemanha), professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regio-nal/Universidade Regional de Blumenau (FURB) e bol-sista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected].

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CHRISTALLER, W. Die zentralen Orte in Süddeutschland. Jena: s.n., 1933.CORAGGIO, J. L. On social spaceness and the concept of region: towards a materialistic approach to regional analysis. México: Center for Economic and Demographic Studies, 1980.DINIZ, C. C. “Celso Furtado e o desenvolvimento regional”. Nova Economia, 19 (2), p. 227-249, 2009.FERNANDES, A. C. “Da reestruturação corporativa à competição entre cidades: lições urbanas sobre os ajustes de interesses globais e locais no capitalismo contemporâneo”. Espaço e Debates, 17 (41), p. 26-45, 2001.FREY, K. “Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil”. Planejamento e Políticas Públicas, n. 21, p. 211-259, 2000. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/viewFi-le/89/158> Acesso em: 19 jun. 2011.FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1959.FURTADO, C. O capitalismo global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.GALVÃO, A. C. F. O capital oligopólico em marcha sobre a periferia nordestina: evolução da organização territorial, divisão territorial do trabalho e complementaridade industrial (Dissertação de mestrado). São Paulo, IPE/USP, 1988.GALVÃO, A. C. F. Federalismo Estado-Nação e desenvolvimento regional. In: BECKER, D. F.; BANDEIRA, P. S. (Org.) Desenvolvimento local-regional: respostas regionais aos desafios da globalização (vol. 2). Santa Cruz do Sul: Ed. UNISC, p. 281-308, 2000.GODOY, P. R. T. “A produção do espaço: uma reaproximação conceitual da perspectiva lefebvriana”. GEOUSP Espaço e Tempo, n. 23, p. 125-132, 2008.HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.HAESBAERT, R. “Região: trajetos e perspectivas”. Anais da I Jornada de Economia Regio-nal Comparada, Porto Alegre: FEE, 2005.HAESBAERT, R. “Território e região numa constelação de conceitos”. In: MENDONÇA, F.; LÖWEN-SAHR, C. L.; SILVA, M. (Org.) Espaço e tempo: complexidade e desafios do pensar e do fazer geográficos. Curitiba: ADEMADAN, 621-634, 2009.HAESBAERT, R. Regional-global: dilemas da região e da regionalização na geografia con-temporânea. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.HARVEY, D. Social justice and the city. London: Edward Arnold, 1973.HARVEY, D. The condition of postmodernity: an enquiry into the origins of cultural chan-ge. Cambridge/USA; Oxford/UK: Blackwell, 1989.HARVEY, D. The limits to capital. Oxford: Basil Blackwell, 1982.HARVEY, D. Spaces of global capitalism: towards a theory of uneven geographical develo-pment. London; New York: Verso, 2006.HEIDEMANN, F. G.; SALM, J. F. Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemoló-gicas e modelos de análise. Brasília: Ed. UnB, 2009.HIRSCHMAN, A. O. Estratégia do desenvolvimento econômico. Rio de janeiro: Fundo de Cultura Econômica, 1961.HOBSBAWM, E. J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Trad. M. C. Paoli; A. M. Quirino. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.ISARD, W. Methods of regional analysis: an introduction to Regional Science. Cambridge: MIT Press; New York: Wiley, 1960.KRUGMAN, P. R. Development, geography, and economic theory. Cambridge/Mass.; Lon-don: The MIT Press, 1997.

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público mais amplo com o Relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nor-deste [gTdn] e permanecendo como preocupação em obras mais recentes – não por outro motivo que pela, a rigor, inexplicável persistência das absurdas desigualdades regionais que o país vem acumulando até o presente (Araújo, 2005; Diniz, 2009).

Para se captar o que favorece a reprodução das desigualdades sócio-espaciais no Brasil é preciso apoiar-se na análise das relações de poder. E esta remete à noção, discutida neste artigo, de território. Com efeito, é colocando sob a lupa a dimensão territorial do processo de desenvolvimento brasileiro que se pode alcançar um entendimento de como as diver-sas frações da classe dominante vêm exercendo sua hegemonia; de como as elites vêm operando nas diversas escalas do território, com vistas à preservação de seus interesses e privilégios; de como mudanças sociais de caráter emancipatório podem ser exitosas. Trazer o conceito de território para o centro do debate sobre o desenvolvimento brasileiro sugere uma orientação em dupla direção: de um lado, na da desconstrução, em todas as escalas (nacional, regional, local), das condições que perpetuam o pacto conservador sobre o qual repousa o atraso estrutural do país; de outro, na da construção, participativa e subsidia-riamente, em todas as escalas, de uma nova hegemonia, sobre a qual possa apoiar-se uma sociedade mais equitativa (Brandão, 2007, p. 216-217).

Novas condições políticas passaram a vigorar no país ao longo da última década – e não apenas como produto da intervenção da autoridade pública no território.14 Se bem que o resgate do papel do Estado (e do planejamento territorial) constitua um fato inques-tionável, também teve lugar uma reestruturação produtiva nos dois últimos decênios, que levou ao surgimento de ilhas dinâmicas em vários pontos do território. Tanto essa quanto aquele parecem sugerir uma nova regionalização para o Brasil (Becker, 2004, p. 11).

Todavia, uma nova regionalização constitui tema relevante, à luz da discussão de conceitos empreendida nas seções anteriores, se motivada por demandas em favor da redução de desigualdades sócio-espaciais. Se as condições políticas que passaram a vigorar continuarem conspirando em defesa dos interesses das frações das classes dominantes (ainda hegemônicas), a nova regionalização, reconcentrando poderes e desencadeando guerras entre lugares,15 poderá colocar a federação em risco. Se, ao contrário, as condições políticas propiciarem mudanças de caráter emancipatório, a federação poderá expressar-se num território em que avançam relações de solidariedade e cooperação.16

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASARAÚJO, T. B. de et al. “Política Nacional de Desenvolvimento Regional: uma proposta para discussão”. In: LIMONAD, E. et al. (org.) Brasil século XXI: por uma nova regiona-lização? São Paulo: Max Limonad, 2004. p. 28-53.ARAÚJO, T. B. de. “Celso Furtado, o Nordeste e a construção do Brasil”. In: ALENCAR Jr., J.S. (org.) Celso Furtado e o desenvolvimento regional. Fortaleza: BNB, 2005. p. 209-236.BECKER, B. “Uma nova regionalização para pensar o Brasil?” In: LIMONAD, E. et al. (org.) Brasil século XXI: por uma nova regionalização? São Paulo: Max Limonad, 2004. p. 11-27.BOUDEVILLE, J.R. Les espaces économiques. Paris: Presses Universitaires de France, 1961.BOURDIEU, P. O poder simbólico. 8 ed. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.BRANDÃO, C. Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas: Ed. Unicamp, 2007.

14 Sobre as políticas de in-tervenção no território no pe-ríodo recente, com especial atenção para a Política Na-cional de Desenvolvimento Regional, ver, por exemplo, Araújo et al. (2004).

15 Cabendo, por isso, a pergunta: podem os Estados – e, num nível inferior, as cidades e as regiões – fazer outra coisa que não seduzir investidores, nacionais ou estrangeiros? Existem pos-sibilidades para a adoção de políticas mais seletivas, nas quais as instituições públi-cas já não se contentem em gerir as condições necessá-rias para o desenvolvimento econômico, mas atuem ver-dadeiramente na orientação das trajetórias do sistema produtivo? (Veltz, 1999, p. 137).

16 Cf. Galvão (2000, p. 298); cabe lembrar que “fe-deralismo é o conceito mais amplo que tem sido utilizado para expressar a ideia de que a organização política deve basear-se na solida-riedade e na cooperação, não na compulsão” (Furtado, 1999, p. 39).

Antônio Carlos F. Galvão é economista, doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Bra-sil), analista de ciência e tec-nologia do CNPq e diretor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). E-mail: [email protected].

Ivo Marcos Theis é econo-mista, doutor em Geografia pela Universität Tübingen (Alemanha), professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regio-nal/Universidade Regional de Blumenau (FURB) e bol-sista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected].

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a b s T r a C T This article is concerned with the fact that public policy can achieve greater effectiveness once its spatial dimension gets more attention and if such notions as space, territory and region, here examined, have their meanings adequately explained. Development strategies informed by geographical considerations of the problems to be faced tend to favor the use of more appropriate measures in the current Brazilian context. The article begins with a review of theoretical paths followed in Geography and Economics by elaborating their respective concepts of space. Then we move on to notions of territory and region, respectively, taken as central to the formulation of public policies that emphasize the spatial dimension – as much as possible, by trying to put Geography and Economics in dialogue. Finally, in the last section, we relate the examined concepts to the development strategies that can be adopted in this challenging time of the Brazilian history.

K E y w o r d s Brazil; development; public policies; region; space; territory.

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VELTZ, P. Mundialización, ciudades y territorios: la economia de archipélago. Barcelona: Editorial Ariel, 1999.Von THÜNEN, J. H. Der isolierte Staat in Beziehung auf Landwirtschaft und Nationalöko-nomie. Berlin: s.n., 1826.WEBER, A. Über den Standort der Industrie. Tübingen: s.n., 1909.

a b s T r a C T This article is concerned with the fact that public policy can achieve greater effectiveness once its spatial dimension gets more attention and if such notions as space, territory and region, here examined, have their meanings adequately explained. Development strategies informed by geographical considerations of the problems to be faced tend to favor the use of more appropriate measures in the current Brazilian context. The article begins with a review of theoretical paths followed in Geography and Economics by elaborating their respective concepts of space. Then we move on to notions of territory and region, respectively, taken as central to the formulation of public policies that emphasize the spatial dimension – as much as possible, by trying to put Geography and Economics in dialogue. Finally, in the last section, we relate the examined concepts to the development strategies that can be adopted in this challenging time of the Brazilian history.

K E y w o r d s Brazil; development; public policies; region; space; territory.

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ORDENAMENTO TERRITORIAL, MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO REGIONALNovas Questões, Possíveis articulações

r e N a t a B o v o P e r e se l i s â N g e l a d e a l m e i d a c h i Q u i t o

r e s u m o A questão regional e a discussão sobre a territorialidade das estratégias de desenvolvimento vêm retomando seu espaço, acompanhadas pelo chamado “novo desenvolvi-mentismo” e pela consolidação da questão ambiental. Esta retomada ocorre através de novas posturas para a integração de políticas regionais historicamente herdadas ou recentemente constituídas. Embora tenha havido avanços significativos na redefinição das escalas de plane-jamento, dos instrumentos de gestão e de instituições de âmbito regional, persistem entraves que impedem um movimento em direção à sua efetiva integração. O país ainda apresenta múltiplas territorialidades e uma gama de políticas, programas e projetos voltados ao desenvolvimento social e econômico que conformam um quadro político-administrativo de setorialização das políticas públicas e de territórios fragmentados e desconexos, em uma conjuntura que acentua a exclusão social. A compreensão deste percurso e a reflexão sobre as possibilidades atuais de construção de uma Política de Ordenamento Territorial são os objetivos deste artigo.

P a l a v r a s - c h a v e Ordenamento territorial; políticas públicas; plane-jamento; desenvolvimento regional; questão ambiental.

INTRODUÇÃO

Após um longo período de eclipse, o debate sobre concepções e estratégias de orde-namento territorial e de desenvolvimento regional retorna, neste novo milênio, à pauta da agenda política brasileira. Depois de duas décadas – 1980 e 1990 – em que se predominou o pensamento macroeconômico, ações voltadas ao controle da inflação e a adoção de po-líticas econômicas liberais, acompanhadas pela redução do papel do Estado e no contexto da própria “crise do planejamento” (ver Espaços & Debates, 1981), a questão da territo-rialidade nas estratégias de desenvolvimento vem retomando seu lugar na agenda política brasileira, acompanhada de dois novos componentes, de características supostamente anta-gônicas – o chamado “novo desenvolvimentismo” e a consolidação da questão ambiental.

O “novo desenvolvimentismo”, que vem sendo discutido predominantemente por economistas e cientistas políticos brasileiros e cujo debate foi recentemente sistematizado no documento “Ten thesis on New Developmentalism”, em suma, pressupõe o fortalecimen-to do Estado em paralelo ao fortalecimento do mercado e pressupõe a adoção de um con-junto de políticas econômicas integradas (industrial, tecnológica, reforma agrária, crédito, emprego, etc.) em consonância com um sistema de proteção social capaz de diminuir as condições de desigualdade social (Bresser-Pereira, 2006).

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ORDENAMENTO TERRITORIAL, MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO REGIONALNovas Questões, Possíveis articulações

r e N a t a B o v o P e r e se l i s â N g e l a d e a l m e i d a c h i Q u i t o

r e s u m o A questão regional e a discussão sobre a territorialidade das estratégias de desenvolvimento vêm retomando seu espaço, acompanhadas pelo chamado “novo desenvolvi-mentismo” e pela consolidação da questão ambiental. Esta retomada ocorre através de novas posturas para a integração de políticas regionais historicamente herdadas ou recentemente constituídas. Embora tenha havido avanços significativos na redefinição das escalas de plane-jamento, dos instrumentos de gestão e de instituições de âmbito regional, persistem entraves que impedem um movimento em direção à sua efetiva integração. O país ainda apresenta múltiplas territorialidades e uma gama de políticas, programas e projetos voltados ao desenvolvimento social e econômico que conformam um quadro político-administrativo de setorialização das políticas públicas e de territórios fragmentados e desconexos, em uma conjuntura que acentua a exclusão social. A compreensão deste percurso e a reflexão sobre as possibilidades atuais de construção de uma Política de Ordenamento Territorial são os objetivos deste artigo.

P a l a v r a s - c h a v e Ordenamento territorial; políticas públicas; plane-jamento; desenvolvimento regional; questão ambiental.

INTRODUÇÃO

Após um longo período de eclipse, o debate sobre concepções e estratégias de orde-namento territorial e de desenvolvimento regional retorna, neste novo milênio, à pauta da agenda política brasileira. Depois de duas décadas – 1980 e 1990 – em que se predominou o pensamento macroeconômico, ações voltadas ao controle da inflação e a adoção de po-líticas econômicas liberais, acompanhadas pela redução do papel do Estado e no contexto da própria “crise do planejamento” (ver Espaços & Debates, 1981), a questão da territo-rialidade nas estratégias de desenvolvimento vem retomando seu lugar na agenda política brasileira, acompanhada de dois novos componentes, de características supostamente anta-gônicas – o chamado “novo desenvolvimentismo” e a consolidação da questão ambiental.

O “novo desenvolvimentismo”, que vem sendo discutido predominantemente por economistas e cientistas políticos brasileiros e cujo debate foi recentemente sistematizado no documento “Ten thesis on New Developmentalism”, em suma, pressupõe o fortalecimen-to do Estado em paralelo ao fortalecimento do mercado e pressupõe a adoção de um con-junto de políticas econômicas integradas (industrial, tecnológica, reforma agrária, crédito, emprego, etc.) em consonância com um sistema de proteção social capaz de diminuir as condições de desigualdade social (Bresser-Pereira, 2006).

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O R D E N A M E N TO T E R R I TO R I A L , M E I O A M B I E N T E E D E S E N VO LV I M E N TO

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Acompanhando os debates sobre a nova matriz econômica brasileira, vem ganhando força o componente ambiental das políticas de desenvolvimento. A preocupação com a proteção e o aproveitamento dos recursos naturais vem fazendo surgir no país iniciativas de articulação de órgãos voltados à regionalização na tentativa da dessetorialização. Esse novo requisito exige a reflexão de novas concepções do desenvolvimento, como a susten-tabilidade ambiental do crescimento, o ordenamento territorial e a melhoria efetiva das condições de vida da população.

A necessidade de aproximação destes dois componentes vem resultando em políticas que procuram redesenhar a relação entre desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e os contextos locais e regionais, e conformando organizações intermediárias, entre a escala municipal e estadual e entre a escala estadual e nacional, com a atribuição de corporificar a construção de planos e projetos conjuntos ao alcance da participação real dos grupos sociais neles interessados.

Na esfera estadual e intermunicipal, experiências de grande valia estão tomando cor-po, por exemplo, no âmbito da formação de consórcios para o desenvolvimento regional e na formação e atuação dos comitês de bacia hidrográfica. Ao mesmo tempo, na escala municipal, alguns instrumentos de planejamento e gestão têm buscado extrapolar as fron-teiras intraurbanas, ao incorporarem o território rural e considerarem a articulação regio-nal e ambiental. Há, portanto, um conjunto de condições que vêm repensando a questão regional no sentido de favorecer um diálogo e uma maior articulação entre as escalas de planejamento e que podem contribuir para a gestão territorial integrada.

Embora tenha havido avanços neste sentido, ainda persistem múltiplos embates e limites que impedem um movimento em direção à integração entre escalas territoriais, entre instrumentos de planejamento, atores e instituições. Na escala nacional, permanece o quadro político-administrativo de setorialização das políticas públicas e uma conjuntura econômica que acentua a exclusão social. Isto se verifica, por exemplo, nas múltiplas pro-postas de políticas de desenvolvimento regional como os Territórios da Cidadania/Minis-tério do Desenvolvimento Agrário (mda), as Regiões Integradas para o Desenvolvimento Econômico (Ride) e as políticas de desenvolvimento regional para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A multiplicidade das políticas e sua falta de integração, associadas ao ar-ranjo político-territorial do poder nacional acarretaram demandas conflitivas e a aparente fragmentação do território, dificultando a integração do desenvolvimento e um efetivo ordenamento territorial de cunho ambiental.

As dinâmicas demográficas, urbanas e rurais, agrícolas, industriais e as dinâmicas de fluxos e redes têm efeitos múltiplos e cruzados sobre o território, e são consideradas – ou deveriam sê-lo – pelo ordenamento territorial (Théry e Mello, 2009, p.263). As questões que derivam desses cruzamentos são, sem dúvida, as de sua compatibilidade e dos conflitos que podem ser produzidos entre elas.

Em que pese a Constituição de 1988 ter contemplado a importância do ordena-mento territorial em suas disposições, o Brasil ainda não dispõe de um sistema nacional integrado que possibilite uma ação coordenada dos diferentes níveis de governo no território. Isto não quer dizer que não tenha havido no país políticas de ordenamento do território: elas existem, na escala do governo federal, dos Estados e municípios, ou mesmo na escala de bacias hidrográficas, das regiões metropolitanas e das associações de municípios. E foram essas múltiplas políticas, seguidas de efeitos reais, que vêm transformando o território, entrando muitas vezes em situações de conflito (Théry e Mello, 2009, p.263).

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Este artigo objetiva, portanto, compreender e trazer à luz elementos que permeiam novas reflexões sobre o papel da questão regional no Brasil, envolvendo a criação de ini-ciativas de desenvolvimento regional, as tentativas de construção de uma política de orde-namento territorial, as implicações e possíveis interlocuções entre escalas, instrumentos e instâncias de gestão regional, as nuances, as disputas e os desafios desse campo de estudo em reconstrução.

AS TENTATIVAS DE cONSTRUÇÃO DE UMA LóGIcA TERRITORIAL DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

O conceito de Ordenamento do Território, ainda considerado um conceito em construção, emerge na França pós-revolução (amenagement du territoire), quando surge a necessidade de subdividir o território para fins de administração. Esta subdivisão foi feita compatibilizando as divisões naturais do território – no caso as bacias hidrográficas – com as características de ordem administrativa e econômica – como a produção agrícola, mineração – de maneira a facilitar o levantamento do território (Santa Inez, 2004). Para Lencioni (1999), a modernidade, fundada na indústria e no urbano, dissolvia os lugares, fazendo necessárias a ordenação territorial e a regionalização como meios de afirmação da identidade nacional.

No contexto europeu no pós-segunda guerra, este conceito retorna à pauta politica. Segundo a Charte de l’Amenagement (1953), o ordenamento do território na França, assim como o regional planning norte-americano tinham como objetivo “criar condições, através do planejamento, para a valorização, aproveitamento e desenvolvimento do território, por meio da organização racional do espaço e da implantação de equipamentos apropriados, visando a melhoria das condições de vida das populações”. A Charte de l’Amenagement, que propõe o “equilíbrio entre as unidades territoriais” através de medidas de ordenação do território que coordenariam o rural e o urbano, exigindo “um exame da dependência recíproca da agricultura e da indústria e uma distribuição judiciosa do emprego do habitat e do equipamento coletivo entre zonas rurais, urbanas e mistas e entre zonas agrícolas e industriais”. O documento não aponta uma posição rígida em relação à definição das uni-dades regionais dos “planos de ordenação”, defendendo sua “flexibilidade no espaço e no tempo”, e que poderiam ser “uma bacia hidrográfica ou um vasto território polarizado por produções dominantes que é preciso coordenar” (Charte de L’aménagement, 1953, p.5).

Desde os anos 1930, com o início da Era Vargas, estiveram presentes na agenda federal políticas de ocupação e de modernização do território. Nesta década o governo federal passou a intervir diretamente em vários setores da organização do país, regulando e direcionando o crescimento nacional. Criou-se uma estrutura de autarquias e conselhos nacionais para o controle de setores específicos (como nos casos dos Conselhos Nacionais de Estatística e de Geografia) ou de produtos considerados estratégicos economicamente (café, açúcar, sal, mate, pesca e petróleo) (Ianni, 1977). Foram também promulgadas leis e criadas instituições voltadas à proteção dos recursos naturais e paisagísticos e ao controle de seu aproveitamento econômico. Entre estas ações destacaram-se a elaboração do Código de Águas, o Código Florestal e o Código de Minas, a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (sPhaN, atual iPhaN), e a criação de parques nacionais, como o Parque Nacional de Itatiaia e os Parques do Iguaçu e da Serra dos

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Acompanhando os debates sobre a nova matriz econômica brasileira, vem ganhando força o componente ambiental das políticas de desenvolvimento. A preocupação com a proteção e o aproveitamento dos recursos naturais vem fazendo surgir no país iniciativas de articulação de órgãos voltados à regionalização na tentativa da dessetorialização. Esse novo requisito exige a reflexão de novas concepções do desenvolvimento, como a susten-tabilidade ambiental do crescimento, o ordenamento territorial e a melhoria efetiva das condições de vida da população.

A necessidade de aproximação destes dois componentes vem resultando em políticas que procuram redesenhar a relação entre desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e os contextos locais e regionais, e conformando organizações intermediárias, entre a escala municipal e estadual e entre a escala estadual e nacional, com a atribuição de corporificar a construção de planos e projetos conjuntos ao alcance da participação real dos grupos sociais neles interessados.

Na esfera estadual e intermunicipal, experiências de grande valia estão tomando cor-po, por exemplo, no âmbito da formação de consórcios para o desenvolvimento regional e na formação e atuação dos comitês de bacia hidrográfica. Ao mesmo tempo, na escala municipal, alguns instrumentos de planejamento e gestão têm buscado extrapolar as fron-teiras intraurbanas, ao incorporarem o território rural e considerarem a articulação regio-nal e ambiental. Há, portanto, um conjunto de condições que vêm repensando a questão regional no sentido de favorecer um diálogo e uma maior articulação entre as escalas de planejamento e que podem contribuir para a gestão territorial integrada.

Embora tenha havido avanços neste sentido, ainda persistem múltiplos embates e limites que impedem um movimento em direção à integração entre escalas territoriais, entre instrumentos de planejamento, atores e instituições. Na escala nacional, permanece o quadro político-administrativo de setorialização das políticas públicas e uma conjuntura econômica que acentua a exclusão social. Isto se verifica, por exemplo, nas múltiplas pro-postas de políticas de desenvolvimento regional como os Territórios da Cidadania/Minis-tério do Desenvolvimento Agrário (mda), as Regiões Integradas para o Desenvolvimento Econômico (Ride) e as políticas de desenvolvimento regional para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A multiplicidade das políticas e sua falta de integração, associadas ao ar-ranjo político-territorial do poder nacional acarretaram demandas conflitivas e a aparente fragmentação do território, dificultando a integração do desenvolvimento e um efetivo ordenamento territorial de cunho ambiental.

As dinâmicas demográficas, urbanas e rurais, agrícolas, industriais e as dinâmicas de fluxos e redes têm efeitos múltiplos e cruzados sobre o território, e são consideradas – ou deveriam sê-lo – pelo ordenamento territorial (Théry e Mello, 2009, p.263). As questões que derivam desses cruzamentos são, sem dúvida, as de sua compatibilidade e dos conflitos que podem ser produzidos entre elas.

Em que pese a Constituição de 1988 ter contemplado a importância do ordena-mento territorial em suas disposições, o Brasil ainda não dispõe de um sistema nacional integrado que possibilite uma ação coordenada dos diferentes níveis de governo no território. Isto não quer dizer que não tenha havido no país políticas de ordenamento do território: elas existem, na escala do governo federal, dos Estados e municípios, ou mesmo na escala de bacias hidrográficas, das regiões metropolitanas e das associações de municípios. E foram essas múltiplas políticas, seguidas de efeitos reais, que vêm transformando o território, entrando muitas vezes em situações de conflito (Théry e Mello, 2009, p.263).

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Este artigo objetiva, portanto, compreender e trazer à luz elementos que permeiam novas reflexões sobre o papel da questão regional no Brasil, envolvendo a criação de ini-ciativas de desenvolvimento regional, as tentativas de construção de uma política de orde-namento territorial, as implicações e possíveis interlocuções entre escalas, instrumentos e instâncias de gestão regional, as nuances, as disputas e os desafios desse campo de estudo em reconstrução.

AS TENTATIVAS DE cONSTRUÇÃO DE UMA LóGIcA TERRITORIAL DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

O conceito de Ordenamento do Território, ainda considerado um conceito em construção, emerge na França pós-revolução (amenagement du territoire), quando surge a necessidade de subdividir o território para fins de administração. Esta subdivisão foi feita compatibilizando as divisões naturais do território – no caso as bacias hidrográficas – com as características de ordem administrativa e econômica – como a produção agrícola, mineração – de maneira a facilitar o levantamento do território (Santa Inez, 2004). Para Lencioni (1999), a modernidade, fundada na indústria e no urbano, dissolvia os lugares, fazendo necessárias a ordenação territorial e a regionalização como meios de afirmação da identidade nacional.

No contexto europeu no pós-segunda guerra, este conceito retorna à pauta politica. Segundo a Charte de l’Amenagement (1953), o ordenamento do território na França, assim como o regional planning norte-americano tinham como objetivo “criar condições, através do planejamento, para a valorização, aproveitamento e desenvolvimento do território, por meio da organização racional do espaço e da implantação de equipamentos apropriados, visando a melhoria das condições de vida das populações”. A Charte de l’Amenagement, que propõe o “equilíbrio entre as unidades territoriais” através de medidas de ordenação do território que coordenariam o rural e o urbano, exigindo “um exame da dependência recíproca da agricultura e da indústria e uma distribuição judiciosa do emprego do habitat e do equipamento coletivo entre zonas rurais, urbanas e mistas e entre zonas agrícolas e industriais”. O documento não aponta uma posição rígida em relação à definição das uni-dades regionais dos “planos de ordenação”, defendendo sua “flexibilidade no espaço e no tempo”, e que poderiam ser “uma bacia hidrográfica ou um vasto território polarizado por produções dominantes que é preciso coordenar” (Charte de L’aménagement, 1953, p.5).

Desde os anos 1930, com o início da Era Vargas, estiveram presentes na agenda federal políticas de ocupação e de modernização do território. Nesta década o governo federal passou a intervir diretamente em vários setores da organização do país, regulando e direcionando o crescimento nacional. Criou-se uma estrutura de autarquias e conselhos nacionais para o controle de setores específicos (como nos casos dos Conselhos Nacionais de Estatística e de Geografia) ou de produtos considerados estratégicos economicamente (café, açúcar, sal, mate, pesca e petróleo) (Ianni, 1977). Foram também promulgadas leis e criadas instituições voltadas à proteção dos recursos naturais e paisagísticos e ao controle de seu aproveitamento econômico. Entre estas ações destacaram-se a elaboração do Código de Águas, o Código Florestal e o Código de Minas, a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (sPhaN, atual iPhaN), e a criação de parques nacionais, como o Parque Nacional de Itatiaia e os Parques do Iguaçu e da Serra dos

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Órgãos, áreas que estavam no foco das atenções para a exploração recursos minerais e de energia hidráulica.

As políticas de desenvolvimento, nesse contexto histórico, associadas aos processos de regionalismo e territorialismo da ocupação nacional, caracterizaram os padrões de organi-zação do espaço brasileiro na conformação da estrutura territorial, na fixação de valor ao solo, na forma de relacionamento entre lugares e, sobretudo, nos modos de apropriação e conservação da natureza e de uso dos recursos naturais.

Essas políticas regionais apresentaram, portanto, pelo menos, dois grandes objetivos: a diminuição das desigualdades regionais (econômicas e sociais) e a promoção da ocupa-ção do território nacional. Mas foi nos anos 1940, precisamente após o término da 2ª guerra mundial, que o ordenamento territorial e a questão regional ganharam espaço nos debates e nas políticas de desenvolvimento na medida em que a política federal se voltou para criação de instituições ligadas ao desenvolvimento das chamadas “regiões-problema”, ou seja, áreas até então não aproveitadas economicamente, que apresentavam graves conflitos em termos sociais e políticos, ou mesmo áreas praticamente despovoadas que possuíam riquezas naturais. A Constituição de 1946, de caráter descentralizante, estabe-leceu, pela primeira vez, a necessidade da destinação de recursos para a criação de órgãos de planejamento do desenvolvimento para as “regiões-problema”– Amazônia, Vale do São Francisco e Polígono das Secas no Nordeste (Chiquito, 2012).

A partir desta década as políticas de desenvolvimento regional tiveram uma grande vinculação com as iniciativas de ordenamento territorial no Brasil. Diversas foram as propostas de regionalização e de ordenamento do território nacional, de instituições de planejamento regional e de concepções de desenvolvimento que partiram de múltiplos campos profissionais, brasileiros e estrangeiros.

Sobre a questão do desenvolvimento e do ordenamento territorial e a integração entre escalas e temas, é importante retomar experiências que forneceram importantes subsídios para se pensar uma política de ordenamento territorial. Um estudo que merece ser destacado foi elaborado pela sagmacs, em 1954, que compreendeu a unidade re-gional a partir de duas escalas: uma como um nível intermediário de planejamento entre Estado e Nação e outra entre Estado e Municípios, considerando a dimensão territorial do Brasil (sagmacs, 1954). No que diz respeito ao ordenamento territorial de regiões intermediárias entre Estados e Nação, o estudo sugere a criação das “unidades racionais de organização e aproveitamento”, consideradas unidades de planejamento e gerenciamento do território constituídas com base nas bacias hidrográficas. Com base nesse estudo, o ter-ritório nacional ficou dividido entre três grandes unidades racionais de organização e apro-veitamento – a Bacia Amazônica, a Bacia do rio São Francisco e a Bacia Paraná-Uruguai.

No que se refere à regionalização do estado de São Paulo, o estudo utilizou como critério, para delimitação da unidade regional, a área de influência dos municípios do interior e a divisão política do território associada à rede hidrográfica. Para isso, propôs a criação de 11 “regiões de aproveitamento territorial”, cada uma delas identificada por sua cidade-sede. Cada região deveria ser concebida como uma unidade econômica e política autônoma, com orçamento próprio e administrando os serviços públicos comuns inter-municipais (sagmacs, 1954).

Também a partir dessa lógica de construção de uma política de desenvolvimento ba-seada nas estratégias de ordenamento territorial e desenvolvimento regional, foram criadas pelo governo federal três Macroagências Regionais para as regiões-problema– a Comissão do Vale do São Francisco (cvsF), em 1948, a Comissão do Plano de Valorização Eco-

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nômica da Amazônia (cPvea), em 1951, e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, – e por iniciativa descentralizada de sete estados da federa-ção, a Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai (ciBPu).

Mas se até os anos 1950 os esforços de compreender o território e o desenvolvimento regional de maneira integrada lograram êxito no sentido de construção de uma política de ordenamento territorial e desenvolvimento regional, a partir do final dos anos 1950 e início dos anos 1960 esta lógica foi sendo abandonada, em nome do desenvolvimento eco-nômico via polos de crescimento, com predominância da visão macroeconômica, tendo a cidade como lócus do desenvolvimento. O I Seminário Nacional sobre Pólos de Desenvolvi-mento, realizado de 18 a 22 de setembro de 1966, foi importante lócus para a discussão da aplicação da teoria dos polos de crescimento no contexto do subdesenvolvimento.

Configurou-se, neste sentido, um deslocamento na visão de planejamento que passa de uma abordagem integradora do rural e do urbano em nome do território, para a região polarizada, formada por centros urbanos que poderiam exercer influência no de-senvolvimento de novas centralidades, com grande ênfase na macroeconomia. A difusão desta concepção no Brasil, associada ao intenso processo de urbanização da população, ao progressivo agigantamento metropolitano e à intensificação da industrialização pesada contribuiu para este deslocamento (Chiquito, 2012).

Dentro dessa lógica do desenvolvimento regional, Coutinho (2003, p.38) analisa que o Brasil experimentou três grandes ciclos de desenvolvimento: o período Juscelino Kubits-chek (1955-1960), o “milagre econômico” sob Delfim Netto (1967-1973), e o governo Geisel (1974-1978). Esses ciclos foram articulados pelo Estado, por meio de blocos de investimento público em infraestruturas. Os blocos de investimento público e a capaci-dade de articulá-los à entrada de investimentos estrangeiros via negociação de pacotes de projetos com grandes empresas transnacionais levaram à montagem de grandes cadeias industriais. Os Planos Regionais, inseridos nos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNds), da década de 1970, foram iniciativas de destaque desse período.

Para Coutinho (2003), tais mecanismos de governança do desenvolvimento per-mitiam o exercício de uma política regional, com uma face explícita e outra implícita. Na visão do autor, a face explícita da política regional caracterizava-se a partir das Ma-croagências Regionais, deixando ao mercado as soluções para o Sudeste e o Sul. Embora haja essa constatação, as regiões Sul e Sudeste também desenvolveram experiências de planejamento regional.

A fase implícita encontrava-se embutida nas grandes iniciativas da área econômica do governo a partir de uma política regional que estava por trás dos pacotes de investimento induzidos pelo governo em cada momento. Exemplos dessas políticas foram: a criação do Polo Petroquímico em Camaçari, o Complexo Carajás, o programa nuclear, a expansão do setor de celulose no Sul da Bahia, etc. Enfim, a gestão de uma série de investimentos baseados em arranjos de políticas setoriais e industriais pelo setor público era objeto de de-cisão política locacional com fortes impactos urbanos e regionais. Para Coutinho (2003), essa política regional não explícita, que sempre foi praticada, foi tão ou mais relevante para entender a dinâmica regional brasileira do que a política formal das Agências Regionais.

Devido à crise do planejamento, no contexto da grande crise econômica dos anos de 1980, houve uma redução da capacidade do Estado, que pulverizou as políticas públicas em programas setoriais não articulados. Segundo Moraes (1999, p.47) houve um processo de balconização das políticas públicas, no qual a visão integrada de território se perdeu. As fronteiras virtuais tornaram-se mais atrativas do que os investimentos materiais, tendo no

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Órgãos, áreas que estavam no foco das atenções para a exploração recursos minerais e de energia hidráulica.

As políticas de desenvolvimento, nesse contexto histórico, associadas aos processos de regionalismo e territorialismo da ocupação nacional, caracterizaram os padrões de organi-zação do espaço brasileiro na conformação da estrutura territorial, na fixação de valor ao solo, na forma de relacionamento entre lugares e, sobretudo, nos modos de apropriação e conservação da natureza e de uso dos recursos naturais.

Essas políticas regionais apresentaram, portanto, pelo menos, dois grandes objetivos: a diminuição das desigualdades regionais (econômicas e sociais) e a promoção da ocupa-ção do território nacional. Mas foi nos anos 1940, precisamente após o término da 2ª guerra mundial, que o ordenamento territorial e a questão regional ganharam espaço nos debates e nas políticas de desenvolvimento na medida em que a política federal se voltou para criação de instituições ligadas ao desenvolvimento das chamadas “regiões-problema”, ou seja, áreas até então não aproveitadas economicamente, que apresentavam graves conflitos em termos sociais e políticos, ou mesmo áreas praticamente despovoadas que possuíam riquezas naturais. A Constituição de 1946, de caráter descentralizante, estabe-leceu, pela primeira vez, a necessidade da destinação de recursos para a criação de órgãos de planejamento do desenvolvimento para as “regiões-problema”– Amazônia, Vale do São Francisco e Polígono das Secas no Nordeste (Chiquito, 2012).

A partir desta década as políticas de desenvolvimento regional tiveram uma grande vinculação com as iniciativas de ordenamento territorial no Brasil. Diversas foram as propostas de regionalização e de ordenamento do território nacional, de instituições de planejamento regional e de concepções de desenvolvimento que partiram de múltiplos campos profissionais, brasileiros e estrangeiros.

Sobre a questão do desenvolvimento e do ordenamento territorial e a integração entre escalas e temas, é importante retomar experiências que forneceram importantes subsídios para se pensar uma política de ordenamento territorial. Um estudo que merece ser destacado foi elaborado pela sagmacs, em 1954, que compreendeu a unidade re-gional a partir de duas escalas: uma como um nível intermediário de planejamento entre Estado e Nação e outra entre Estado e Municípios, considerando a dimensão territorial do Brasil (sagmacs, 1954). No que diz respeito ao ordenamento territorial de regiões intermediárias entre Estados e Nação, o estudo sugere a criação das “unidades racionais de organização e aproveitamento”, consideradas unidades de planejamento e gerenciamento do território constituídas com base nas bacias hidrográficas. Com base nesse estudo, o ter-ritório nacional ficou dividido entre três grandes unidades racionais de organização e apro-veitamento – a Bacia Amazônica, a Bacia do rio São Francisco e a Bacia Paraná-Uruguai.

No que se refere à regionalização do estado de São Paulo, o estudo utilizou como critério, para delimitação da unidade regional, a área de influência dos municípios do interior e a divisão política do território associada à rede hidrográfica. Para isso, propôs a criação de 11 “regiões de aproveitamento territorial”, cada uma delas identificada por sua cidade-sede. Cada região deveria ser concebida como uma unidade econômica e política autônoma, com orçamento próprio e administrando os serviços públicos comuns inter-municipais (sagmacs, 1954).

Também a partir dessa lógica de construção de uma política de desenvolvimento ba-seada nas estratégias de ordenamento territorial e desenvolvimento regional, foram criadas pelo governo federal três Macroagências Regionais para as regiões-problema– a Comissão do Vale do São Francisco (cvsF), em 1948, a Comissão do Plano de Valorização Eco-

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nômica da Amazônia (cPvea), em 1951, e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, – e por iniciativa descentralizada de sete estados da federa-ção, a Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai (ciBPu).

Mas se até os anos 1950 os esforços de compreender o território e o desenvolvimento regional de maneira integrada lograram êxito no sentido de construção de uma política de ordenamento territorial e desenvolvimento regional, a partir do final dos anos 1950 e início dos anos 1960 esta lógica foi sendo abandonada, em nome do desenvolvimento eco-nômico via polos de crescimento, com predominância da visão macroeconômica, tendo a cidade como lócus do desenvolvimento. O I Seminário Nacional sobre Pólos de Desenvolvi-mento, realizado de 18 a 22 de setembro de 1966, foi importante lócus para a discussão da aplicação da teoria dos polos de crescimento no contexto do subdesenvolvimento.

Configurou-se, neste sentido, um deslocamento na visão de planejamento que passa de uma abordagem integradora do rural e do urbano em nome do território, para a região polarizada, formada por centros urbanos que poderiam exercer influência no de-senvolvimento de novas centralidades, com grande ênfase na macroeconomia. A difusão desta concepção no Brasil, associada ao intenso processo de urbanização da população, ao progressivo agigantamento metropolitano e à intensificação da industrialização pesada contribuiu para este deslocamento (Chiquito, 2012).

Dentro dessa lógica do desenvolvimento regional, Coutinho (2003, p.38) analisa que o Brasil experimentou três grandes ciclos de desenvolvimento: o período Juscelino Kubits-chek (1955-1960), o “milagre econômico” sob Delfim Netto (1967-1973), e o governo Geisel (1974-1978). Esses ciclos foram articulados pelo Estado, por meio de blocos de investimento público em infraestruturas. Os blocos de investimento público e a capaci-dade de articulá-los à entrada de investimentos estrangeiros via negociação de pacotes de projetos com grandes empresas transnacionais levaram à montagem de grandes cadeias industriais. Os Planos Regionais, inseridos nos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNds), da década de 1970, foram iniciativas de destaque desse período.

Para Coutinho (2003), tais mecanismos de governança do desenvolvimento per-mitiam o exercício de uma política regional, com uma face explícita e outra implícita. Na visão do autor, a face explícita da política regional caracterizava-se a partir das Ma-croagências Regionais, deixando ao mercado as soluções para o Sudeste e o Sul. Embora haja essa constatação, as regiões Sul e Sudeste também desenvolveram experiências de planejamento regional.

A fase implícita encontrava-se embutida nas grandes iniciativas da área econômica do governo a partir de uma política regional que estava por trás dos pacotes de investimento induzidos pelo governo em cada momento. Exemplos dessas políticas foram: a criação do Polo Petroquímico em Camaçari, o Complexo Carajás, o programa nuclear, a expansão do setor de celulose no Sul da Bahia, etc. Enfim, a gestão de uma série de investimentos baseados em arranjos de políticas setoriais e industriais pelo setor público era objeto de de-cisão política locacional com fortes impactos urbanos e regionais. Para Coutinho (2003), essa política regional não explícita, que sempre foi praticada, foi tão ou mais relevante para entender a dinâmica regional brasileira do que a política formal das Agências Regionais.

Devido à crise do planejamento, no contexto da grande crise econômica dos anos de 1980, houve uma redução da capacidade do Estado, que pulverizou as políticas públicas em programas setoriais não articulados. Segundo Moraes (1999, p.47) houve um processo de balconização das políticas públicas, no qual a visão integrada de território se perdeu. As fronteiras virtuais tornaram-se mais atrativas do que os investimentos materiais, tendo no

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mercado, na globalização e no neoliberalismo suas principais diretrizes. A questão não era mais o modelo ou a ideia de desenvolvimento, mas seu eclipse.

A RETOMADA DE UMA POLíTIcA DE ORDENAMENTO TERRITORIAL

No auge da luta pela redemocratização do país, o tema Ordenamento Territorial re-tornou à pauta brasileira por circunstância da Constituição de 1988, inspirada nos “Planos de Ordenação do Território”, à semelhança de experiências realizadas no continente europeu.

A Carta Europeia de Ordenação do Território (ceot/cemat, 1983, p.9), define o termo como:

a expressão espacial da harmonização de políticas econômica, social, cultural e ambiental, micro e macrorregionais, ora ciência, ora técnica administrativa, ora política pública conce-bidas com enfoque interdisciplinar e global, cujo objetivo é o desenvolvimento equilibrado das regiões e a organização física do espaço, segundo uma diretriz.

Desse modo, ao ressaltar em seu artigo 21, inciso iX, que “compete à União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”, a Constituição Brasileira de 1988 colocou o ordenamento territorial como um instrumento de planejamento, elemento de organização e de ampliação da ra-cionalidade espacial das ações do Estado.

Em que pese o reconhecimento da importância do ordenamento do território pela lei maior do país, este não foi seguido por uma mobilização para a construção de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial. Na segunda metade dos anos de 1990 assistiu-se a uma reabilitação do planejamento, embora os textos constitucionais se limitassem a aspec-tos orçamentários, deixando os principais instrumentos de planejamento, como os planos nacionais, regionais e de ordenamento do território sem menção de prazos, de critérios e dos responsáveis pela sua realização (Théry, 2009, p.284).

A despeito disso, Miragaya e Signori (2011, p.142) analisam que a inexistência de uma Política de Ordenamento do Território no país não significou a inexistência de ins-trumentos que pudessem colaborar para isso. Esses autores apresentam um rol exemplifi-cativo de sistemas, políticas, planos e programas identificados como de destacado impacto no território e que podem ser considerados como instrumentos de ordenamento territo-rial, dentre os quais se destacam: Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Sistema Nacional de Recursos Hídricos, Sistemas Municipais de Planejamento; Política Nacional de Desenvolvimento Regional, Política Nacional de Meio Ambiente, Política de Desen-volvimento Rural Sustentável, Política Nacional de Recursos Hídricos, Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, Política de Defesa Nacional; Planos Diretores Municipais (e seus instrumentos de gestão territorial urbana), Planos de Bacias Hidrográficas, Planos de Desenvolvimento Territorial Sustentável, além dos Planos macrorregionais e sub-regionais e dos programas e fundos com rebatimento territorial.

A eficácia do funcionamento desses planos foi comprometida, entretanto, pela falta de articulações entre eles. A ausência de uma política nacional que permitisse a articula-ção entre esses instrumentos demonstrou-se evidente, juntamente com a necessidade da criação de um Sistema Nacional de Ordenamento do Território que se mostrasse capaz de

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dirimir conflitos de interesse e imprimir uma trajetória convergente para a gestão adequa-da do território (Miragaya e Signori, 2011, p. 139).

Em 1990 foi criada a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e, a ela subordinada, a Diretoria de Ordenação Territorial (dot), que tinha como atribuições cumprir aquele preceito constitucional. A estratégia básica da dot, contudo, limitou-se a elaboração de Zoneamentos Ecológico-Econômicos (Zee), nos planos nacional, regional e estadual, que se constituem em um dos principais instrumentos de ordenamento do território. Em 1999 a SAE foi extinta e as suas atribuições referentes ao Zee transferidas para o Ministério do Meio Ambiente.

Decorridos mais de 15 anos da promulgação da Constituição Federal, o ano de 2003 marcou a retomada de uma lógica territorial para o desenvolvimento do país.

No bojo desse momento histórico, estava a criação da Lei Federal 10.683/2003 que conferiu a responsabilidade sobre o Ordenamento Territorial ao Ministério da Integração Nacional (mi), com a responsabilidade de iniciar um processo de elaboração de uma Po-lítica Nacional de Ordenamento Territorial (PNot).

Nesse mesmo ano, importantes iniciativas foram realizadas para embasar as reflexões sobre o tema, como a realização da oficina “Bases para uma Proposta de Política Nacional de Ordenamento Territorial – PNOT” (Ml, 2005), que reuniu as ideias de especialistas brasileiros renomados em desenvolvimento regional, urbano e ambiental, a fim de apro-fundar a discussão sobre o conceito “ordenamento territorial”. O objetivo seria tornar esse conceito operacional rumo à construção de uma Política Nacional de Ordenamento Ter-ritorial e que propiciasse um conjunto articulado de ações direcionadas para a promoção do desenvolvimento sustentável.

A síntese dessa oficina, feita por Becker (2005), procurou ressaltar alguns pontos convergentes, dentre os quais se destacaram:• O conceito de território não é unívoco. O território no Brasil não é mais transformado

apenas sob a égide do Estado. É patente a importância adquirida por novos atores da sociedade civil organizada, e que novas institucionalidades e territorialidades não estão vinculadas à malha administrativa oficial dos municípios e estados. É o caso de projetos comunitários alternativos de certa extensão, das Regiões Integradas de Desenvolvimen-to (RIDES), dos territórios definidos pela logística como os Arranjos Produtivos Locais (APL), dos Comitês de Bacia Hidrográfica e dos consórcios de municípios.

• O território é o espaço da prática e implica a apropriação de uma parcela de espaço. Como qualquer prática social implica a noção de limite e manifesta uma intenção de poder, inclusive, sobre os movimentos. É também um produto usado, vivido e utilizado como meio para a prática social.

• Existem três equívocos comuns que precisariam ser esclarecidos. Primeiro, o ordenamento se diferencia do “uso do solo”, já que se trata de proposições de escalas distintas, relacio-nadas a diferentes competências legislativas e executivas. Segundo, o ordenamento não equivale ao planejamento regional stricto sensu, política macroeconômica destinada à indução de fluxos ou à correção de desigualdades espaciais. Terceiro, o ordenamento não se reduz ao zoneamento em suas várias modalidades, mas este é o seu mais difun-dido instrumento.

• O ordenamento territorial diz respeito a uma visão macro do espaço, enfocando grandes conjuntos espaciais e espaços de interesses estratégicos ou usos especiais. Trata-se de uma escala de planejamento que aborda o território nacional em sua integridade, em uma visão de contiguidade que se sobrepõe a qualquer manifestação pontual do ter-

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mercado, na globalização e no neoliberalismo suas principais diretrizes. A questão não era mais o modelo ou a ideia de desenvolvimento, mas seu eclipse.

A RETOMADA DE UMA POLíTIcA DE ORDENAMENTO TERRITORIAL

No auge da luta pela redemocratização do país, o tema Ordenamento Territorial re-tornou à pauta brasileira por circunstância da Constituição de 1988, inspirada nos “Planos de Ordenação do Território”, à semelhança de experiências realizadas no continente europeu.

A Carta Europeia de Ordenação do Território (ceot/cemat, 1983, p.9), define o termo como:

a expressão espacial da harmonização de políticas econômica, social, cultural e ambiental, micro e macrorregionais, ora ciência, ora técnica administrativa, ora política pública conce-bidas com enfoque interdisciplinar e global, cujo objetivo é o desenvolvimento equilibrado das regiões e a organização física do espaço, segundo uma diretriz.

Desse modo, ao ressaltar em seu artigo 21, inciso iX, que “compete à União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”, a Constituição Brasileira de 1988 colocou o ordenamento territorial como um instrumento de planejamento, elemento de organização e de ampliação da ra-cionalidade espacial das ações do Estado.

Em que pese o reconhecimento da importância do ordenamento do território pela lei maior do país, este não foi seguido por uma mobilização para a construção de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial. Na segunda metade dos anos de 1990 assistiu-se a uma reabilitação do planejamento, embora os textos constitucionais se limitassem a aspec-tos orçamentários, deixando os principais instrumentos de planejamento, como os planos nacionais, regionais e de ordenamento do território sem menção de prazos, de critérios e dos responsáveis pela sua realização (Théry, 2009, p.284).

A despeito disso, Miragaya e Signori (2011, p.142) analisam que a inexistência de uma Política de Ordenamento do Território no país não significou a inexistência de ins-trumentos que pudessem colaborar para isso. Esses autores apresentam um rol exemplifi-cativo de sistemas, políticas, planos e programas identificados como de destacado impacto no território e que podem ser considerados como instrumentos de ordenamento territo-rial, dentre os quais se destacam: Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Sistema Nacional de Recursos Hídricos, Sistemas Municipais de Planejamento; Política Nacional de Desenvolvimento Regional, Política Nacional de Meio Ambiente, Política de Desen-volvimento Rural Sustentável, Política Nacional de Recursos Hídricos, Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, Política de Defesa Nacional; Planos Diretores Municipais (e seus instrumentos de gestão territorial urbana), Planos de Bacias Hidrográficas, Planos de Desenvolvimento Territorial Sustentável, além dos Planos macrorregionais e sub-regionais e dos programas e fundos com rebatimento territorial.

A eficácia do funcionamento desses planos foi comprometida, entretanto, pela falta de articulações entre eles. A ausência de uma política nacional que permitisse a articula-ção entre esses instrumentos demonstrou-se evidente, juntamente com a necessidade da criação de um Sistema Nacional de Ordenamento do Território que se mostrasse capaz de

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dirimir conflitos de interesse e imprimir uma trajetória convergente para a gestão adequa-da do território (Miragaya e Signori, 2011, p. 139).

Em 1990 foi criada a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e, a ela subordinada, a Diretoria de Ordenação Territorial (dot), que tinha como atribuições cumprir aquele preceito constitucional. A estratégia básica da dot, contudo, limitou-se a elaboração de Zoneamentos Ecológico-Econômicos (Zee), nos planos nacional, regional e estadual, que se constituem em um dos principais instrumentos de ordenamento do território. Em 1999 a SAE foi extinta e as suas atribuições referentes ao Zee transferidas para o Ministério do Meio Ambiente.

Decorridos mais de 15 anos da promulgação da Constituição Federal, o ano de 2003 marcou a retomada de uma lógica territorial para o desenvolvimento do país.

No bojo desse momento histórico, estava a criação da Lei Federal 10.683/2003 que conferiu a responsabilidade sobre o Ordenamento Territorial ao Ministério da Integração Nacional (mi), com a responsabilidade de iniciar um processo de elaboração de uma Po-lítica Nacional de Ordenamento Territorial (PNot).

Nesse mesmo ano, importantes iniciativas foram realizadas para embasar as reflexões sobre o tema, como a realização da oficina “Bases para uma Proposta de Política Nacional de Ordenamento Territorial – PNOT” (Ml, 2005), que reuniu as ideias de especialistas brasileiros renomados em desenvolvimento regional, urbano e ambiental, a fim de apro-fundar a discussão sobre o conceito “ordenamento territorial”. O objetivo seria tornar esse conceito operacional rumo à construção de uma Política Nacional de Ordenamento Ter-ritorial e que propiciasse um conjunto articulado de ações direcionadas para a promoção do desenvolvimento sustentável.

A síntese dessa oficina, feita por Becker (2005), procurou ressaltar alguns pontos convergentes, dentre os quais se destacaram:• O conceito de território não é unívoco. O território no Brasil não é mais transformado

apenas sob a égide do Estado. É patente a importância adquirida por novos atores da sociedade civil organizada, e que novas institucionalidades e territorialidades não estão vinculadas à malha administrativa oficial dos municípios e estados. É o caso de projetos comunitários alternativos de certa extensão, das Regiões Integradas de Desenvolvimen-to (RIDES), dos territórios definidos pela logística como os Arranjos Produtivos Locais (APL), dos Comitês de Bacia Hidrográfica e dos consórcios de municípios.

• O território é o espaço da prática e implica a apropriação de uma parcela de espaço. Como qualquer prática social implica a noção de limite e manifesta uma intenção de poder, inclusive, sobre os movimentos. É também um produto usado, vivido e utilizado como meio para a prática social.

• Existem três equívocos comuns que precisariam ser esclarecidos. Primeiro, o ordenamento se diferencia do “uso do solo”, já que se trata de proposições de escalas distintas, relacio-nadas a diferentes competências legislativas e executivas. Segundo, o ordenamento não equivale ao planejamento regional stricto sensu, política macroeconômica destinada à indução de fluxos ou à correção de desigualdades espaciais. Terceiro, o ordenamento não se reduz ao zoneamento em suas várias modalidades, mas este é o seu mais difun-dido instrumento.

• O ordenamento territorial diz respeito a uma visão macro do espaço, enfocando grandes conjuntos espaciais e espaços de interesses estratégicos ou usos especiais. Trata-se de uma escala de planejamento que aborda o território nacional em sua integridade, em uma visão de contiguidade que se sobrepõe a qualquer manifestação pontual do ter-

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ritório. Enfim, ele visa estabelecer um diagnóstico geográfico do território, indicando tendências e aferindo demandas e potencialidades de modo a alcançar sua meta, que é a compatibilização de políticas públicas em seus rebatimentos no espaço, evitando-se conflitos de objetivos e contraposição de diretrizes no uso de lugares e dos recursos (Becker, 2005, p.75).

Nesse sentido, ordenar o território seria pensar e atuar no conjunto de forças que modelam o desenvolvimento do país a partir de um olhar da União e de uma estratégia que visasse coordenar as políticas setoriais. Implicaria, portanto, a capacidade de pensar e agir em três frentes: nas escalas de sub-regiões e dos lugares, no ordenamento das redes ou no controle e coordenação onde é escassa a presença do Estado, e no estabelecimento de conexões entre os focos dinâmicos da economia e áreas marginalizadas desse processo. Somam-se ainda a ação sobre as regiões metropolitanas e os aglomerados urbanos em geral – os principais vetores de especialização e de diferenciação do território –, por isso as forças de mais difícil controle e coordenação.

Com base nessas reflexões, os objetivos de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial conduziriam para aumentar o nível de representatividade dos espaços políticos, fomentar o comprometimento público com as iniciativas das múltiplas identidades cultu-rais locais, atuar num “des-re-ordenamento” que integrasse múltiplas escalas, envolvendo, no caso brasileiro, pelo menos quatro escalas básicas: o município, a mesoregião, os esta-dos da federação e a macrorregião (Becker, 2005, p.76). A operacionalização de estratégias concertadas de ocupação e de uso do espaço deveria ser realizada pela implementação de políticas públicas federais, pelo estímulo e indução de políticas estaduais e municipais e pelo convencimento e legitimação da sociedade. Isso exigiria, portanto, a redefinição de regiões, de novas territorialidades e institucionalidades.

Além da Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNot), outra também de-veria ser pensada: a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNdr). As duas po-líticas convergiriam no que se refere à questão da desigualdade social. No caso da PNdr, a prioridade seria atribuída a áreas com menor renda e sem dinamismo econômico. No caso da PNOT, a maior identificação seria com a proposição mais radical, que priorizaria o combate à exclusão social e à redistribuição da riqueza. A PNot é mais abrangente. Além de atentar para a desigualdade social, deve-se assegurar o crescimento econômico e a competitividade, além de administrarem-se conflitos no uso e na apropriação do terri-tório. Em outras palavras, na escala da União, a PNdr é um instrumento da PNot que, por sua vez, deverá também atuar na escala intrarregional.

Em 2007, o Governo Federal instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (gti) com a atribuição de elaborar a Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNot). O gti, coordenado pela Casa Civil da Presidência da República e tendo o Ministério da Integração Nacional como secretaria executiva, era integrado ainda pelo Ministério da Defesa, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério das Cidades e Ministério de Minas e Energia. Em dezembro do mesmo ano, o gti concluiu a elaboração da minuta do Projeto de Lei que institui a PNot, que foi encaminhada à Casa Civil da Presidência da República para apreciação e posterior encami-nhamento ao Congresso Nacional, o que ainda não ocorreu. No atual Programa de Metas para 2012-2015 do Ministério da Integração, a perspectiva de criação da PNot aparece ocultada pelas políticas regionais de redução das desigualdades sociais.

O retardamento da ação governamental no que se refere ao envio do projeto de lei ao Congresso Nacional esteve em flagrante descompasso com a conjuntura internacional

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no que diz respeito às diversas experiências avançadas de ordenamento territorial. Além disso, embora tenha ocorrido a elaboração desse projeto de lei, nenhum debate nacional foi instaurado sobre a proposta da PNot.

Com efeito, em que pese a Constituição de 1988 ter contemplado o ordenamento territorial em suas disposições, e o Ministério da Integração ter elaborado um Projeto de Lei que propôs a Política Nacional de Ordenamento Territorial, o Brasil ainda não dispõe de um sistema nacional integrado com capacidade de hierarquizar e possibilitar uma ação coordenada dos diferentes níveis de governo nos territórios. Pelo contrário, em seu lugar, há uma grande diversidade de planos, projetos, leis e instrumentos isolados de interven-ção, adotados pela União, pelos Estados ou Municípios, frequentemente elaborados de forma conflitante e sem diálogos ou interlocuções.

Ao contrário da estagnação para a criação da PNot, uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional foi aprovada em 2007, apontando como objetivo principal a redução das desigualdades de nível de vida entre as regiões brasileiras e a promoção da equidade no acesso às oportunidades de desenvolvimento, além de orientar os programas e ações federais no território nacional. Nesse sentido, as políticas regionais apresentaram, pelo menos, dois grandes objetivos: a diminuição das desigualdades regionais (econômicas e sociais) e a promoção da ocupação do território nacional.

Dentro da lógica de novas regionalidades, foram criados os Territórios da Cida-dania, política pública lançada em 2008, baseada na experiência dos Territórios Rurais Sustentáveis, do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Essa política atuou em 120 microrregiões, basicamente rurais, envolvendo cerca de 1.800 municípios, com maior incidência no Norte e no Nordeste. O principal objetivo foi promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável, integrando ações entre Governo Federal, estados e municípios.

Para Senra (2011), no que se refere às novas políticas de desenvolvimento regional, as marcas mais significativas foram: a) a criação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional e as mesorregiões diferenciadas; b) a multiplicidade e a sobreposição de insti-tuições públicas que se dedicaram ao desenvolvimento regional, territorial ou local; c) a política dos Territórios da Cidadania; d) a elaboração de planos de desenvolvimento, para diferentes escalas territoriais. Nesse período, também foram adotadas políticas sociais que tiveram impacto expressivo, do ponto de vista territorial, principalmente os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e de infraestrutura social, como o Luz Para Todos, que beneficiaram fortemente o Norte e o Nordeste.

Outra política regional revalorizada neste período foi o fortalecimento dos Con-sórcios Intermunicipais, considerada uma das formas institucionalizadas de cooperação regional mais difundida no país.1 Em 2005 foi promulgada a Lei 11.107/2005 que regulamentou o artigo 241 da Constituição Federal, dispondo sobre normas de contra-tação por meio de consórcios públicos no âmbito da União, Estados e Municípios, e em 2007 foi aprovado o Decreto 6.017/2007, que estabeleceu normas para a execução da Lei 11.107/2005.

Um exemplo relevante nesse sentido foi o fortalecimento do Consórcio Intermu-nicipal Grande aBc, formado em 1990 e constituído por oito municípios paulistas e abrangendo cerca de 2,5 milhões de habitantes. Sua importância reside no fato de ser uma entidade que trabalha com uma perspectiva de planejamento e gestão regional es-tratégica a partir de uma agenda de prioridades, que tem em vista a articulação de ações

1 A articulação horizontal entre municípios foi institu-cionalizada por legislação federal, através da Emen-da Constitucional 19/1998, relativa à instituição de Consórcios e Convênios de Cooperação entre os Entes Federados, autorizando a gestão associada de servi-ços públicos (Farah, 2003, p.87).

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ritório. Enfim, ele visa estabelecer um diagnóstico geográfico do território, indicando tendências e aferindo demandas e potencialidades de modo a alcançar sua meta, que é a compatibilização de políticas públicas em seus rebatimentos no espaço, evitando-se conflitos de objetivos e contraposição de diretrizes no uso de lugares e dos recursos (Becker, 2005, p.75).

Nesse sentido, ordenar o território seria pensar e atuar no conjunto de forças que modelam o desenvolvimento do país a partir de um olhar da União e de uma estratégia que visasse coordenar as políticas setoriais. Implicaria, portanto, a capacidade de pensar e agir em três frentes: nas escalas de sub-regiões e dos lugares, no ordenamento das redes ou no controle e coordenação onde é escassa a presença do Estado, e no estabelecimento de conexões entre os focos dinâmicos da economia e áreas marginalizadas desse processo. Somam-se ainda a ação sobre as regiões metropolitanas e os aglomerados urbanos em geral – os principais vetores de especialização e de diferenciação do território –, por isso as forças de mais difícil controle e coordenação.

Com base nessas reflexões, os objetivos de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial conduziriam para aumentar o nível de representatividade dos espaços políticos, fomentar o comprometimento público com as iniciativas das múltiplas identidades cultu-rais locais, atuar num “des-re-ordenamento” que integrasse múltiplas escalas, envolvendo, no caso brasileiro, pelo menos quatro escalas básicas: o município, a mesoregião, os esta-dos da federação e a macrorregião (Becker, 2005, p.76). A operacionalização de estratégias concertadas de ocupação e de uso do espaço deveria ser realizada pela implementação de políticas públicas federais, pelo estímulo e indução de políticas estaduais e municipais e pelo convencimento e legitimação da sociedade. Isso exigiria, portanto, a redefinição de regiões, de novas territorialidades e institucionalidades.

Além da Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNot), outra também de-veria ser pensada: a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNdr). As duas po-líticas convergiriam no que se refere à questão da desigualdade social. No caso da PNdr, a prioridade seria atribuída a áreas com menor renda e sem dinamismo econômico. No caso da PNOT, a maior identificação seria com a proposição mais radical, que priorizaria o combate à exclusão social e à redistribuição da riqueza. A PNot é mais abrangente. Além de atentar para a desigualdade social, deve-se assegurar o crescimento econômico e a competitividade, além de administrarem-se conflitos no uso e na apropriação do terri-tório. Em outras palavras, na escala da União, a PNdr é um instrumento da PNot que, por sua vez, deverá também atuar na escala intrarregional.

Em 2007, o Governo Federal instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (gti) com a atribuição de elaborar a Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNot). O gti, coordenado pela Casa Civil da Presidência da República e tendo o Ministério da Integração Nacional como secretaria executiva, era integrado ainda pelo Ministério da Defesa, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério das Cidades e Ministério de Minas e Energia. Em dezembro do mesmo ano, o gti concluiu a elaboração da minuta do Projeto de Lei que institui a PNot, que foi encaminhada à Casa Civil da Presidência da República para apreciação e posterior encami-nhamento ao Congresso Nacional, o que ainda não ocorreu. No atual Programa de Metas para 2012-2015 do Ministério da Integração, a perspectiva de criação da PNot aparece ocultada pelas políticas regionais de redução das desigualdades sociais.

O retardamento da ação governamental no que se refere ao envio do projeto de lei ao Congresso Nacional esteve em flagrante descompasso com a conjuntura internacional

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no que diz respeito às diversas experiências avançadas de ordenamento territorial. Além disso, embora tenha ocorrido a elaboração desse projeto de lei, nenhum debate nacional foi instaurado sobre a proposta da PNot.

Com efeito, em que pese a Constituição de 1988 ter contemplado o ordenamento territorial em suas disposições, e o Ministério da Integração ter elaborado um Projeto de Lei que propôs a Política Nacional de Ordenamento Territorial, o Brasil ainda não dispõe de um sistema nacional integrado com capacidade de hierarquizar e possibilitar uma ação coordenada dos diferentes níveis de governo nos territórios. Pelo contrário, em seu lugar, há uma grande diversidade de planos, projetos, leis e instrumentos isolados de interven-ção, adotados pela União, pelos Estados ou Municípios, frequentemente elaborados de forma conflitante e sem diálogos ou interlocuções.

Ao contrário da estagnação para a criação da PNot, uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional foi aprovada em 2007, apontando como objetivo principal a redução das desigualdades de nível de vida entre as regiões brasileiras e a promoção da equidade no acesso às oportunidades de desenvolvimento, além de orientar os programas e ações federais no território nacional. Nesse sentido, as políticas regionais apresentaram, pelo menos, dois grandes objetivos: a diminuição das desigualdades regionais (econômicas e sociais) e a promoção da ocupação do território nacional.

Dentro da lógica de novas regionalidades, foram criados os Territórios da Cida-dania, política pública lançada em 2008, baseada na experiência dos Territórios Rurais Sustentáveis, do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Essa política atuou em 120 microrregiões, basicamente rurais, envolvendo cerca de 1.800 municípios, com maior incidência no Norte e no Nordeste. O principal objetivo foi promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável, integrando ações entre Governo Federal, estados e municípios.

Para Senra (2011), no que se refere às novas políticas de desenvolvimento regional, as marcas mais significativas foram: a) a criação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional e as mesorregiões diferenciadas; b) a multiplicidade e a sobreposição de insti-tuições públicas que se dedicaram ao desenvolvimento regional, territorial ou local; c) a política dos Territórios da Cidadania; d) a elaboração de planos de desenvolvimento, para diferentes escalas territoriais. Nesse período, também foram adotadas políticas sociais que tiveram impacto expressivo, do ponto de vista territorial, principalmente os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e de infraestrutura social, como o Luz Para Todos, que beneficiaram fortemente o Norte e o Nordeste.

Outra política regional revalorizada neste período foi o fortalecimento dos Con-sórcios Intermunicipais, considerada uma das formas institucionalizadas de cooperação regional mais difundida no país.1 Em 2005 foi promulgada a Lei 11.107/2005 que regulamentou o artigo 241 da Constituição Federal, dispondo sobre normas de contra-tação por meio de consórcios públicos no âmbito da União, Estados e Municípios, e em 2007 foi aprovado o Decreto 6.017/2007, que estabeleceu normas para a execução da Lei 11.107/2005.

Um exemplo relevante nesse sentido foi o fortalecimento do Consórcio Intermu-nicipal Grande aBc, formado em 1990 e constituído por oito municípios paulistas e abrangendo cerca de 2,5 milhões de habitantes. Sua importância reside no fato de ser uma entidade que trabalha com uma perspectiva de planejamento e gestão regional es-tratégica a partir de uma agenda de prioridades, que tem em vista a articulação de ações

1 A articulação horizontal entre municípios foi institu-cionalizada por legislação federal, através da Emen-da Constitucional 19/1998, relativa à instituição de Consórcios e Convênios de Cooperação entre os Entes Federados, autorizando a gestão associada de servi-ços públicos (Farah, 2003, p.87).

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integradas dentro de eixos como: infraestrutura, desenvolvimento econômico, desenvol-vimento urbano e gestão ambiental, saúde, educação, cultura e esportes, assistência, in-clusão social e direitos humanos e segurança pública. A fundamentação deste Consórcio apresentou como elemento estruturante a questão ambiental, principalmente a gestão dos recursos hídricos e a gestão da água que, posteriormente, foram sendo integradas com os demais eixos.

A DIMENSÃO AMBIENTAL cOMO ELEMENTO DE INTEGRAÇÃO TERRITORIAL

A variável ambiental, entendida como recursos naturais, patrimônio natural e cultu-ral, conhecimento e práticas sociais começou a ser incluída no discurso e na definição das políticas públicas, a partir dos anos 1980, tendo um destaque expressivo na constituição de novas institucionalidades de caráter regional. A partir disso, novos recortes regionais começaram a ser criados como, por exemplo, as Unidades de Conservação (ucs) e as Bacias Hidrográficas.

A preocupação pela definição de novas áreas protegidas, parques e reservas acarretou na criação de um Sistema Nacional de Unidades de Conservação (sNuc) que, de fato, contribuiu para o ordenamento territorial e indicou diferentes recortes regionais a partir dos diferentes tipos de unidades de conservação existentes, além de apontar novas insti-tuições e agentes responsáveis por sua gestão.

No ano de 2007 foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversi-dade (icmBio) visando fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das Unidades de Conservação federais. Programas foram criados no sentido de contribuir para o crescimento das superfícies consagradas e para a formação de corredores ecológicos, sobretudo na região Amazônica e central do país.

O funcionamento desse sistema é bastante diversificado e complexo, tendo em vista a grande extensão territorial brasileira e os inúmeros conflitos ligados ao uso e ocupação do solo dessas unidades e de seu entorno e aos planos de desenvolvimento econômico.

A gestão das águas também evidenciou a necessidade de ações regionais conjuntas (Farah, 2003), uma vez que os problemas relacionados a este recurso natural ultrapassam qualquer fronteira das divisões político-administrativas.

A preservação de recursos hídricos por meio da atuação consorciada tornou-se políti-ca federal, com a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) e a criação do seu respectivo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (siNgrh). Tendo a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e de gerenciamen-to, esse sistema reconheceu e consolidou, como instâncias regionais de gestão, os Comitês de Bacia Hidrográfica e suas respectivas Agências de Água.

As experiências de formação dos Comitês de Bacia Hidrográfica do Estado de São Paulo são precursoras nesse sentido. As reflexões de planejamento regional por bacias hidrográficas no Estado de São Paulo tiveram seus primeiros indícios na década de 1940, embora a organização efetiva de um Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos te-nha mesmo se consolidado na década de 1980. Em 1989, a Constituição Paulista previu a elaboração de um Sistema de Recursos Hídricos orientado pelos princípios da gestão integrada, descentralizada e participativa; e em 1991, foi aprovada a Lei 7.663/1991, que

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estabeleceu a Política Estadual e o Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos. Esse sistema estaria ancorado em três instâncias interdependentes: i) órgãos colegiados de gestão central (Conselho Estadual) e regional (Comitês de Bacia Hidrográfica), integrados por representantes de entidades do governo do Estado, dos Municípios e da sociedade civil; ii) Plano Estadual de Recursos Hídricos, elaborado a partir dos Planos de Bacias Hidrográficas e iii) Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro).

Para a criação desse Sistema, o território paulista foi dividido em 22 Unidades de Ge-renciamento dos Recursos Hídricos (ugrhis), que significaram as bases físico-territoriais para a formação dos Comitês de Bacias Hidrográficas.

A despeito do Estado de São Paulo ser considerado, em âmbito nacional, um pro-tagonista na criação de um Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos e na im-plantação de seus instrumentos, suas conquistas surgiram diante de fortes pressões sociais e políticas que assistiam ao crescimento da degradação dos rios paulistas, sobretudo em áreas urbanas densamente povoadas, assim como pelas fortes pressões sobre os usos da água por parte de diversos setores.

Em nível nacional, a criação em diversos Estados dos Comitês de Bacia Hidrográfica possibilitou a abertura de espaços institucionais, na perspectiva da integração regional de órgãos e entidades governamentais e não governamentais que, antes, atuavam de forma isolada, e também o surgimento de novos agentes sociais participando do processo de decisões e influindo na busca de soluções mais adequadas para os problemas regionais e locais. O controle social nas bacias hidrográficas representou, assim, uma nova abordagem de gestão ainda pouco explorada, podendo ser capaz de impulsionar a interação com os demais processos de uso e ocupação do solo destes territórios.

Com a aplicabilidade dos princípios e instrumentos da Política Nacional de Recur-sos Hídricos, Almeida e Pereira (2009, p.99) argumentam que houve a possibilidade do surgimento de novas territorialidades, onde a água se inscreveu como elemento de união de multiterritorialidades e diante da condição de acesso que foi dada a grupos e pessoas de in-fluírem decisivamente através dos Comitês de Bacia, considerados os fóruns deliberativos da Gestão da Água. Os Comitês de Bacia Hidrográfica têm, nesse sentido, importância central na contribuição do ordenamento territorial, em virtude da sua potencial participa-ção. O recorte regional por bacias hidrográficas constituiu-se em um campo fértil para o surgimento de um modelo de governança, que não deve substituir o papel do Estado, mas sim pode torná-lo mais democrático com a participação daqueles que também produzem e incidem no espaço.

O planejamento regional por bacias hidrográficas apresenta um potencial no que concerne aos aspectos da integração dos sistemas naturais e antrópicos visando o aumento da sustentabilidade de uma região, a partir do adequado uso e ocupação do território, tendo em vista as condições socioambientais. Contudo, ainda que tenha a possibilidade de nortear os usos da água na bacia hidrográfica e adequá-los para uma gestão territorial mais integrada, este planejamento, em sua prática cotidiana, ainda não reconhece os con-flitos de uso da terra e de organização territorial como uma vulnerabilidade que precisa ser enfrentada. São inúmeras as ações propostas ligadas à conservação da água e poucas as associadas ao uso e ocupação do solo (Peres, 2012). Não faz parte daqueles que atuam no gerenciamento dos recursos hídricos pensar a gestão da água a partir da gestão da terra.

Porto-Gonçalves (2001) defende que a água tem que ser pensada enquanto território, isto é, enquanto inscrição da sociedade na natureza com todas as suas contradições implica-das no processo de sua apropriação pela sociedade por meio das relações sociais e de poder.

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integradas dentro de eixos como: infraestrutura, desenvolvimento econômico, desenvol-vimento urbano e gestão ambiental, saúde, educação, cultura e esportes, assistência, in-clusão social e direitos humanos e segurança pública. A fundamentação deste Consórcio apresentou como elemento estruturante a questão ambiental, principalmente a gestão dos recursos hídricos e a gestão da água que, posteriormente, foram sendo integradas com os demais eixos.

A DIMENSÃO AMBIENTAL cOMO ELEMENTO DE INTEGRAÇÃO TERRITORIAL

A variável ambiental, entendida como recursos naturais, patrimônio natural e cultu-ral, conhecimento e práticas sociais começou a ser incluída no discurso e na definição das políticas públicas, a partir dos anos 1980, tendo um destaque expressivo na constituição de novas institucionalidades de caráter regional. A partir disso, novos recortes regionais começaram a ser criados como, por exemplo, as Unidades de Conservação (ucs) e as Bacias Hidrográficas.

A preocupação pela definição de novas áreas protegidas, parques e reservas acarretou na criação de um Sistema Nacional de Unidades de Conservação (sNuc) que, de fato, contribuiu para o ordenamento territorial e indicou diferentes recortes regionais a partir dos diferentes tipos de unidades de conservação existentes, além de apontar novas insti-tuições e agentes responsáveis por sua gestão.

No ano de 2007 foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversi-dade (icmBio) visando fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das Unidades de Conservação federais. Programas foram criados no sentido de contribuir para o crescimento das superfícies consagradas e para a formação de corredores ecológicos, sobretudo na região Amazônica e central do país.

O funcionamento desse sistema é bastante diversificado e complexo, tendo em vista a grande extensão territorial brasileira e os inúmeros conflitos ligados ao uso e ocupação do solo dessas unidades e de seu entorno e aos planos de desenvolvimento econômico.

A gestão das águas também evidenciou a necessidade de ações regionais conjuntas (Farah, 2003), uma vez que os problemas relacionados a este recurso natural ultrapassam qualquer fronteira das divisões político-administrativas.

A preservação de recursos hídricos por meio da atuação consorciada tornou-se políti-ca federal, com a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) e a criação do seu respectivo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (siNgrh). Tendo a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e de gerenciamen-to, esse sistema reconheceu e consolidou, como instâncias regionais de gestão, os Comitês de Bacia Hidrográfica e suas respectivas Agências de Água.

As experiências de formação dos Comitês de Bacia Hidrográfica do Estado de São Paulo são precursoras nesse sentido. As reflexões de planejamento regional por bacias hidrográficas no Estado de São Paulo tiveram seus primeiros indícios na década de 1940, embora a organização efetiva de um Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos te-nha mesmo se consolidado na década de 1980. Em 1989, a Constituição Paulista previu a elaboração de um Sistema de Recursos Hídricos orientado pelos princípios da gestão integrada, descentralizada e participativa; e em 1991, foi aprovada a Lei 7.663/1991, que

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estabeleceu a Política Estadual e o Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos. Esse sistema estaria ancorado em três instâncias interdependentes: i) órgãos colegiados de gestão central (Conselho Estadual) e regional (Comitês de Bacia Hidrográfica), integrados por representantes de entidades do governo do Estado, dos Municípios e da sociedade civil; ii) Plano Estadual de Recursos Hídricos, elaborado a partir dos Planos de Bacias Hidrográficas e iii) Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro).

Para a criação desse Sistema, o território paulista foi dividido em 22 Unidades de Ge-renciamento dos Recursos Hídricos (ugrhis), que significaram as bases físico-territoriais para a formação dos Comitês de Bacias Hidrográficas.

A despeito do Estado de São Paulo ser considerado, em âmbito nacional, um pro-tagonista na criação de um Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos e na im-plantação de seus instrumentos, suas conquistas surgiram diante de fortes pressões sociais e políticas que assistiam ao crescimento da degradação dos rios paulistas, sobretudo em áreas urbanas densamente povoadas, assim como pelas fortes pressões sobre os usos da água por parte de diversos setores.

Em nível nacional, a criação em diversos Estados dos Comitês de Bacia Hidrográfica possibilitou a abertura de espaços institucionais, na perspectiva da integração regional de órgãos e entidades governamentais e não governamentais que, antes, atuavam de forma isolada, e também o surgimento de novos agentes sociais participando do processo de decisões e influindo na busca de soluções mais adequadas para os problemas regionais e locais. O controle social nas bacias hidrográficas representou, assim, uma nova abordagem de gestão ainda pouco explorada, podendo ser capaz de impulsionar a interação com os demais processos de uso e ocupação do solo destes territórios.

Com a aplicabilidade dos princípios e instrumentos da Política Nacional de Recur-sos Hídricos, Almeida e Pereira (2009, p.99) argumentam que houve a possibilidade do surgimento de novas territorialidades, onde a água se inscreveu como elemento de união de multiterritorialidades e diante da condição de acesso que foi dada a grupos e pessoas de in-fluírem decisivamente através dos Comitês de Bacia, considerados os fóruns deliberativos da Gestão da Água. Os Comitês de Bacia Hidrográfica têm, nesse sentido, importância central na contribuição do ordenamento territorial, em virtude da sua potencial participa-ção. O recorte regional por bacias hidrográficas constituiu-se em um campo fértil para o surgimento de um modelo de governança, que não deve substituir o papel do Estado, mas sim pode torná-lo mais democrático com a participação daqueles que também produzem e incidem no espaço.

O planejamento regional por bacias hidrográficas apresenta um potencial no que concerne aos aspectos da integração dos sistemas naturais e antrópicos visando o aumento da sustentabilidade de uma região, a partir do adequado uso e ocupação do território, tendo em vista as condições socioambientais. Contudo, ainda que tenha a possibilidade de nortear os usos da água na bacia hidrográfica e adequá-los para uma gestão territorial mais integrada, este planejamento, em sua prática cotidiana, ainda não reconhece os con-flitos de uso da terra e de organização territorial como uma vulnerabilidade que precisa ser enfrentada. São inúmeras as ações propostas ligadas à conservação da água e poucas as associadas ao uso e ocupação do solo (Peres, 2012). Não faz parte daqueles que atuam no gerenciamento dos recursos hídricos pensar a gestão da água a partir da gestão da terra.

Porto-Gonçalves (2001) defende que a água tem que ser pensada enquanto território, isto é, enquanto inscrição da sociedade na natureza com todas as suas contradições implica-das no processo de sua apropriação pela sociedade por meio das relações sociais e de poder.

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Como resultado da ocupação e apropriação do território pelas diversas sociedades ao longo do tempo, a natureza tem sofrido profundas transformações. Ela vem sendo modelada, destruída, reproduzida com base no desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção de cada momento do desenvolvimento histórico e em cada organização social. A complexidade dos processos físicos merece ser adequadamente considerada, da mesma forma que as relações sociais e as desigualdades que dela emergem. As interações entre estruturas físicas e sociais e as relações desiguais de poder influenciam o uso e acesso aos recursos naturais e fazem da noção de território categoria fundamental na discussão da questão ambiental (Cunha e Coelho, 2003).

LIMITES E POSSIBILIDADES VISANDO O ORDENAMENTO E A ARTIcULAÇÃO TERRITORIAL

Os conceitos de território e ordenamento territorial vêm sendo rediscutidos e revalo-rizados em diversos campos do conhecimento. Teóricos de áreas como Geografia, Sociolo-gia e Urbanismo (Santos, 2000; Dias e Santos, 2003; Penha, 2005; Cidade et al., 2008), trazem à discussão as transformações e mudanças sofridas pelos territórios e a ampliação deste conceito atualmente.

Pensar as transformações do território significa, portanto, compreender o que elas acarretam nas suas diferentes escalas e nas mais diversas temáticas às quais estão relacio-nadas, como: o meio urbano, o meio rural, as áreas ambientalmente protegidas, todos eles, também sendo modificados na medida em que os territórios vão sendo apropriados, sobrepostos e interligados. Saber que territórios são esses e que mecanismos causaram as suas formações constituem os primeiros passos para desvendar a compreensão dessas mudanças e as possíveis relações entre a diversidade das escalas espaciais de planejamento e gestão. Além disso, a compreensão do termo território e as suas relações com o conceito de região precisam andar juntos e são indissociáveis (Haesbaert, 2005).

Além da reflexão e da rediscussão desses termos, a articulação entre políticas de di-versos recortes territoriais parece ser um dos principais desafios atuais da gestão pública no Brasil, pois elas têm impactos diferenciados quanto aos indivíduos, categoriais sociais, comunidades e contextos regionais. Nesse sentido, a “abordagem territorial” do desenvol-vimento é um conceito que emerge da forma integral de leitura e interpretação de uma realidade, das interações entre os diversos aspectos que caracterizam um sistema social construído em certa base natural que, modificada, também caracteriza e delimita um território. Essa abordagem ou enfoque territorial tenta compatibilizar ideias, princípios e valores na promoção do desenvolvimento, segundo preceitos da sustentabilidade e de par-ticipação social. É uma visão essencialmente integradora e não setorializada (Guimarães, 2011; Veiga, 2006).

Há necessidade, portanto, de se avançar no sentido da formulação de um marco legal que possa integrar as diversas normas que regulam as diferentes formas de uso, ocu-pação e proteção do solo urbano e rural, na medida em que os distintos diplomas legais e atos normativos em vigor não possuem conectividade (Rückert, 2007, p.4). A retomada da formulação de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNot) parece ser um caminho para a integração de políticas, instâncias e instrumentos de gestão. Esta política definiria a área de atuação dos planos nacional, regionais e locais, que poderiam

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coincidir com os limites político-administrativos ou determinar outras unidades de ges-tão, como as ecorregiões, as bacias hidrográficas, entre outras. A coordenação da PNot poderia ser feita com a existência de uma instância de articulação política federal, com a participação efetiva dos demais agentes, ou seja, a partir da criação de um Sistema de Gestão do Território, composto por órgãos e entidades da administração direta e indireta da União, dos Estados, das regiões e dos municípios.

A escala de concepção da PNot deve ser a do território nacional; suas ações, con-tudo, realizam-se em múltiplas escalas. Não há como não considerar as sub-regiões como uma escala de ação. Por isso a necessidade de atuar em diferentes escalas de planejamento.

Além de retornar a formulação da política, há uma necessidade também de re-pensar o papel de cada instrumento de planejamento territorial. O Zoneamento Eco-lógico Econômico (Zee) pode ser um instrumento chave de ordenamento territorial, mas deve ser integrado a outros instrumentos. Dentre os instrumentos da Política Nacional de Ordenamento Territorial estariam os planos nacional, regionais e locais de ordenação do território, a serem elaborados pelas diferentes entidades estatais, no âmbito de suas respectivas competências. No caso específico dos planos locais, há que ser observada a efetiva competência dos municípios para promover o adequado orde-namento territorial do solo municipal, assim como compreender o papel dos planos diretores municipais nesse sistema. Outros instrumentos poderiam ser somados, como a avaliação de impactos, a criação de espaços territoriais especialmente protegidos e o sistema de informações.

Contudo, não é apenas pela articulação dos instrumentos que se atinge uma gestão territorial integrada. Para que os planos efetivamente cumpram seus objetivos, deve-se pensar o conceito de planejamento como um processo dinâmico em que a constante percepção, interações e concretização das oportunidades e das suas materializações, atra-vés de negociações político-institucionais e gestão participativa, constituam importantes estratégias de implementação, acompanhamento, monitoramento e revisão. Os planos não resolvem por si só os problemas regionais ou locais. Dependem, fundamentalmente, da participação política da sociedade, tendo em vista a prática da cidadania e a constru-ção de um pacto social (Peres, 2012). Deve-se, portanto pensar e concebê-los não como aqueles que vão resolver todos os conflitos, mas como uma legitimação democrática de novas práticas municipais e regionais.

Além disso, a compreensão da situação fundiária brasileira é uma das peças-chave para a formulação de uma política de ordenamento do território (Mello et al., 2006). O Estado, ao propor e definir um ordenamento para o seu território deve deter o conhe-cimento da propriedade da terra, essencial para o desenvolvimento de um país. A exis-tência de um grande capital em terras públicas diferencia o Brasil de países que já não o possuem e que podem atuar apenas por meio de mecanismos indutores ou restritivos. A propriedade pública pode ser usada para liderar o ordenamento e reconduzir o modelo de desenvolvimento do país (Rückert, 2007, p.4).

O papel das instituições regionais e seu gerenciamento, assim como as potencialida-des regionais brasileiras também devem ser revistos. O país necessita de organizações in-termediárias, para além dos limites municipais e aquém dos próprios Estados, que possam articular a construção de projetos conjuntos de âmbito regional. A criação de estruturas consorciadas, não apenas entre municípios próximos, mas também entre municípios de uma mesma bacia hidrográfica, pode significar um favorecimento para a gestão territorial integrada. Esta tarefa demanda um esforço de compartilhamento institucional voltado

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Como resultado da ocupação e apropriação do território pelas diversas sociedades ao longo do tempo, a natureza tem sofrido profundas transformações. Ela vem sendo modelada, destruída, reproduzida com base no desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção de cada momento do desenvolvimento histórico e em cada organização social. A complexidade dos processos físicos merece ser adequadamente considerada, da mesma forma que as relações sociais e as desigualdades que dela emergem. As interações entre estruturas físicas e sociais e as relações desiguais de poder influenciam o uso e acesso aos recursos naturais e fazem da noção de território categoria fundamental na discussão da questão ambiental (Cunha e Coelho, 2003).

LIMITES E POSSIBILIDADES VISANDO O ORDENAMENTO E A ARTIcULAÇÃO TERRITORIAL

Os conceitos de território e ordenamento territorial vêm sendo rediscutidos e revalo-rizados em diversos campos do conhecimento. Teóricos de áreas como Geografia, Sociolo-gia e Urbanismo (Santos, 2000; Dias e Santos, 2003; Penha, 2005; Cidade et al., 2008), trazem à discussão as transformações e mudanças sofridas pelos territórios e a ampliação deste conceito atualmente.

Pensar as transformações do território significa, portanto, compreender o que elas acarretam nas suas diferentes escalas e nas mais diversas temáticas às quais estão relacio-nadas, como: o meio urbano, o meio rural, as áreas ambientalmente protegidas, todos eles, também sendo modificados na medida em que os territórios vão sendo apropriados, sobrepostos e interligados. Saber que territórios são esses e que mecanismos causaram as suas formações constituem os primeiros passos para desvendar a compreensão dessas mudanças e as possíveis relações entre a diversidade das escalas espaciais de planejamento e gestão. Além disso, a compreensão do termo território e as suas relações com o conceito de região precisam andar juntos e são indissociáveis (Haesbaert, 2005).

Além da reflexão e da rediscussão desses termos, a articulação entre políticas de di-versos recortes territoriais parece ser um dos principais desafios atuais da gestão pública no Brasil, pois elas têm impactos diferenciados quanto aos indivíduos, categoriais sociais, comunidades e contextos regionais. Nesse sentido, a “abordagem territorial” do desenvol-vimento é um conceito que emerge da forma integral de leitura e interpretação de uma realidade, das interações entre os diversos aspectos que caracterizam um sistema social construído em certa base natural que, modificada, também caracteriza e delimita um território. Essa abordagem ou enfoque territorial tenta compatibilizar ideias, princípios e valores na promoção do desenvolvimento, segundo preceitos da sustentabilidade e de par-ticipação social. É uma visão essencialmente integradora e não setorializada (Guimarães, 2011; Veiga, 2006).

Há necessidade, portanto, de se avançar no sentido da formulação de um marco legal que possa integrar as diversas normas que regulam as diferentes formas de uso, ocu-pação e proteção do solo urbano e rural, na medida em que os distintos diplomas legais e atos normativos em vigor não possuem conectividade (Rückert, 2007, p.4). A retomada da formulação de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNot) parece ser um caminho para a integração de políticas, instâncias e instrumentos de gestão. Esta política definiria a área de atuação dos planos nacional, regionais e locais, que poderiam

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coincidir com os limites político-administrativos ou determinar outras unidades de ges-tão, como as ecorregiões, as bacias hidrográficas, entre outras. A coordenação da PNot poderia ser feita com a existência de uma instância de articulação política federal, com a participação efetiva dos demais agentes, ou seja, a partir da criação de um Sistema de Gestão do Território, composto por órgãos e entidades da administração direta e indireta da União, dos Estados, das regiões e dos municípios.

A escala de concepção da PNot deve ser a do território nacional; suas ações, con-tudo, realizam-se em múltiplas escalas. Não há como não considerar as sub-regiões como uma escala de ação. Por isso a necessidade de atuar em diferentes escalas de planejamento.

Além de retornar a formulação da política, há uma necessidade também de re-pensar o papel de cada instrumento de planejamento territorial. O Zoneamento Eco-lógico Econômico (Zee) pode ser um instrumento chave de ordenamento territorial, mas deve ser integrado a outros instrumentos. Dentre os instrumentos da Política Nacional de Ordenamento Territorial estariam os planos nacional, regionais e locais de ordenação do território, a serem elaborados pelas diferentes entidades estatais, no âmbito de suas respectivas competências. No caso específico dos planos locais, há que ser observada a efetiva competência dos municípios para promover o adequado orde-namento territorial do solo municipal, assim como compreender o papel dos planos diretores municipais nesse sistema. Outros instrumentos poderiam ser somados, como a avaliação de impactos, a criação de espaços territoriais especialmente protegidos e o sistema de informações.

Contudo, não é apenas pela articulação dos instrumentos que se atinge uma gestão territorial integrada. Para que os planos efetivamente cumpram seus objetivos, deve-se pensar o conceito de planejamento como um processo dinâmico em que a constante percepção, interações e concretização das oportunidades e das suas materializações, atra-vés de negociações político-institucionais e gestão participativa, constituam importantes estratégias de implementação, acompanhamento, monitoramento e revisão. Os planos não resolvem por si só os problemas regionais ou locais. Dependem, fundamentalmente, da participação política da sociedade, tendo em vista a prática da cidadania e a constru-ção de um pacto social (Peres, 2012). Deve-se, portanto pensar e concebê-los não como aqueles que vão resolver todos os conflitos, mas como uma legitimação democrática de novas práticas municipais e regionais.

Além disso, a compreensão da situação fundiária brasileira é uma das peças-chave para a formulação de uma política de ordenamento do território (Mello et al., 2006). O Estado, ao propor e definir um ordenamento para o seu território deve deter o conhe-cimento da propriedade da terra, essencial para o desenvolvimento de um país. A exis-tência de um grande capital em terras públicas diferencia o Brasil de países que já não o possuem e que podem atuar apenas por meio de mecanismos indutores ou restritivos. A propriedade pública pode ser usada para liderar o ordenamento e reconduzir o modelo de desenvolvimento do país (Rückert, 2007, p.4).

O papel das instituições regionais e seu gerenciamento, assim como as potencialida-des regionais brasileiras também devem ser revistos. O país necessita de organizações in-termediárias, para além dos limites municipais e aquém dos próprios Estados, que possam articular a construção de projetos conjuntos de âmbito regional. A criação de estruturas consorciadas, não apenas entre municípios próximos, mas também entre municípios de uma mesma bacia hidrográfica, pode significar um favorecimento para a gestão territorial integrada. Esta tarefa demanda um esforço de compartilhamento institucional voltado

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para a integração das ações e políticas públicas territoriais, bem como articulação com a sociedade civil, congregando seus interesses em torno de um pacto para a gestão do terri-tório. Essas instituições, no entanto, não podem substituir o papel e a atual ausência do Estado, responsável pela gestão ambiental pública. O Estado não pode ser encarado, como “mais um membro” integrante nesses espaços decisórios.

Ainda há um percurso a ser percorrido para o estreitamento dos possíveis diálogos e articulações entre escalas, instâncias e instrumentos regionais e territoriais. A questão da retomada e da possibilidade de articulação das políticas de Ordenamento Territorial no país ainda é uma temática desconhecida e apresenta-se, atualmente, ocultada pelos planos de desenvolvimento econômico. Não há um debate nacional instaurado que fomente discussões em nível acadêmico, técnico e em âmbito mais ampliado com a sociedade. Esse quadro brasileiro mostra-se desconectado com os principais debates das políticas territoriais contemporâneas no cenário internacional. Para uma tentativa de reversão desse processo, um dos principais desafios se situa, sobretudo, no campo político.

REFERÊNcIAS BIBLIOGRÁFIcAS

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Renata Bovo Peres é ar-quiteta e urbanista; Doutora em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. É Professo-ra Adjunta do Departamen-to de Ciências Ambientais – UFSCar. E-mail: [email protected] Elisângela de Almeida Chiquito é arquiteta e urba-nista; Doutora em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo – IAU-USP. É pesquisadora FAPESP de Pós-doutorado – IAU-USP. E-mail: [email protected]

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para a integração das ações e políticas públicas territoriais, bem como articulação com a sociedade civil, congregando seus interesses em torno de um pacto para a gestão do terri-tório. Essas instituições, no entanto, não podem substituir o papel e a atual ausência do Estado, responsável pela gestão ambiental pública. O Estado não pode ser encarado, como “mais um membro” integrante nesses espaços decisórios.

Ainda há um percurso a ser percorrido para o estreitamento dos possíveis diálogos e articulações entre escalas, instâncias e instrumentos regionais e territoriais. A questão da retomada e da possibilidade de articulação das políticas de Ordenamento Territorial no país ainda é uma temática desconhecida e apresenta-se, atualmente, ocultada pelos planos de desenvolvimento econômico. Não há um debate nacional instaurado que fomente discussões em nível acadêmico, técnico e em âmbito mais ampliado com a sociedade. Esse quadro brasileiro mostra-se desconectado com os principais debates das políticas territoriais contemporâneas no cenário internacional. Para uma tentativa de reversão desse processo, um dos principais desafios se situa, sobretudo, no campo político.

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VEIGA, J. E. “Territórios para um Desenvolvimento Sustentável”. Cienc. Cult. vol.58 n.1 São Paulo Jan./Mar. 2006.

a B s t r a c t Regional issue and debate on the territoriality of development strategies are resuming its place, accompanied by so-called ‘new developmentalism’ and the consolidation of environmental issues. This occurs around new attitudes aiming integration of regional policies, historically inherited or newly formed. Although there have been significant advances in the redefinition of planning scales, in the management tools and on regional institutions, obstacles remains toward their effective integration. Brazil has multiple territorialities and a set of policies, programs and projects aimed at the social and economic development that makes a political-administrative scenery characterized by sectorial public policies and fragmented and disjointed territories, that reinforce the social exclusion. The objectives of this paper are understanding the evolution of these policies and thinking about the current possibilities to build a Territorial Management Policy.

K e y w o r d s Territorial management; public policies; planning; regional develo-pment; environmental issue.

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UMA PROPOSTA DE IDENTIFICAÇÃO DE PERFIS

REGIONAIS NO BRASILA CentrAlidAde e A MobilidAde espACiAl dA populAção

C A r l o s l o b or A l f o M A t o s

r i C A r d o A . G A r C i A

r e s u M o Nas últimas décadas do século passado, como resultado da dinâmica mi-gratória interna, ampliaram-se as evidências acerca da redução do peso relativo das metrópoles. Ao mesmo tempo, intensificava-se a rede urbana nas demais regiões de influência das cidades. Essas novas tendências de redistribuição espacial da população requerem tanto o aprimoramen-to do aparato teórico-metodológico disponível às ciências humanas e sociais, como o desenvolvi-mento de novas metodologias de análise regional. Esse trabalho procura elaborar uma proposta de classificação regional, tendo como referência a centralidade e a mobilidade espacial da população. A partir do recorte regional proposto por Garcia (2002) foi possível identificar de-terminados perfis espaciais, definidos com base nos estoques de população residente e nos fluxos migratórios extraídos dos microdados da amostra do Censo Demográfico de 2010. A proposta apresentada reforça as possibilidades e potencialidades dos estudos regionais, no que tange não apenas ao estabelecimento de recortes regionais por meio de técnicas de regionalização.

p A l A v r A s - C h A v e Migrações; regiões; população; centralidade; mobi-lidade.

INTRODUÇÃO

As últimas três décadas do século passado são centrais na análise da dinâmica demo-gráfica brasileira. Se a progressiva queda nas taxas de fecundidade foi responsável direta pela forte desaceleração no ritmo de crescimento demográfico do país, as migrações inter-nas foram fundamentais no processo de redistribuição espacial da população. A partir da década de 1970, acumulam-se evidências acerca da redução do peso relativo das metró-poles, inclusive em suas respectivas áreas de influência.1 Mesmo que as metrópoles e suas Regiões de Influência continuem atraindo expressivos contingentes, a intensificação nos fluxos de emigrantes tem refletido diretamente no crescimento demográfico de vários nú-cleos urbanos fora das principais regiões metropolitanas brasileiras, tornando mais densa a rede de cidades em cada uma de suas Regiões de Influência.

Esse novo cenário impõe novos desafios aos estudos urbanos e regionais. Ao mesmo tempo em que requer o aprimoramento e a proposição de novas formulações teórico/conceituais, estimula o desenvolvimento do aparato metodológico já disponível às ciências humanas e sociais. No caso específico da Geografia Regional esses desafios são especial-mente férteis na medida em que as particularidades regionais apresentam-se como um

1 Por outro lado, a metrópo-le de São Paulo consolidou--se, na década de 1980, co-mo o grande centro nacional do setor terciário, sediando uma série de atividades alta-mente sofisticadas, diversifi-cando e especializando seu aparato de serviços e adqui-rindo, assim, feições de uma metrópole global (Araújo e Pacheco, 1992).

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VEIGA, J. E. “Territórios para um Desenvolvimento Sustentável”. Cienc. Cult. vol.58 n.1 São Paulo Jan./Mar. 2006.

a B s t r a c t Regional issue and debate on the territoriality of development strategies are resuming its place, accompanied by so-called ‘new developmentalism’ and the consolidation of environmental issues. This occurs around new attitudes aiming integration of regional policies, historically inherited or newly formed. Although there have been significant advances in the redefinition of planning scales, in the management tools and on regional institutions, obstacles remains toward their effective integration. Brazil has multiple territorialities and a set of policies, programs and projects aimed at the social and economic development that makes a political-administrative scenery characterized by sectorial public policies and fragmented and disjointed territories, that reinforce the social exclusion. The objectives of this paper are understanding the evolution of these policies and thinking about the current possibilities to build a Territorial Management Policy.

K e y w o r d s Territorial management; public policies; planning; regional develo-pment; environmental issue.

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UMA PROPOSTA DE IDENTIFICAÇÃO DE PERFIS

REGIONAIS NO BRASILA CentrAlidAde e A MobilidAde espACiAl dA populAção

C A r l o s l o b or A l f o M A t o s

r i C A r d o A . G A r C i A

r e s u M o Nas últimas décadas do século passado, como resultado da dinâmica mi-gratória interna, ampliaram-se as evidências acerca da redução do peso relativo das metrópoles. Ao mesmo tempo, intensificava-se a rede urbana nas demais regiões de influência das cidades. Essas novas tendências de redistribuição espacial da população requerem tanto o aprimoramen-to do aparato teórico-metodológico disponível às ciências humanas e sociais, como o desenvolvi-mento de novas metodologias de análise regional. Esse trabalho procura elaborar uma proposta de classificação regional, tendo como referência a centralidade e a mobilidade espacial da população. A partir do recorte regional proposto por Garcia (2002) foi possível identificar de-terminados perfis espaciais, definidos com base nos estoques de população residente e nos fluxos migratórios extraídos dos microdados da amostra do Censo Demográfico de 2010. A proposta apresentada reforça as possibilidades e potencialidades dos estudos regionais, no que tange não apenas ao estabelecimento de recortes regionais por meio de técnicas de regionalização.

p A l A v r A s - C h A v e Migrações; regiões; população; centralidade; mobi-lidade.

INTRODUÇÃO

As últimas três décadas do século passado são centrais na análise da dinâmica demo-gráfica brasileira. Se a progressiva queda nas taxas de fecundidade foi responsável direta pela forte desaceleração no ritmo de crescimento demográfico do país, as migrações inter-nas foram fundamentais no processo de redistribuição espacial da população. A partir da década de 1970, acumulam-se evidências acerca da redução do peso relativo das metró-poles, inclusive em suas respectivas áreas de influência.1 Mesmo que as metrópoles e suas Regiões de Influência continuem atraindo expressivos contingentes, a intensificação nos fluxos de emigrantes tem refletido diretamente no crescimento demográfico de vários nú-cleos urbanos fora das principais regiões metropolitanas brasileiras, tornando mais densa a rede de cidades em cada uma de suas Regiões de Influência.

Esse novo cenário impõe novos desafios aos estudos urbanos e regionais. Ao mesmo tempo em que requer o aprimoramento e a proposição de novas formulações teórico/conceituais, estimula o desenvolvimento do aparato metodológico já disponível às ciências humanas e sociais. No caso específico da Geografia Regional esses desafios são especial-mente férteis na medida em que as particularidades regionais apresentam-se como um

1 Por outro lado, a metrópo-le de São Paulo consolidou--se, na década de 1980, co-mo o grande centro nacional do setor terciário, sediando uma série de atividades alta-mente sofisticadas, diversifi-cando e especializando seu aparato de serviços e adqui-rindo, assim, feições de uma metrópole global (Araújo e Pacheco, 1992).

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importante contraponto as tendências de globalização e mundialização das relações eco-nômicas, sociais e políticas, já recorrentemente citadas na literatura. Mais que reconhecer e delimitar as diferenciações espaciais, a abordagem regional permite vislumbrar processos que aparentemente teriam pouca relevância em uma escala nacional ou global, não raro distante e alheia à dimensão local.

Nessa perspectiva, esse trabalho tem como objetivo a elaboração de uma proposta de classificação regional, tendo como referência as dimensões centralidade e mobilidade espacial da população. Ao partir do recorte regional proposto por Garcia (2002), que definia no território nacional um total de 121 macrorregiões, foi possível identificar determinados perfis regionais, definidos com base nos estoques de população residente e fluxos migratórios extraídos dos microdados da amostra do Censo Demográfico de 2010. Parte do suposto que a distribuição espacial da população não se refere apenas à dimensão demográfica, mas envolve e reflete aspectos mais amplos, sejam eles econômicos, sociais ou políticos, que se manifestam na realidade regional e permitem a caracterização de ti-pologias previamente definidas.

MIGRAÇÕES INTERNAS E A ABORDAGEM REGIONAL: DEFINIÇÕES E AS POSSILIBIDADES DE UTILIZAÇÃO DAS BASES CENSITÁRIAS

É importante destacar que a relação entre a migração e a estruturação do espaço não é tema novo na literatura. Quando Ravenstein formulou suas teses sobre os movimentos migratórios, apresentava-se explicitamente a relação entre as atividades econômicas e os deslocamentos populacionais. As principais regularidades encontradas por esse autor diziam respeito à distância, aos movimentos por etapas, à configuração das correntes e contracorrentes, à predominância da migração feminina e também ao fato de que as migrações tendiam a gerar movimentos sucessivos a partir de áreas próximas a um centro industrial ou comercial. Quase um século mais tarde, Lee (1980) retomou as formulações de Revestein, incorporando informações a respeito dos movimentos internos nas socieda-des de capitalismo tardio. Na interpretação desse autor, a decisão de migrar está vinculada a uma decisão racional entre os chamados fatores positivos e negativos nas áreas de origem e destino. Lee acredita que a decisão de migrar nunca é completamente racional. Para umas pessoas a fundamentação racional é bem inferior à irracional. Dessa forma, é natural que pessoas distintas sejam afetadas de maneira diferente por uma série de obstáculos ou incentivos à possibilidade de migrar.2

Singer (1973) acredita que a migração é reflexo da estrutura e dos mecanismos de desenvolvimento do sistema capitalista, cujo motor principal é o acirramento das desi-gualdades regionais. Ao analisar a migração, Singer identifica os chamados “fatores de atração” e os “fatores de expulsão”. Os primeiros referem-se à necessidade de mão-de-obra decorrente do crescimento da produção industrial e da expansão do setor de serviços urbanos, que funcionam como forças de concentração espacial. Os fatores de expulsão podem ser divididos em: “fatores de mudança”, decorrentes da penetração do capitalismo no campo e a adoção de um sistema poupador de mão-de-obra; e os “fatores de estag-nação”, associados à pressão demográfica sobre a disponibilidade de terras. Para Singer, a distinção entre áreas de emigração (sujeitas aos fatores de mudança) e de estagnação permite visualizar melhor suas consequências. As regiões de mudança perdem população,

2 A reflexão sobre os movi-mentos migratórios, como destacam Pacheco e Patar-ra (1997), passou por uma significativa alteração a par-tir da análise da realidade dos países de industrializa-ção tardia. Esses trabalhos procuraram aprofundar o estudo dos mecanismos e processos globais das so-ciedades envolvidas, cuja realidade conduziu a inten-sos deslocamentos, muitas vezes penosos, de pessoas das áreas rurais ou urbanas menos desenvolvidas para os escassos centros dinâmi-cos do país. As modalidades de acumulação de capital, a herança histórica e a estru-tura social foram conside-radas chaves à mobilidade de força de trabalho para a indústria em expansão ou co-mo resposta às situações de estagnação frente à concen-tração crescente dos polos dinâmicos.

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mas a produtividade aumenta, o que permite, pelo menos em princípio, uma melhora nas condições de vida locais. Já as áreas de estagnação apresentam deterioração da qualidade de vida, funcionando às vezes como “viveiros de mão-de-obra” para os latifundiários e as grandes empresas agrícolas.3

Apesar de seu mérito, boa parte dessas teses responde apenas parcialmente às causas mais dinâmicas e específicas da migração, não vinculada apenas às necessidades estrutu-rais do sistema capitalista. Além disso, tais formulações, em geral, ignoram as vantagens comparativas e as potencialidades externas que têm transformado os espaços de destino. Poucos avaliam o peso da migração de origem urbana, e quase nunca consideram a migra-ção de retorno (Matos, 1995b). Também investem de modo insuficiente no entendimento dos efeitos positivos que a migração pode gerar na dinamização das regiões de destino, no que diz respeito à oferta de mão-de-obra qualificada, a certas possibilidades de novos investimentos e de intercâmbio técnico, por exemplo. Nesse sentido, mais que um indi-cador de concentração ou dispersão das atividades econômicas, a distribuição espacial da população reflete processos sociais mais amplos, cujas causas e consequências vão além dos aspectos estruturais da economia. Se o modo como são organizados os elementos do espaço pode ser visto como um resultado histórico da atuação dos atores sociais, os fluxos de informação, capitais e pessoas, por exemplo, permitem e alimentam o dinamismo das formas e funções dos elementos que compõem e caracterizam o espaço. Essa condição de fluidez é particularmente relevante aos estudos sobre as migrações internas, que por definição envolvem o movimento de populações entre pontos do espaço, em um determi-nado intervalo, ou pontos no tempo. Nesse aspecto, os fluxos migratórios, bem como os estoques de população residente, podem oferecer importantes indícios e elementos sobre a organização regional.

No Brasil, os Censos Demográficos historicamente já se afirmaram como instrumen-to essencial nos estudos populacionais, inclusive como fonte de dados para as estimativas de migração. Se utilizados com critério e acurácia, tornam possível a elaboração de uma sé-rie de indicadores sociais, o que permite aos geógrafos, demógrafos e demais pesquisadores de áreas afins utilizarem uma rica fonte de dados. A partir dos levantamentos censitários, entre outras informações, é possível estimar com relativa segurança os estoques popula-cionais, bem como os fluxos migratórios entre as unidades espaciais definidas. Em geral, a partir de combinações entre as variáreis censitárias, têm sido enfatizados os movimentos de população na década intercensitária, a partir dos quais é possível estabelecer as origens e os destinos dos fluxos migratórios.

As informações sobre os fluxos migratórios, obtidas com base nos quesitos censi-tários sofreram alterações nas sucessivas edições do Censo Demográfico brasileiro. Nos Censos de 1960 e 1970, como destacado em Carvalho e Rigotti (1998), as questões sobre migração eram direcionadas apenas àqueles que não haviam nascido no município de re-sidência na data de referência do Censo (os não-naturais). Os quesitos envolviam o tempo de residência sem interrupção na Unidade da Federação (uf) e no município, lugar de procedência (uf ou país estrangeiro) e situação de domicílio (rural ou urbano). No Cen-so de 1980, além da migração intermunicipal, também foi requisitada a intramunicipal, sem inquirir sobre o tempo em que se deu o evento. Outra destacada novidade refere-se à indicação do município de residência anterior por parte daqueles com menos de 10 anos de residência no município atual, o que permitia, entre outros aspetos, a identificação do movimento de retorno. Em 1991, além da manutenção dos quesitos anteriores, inquiriu-se sobre o município, a uf e a condição de residência de cinco anos atrás (em 01/09/86). Essa

3 Nessa mesma perspectiva estruturalista, há, tanto na economia como na demo-grafia, vários autores que expressam a migração como mobilidade, estreitamente vinculada à criação, expan-são e articulação dos mer-cados de trabalho do país. O desenvolvimento desigual do sistema capitalista faz com que a população se distribua seguindo a mesma lógica de intensificação dos espaços econômicos, formando gran-des reservatórios de mão--de-obra.

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importante contraponto as tendências de globalização e mundialização das relações eco-nômicas, sociais e políticas, já recorrentemente citadas na literatura. Mais que reconhecer e delimitar as diferenciações espaciais, a abordagem regional permite vislumbrar processos que aparentemente teriam pouca relevância em uma escala nacional ou global, não raro distante e alheia à dimensão local.

Nessa perspectiva, esse trabalho tem como objetivo a elaboração de uma proposta de classificação regional, tendo como referência as dimensões centralidade e mobilidade espacial da população. Ao partir do recorte regional proposto por Garcia (2002), que definia no território nacional um total de 121 macrorregiões, foi possível identificar determinados perfis regionais, definidos com base nos estoques de população residente e fluxos migratórios extraídos dos microdados da amostra do Censo Demográfico de 2010. Parte do suposto que a distribuição espacial da população não se refere apenas à dimensão demográfica, mas envolve e reflete aspectos mais amplos, sejam eles econômicos, sociais ou políticos, que se manifestam na realidade regional e permitem a caracterização de ti-pologias previamente definidas.

MIGRAÇÕES INTERNAS E A ABORDAGEM REGIONAL: DEFINIÇÕES E AS POSSILIBIDADES DE UTILIZAÇÃO DAS BASES CENSITÁRIAS

É importante destacar que a relação entre a migração e a estruturação do espaço não é tema novo na literatura. Quando Ravenstein formulou suas teses sobre os movimentos migratórios, apresentava-se explicitamente a relação entre as atividades econômicas e os deslocamentos populacionais. As principais regularidades encontradas por esse autor diziam respeito à distância, aos movimentos por etapas, à configuração das correntes e contracorrentes, à predominância da migração feminina e também ao fato de que as migrações tendiam a gerar movimentos sucessivos a partir de áreas próximas a um centro industrial ou comercial. Quase um século mais tarde, Lee (1980) retomou as formulações de Revestein, incorporando informações a respeito dos movimentos internos nas socieda-des de capitalismo tardio. Na interpretação desse autor, a decisão de migrar está vinculada a uma decisão racional entre os chamados fatores positivos e negativos nas áreas de origem e destino. Lee acredita que a decisão de migrar nunca é completamente racional. Para umas pessoas a fundamentação racional é bem inferior à irracional. Dessa forma, é natural que pessoas distintas sejam afetadas de maneira diferente por uma série de obstáculos ou incentivos à possibilidade de migrar.2

Singer (1973) acredita que a migração é reflexo da estrutura e dos mecanismos de desenvolvimento do sistema capitalista, cujo motor principal é o acirramento das desi-gualdades regionais. Ao analisar a migração, Singer identifica os chamados “fatores de atração” e os “fatores de expulsão”. Os primeiros referem-se à necessidade de mão-de-obra decorrente do crescimento da produção industrial e da expansão do setor de serviços urbanos, que funcionam como forças de concentração espacial. Os fatores de expulsão podem ser divididos em: “fatores de mudança”, decorrentes da penetração do capitalismo no campo e a adoção de um sistema poupador de mão-de-obra; e os “fatores de estag-nação”, associados à pressão demográfica sobre a disponibilidade de terras. Para Singer, a distinção entre áreas de emigração (sujeitas aos fatores de mudança) e de estagnação permite visualizar melhor suas consequências. As regiões de mudança perdem população,

2 A reflexão sobre os movi-mentos migratórios, como destacam Pacheco e Patar-ra (1997), passou por uma significativa alteração a par-tir da análise da realidade dos países de industrializa-ção tardia. Esses trabalhos procuraram aprofundar o estudo dos mecanismos e processos globais das so-ciedades envolvidas, cuja realidade conduziu a inten-sos deslocamentos, muitas vezes penosos, de pessoas das áreas rurais ou urbanas menos desenvolvidas para os escassos centros dinâmi-cos do país. As modalidades de acumulação de capital, a herança histórica e a estru-tura social foram conside-radas chaves à mobilidade de força de trabalho para a indústria em expansão ou co-mo resposta às situações de estagnação frente à concen-tração crescente dos polos dinâmicos.

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mas a produtividade aumenta, o que permite, pelo menos em princípio, uma melhora nas condições de vida locais. Já as áreas de estagnação apresentam deterioração da qualidade de vida, funcionando às vezes como “viveiros de mão-de-obra” para os latifundiários e as grandes empresas agrícolas.3

Apesar de seu mérito, boa parte dessas teses responde apenas parcialmente às causas mais dinâmicas e específicas da migração, não vinculada apenas às necessidades estrutu-rais do sistema capitalista. Além disso, tais formulações, em geral, ignoram as vantagens comparativas e as potencialidades externas que têm transformado os espaços de destino. Poucos avaliam o peso da migração de origem urbana, e quase nunca consideram a migra-ção de retorno (Matos, 1995b). Também investem de modo insuficiente no entendimento dos efeitos positivos que a migração pode gerar na dinamização das regiões de destino, no que diz respeito à oferta de mão-de-obra qualificada, a certas possibilidades de novos investimentos e de intercâmbio técnico, por exemplo. Nesse sentido, mais que um indi-cador de concentração ou dispersão das atividades econômicas, a distribuição espacial da população reflete processos sociais mais amplos, cujas causas e consequências vão além dos aspectos estruturais da economia. Se o modo como são organizados os elementos do espaço pode ser visto como um resultado histórico da atuação dos atores sociais, os fluxos de informação, capitais e pessoas, por exemplo, permitem e alimentam o dinamismo das formas e funções dos elementos que compõem e caracterizam o espaço. Essa condição de fluidez é particularmente relevante aos estudos sobre as migrações internas, que por definição envolvem o movimento de populações entre pontos do espaço, em um determi-nado intervalo, ou pontos no tempo. Nesse aspecto, os fluxos migratórios, bem como os estoques de população residente, podem oferecer importantes indícios e elementos sobre a organização regional.

No Brasil, os Censos Demográficos historicamente já se afirmaram como instrumen-to essencial nos estudos populacionais, inclusive como fonte de dados para as estimativas de migração. Se utilizados com critério e acurácia, tornam possível a elaboração de uma sé-rie de indicadores sociais, o que permite aos geógrafos, demógrafos e demais pesquisadores de áreas afins utilizarem uma rica fonte de dados. A partir dos levantamentos censitários, entre outras informações, é possível estimar com relativa segurança os estoques popula-cionais, bem como os fluxos migratórios entre as unidades espaciais definidas. Em geral, a partir de combinações entre as variáreis censitárias, têm sido enfatizados os movimentos de população na década intercensitária, a partir dos quais é possível estabelecer as origens e os destinos dos fluxos migratórios.

As informações sobre os fluxos migratórios, obtidas com base nos quesitos censi-tários sofreram alterações nas sucessivas edições do Censo Demográfico brasileiro. Nos Censos de 1960 e 1970, como destacado em Carvalho e Rigotti (1998), as questões sobre migração eram direcionadas apenas àqueles que não haviam nascido no município de re-sidência na data de referência do Censo (os não-naturais). Os quesitos envolviam o tempo de residência sem interrupção na Unidade da Federação (uf) e no município, lugar de procedência (uf ou país estrangeiro) e situação de domicílio (rural ou urbano). No Cen-so de 1980, além da migração intermunicipal, também foi requisitada a intramunicipal, sem inquirir sobre o tempo em que se deu o evento. Outra destacada novidade refere-se à indicação do município de residência anterior por parte daqueles com menos de 10 anos de residência no município atual, o que permitia, entre outros aspetos, a identificação do movimento de retorno. Em 1991, além da manutenção dos quesitos anteriores, inquiriu-se sobre o município, a uf e a condição de residência de cinco anos atrás (em 01/09/86). Essa

3 Nessa mesma perspectiva estruturalista, há, tanto na economia como na demo-grafia, vários autores que expressam a migração como mobilidade, estreitamente vinculada à criação, expan-são e articulação dos mer-cados de trabalho do país. O desenvolvimento desigual do sistema capitalista faz com que a população se distribua seguindo a mesma lógica de intensificação dos espaços econômicos, formando gran-des reservatórios de mão--de-obra.

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inovação passou a ser consagrada como migração de data fixa. A combinação dessa variável com a migração de última etapa (município de residência anterior) permitia a identificação de mais um ponto no tempo na trajetória migratória circunscrita à década censitária. No Censo Demográfico de 2000, a retirada da variável referente ao município de residência anterior foi a mais significativa alteração. Várias possibilidades analíticas, através da com-binação das variáveis, foram perdidas em função dessa mudança.

No entanto, ainda há inúmeras alternativas na utilização das variáveis censitárias. Adaptações metodológicas permitem, sem comprometimento na qualidade e confiabili-dade dos dados, a elaboração de um amplo leque de indicadores relativos aos estudos de migração (Carvalho e Rigotti, 1998). Nesse trabalho, tendo em vista a necessidade de identificação e mapeamento dos fluxos intermunicipais, estabelecidos em uma determi-nada região, os migrantes foram definidos com base na variável de data fixa, que permite identificar a mobilidade espacial circunscrita ao quinquênio 2005/2010. A população re-sidente em cada município, também extraída do Censo Demográfico de 2010, que com-preendia um total de 5.565 municípios. As agregações municipais definiram os parâmetros regionais, tomados como unidades espaciais de análise, conforme proposta elaborada e apresentada nesse trabalho.

OS RECORTES E A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL: A REGIÃO COMO UNIDADE DE ANÁLISE

Os estudos regionais se confundem com a própria origem da Geografia, ainda que sejam utilizados recorrentemente em outras áreas do conhecimento científico. No entan-to, de acordo com Gomes (2007), bem antes de a Geografia alcançar sua importância e seu prestígio, a geologia, em meados do XiX, com Lyell e Beaument, já havia investido na definição de região. As primeiras incursões conceituais e metodológicas podem ser identificadas em obras e autores clássicos ao longo da evolução do pensamento geográfico, tais como Humboltd e Ritter. Mas foi com Hettner e La Blache que os estudos regionais ganharam maior consistência e notoriedade acadêmica, quando a região se afirmava como o próprio objeto de estudo da Geografia. La Blache, por exemplo, incorporou à Geografia o conceito de “gênero de vida”, definido como resultado das influências físicas, históricas e sociais derivadas da relação do homem como o meio. Esse autor procurou reafirmar a ideia de região como a síntese dos aspectos humanos e naturais (Lencione, 1999). Nasce daí a noção de “região geográfica” (ou “região paisagem”). Trata-se de unidade espacial que sintetiza a ação transformadora do homem sobre o meio, tomada como uma combinação específica de diversidade que lhe confere singularidade (Gomes, 2007).4 Hettner, coerente com sua uma formação neokantista, acreditava que o método das ciências humanas não poderia ser comparado àqueles circunscritos aos domínios do positivismo clássico, que dominavam as ciências naturais. Para Hettner a Geografia deveria ser considerada como uma ciência ideográfica, de natureza essencialmente regional (Gomes, 2007). A obra de Hettner serviu de inspiração e motivou as reflexões do geógrafo americano Richard Hartshorne, que se debruçou na análise do método próprio da Geografia, que se carac-terizaria pela necessidade de identificação de diferenças regionais. Hartshorne acreditava que a região não é uma realidade evidente e sim uma construção mental, cujo método corológico (método regional) deveria orientar o campo de pesquisa e a região a síntese das relações entre o ambiente e o homem (Gomes, 2007) e a Geografia, dada sua parti-

4 No Brasil, as propostas de regionalização se con-solidaram a partir do início do século passado, tendo como referência o conceito de Região Natural (Magna-go, 1995), o que culminou com a primeira proposta de divisão regional divulgada pelo IBGE em 1940 (Duar-te, 1980). A primeira divi-são regional elaborada pelo IBGE, tendo como base a proposta apresentada por Fábio Guimarães, foi defini-da conforme a abordagem de diferenciação de áreas. Nessa proposta prevalecia, em um quadro de inter-rela-ções das condições físicas, principalmente do clima, da vegetação e do relevo. A metodologia empregada baseava-se no princípio da divisão, partindo do “todo” – o território nacional – que sucessivamente foi frag-mentado em unidades cada vez menores. Foram identi-ficadas nesse modelo cinco Grandes Regiões: N, NE, E, S e CO, que correspondiam a espaços mais abrangen-tes, caracterizados pela pre-valência de certos traços comuns (Magnago, 1995). Uma das principais críticas a esse primeiro modelo de regionalização diz respeito a mudança de critérios na definição dos recortes regio-nais. Enquanto as Grandes Regiões foram delimitadas conforme critérios relativos aos aspectos naturais, as subunidades regionais deno-minadas Zonas Fisiográficas foram caracterizadas por elementos socioeconômicos (Duarte, 1980).

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cularidade, deveria ser classificada como uma ciência tanto ideográfica como nomotética (excepcionalismo geográfico).

A crise epistemológica da geografia clássica, já no início do século XX, como es-clarece Gomes (2007), coincidiu com uma grande discussão em torno do conceito de região. O argumento central da crítica elaborada pelos autores que integram a chamada Nova Geografia, refere-se à necessidade de desenvolvimento de um suporte teórico e utilização de modelos para representação de padrões espaciais, o que poderia garantir seu estatuto verdadeiramente científico. Há, dessa forma, uma importante mudança de perspectiva: a região deixa de ser o objeto de estudo da Geografia e passa a compor parte do procedimento metodológico. Regionalizar deveria ser entendido como a tarefa de di-vidir o espaço segundo diferentes critérios (classificação de áreas), o que consagrou o que viria ser denominado de Análise Regional. Bunge e Grigg, por exemplo, já em meados do século passado, foram os primeiros a sistematizar e dar corpo teórico à relação entre regionalização e a classificação de áreas. Grigg afirma que quando a classificação se baseia em elementos semelhantes, simplesmente agrupados em classes, define-se uma região como modelo sintético (Lencione, 1999). A região passa ser considerada como uma “classe de área” e o conceito de homogêneo relaciona-se a “pequena variância interna em áreas” (Duarte, 1980). Nesse momento, ganharam evidência os modelos importados da economia regional, dentre os quais se destacaram as propostas de Christaller, Boudeville, Weber, Perroux, ou mesmo Von Thünen. Para Correa (1995), com base nos princípios da economia marginalista, nos modelos hipotéticos/dedutivos e nas teorias locacionais, a análise regional e economia regional são sinônimos.5

A partir da década de 1970, essa grande onda crítica questiona e atribui aos modelos da economia regional, aplicados na análise geográfica, propósitos de caráter ideológico, com o intuito de mascarar as reais forças que moldam a organização do espaço. Lacoste refere-se à concepção vidaliana de região como uma forma de “conceito-obstáculo”, que restringe outras formas de divisão da superfície terrestre (Duarte, 1986). Os argumentos da chamada Geografia Radical apontam que a diferenciação do espaço se deve, em última instância, à divisão territorial do trabalho e ao processo de acumulação capitalista. A região deveria, portanto, ser entendida como a síntese concreta e histórica dessa instância espacial ontológica dos processos sociais, produto e meio de produção e reprodução de toda a vida social (Santos, 1978). Poderia, dessa forma, ser concebida como resultado dos diferentes modos de produção, como propôs Lipietz; pelas conexões entre classes sociais e acumula-ção capitalista, como sugerido por Villeneuve; pelas relações entre o Estado e a sociedade local, conforme interpretação de Dulong; ou então pela introdução da dimensão política, como indicado por Francisco de Oliveira ao fazer a elegia do Nordeste brasileiro (Correa, 1986). Nesse aspecto, como esclarece Lencione (1999), a Geografia Regional, sob inspira-ção do materialismo histórico, trouxe importantes contribuições ao debate sobre região e regionalização, tendo sepultado a ideia de neutralidade da ciência e introduzido suas cate-gorias de análise na análise geográfica. Ao final da década de 1980, o Brasil encontrava-se com uma estrutura espacial muito diferente daquela que serviu de referência para a divisão regional de 1970. Em 1988, ainda que tivesse mantido a divisão macrorregional, o IBGE passou a rever as divisões regionais intermediárias, que passaram a ser denominadas meso e microrregiões geográficas. Os estudos realizados para a nova divisão regional brasileira só seriam publicados na década de 1990, cuja base conceitual levaria em consideração a dinâmica do processo de desenvolvimento do capitalismo, traduzida pela inevitável desi-gualdade na organização espacial (Magnago, 1995).

5 Os conceitos de região homogênea/polarizada e de região polarizada tiveram grande aplicabilidade na ge-ografia, inclusive nas diver-sas propostas de regionali-zação durante as décadas de 1960/70. Em 1969, a resolução nº1 da Comissão Nacional de Planejamento e Normas Geográfico-Carto-gráfica propôs um novo mo-delo que identificava cinco Grandes Regiões, que com-preendiam 361 microrregi-ões homogêneas (menores unidades regionais). Nessa divisão regional, que seria adotada nos anos 1970, o conceito de espaço homogê-neo foi definido como forma de organização da produção, tendo como base: a) os do-mínios ecológicos, b) a dis-tribuição espacial da popula-ção, c) as regiões agrícolas, d) as atividades industriais, e) a infraestrutura de trans-portes, e f) as atividades terciárias (Magnago, 1995).

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inovação passou a ser consagrada como migração de data fixa. A combinação dessa variável com a migração de última etapa (município de residência anterior) permitia a identificação de mais um ponto no tempo na trajetória migratória circunscrita à década censitária. No Censo Demográfico de 2000, a retirada da variável referente ao município de residência anterior foi a mais significativa alteração. Várias possibilidades analíticas, através da com-binação das variáveis, foram perdidas em função dessa mudança.

No entanto, ainda há inúmeras alternativas na utilização das variáveis censitárias. Adaptações metodológicas permitem, sem comprometimento na qualidade e confiabili-dade dos dados, a elaboração de um amplo leque de indicadores relativos aos estudos de migração (Carvalho e Rigotti, 1998). Nesse trabalho, tendo em vista a necessidade de identificação e mapeamento dos fluxos intermunicipais, estabelecidos em uma determi-nada região, os migrantes foram definidos com base na variável de data fixa, que permite identificar a mobilidade espacial circunscrita ao quinquênio 2005/2010. A população re-sidente em cada município, também extraída do Censo Demográfico de 2010, que com-preendia um total de 5.565 municípios. As agregações municipais definiram os parâmetros regionais, tomados como unidades espaciais de análise, conforme proposta elaborada e apresentada nesse trabalho.

OS RECORTES E A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL: A REGIÃO COMO UNIDADE DE ANÁLISE

Os estudos regionais se confundem com a própria origem da Geografia, ainda que sejam utilizados recorrentemente em outras áreas do conhecimento científico. No entan-to, de acordo com Gomes (2007), bem antes de a Geografia alcançar sua importância e seu prestígio, a geologia, em meados do XiX, com Lyell e Beaument, já havia investido na definição de região. As primeiras incursões conceituais e metodológicas podem ser identificadas em obras e autores clássicos ao longo da evolução do pensamento geográfico, tais como Humboltd e Ritter. Mas foi com Hettner e La Blache que os estudos regionais ganharam maior consistência e notoriedade acadêmica, quando a região se afirmava como o próprio objeto de estudo da Geografia. La Blache, por exemplo, incorporou à Geografia o conceito de “gênero de vida”, definido como resultado das influências físicas, históricas e sociais derivadas da relação do homem como o meio. Esse autor procurou reafirmar a ideia de região como a síntese dos aspectos humanos e naturais (Lencione, 1999). Nasce daí a noção de “região geográfica” (ou “região paisagem”). Trata-se de unidade espacial que sintetiza a ação transformadora do homem sobre o meio, tomada como uma combinação específica de diversidade que lhe confere singularidade (Gomes, 2007).4 Hettner, coerente com sua uma formação neokantista, acreditava que o método das ciências humanas não poderia ser comparado àqueles circunscritos aos domínios do positivismo clássico, que dominavam as ciências naturais. Para Hettner a Geografia deveria ser considerada como uma ciência ideográfica, de natureza essencialmente regional (Gomes, 2007). A obra de Hettner serviu de inspiração e motivou as reflexões do geógrafo americano Richard Hartshorne, que se debruçou na análise do método próprio da Geografia, que se carac-terizaria pela necessidade de identificação de diferenças regionais. Hartshorne acreditava que a região não é uma realidade evidente e sim uma construção mental, cujo método corológico (método regional) deveria orientar o campo de pesquisa e a região a síntese das relações entre o ambiente e o homem (Gomes, 2007) e a Geografia, dada sua parti-

4 No Brasil, as propostas de regionalização se con-solidaram a partir do início do século passado, tendo como referência o conceito de Região Natural (Magna-go, 1995), o que culminou com a primeira proposta de divisão regional divulgada pelo IBGE em 1940 (Duar-te, 1980). A primeira divi-são regional elaborada pelo IBGE, tendo como base a proposta apresentada por Fábio Guimarães, foi defini-da conforme a abordagem de diferenciação de áreas. Nessa proposta prevalecia, em um quadro de inter-rela-ções das condições físicas, principalmente do clima, da vegetação e do relevo. A metodologia empregada baseava-se no princípio da divisão, partindo do “todo” – o território nacional – que sucessivamente foi frag-mentado em unidades cada vez menores. Foram identi-ficadas nesse modelo cinco Grandes Regiões: N, NE, E, S e CO, que correspondiam a espaços mais abrangen-tes, caracterizados pela pre-valência de certos traços comuns (Magnago, 1995). Uma das principais críticas a esse primeiro modelo de regionalização diz respeito a mudança de critérios na definição dos recortes regio-nais. Enquanto as Grandes Regiões foram delimitadas conforme critérios relativos aos aspectos naturais, as subunidades regionais deno-minadas Zonas Fisiográficas foram caracterizadas por elementos socioeconômicos (Duarte, 1980).

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cularidade, deveria ser classificada como uma ciência tanto ideográfica como nomotética (excepcionalismo geográfico).

A crise epistemológica da geografia clássica, já no início do século XX, como es-clarece Gomes (2007), coincidiu com uma grande discussão em torno do conceito de região. O argumento central da crítica elaborada pelos autores que integram a chamada Nova Geografia, refere-se à necessidade de desenvolvimento de um suporte teórico e utilização de modelos para representação de padrões espaciais, o que poderia garantir seu estatuto verdadeiramente científico. Há, dessa forma, uma importante mudança de perspectiva: a região deixa de ser o objeto de estudo da Geografia e passa a compor parte do procedimento metodológico. Regionalizar deveria ser entendido como a tarefa de di-vidir o espaço segundo diferentes critérios (classificação de áreas), o que consagrou o que viria ser denominado de Análise Regional. Bunge e Grigg, por exemplo, já em meados do século passado, foram os primeiros a sistematizar e dar corpo teórico à relação entre regionalização e a classificação de áreas. Grigg afirma que quando a classificação se baseia em elementos semelhantes, simplesmente agrupados em classes, define-se uma região como modelo sintético (Lencione, 1999). A região passa ser considerada como uma “classe de área” e o conceito de homogêneo relaciona-se a “pequena variância interna em áreas” (Duarte, 1980). Nesse momento, ganharam evidência os modelos importados da economia regional, dentre os quais se destacaram as propostas de Christaller, Boudeville, Weber, Perroux, ou mesmo Von Thünen. Para Correa (1995), com base nos princípios da economia marginalista, nos modelos hipotéticos/dedutivos e nas teorias locacionais, a análise regional e economia regional são sinônimos.5

A partir da década de 1970, essa grande onda crítica questiona e atribui aos modelos da economia regional, aplicados na análise geográfica, propósitos de caráter ideológico, com o intuito de mascarar as reais forças que moldam a organização do espaço. Lacoste refere-se à concepção vidaliana de região como uma forma de “conceito-obstáculo”, que restringe outras formas de divisão da superfície terrestre (Duarte, 1986). Os argumentos da chamada Geografia Radical apontam que a diferenciação do espaço se deve, em última instância, à divisão territorial do trabalho e ao processo de acumulação capitalista. A região deveria, portanto, ser entendida como a síntese concreta e histórica dessa instância espacial ontológica dos processos sociais, produto e meio de produção e reprodução de toda a vida social (Santos, 1978). Poderia, dessa forma, ser concebida como resultado dos diferentes modos de produção, como propôs Lipietz; pelas conexões entre classes sociais e acumula-ção capitalista, como sugerido por Villeneuve; pelas relações entre o Estado e a sociedade local, conforme interpretação de Dulong; ou então pela introdução da dimensão política, como indicado por Francisco de Oliveira ao fazer a elegia do Nordeste brasileiro (Correa, 1986). Nesse aspecto, como esclarece Lencione (1999), a Geografia Regional, sob inspira-ção do materialismo histórico, trouxe importantes contribuições ao debate sobre região e regionalização, tendo sepultado a ideia de neutralidade da ciência e introduzido suas cate-gorias de análise na análise geográfica. Ao final da década de 1980, o Brasil encontrava-se com uma estrutura espacial muito diferente daquela que serviu de referência para a divisão regional de 1970. Em 1988, ainda que tivesse mantido a divisão macrorregional, o IBGE passou a rever as divisões regionais intermediárias, que passaram a ser denominadas meso e microrregiões geográficas. Os estudos realizados para a nova divisão regional brasileira só seriam publicados na década de 1990, cuja base conceitual levaria em consideração a dinâmica do processo de desenvolvimento do capitalismo, traduzida pela inevitável desi-gualdade na organização espacial (Magnago, 1995).

5 Os conceitos de região homogênea/polarizada e de região polarizada tiveram grande aplicabilidade na ge-ografia, inclusive nas diver-sas propostas de regionali-zação durante as décadas de 1960/70. Em 1969, a resolução nº1 da Comissão Nacional de Planejamento e Normas Geográfico-Carto-gráfica propôs um novo mo-delo que identificava cinco Grandes Regiões, que com-preendiam 361 microrregi-ões homogêneas (menores unidades regionais). Nessa divisão regional, que seria adotada nos anos 1970, o conceito de espaço homogê-neo foi definido como forma de organização da produção, tendo como base: a) os do-mínios ecológicos, b) a dis-tribuição espacial da popula-ção, c) as regiões agrícolas, d) as atividades industriais, e) a infraestrutura de trans-portes, e f) as atividades terciárias (Magnago, 1995).

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Para Castro (1997), o desafio de compreender o mundo em que se colocam os geógrafos requer também considerar a força dos símbolos, das imagens e do imaginá-rio, bem como o domínio do simbólico possui um inegável valor explicativo. Ainda de acordo com esse autor, apesar de a racionalidade moderna ter conquistado os espaços objetivos das relações sociais, as representações permanecem nos dispositivos simbóli-cos, nas práticas codificadas e ritualizadas, no imaginário e em suas projeções. Define--se a região como “espaço de identidade ideológico-cultural”, articulado em função de interesses específicos, geralmente econômicos, de classes que nele reconhecem sua base territorial de reprodução. Como afirma Haesbaert (2010): é o sentido de pertencer/integrar uma região e/ou território. Outro aspecto que incorpora o debate acerca dos rebatimentos provocados pela identidade cultural refere-se à globalização. Na globali-zação, o desenraizamento produz efeitos perversos no indivíduo – stress, sofrimento e destruição de formas de vida ou instituições. Assim, a identidade como “expressão” resiste à globalização na busca de arranjos sociais mais estáveis e proximidade e con-fiabilidade das relações entre as pessoas, de modo que através da singularidade ocorra uma reação à globalização. Atribui-se à identidade uma responsabilidade na manuten-ção das bases locais quando ocorre uma reação ou uma resposta à globalização, pois a identidade pode ser entendida como uma forma de reação ao tomar o global como a ameaça externa contra a integridade de um modo de vida local ou uma cultura nacional (Castells, 1999).

Essa revisão conceitual no início da década de 1960, que culminou com a própria utilização do conceito de Região Geográfica, representou o reconhecimento do caráter dinâmico da região, tendo em vista a necessária e recorrente ação antrópica sobre o am-biente. Tratava-se de uma metodologia marcada por sucessivas fragmentações e identifi-cação de elementos chaves ao estabelecimento de recortes regionais. Essa proposta levou a difusão dos conceitos de Região Homogênea e Região Polarizada, resultado direto da influência de autores como Cristaller, Perroux e Boudeville. A partir da década de 1970, os trabalhos sobre regionalização têm novas formulações metodológicas, centradas em metodologias de classificação de áreas, com forte apelo técnico e a formulação de mode-los e padrões de localização espacial. Os primeiros estudos de centralidade e hierarquia da rede urbana brasileira, realizados pelo ibGe ao final da década de 1960, integraram a ela-boração da nova Divisão Regional do Brasil. Esta, além da divisão do território nacional em microrregiões homogêneas, produziu a reformulação das regiões funcionais urbanas, em 1972. A pesquisa da rede urbana foi retomada em 1978, e seus resultados publicados como Regiões de Influência das Cidades, em 1987. Este novo estudo tomou como base conceitual a teoria das localidades centrais, centros urbanos cuja centralidade decorre do papel de distribuição de bens e serviços para a população (ibGe, 2008). A atualização das Regiões de Influência das Cidades retoma a concepção utilizada nos primeiros estudos realizados no ibGe, que resultaram na Divisão do Brasil em regiões funcionais urbanas, de 1972, ou seja, estabelece inicialmente uma classificação dos centros e, a seguir, deli-mita suas áreas de atuação. Na atual versão, publicada em 2008, privilegiou-se a função de gestão do território, considerando que

centro de gestão do território [...] é aquela cidade onde se localizam, de um lado, os diversos órgãos do Estado e, de outro, as sedes de empresas cujas decisões afetam direta ou indireta-mente um dado espaço que passa a ficar sob o controle da cidade através das empresas nela sediadas (Correa, 1995, p. 83).

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Muito se tem discutido a respeito da delimitação da rede de cidades brasileiras, em relação à adequação das políticas para o desenvolvimento e planejamento regional. Dois recentes trabalhos têm, particularmente, chamando a atenção dos especialistas: “Caracte-rização e Tendências da Rede Urbana do Brasil” (ipeA/ibGe/nesur, 1999) e “Polos Eco-nômicos do Nordeste e suas Áreas de Influência - uma aplicação do modelo gravitacional utilizando sistema de informações geográficas (siG)” (Lemos, Diniz e Guerra, 1999). O primeiro, a partir da utilização de critérios como conurbação (espaços urbanos contínuos), tamanho da população, densidade demográfica, percentual da População Economicamen-te Ativa (peA) ocupada em atividades urbanas, crescimento populacional (do interior e da periferia) entre 1980 e 1991 etc., identificaram 49 aglomerações urbanas, distribuídas entre 12 áreas metropolitanas, 12 centros urbanos regionais, e 25 centros sub-regionais.

Para a elaboração desse estudo, segundo Matos (2000), redefiniu-se as metodologias e critérios de hierarquização da rede urbana que pudessem expressar as novas espaciali-dades criadas pela atividade produtiva do país que estariam envolvendo a emergência de novos núcleos urbanos, a mundialização de centralidades metropolitanas, a redinamização das fronteiras internas de recursos e os novos complexos rurais. Além disso, essa proposta também foi essencial para produzir análises relativas ao tema migração e redistribuição da população no espaço, em decorrência dos sinais de alteração recente do chamado padrão migratório brasileiro (Matos, 2000). O segundo trabalho, de Lemos, Diniz e Guerra (1999), identifica os principais polos econômicos brasileiros, com base nos dados do Cen-so Demográfico de 1991, a partir do cálculo do Índice de Terciarização das microrregiões geográficas do ibGe, e delimita suas áreas de influência econômica através da aplicação do Modelo Gravitacional usado por Isard (1960).6 Verifica-se, assim, que o grau de po-larização de uma localidade está relacionado diretamente com a dinâmica do seu setor terciário, traduzida pelo nível de oferta e demanda de bens e de serviços especializados, ou seja, quanto maiores as relações de troca de mercadorias e serviços de uma localidade, maior a extensão de sua área de influência (MpoG, 2008).

Os autores também identificam 12 regiões polos e classificam as demais micror-regiões segundo seus polos de influência econômica. Dando continuidade à proposta metodológica desse artigo, Lemos et. al. (2000), apresentam uma nova regionalização econômica do Brasil, identificando 11 macrorregiões econômicas que agregam um total de 84 mesorregiões compostas pelas 557 microrregiões geográficas. Garcia (2002), apli-cando o referencial metodológico de Lemos, Diniz e Guerra (1999), propõe uma nova regionalização do território nacional, baseada nos movimentos populacionais observados entre os polos econômicos e suas localidades de influência. O modelo de regionalização proposto por esse autor, utilizado como recorte regional nesse paper, foi recentemente adaptado e aplicado na identificação das regiões de referência do Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento, levado a cabo pelo Ministério do Planejamento, Or-çamento e Gestão (MpoG), a fim de dar subsídios aos Planos Plurianuais do Governo Federal (MpoG, 2008). Dessa metodologia derivou um dos recortes regionais utilizado, que envolvia um total de 121 unidades regionais (denominadas macrorregiões), como representado na Figura 1.

6 A concentração dos ser-viços é que diferenciará uma base exportadora, em função dos requerimentos elevados de escala de aglo-meração urbana. Ao atingir um determinado grau de concentração, o lugar de maior densidade urbana ten-de a se transformar em um centro de consumo coletivo, que tende a atrair um fluxo de pessoas em busca de ati-vidades especializadas não--exportáveis (Lemos, Diniz e Guerra, 1999).

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Para Castro (1997), o desafio de compreender o mundo em que se colocam os geógrafos requer também considerar a força dos símbolos, das imagens e do imaginá-rio, bem como o domínio do simbólico possui um inegável valor explicativo. Ainda de acordo com esse autor, apesar de a racionalidade moderna ter conquistado os espaços objetivos das relações sociais, as representações permanecem nos dispositivos simbóli-cos, nas práticas codificadas e ritualizadas, no imaginário e em suas projeções. Define--se a região como “espaço de identidade ideológico-cultural”, articulado em função de interesses específicos, geralmente econômicos, de classes que nele reconhecem sua base territorial de reprodução. Como afirma Haesbaert (2010): é o sentido de pertencer/integrar uma região e/ou território. Outro aspecto que incorpora o debate acerca dos rebatimentos provocados pela identidade cultural refere-se à globalização. Na globali-zação, o desenraizamento produz efeitos perversos no indivíduo – stress, sofrimento e destruição de formas de vida ou instituições. Assim, a identidade como “expressão” resiste à globalização na busca de arranjos sociais mais estáveis e proximidade e con-fiabilidade das relações entre as pessoas, de modo que através da singularidade ocorra uma reação à globalização. Atribui-se à identidade uma responsabilidade na manuten-ção das bases locais quando ocorre uma reação ou uma resposta à globalização, pois a identidade pode ser entendida como uma forma de reação ao tomar o global como a ameaça externa contra a integridade de um modo de vida local ou uma cultura nacional (Castells, 1999).

Essa revisão conceitual no início da década de 1960, que culminou com a própria utilização do conceito de Região Geográfica, representou o reconhecimento do caráter dinâmico da região, tendo em vista a necessária e recorrente ação antrópica sobre o am-biente. Tratava-se de uma metodologia marcada por sucessivas fragmentações e identifi-cação de elementos chaves ao estabelecimento de recortes regionais. Essa proposta levou a difusão dos conceitos de Região Homogênea e Região Polarizada, resultado direto da influência de autores como Cristaller, Perroux e Boudeville. A partir da década de 1970, os trabalhos sobre regionalização têm novas formulações metodológicas, centradas em metodologias de classificação de áreas, com forte apelo técnico e a formulação de mode-los e padrões de localização espacial. Os primeiros estudos de centralidade e hierarquia da rede urbana brasileira, realizados pelo ibGe ao final da década de 1960, integraram a ela-boração da nova Divisão Regional do Brasil. Esta, além da divisão do território nacional em microrregiões homogêneas, produziu a reformulação das regiões funcionais urbanas, em 1972. A pesquisa da rede urbana foi retomada em 1978, e seus resultados publicados como Regiões de Influência das Cidades, em 1987. Este novo estudo tomou como base conceitual a teoria das localidades centrais, centros urbanos cuja centralidade decorre do papel de distribuição de bens e serviços para a população (ibGe, 2008). A atualização das Regiões de Influência das Cidades retoma a concepção utilizada nos primeiros estudos realizados no ibGe, que resultaram na Divisão do Brasil em regiões funcionais urbanas, de 1972, ou seja, estabelece inicialmente uma classificação dos centros e, a seguir, deli-mita suas áreas de atuação. Na atual versão, publicada em 2008, privilegiou-se a função de gestão do território, considerando que

centro de gestão do território [...] é aquela cidade onde se localizam, de um lado, os diversos órgãos do Estado e, de outro, as sedes de empresas cujas decisões afetam direta ou indireta-mente um dado espaço que passa a ficar sob o controle da cidade através das empresas nela sediadas (Correa, 1995, p. 83).

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Muito se tem discutido a respeito da delimitação da rede de cidades brasileiras, em relação à adequação das políticas para o desenvolvimento e planejamento regional. Dois recentes trabalhos têm, particularmente, chamando a atenção dos especialistas: “Caracte-rização e Tendências da Rede Urbana do Brasil” (ipeA/ibGe/nesur, 1999) e “Polos Eco-nômicos do Nordeste e suas Áreas de Influência - uma aplicação do modelo gravitacional utilizando sistema de informações geográficas (siG)” (Lemos, Diniz e Guerra, 1999). O primeiro, a partir da utilização de critérios como conurbação (espaços urbanos contínuos), tamanho da população, densidade demográfica, percentual da População Economicamen-te Ativa (peA) ocupada em atividades urbanas, crescimento populacional (do interior e da periferia) entre 1980 e 1991 etc., identificaram 49 aglomerações urbanas, distribuídas entre 12 áreas metropolitanas, 12 centros urbanos regionais, e 25 centros sub-regionais.

Para a elaboração desse estudo, segundo Matos (2000), redefiniu-se as metodologias e critérios de hierarquização da rede urbana que pudessem expressar as novas espaciali-dades criadas pela atividade produtiva do país que estariam envolvendo a emergência de novos núcleos urbanos, a mundialização de centralidades metropolitanas, a redinamização das fronteiras internas de recursos e os novos complexos rurais. Além disso, essa proposta também foi essencial para produzir análises relativas ao tema migração e redistribuição da população no espaço, em decorrência dos sinais de alteração recente do chamado padrão migratório brasileiro (Matos, 2000). O segundo trabalho, de Lemos, Diniz e Guerra (1999), identifica os principais polos econômicos brasileiros, com base nos dados do Cen-so Demográfico de 1991, a partir do cálculo do Índice de Terciarização das microrregiões geográficas do ibGe, e delimita suas áreas de influência econômica através da aplicação do Modelo Gravitacional usado por Isard (1960).6 Verifica-se, assim, que o grau de po-larização de uma localidade está relacionado diretamente com a dinâmica do seu setor terciário, traduzida pelo nível de oferta e demanda de bens e de serviços especializados, ou seja, quanto maiores as relações de troca de mercadorias e serviços de uma localidade, maior a extensão de sua área de influência (MpoG, 2008).

Os autores também identificam 12 regiões polos e classificam as demais micror-regiões segundo seus polos de influência econômica. Dando continuidade à proposta metodológica desse artigo, Lemos et. al. (2000), apresentam uma nova regionalização econômica do Brasil, identificando 11 macrorregiões econômicas que agregam um total de 84 mesorregiões compostas pelas 557 microrregiões geográficas. Garcia (2002), apli-cando o referencial metodológico de Lemos, Diniz e Guerra (1999), propõe uma nova regionalização do território nacional, baseada nos movimentos populacionais observados entre os polos econômicos e suas localidades de influência. O modelo de regionalização proposto por esse autor, utilizado como recorte regional nesse paper, foi recentemente adaptado e aplicado na identificação das regiões de referência do Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento, levado a cabo pelo Ministério do Planejamento, Or-çamento e Gestão (MpoG), a fim de dar subsídios aos Planos Plurianuais do Governo Federal (MpoG, 2008). Dessa metodologia derivou um dos recortes regionais utilizado, que envolvia um total de 121 unidades regionais (denominadas macrorregiões), como representado na Figura 1.

6 A concentração dos ser-viços é que diferenciará uma base exportadora, em função dos requerimentos elevados de escala de aglo-meração urbana. Ao atingir um determinado grau de concentração, o lugar de maior densidade urbana ten-de a se transformar em um centro de consumo coletivo, que tende a atrair um fluxo de pessoas em busca de ati-vidades especializadas não--exportáveis (Lemos, Diniz e Guerra, 1999).

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Figura 1 – Macrorregiões e Macropolos Estratégicos.

Fonte: MPOG (2008, p. 116).

PERFIS REGIONAIS: ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PROPOSTA E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Como mencionado, os perfis regionais foram definidos com base em duas dimen-sões, que permitem a identificação conjunta ou separada: a centralidade e mobilidade espacial da população. Cada uma dessas dimensões foi definida conforme um conjunto de três variáveis (como descrito na figura em sequência). A centralidade se manifestava pelo nível de concentração espacial e pela força de atração exercida pelo centro regional, des-critas pelas variáveis: primazia do polo, concentração espacial da população e polarização dos fluxos migratórios. A mobilidade espacial, representada pelas variáveis intensidade e conectividade migratória e a dispersão espacial dos fluxos migratórios, descrevia o nível de articulação estabelecida entre os municípios e a dispersão espacial dos fluxos migratórios dentro de cada região.

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Figura 1 – Macrorregiões e Macropolos Estratégicos.

Fonte: MPOG (2008, p. 116).

PERFIS REGIONAIS: ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PROPOSTA E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Como mencionado, os perfis regionais foram definidos com base em duas dimen-sões, que permitem a identificação conjunta ou separada: a centralidade e mobilidade espacial da população. Cada uma dessas dimensões foi definida conforme um conjunto de três variáveis (como descrito na figura em sequência). A centralidade se manifestava pelo nível de concentração espacial e pela força de atração exercida pelo centro regional, des-critas pelas variáveis: primazia do polo, concentração espacial da população e polarização dos fluxos migratórios. A mobilidade espacial, representada pelas variáveis intensidade e conectividade migratória e a dispersão espacial dos fluxos migratórios, descrevia o nível de articulação estabelecida entre os municípios e a dispersão espacial dos fluxos migratórios dentro de cada região.

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Figura 2 – Dimensões e variáveis utilizadas.

Fonte: Elaboração própria.

Segue abaixo a descrição e definição das variáveis que compõe cada uma das dimen-sões centralidade e mobilidade:

CentralidadeVar1 - Primazia do polo: razão entre a população residente no polo regional e o somatório da população da região;Var2 - Concentração espacial da população: distância linear entre o centro médio ponderado e a posição central da sede municipal;Var3 - Polarização dos fluxos migratórios: razão entre o somatório de migrantes (imigrantes + emigrantes) que se deslocaram do e para o polo regional e os demais fluxos migratórios intra--regionais;

MobilidadeVar1 - Intensidade migratória: razão entre o somatório dos fluxos migratórios intra-regionais e a população total residente na região;Var2 - Conectividade migratória: média regional da razão entre o número de ligações migra-tórias intermunicipais efetivas e o número de conexões possíveis (dada pelo total de municípios em cada região menos um [n-1]);Var3 - Dispersão espacial dos fluxos migratórios: razão entre distância média referente aos vetores migratórios intermunicipais na região e o diâmetro referente a circunferência com área equivalente a área da respectiva região;

Os valores de cada variável ( ) foram padronizados, convertendo a escala original em valores de 0 (valor mínimo) a 1 (valor máximo), obtido pela seguinte expres-são:

em que

= índice na variável “i”;

= valor observado na e-nésima região;

= valor mínimo observado para a variável “i”;

= valor máximo observado para a variável “i”;

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Figura 2 – Dimensões e variáveis utilizadas.

Fonte: Elaboração própria.

Segue abaixo a descrição e definição das variáveis que compõe cada uma das dimen-sões centralidade e mobilidade:

CentralidadeVar1 - Primazia do polo: razão entre a população residente no polo regional e o somatório da população da região;Var2 - Concentração espacial da população: distância linear entre o centro médio ponderado e a posição central da sede municipal;Var3 - Polarização dos fluxos migratórios: razão entre o somatório de migrantes (imigrantes + emigrantes) que se deslocaram do e para o polo regional e os demais fluxos migratórios intra--regionais;

MobilidadeVar1 - Intensidade migratória: razão entre o somatório dos fluxos migratórios intra-regionais e a população total residente na região;Var2 - Conectividade migratória: média regional da razão entre o número de ligações migra-tórias intermunicipais efetivas e o número de conexões possíveis (dada pelo total de municípios em cada região menos um [n-1]);Var3 - Dispersão espacial dos fluxos migratórios: razão entre distância média referente aos vetores migratórios intermunicipais na região e o diâmetro referente a circunferência com área equivalente a área da respectiva região;

Os valores de cada variável ( ) foram padronizados, convertendo a escala original em valores de 0 (valor mínimo) a 1 (valor máximo), obtido pela seguinte expres-são:

em que

= índice na variável “i”;

= valor observado na e-nésima região;

= valor mínimo observado para a variável “i”;

= valor máximo observado para a variável “i”;

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Figura 1 – Macrorregiões e Macropolos Estratégicos.

Fonte: MPOG (2008, p. 116).

PERFIS REGIONAIS: ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PROPOSTA E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Como mencionado, os perfis regionais foram definidos com base em duas dimen-sões, que permitem a identificação conjunta ou separada: a centralidade e mobilidade espacial da população. Cada uma dessas dimensões foi definida conforme um conjunto de três variáveis (como descrito na figura em sequência). A centralidade se manifestava pelo nível de concentração espacial e pela força de atração exercida pelo centro regional, des-critas pelas variáveis: primazia do polo, concentração espacial da população e polarização dos fluxos migratórios. A mobilidade espacial, representada pelas variáveis intensidade e conectividade migratória e a dispersão espacial dos fluxos migratórios, descrevia o nível de articulação estabelecida entre os municípios e a dispersão espacial dos fluxos migratórios dentro de cada região.

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Figura 1 – Macrorregiões e Macropolos Estratégicos.

Fonte: MPOG (2008, p. 116).

PERFIS REGIONAIS: ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PROPOSTA E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Como mencionado, os perfis regionais foram definidos com base em duas dimen-sões, que permitem a identificação conjunta ou separada: a centralidade e mobilidade espacial da população. Cada uma dessas dimensões foi definida conforme um conjunto de três variáveis (como descrito na figura em sequência). A centralidade se manifestava pelo nível de concentração espacial e pela força de atração exercida pelo centro regional, des-critas pelas variáveis: primazia do polo, concentração espacial da população e polarização dos fluxos migratórios. A mobilidade espacial, representada pelas variáveis intensidade e conectividade migratória e a dispersão espacial dos fluxos migratórios, descrevia o nível de articulação estabelecida entre os municípios e a dispersão espacial dos fluxos migratórios dentro de cada região.

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Figura 2 – Dimensões e variáveis utilizadas.

Fonte: Elaboração própria.

Segue abaixo a descrição e definição das variáveis que compõe cada uma das dimen-sões centralidade e mobilidade:

CentralidadeVar1 - Primazia do polo: razão entre a população residente no polo regional e o somatório da população da região;Var2 - Concentração espacial da população: distância linear entre o centro médio ponderado e a posição central da sede municipal;Var3 - Polarização dos fluxos migratórios: razão entre o somatório de migrantes (imigrantes + emigrantes) que se deslocaram do e para o polo regional e os demais fluxos migratórios intra--regionais;

MobilidadeVar1 - Intensidade migratória: razão entre o somatório dos fluxos migratórios intra-regionais e a população total residente na região;Var2 - Conectividade migratória: média regional da razão entre o número de ligações migra-tórias intermunicipais efetivas e o número de conexões possíveis (dada pelo total de municípios em cada região menos um [n-1]);Var3 - Dispersão espacial dos fluxos migratórios: razão entre distância média referente aos vetores migratórios intermunicipais na região e o diâmetro referente a circunferência com área equivalente a área da respectiva região;

Os valores de cada variável ( ) foram padronizados, convertendo a escala original em valores de 0 (valor mínimo) a 1 (valor máximo), obtido pela seguinte expres-são:

em que

= índice na variável “i”;

= valor observado na e-nésima região;

= valor mínimo observado para a variável “i”;

= valor máximo observado para a variável “i”;

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Figura 2 – Dimensões e variáveis utilizadas.

Fonte: Elaboração própria.

Segue abaixo a descrição e definição das variáveis que compõe cada uma das dimen-sões centralidade e mobilidade:

CentralidadeVar1 - Primazia do polo: razão entre a população residente no polo regional e o somatório da população da região;Var2 - Concentração espacial da população: distância linear entre o centro médio ponderado e a posição central da sede municipal;Var3 - Polarização dos fluxos migratórios: razão entre o somatório de migrantes (imigrantes + emigrantes) que se deslocaram do e para o polo regional e os demais fluxos migratórios intra--regionais;

MobilidadeVar1 - Intensidade migratória: razão entre o somatório dos fluxos migratórios intra-regionais e a população total residente na região;Var2 - Conectividade migratória: média regional da razão entre o número de ligações migra-tórias intermunicipais efetivas e o número de conexões possíveis (dada pelo total de municípios em cada região menos um [n-1]);Var3 - Dispersão espacial dos fluxos migratórios: razão entre distância média referente aos vetores migratórios intermunicipais na região e o diâmetro referente a circunferência com área equivalente a área da respectiva região;

Os valores de cada variável ( ) foram padronizados, convertendo a escala original em valores de 0 (valor mínimo) a 1 (valor máximo), obtido pela seguinte expres-são:

em que

= índice na variável “i”;

= valor observado na e-nésima região;

= valor mínimo observado para a variável “i”;

= valor máximo observado para a variável “i”;

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O cálculo do índice de cada dimensão ( ) consiste, simplesmente, na média não ponderada dos três índices obtidos de cada variável:

A partir de cada uma dessas dimensões (centralidade e mobilidade) foram definidos clusters, que permitiram a identificados de perfis por dimensão e perfis híbridos, obtidos por combinações de duas dimensões. Na clusterização foi aplicado um algoritmo de clas-sificação, comumente utilizado para análises de grandes bancos de dados, denominado TwoStep cluster. Este algoritmo é uma extensão dos modelos de agrupamento baseado em medidas distâncias denominadas Log-likelihood. Trata-se de uma seleção que determina a similaridade entre dois clusters. Nesse caso, a medida probabilidade coloca uma distribuição de probabilidade das variáveis . As variáveis contínuas são, portanto, consideradas normal-mente distribuídas, enquanto as variáveis categóricas são assumidas como multinomiais. Todas as variáveis são assumidas como independentes” (SPSS, 2001).7

Os parâmetros obtidos nessa análise estão dispostos nos quadros e gráficos em sequên- cia. Para a dimensão centralidade foram definidos dois clusters:

Clusters 1 _ baixa centralidade;Clusters 2 _ média centralidade;

Na dimensão mobilidade o modelo identificou apenas três clusters:Clusters 1 _ média mobilidade;Clusters 2 _ baixa mobilidade;Clusters 3 _ alta mobilidade;

Os resultados para cada uma das duas dimensões estão representados na Figura 3, que sintetiza o enquadramento regional em cada um dos clusters identificados.

Clusters Centralidade: parâmetros gerais - TwoStep Cluster

7 Uma grande vantagem do método TwoStep é a pos-sibilidade automática de encontrar o valor ótimo de agrupamentos, caso este seja desconhecido. Isto se dá através das informações estatísticas providas pelo Critério de Informação Baye-siano (BIC ou CIB).

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C A R L O S L O B O , R A L F O M A T O S , R I C A R D O A . G A R C I A

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Clusters Mobililidade: parâmetros gerais - TwoStep Cluster

Figura 3 – Clusters Regionais: dimensões centralidade e mobilidade espacial da população

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (dados da amostra)

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96 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 4 , N . 2 / N OV E M B RO 2 0 1 2

O cálculo do índice de cada dimensão ( ) consiste, simplesmente, na média não ponderada dos três índices obtidos de cada variável:

A partir de cada uma dessas dimensões (centralidade e mobilidade) foram definidos clusters, que permitiram a identificados de perfis por dimensão e perfis híbridos, obtidos por combinações de duas dimensões. Na clusterização foi aplicado um algoritmo de clas-sificação, comumente utilizado para análises de grandes bancos de dados, denominado TwoStep cluster. Este algoritmo é uma extensão dos modelos de agrupamento baseado em medidas distâncias denominadas Log-likelihood. Trata-se de uma seleção que determina a similaridade entre dois clusters. Nesse caso, a medida probabilidade coloca uma distribuição de probabilidade das variáveis . As variáveis contínuas são, portanto, consideradas normal-mente distribuídas, enquanto as variáveis categóricas são assumidas como multinomiais. Todas as variáveis são assumidas como independentes” (SPSS, 2001).7

Os parâmetros obtidos nessa análise estão dispostos nos quadros e gráficos em sequên- cia. Para a dimensão centralidade foram definidos dois clusters:

Clusters 1 _ baixa centralidade;Clusters 2 _ média centralidade;

Na dimensão mobilidade o modelo identificou apenas três clusters:Clusters 1 _ média mobilidade;Clusters 2 _ baixa mobilidade;Clusters 3 _ alta mobilidade;

Os resultados para cada uma das duas dimensões estão representados na Figura 3, que sintetiza o enquadramento regional em cada um dos clusters identificados.

Clusters Centralidade: parâmetros gerais - TwoStep Cluster

7 Uma grande vantagem do método TwoStep é a pos-sibilidade automática de encontrar o valor ótimo de agrupamentos, caso este seja desconhecido. Isto se dá através das informações estatísticas providas pelo Critério de Informação Baye-siano (BIC ou CIB).

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C A R L O S L O B O , R A L F O M A T O S , R I C A R D O A . G A R C I A

97R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 4 , N . 2 / N OV E M B RO 2 0 1 2

Clusters Mobililidade: parâmetros gerais - TwoStep Cluster

Figura 3 – Clusters Regionais: dimensões centralidade e mobilidade espacial da população

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (dados da amostra)

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Os resultados obtidos, além da possibilidade de identificação de perfis regionais, como proposto nesse trabalho, também permitem inferências acerca da própria organi-zação do espaço regional, que, de modo direto ou indireto, refletem os diferentes níveis de centralidade e/ou mobilidade espacial das populações. Como pode ser observado na Figura 4, as regiões classificadas com Perfil 1 (Alta Centralidade e Alta Mobilidade), que envolvem um total de 41 regiões, localizam-se, em grande medida, no Nordeste e Sudeste do país e em áreas de fronteira agrícola, cuja mobilidade da força de trabalho é essencial ao pleno desenvolvimento desse tipo de economia. Por outro lado, as regiões de influência direta dos grandes centros metropolitanos brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, que concentram expressivos volumes da população e das atividades econômicas, não apresentam altos níveis de centralidade e mobilidade espacial. A Figura 5, que repre-senta aquelas regiões com Perfil 2 (Baixa Centralidade e Baixa Mobilidade), compreendeu apenas duas unidades regionais do país, Curitiba e Natal. Ressalta-se, contudo, que a baixa mobilidade intra-regional, incluindo as duas regiões citada, não indica um quadro de suposta imobilidade espacial da população (ausência de fluxos migratórios). Nesses casos, os fluxos interregionais, provavelmente, devem ter assumido um peso mais relevante (incluindo a própria migração de retorno e/ou por etapas).

Figura 4 – Perfil 1: Regiões de Alta Centralidade e Alta Mobilidade

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (dados da amostra)

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99R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 4 , N . 2 / N OV E M B RO 2 0 1 2

Figura 5 – Perfil 2: Regiões de Baixa Centralidade e Baixa Mobilidade

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (dados da amostra)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se a progressiva queda nas taxas de fecundidade foi responsável direta pela forte desa-celeração no ritmo de crescimento demográfico do país, as migrações internas tornaram-se variáveis fundamentais para se entender o processo de redistribuição espacial da população. A partir da década de 1970, como resultado da dinâmica migratória interna, ampliaram-se as evidências acerca da redução do peso relativo das metrópoles. Mesmo que as metrópoles e suas periferias continuem atraindo expressivos contingentes demográficos, a intensifica-ção nos fluxos de emigrantes tem refletido diretamente no crescimento demográfico de vários núcleos urbanos fora das principais Regiões Metropolitanas brasileiras, tornando mais densa e articulada a rede de cidades em cada uma de suas Regiões de Influência. Ainda existem incertezas acerca dos padrões de distribuição espacial da população brasilei-ra, incluindo não apenas as novas tendências observadas para as Regiões Metropolitanas. Contudo, novas regiões parecem afirmar-se no contexto nacional, muitas delas localizadas distantes das principais metrópoles nacionais, fora do centro-sul do país.

Essas novas tendências na redistribuição espacial da população requerem tanto o aprimoramento do aparato teórico-metodológico disponível, como o desenvolvimen-to de novas metodologias de análise regional. A proposta apresentada busca reforçar a possibilidades e potencialidades que se abrem aos estudos regionais, que envolvem não apenas o estabelecimento de recortes regionais (via regionalização), mas de classificação

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Os resultados obtidos, além da possibilidade de identificação de perfis regionais, como proposto nesse trabalho, também permitem inferências acerca da própria organi-zação do espaço regional, que, de modo direto ou indireto, refletem os diferentes níveis de centralidade e/ou mobilidade espacial das populações. Como pode ser observado na Figura 4, as regiões classificadas com Perfil 1 (Alta Centralidade e Alta Mobilidade), que envolvem um total de 41 regiões, localizam-se, em grande medida, no Nordeste e Sudeste do país e em áreas de fronteira agrícola, cuja mobilidade da força de trabalho é essencial ao pleno desenvolvimento desse tipo de economia. Por outro lado, as regiões de influência direta dos grandes centros metropolitanos brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, que concentram expressivos volumes da população e das atividades econômicas, não apresentam altos níveis de centralidade e mobilidade espacial. A Figura 5, que repre-senta aquelas regiões com Perfil 2 (Baixa Centralidade e Baixa Mobilidade), compreendeu apenas duas unidades regionais do país, Curitiba e Natal. Ressalta-se, contudo, que a baixa mobilidade intra-regional, incluindo as duas regiões citada, não indica um quadro de suposta imobilidade espacial da população (ausência de fluxos migratórios). Nesses casos, os fluxos interregionais, provavelmente, devem ter assumido um peso mais relevante (incluindo a própria migração de retorno e/ou por etapas).

Figura 4 – Perfil 1: Regiões de Alta Centralidade e Alta Mobilidade

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (dados da amostra)

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Figura 5 – Perfil 2: Regiões de Baixa Centralidade e Baixa Mobilidade

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (dados da amostra)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se a progressiva queda nas taxas de fecundidade foi responsável direta pela forte desa-celeração no ritmo de crescimento demográfico do país, as migrações internas tornaram-se variáveis fundamentais para se entender o processo de redistribuição espacial da população. A partir da década de 1970, como resultado da dinâmica migratória interna, ampliaram-se as evidências acerca da redução do peso relativo das metrópoles. Mesmo que as metrópoles e suas periferias continuem atraindo expressivos contingentes demográficos, a intensifica-ção nos fluxos de emigrantes tem refletido diretamente no crescimento demográfico de vários núcleos urbanos fora das principais Regiões Metropolitanas brasileiras, tornando mais densa e articulada a rede de cidades em cada uma de suas Regiões de Influência. Ainda existem incertezas acerca dos padrões de distribuição espacial da população brasilei-ra, incluindo não apenas as novas tendências observadas para as Regiões Metropolitanas. Contudo, novas regiões parecem afirmar-se no contexto nacional, muitas delas localizadas distantes das principais metrópoles nacionais, fora do centro-sul do país.

Essas novas tendências na redistribuição espacial da população requerem tanto o aprimoramento do aparato teórico-metodológico disponível, como o desenvolvimen-to de novas metodologias de análise regional. A proposta apresentada busca reforçar a possibilidades e potencialidades que se abrem aos estudos regionais, que envolvem não apenas o estabelecimento de recortes regionais (via regionalização), mas de classificação

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e tipificação de regiões (como os perfis expostos nesse trabalho). A distribuição espacial da população e os fluxos migratórios não indicam apenas estagnação ou o dinamismo econômico de determinadas regiões, mas também permitem a classificação e categoriza-ção de cada uma delas. Trata-se de uma informação extremamente útil ao planejamento territorial, sobretudo diante do cenário brasileiro, em que ainda persiste um quadro de intensa desigualdade regional.

Mesmo tendo em vista as contribuições da economia regional estrito senso, há um debate que requer aprofundamento quanto à distribuição espacial da população, notadamente no que se refere aos movimentos migratórios dentro da cada região. No âmbito da geografia regional, são poucos os trabalhos sobre migrações internas que se utilizam de informações censitárias para estimar a avaliar os movimentos da população no espaço. Escassas também são as pesquisas voltadas para a análise espacial dos estoques e deslocamentos da população. A investigação sobre a distribuição e os fluxos da população permite reconhecer dimensões ainda pouco exploradas do processo de desconcentração ou dispersão espacial da população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Carlos Lobo é doutor em Geografia; professor do Departamento de Geografia da UFMG. E-mail: [email protected]

Ralfo Matos é doutor em Demografia; professor do Instituto de Geociências da UFMG. E-mail: [email protected]

Ricardo A. Garcia é doutor em Demografia; professor do Instituto de Geociências da UFMG. E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em outubro de 2012 e aprovado para publicação em fevereiro de 2013.

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A b s t r A C t In the last decades of the 20th century, the evidences of a reduction in the relative weight of metropolitan areas increased due to the dynamics of internal migration. At the same time, the urban network in other regions of influence of cities gained importance. These new trends of spatial redistribution of the population require both the improvement of theoretical and methodological apparatus available on Humanities and social sciences and the development of new methodologies of regional analysis. This work seeks to develop a proposal for regional classification based on the centrality and the spatial mobility of population. From the proposed regional division by Garcia (2002) it was possible to identify certain spatial profiles, defined on the basis of the resident population stocks and flows extracted from a microdata sample of the 2010 census. This proposal reinforces the possibilities and potentials of regional studies, with respect to not only the establishment of regional division through regionalization techniques.

K e y w o r d s Migration; regions; population; centrality; mobility.

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e tipificação de regiões (como os perfis expostos nesse trabalho). A distribuição espacial da população e os fluxos migratórios não indicam apenas estagnação ou o dinamismo econômico de determinadas regiões, mas também permitem a classificação e categoriza-ção de cada uma delas. Trata-se de uma informação extremamente útil ao planejamento territorial, sobretudo diante do cenário brasileiro, em que ainda persiste um quadro de intensa desigualdade regional.

Mesmo tendo em vista as contribuições da economia regional estrito senso, há um debate que requer aprofundamento quanto à distribuição espacial da população, notadamente no que se refere aos movimentos migratórios dentro da cada região. No âmbito da geografia regional, são poucos os trabalhos sobre migrações internas que se utilizam de informações censitárias para estimar a avaliar os movimentos da população no espaço. Escassas também são as pesquisas voltadas para a análise espacial dos estoques e deslocamentos da população. A investigação sobre a distribuição e os fluxos da população permite reconhecer dimensões ainda pouco exploradas do processo de desconcentração ou dispersão espacial da população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Carlos Lobo é doutor em Geografia; professor do Departamento de Geografia da UFMG. E-mail: [email protected]

Ralfo Matos é doutor em Demografia; professor do Instituto de Geociências da UFMG. E-mail: [email protected]

Ricardo A. Garcia é doutor em Demografia; professor do Instituto de Geociências da UFMG. E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em outubro de 2012 e aprovado para publicação em fevereiro de 2013.

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A b s t r A C t In the last decades of the 20th century, the evidences of a reduction in the relative weight of metropolitan areas increased due to the dynamics of internal migration. At the same time, the urban network in other regions of influence of cities gained importance. These new trends of spatial redistribution of the population require both the improvement of theoretical and methodological apparatus available on Humanities and social sciences and the development of new methodologies of regional analysis. This work seeks to develop a proposal for regional classification based on the centrality and the spatial mobility of population. From the proposed regional division by Garcia (2002) it was possible to identify certain spatial profiles, defined on the basis of the resident population stocks and flows extracted from a microdata sample of the 2010 census. This proposal reinforces the possibilities and potentials of regional studies, with respect to not only the establishment of regional division through regionalization techniques.

K e y w o r d s Migration; regions; population; centrality; mobility.

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MOBILIDADE POPULACIONAL E UM NOVO SIGNIFICADO

PARA AS CIDADESDispersão Urbana e reflexiva na

Dinâmica regional não metropolitana

r i c a r D o o j i m ae D U a r D o m a r a n D o l a j r .

r e s U m o Nas últimas duas décadas, especialmente, a maior novidade no processo de urbanização brasileira não vem das grandes metrópoles, que receberam muita atenção em termos de políticas públicas e sociais, da mídia e de pesquisas acadêmicas desde os anos 1970. O processo de migração rural-urbana de longa distância e a urbanização-industrialização que ajudaram a formar as nossas nove metrópoles clássicas hoje parecem assumir novos contornos. Para realizar tal discussão, partiremos de uma compreensão do papel dos deslocamentos pendu-lares na urbanização brasileira, explorando os dados mais recentes no que revelam de novidade na última década (especialmente fora das regiões metropolitanas), passando a seguir para uma reflexão sobre suas consequências em termos dos modos de vida e das repercussões na escala do cotidiano urbano, que passa a ter dimensão regional.

p a l a v r a s - c h a v e Dispersão urbana; deslocamentos pendulares; urba-nização; migrações; demografia; região.

INTRODUÇÃO

Nas últimas duas décadas, especialmente, a maior novidade no processo de ur-banização brasileira não vem das grandes metrópoles, que receberam muita atenção em termos de políticas públicas e sociais, da mídia e de pesquisas acadêmicas desde os anos 1970. O processo de migração rural-urbana de longa distância e a urbanização--industrialização que ajudaram a formar as nossas nove metrópoles clássicas hoje parecem assumir novos contornos.

Desde a década de 1990, vivemos o processo de desconcentração metropolitana (Azzoni, 1986; Baeninger, 1999; Camarano e Beltrão, 2000; Pacheco e Patarra, 1997), ou de desmetropolização (Santos, 1993), nomes dados ao processo de crescimento relativo maior nas áreas periféricas das metrópoles, e não em suas sedes, ou mesmo o crescimento relativo maior de áreas fora de regiões metropolitanas.

Entretanto, a compreensão dos processos urbanos e regionais continua partindo das áreas metropolitanas, sendo elas a proxy privilegiada para explicação de todas as transformações no sistema urbano. No caso de São Paulo, por exemplo, prevalece a atenção nas áreas metropolitanas, seja pela atenção às novas áreas, como Baixada Santis-ta e Campinas (sem mencionar a recém criada Região Metropolitana do Vale do Paraíba, Litoral Norte [e Serra da Mantiqueira]), seja pela contínua ênfase na centralidade da

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MOBILIDADE POPULACIONAL E UM NOVO SIGNIFICADO

PARA AS CIDADESDispersão Urbana e reflexiva na

Dinâmica regional não metropolitana

r i c a r D o o j i m ae D U a r D o m a r a n D o l a j r .

r e s U m o Nas últimas duas décadas, especialmente, a maior novidade no processo de urbanização brasileira não vem das grandes metrópoles, que receberam muita atenção em termos de políticas públicas e sociais, da mídia e de pesquisas acadêmicas desde os anos 1970. O processo de migração rural-urbana de longa distância e a urbanização-industrialização que ajudaram a formar as nossas nove metrópoles clássicas hoje parecem assumir novos contornos. Para realizar tal discussão, partiremos de uma compreensão do papel dos deslocamentos pendu-lares na urbanização brasileira, explorando os dados mais recentes no que revelam de novidade na última década (especialmente fora das regiões metropolitanas), passando a seguir para uma reflexão sobre suas consequências em termos dos modos de vida e das repercussões na escala do cotidiano urbano, que passa a ter dimensão regional.

p a l a v r a s - c h a v e Dispersão urbana; deslocamentos pendulares; urba-nização; migrações; demografia; região.

INTRODUÇÃO

Nas últimas duas décadas, especialmente, a maior novidade no processo de ur-banização brasileira não vem das grandes metrópoles, que receberam muita atenção em termos de políticas públicas e sociais, da mídia e de pesquisas acadêmicas desde os anos 1970. O processo de migração rural-urbana de longa distância e a urbanização--industrialização que ajudaram a formar as nossas nove metrópoles clássicas hoje parecem assumir novos contornos.

Desde a década de 1990, vivemos o processo de desconcentração metropolitana (Azzoni, 1986; Baeninger, 1999; Camarano e Beltrão, 2000; Pacheco e Patarra, 1997), ou de desmetropolização (Santos, 1993), nomes dados ao processo de crescimento relativo maior nas áreas periféricas das metrópoles, e não em suas sedes, ou mesmo o crescimento relativo maior de áreas fora de regiões metropolitanas.

Entretanto, a compreensão dos processos urbanos e regionais continua partindo das áreas metropolitanas, sendo elas a proxy privilegiada para explicação de todas as transformações no sistema urbano. No caso de São Paulo, por exemplo, prevalece a atenção nas áreas metropolitanas, seja pela atenção às novas áreas, como Baixada Santis-ta e Campinas (sem mencionar a recém criada Região Metropolitana do Vale do Paraíba, Litoral Norte [e Serra da Mantiqueira]), seja pela contínua ênfase na centralidade da

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Região Metropolitana de São Paulo (agora com uma forte tendência a ser compreen-dida como macrometrópole, o que amplia para uma região de mais de 100 municípios sua área de influência direta) que ocupa boa parte dos recursos financeiros para gestão, pesquisa e políticas públicas.

Esta contínua atenção às metrópoles e às suas regiões metropolitanas produziu um forte viés de análise na bibliografia sobre urbanização, cidades e planejamento urbano e regional, que reverberou, a partir dos anos 1970, no surgimento de áreas específicas de pesquisa e de políticas públicas destinadas às pequenas e médias cidades, o que atestou a ausência destas outras escalas urbanas na discussão. É como se os processos fora dos espaços metropolitanos fossem meras reverberações daquilo que ocorria no centro da metrópole; versões menores dos grandes processos.

No entanto, com a forte desconcentração metropolitana, e a ampliação dos meios de mobilidade e comunicação, assistimos a uma complexificação da rede urbana a partir da qual o sentido de cidade e região é redefinido não a partir da metrópole, mas das cidades pequenas e médias, que passam a se articular de maneira mais intensa e sem a mediação metropolitana. Deslocamentos cotidianos horizontais entre cidades pequenas ou entre cidades médias, ou entre médias e pequenas, com uma pluralidade de orientações e des-tinos apresenta novas dinâmicas no urbano não metropolitano que ainda não estão bem delineadas, e que não passam necessariamente pelos espaços metropolitanos centrais. Em outras palavras, há processos novos que têm se difundido pela rede urbana brasileira, que não são comandados pelas metrópoles, embora, evidentemente, estejam conectados às redes e sistemas que organizam toda a estrutura urbana nacional.

Estamos pensando especificamente, neste caso, na relação entre mobilidade espacial da população e dispersão urbana, características históricas das regiões metropolitanas e, conforme mostram os dados sobre deslocamentos pendulares do Censo Demográfico 2010 em comparação com os de 2000, cada vez mais presentes e importantes na organi-zação dos espaços nas áreas não metropolitanas, em todas as regiões brasileiras.

Este dado aponta para a generalização do estilo de vida baseado na mobilidade, que integra cidades em cidades-região, constituindo um espaço vivido regional (Frémont, 1980) no qual o próprio cotidiano é estruturado. Ao invés do crescimento urbano sem limites, ou da migração como saída para acessar bens, serviços ou o próprio mercado de trabalho, a pendularidade (e ainda outros deslocamentos de curta duração que o Censo Demográfico não capta) passa a integrar as possibilidades das famílias, alterando signifi-cativamente as relações entre o urbano e o regional, para além das grandes metrópoles.

Na Europa e nos Estados Unidos, muitos autores têm apontado a importância crescente de uma sociedade em movimento, ou sociedade da mobilidade, que colocaria a mobilidade como um novo paradigma das ciências sociais (Urry, 2007; Orfeuil, 2008). Isso levanta questões fundamentais para o sentido da cidade contemporânea, produzin-do o que Hassenpflug (2012) classifica como urbanização reflexiva. Ou seja, a busca de reconciliação entre modernidade e tradição. No caso brasileiro, esta reflexividade busca não apenas conciliar o tradicional com o novo, mas sobretudo as formas históricas de desigualdade com as novas demandas de mercado, colocando igualmente a mobilidade no centro da reestruturação das cidades e das regiões, mas com questões e problemas não necessariamente coincidentes com os países de urbanização consolidada.

Para realizar tal discussão, partiremos de uma compreensão do papel dos desloca-mentos pendulares na urbanização brasileira, explorando os dados mais recentes no que revelam de novidade na última década (especialmente fora das regiões metropolitanas),

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para, em seguida, analisar as suas consequências em termos dos modos de vida e das reper-cussões na escala do cotidiano urbano, que passam a ter dimensão regional.

URBANIzAÇÃO E DESLOCAMENTOS PENDULARES

A transição urbana brasileira é um fato consolidado. Desde meados da década de 1960 o país já apresentava um contingente populacional majoritariamente vivendo em áreas urbanas, entretanto, essa transição urbana apresenta características particulares quan-do analisamos o processo a partir de classes de tamanho da população. As migrações inter--regionais de longa distância, caracterizadas pelo fluxo rural-urbano da região Nordeste para o Sudeste do país, foram significativas e concorreram para que houvesse uma grande concentração da população nas cidades-pólo das principais regiões metropolitanas do país, notadamente São Paulo e Rio de Janeiro (Martine, 1994; Oliveira e Oliveira, 2011).

Com isso, a urbanização brasileira foi marcada pelo crescimento populacional das grandes cidades, embora ainda nos anos 70, os municípios menores abrigassem uma proporção de pessoas significativa, cerca de 54% da população em áreas urbanas do país. Assim, a partir da Tabela 1 podemos confirmar que apesar do elevado grau de urbanização para o país como um todo, nos municípios menores essa transição para uma condição predominantemente urbana ocorreu mais recentemente, pois enquanto nos municípios com mais de 500 mil habitantes o grau de urbanização era da ordem de 99% em 2010, nos municípios de até 5 mil, essa proporção era apenas de 56%.

Essa condição urbana reforça o consenso de que a urbanização brasileira acontece apenas nas grandes cidades, mas nos últimos anos essa percepção tem mudado de maneira significativa, pois não apenas se completa a transição urbana (passagem para uma popu-lação predominantemente urbana) nessas pequenas localidades, mas também temos uma mudança importante nos modos de vida da população brasileira. Uma urbanização que extrapola os limites da cidade e avança sobre uma nova lógica de uso e consumo do espaço apoiado em transformações sociais e econômicas do país na última década (Ojima, 2006; Monte-Mor, 2006; Martine, 2007).

Tabela 1 – Grau de urbanização segundo classes de tamanho da população, 1970 a 2010

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1970 a 2010.

Uma das principais mudanças que podemos observar na dinâmica da população brasileira é o aumento do volume e representatividade dos fluxos de deslocamentos pen-dulares. A pendularidade (como é mais usualmente chamada) é equivalente ao conceito

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Região Metropolitana de São Paulo (agora com uma forte tendência a ser compreen-dida como macrometrópole, o que amplia para uma região de mais de 100 municípios sua área de influência direta) que ocupa boa parte dos recursos financeiros para gestão, pesquisa e políticas públicas.

Esta contínua atenção às metrópoles e às suas regiões metropolitanas produziu um forte viés de análise na bibliografia sobre urbanização, cidades e planejamento urbano e regional, que reverberou, a partir dos anos 1970, no surgimento de áreas específicas de pesquisa e de políticas públicas destinadas às pequenas e médias cidades, o que atestou a ausência destas outras escalas urbanas na discussão. É como se os processos fora dos espaços metropolitanos fossem meras reverberações daquilo que ocorria no centro da metrópole; versões menores dos grandes processos.

No entanto, com a forte desconcentração metropolitana, e a ampliação dos meios de mobilidade e comunicação, assistimos a uma complexificação da rede urbana a partir da qual o sentido de cidade e região é redefinido não a partir da metrópole, mas das cidades pequenas e médias, que passam a se articular de maneira mais intensa e sem a mediação metropolitana. Deslocamentos cotidianos horizontais entre cidades pequenas ou entre cidades médias, ou entre médias e pequenas, com uma pluralidade de orientações e des-tinos apresenta novas dinâmicas no urbano não metropolitano que ainda não estão bem delineadas, e que não passam necessariamente pelos espaços metropolitanos centrais. Em outras palavras, há processos novos que têm se difundido pela rede urbana brasileira, que não são comandados pelas metrópoles, embora, evidentemente, estejam conectados às redes e sistemas que organizam toda a estrutura urbana nacional.

Estamos pensando especificamente, neste caso, na relação entre mobilidade espacial da população e dispersão urbana, características históricas das regiões metropolitanas e, conforme mostram os dados sobre deslocamentos pendulares do Censo Demográfico 2010 em comparação com os de 2000, cada vez mais presentes e importantes na organi-zação dos espaços nas áreas não metropolitanas, em todas as regiões brasileiras.

Este dado aponta para a generalização do estilo de vida baseado na mobilidade, que integra cidades em cidades-região, constituindo um espaço vivido regional (Frémont, 1980) no qual o próprio cotidiano é estruturado. Ao invés do crescimento urbano sem limites, ou da migração como saída para acessar bens, serviços ou o próprio mercado de trabalho, a pendularidade (e ainda outros deslocamentos de curta duração que o Censo Demográfico não capta) passa a integrar as possibilidades das famílias, alterando signifi-cativamente as relações entre o urbano e o regional, para além das grandes metrópoles.

Na Europa e nos Estados Unidos, muitos autores têm apontado a importância crescente de uma sociedade em movimento, ou sociedade da mobilidade, que colocaria a mobilidade como um novo paradigma das ciências sociais (Urry, 2007; Orfeuil, 2008). Isso levanta questões fundamentais para o sentido da cidade contemporânea, produzin-do o que Hassenpflug (2012) classifica como urbanização reflexiva. Ou seja, a busca de reconciliação entre modernidade e tradição. No caso brasileiro, esta reflexividade busca não apenas conciliar o tradicional com o novo, mas sobretudo as formas históricas de desigualdade com as novas demandas de mercado, colocando igualmente a mobilidade no centro da reestruturação das cidades e das regiões, mas com questões e problemas não necessariamente coincidentes com os países de urbanização consolidada.

Para realizar tal discussão, partiremos de uma compreensão do papel dos desloca-mentos pendulares na urbanização brasileira, explorando os dados mais recentes no que revelam de novidade na última década (especialmente fora das regiões metropolitanas),

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para, em seguida, analisar as suas consequências em termos dos modos de vida e das reper-cussões na escala do cotidiano urbano, que passam a ter dimensão regional.

URBANIzAÇÃO E DESLOCAMENTOS PENDULARES

A transição urbana brasileira é um fato consolidado. Desde meados da década de 1960 o país já apresentava um contingente populacional majoritariamente vivendo em áreas urbanas, entretanto, essa transição urbana apresenta características particulares quan-do analisamos o processo a partir de classes de tamanho da população. As migrações inter--regionais de longa distância, caracterizadas pelo fluxo rural-urbano da região Nordeste para o Sudeste do país, foram significativas e concorreram para que houvesse uma grande concentração da população nas cidades-pólo das principais regiões metropolitanas do país, notadamente São Paulo e Rio de Janeiro (Martine, 1994; Oliveira e Oliveira, 2011).

Com isso, a urbanização brasileira foi marcada pelo crescimento populacional das grandes cidades, embora ainda nos anos 70, os municípios menores abrigassem uma proporção de pessoas significativa, cerca de 54% da população em áreas urbanas do país. Assim, a partir da Tabela 1 podemos confirmar que apesar do elevado grau de urbanização para o país como um todo, nos municípios menores essa transição para uma condição predominantemente urbana ocorreu mais recentemente, pois enquanto nos municípios com mais de 500 mil habitantes o grau de urbanização era da ordem de 99% em 2010, nos municípios de até 5 mil, essa proporção era apenas de 56%.

Essa condição urbana reforça o consenso de que a urbanização brasileira acontece apenas nas grandes cidades, mas nos últimos anos essa percepção tem mudado de maneira significativa, pois não apenas se completa a transição urbana (passagem para uma popu-lação predominantemente urbana) nessas pequenas localidades, mas também temos uma mudança importante nos modos de vida da população brasileira. Uma urbanização que extrapola os limites da cidade e avança sobre uma nova lógica de uso e consumo do espaço apoiado em transformações sociais e econômicas do país na última década (Ojima, 2006; Monte-Mor, 2006; Martine, 2007).

Tabela 1 – Grau de urbanização segundo classes de tamanho da população, 1970 a 2010

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1970 a 2010.

Uma das principais mudanças que podemos observar na dinâmica da população brasileira é o aumento do volume e representatividade dos fluxos de deslocamentos pen-dulares. A pendularidade (como é mais usualmente chamada) é equivalente ao conceito

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de “commuting” e se refere aos deslocamentos da população entre local de residência e demais atividades cotidianas, principalmente para trabalho (Antico, 2004; Aranha, 2005). O Censo Demográfico brasileiro registra essa informação desde 1980 (com exceção de 1991) e registra o volume de deslocamentos quando o município de trabalho1 é diferente daquele em que o indivíduo reside (Branco, Firkowski e Moura, 2005).

Em termos absolutos, o volume de pessoas que realizam deslocamentos pendulares no Brasil passou de 7,3 milhões de pessoas em 2000 para 11 milhões em 2010. O que em termos relativos representa uma evolução de 4,3% para 5,8%, respectivamente. Como apontado por Branco, Firkowski e Moura (2005), essa modalidade de movimentos popu-lacionais é uma característica marcante dos aglomerados urbanos e regiões metropolitanos, entretanto, desde o ano 2000 os municípios com maior proporção de deslocamentos pendulares estão localizados fora de regiões metropolitanas (Ojima, Silva e Pereira, 2007). Assim, o estigma de cidades-dormitório em regiões metropolitanas se expande para outras regiões e tornam mais complexa a análise das configurações urbano-regionais com carac-terísticas diferentes daquelas encontradas nas metrópoles (Ojima et al., 2010) e que, por essa razão, merecerão um destaque neste artigo.

Figura 1 – Proporção de deslocamentos pendulares pelo total da população dos municí-pios de residência, 2010

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2010

A Figura 1 ilustra como o peso relativo dos deslocamentos pendulares se distribui de maneira importante nos municípios em todo o país e não apenas em locais isolados ou regiões metropolitanas. A comparação com os dados do Censo 2000 confirmam, ainda, que essa desconcentração dos deslocamentos pendulares para o interior do país é um pro-

1 A partir de 2010 a infor-mação sobre trabalho e es-tudo foram desmembradas, questionando-se separada-mente os deslocamentos para cada atividade e foram registrados se tais deslo-camentos são de retorno diário ao domicílio e tam-bém informações sobre o tempo de deste deslocamen-to. Para fins desta análise consideraremos apenas os deslocamentos pendulares entre municípios brasileiros, desconsiderando os movi-mentos internacionais.

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cesso em curso e que pode se tornar cada vez mais importante. Esses elementos colocam em evidência a necessidade de refletirmos sobre, pelo menos, uma questão importante: Há evidências de uma nova forma de pensar o urbano a partir do modo como as pessoas se deslocam entre os espaços de vida cotidiana?

Enquanto o Brasil teve um crescimento percentual de 12% na população total, os deslocamentos pendulares apresentaram uma variação muito mais expressiva, aumentan-do cerca de 50%. O destaque principal é a variação dos deslocamentos pendulares que ocorreram na região Centro-Oeste que aumentou 83% entre 2000 e 2010. A expansão recente das atividades agropecuárias no Centro-Oeste dentro de uma estrutura produtiva moderna baseada em uma cadeia produtiva complexa e complementar com a soja, pro-cessamento de grãos, avicultura e gado bovino, torna-se um elemento fundamental para a compreensão da ampliação do tecido urbano e da dinâmica urbano-regional (D’Antona e Dal Gallo, 2011; Guimarães e Leme, 2002).

A região Sudeste ainda é a que concentra a maior parte dos deslocamentos pendula-res, representando cerca de 53% de toda a movimentação de pessoas entre municípios de residência e trabalho diferentes. Mas essa participação do Sudeste diminuiu sensivelmente entre 2000 (56%) e 2010, como resultado da intensificação destes deslocamentos pen-dulares nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, já que a participação da região Sul permaneceu constante no período. Embora possamos afirmar que o aumento no volume de deslocamentos pendulares no país seja um fenômeno metropolitano e concentrado na região Sudeste, onde estão as principais metrópoles brasileiras, o impacto desses desloca-mentos na população de cada região não se distribui na mesma proporção.

Se analisarmos o percentual de pessoas que realizam deslocamentos pendulares pe-lo total da população do município, notamos que as mudanças são significativas tanto quando consideramos os municípios onde residem quanto nos municípios de destino do deslocamento. Os municípios de 100 mil a 500 mil habitantes continuam sendo os que apresentam maior percentual da sua população se deslocando para outros municípios, mas destaca-se o fato de que municípios menores tiveram um acréscimo importante, sendo que os municípios de até 5 mil habitantes foram os que tiveram maior incremento no peso relativo destes deslocamentos em relação à população total do município (ver Tabela 2). Surpreende ainda o fato de que quando analisamos os municípios de destino do deslocamento, os municípios pequenos também apresentam uma capacidade de atração de importante impacto na população do local de destino, sendo essa talvez a principal mudança entre 2000 e 2010.

Como podemos ver na Tabela 2, a participação dos deslocamentos pendulares na população dos pequenos municípios em 2000 não era tão menor do que os valores en-contrados em 2010. Revela-se aqui uma novidade: ao invés de predominar a baixa procura por tais municípios, com baixo dinamismo econômico e, supõe-se, poucas oportunidades de emprego, quando observamos os dados do peso relativo de deslocamentos pendulares nos municípios de destino, notamos que praticamente dobrou o peso relativo desses des-locamentos nos municípios de classes de tamanho até a faixa dos 50 mil habitantes. Assim, para o ano de 2010, os municípios pequenos já apresentam um impacto significativo de pessoas provenientes de outros municípios para trabalhar, apontando para alterações na rede urbana e na difusão de serviços favorecendo a desconcentração. Na prática, estes mu-nicípios pequenos estão sendo incluídos no rol de possibilidades e destinos, dinamizando trocas intra-regionais e trocas entre municípios de mesmo nível hierárquico.

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de “commuting” e se refere aos deslocamentos da população entre local de residência e demais atividades cotidianas, principalmente para trabalho (Antico, 2004; Aranha, 2005). O Censo Demográfico brasileiro registra essa informação desde 1980 (com exceção de 1991) e registra o volume de deslocamentos quando o município de trabalho1 é diferente daquele em que o indivíduo reside (Branco, Firkowski e Moura, 2005).

Em termos absolutos, o volume de pessoas que realizam deslocamentos pendulares no Brasil passou de 7,3 milhões de pessoas em 2000 para 11 milhões em 2010. O que em termos relativos representa uma evolução de 4,3% para 5,8%, respectivamente. Como apontado por Branco, Firkowski e Moura (2005), essa modalidade de movimentos popu-lacionais é uma característica marcante dos aglomerados urbanos e regiões metropolitanos, entretanto, desde o ano 2000 os municípios com maior proporção de deslocamentos pendulares estão localizados fora de regiões metropolitanas (Ojima, Silva e Pereira, 2007). Assim, o estigma de cidades-dormitório em regiões metropolitanas se expande para outras regiões e tornam mais complexa a análise das configurações urbano-regionais com carac-terísticas diferentes daquelas encontradas nas metrópoles (Ojima et al., 2010) e que, por essa razão, merecerão um destaque neste artigo.

Figura 1 – Proporção de deslocamentos pendulares pelo total da população dos municí-pios de residência, 2010

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2010

A Figura 1 ilustra como o peso relativo dos deslocamentos pendulares se distribui de maneira importante nos municípios em todo o país e não apenas em locais isolados ou regiões metropolitanas. A comparação com os dados do Censo 2000 confirmam, ainda, que essa desconcentração dos deslocamentos pendulares para o interior do país é um pro-

1 A partir de 2010 a infor-mação sobre trabalho e es-tudo foram desmembradas, questionando-se separada-mente os deslocamentos para cada atividade e foram registrados se tais deslo-camentos são de retorno diário ao domicílio e tam-bém informações sobre o tempo de deste deslocamen-to. Para fins desta análise consideraremos apenas os deslocamentos pendulares entre municípios brasileiros, desconsiderando os movi-mentos internacionais.

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cesso em curso e que pode se tornar cada vez mais importante. Esses elementos colocam em evidência a necessidade de refletirmos sobre, pelo menos, uma questão importante: Há evidências de uma nova forma de pensar o urbano a partir do modo como as pessoas se deslocam entre os espaços de vida cotidiana?

Enquanto o Brasil teve um crescimento percentual de 12% na população total, os deslocamentos pendulares apresentaram uma variação muito mais expressiva, aumentan-do cerca de 50%. O destaque principal é a variação dos deslocamentos pendulares que ocorreram na região Centro-Oeste que aumentou 83% entre 2000 e 2010. A expansão recente das atividades agropecuárias no Centro-Oeste dentro de uma estrutura produtiva moderna baseada em uma cadeia produtiva complexa e complementar com a soja, pro-cessamento de grãos, avicultura e gado bovino, torna-se um elemento fundamental para a compreensão da ampliação do tecido urbano e da dinâmica urbano-regional (D’Antona e Dal Gallo, 2011; Guimarães e Leme, 2002).

A região Sudeste ainda é a que concentra a maior parte dos deslocamentos pendula-res, representando cerca de 53% de toda a movimentação de pessoas entre municípios de residência e trabalho diferentes. Mas essa participação do Sudeste diminuiu sensivelmente entre 2000 (56%) e 2010, como resultado da intensificação destes deslocamentos pen-dulares nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, já que a participação da região Sul permaneceu constante no período. Embora possamos afirmar que o aumento no volume de deslocamentos pendulares no país seja um fenômeno metropolitano e concentrado na região Sudeste, onde estão as principais metrópoles brasileiras, o impacto desses desloca-mentos na população de cada região não se distribui na mesma proporção.

Se analisarmos o percentual de pessoas que realizam deslocamentos pendulares pe-lo total da população do município, notamos que as mudanças são significativas tanto quando consideramos os municípios onde residem quanto nos municípios de destino do deslocamento. Os municípios de 100 mil a 500 mil habitantes continuam sendo os que apresentam maior percentual da sua população se deslocando para outros municípios, mas destaca-se o fato de que municípios menores tiveram um acréscimo importante, sendo que os municípios de até 5 mil habitantes foram os que tiveram maior incremento no peso relativo destes deslocamentos em relação à população total do município (ver Tabela 2). Surpreende ainda o fato de que quando analisamos os municípios de destino do deslocamento, os municípios pequenos também apresentam uma capacidade de atração de importante impacto na população do local de destino, sendo essa talvez a principal mudança entre 2000 e 2010.

Como podemos ver na Tabela 2, a participação dos deslocamentos pendulares na população dos pequenos municípios em 2000 não era tão menor do que os valores en-contrados em 2010. Revela-se aqui uma novidade: ao invés de predominar a baixa procura por tais municípios, com baixo dinamismo econômico e, supõe-se, poucas oportunidades de emprego, quando observamos os dados do peso relativo de deslocamentos pendulares nos municípios de destino, notamos que praticamente dobrou o peso relativo desses des-locamentos nos municípios de classes de tamanho até a faixa dos 50 mil habitantes. Assim, para o ano de 2010, os municípios pequenos já apresentam um impacto significativo de pessoas provenientes de outros municípios para trabalhar, apontando para alterações na rede urbana e na difusão de serviços favorecendo a desconcentração. Na prática, estes mu-nicípios pequenos estão sendo incluídos no rol de possibilidades e destinos, dinamizando trocas intra-regionais e trocas entre municípios de mesmo nível hierárquico.

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Tabela 1 – Participação dos deslocamentos pendulares na população total do município de origem e de destino segundo classes de tamanho da população nos municípios, 2000 e 2010.

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2000 e 2010.

Assim, a principal mudança que podemos perceber na última década é que há uma nítida incorporação dos deslocamentos pendulares à dinâmica de todas as classes de mu-nicípios, indicando que há uma disseminação do modelo de articulação regional baseado na expansão dos espaços de vida e das localizações descentralizadas, garantidas pelas novas tecnologias de comunicação e transporte e sua articulação com o mercado imobiliário (Ascher, 1995; Monclús, 1998; Marandola Jr., 2011) que se expande nas diferentes regiões do país, com maior ou menor intensidade. Mesmo que os deslocamentos pendulares ainda sejam predominantemente metropolitanos, essa importância diminuiu ao longo da década de 2000 (ver Gráfico 1), confirmando que há evidências de que a rede urbana brasileira não apenas se interioriza em termos de desenvolvimento econômico, mas também pela dinâmica demográfica conectada entre municípios de regiões não metropolitanas.

Mas isso não é apenas reflexo de um processo de polarização estendida das metrópo-les, no qual a atração dos municípios de regiões metropolitanas teria atingido municípios mais distantes e que não fazem parte do conjunto de municípios que compõem as suas regiões metropolitanas. Podemos ver no Gráfico 1 que quando consideramos os municí-pios de destino dos deslocamentos pendulares, também há um aumento da participação dos municípios que atraem mão-de-obra de outros municípios e estão fora de regiões metropolitanas. Assim, podemos supor que novos municípios não metropolitanos estão polarizando regiões e, com isso, atraindo fluxos de deslocamentos pendulares dos municí-pios próximos, como já havíamos mencionado pela análise da Figura 1.

Assim, podemos afirmar que a expansão urbana brasileira assume novos contornos derivados de mudanças importantes na esfera da vida cotidiana. Há uma ampliação dos espaços de vida da população (Marandola Jr, 2005; 2008; 2011) que estão relacionados diretamente à morfologia do espaço urbano-regional (Marandola Jr., 2010), mas que já não se limitam aos contextos metropolitanos. Antes a expansão urbana praticamente se dava a partir do crescimento de uma mancha urbana contínua a se espraiar a partir do que identificávamos enquanto cidade sobre o espaço não urbanizado. Hoje esta disseminação dá-se de forma fragmentada sem que haja necessariamente continuidade física entre os núcleos urbanos, e atribui novos significados ao espaço urbano (Limonad, 2005; Ojima, 2007; 2008; Hogan e Ojima, 2008; Reis, 2006).

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Gráfico 1 – Participação dos deslocamentos pendulares dentro e fora de regiões metropo-litanas por município de origem e de destino da pendularidade, 2000 e 2010.

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2000 e 2010.

Diferente do processo de peri-urbanização (Santoro e Bonduki, 2009; Ojima e Ho-gan, 2008), a dispersão atual é uma dimensão da expansão urbana que não é vinculada ao crescimento da mancha urbana, pois sua descontinuidade é compensada pela capacidade (ou necessidade) de deslocamento entre áreas urbanas conectadas por fluxos demográfi-cos. Essa descontinuidade seria uma das características do processo de dispersão urbana e sugere um espaço de vida urbano fragmentado espacialmente, mas vivido de maneira comum mesmo em contextos não metropolitanos (Ojima, 2007; Hogan e Ojima, 2008).

Poderíamos também associar este processo à constituição de cidades-dormitório, mas como apontado por Ojima et al. (2010), nem sempre as cidades assim denominadas apre-sentam fluxos de deslocamentos pendulares significativos ou representativos para a popu-lação do município de origem ou de destino. Ou seja, há uma conotação estigmatizada no termo “cidade-dormitório” que, sob a perspectiva dos deslocamentos pendulares, não se constitui como uma evidência empírica, mas como uma forma de associar o crescimento populacional de algumas cidades dos entornos metropolitanos a partir das características socioeconômicas desfavoráveis da população nelas residentes.

Provavelmente, o desenvolvimento destes fluxos intensos de deslocamentos pen-dulares em contextos não metropolitanos país adentro, esteja mais associado à noção de cidades-região (Scott et al., 2001), pois a dinâmica econômica de um conjunto de municí-pios passa cada vez mais a depender dos fluxos sociais, políticos e demográficos entre eles. Mas se essa dimensão da dispersão urbana extrapola os contextos metropolitanos, onde a duras penas as políticas públicas buscam dar conta de demandas sociais compartilhadas entre os municípios, quais as questões que emergem para o planejamento urbano e re-gional? A seguir veremos como se caracteriza essa dinâmica de deslocamentos pendulares fora de regiões metropolitanas para então compreender alguns aspectos nessa modalidade de urbanização dispersa.

A INTEGRAÇÃO INFORMAL E A FLExIBILIzAÇÃO DA VIDA COTIDIANA

Para avançar na análise da importância desses deslocamentos pendulares enquanto uma nova forma de ocupar e viver a cidade, realizaremos uma análise específica sobre

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Tabela 1 – Participação dos deslocamentos pendulares na população total do município de origem e de destino segundo classes de tamanho da população nos municípios, 2000 e 2010.

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2000 e 2010.

Assim, a principal mudança que podemos perceber na última década é que há uma nítida incorporação dos deslocamentos pendulares à dinâmica de todas as classes de mu-nicípios, indicando que há uma disseminação do modelo de articulação regional baseado na expansão dos espaços de vida e das localizações descentralizadas, garantidas pelas novas tecnologias de comunicação e transporte e sua articulação com o mercado imobiliário (Ascher, 1995; Monclús, 1998; Marandola Jr., 2011) que se expande nas diferentes regiões do país, com maior ou menor intensidade. Mesmo que os deslocamentos pendulares ainda sejam predominantemente metropolitanos, essa importância diminuiu ao longo da década de 2000 (ver Gráfico 1), confirmando que há evidências de que a rede urbana brasileira não apenas se interioriza em termos de desenvolvimento econômico, mas também pela dinâmica demográfica conectada entre municípios de regiões não metropolitanas.

Mas isso não é apenas reflexo de um processo de polarização estendida das metrópo-les, no qual a atração dos municípios de regiões metropolitanas teria atingido municípios mais distantes e que não fazem parte do conjunto de municípios que compõem as suas regiões metropolitanas. Podemos ver no Gráfico 1 que quando consideramos os municí-pios de destino dos deslocamentos pendulares, também há um aumento da participação dos municípios que atraem mão-de-obra de outros municípios e estão fora de regiões metropolitanas. Assim, podemos supor que novos municípios não metropolitanos estão polarizando regiões e, com isso, atraindo fluxos de deslocamentos pendulares dos municí-pios próximos, como já havíamos mencionado pela análise da Figura 1.

Assim, podemos afirmar que a expansão urbana brasileira assume novos contornos derivados de mudanças importantes na esfera da vida cotidiana. Há uma ampliação dos espaços de vida da população (Marandola Jr, 2005; 2008; 2011) que estão relacionados diretamente à morfologia do espaço urbano-regional (Marandola Jr., 2010), mas que já não se limitam aos contextos metropolitanos. Antes a expansão urbana praticamente se dava a partir do crescimento de uma mancha urbana contínua a se espraiar a partir do que identificávamos enquanto cidade sobre o espaço não urbanizado. Hoje esta disseminação dá-se de forma fragmentada sem que haja necessariamente continuidade física entre os núcleos urbanos, e atribui novos significados ao espaço urbano (Limonad, 2005; Ojima, 2007; 2008; Hogan e Ojima, 2008; Reis, 2006).

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Gráfico 1 – Participação dos deslocamentos pendulares dentro e fora de regiões metropo-litanas por município de origem e de destino da pendularidade, 2000 e 2010.

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2000 e 2010.

Diferente do processo de peri-urbanização (Santoro e Bonduki, 2009; Ojima e Ho-gan, 2008), a dispersão atual é uma dimensão da expansão urbana que não é vinculada ao crescimento da mancha urbana, pois sua descontinuidade é compensada pela capacidade (ou necessidade) de deslocamento entre áreas urbanas conectadas por fluxos demográfi-cos. Essa descontinuidade seria uma das características do processo de dispersão urbana e sugere um espaço de vida urbano fragmentado espacialmente, mas vivido de maneira comum mesmo em contextos não metropolitanos (Ojima, 2007; Hogan e Ojima, 2008).

Poderíamos também associar este processo à constituição de cidades-dormitório, mas como apontado por Ojima et al. (2010), nem sempre as cidades assim denominadas apre-sentam fluxos de deslocamentos pendulares significativos ou representativos para a popu-lação do município de origem ou de destino. Ou seja, há uma conotação estigmatizada no termo “cidade-dormitório” que, sob a perspectiva dos deslocamentos pendulares, não se constitui como uma evidência empírica, mas como uma forma de associar o crescimento populacional de algumas cidades dos entornos metropolitanos a partir das características socioeconômicas desfavoráveis da população nelas residentes.

Provavelmente, o desenvolvimento destes fluxos intensos de deslocamentos pen-dulares em contextos não metropolitanos país adentro, esteja mais associado à noção de cidades-região (Scott et al., 2001), pois a dinâmica econômica de um conjunto de municí-pios passa cada vez mais a depender dos fluxos sociais, políticos e demográficos entre eles. Mas se essa dimensão da dispersão urbana extrapola os contextos metropolitanos, onde a duras penas as políticas públicas buscam dar conta de demandas sociais compartilhadas entre os municípios, quais as questões que emergem para o planejamento urbano e re-gional? A seguir veremos como se caracteriza essa dinâmica de deslocamentos pendulares fora de regiões metropolitanas para então compreender alguns aspectos nessa modalidade de urbanização dispersa.

A INTEGRAÇÃO INFORMAL E A FLExIBILIzAÇÃO DA VIDA COTIDIANA

Para avançar na análise da importância desses deslocamentos pendulares enquanto uma nova forma de ocupar e viver a cidade, realizaremos uma análise específica sobre

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como ocorre essa dinâmica fora de contextos de regiões metropolitanas. Embora os deslo-camentos pendulares sejam praticamente de existência pressuposta em regiões metropoli-tanas, essa informação não é utilizada para a construção de critérios de definição de regiões metropolitanas no Brasil. Em verdade, não existem critérios comuns estabelecidos para definir oficialmente as regiões metropolitanas brasileiras, o que suscita diversos desafios em termos de análises comparativas.

Logo após a Constituição Federal de 1988, as regiões metropolitanas que até então eram nove (criadas por legislação federal em 1973/1974) passaram a ser 26, além das áreas de expansão e dos colares metropolitanos que compõem oficialmente algumas dessas regi-ões. Mas esse aumento significativo não é necessariamente consequência da intensificação (ou da identificação extemporânea) de processos de metropolização no Brasil. Trata-se de uma alteração no caráter político de criação institucional de regiões metropolitanas, pois a partir de então as Unidades da Federação passariam a ter autonomia para definir quantas e como se constituiriam suas regiões metropolitanas.

Sendo assim, é possível que alguns municípios que não fazem parte da área de influ-ência de uma região metropolitana tenham uma dinâmica de deslocamentos pendulares mais significativa e importante para o desenvolvimento econômico regional e organização da vida cotidiana. Ademais, em municípios fora de regiões metropolitanas, o impacto do aumento no volume e peso relativo dos deslocamentos pendulares pode ter uma di-mensão muito maior, pois aos pequenos e médios municípios de origem e de destino dos deslocamentos pendulares faltam recursos financeiros e, principalmente, infraestrutura física e institucional para enfrentar desafios que são compartilhados entre um ou mais municípios.

Tabela 3 – Distribuição dos municípios fora de regiões metropolitanas segundo a propor-ção de pessoas que realizam deslocamentos pendulares sobre o total da população residen-te no município de origem e no município de destino, 2000 e 2010.

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2000 e 2010.

Pode-se perceber que, considerando os municípios de origem dos deslocamentos pendulares, houve uma diminuição da participação de municípios com baixa pendularida-de (com menos de 2% da sua população realizando deslocamentos pendulares para outros municípios). Notadamente, o grupo de municípios de alta pendularidade (mais de 10%) cresceu muito tanto em termos absolutos como em participação, passando de 4,2% para 9,7% entre 2000 e 2010. O mesmo ocorreu para os municípios com média-alta pendu-laridade, passando de 14,8% para 23,7% no período. Essa informação demonstra que o aumento da mobilidade da população entre municípios distintos para trabalho não é um fenômeno exclusivo de regiões metropolitanas.

Afinal, se a metrópole é, entre outras coisas, um conjunto de municípios que parti-lham de interesses comuns, a existência de municípios de alta pendularidade fora de con-textos metropolitanos é uma questão que merece atenção em termos de políticas públicas

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compartilhadas e de planejamento urbano e regional. Essa questão se confirma quando analisamos os deslocamentos pendulares a partir dos municípios de destino, pois entre 2000 e 2010 passa de 41 para 181 o número de municípios fora de regiões metropolitanas que recebem um volume de deslocamentos pendulares que corresponde a mais de 10% da sua população residente. Podem não apresentar volumes absolutos elevados de deslo-camentos pendulares, mas representam papel significativo na dinâmica destes municípios.

Dada a diversidade das causas e explicações possíveis para a polarização e atrativi-dade destes municípios em seus contextos regionais, seria prematuro elaborar hipóteses sem uma análise específica para alguns casos. Mas podemos mencionar aqui alguns casos particulares de municípios não metropolitanos de destino dos deslocamentos como Porto Real (rj) e Gavião Peixoto (sp), onde os deslocamentos pendulares representam mais de 40% da sua pequena população total residente, 16,5 mil e 4,4 mil habitantes em 2010, respectivamente. Ambos não fazem parte de regiões metropolitanas, mas possuem plantas industriais automobilísticas importantes no cenário nacional. Fato que pode explicar a atração desses municípios enquanto pólos regionais de mão-de-obra, mas que efetivamen-te não vai residir no município.

Assim, a flexibilização da atividade econômica produtiva traduz-se em uma trans-formação na dinâmica dos movimentos demográficos. Portanto, a explicação da migra-ção via industrialização já não é suficiente para entender os processos de transformação recente (Baeninger, 2004; Baeninger e Ojima, 2008), pois a instalação de uma nova planta industrial em um pequeno ou médio município pode não ser suficiente para que novos fluxos migratórios sejam criados. Entretanto, a necessidade de mão-de-obra será coberta pelo deslocamento pendular proveniente de municípios do entorno. Nesse sentido, os deslocamentos pendulares desempenham um papel importante na dinâmica das migrações pois são capazes de evitar a necessidade de movimentos permanentes de residência e, portanto, flexibilizando também a posição dos sujeitos dentro de uma dico-tomia migração-pendularidade.

É neste sentido que a urbanização extravasa os limites do tecido urbano e os es-paços de vida da população se expandem privilegiando a fragmentação do tempo de vivenciar tais espaços e diminuindo o potencial dos mecanismos de proteção existencial associados ao lugar e à comunidade (família, bairro) (Marandola Jr, 2010). Assim, na dicotomia migração-pendularidade reside o embrião de uma forma de viver a cidade de maneira mais ampla, mas onde a radicalização da modernidade penetra na política da vida cotidiana e transfere ao indivíduo a decisão e também os riscos dessa escolha. O reflexo socioespacial da flexibilização da atividade industrial, portanto, contribui para engendrar um processo de insegurança social baseada na flexibilização dos riscos calculados pelos sujeitos.

Por outro lado, este aumento do espaço de vida está associado às mudanças nos transportes e comunicação, meios que permitiram esta flexibilização produtiva e, em consequência, estas novas formas urbanas dispersas. Não é mais a suburbanização ame-ricana, mas uma versão caricata dela, “versão clichê”, envolvendo um esvaziamento e abandono relativo da cidade centralizada, em prol dos novos produtos imobiliários que privatizam o espaço público social (Caiafa, 2007). Neste contexto, os próprios lugares se espraiam (são dispersos) (Kolb, 2008), contribuindo para a desagregação e a reformu-lação das formas como as pessoas organizam seu espaço de vida cotidiano a partir das redefinições das centralidades e das novas lógicas de produção do espaço urbano, agora um espaço urbano-regional.

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como ocorre essa dinâmica fora de contextos de regiões metropolitanas. Embora os deslo-camentos pendulares sejam praticamente de existência pressuposta em regiões metropoli-tanas, essa informação não é utilizada para a construção de critérios de definição de regiões metropolitanas no Brasil. Em verdade, não existem critérios comuns estabelecidos para definir oficialmente as regiões metropolitanas brasileiras, o que suscita diversos desafios em termos de análises comparativas.

Logo após a Constituição Federal de 1988, as regiões metropolitanas que até então eram nove (criadas por legislação federal em 1973/1974) passaram a ser 26, além das áreas de expansão e dos colares metropolitanos que compõem oficialmente algumas dessas regi-ões. Mas esse aumento significativo não é necessariamente consequência da intensificação (ou da identificação extemporânea) de processos de metropolização no Brasil. Trata-se de uma alteração no caráter político de criação institucional de regiões metropolitanas, pois a partir de então as Unidades da Federação passariam a ter autonomia para definir quantas e como se constituiriam suas regiões metropolitanas.

Sendo assim, é possível que alguns municípios que não fazem parte da área de influ-ência de uma região metropolitana tenham uma dinâmica de deslocamentos pendulares mais significativa e importante para o desenvolvimento econômico regional e organização da vida cotidiana. Ademais, em municípios fora de regiões metropolitanas, o impacto do aumento no volume e peso relativo dos deslocamentos pendulares pode ter uma di-mensão muito maior, pois aos pequenos e médios municípios de origem e de destino dos deslocamentos pendulares faltam recursos financeiros e, principalmente, infraestrutura física e institucional para enfrentar desafios que são compartilhados entre um ou mais municípios.

Tabela 3 – Distribuição dos municípios fora de regiões metropolitanas segundo a propor-ção de pessoas que realizam deslocamentos pendulares sobre o total da população residen-te no município de origem e no município de destino, 2000 e 2010.

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2000 e 2010.

Pode-se perceber que, considerando os municípios de origem dos deslocamentos pendulares, houve uma diminuição da participação de municípios com baixa pendularida-de (com menos de 2% da sua população realizando deslocamentos pendulares para outros municípios). Notadamente, o grupo de municípios de alta pendularidade (mais de 10%) cresceu muito tanto em termos absolutos como em participação, passando de 4,2% para 9,7% entre 2000 e 2010. O mesmo ocorreu para os municípios com média-alta pendu-laridade, passando de 14,8% para 23,7% no período. Essa informação demonstra que o aumento da mobilidade da população entre municípios distintos para trabalho não é um fenômeno exclusivo de regiões metropolitanas.

Afinal, se a metrópole é, entre outras coisas, um conjunto de municípios que parti-lham de interesses comuns, a existência de municípios de alta pendularidade fora de con-textos metropolitanos é uma questão que merece atenção em termos de políticas públicas

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compartilhadas e de planejamento urbano e regional. Essa questão se confirma quando analisamos os deslocamentos pendulares a partir dos municípios de destino, pois entre 2000 e 2010 passa de 41 para 181 o número de municípios fora de regiões metropolitanas que recebem um volume de deslocamentos pendulares que corresponde a mais de 10% da sua população residente. Podem não apresentar volumes absolutos elevados de deslo-camentos pendulares, mas representam papel significativo na dinâmica destes municípios.

Dada a diversidade das causas e explicações possíveis para a polarização e atrativi-dade destes municípios em seus contextos regionais, seria prematuro elaborar hipóteses sem uma análise específica para alguns casos. Mas podemos mencionar aqui alguns casos particulares de municípios não metropolitanos de destino dos deslocamentos como Porto Real (rj) e Gavião Peixoto (sp), onde os deslocamentos pendulares representam mais de 40% da sua pequena população total residente, 16,5 mil e 4,4 mil habitantes em 2010, respectivamente. Ambos não fazem parte de regiões metropolitanas, mas possuem plantas industriais automobilísticas importantes no cenário nacional. Fato que pode explicar a atração desses municípios enquanto pólos regionais de mão-de-obra, mas que efetivamen-te não vai residir no município.

Assim, a flexibilização da atividade econômica produtiva traduz-se em uma trans-formação na dinâmica dos movimentos demográficos. Portanto, a explicação da migra-ção via industrialização já não é suficiente para entender os processos de transformação recente (Baeninger, 2004; Baeninger e Ojima, 2008), pois a instalação de uma nova planta industrial em um pequeno ou médio município pode não ser suficiente para que novos fluxos migratórios sejam criados. Entretanto, a necessidade de mão-de-obra será coberta pelo deslocamento pendular proveniente de municípios do entorno. Nesse sentido, os deslocamentos pendulares desempenham um papel importante na dinâmica das migrações pois são capazes de evitar a necessidade de movimentos permanentes de residência e, portanto, flexibilizando também a posição dos sujeitos dentro de uma dico-tomia migração-pendularidade.

É neste sentido que a urbanização extravasa os limites do tecido urbano e os es-paços de vida da população se expandem privilegiando a fragmentação do tempo de vivenciar tais espaços e diminuindo o potencial dos mecanismos de proteção existencial associados ao lugar e à comunidade (família, bairro) (Marandola Jr, 2010). Assim, na dicotomia migração-pendularidade reside o embrião de uma forma de viver a cidade de maneira mais ampla, mas onde a radicalização da modernidade penetra na política da vida cotidiana e transfere ao indivíduo a decisão e também os riscos dessa escolha. O reflexo socioespacial da flexibilização da atividade industrial, portanto, contribui para engendrar um processo de insegurança social baseada na flexibilização dos riscos calculados pelos sujeitos.

Por outro lado, este aumento do espaço de vida está associado às mudanças nos transportes e comunicação, meios que permitiram esta flexibilização produtiva e, em consequência, estas novas formas urbanas dispersas. Não é mais a suburbanização ame-ricana, mas uma versão caricata dela, “versão clichê”, envolvendo um esvaziamento e abandono relativo da cidade centralizada, em prol dos novos produtos imobiliários que privatizam o espaço público social (Caiafa, 2007). Neste contexto, os próprios lugares se espraiam (são dispersos) (Kolb, 2008), contribuindo para a desagregação e a reformu-lação das formas como as pessoas organizam seu espaço de vida cotidiano a partir das redefinições das centralidades e das novas lógicas de produção do espaço urbano, agora um espaço urbano-regional.

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Dentro deste contexto, o planejamento urbano e regional deve buscar um novo para-digma, pois o dualismo industrialização/urbanização-migração passa a ser fundamentado por um tripé, onde os deslocamentos pendulares entram como o elemento novo. Sugere-se que mesmo fora dos contextos metropolitanos a cidade tende a ser vivida de modo inten-sivo e efêmero, simultaneamente. Assim, como planejar a cidade que é experimentada por muitos, mas que não é vivenciada localmente, e passa para uma escala ampliada e regional? Sem se considerar os fluxos de deslocamentos pendulares como dinâmica de organização do espaço urbano, não será possível entender completamente quais são os atores envolvi-dos no processo de negociação do uso do espaço.

A crise de paradigma reside na necessidade de entender as características dessas pes-soas, as suas demandas, suas origens e destinos diários para dar conta dos desafios com-partilhados e que, muitas vezes, passam despercebidos pelas políticas públicas que ainda esperam a confirmação de fluxos migratórios segundo experiências anteriores. Portanto, entender a urbanização reflexiva é buscar encontrar na ação de escolhas e decisões dos sujeitos as explicações que silenciosamente avançam sobre os paradigmas da sociedade industrial. Trata-se de entender como as novas interdependências entre individualização e globalização (Beck, 1992) resultam na concretude dos espaços de vida conectados, mas ao mesmo tempo fragmentados.

URBANIzAÇÃO REFLExIVA: UM NOVO SIGNIFICADO PARA AS CIDADES?

A caracterização da urbanização dispersa tem sido tradicionalmente analisada a partir da morfologia urbana: densidade construtiva, fragmentação da mancha urbaniza-da, ordenamento territorial, normatização, etc. Como argumentado por Holanda et al. (2000), os estudos da forma urbana no Brasil tendem a seguir dois caminhos distintos e que poucas vezes se conectam. Aqueles que buscam explicar como as coisas são, através da análise dos processos de produção social do espaço; e outro que assume uma postura normativa e que tende a discutir como as coisas deveriam ser.

A reflexividade da urbanização brasileira, neste momento, é a negociação com seu histórico de exclusão, de produção de periferias distantes e precárias, com novas perife-rias em que o novo busca requalificar o antigo. Assim, convivem nessas novas periferias o antigo assentamento de migrantes trabalhadores que realizam a autoconstrução da moradia e gastam muitas horas no transporte coletivo e os condomínios fechados que vendem o contato com a natureza, na negação da cidade e na superexploração do mer-cado de terras (Costa, 2006). Portanto, a reflexividade está no oferecimento de escolhas mínimas, no acesso aos bens de consumo e sobretudo, na maior difusão e acesso do automóvel individual.

Há uma forte ambivalência entre as mobilidades periferia-centro nas grandes cidades com aqueles deslocamentos entre cidades pequenas ou entre cidades médias e pequenas longe das metrópoles. Nestes casos, predomina o uso do automóvel e multiplicam-se os motivos de viagens, o que torna difícil de acompanhar apenas com os dados disponíveis no quesito de deslocamento pendular do censo (mesmo com a sua ampliação no Censo 2010). Há muito mais animando estas interações espaciais que reverberam o novo sentido de cidade e de região que está sendo gestado ao mesmo tempo em que a dispersão deste es-tilo de vida “on the road” se difunde, atingindo cada vez mais classes sociais. A prioridade

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do transporte individual privatiza o espaço público (Caiafa, 2007) e potencializa a troca da migração pela mobilidade, aumentando a fluidez do espaço e do capital, ao mesmo tempo em que fragiliza os laços e as forças políticas de resistência (Bauman, 2003).

Mas como vimos, a vida cotidiana coloca os sujeitos diante de uma nova ambiva-lência que gera e reproduz riscos sociais e uma fuga constante dos mesmos no nível do indivíduo. Assim, a radicalização da modernidade nos setores de transportes, habitação, consumo, entre outros, passará a fazer parte da agenda da política cotidiana (Giddens, 1991; Beck, 1992; Beck, Giddens e Lash, 1997) e a vida urbana passa a refletir a ação social na forma conectada por vínculos de redes de trabalho, estudo, consumo; mas ao mesmo tempo fragmentada pelos espaços descontínuos do urbano contemporâneo. Como mencionado por Giddens (1991, p.27), “em condições de modernidade [...], os locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais bem distantes deles”, portanto, o distanciamento espaço-tempo da modernidade se torna visível com a ampliação da escala de interações humanas através das cidades, mas sem que seja necessá-rio descaracterizar sua forma física historicamente cristalizada (Soja, 1993).

Uma das expressões da urbanização reflexiva seria, portanto, uma maneira de “urba-nizar” o espaço, mas sem alterar a estruturação física da forma urbana e atribuindo novos significados para a forma de viver as cidades a partir da ampliação dos espaços de vida. A di-cotomia migração-pendularidade se configura como elemento central nessa análise, pois é a partir dessa aproximação que se torna evidente como o urbano contemporâneo é moldado pelo uso flexível das potencialidades de cada contexto regional. Assim, o sujeito individuali-zado absorve e rejeita o risco criado pela modernidade em uma busca constante e cotidiana entre a segurança no local de residência e a proteção simulada no local de trabalho.

Na dispersão, nos deslocamentos que aumentam de importância, a cidade sofre um questionamento profundo, num processo de esvaziamento de sentido. Caiafa (2007) dis-cute o processo ocorrido nos Estados Unidos, no pós-guerra, com o abandono da cidade e suas consequências em termos de sociabilidade; assim como Castel (2011) aponta como uma das origens dos distúrbios promovidos por jovens filhos de migrantes na periferia de Paris em 2005, a própria formação das cidades-dormitório no entorno da Ile de France.

A urbanização brasileira que temos que compreender já é da segunda década do século xxi. Se realmente estamos em tempo de urbanização reflexiva, a transformação da modernidade urbana brasileira se materializa em novos padrões de mobilidade, que permi-tem toda a reestruturação urbano-regional, baseada em mudanças profundas no modo de trabalho e morar tradicional, impactando diretamente as relações sociais e a possibilidade de fazer política nas cidades.

Neste contexto, parece que o novo sentido de cidade é a capacidade de sair dela, de não estar preso a ela, e poder trafegar entre elas, sem a nenhuma se fixar: impermanências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTICO, C. “Deslocamentos pendulares nos espaços sub-regionais da Região Metropo-litana de São Paulo”. In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu. Anais... ABEP: Campinas, 2004.ARANHA, V. “Mobilidade pendular na metrópole paulista”. São Paulo em Perspectiva, v.19, n.4, p.96-109, out./dez.2005.ASCHER, F. Métapolis: ou l’avenir dês villes. Paris: Odile Jacob, 1995.

Ricardo Ojima é sociólogo; doutor em Demografia; pro-fessor na Universidade Fe-deral do Rio Grande do Nor-te (UFRN). E-mail: ricardo. [email protected]

Eduardo Marandola Jr. é geógrafo; doutor em Geo-grafia; professor na Universi-dade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em setembro de 2012 e aprovado para publicação em fevereiro de 2013.

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Dentro deste contexto, o planejamento urbano e regional deve buscar um novo para-digma, pois o dualismo industrialização/urbanização-migração passa a ser fundamentado por um tripé, onde os deslocamentos pendulares entram como o elemento novo. Sugere-se que mesmo fora dos contextos metropolitanos a cidade tende a ser vivida de modo inten-sivo e efêmero, simultaneamente. Assim, como planejar a cidade que é experimentada por muitos, mas que não é vivenciada localmente, e passa para uma escala ampliada e regional? Sem se considerar os fluxos de deslocamentos pendulares como dinâmica de organização do espaço urbano, não será possível entender completamente quais são os atores envolvi-dos no processo de negociação do uso do espaço.

A crise de paradigma reside na necessidade de entender as características dessas pes-soas, as suas demandas, suas origens e destinos diários para dar conta dos desafios com-partilhados e que, muitas vezes, passam despercebidos pelas políticas públicas que ainda esperam a confirmação de fluxos migratórios segundo experiências anteriores. Portanto, entender a urbanização reflexiva é buscar encontrar na ação de escolhas e decisões dos sujeitos as explicações que silenciosamente avançam sobre os paradigmas da sociedade industrial. Trata-se de entender como as novas interdependências entre individualização e globalização (Beck, 1992) resultam na concretude dos espaços de vida conectados, mas ao mesmo tempo fragmentados.

URBANIzAÇÃO REFLExIVA: UM NOVO SIGNIFICADO PARA AS CIDADES?

A caracterização da urbanização dispersa tem sido tradicionalmente analisada a partir da morfologia urbana: densidade construtiva, fragmentação da mancha urbaniza-da, ordenamento territorial, normatização, etc. Como argumentado por Holanda et al. (2000), os estudos da forma urbana no Brasil tendem a seguir dois caminhos distintos e que poucas vezes se conectam. Aqueles que buscam explicar como as coisas são, através da análise dos processos de produção social do espaço; e outro que assume uma postura normativa e que tende a discutir como as coisas deveriam ser.

A reflexividade da urbanização brasileira, neste momento, é a negociação com seu histórico de exclusão, de produção de periferias distantes e precárias, com novas perife-rias em que o novo busca requalificar o antigo. Assim, convivem nessas novas periferias o antigo assentamento de migrantes trabalhadores que realizam a autoconstrução da moradia e gastam muitas horas no transporte coletivo e os condomínios fechados que vendem o contato com a natureza, na negação da cidade e na superexploração do mer-cado de terras (Costa, 2006). Portanto, a reflexividade está no oferecimento de escolhas mínimas, no acesso aos bens de consumo e sobretudo, na maior difusão e acesso do automóvel individual.

Há uma forte ambivalência entre as mobilidades periferia-centro nas grandes cidades com aqueles deslocamentos entre cidades pequenas ou entre cidades médias e pequenas longe das metrópoles. Nestes casos, predomina o uso do automóvel e multiplicam-se os motivos de viagens, o que torna difícil de acompanhar apenas com os dados disponíveis no quesito de deslocamento pendular do censo (mesmo com a sua ampliação no Censo 2010). Há muito mais animando estas interações espaciais que reverberam o novo sentido de cidade e de região que está sendo gestado ao mesmo tempo em que a dispersão deste es-tilo de vida “on the road” se difunde, atingindo cada vez mais classes sociais. A prioridade

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do transporte individual privatiza o espaço público (Caiafa, 2007) e potencializa a troca da migração pela mobilidade, aumentando a fluidez do espaço e do capital, ao mesmo tempo em que fragiliza os laços e as forças políticas de resistência (Bauman, 2003).

Mas como vimos, a vida cotidiana coloca os sujeitos diante de uma nova ambiva-lência que gera e reproduz riscos sociais e uma fuga constante dos mesmos no nível do indivíduo. Assim, a radicalização da modernidade nos setores de transportes, habitação, consumo, entre outros, passará a fazer parte da agenda da política cotidiana (Giddens, 1991; Beck, 1992; Beck, Giddens e Lash, 1997) e a vida urbana passa a refletir a ação social na forma conectada por vínculos de redes de trabalho, estudo, consumo; mas ao mesmo tempo fragmentada pelos espaços descontínuos do urbano contemporâneo. Como mencionado por Giddens (1991, p.27), “em condições de modernidade [...], os locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais bem distantes deles”, portanto, o distanciamento espaço-tempo da modernidade se torna visível com a ampliação da escala de interações humanas através das cidades, mas sem que seja necessá-rio descaracterizar sua forma física historicamente cristalizada (Soja, 1993).

Uma das expressões da urbanização reflexiva seria, portanto, uma maneira de “urba-nizar” o espaço, mas sem alterar a estruturação física da forma urbana e atribuindo novos significados para a forma de viver as cidades a partir da ampliação dos espaços de vida. A di-cotomia migração-pendularidade se configura como elemento central nessa análise, pois é a partir dessa aproximação que se torna evidente como o urbano contemporâneo é moldado pelo uso flexível das potencialidades de cada contexto regional. Assim, o sujeito individuali-zado absorve e rejeita o risco criado pela modernidade em uma busca constante e cotidiana entre a segurança no local de residência e a proteção simulada no local de trabalho.

Na dispersão, nos deslocamentos que aumentam de importância, a cidade sofre um questionamento profundo, num processo de esvaziamento de sentido. Caiafa (2007) dis-cute o processo ocorrido nos Estados Unidos, no pós-guerra, com o abandono da cidade e suas consequências em termos de sociabilidade; assim como Castel (2011) aponta como uma das origens dos distúrbios promovidos por jovens filhos de migrantes na periferia de Paris em 2005, a própria formação das cidades-dormitório no entorno da Ile de France.

A urbanização brasileira que temos que compreender já é da segunda década do século xxi. Se realmente estamos em tempo de urbanização reflexiva, a transformação da modernidade urbana brasileira se materializa em novos padrões de mobilidade, que permi-tem toda a reestruturação urbano-regional, baseada em mudanças profundas no modo de trabalho e morar tradicional, impactando diretamente as relações sociais e a possibilidade de fazer política nas cidades.

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REIS, N. G. Notas sobre urbanização dispersa e novas formas de tecido urbano. Via das Artes, São Paulo; 1ª edição, 2006.SANTORO, P. F.; BONDUKI, N. G. “O desafio do parcelamento do solo a partir do pe-riurbano: a composição do preço da terra na mudança de uso do solo rural para urbano”. XIII ENANPUR – Encontro Nacional da Anpur. Anais... Florianópolis: Anpur. 2009.SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993.SCOTT, A. et al. “Cidades-regiões globais”. Espaço & debates, v. 17, n. 41, p. 11-25, 2001.SOJA, E. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1993.URRY, J. Mobilities. London: Polity, 2007.

a b s t r a c t In the last two decades, the biggest news in the urbanization process in Brazil is not within the larger metropolitan areas, who received all the attention in terms of public and social policies, the media and academic research, especially over the 1970s, regarding the process of rural-urban migration and industrialization, which helped form our classic nine metropolitan areas. To accomplish this discussion, we seek to understand the role of commuting in the Brazilian urbanization, exploring what the latest data shows us the novelty in the last decade (especially outside metropolitan areas), passing below for a reflection on its consequences in terms of ways of life and the impact on the scale of everyday urban life, which is replaced by a regional dimension.

K e y w o r D s Urban sprawl; commuting; urbanization; migration; demography; region.

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a b s t r a c t In the last two decades, the biggest news in the urbanization process in Brazil is not within the larger metropolitan areas, who received all the attention in terms of public and social policies, the media and academic research, especially over the 1970s, regarding the process of rural-urban migration and industrialization, which helped form our classic nine metropolitan areas. To accomplish this discussion, we seek to understand the role of commuting in the Brazilian urbanization, exploring what the latest data shows us the novelty in the last decade (especially outside metropolitan areas), passing below for a reflection on its consequences in terms of ways of life and the impact on the scale of everyday urban life, which is replaced by a regional dimension.

K e y w o r D s Urban sprawl; commuting; urbanization; migration; demography; region.

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POLÍTICAS DE RECUPERAÇÃO DE RIOS URBANOS NA CIDADE

DE SÃO PAULOPossibilidades e desafios

s o l a n g e s i l v a - s á n c h e zP e d r o r . J a c o b i

r e s u m o Este artigo pretende discutir como processos políticos atuantes na cidade de São Paulo criam obstáculos à implantação de políticas de recuperação de rios e córregos ur-banos, conferindo especial atenção ao programa de parques lineares. Como uma das diretrizes de seu plano diretor, o município formulou uma política inovadora de recuperação de seus rios e córregos urbanos, com potencial de inaugurar um novo paradigma na gestão dos recursos hídricos na cidade. Entretanto, após quase uma década de sua formulação, essa política ainda parece mais avançada do que a capacidade do poder público para implementá-la. Sua efeti-vidade como política pública urbana e ambiental, visando à construção de uma cidade mais sustentável, depende de um intenso esforço de articulação de ações, desde a promoção e garantia de um debate democrático com os diferentes atores sociais envolvidos, até a implementação de programas intersetoriais, impondo um enorme desafio ao poder público local.

P a l a v r a s - c h a v e Planejamento urbano; parque linear; município de São Paulo; governança da água; recursos hídricos.

INTRODUÇÃO

A degradação dos recursos hídricos é um dos temas mais caros ao debate ambiental contemporâneo. A problemática relacionada à água compreende um vasto campo de ten-sões e conflitos, que envolve múltiplos atores e interesses setoriais pelo uso desse recurso natural. No Brasil, as políticas públicas voltadas aos recursos hídricos têm sido formuladas de modo a promover uma gestão compartilhada das águas, sendo a Política Nacional de Recursos Hídricos o principal marco jurídico-institucional nesse campo. Nas grandes cidades, onde o processo de urbanização resultou na total degradação dos rios e córregos, a integração dos objetivos e diretrizes estabelecidos por essa política com o planejamento urbano municipal (planos diretores, legislação de ordenamento de uso e ocupação do solo, gestão participativa da cidade) é essencial para promover a sustentabilidade ambiental dos recursos hídricos.

Como uma das diretrizes de seu plano diretor, o município de São Paulo formulou uma política inovadora de recuperação de seus rios e córregos urbanos, com potencial de inaugurar um novo paradigma na gestão dos recursos hídricos na cidade em ressonância com o que tem se verificado em outros países. Entretanto, após quase uma década de sua formulação, essa política ainda parece mais avançada do que a capacidade do poder públi-co para implementá-la. Sua efetividade como política pública urbana e ambiental, visando

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à construção de uma cidade mais sustentável, depende de um intenso esforço de articula-ção de ações, desde a promoção e garantia de um debate democrático com os diferentes atores sociais envolvidos, até a implementação de programas intersetoriais, impondo um enorme desafio ao poder público local.

Este artigo pretende discutir como processos políticos atuantes na cidade de São Paulo criam obstáculos à implantação de políticas de recuperação de rios e córregos urba-nos, conferindo especial atenção ao programa de parques lineares. A análise do contexto institucional e político no qual esse processo se desenvolve permite compreender como esses obstáculos incidem na capacidade do município responder ao desafio de implementar uma política efetiva de gestão da água urbana. Foge ao escopo deste artigo uma análise dos parâmetros urbanísticos relacionados a cada parque linear em particular. O percurso da pesquisa compreendeu o estudo da implantação de alguns projetos de parques lineares em diferentes locais da cidade, a verificação do arcabouço jurídico-institucional e dos canais de participação pública relativos a essa temática, além de entrevistas com técnicos municipais.

A pesquisa permitiu identificar dificuldades, obstáculos e situações facilitadoras que interagem no processo de implementação de projetos de recuperação de rios e córregos urbanos na cidade de São Paulo. Se um por um lado, essa política abre a possibilidade de firmar um novo paradigma no trato dos recursos hídricos no meio urbano, por outro, expõe a incapacidade do poder público local para regular e efetivar uma política cuja na-tureza é intrinsecamente intersetorial e de longo prazo.

Este artigo está dividido em quatro partes. A primeira parte aborda a questão da recuperação de rios urbanos no cenário internacional, destacando algumas inciativas e experiências em diferentes países e escalas de intervenção. Discute-se nesta parte alguns princípios norteadores das ações de recuperação de rios em meio urbano. A segunda parte do artigo é dedicada a discutir o tema no contexto da cidade de São Paulo, mostrando como apenas tardiamente o município adotou uma política nesse campo. Na terceira parte, discutem-se os principais problemas e desafios encontrados no desenvolvimento do programa de recuperação ambiental de córregos na cidade. Finalmente, a quarta par-te analisa alguns dos principais elementos da dinâmica política do governo municipal, buscando compreender como isto incide sobre a capacidade do poder público local para implementar de forma efetiva uma política de recuperação da água urbana.

NOvA vISÃO DOS RIOS E CóRREgOS URBANOS E SUAS fUNÇõES

Uma análise da literatura internacional mais recente sobre a requalificação de rios urbanos revela que as atuais iniciativas pretendem ser mais abrangentes do que as ações de saneamento que marcaram a recuperação de grandes rios como o Tâmisa, Sena e Missisipi, ainda no século passado (Saenz, 2010). O que se observa, para além do objetivo exclusivo de melhorar a qualidade da água, é uma tentativa de reinserir rios e córregos na paisagem urbana, recuperar a memória desses corpos hídricos, conectar espaços públicos, valorizar os serviços ambientais prestados à cidade pelos rios, sem desconsiderar a promoção da participação pública. Países como Coréia do Sul, Grã-Bretanha, Austrália, Japão, Estados Unidos, Espanha, México, apenas para citar alguns exemplos, vêm desenvolvendo projetos com essa perspectiva (Lovett e Edgard, 2002; Nakamura e Tockner, 2004; Findlay, 2006; Petts, 2007; Kibel, 2007; Mainstone e Holmes, 2009; Reynoso et al., 2010). São inicia-

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tivas que abrangem desde grandes e ambiciosos projetos como a revitalização do córrego Cheong Gye Cheon, localizado em pleno centro histórico de Seul, ou o parque linear ao longo do rio Manzanares, na área central de Madri, até a recuperação de córregos que de-marcam bairros periféricos de centros urbanos de médio porte, como na cidade de Perth, costa oeste da Austrália.

Em Seul, a requalificação do córrego Cheong Gye Cheon envolveu, além da demolição de uma importante via expressa, a implantação de um complexo sistema de tratamento das águas e a promoção de um amplo processo de consulta pública com mais de quatro mil reuniões comunitárias realizadas entre 2003 e 2005 (Seoul Metropolitan Government, 2006). Em Perth, na Austrália, uma organização não governamental chamada South East Regional Centre for Urban Landcare trabalha com moradores voluntários para promover a restauração de rios urbanos e conservação de áreas úmidas, visando à melhoria da quali-dade ambiental na cidade. Um dos primeiros projetos, Living Streams I, implantado por iniciativa conjunta da comunidade e prefeitura local, consistiu em substituir um canal de concreto que conduzia água poluída diretamente para o rio Canning, por uma forma mais natural, com vegetação ciliar, novos hábitats para diversas espécies de aves, maior controle do fluxo de água e um sistema capaz de remover nutrientes e outros poluentes, criando um ambiente mais natural em meio à área residencial.1

Outras iniciativas de requalificação de rios urbanos resultaram na constituição de verdadeiras redes de cooperação como a River Revitalization Foundation,2 criada nos Estados Unidos no final dos anos de 1980. Essa rede agrega organizações da sociedade civil, cidadãos e governos locais com o principal objetivo de revitalizar o ambiente urba-no tendo o córrego como elemento central. A importância do tema fomentou a criação de uma base de dados com mais de trinta mil projetos de recuperação de rios e córregos nos Estados Unidos, reunidas no National River Restoration Science Synthesis (NRRSS) (Bernhardt et al., 2005). Essa ampla base de dados contempla projetos de diferentes escalas e inclui informações sobre recursos investidos, métodos adotados, e mesmo projetos e ações que não lograram sucesso, mas que podem servir de aprendizagem para ações futuras. Apesar de ainda apresentar falhas na coleta e registro de informações, como assinalam os autores, essa base de dados pode ser um importante instrumento de gestão pública.

Na Europa, ainda no final dos anos 1990, foi criado o European Centre for River Res-toration-ECRR,3 com o objetivo de formar uma rede internacional voltada à recuperação de rios, inclusive rios urbanos, congregando órgãos e instituições públicas e organizações não governamentais. O principal objetivo do ecrr é compartilhar conhecimento, meto-dologias, procedimentos e técnicas sobre a recuperação de rios. Nesse âmbito foi formula-do o projeto denominado Urbem-Urban River Basin Enhancement Methods também com o objetivo de divulgar ferramentas, técnicas, custos, procedimentos e práticas inovadoras com base em experiências de desenvolvimento de projetos de recuperação de rios urbanos em diferentes países. Pretende-se com essa iniciativa facilitar o cumprimento das metas da política de recursos hídricos definidas na Diretiva Quadro da Água (Water Framework Directive) da União Europeia. A diretiva europeia estabelece que até 2015 seja alcançado um bom estado de qualidade das massas de água de superfície, com a adoção de medidas de conservação e reabilitação das redes hidrográficas e zonas ribeirinhas.4 O conjunto de documentos, estudos de casos, análises e pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto Urbem constitui um acervo valioso para planejadores, urbanistas, governos municipais e estudiosos sobre o tema.

1 Cf. http://sercul.org.au/living_streams.html. Último acesso em 21 de outubro de 2009.

2 Cf. http://www.riverne-twork.org. Último acesso em 15 de outubro de 2011.

3 Cf.: http://ecrr.org, ultimo acesso em 20 de março de 2012.

4 EU Framework Directive on Water (Dir. 2000/60/EC).

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As políticas e projetos voltados à recuperação de rios e córregos urbanos, em maior ou menor escala, envolvem a revitalização de espaços públicos associados, transformados em parques públicos ou áreas a serem preservadas pela sua importância ambiental. Em geral, as intervenções vinculam-se a mudanças de uso do solo urbano e substituição de atividades econômicas, respondendo a demandas da sociedade por espaços públicos qua-lificados (Kibel, 2007).

Nesse contexto, a temática da reabilitação ou recuperação dos córregos e rios urbanos integrou-se à pauta das políticas e do debate públicos contemporâneos de uma maneira que já não se restringe ao campo específico da engenharia civil, hidráulica ou de sanea-mento básico. Com efeito, a abordagem pressupõe uma visão complexa, multidimensional e multidisciplinar, que considere os rios como sistemas socioambientais prestadores de ser-viços ecossistêmicos, fonte de abastecimento, objeto de recuperação paisagística e elemen-to da memória coletiva (Rodrigues, 2009; Reynoso, 2010). Essa nova perspectiva implica a superação do “paradigma hidráulico-sanitarista”, que por décadas imperou nos planos de urbanização, considerando os rios “um perigo sanitário” a ser eliminado da paisagem urbana (Reynoso et al., 2010). Não se trata, contudo, como sublinham os autores citados, de julgar uma política que promoveu a morte e ocultação dos rios e córregos urbanos com base nos parâmetros sociais e ambientais do presente; antes é necessário compreender e reconstruir a racionalidade imperante à época, visando superá-la.

Na perspectiva desse novo paradigma, Saenz (2010) propõe princípios axiológicos, que orientem intervenções visando transformar a relação que historicamente foi esta-belecida com os rios urbanos. Sob o novo paradigma, os rios são considerados espaços de oportunidades ambientais, sociais, culturais e econômicas e, nesse sentido, qualquer intervenção visando sua recuperação deve ser multiobjetiva, congregando objetivos de de-senvolvimento econômico, de proteção ambiental, de promoção cultural e de construção de uma rede social dos atores envolvidos. Como prestadores de serviços ecossistêmicos as intervenções em rios e córregos urbanos devem considerar a interelação dos aspectos físi-cos, bióticos e humanos. A sinergia das ações e da gestão das instituições públicas constitui outro princípio fundamental sob esse novo paradigma. Esses princípios têm como pressu-posto que rios e córregos urbanos são elementos centrais para garantir a sustentabilidade das cidades.

Embora as experiências desenvolvidas nos mais diversos lugares e em diferentes es-calas tenham revelado avanços significativos, a recuperação de rios urbanos ainda impõe muitos desafios de natureza social, política e econômica. Nos grandes centros urbanos, esses desafios ganham em complexidade e podem ser fortemente condicionados pelas dinâmicas políticas locais.

O LENTO DESPERTAR Em SÃO PAULO

Em São Paulo, assim como em outras metrópoles, o padrão de estruturação urbana que se estabeleceu ao longo de décadas resultou na total degradação dos recursos hídricos. De modo geral, o cenário é o de córregos contaminados, extensas áreas de várzea ocupadas por favelas, ausência de uma rede de coleta e tratamento de esgotos que atinja a totalidade da população, além da situação de risco em que vivem os que ocupam as margens dos córregos da cidade (Rolnik e Nakano, 2000). Do ponto de vista ambiental, a situação dos cursos d’água é considerada crítica, e não são poucos os fatores que contribuíram para esse

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quadro, desde um parcelamento indiscriminado do solo nas periferias urbanas (Braga e Carvalho, 2003) até a precariedade dos serviços prestados e a omissão do poder público ao longo de décadas, seja em razão da ausência de planos eficazes seja em decorrência de uma ação fiscalizadora quase sempre inadequada e impotente. A reversão desse quadro de degradação urbano-ambiental é bastante complexa.

Além disso, as tecnologias de construção da cidade produziram um legado no qual a água, embora vital, conflita com o desenho urbano, sendo o tamponamento dos córregos e a construção de avenidas de fundo de vale as soluções mais amplamente praticadas. Na acurada análise de Rolnik e Klink (2011), a “engenharia urbana mecanicista” transformou a cidade em uma “máquina de produção e circulação, tratou sua geografia natural – os rios, os vales inundáveis, as encostas – como obstáculo a ser superado, terraplanando, ater-rando e caucionando as águas, num desenho que procura minimizar as perdas territoriais para o insaciável mercado de solos”.

De fato, quando o tema é a água urbana ainda prevalece, sobretudo nos setores liga-dos à engenharia, uma abordagem setorizada, com predomínio de projetos localizados que não levam em consideração as características ambientais da bacia hidrográfica e as relações sociais e institucionais da cidade. No geral, privilegiam-se as obras de canalização, que, além de representarem altos custos para o poder público, aumentam mais do que reduzem os problemas que pretendem resolver (Tucci, 2008).

Como ocorreu em outras cidades, o processo de urbanização de São Paulo confinou seus rios e córregos em canais retilíneos, ocupando densamente suas margens, quando não os enterrou. Por décadas, dados estatísticos oficiais contabilizavam, festivamente, o número de quilômetros de córregos canalizados como resultado de uma política pública recorrente no tratamento das águas. Conforme Bartalini (2006, p. 92),

há ainda casos de sobra de ocultação de cursos d´água nos bairros mais distantes do centro, onde ao arcaísmo do modo de ocupação e à precariedade das condições gerais do espaço se opõe, muito comumente, uma tecnologia bastante atualizada e até sofisticada, quando se trata de canalizar ou entubar rios e córregos e de abrir, ao longo deles, grandes eixos viários.

Mesmo quando as questões ambientais já haviam passado a integrar a agenda políti-ca internacional, a municipalidade adotava soluções pautadas na canalização de córregos ou em alternativas “tecnocráticas”, como a construção de reservatórios popularmente conhecidos como piscinões. Entre as décadas de 1980 e 1990, o programa denominado “Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social dos Fundos de Vale-Procav” canalizou mais de sessenta quilômetros de córregos na cidade de São Paulo, com o reassentamento de mais de seis mil famílias e a construção de mais de sessenta quilômetros de avenidas de fundo de vale (Brocaneli e Stuerner, 2008).

Ainda hoje, frequentemente as demandas e reivindicações da população expressam o desejo de “esconder” as águas fétidas que correm a céu aberto e a manutenção de cór-regos nessa condição ainda pode representar um problema. Jacobi e Giorgetti (2009), ao analisarem a relação entre o rio Pirajuçara, localizado no sudoeste do município de São Paulo, e a população residente na região, verificaram que o rio, na percepção dos mora-dores, é apenas “causador de problemas”. Não se atribui ao córrego atributos positivos; muitos moradores ainda consideram que a melhor intervenção seria sua canalização e re-sistem em conferir credibilidade a uma nova forma de tratar a água urbana.5 A existência de córregos ocultos, “anônimos e desaparecidos sob o chão das cidades”, apenas reforça

5 Foi o que constatou a pesquisa Requalificação do espaço público e cidadania: um estudo de percepção ambiental na comunidade do Sapé, conduzida pela Su-pervisão Técnica de Planeja-mento Urbano da Subprefei-tura Butantã, entre março e agosto de 2006 (paper).

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quadro, desde um parcelamento indiscriminado do solo nas periferias urbanas (Braga e Carvalho, 2003) até a precariedade dos serviços prestados e a omissão do poder público ao longo de décadas, seja em razão da ausência de planos eficazes seja em decorrência de uma ação fiscalizadora quase sempre inadequada e impotente. A reversão desse quadro de degradação urbano-ambiental é bastante complexa.

Além disso, as tecnologias de construção da cidade produziram um legado no qual a água, embora vital, conflita com o desenho urbano, sendo o tamponamento dos córregos e a construção de avenidas de fundo de vale as soluções mais amplamente praticadas. Na acurada análise de Rolnik e Klink (2011), a “engenharia urbana mecanicista” transformou a cidade em uma “máquina de produção e circulação, tratou sua geografia natural – os rios, os vales inundáveis, as encostas – como obstáculo a ser superado, terraplanando, ater-rando e caucionando as águas, num desenho que procura minimizar as perdas territoriais para o insaciável mercado de solos”.

De fato, quando o tema é a água urbana ainda prevalece, sobretudo nos setores liga-dos à engenharia, uma abordagem setorizada, com predomínio de projetos localizados que não levam em consideração as características ambientais da bacia hidrográfica e as relações sociais e institucionais da cidade. No geral, privilegiam-se as obras de canalização, que, além de representarem altos custos para o poder público, aumentam mais do que reduzem os problemas que pretendem resolver (Tucci, 2008).

Como ocorreu em outras cidades, o processo de urbanização de São Paulo confinou seus rios e córregos em canais retilíneos, ocupando densamente suas margens, quando não os enterrou. Por décadas, dados estatísticos oficiais contabilizavam, festivamente, o número de quilômetros de córregos canalizados como resultado de uma política pública recorrente no tratamento das águas. Conforme Bartalini (2006, p. 92),

há ainda casos de sobra de ocultação de cursos d´água nos bairros mais distantes do centro, onde ao arcaísmo do modo de ocupação e à precariedade das condições gerais do espaço se opõe, muito comumente, uma tecnologia bastante atualizada e até sofisticada, quando se trata de canalizar ou entubar rios e córregos e de abrir, ao longo deles, grandes eixos viários.

Mesmo quando as questões ambientais já haviam passado a integrar a agenda políti-ca internacional, a municipalidade adotava soluções pautadas na canalização de córregos ou em alternativas “tecnocráticas”, como a construção de reservatórios popularmente conhecidos como piscinões. Entre as décadas de 1980 e 1990, o programa denominado “Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social dos Fundos de Vale-Procav” canalizou mais de sessenta quilômetros de córregos na cidade de São Paulo, com o reassentamento de mais de seis mil famílias e a construção de mais de sessenta quilômetros de avenidas de fundo de vale (Brocaneli e Stuerner, 2008).

Ainda hoje, frequentemente as demandas e reivindicações da população expressam o desejo de “esconder” as águas fétidas que correm a céu aberto e a manutenção de cór-regos nessa condição ainda pode representar um problema. Jacobi e Giorgetti (2009), ao analisarem a relação entre o rio Pirajuçara, localizado no sudoeste do município de São Paulo, e a população residente na região, verificaram que o rio, na percepção dos mora-dores, é apenas “causador de problemas”. Não se atribui ao córrego atributos positivos; muitos moradores ainda consideram que a melhor intervenção seria sua canalização e re-sistem em conferir credibilidade a uma nova forma de tratar a água urbana.5 A existência de córregos ocultos, “anônimos e desaparecidos sob o chão das cidades”, apenas reforça

5 Foi o que constatou a pesquisa Requalificação do espaço público e cidadania: um estudo de percepção ambiental na comunidade do Sapé, conduzida pela Su-pervisão Técnica de Planeja-mento Urbano da Subprefei-tura Butantã, entre março e agosto de 2006 (paper).

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a associação dos rios com aspectos negativos como esgoto, lixo, inundações (Bartalini, 2006). Ainda assim a proteção e recuperação dos córregos e rios urbanos constituem preocupação de uma parcela significativa da população paulistana. Em uma pesquisa de opinião conduzida pela prefeitura de São Paulo em 2011,6 20% dos entrevistados associaram a recuperação da qualidade ambiental da cidade à “proteção e recuperação de rios e córregos”.7

Há uma tendência a considerar a proximidade de córregos como “um indicador de urbanização precária”. Estudos indicam que os domicílios localizados próximos a cursos d’água em geral são residências de famílias mais pobres e com piores níveis de renda e educação, configurando uma situação de “alta vulnerabilidade socioambiental” (Alves e Torres, 2006). Evidentemente, muitos córregos que escaparam de se tornar avenidas, tiveram suas margens ocupadas por favelas, configurando áreas de risco que representam um dos maiores desafios do poder público atualmente.

Uma declaração recolhida de um texto jornalístico acerca de um dos maiores e mais caros empreendimentos imobiliários de São Paulo da última década, localizado às margens do rio Pinheiros, no vetor sudoeste de crescimento da metrópole, fornece a exata ideia de como a cidade tem tratado seus cursos d’água: “Esqueça o Pinheiros! [...] os paisagistas planejaram uma faixa de jardim aromatizado, que atravessa a frente das torres e vai neu-tralizar o odor (do rio) [...] só verá o rio quem olhar para baixo8”.Seguindo a tendência de estratificação socioespacial da cidade (Risek, 2011), esse empreendimento conjuga um condomínio residencial destinado às camadas de altíssima renda e um centro comercial de alto luxo. Poderia se configurar como um water front de São Paulo, não fosse uma caricatura deselegante desse tipo de intervenção urbana.

A possibilidade de superar o padrão urbanístico prevalecente e o quadro de degra-dação da água urbana, estabelecendo uma efetiva gestão dos recursos hídricos na cidade, se associa à requalificação de seus rios e córregos. O próprio Plano Nacional de Recursos Hídricos reconhece a importância da efetiva inserção dos municípios na gestão dos re-cursos hídricos, particularmente em razão dos impactos sobre as águas derivados do uso e ocupação do solo (mma, 2006). No caso do município de São Paulo, talvez um dos instrumentos urbanísticos mais inovadores e audaciosos propostos pelo Plano Diretor Estratégico, e depois abraçado pelos planos regionais estratégicos das várias subprefei-turas, seja o Programa de Recuperação Ambiental de Cursos D’Água e Fundos de Vale, que estabeleceu uma série de ações e intervenções urbanas com o objetivo de recuperar os córregos da cidade. O sistema de rios e córregos foi concebido no plano diretor como um dos elementos de estruturação do território, para o qual se estabeleceram medidas de recuperação urbano-ambiental (São Paulo, 2004).

Entre essas ações destaca-se a implantação dos “parques lineares”, definidos, na letra da lei, como “intervenções urbanísticas que visam recuperar para os cidadãos a consciência do sítio natural em que vivem, ampliando progressivamente as áreas verdes”. O conceito de parques lineares, entretanto, é muito mais amplo do que aquele definido no texto legal e o alcance desse programa, se adequadamente implementado, pode significar uma verdadeira transformação da paisagem urbana, promovendo a requalificação de espaços públicos, a recuperação da qualidade da água e integrando novamente os córregos à ci-dade como sistemas socioambientais prestadores de importantes serviços ecossistêmicos. Integrados a outras ações e intervenções de caráter estrutural, nas áreas de transporte e de ordenamento do uso e ocupação do solo, os parques lineares podem até mesmo contribuir para a adaptação aos impactos das mudanças climáticas (São Paulo, 2008). Estes parques

6 Em janeiro de 2012, foram divulgados os resultados da pesquisa, que teria contado com mais de 25 mil partici-pações, das quais mais de 54% por meios eletrônicos. A pesquisa visou subsidiar a elaboração do chamado Plano SP 2040.

7 Mais interessante e notável é que a pesquisa revelou o descrédito da população quanto à capacidade da prefeitura para implementar políticas, já que 50% dos participantes afirmaram que acreditam “em pequena par-te” que o Plano SP 2040 será uma realidade.

8 Sampaio, P. – Condomínio de luxo esconde o rio Pinhei-ros. Folha de S. Paulo, 10 de março de 2008, p. C-6.

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constituem ainda um poderoso instrumento de planejamento e gestão do território, pos-sibilitando um uso sustentável dos fundos de vale nas áreas urbanas (Friedrich, 2007).

Apesar do caráter inovador, o que representa virtualmente uma mudança do para-digma dominante quanto à gestão da água urbana, os resultados contabilizados em uma década, contada a partir de sua formulação como política pública, não são animadores. Travassos (2010), ao analisar o conjunto de políticas públicas direcionadas às áreas de fun-do de vale, entre os quais o plano diretor estratégico, planos de drenagem e saneamento e o plano municipal de habitação, verificou que para além das inovações técnicas e novas formas de abordagem adotadas, quase sempre convergentes, predomina o caráter setorial das ações do poder público. Segundo Travassos, os planos não estabelecem ações institu-cionais integradas, «não resolvendo um dos principais desafios à integração das políticas públicas, que é de gestão» (p.99).

Entretanto, o exame desse tema incita uma análise que não se restringe às dificulda-des institucionais e aos constrangimentos burocráticos evidentes, antes requer uma refle-xão com enfoque nas dinâmicas internas ao governo local e uma compreensão que relacio-ne a questão política em geral com a implementação dessa política pública em particular.

NOvA POLÍTICA, vELHOS PROBLEmAS

Em 2002, quando foi aprovado o Plano Diretor Estratégico, previa-se que trinta e sete parques lineares seriam implantados em toda a cidade ao longo de uma década. Dois anos depois, quando foram concluídos os planos regionais das subprefeituras, esse número aumentou em quase quatro vezes, ampliando de modo significativo o número de córregos que seriam recuperados. Passados dez anos da promulgação do plano diretor, a cidade contabiliza quatorze parques lineares concluídos, uma parcela ínfima consi-derando o que havia sido definido na formulação do plano. Os parques lineares foram incorporados à chamada Agenda 2012 – Programa de Metas para a Cidade de São Paulo, que estabeleceu como meta a implantação de trinta e um parques desse tipo ao longo de quatro anos (2009-2012); três anos depois de ter sido formulada, apenas sete parques lineares haviam sido concluídos.

Cada parque linear implantado na cidade guarda suas especificidades seja em relação ao contexto social e ambiental no qual está inserido, seja quanto ao projeto arquitetônico desenvolvido ou ainda em relação às fontes de recursos empregadas.9 Da mesma forma, os processos de participação pública, quando existem, variam em cada caso, já que não há um desenho institucional de participação predefinido. Além disso, vários parques lineares foram implantados de forma parcial, outros apresentam sérios problemas de conservação,10 ou não foram desenvolvidos de modo a integrar políticas setoriais complementares, o que acaba por anular, pelo menos em parte, os benefícios urbano-ambientais esperados.

Embora ainda possa ser considerada uma política relativamente recente, os parques lineares já foram objeto de estudos acurados, especialmente na área do urbanismo. Travas-sos (2010) empreendeu um estudo aprofundado sobre esse tema, analisando em detalhe os parâmetros de planejamento e de projeto, além dos aspectos institucionais relacionados e as interfaces com outras políticas públicas, como habitação, saneamento e drenagem. Analisando um conjunto de parques lineares já implantados, Travassos concluiu que, ape-sar de representar uma mudança significativa no tratamento do sistema hídrico no meio

9 Os recursos destinados à implantação de parques lineares são provenientes de três fontes principais: orçamento municipal, Fundo de Desenvolvimento Urbano--Fundurb e Termos de Com-pensação Ambiental-TCAs, originados de licenciamentos ou pedidos de supressão de vegetação.

10 Cf.: Burgarelli, R. e Bru-nelli, C. (2012)- Um ano de-pois, parques inaugurados por Kassab têm favela, lixo e escuridão. Estado de S. Pau-lo; http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,um--ano-depois-parques-inaugu-rados-por-kassab-tem-favela--lixo-e-escuridao,853287,0.htm

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a associação dos rios com aspectos negativos como esgoto, lixo, inundações (Bartalini, 2006). Ainda assim a proteção e recuperação dos córregos e rios urbanos constituem preocupação de uma parcela significativa da população paulistana. Em uma pesquisa de opinião conduzida pela prefeitura de São Paulo em 2011,6 20% dos entrevistados associaram a recuperação da qualidade ambiental da cidade à “proteção e recuperação de rios e córregos”.7

Há uma tendência a considerar a proximidade de córregos como “um indicador de urbanização precária”. Estudos indicam que os domicílios localizados próximos a cursos d’água em geral são residências de famílias mais pobres e com piores níveis de renda e educação, configurando uma situação de “alta vulnerabilidade socioambiental” (Alves e Torres, 2006). Evidentemente, muitos córregos que escaparam de se tornar avenidas, tiveram suas margens ocupadas por favelas, configurando áreas de risco que representam um dos maiores desafios do poder público atualmente.

Uma declaração recolhida de um texto jornalístico acerca de um dos maiores e mais caros empreendimentos imobiliários de São Paulo da última década, localizado às margens do rio Pinheiros, no vetor sudoeste de crescimento da metrópole, fornece a exata ideia de como a cidade tem tratado seus cursos d’água: “Esqueça o Pinheiros! [...] os paisagistas planejaram uma faixa de jardim aromatizado, que atravessa a frente das torres e vai neu-tralizar o odor (do rio) [...] só verá o rio quem olhar para baixo8”.Seguindo a tendência de estratificação socioespacial da cidade (Risek, 2011), esse empreendimento conjuga um condomínio residencial destinado às camadas de altíssima renda e um centro comercial de alto luxo. Poderia se configurar como um water front de São Paulo, não fosse uma caricatura deselegante desse tipo de intervenção urbana.

A possibilidade de superar o padrão urbanístico prevalecente e o quadro de degra-dação da água urbana, estabelecendo uma efetiva gestão dos recursos hídricos na cidade, se associa à requalificação de seus rios e córregos. O próprio Plano Nacional de Recursos Hídricos reconhece a importância da efetiva inserção dos municípios na gestão dos re-cursos hídricos, particularmente em razão dos impactos sobre as águas derivados do uso e ocupação do solo (mma, 2006). No caso do município de São Paulo, talvez um dos instrumentos urbanísticos mais inovadores e audaciosos propostos pelo Plano Diretor Estratégico, e depois abraçado pelos planos regionais estratégicos das várias subprefei-turas, seja o Programa de Recuperação Ambiental de Cursos D’Água e Fundos de Vale, que estabeleceu uma série de ações e intervenções urbanas com o objetivo de recuperar os córregos da cidade. O sistema de rios e córregos foi concebido no plano diretor como um dos elementos de estruturação do território, para o qual se estabeleceram medidas de recuperação urbano-ambiental (São Paulo, 2004).

Entre essas ações destaca-se a implantação dos “parques lineares”, definidos, na letra da lei, como “intervenções urbanísticas que visam recuperar para os cidadãos a consciência do sítio natural em que vivem, ampliando progressivamente as áreas verdes”. O conceito de parques lineares, entretanto, é muito mais amplo do que aquele definido no texto legal e o alcance desse programa, se adequadamente implementado, pode significar uma verdadeira transformação da paisagem urbana, promovendo a requalificação de espaços públicos, a recuperação da qualidade da água e integrando novamente os córregos à ci-dade como sistemas socioambientais prestadores de importantes serviços ecossistêmicos. Integrados a outras ações e intervenções de caráter estrutural, nas áreas de transporte e de ordenamento do uso e ocupação do solo, os parques lineares podem até mesmo contribuir para a adaptação aos impactos das mudanças climáticas (São Paulo, 2008). Estes parques

6 Em janeiro de 2012, foram divulgados os resultados da pesquisa, que teria contado com mais de 25 mil partici-pações, das quais mais de 54% por meios eletrônicos. A pesquisa visou subsidiar a elaboração do chamado Plano SP 2040.

7 Mais interessante e notável é que a pesquisa revelou o descrédito da população quanto à capacidade da prefeitura para implementar políticas, já que 50% dos participantes afirmaram que acreditam “em pequena par-te” que o Plano SP 2040 será uma realidade.

8 Sampaio, P. – Condomínio de luxo esconde o rio Pinhei-ros. Folha de S. Paulo, 10 de março de 2008, p. C-6.

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constituem ainda um poderoso instrumento de planejamento e gestão do território, pos-sibilitando um uso sustentável dos fundos de vale nas áreas urbanas (Friedrich, 2007).

Apesar do caráter inovador, o que representa virtualmente uma mudança do para-digma dominante quanto à gestão da água urbana, os resultados contabilizados em uma década, contada a partir de sua formulação como política pública, não são animadores. Travassos (2010), ao analisar o conjunto de políticas públicas direcionadas às áreas de fun-do de vale, entre os quais o plano diretor estratégico, planos de drenagem e saneamento e o plano municipal de habitação, verificou que para além das inovações técnicas e novas formas de abordagem adotadas, quase sempre convergentes, predomina o caráter setorial das ações do poder público. Segundo Travassos, os planos não estabelecem ações institu-cionais integradas, «não resolvendo um dos principais desafios à integração das políticas públicas, que é de gestão» (p.99).

Entretanto, o exame desse tema incita uma análise que não se restringe às dificulda-des institucionais e aos constrangimentos burocráticos evidentes, antes requer uma refle-xão com enfoque nas dinâmicas internas ao governo local e uma compreensão que relacio-ne a questão política em geral com a implementação dessa política pública em particular.

NOvA POLÍTICA, vELHOS PROBLEmAS

Em 2002, quando foi aprovado o Plano Diretor Estratégico, previa-se que trinta e sete parques lineares seriam implantados em toda a cidade ao longo de uma década. Dois anos depois, quando foram concluídos os planos regionais das subprefeituras, esse número aumentou em quase quatro vezes, ampliando de modo significativo o número de córregos que seriam recuperados. Passados dez anos da promulgação do plano diretor, a cidade contabiliza quatorze parques lineares concluídos, uma parcela ínfima consi-derando o que havia sido definido na formulação do plano. Os parques lineares foram incorporados à chamada Agenda 2012 – Programa de Metas para a Cidade de São Paulo, que estabeleceu como meta a implantação de trinta e um parques desse tipo ao longo de quatro anos (2009-2012); três anos depois de ter sido formulada, apenas sete parques lineares haviam sido concluídos.

Cada parque linear implantado na cidade guarda suas especificidades seja em relação ao contexto social e ambiental no qual está inserido, seja quanto ao projeto arquitetônico desenvolvido ou ainda em relação às fontes de recursos empregadas.9 Da mesma forma, os processos de participação pública, quando existem, variam em cada caso, já que não há um desenho institucional de participação predefinido. Além disso, vários parques lineares foram implantados de forma parcial, outros apresentam sérios problemas de conservação,10 ou não foram desenvolvidos de modo a integrar políticas setoriais complementares, o que acaba por anular, pelo menos em parte, os benefícios urbano-ambientais esperados.

Embora ainda possa ser considerada uma política relativamente recente, os parques lineares já foram objeto de estudos acurados, especialmente na área do urbanismo. Travas-sos (2010) empreendeu um estudo aprofundado sobre esse tema, analisando em detalhe os parâmetros de planejamento e de projeto, além dos aspectos institucionais relacionados e as interfaces com outras políticas públicas, como habitação, saneamento e drenagem. Analisando um conjunto de parques lineares já implantados, Travassos concluiu que, ape-sar de representar uma mudança significativa no tratamento do sistema hídrico no meio

9 Os recursos destinados à implantação de parques lineares são provenientes de três fontes principais: orçamento municipal, Fundo de Desenvolvimento Urbano--Fundurb e Termos de Com-pensação Ambiental-TCAs, originados de licenciamentos ou pedidos de supressão de vegetação.

10 Cf.: Burgarelli, R. e Bru-nelli, C. (2012)- Um ano de-pois, parques inaugurados por Kassab têm favela, lixo e escuridão. Estado de S. Pau-lo; http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,um--ano-depois-parques-inaugu-rados-por-kassab-tem-favela--lixo-e-escuridao,853287,0.htm

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urbano, ainda permanece um caráter setorial das intervenções, conjugado à falta de ações coordenadas e de um efetivo processo de participação pública.

A multiplicidade de atores envolvidos no processo de implantação de parques li-neares, desde diferentes instituições do poder público, com culturas, procedimentos e legislação nem sempre congruentes, organizações da sociedade civil, a população morado-ra no entorno, até representantes do mercado imobiliário constitui, de fato, um desafio ao poder público. A conflituosidade subjacente à implantação dessa política decorre, em grande parte, dessa multiplicidade de interesses e perspectivas. As interações sociais e os diferentes papéis exercidos por esses atores tornam esse processo um espaço de negociação política, que pode envolver um amplo aprendizado social (Mostert et al., 2007; Petts, 2006; Jacobi, 2011).

Dada a complexidade dos problemas a serem considerados nos projetos (habitação, saneamento, mobilidade, segurança, entre outros), a implantação de parques lineares de-manda um conjunto de ações de responsabilidade de diferentes órgãos governamentais. A necessária ação intersetorial é condição para que a implementação do projeto ocorra sob uma sinergia de ações e gestão das instituições públicas (Saenz, 2010). No âmbito do mu-nicípio, essas ações são empreendidas por diferentes secretarias, departamentos, e mesmo outros níveis de governo, e quase sempre implicam remoção de favelas em área de risco, construção de moradias populares, obras de controle de erosão, a própria despoluição do corpo hídrico e instalação de coletor-tronco de esgoto, desenvolvimento do projeto paisa-gístico associado a áreas de lazer, além de trabalhos de educação ambiental. Não se trata de algo trivial planejar e executar políticas públicas de forma articulada com um nível de complexidade institucional como se verifica na cidade de São Paulo.

Impõem-se, portanto, um duplo desafio ao poder público municipal; de um lado, garantir que a diversidade de interesses e perspectivas seja considerada no desenvolvimento e implementação dos projetos, promovendo o debate público e a participação social. De outro lado, conferir unidade às ações empreendidas, articulando diferentes instituições, compondo investimentos com recursos orçamentários de fontes distintas. A questão é co-mo superar os inúmeros constrangimentos burocráticos particulares a cada órgão, de mo-do que a necessária sinergia das ações públicas ocorra tanto internamente às instituições, que se desdobram nas relações horizontais entre os diferentes departamentos e repartições de uma mesma secretaria, como nas relações verticais estabelecidas entre elas.

As dificuldades encontradas pelo poder público local para fazer frente a desafios co-mo esses se revelam na análise dos resultados efetivos da política municipal de recuperação de córregos e fundos de vale. Evidentemente, as falhas e problemas identificados até o momento não anulam a virtualidade representada por essa política pública. Cumpre, com efeito, empreender um esforço analítico na perspectiva de explorar alguns eventos sociais e políticos que incidem na capacidade do poder público municipal planejar e executar políticas com um potencial reconhecidamente inovador que possam contribuir para a construção de uma cidade mais sustentável.

A LógICA DA INCONCLUSÃO

É na dinâmica política que se instaurou no município de São Paulo nos últimos anos de governo que se pode buscar algumas pistas para explicar a baixa efetividade da implantação de uma política de recuperação de rios e córregos urbanos na cidade. Os

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processos internos pelos quais o poder público municipal, enquanto instituição de Esta-do, tem desenvolvido suas políticas públicas revela como são conduzidas as tomadas de decisão, que determinam as prioridades políticas e as formas de regulação do território e de produção da cidade.

Contudo, é preciso situar essa análise no debate mais amplo a respeito da (in)capa-cidade do Estado para constituir esferas possíveis de planejamento e gestão, notadamente de políticas de longo prazo, como são as políticas ambientais. A literatura a esse respeito é vasta e foge ao escopo deste artigo retomá-la. Para os objetivos deste estudo, cabe destacar um eixo importante desse debate, que se refere ao fato da crise ter servido para justificar uma política deliberada de supressão do Estado e redução do poder público, no contexto do modelo neoliberal que dominava a agenda política. Oliveira (1999) já se referia a uma “falsa consciência da desnecessidade” do Estado, o que abre caminho para a subordinação do público aos mecanismos de mercado. É sob esse marco conceitual que se tentará com-preender a atuação do poder público municipal.

A cidade de São Paulo é o retrato acabado desse modelo, em que o poder público sucumbe à hegemonia do mercado, de tal modo que cada vez mais as intervenções na cidade parecem prescindir de sua regulação. Não seria exagero falar em uma política de “privatização da cidade”, como se referiu Rizek (2011) ao analisar um conjunto de inter-venções urbanas recentes ocorridas em São Paulo, notadamente nos projetos de revitaliza-ção de setores da área central e programas voltados à urbanização de favelas. Nessas áreas como em outras, os agentes de transformação da cidade passam “por cima e ao largo” de planos e leis que regulam e definem as intervenções urbanas. A “liberalidade” concedida ao mercado imobiliário, aprofundada nos últimos governos municipais, tem resultado na desconfiguração de bairros antigos, na verticalização exacerbada e no agravamento da impermeabilidade do solo (Ferreira, 2011).

O corolário desse modelo é uma administração pública que busca nas organizações privadas o modelo de eficiência a ser seguido,11 ou seja, uma administração gerencial, que desloca o cidadão para uma posição de cliente/consumidor e transforma o servidor públi-co em gerente dos serviços (Bevir, 2011). Como cliente/consumidor, o cidadão perde o estatuto de “sujeito de direitos” para ser reconhecido como usuário de serviços públicos.12

Não é por acaso que importantes instrumentos legais foram parcial ou totalmente ignorados, a começar pelo próprio Plano Diretor Estratégico. Quase uma década após sua elaboração, vários instrumentos urbanísticos e programas estratégicos previstos na lei seguem sem regulamentação, como o imposto predial e territorial progressivo. Ademais, o governo municipal foi incapaz de fazer uma revisão do Plano Diretor, como exige a legislação. O projeto de lei da revisão enviado à Câmara Municipal de São Paulo foi alvo de duras críticas por parte de organizações da sociedade civil, que chegaram a mover uma ação civil pública contra a municipalidade. Em 2010, uma decisão da Justiça determi-nou a suspensão do projeto de revisão, considerando que a prefeitura não assegurou os princípios da “gestão democrática da Cidade de São Paulo e da participação popular” nesse processo.13

Do mesmo modo, todo um arcabouço legal que possibilitou a reestruturação da administração municipal, conferindo-lhe um padrão de gestão descentralizado e participa-tivo, foi igualmente ignorado. A lei que instaurou o modelo de administração descentrali-zado,14 criando as subprefeituras, ainda no início da década passada, abriu a possibilidade de inaugurar uma nova cultura de gestão do Estado (Finatec, 2004). Essa iniciativa se coadunava com o desfio de construir um modelo de gestão mais permeável às demandas

11 A área da saúde foi uma das primeiras a adotar esse modelo, com a contratação das chamadas Organizações Sociais (OSs) para prestar serviços nas unidades de saúde da rede pública mu-nicipal.

12 Também a Agenda 2012, anteriormente citada, foi concebida como uma opor-tunidade para “o poder pú-blico municipal ganha(r) a agilidade do setor privado [...]”. Cf.: http://www.prefei-tura.sp.gov.br/agenda2012/

13 Cf. Tribunal de Justiça de São Paulo, 5ª Vara da Fazen-da Pública. Sentença do Pro-cesso nº: 053.08.111161-0; Ação Civil Pública proposta pela União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e Interior e outros con-tra a Municipalidade de São Paulo, 29/07/2010.

14 Lei no. 13.399/2002.

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urbano, ainda permanece um caráter setorial das intervenções, conjugado à falta de ações coordenadas e de um efetivo processo de participação pública.

A multiplicidade de atores envolvidos no processo de implantação de parques li-neares, desde diferentes instituições do poder público, com culturas, procedimentos e legislação nem sempre congruentes, organizações da sociedade civil, a população morado-ra no entorno, até representantes do mercado imobiliário constitui, de fato, um desafio ao poder público. A conflituosidade subjacente à implantação dessa política decorre, em grande parte, dessa multiplicidade de interesses e perspectivas. As interações sociais e os diferentes papéis exercidos por esses atores tornam esse processo um espaço de negociação política, que pode envolver um amplo aprendizado social (Mostert et al., 2007; Petts, 2006; Jacobi, 2011).

Dada a complexidade dos problemas a serem considerados nos projetos (habitação, saneamento, mobilidade, segurança, entre outros), a implantação de parques lineares de-manda um conjunto de ações de responsabilidade de diferentes órgãos governamentais. A necessária ação intersetorial é condição para que a implementação do projeto ocorra sob uma sinergia de ações e gestão das instituições públicas (Saenz, 2010). No âmbito do mu-nicípio, essas ações são empreendidas por diferentes secretarias, departamentos, e mesmo outros níveis de governo, e quase sempre implicam remoção de favelas em área de risco, construção de moradias populares, obras de controle de erosão, a própria despoluição do corpo hídrico e instalação de coletor-tronco de esgoto, desenvolvimento do projeto paisa-gístico associado a áreas de lazer, além de trabalhos de educação ambiental. Não se trata de algo trivial planejar e executar políticas públicas de forma articulada com um nível de complexidade institucional como se verifica na cidade de São Paulo.

Impõem-se, portanto, um duplo desafio ao poder público municipal; de um lado, garantir que a diversidade de interesses e perspectivas seja considerada no desenvolvimento e implementação dos projetos, promovendo o debate público e a participação social. De outro lado, conferir unidade às ações empreendidas, articulando diferentes instituições, compondo investimentos com recursos orçamentários de fontes distintas. A questão é co-mo superar os inúmeros constrangimentos burocráticos particulares a cada órgão, de mo-do que a necessária sinergia das ações públicas ocorra tanto internamente às instituições, que se desdobram nas relações horizontais entre os diferentes departamentos e repartições de uma mesma secretaria, como nas relações verticais estabelecidas entre elas.

As dificuldades encontradas pelo poder público local para fazer frente a desafios co-mo esses se revelam na análise dos resultados efetivos da política municipal de recuperação de córregos e fundos de vale. Evidentemente, as falhas e problemas identificados até o momento não anulam a virtualidade representada por essa política pública. Cumpre, com efeito, empreender um esforço analítico na perspectiva de explorar alguns eventos sociais e políticos que incidem na capacidade do poder público municipal planejar e executar políticas com um potencial reconhecidamente inovador que possam contribuir para a construção de uma cidade mais sustentável.

A LógICA DA INCONCLUSÃO

É na dinâmica política que se instaurou no município de São Paulo nos últimos anos de governo que se pode buscar algumas pistas para explicar a baixa efetividade da implantação de uma política de recuperação de rios e córregos urbanos na cidade. Os

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processos internos pelos quais o poder público municipal, enquanto instituição de Esta-do, tem desenvolvido suas políticas públicas revela como são conduzidas as tomadas de decisão, que determinam as prioridades políticas e as formas de regulação do território e de produção da cidade.

Contudo, é preciso situar essa análise no debate mais amplo a respeito da (in)capa-cidade do Estado para constituir esferas possíveis de planejamento e gestão, notadamente de políticas de longo prazo, como são as políticas ambientais. A literatura a esse respeito é vasta e foge ao escopo deste artigo retomá-la. Para os objetivos deste estudo, cabe destacar um eixo importante desse debate, que se refere ao fato da crise ter servido para justificar uma política deliberada de supressão do Estado e redução do poder público, no contexto do modelo neoliberal que dominava a agenda política. Oliveira (1999) já se referia a uma “falsa consciência da desnecessidade” do Estado, o que abre caminho para a subordinação do público aos mecanismos de mercado. É sob esse marco conceitual que se tentará com-preender a atuação do poder público municipal.

A cidade de São Paulo é o retrato acabado desse modelo, em que o poder público sucumbe à hegemonia do mercado, de tal modo que cada vez mais as intervenções na cidade parecem prescindir de sua regulação. Não seria exagero falar em uma política de “privatização da cidade”, como se referiu Rizek (2011) ao analisar um conjunto de inter-venções urbanas recentes ocorridas em São Paulo, notadamente nos projetos de revitaliza-ção de setores da área central e programas voltados à urbanização de favelas. Nessas áreas como em outras, os agentes de transformação da cidade passam “por cima e ao largo” de planos e leis que regulam e definem as intervenções urbanas. A “liberalidade” concedida ao mercado imobiliário, aprofundada nos últimos governos municipais, tem resultado na desconfiguração de bairros antigos, na verticalização exacerbada e no agravamento da impermeabilidade do solo (Ferreira, 2011).

O corolário desse modelo é uma administração pública que busca nas organizações privadas o modelo de eficiência a ser seguido,11 ou seja, uma administração gerencial, que desloca o cidadão para uma posição de cliente/consumidor e transforma o servidor públi-co em gerente dos serviços (Bevir, 2011). Como cliente/consumidor, o cidadão perde o estatuto de “sujeito de direitos” para ser reconhecido como usuário de serviços públicos.12

Não é por acaso que importantes instrumentos legais foram parcial ou totalmente ignorados, a começar pelo próprio Plano Diretor Estratégico. Quase uma década após sua elaboração, vários instrumentos urbanísticos e programas estratégicos previstos na lei seguem sem regulamentação, como o imposto predial e territorial progressivo. Ademais, o governo municipal foi incapaz de fazer uma revisão do Plano Diretor, como exige a legislação. O projeto de lei da revisão enviado à Câmara Municipal de São Paulo foi alvo de duras críticas por parte de organizações da sociedade civil, que chegaram a mover uma ação civil pública contra a municipalidade. Em 2010, uma decisão da Justiça determi-nou a suspensão do projeto de revisão, considerando que a prefeitura não assegurou os princípios da “gestão democrática da Cidade de São Paulo e da participação popular” nesse processo.13

Do mesmo modo, todo um arcabouço legal que possibilitou a reestruturação da administração municipal, conferindo-lhe um padrão de gestão descentralizado e participa-tivo, foi igualmente ignorado. A lei que instaurou o modelo de administração descentrali-zado,14 criando as subprefeituras, ainda no início da década passada, abriu a possibilidade de inaugurar uma nova cultura de gestão do Estado (Finatec, 2004). Essa iniciativa se coadunava com o desfio de construir um modelo de gestão mais permeável às demandas

11 A área da saúde foi uma das primeiras a adotar esse modelo, com a contratação das chamadas Organizações Sociais (OSs) para prestar serviços nas unidades de saúde da rede pública mu-nicipal.

12 Também a Agenda 2012, anteriormente citada, foi concebida como uma opor-tunidade para “o poder pú-blico municipal ganha(r) a agilidade do setor privado [...]”. Cf.: http://www.prefei-tura.sp.gov.br/agenda2012/

13 Cf. Tribunal de Justiça de São Paulo, 5ª Vara da Fazen-da Pública. Sentença do Pro-cesso nº: 053.08.111161-0; Ação Civil Pública proposta pela União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e Interior e outros con-tra a Municipalidade de São Paulo, 29/07/2010.

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dos diversos sujeitos sociais e políticos, resultado do questionamento sobre o papel do Estado como principal agente promotor das políticas sociais (Jacobi, 2003).

A descentralização da administração pública municipal inseria-se na discussão mais ampla sobre a crise do Estado que marcou o final do século passado (Hobsbawm, 1995; Bevir, 2011). O modelo adotado em São Paulo pretendia recuperar a legitimidade e representatividade do Estado, criando as subprefeituras como agentes indutores do de-senvolvimento local, ou por outra, como uma efetiva instância político-administrativa de nível local (Santos e Barreta, 2004).

Ainda como um modelo incipiente, que necessitava de adequações e ajustes, a estrutura organizacional das subprefeituras trazia a possibilidade da integração de ações setoriais, articulando-as na forma de uma política pública integrada, facilitando sua execução e acompanhamento (Silva-Sánchez e Manetti, 2007). Além disso, o modelo de descentralização, ao transferir o poder de decisão para as subprefeituras, enquanto agente locais da administração pública; tinha a potencialidade de aproximar o poder público do cidadão, estimulando a participação da sociedade civil organizada. Esse “reforço das mediações sociais no nível político local” é particularmente importante no contexto bra-sileiro, pois “constitui-se em oposição direta a uma democracia representativa prisioneira do clientelismo [...]” (Cabanes e Georges, 2011, p. 19).

O que se observou, contudo, foi um gradativo “encolhimento” dessa instância polí-tico-administrativa local. A partir de 2005, o processo de descentralização sofre um recuo, senão retrocede. As subprefeituras viram reduzidas suas funções e seu papel na condução de políticas públicas e na organização do território sob sua administração. Nos primeiros meses do governo de José Serra (2005/2008), sucessivos decretos alteraram a estrutura das subprefeituras, notadamente no que se refere à transferência de competências e atribui-ções para as secretarias municipais, como foi o caso dos serviços de saúde e educação e mesmo transferências de cargos e funções.15 Mais recentemente, já na gestão de Gilberto Kassab (2009/2012), foi a vez dos serviços relativos à assistência social serem excluídos das competências das subprefeituras.16 Gradualmente as subprefeituras retornam à função das antigas administrações regionais, funcionando como “zeladorias” da cidade, o que resultou na perda de autonomia na gestão das políticas públicas locais, deixando de cumprir seu papel indutor do desenvolvimento local e de agente articulador das políticas públicas. Os subprefeitos, a quem caberia a decisão, direção e controle dos assuntos municipais em nível local, na prática, não exercem a autonomia que lhes é conferida por lei, tampouco são designados com base em critérios que levem em conta o papel de gestor público.17

A subprefeitura poderia, assim, exercer um importante papel articulador das prin-cipais políticas que mantêm interface com a implantação dos parques lineares, particu-larmente as políticas de habitação, drenagem e saneamento. Desenvolvidas no âmbito de secretarias específicas, essas políticas setoriais, ainda que possam ter pressupostos seme-lhantes, são formuladas com diretrizes e critérios nem sempre congruentes. A possibilida-de de integração desses planos depende, em larga medida, da gestão integral do projeto por um agente com legitimidade para conduzir esse processo, de modo a potencializar as ações, superando o caráter setorial predominante. Não parece ser esta a experiência acu-mulada pelo município de São Paulo. A incapacidade do poder público para desenvolver políticas integradas e sustentáveis desvela-se, na verdade, em uma não-politica, em uma ausência do poder público como regulador da produção da cidade.

O modo como essa dinâmica rebate nas formas de participação pública também não pode ser negligenciado, sobretudo considerando que a consulta e a participação da socie-

15 Cf. Decreto nº 45.713/2005; Decreto nº 45.787/2005 (transfere as Coordenadorias de Educa-ção das Subprefeituras para a Secretaria de Educação); Decreto nº 46.044/2005; Decreto nº 46.209/2005 (transfere a Coordenadorias de Saúde das Subprefeituras para a Secretaria Municipal da Saúde).

16 Decreto nº 50.365/2008 (transfere Supervisões de Assistência Social das Sub-prefeituras para a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento).

17 Em 2012, dos trinta e um subprefeitos nomeados, apenas um não era egres-so de instituições militares.Cf.http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secreta-rias/subprefeituras/subpre-feituras/subprefeitos/index.php?p=21778. Último aces-so em 11 de abril de 2012.

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dade no desenvolvimento e implantação de projetos de recuperação de rios urbanos é um princípio fundamental (Rhoads et al.1999; Tunstall, 2000; Petts, 2006; Saenz, 2010).18 Esse processo prevê um momento inicial de compartilhamento de informação, avançando para uma participação efetiva nos processos de tomada de decisão, que considere as ex-pectativas e interesses dos atores envolvidos, de modo a fortalecer uma ação colaborativa e pactuada, visando à construção coletiva de conhecimento, fundamental para o comparti-lhamento das responsabilidades (Pahl-Wostl et al., 2007; Jacobi e Franco, 2011).

Apenas timidamente o poder público municipal tem promovido a participação da sociedade na implantação de parques lineares, ainda que este seja um princípio estabele-cido no Estatuto da Cidade e incorporado ao Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, segundo o qual o desenvolvimento de políticas urbanas deve ter como pressu-posto a gestão democrática da cidade. Não há procedimentos previamente definidos, tam-pouco instâncias destacadas para conduzir esses processos participativos, como seria apro-priadamente o papel das subprefeituras, o que inclui até mesmo a fase pós-implantação, quando se coloca a questão da manutenção desses parques.19 Apenas a institucionalização da participação, como a criação dos conselhos gestores dos parques lineares já implanta-dos,20 não é garantia de um processo participativo, cujo sucesso depende da forma como se articulam desenho institucional, organização da sociedade civil e vontade política de efetivar a participação (Avritzer, 2008).

Na avaliação que empreendeu dos projetos de parques lineares implantados na ci-dade, Travassos (2010) identificou apenas dois casos de participação pública mais efetiva, sempre com a presença ativa das subprefeituras. Contudo, nem mesmo em um dos casos em que se vislumbrava a possibilidade de consolidar um processo de aprendizagem social, com partilha de responsabilidades e ações pactuadas (Silva-Sánchez, 2011), foi possível firmar uma contraposição à dinâmica política instaurada.

A análise dos processos que relacionam o poder político em geral à implantação das mais diferentes políticas públicas em particular possibilita a compreensão da dinâmica que rege a produção da cidade. Explica, ademais, em grande medida, porque certas políticas e instrumentos legais parecem ser mais avançados do que a própria capacidade do poder público para implementá-los, notadamente aqueles relacionados à questão ambiental. As políticas de recuperação de rios e córregos urbanos e a própria gestão da água urbana se inscrevem nesse contexto. Sem a capacidade de planejar e executar políticas de longo prazo, que não podem prescindir de um agente público que articule as ações e facilite esse diálogo, mesmo uma legislação inovadora, que representa um novo paradigma na gestão dos recursos hídricos na cidade, como aquela que prevê a recuperação de córregos e fundos de vale, pode ser ineficaz ou permanecer apenas como uma promessa de futuro.

REfERÊNCIAS BIBLIOgRÁfICAS

ALVES, H. P. F.; TORRES, H. G. “Vulnerabilidade socioambiental na cidade de São Paulo: uma análise de famílias e domicílios em situação de pobreza e risco ambiental”. São Paulo em Perspectiva, vol. 20, n. 1, Fundação Seade, p. 44-60, 2006. AVRITZER, L. “Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático”. Opinião pública, vol. 14, nº 1, p.43-64, 2008.

18 Em artigo que analisa uma operação urbana pro-posta pela municipalidade, que entre outros projetos previa originalmente o des-tamponamento do córrego Pirajuçara, na região oeste da cidade, Gonçalves (2011) ressalta ser “notável a di-ficuldade da prefeitura em estabelecer o diálogo com a população”.

19 Na avaliação que em-preendeu dos projetos de parques lineares implantados na cidade, Travassos (2010) identificou apenas dois ca-sos de participação pública mais efetiva, sempre com a presença ativa das subprefei-turas. Op. cit.

20 Cf. Portaria 9/2012 – SV-MA, que aprova o Regimento Eleitoral, para a escolha dos Conselhos Gestores dos Par-ques Lineares Municipais da Cidade de São Paulo.

Solange Silva-Sánchez pos- sui graduação em ciências sociais; Doutora em Sociolo-gia pela USP; Pós-doutoran-da do Programa de Ciência Ambiental (PROCAM/USP). E-mail: [email protected]

Pedro R. Jacobi possui gra-duação em ciências sociais e em economia; Doutorado em Sociologia pela USP; Pro-fessor Titular da Faculdade de Educação da USP; Pes-quisador do CNPq. E-mail: [email protected]

Artigo recebido em setem-bro de 2012 e aprovado para publicação em janeiro de 2013.

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dos diversos sujeitos sociais e políticos, resultado do questionamento sobre o papel do Estado como principal agente promotor das políticas sociais (Jacobi, 2003).

A descentralização da administração pública municipal inseria-se na discussão mais ampla sobre a crise do Estado que marcou o final do século passado (Hobsbawm, 1995; Bevir, 2011). O modelo adotado em São Paulo pretendia recuperar a legitimidade e representatividade do Estado, criando as subprefeituras como agentes indutores do de-senvolvimento local, ou por outra, como uma efetiva instância político-administrativa de nível local (Santos e Barreta, 2004).

Ainda como um modelo incipiente, que necessitava de adequações e ajustes, a estrutura organizacional das subprefeituras trazia a possibilidade da integração de ações setoriais, articulando-as na forma de uma política pública integrada, facilitando sua execução e acompanhamento (Silva-Sánchez e Manetti, 2007). Além disso, o modelo de descentralização, ao transferir o poder de decisão para as subprefeituras, enquanto agente locais da administração pública; tinha a potencialidade de aproximar o poder público do cidadão, estimulando a participação da sociedade civil organizada. Esse “reforço das mediações sociais no nível político local” é particularmente importante no contexto bra-sileiro, pois “constitui-se em oposição direta a uma democracia representativa prisioneira do clientelismo [...]” (Cabanes e Georges, 2011, p. 19).

O que se observou, contudo, foi um gradativo “encolhimento” dessa instância polí-tico-administrativa local. A partir de 2005, o processo de descentralização sofre um recuo, senão retrocede. As subprefeituras viram reduzidas suas funções e seu papel na condução de políticas públicas e na organização do território sob sua administração. Nos primeiros meses do governo de José Serra (2005/2008), sucessivos decretos alteraram a estrutura das subprefeituras, notadamente no que se refere à transferência de competências e atribui-ções para as secretarias municipais, como foi o caso dos serviços de saúde e educação e mesmo transferências de cargos e funções.15 Mais recentemente, já na gestão de Gilberto Kassab (2009/2012), foi a vez dos serviços relativos à assistência social serem excluídos das competências das subprefeituras.16 Gradualmente as subprefeituras retornam à função das antigas administrações regionais, funcionando como “zeladorias” da cidade, o que resultou na perda de autonomia na gestão das políticas públicas locais, deixando de cumprir seu papel indutor do desenvolvimento local e de agente articulador das políticas públicas. Os subprefeitos, a quem caberia a decisão, direção e controle dos assuntos municipais em nível local, na prática, não exercem a autonomia que lhes é conferida por lei, tampouco são designados com base em critérios que levem em conta o papel de gestor público.17

A subprefeitura poderia, assim, exercer um importante papel articulador das prin-cipais políticas que mantêm interface com a implantação dos parques lineares, particu-larmente as políticas de habitação, drenagem e saneamento. Desenvolvidas no âmbito de secretarias específicas, essas políticas setoriais, ainda que possam ter pressupostos seme-lhantes, são formuladas com diretrizes e critérios nem sempre congruentes. A possibilida-de de integração desses planos depende, em larga medida, da gestão integral do projeto por um agente com legitimidade para conduzir esse processo, de modo a potencializar as ações, superando o caráter setorial predominante. Não parece ser esta a experiência acu-mulada pelo município de São Paulo. A incapacidade do poder público para desenvolver políticas integradas e sustentáveis desvela-se, na verdade, em uma não-politica, em uma ausência do poder público como regulador da produção da cidade.

O modo como essa dinâmica rebate nas formas de participação pública também não pode ser negligenciado, sobretudo considerando que a consulta e a participação da socie-

15 Cf. Decreto nº 45.713/2005; Decreto nº 45.787/2005 (transfere as Coordenadorias de Educa-ção das Subprefeituras para a Secretaria de Educação); Decreto nº 46.044/2005; Decreto nº 46.209/2005 (transfere a Coordenadorias de Saúde das Subprefeituras para a Secretaria Municipal da Saúde).

16 Decreto nº 50.365/2008 (transfere Supervisões de Assistência Social das Sub-prefeituras para a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento).

17 Em 2012, dos trinta e um subprefeitos nomeados, apenas um não era egres-so de instituições militares.Cf.http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secreta-rias/subprefeituras/subpre-feituras/subprefeitos/index.php?p=21778. Último aces-so em 11 de abril de 2012.

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dade no desenvolvimento e implantação de projetos de recuperação de rios urbanos é um princípio fundamental (Rhoads et al.1999; Tunstall, 2000; Petts, 2006; Saenz, 2010).18 Esse processo prevê um momento inicial de compartilhamento de informação, avançando para uma participação efetiva nos processos de tomada de decisão, que considere as ex-pectativas e interesses dos atores envolvidos, de modo a fortalecer uma ação colaborativa e pactuada, visando à construção coletiva de conhecimento, fundamental para o comparti-lhamento das responsabilidades (Pahl-Wostl et al., 2007; Jacobi e Franco, 2011).

Apenas timidamente o poder público municipal tem promovido a participação da sociedade na implantação de parques lineares, ainda que este seja um princípio estabele-cido no Estatuto da Cidade e incorporado ao Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, segundo o qual o desenvolvimento de políticas urbanas deve ter como pressu-posto a gestão democrática da cidade. Não há procedimentos previamente definidos, tam-pouco instâncias destacadas para conduzir esses processos participativos, como seria apro-priadamente o papel das subprefeituras, o que inclui até mesmo a fase pós-implantação, quando se coloca a questão da manutenção desses parques.19 Apenas a institucionalização da participação, como a criação dos conselhos gestores dos parques lineares já implanta-dos,20 não é garantia de um processo participativo, cujo sucesso depende da forma como se articulam desenho institucional, organização da sociedade civil e vontade política de efetivar a participação (Avritzer, 2008).

Na avaliação que empreendeu dos projetos de parques lineares implantados na ci-dade, Travassos (2010) identificou apenas dois casos de participação pública mais efetiva, sempre com a presença ativa das subprefeituras. Contudo, nem mesmo em um dos casos em que se vislumbrava a possibilidade de consolidar um processo de aprendizagem social, com partilha de responsabilidades e ações pactuadas (Silva-Sánchez, 2011), foi possível firmar uma contraposição à dinâmica política instaurada.

A análise dos processos que relacionam o poder político em geral à implantação das mais diferentes políticas públicas em particular possibilita a compreensão da dinâmica que rege a produção da cidade. Explica, ademais, em grande medida, porque certas políticas e instrumentos legais parecem ser mais avançados do que a própria capacidade do poder público para implementá-los, notadamente aqueles relacionados à questão ambiental. As políticas de recuperação de rios e córregos urbanos e a própria gestão da água urbana se inscrevem nesse contexto. Sem a capacidade de planejar e executar políticas de longo prazo, que não podem prescindir de um agente público que articule as ações e facilite esse diálogo, mesmo uma legislação inovadora, que representa um novo paradigma na gestão dos recursos hídricos na cidade, como aquela que prevê a recuperação de córregos e fundos de vale, pode ser ineficaz ou permanecer apenas como uma promessa de futuro.

REfERÊNCIAS BIBLIOgRÁfICAS

ALVES, H. P. F.; TORRES, H. G. “Vulnerabilidade socioambiental na cidade de São Paulo: uma análise de famílias e domicílios em situação de pobreza e risco ambiental”. São Paulo em Perspectiva, vol. 20, n. 1, Fundação Seade, p. 44-60, 2006. AVRITZER, L. “Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático”. Opinião pública, vol. 14, nº 1, p.43-64, 2008.

18 Em artigo que analisa uma operação urbana pro-posta pela municipalidade, que entre outros projetos previa originalmente o des-tamponamento do córrego Pirajuçara, na região oeste da cidade, Gonçalves (2011) ressalta ser “notável a di-ficuldade da prefeitura em estabelecer o diálogo com a população”.

19 Na avaliação que em-preendeu dos projetos de parques lineares implantados na cidade, Travassos (2010) identificou apenas dois ca-sos de participação pública mais efetiva, sempre com a presença ativa das subprefei-turas. Op. cit.

20 Cf. Portaria 9/2012 – SV-MA, que aprova o Regimento Eleitoral, para a escolha dos Conselhos Gestores dos Par-ques Lineares Municipais da Cidade de São Paulo.

Solange Silva-Sánchez pos- sui graduação em ciências sociais; Doutora em Sociolo-gia pela USP; Pós-doutoran-da do Programa de Ciência Ambiental (PROCAM/USP). E-mail: [email protected]

Pedro R. Jacobi possui gra-duação em ciências sociais e em economia; Doutorado em Sociologia pela USP; Pro-fessor Titular da Faculdade de Educação da USP; Pes-quisador do CNPq. E-mail: [email protected]

Artigo recebido em setem-bro de 2012 e aprovado para publicação em janeiro de 2013.

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BARTALINI, V. “A trama capilar das águas na visão cotidiana da paisagem”. Revista USP, no. 70, São Paulo, p. 88-97, 2006.BERNHARD, E. S. et al. “Synthesizing U.S. River Restoration”. Efforts Science 29, vol. 308 no. 5722, p. 636-637, 2005.BEVIR, M. “Governança democrática: uma genealogia”. Revista Sociologia Política, vol. 19, n. 39, p. 103-114, 2011.BRAGA, R.; CARVALHO, P. F. C. Recursos hídricos e planejamento urbano e regional. Rio Claro: Laboratório de Planejamento Municipal – IGCE-UNESP, p. 113-127, 2003.BROCANELI, P. F.; STUENER, M. M. “Renaturalização de rios e córregos no município de São Paulo”. Exacta, v. 6, n. 1, São Paulo, p. 147-156, 2008. FERREIRA, J. S. W. São Paulo: cidade da intolerância, ou o urbanismo “à Brasileira”. Estudos Avançados [online], vol.25, n.71, p. 73-88, 2011.FINDLAY, S. J.; TAYLOR, M. P. “Why rehabilitate urban river systems?” Area, 38.3, p. 312–325, 2006.FINATEC. Descentralização e poder local: a experiência das subprefeituras em São Paulo. Fundação de Empreendimentos Científicos e tecnológicos-Finatec, Hucitec, 2004. 141p.FRIEDRICH, D. O parque linear como instrumento de planejamento e gestão das áreas de fundo de vale urbanas. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura. Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, 273 pp. <http://hdl.handle.net/10183/13175, 2007.GONÇALVES, F. M. “Operação urbana consorciada Vila Sônia e a possibilidade de diá-logo”. Estudos Avançados, v. 25, n. 71, p. 205-218, 2011. HOBSBAWM, E. A era dos extremos. O breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Com-panhia das Letras. 2ª. Edição. 1995. 598p.JACOBI, P. “Aprendizagem social e governança da água”. In: Pedro Jacobi (coord.). Apren-dizagem social. Diálogos e ferramentas participativas: aprender juntos para cuidar da água. São Paulo, IEE/PROCASM, p. 21-28, 2011.JACOBI, P.; FRANCO, M. I. G. C. “Sustentabilidade, participação, aprendizagem so-cial”. In: JACOBI, P. (Coord.). Aprendizagem social. Diálogos e ferramentas participativas: aprender juntos para cuidar da água. São Paulo, IEE/PROCASM, p. 11-20, 2011.JACOBI, P. R.; GEORGETTI, C. “Os moradores e a água na bacia do rio Pirajuçara na Região Metropolitana de São Paulo: percepções e atitudes num contexto crítico de degra-dação de fonte hídricas”. In: JACOBI, P. (Org.) Atores e processos na governança da água no Estado de São Paulo. Editora Annablume, São Paulo, p. 87-106, 2009. JACOBI, P. “Espaços públicos e práticas participativas na gestão do meio ambiente no Brasil”. Sociedade e Estado, v. 18, n. 1/2, Brasília, p. 137-154, 2003.LOVETT, S.; EDGAR, B. “Planning for river restoration”. Fact Sheet 9, Land & Water Australia, Canberra, 2002.KIBEL. P. S (Org.) Rivertown. Rethinging urban rivers. The MIT Press, Cambridge, Mas-sachusetts, 219 pp, 2007.MAINSTONE, C. P.; HOLMES, N. T. H. “Embedding a strategic approach to river restoration in operational management processes – experiences in England”. Aquatic Con-servation: Marine and Freshwater Ecosystems, v. 20, Issue S1, p. S82 -S95, 2009.MMA-Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos Plano Nacional de Recursos Hídricos. Diretrizes. Volume 3. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hídricos. Brasília: MMA, 4 v., 2006.

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MOSTERT, E., et al. “Social learning in European river-basin management: barriers and fostering mechanisms from 10 river basins”. Ecology and Society 12(1): 19, 2007. NAKAMURA, K; TOCKNER, K. River and Wetland Restoration in Japan. 3rd European Conference on River Restoration River Restoration. Zagreb, Croatia. Disponível em: <http://www.pwri.go.jp/eng/activity/pdf/reports/nakamura-tockner040517.pdf>, 2004.OLIVEIRA, F. “Privatização do público, destruição da fala e anulação da política: o tota-litarismo neoliberal”. In: OLIVEIRA, F.; PAOLI, M. C. (Orgs.) Os sentidos da democracia. Políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis, Editora Vozes, Fapesp, Núcleo de Estudos dos Direitos da Cidadania, pp. 55-81, 1999.PAHL-WOSTL, C., M. et al. “Social learning and water resources management”. Ecology and Society 12(2): 5, 2007. PETTS, J. “Managing public engagement to optimize learning: reflections from urban river restoration”. Human Ecology Review, Vol. 13, No. 2, pp.172-181, 2006._____ “Learning about learning: lessons from public engagement and deliberation on urban river restoration”. The Geographical Journal, v. 173, n. 4, p. 300-311, 2007.REYNOSO, A. E. G. “Teorías e métodos para la restauración de ríos”. In: Rescate de ríos urbanos. Propuestas conceptuales y metodológicas para la restauración y rehabilitaciónde ríos. Universidad Nacional Autonóma de México. Coordinación de Humanidades. Programa Universitario de Estudios sobre la Ciudad. México, p. 56-67, 2010.REYNOSO, A. E. G., MUÑOZ, L. H.; CHEN, M. P.; SAENZ, I. Z. Rescate de ríos urbanos. Propuestas conceptuales y metodológicas para la restauración y rehabilitación de ríos. Universidad Nacional Autonóma de México. Coordinación de Humanidades. Programa Universitario de Estudios sobre la Ciudad. México, 2010. 110p.RISEK, C. S. “Intervenções urbanas recentes na cidade de São Paulo: processos, agentes, resultados”. In: Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. Robert Cabanes et al. (Orgs). São Paulo: Boitempo, p. 339-376, 2011.RHOADS, B. L.; WILSON, D.; URBAN, M.; HERRICKS, E. E. “Interaction Between Scientists and Nonscientists in Community-Based Watershed Management: Emergence of the Concept of Stream Naturalization”. Environmental Management Vol. 24, No. 3, p. 297–308, 1999.RODRIGUES, M. A. Avaliação dos benefícios da reabilitação de rios: potencial para apli-cação da Transferência de Benefícios. Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 125 p, 2009.ROLNIK, R.; KLINK, J. “Crescimento econômico e desenvolvimento urbano: por que nossas cidades continuam tão precárias?” Novos Estudos Cebrap 89, p. 89-109, 2011.ROLNIK, R.; NAKANO, K. “Cidade e políticas urbanas no Brasil: velhas questões e novos desafios”. In: H. RATTNER (Org.) Brasil no limiar do século XXI: alternativas para a construção de uma cidade sustentável. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, p.105-124, 2000.SAENZ, I. Z. “Algunos princípios em el rescate de ríos urbanos”. In: Rescate de ríos ur-banos. Propuestas conceptuales y metodológicas para la restauración y rehabilitaciónde ríos. Universidad Nacional Autonóma de México. Coordinación de Humanidades. Programa Universitario de Estudios sobre la Ciudad. México, p 36-49, 2010.SANTOS, U. P.; BARRETA, D. (Orgs.) As subprefeituras de São Paulo. São Paulo, Huci-tec, Prefeitura, 2004. 203p. SÃO PAULO (Município) Indicadores ambientais e gestão urbana: desafios para a cons-trução da sustentabilidade na cidade de São Paulo / Patrícia Marra Sepe, Sandra Gomes

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BARTALINI, V. “A trama capilar das águas na visão cotidiana da paisagem”. Revista USP, no. 70, São Paulo, p. 88-97, 2006.BERNHARD, E. S. et al. “Synthesizing U.S. River Restoration”. Efforts Science 29, vol. 308 no. 5722, p. 636-637, 2005.BEVIR, M. “Governança democrática: uma genealogia”. Revista Sociologia Política, vol. 19, n. 39, p. 103-114, 2011.BRAGA, R.; CARVALHO, P. F. C. Recursos hídricos e planejamento urbano e regional. Rio Claro: Laboratório de Planejamento Municipal – IGCE-UNESP, p. 113-127, 2003.BROCANELI, P. F.; STUENER, M. M. “Renaturalização de rios e córregos no município de São Paulo”. Exacta, v. 6, n. 1, São Paulo, p. 147-156, 2008. FERREIRA, J. S. W. São Paulo: cidade da intolerância, ou o urbanismo “à Brasileira”. Estudos Avançados [online], vol.25, n.71, p. 73-88, 2011.FINDLAY, S. J.; TAYLOR, M. P. “Why rehabilitate urban river systems?” Area, 38.3, p. 312–325, 2006.FINATEC. Descentralização e poder local: a experiência das subprefeituras em São Paulo. Fundação de Empreendimentos Científicos e tecnológicos-Finatec, Hucitec, 2004. 141p.FRIEDRICH, D. O parque linear como instrumento de planejamento e gestão das áreas de fundo de vale urbanas. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura. Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, 273 pp. <http://hdl.handle.net/10183/13175, 2007.GONÇALVES, F. M. “Operação urbana consorciada Vila Sônia e a possibilidade de diá-logo”. Estudos Avançados, v. 25, n. 71, p. 205-218, 2011. HOBSBAWM, E. A era dos extremos. O breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Com-panhia das Letras. 2ª. Edição. 1995. 598p.JACOBI, P. “Aprendizagem social e governança da água”. In: Pedro Jacobi (coord.). Apren-dizagem social. Diálogos e ferramentas participativas: aprender juntos para cuidar da água. São Paulo, IEE/PROCASM, p. 21-28, 2011.JACOBI, P.; FRANCO, M. I. G. C. “Sustentabilidade, participação, aprendizagem so-cial”. In: JACOBI, P. (Coord.). Aprendizagem social. Diálogos e ferramentas participativas: aprender juntos para cuidar da água. São Paulo, IEE/PROCASM, p. 11-20, 2011.JACOBI, P. R.; GEORGETTI, C. “Os moradores e a água na bacia do rio Pirajuçara na Região Metropolitana de São Paulo: percepções e atitudes num contexto crítico de degra-dação de fonte hídricas”. In: JACOBI, P. (Org.) Atores e processos na governança da água no Estado de São Paulo. Editora Annablume, São Paulo, p. 87-106, 2009. JACOBI, P. “Espaços públicos e práticas participativas na gestão do meio ambiente no Brasil”. Sociedade e Estado, v. 18, n. 1/2, Brasília, p. 137-154, 2003.LOVETT, S.; EDGAR, B. “Planning for river restoration”. Fact Sheet 9, Land & Water Australia, Canberra, 2002.KIBEL. P. S (Org.) Rivertown. Rethinging urban rivers. The MIT Press, Cambridge, Mas-sachusetts, 219 pp, 2007.MAINSTONE, C. P.; HOLMES, N. T. H. “Embedding a strategic approach to river restoration in operational management processes – experiences in England”. Aquatic Con-servation: Marine and Freshwater Ecosystems, v. 20, Issue S1, p. S82 -S95, 2009.MMA-Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos Plano Nacional de Recursos Hídricos. Diretrizes. Volume 3. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hídricos. Brasília: MMA, 4 v., 2006.

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MOSTERT, E., et al. “Social learning in European river-basin management: barriers and fostering mechanisms from 10 river basins”. Ecology and Society 12(1): 19, 2007. NAKAMURA, K; TOCKNER, K. River and Wetland Restoration in Japan. 3rd European Conference on River Restoration River Restoration. Zagreb, Croatia. Disponível em: <http://www.pwri.go.jp/eng/activity/pdf/reports/nakamura-tockner040517.pdf>, 2004.OLIVEIRA, F. “Privatização do público, destruição da fala e anulação da política: o tota-litarismo neoliberal”. In: OLIVEIRA, F.; PAOLI, M. C. (Orgs.) Os sentidos da democracia. Políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis, Editora Vozes, Fapesp, Núcleo de Estudos dos Direitos da Cidadania, pp. 55-81, 1999.PAHL-WOSTL, C., M. et al. “Social learning and water resources management”. Ecology and Society 12(2): 5, 2007. PETTS, J. “Managing public engagement to optimize learning: reflections from urban river restoration”. Human Ecology Review, Vol. 13, No. 2, pp.172-181, 2006._____ “Learning about learning: lessons from public engagement and deliberation on urban river restoration”. The Geographical Journal, v. 173, n. 4, p. 300-311, 2007.REYNOSO, A. E. G. “Teorías e métodos para la restauración de ríos”. In: Rescate de ríos urbanos. Propuestas conceptuales y metodológicas para la restauración y rehabilitaciónde ríos. Universidad Nacional Autonóma de México. Coordinación de Humanidades. Programa Universitario de Estudios sobre la Ciudad. México, p. 56-67, 2010.REYNOSO, A. E. G., MUÑOZ, L. H.; CHEN, M. P.; SAENZ, I. Z. Rescate de ríos urbanos. Propuestas conceptuales y metodológicas para la restauración y rehabilitación de ríos. Universidad Nacional Autonóma de México. Coordinación de Humanidades. Programa Universitario de Estudios sobre la Ciudad. México, 2010. 110p.RISEK, C. S. “Intervenções urbanas recentes na cidade de São Paulo: processos, agentes, resultados”. In: Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. Robert Cabanes et al. (Orgs). São Paulo: Boitempo, p. 339-376, 2011.RHOADS, B. L.; WILSON, D.; URBAN, M.; HERRICKS, E. E. “Interaction Between Scientists and Nonscientists in Community-Based Watershed Management: Emergence of the Concept of Stream Naturalization”. Environmental Management Vol. 24, No. 3, p. 297–308, 1999.RODRIGUES, M. A. Avaliação dos benefícios da reabilitação de rios: potencial para apli-cação da Transferência de Benefícios. Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 125 p, 2009.ROLNIK, R.; KLINK, J. “Crescimento econômico e desenvolvimento urbano: por que nossas cidades continuam tão precárias?” Novos Estudos Cebrap 89, p. 89-109, 2011.ROLNIK, R.; NAKANO, K. “Cidade e políticas urbanas no Brasil: velhas questões e novos desafios”. In: H. RATTNER (Org.) Brasil no limiar do século XXI: alternativas para a construção de uma cidade sustentável. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, p.105-124, 2000.SAENZ, I. Z. “Algunos princípios em el rescate de ríos urbanos”. In: Rescate de ríos ur-banos. Propuestas conceptuales y metodológicas para la restauración y rehabilitaciónde ríos. Universidad Nacional Autonóma de México. Coordinación de Humanidades. Programa Universitario de Estudios sobre la Ciudad. México, p 36-49, 2010.SANTOS, U. P.; BARRETA, D. (Orgs.) As subprefeituras de São Paulo. São Paulo, Huci-tec, Prefeitura, 2004. 203p. SÃO PAULO (Município) Indicadores ambientais e gestão urbana: desafios para a cons-trução da sustentabilidade na cidade de São Paulo / Patrícia Marra Sepe, Sandra Gomes

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CAPITAL EXCEDENTE E URBANIZAÇÃO

O PaPel dOs Grandes PrOjetOs UrbanOs

n a d i a s O m e k hr i c a r d O c a r l O s G a s P a r

r e s U m O O presente artigo desenvolve algumas reflexões sobre a relação entre os grandes projetos urbanos, a absorção dos excedentes de capital e as crises econômicas da atuali-dade. Ele principia pela conceitualização dos grandes projetos urbanos à luz do novo papel das cidades na economia mundial contemporânea, prossegue com considerações sobre a dinâmica imobiliária e a disputa em torno da terra e da renda do solo urbano, e finaliza com a defesa do papel do Estado – em todas as escalas geográficas, mas, sobretudo, do Estado nacional – no ordenamento do território, na fixação de princípios integrados de política regional e na regu-lação pública do espaço urbano.

P a l a v r a s - c h a v e Grandes projetos urbanos; excedentes de capital; política urbana; Estado nacional; solo urbano.

INTRODUÇÃO

O último livro do geógrafo norte-americano David Harvey, recentemente pu-blicado no Brasil, O enigma do capital e as crises do capitalismo (2011a), aborda uma dimensão essencial da economia mundial contemporânea, cujos desdobramentos estão na base das crises que o sistema vivencia desde os anos 1990. Referimo-nos ao fato dos capitalistas estarem sempre produzindo excedentes financeiros, os quais necessitam, por força da competição, encontrar saídas para sua absorção na forma de investimentos lucrativos. O problema é que essa expansão ocorre em ritmo composto, a uma taxa aproximada de 3% ao ano. Então se trata de encontrar aplicação rentável para massas crescentes de recursos, levando investidores a exercitar de forma frenética seus poderes de “destruição criativa” no sentido de sempre alavancar oportunidades de investimento incrementais.

Isso envolve necessariamente os espaços geográficos e, nestes, a urbanização ocupa lugar proeminente. Novos espaços e relações espaciais são produzidos para dar vazão aos imperativos da acumulação de capital. A renda da terra, junto com os juros e o crédito, precisa ser trazida para o centro da análise. Os proprietários do solo e a coalizão de interesses que se forma em torno dos investimentos imobiliários (financistas, incorpo-radores, políticos, empresários da construção) alargam seu poder de classe e ditam os rumos do crescimento urbano. Ao mesmo tempo, o artificialismo da demanda inchada e da especulação com os preços provoca crises de sobreacumulação, endividamento e um espectro de inadimplências atrás de si. O capitalismo rentista cobra seu preço. O fenômeno do subprime nos eUa é a mais recente e grave dessas manifestações de irracio-nalismo dos mercados, conduzidas em benefício da plutocracia dirigente.

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– São Paulo: Secretaria Municipal do Verde e do Meio ambiente: Centro de Estudos da Metrópole, 2008. p. : il, 2008.SÃO PAULO (Município) Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: 2002-2012. São Paulo, SENAC, Prefeitura Municipal, 2004.SEUL, Metropolitan Government Seoul. Back to a future. Cheong Gye Cheon. Restora-tion Project. 2006.105 p.SILVA-SÁNCHEZ, S. S. “Requalificação de córregos urbanos, participação pública e aprendizado social: um estudo de caso no município de São Paulo”. In: Anais do 3º. En-contro Internacional da Governança da Água. Desafios Interdisciplinares. GovAmb USP, Procam/IEA, 2011.SILVA-SÁNCHEZ, S. S.; MANETTI, C. “Experiência de reconversão urbana e ambien-tal da bacia do córrego Água Podre. Parque Linear Água Podre”. In: Anais do Seminário Nacional sobre o Tratamento de Áreas de Preservação Permanente em Meio Urbano e Restrições Ambientais ao Parcelamento do Solo – APPUrbana 2007, São Paulo, 2007.TRAVASSOS, L. R. F. C. Revelando rios. Novos paradigmas para a intervenção em fun-dos de vale na cidade de São Paulo. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, 243 p, 2010.TUCCI, C. E. M. “Águas urbanas”. Revista Estudos Avançados, v.22, n. 63, p. 97-112, 2008TUNSTALL, S. M.; PENNING-ROWSELL, E. C.; TAPSELL, S. M.; EDEN, S. E. “River restoration: public attitudes and expectations”. J CIWEM, p. 363-370, 2000.

a b s t r a c t This paper discusses how political processes taking place in the city of São Paulo become hurdles to the enforcement of public policies designed to restore urban creeks. An innovative policy for restoring urban rivers and creeks, potentially creating a paradigm shift in the management of water resources, originated with the city’s master plan. However, one decade later, the policy remains more advanced than the city’s government implementation capacity. Its effectiveness as an urban and environmental policy towards a more sustainable city depends on joint efforts that represent an enormous challenge to the local political power, requiring promoting and ensuring a democratic debate with participating social actors, as well as the involvement of different municipal departments.

K e y w o r d s Urban planning; restore urban creeks; São Paulo city; water re-sources.

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CAPITAL EXCEDENTE E URBANIZAÇÃO

O PaPel dOs Grandes PrOjetOs UrbanOs

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r e s U m O O presente artigo desenvolve algumas reflexões sobre a relação entre os grandes projetos urbanos, a absorção dos excedentes de capital e as crises econômicas da atuali-dade. Ele principia pela conceitualização dos grandes projetos urbanos à luz do novo papel das cidades na economia mundial contemporânea, prossegue com considerações sobre a dinâmica imobiliária e a disputa em torno da terra e da renda do solo urbano, e finaliza com a defesa do papel do Estado – em todas as escalas geográficas, mas, sobretudo, do Estado nacional – no ordenamento do território, na fixação de princípios integrados de política regional e na regu-lação pública do espaço urbano.

P a l a v r a s - c h a v e Grandes projetos urbanos; excedentes de capital; política urbana; Estado nacional; solo urbano.

INTRODUÇÃO

O último livro do geógrafo norte-americano David Harvey, recentemente pu-blicado no Brasil, O enigma do capital e as crises do capitalismo (2011a), aborda uma dimensão essencial da economia mundial contemporânea, cujos desdobramentos estão na base das crises que o sistema vivencia desde os anos 1990. Referimo-nos ao fato dos capitalistas estarem sempre produzindo excedentes financeiros, os quais necessitam, por força da competição, encontrar saídas para sua absorção na forma de investimentos lucrativos. O problema é que essa expansão ocorre em ritmo composto, a uma taxa aproximada de 3% ao ano. Então se trata de encontrar aplicação rentável para massas crescentes de recursos, levando investidores a exercitar de forma frenética seus poderes de “destruição criativa” no sentido de sempre alavancar oportunidades de investimento incrementais.

Isso envolve necessariamente os espaços geográficos e, nestes, a urbanização ocupa lugar proeminente. Novos espaços e relações espaciais são produzidos para dar vazão aos imperativos da acumulação de capital. A renda da terra, junto com os juros e o crédito, precisa ser trazida para o centro da análise. Os proprietários do solo e a coalizão de interesses que se forma em torno dos investimentos imobiliários (financistas, incorpo-radores, políticos, empresários da construção) alargam seu poder de classe e ditam os rumos do crescimento urbano. Ao mesmo tempo, o artificialismo da demanda inchada e da especulação com os preços provoca crises de sobreacumulação, endividamento e um espectro de inadimplências atrás de si. O capitalismo rentista cobra seu preço. O fenômeno do subprime nos eUa é a mais recente e grave dessas manifestações de irracio-nalismo dos mercados, conduzidas em benefício da plutocracia dirigente.

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– São Paulo: Secretaria Municipal do Verde e do Meio ambiente: Centro de Estudos da Metrópole, 2008. p. : il, 2008.SÃO PAULO (Município) Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: 2002-2012. São Paulo, SENAC, Prefeitura Municipal, 2004.SEUL, Metropolitan Government Seoul. Back to a future. Cheong Gye Cheon. Restora-tion Project. 2006.105 p.SILVA-SÁNCHEZ, S. S. “Requalificação de córregos urbanos, participação pública e aprendizado social: um estudo de caso no município de São Paulo”. In: Anais do 3º. En-contro Internacional da Governança da Água. Desafios Interdisciplinares. GovAmb USP, Procam/IEA, 2011.SILVA-SÁNCHEZ, S. S.; MANETTI, C. “Experiência de reconversão urbana e ambien-tal da bacia do córrego Água Podre. Parque Linear Água Podre”. In: Anais do Seminário Nacional sobre o Tratamento de Áreas de Preservação Permanente em Meio Urbano e Restrições Ambientais ao Parcelamento do Solo – APPUrbana 2007, São Paulo, 2007.TRAVASSOS, L. R. F. C. Revelando rios. Novos paradigmas para a intervenção em fun-dos de vale na cidade de São Paulo. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, 243 p, 2010.TUCCI, C. E. M. “Águas urbanas”. Revista Estudos Avançados, v.22, n. 63, p. 97-112, 2008TUNSTALL, S. M.; PENNING-ROWSELL, E. C.; TAPSELL, S. M.; EDEN, S. E. “River restoration: public attitudes and expectations”. J CIWEM, p. 363-370, 2000.

a b s t r a c t This paper discusses how political processes taking place in the city of São Paulo become hurdles to the enforcement of public policies designed to restore urban creeks. An innovative policy for restoring urban rivers and creeks, potentially creating a paradigm shift in the management of water resources, originated with the city’s master plan. However, one decade later, the policy remains more advanced than the city’s government implementation capacity. Its effectiveness as an urban and environmental policy towards a more sustainable city depends on joint efforts that represent an enormous challenge to the local political power, requiring promoting and ensuring a democratic debate with participating social actors, as well as the involvement of different municipal departments.

K e y w o r d s Urban planning; restore urban creeks; São Paulo city; water re-sources.

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Segundo Harvey (2011a, p.30-1) – citando o Relatório do Banco Mundial de 2009 –, a produção total de bens e serviços na economia global foi, naquele ano, de U$ 56,3 tri-lhões, o que, a uma taxa “saudável” para a absorção lucrativa do excedente, significava ter de reinvestir U$ 3 trilhões em base anualizada. Abaixo desse nível, a economia entra em recessão, estoura a bolha especulativa. Foi o que ocorreu.

Como se materializa essa busca obsessiva pela valorização do capital no espaço urbano, maximizada pela massa volátil de recursos que gira no mercado financeiro e ul-trapassa dez vezes o valor da produção global em bens e serviços? É óbvio que o mercado imobiliário é o alvo dessa cobiça, mas novos meios são criados para viabilizar mobilizações maciças de capitais e atender, em bloco, ao apetite dos detentores de riqueza líquida e dos proprietários fundiários: são os chamados grandes projetos urbanos. É possível utilizar tais recursos estabilizadores do próprio capitalismo para construirmos cidades humanizadas, com espaços públicos de qualidade, boas condições habitacionais e de mobilidade, ou o capital imobiliário só cresce produzindo condomínios fechados e favelas? Qual o projeto de sociedade capaz de restituir urbanidades justas, belas e sustentáveis?

O presente artigo desenvolve algumas reflexões sobre esse tema de grande atualidade, priorizando o enfoque político-econômico. Estamos conscientes, porém, de que o assunto requer pesquisas adicionais e acurado monitoramento. O texto principia com a concei-tualização dos grandes projetos urbanos à luz do novo papel das cidades na economia mundial contemporânea, prossegue com considerações sobre a dinâmica imobiliária e a disputa em torno da terra e da renda do solo urbano, e finaliza com a defesa do papel do Estado – em todas as escalas geográficas, mas, sobretudo, do Estado nacional – no orde-namento do território, na fixação de princípios de política regional e na regulação pública do espaço urbano, como um contraponto democrático ao predomínio dos interesses privatistas do mercado imobiliário.

ELITIZAÇÃO E ImPACTOs NAs CIDADEs

Nas últimas décadas, os grandes projetos urbanos (GPUs) vêm sendo disputados por cidades de distintos tamanhos e características como a via preferencial para atrair investidores e potencializar as vantagens competitivas de cada núcleo urbano. Não são propriamente novidades no desenho das grandes urbes, porem na atualidade sua dimen-são, conectividade global e íntima vinculação ao processo de reestruturação produtiva em curso os diferenciam. Usualmente consistem na realocação mercantil de glebas bem loca-lizadas, mas degradadas pela obsolescência de seus usos tradicionais. Contudo, também envolvem empreendimentos monumentais, como em cidades no litoral do Golfo Pérsico. “Melhorar a vantagem competitiva urbana é visto como principalmente dependente da melhoria e adaptação do meio-ambiente construído para as estratégias de acumulação das elites-chave de uma cidade e conectando a cidade a economias transnacionais de ponta e redes culturais de elite” (Swyngedouw, 2012, p.53-4). Sua lucratividade advém dos vul-tosos incrementos no preço da terra advindos dos investimentos imobiliários projetados, e do ciclo especulativo que a perspectiva de altos negócios provoca. Seu vínculo com a globalização financeira é evidente, constituindo canal privilegiado de escoamento para capitais excedentes (muitos deles de origem duvidosa) de todo o mundo.

O espaço constitui, historicamente, elemento integrante dos ciclos de acumulação de capital e válvula de escape de suas crises periódicas, não obstante o fato de também

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expressar os limites e contradições inerentes ao sistema (Smith, 2008, p.177). Pois a eco-nomia e as configurações territoriais interatuam reciprocamente. O poder e o dinheiro se reforçam mutuamente.

Exemplos paradigmáticos de grandes intervenções urbanas irrompem por todos os lados. A começar por Barcelona, passando por outras cidades espanholas, italianas, norte--americanas e asiáticas. Na China, novas cidades pontuam a paisagem. Algumas delas ainda desertas, numa marcha frenética de “destruição criativa” (Arantes, 2011). E cidades dentro de cidades, como é o caso do grandioso distrito de Pudong, em Xangai. A América Latina participa dessa corrida competitiva interurbana, e Buenos Aires, Santiago, Lima, Cidade do Panamá, Rio de Janeiro, entre muitas outras metrópoles, ostentam grandiosos empreendimentos imobiliários, finalizados ou em execução, e impulsionam projetos ur-banísticos de largo alcance.

Por outro lado, grandes projetos urbanos absorvem somas crescentes de recursos financeiros e, não raro, se veem em dificuldades na ocorrência de crises. É o caso, por exemplo, de iniciativas colossais em Dubai, como as World Islands – cerca de 300 ilhas artificiais cujos preços de venda situam-se entre 50 e 250 milhões cada –, que, com o refluxo do mercado imobiliário, acumulam dívida superior a 18,5 bilhões. Fenômeno se-melhante ocorre com o megalômano projeto Pearl Qatar, em Doha. As somas envolvidas são fabulosas, e nos dão uma pálida ideia de como os GPUs contribuem para o escoamento do excedente de capitais – e provocam subsequentemente as crises. Em Boston, eUa, o projeto já concluído do Big Dig – uma completa requalificação de área possibilitada pela demolição de uma extensa via elevada, a construção de um túnel e a abertura de vastas glebas para empreendimentos imobiliários – consumiu, depois de inúmeras e controver-tidas majorações orçamentárias, Us$ 22 bilhões, dez vezes mais que seu custeio original. Lembremos que o valor total dos projetos da Copa 2014 no Brasil deve consumir em torno de r$ 85 bilhões! E nós já tivemos um mau exemplo de desperdício de recursos com os Jogos Pan-Americanos no Rio em 2011. Aliás, grandes eventos são usados como catalisadores de investimentos e reformas urbanas e, a par de seus discutíveis resultados sociais – pois o alvo são grandes negócios e o benefício apropriado pela parcela mais rica da população –, muitas vezes terminam com saldo no vermelho, com um legado de “ele-fantes brancos” e dívidas.

Em outra publicação recente, Harvey (2011b) faz uma releitura de Henri Lefebvre e define que o direito à cidade é estabelecer um poder radical sobre o processo de urba-nização, o que depende da mobilização social do excedente. Aponta ainda que os grandes projetos urbanos são historicamente estabilizadores do capital, citando os exemplos de Haussmann, na Paris do século XiX, de Robert Moses em Nova Iorque, na segunda me-tade do século XX, e, atualmente, no boom imobiliário chinês. Acrescentaríamos, nessa relação, o exemplo atual de Dubai, que constitui uma amostra prática da postulação de Harvey. Surgida com o excedente petrolífero, a criação de uma nova centralidade terciária global as margens do Golfo Pérsico repete o mesmo paradigma urbanístico (equivocado e insustentável) do século XX, baseado no uso intensivo do automóvel, na dispersão, na fragmentação urbana e desperdício de asfalto e concreto, onde até os pontos de ônibus têm ar condicionado. Criaram terra, pois tinham pouca, e ligaram o oriente e o ocidente pelo hub aéreo de Dubai/Abu Dhabi. Alem disso, construíram milhões de metros quadra-dos ainda vazios, mas em processo de ocupação, reproduzindo o capital excedente global. Em síntese, como já notamos, do ponto de vista urbanístico tais intervenções reproduzem, em grande parte, características altamente problemáticas da concepção modernista clássi-

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Segundo Harvey (2011a, p.30-1) – citando o Relatório do Banco Mundial de 2009 –, a produção total de bens e serviços na economia global foi, naquele ano, de U$ 56,3 tri-lhões, o que, a uma taxa “saudável” para a absorção lucrativa do excedente, significava ter de reinvestir U$ 3 trilhões em base anualizada. Abaixo desse nível, a economia entra em recessão, estoura a bolha especulativa. Foi o que ocorreu.

Como se materializa essa busca obsessiva pela valorização do capital no espaço urbano, maximizada pela massa volátil de recursos que gira no mercado financeiro e ul-trapassa dez vezes o valor da produção global em bens e serviços? É óbvio que o mercado imobiliário é o alvo dessa cobiça, mas novos meios são criados para viabilizar mobilizações maciças de capitais e atender, em bloco, ao apetite dos detentores de riqueza líquida e dos proprietários fundiários: são os chamados grandes projetos urbanos. É possível utilizar tais recursos estabilizadores do próprio capitalismo para construirmos cidades humanizadas, com espaços públicos de qualidade, boas condições habitacionais e de mobilidade, ou o capital imobiliário só cresce produzindo condomínios fechados e favelas? Qual o projeto de sociedade capaz de restituir urbanidades justas, belas e sustentáveis?

O presente artigo desenvolve algumas reflexões sobre esse tema de grande atualidade, priorizando o enfoque político-econômico. Estamos conscientes, porém, de que o assunto requer pesquisas adicionais e acurado monitoramento. O texto principia com a concei-tualização dos grandes projetos urbanos à luz do novo papel das cidades na economia mundial contemporânea, prossegue com considerações sobre a dinâmica imobiliária e a disputa em torno da terra e da renda do solo urbano, e finaliza com a defesa do papel do Estado – em todas as escalas geográficas, mas, sobretudo, do Estado nacional – no orde-namento do território, na fixação de princípios de política regional e na regulação pública do espaço urbano, como um contraponto democrático ao predomínio dos interesses privatistas do mercado imobiliário.

ELITIZAÇÃO E ImPACTOs NAs CIDADEs

Nas últimas décadas, os grandes projetos urbanos (GPUs) vêm sendo disputados por cidades de distintos tamanhos e características como a via preferencial para atrair investidores e potencializar as vantagens competitivas de cada núcleo urbano. Não são propriamente novidades no desenho das grandes urbes, porem na atualidade sua dimen-são, conectividade global e íntima vinculação ao processo de reestruturação produtiva em curso os diferenciam. Usualmente consistem na realocação mercantil de glebas bem loca-lizadas, mas degradadas pela obsolescência de seus usos tradicionais. Contudo, também envolvem empreendimentos monumentais, como em cidades no litoral do Golfo Pérsico. “Melhorar a vantagem competitiva urbana é visto como principalmente dependente da melhoria e adaptação do meio-ambiente construído para as estratégias de acumulação das elites-chave de uma cidade e conectando a cidade a economias transnacionais de ponta e redes culturais de elite” (Swyngedouw, 2012, p.53-4). Sua lucratividade advém dos vul-tosos incrementos no preço da terra advindos dos investimentos imobiliários projetados, e do ciclo especulativo que a perspectiva de altos negócios provoca. Seu vínculo com a globalização financeira é evidente, constituindo canal privilegiado de escoamento para capitais excedentes (muitos deles de origem duvidosa) de todo o mundo.

O espaço constitui, historicamente, elemento integrante dos ciclos de acumulação de capital e válvula de escape de suas crises periódicas, não obstante o fato de também

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expressar os limites e contradições inerentes ao sistema (Smith, 2008, p.177). Pois a eco-nomia e as configurações territoriais interatuam reciprocamente. O poder e o dinheiro se reforçam mutuamente.

Exemplos paradigmáticos de grandes intervenções urbanas irrompem por todos os lados. A começar por Barcelona, passando por outras cidades espanholas, italianas, norte--americanas e asiáticas. Na China, novas cidades pontuam a paisagem. Algumas delas ainda desertas, numa marcha frenética de “destruição criativa” (Arantes, 2011). E cidades dentro de cidades, como é o caso do grandioso distrito de Pudong, em Xangai. A América Latina participa dessa corrida competitiva interurbana, e Buenos Aires, Santiago, Lima, Cidade do Panamá, Rio de Janeiro, entre muitas outras metrópoles, ostentam grandiosos empreendimentos imobiliários, finalizados ou em execução, e impulsionam projetos ur-banísticos de largo alcance.

Por outro lado, grandes projetos urbanos absorvem somas crescentes de recursos financeiros e, não raro, se veem em dificuldades na ocorrência de crises. É o caso, por exemplo, de iniciativas colossais em Dubai, como as World Islands – cerca de 300 ilhas artificiais cujos preços de venda situam-se entre 50 e 250 milhões cada –, que, com o refluxo do mercado imobiliário, acumulam dívida superior a 18,5 bilhões. Fenômeno se-melhante ocorre com o megalômano projeto Pearl Qatar, em Doha. As somas envolvidas são fabulosas, e nos dão uma pálida ideia de como os GPUs contribuem para o escoamento do excedente de capitais – e provocam subsequentemente as crises. Em Boston, eUa, o projeto já concluído do Big Dig – uma completa requalificação de área possibilitada pela demolição de uma extensa via elevada, a construção de um túnel e a abertura de vastas glebas para empreendimentos imobiliários – consumiu, depois de inúmeras e controver-tidas majorações orçamentárias, Us$ 22 bilhões, dez vezes mais que seu custeio original. Lembremos que o valor total dos projetos da Copa 2014 no Brasil deve consumir em torno de r$ 85 bilhões! E nós já tivemos um mau exemplo de desperdício de recursos com os Jogos Pan-Americanos no Rio em 2011. Aliás, grandes eventos são usados como catalisadores de investimentos e reformas urbanas e, a par de seus discutíveis resultados sociais – pois o alvo são grandes negócios e o benefício apropriado pela parcela mais rica da população –, muitas vezes terminam com saldo no vermelho, com um legado de “ele-fantes brancos” e dívidas.

Em outra publicação recente, Harvey (2011b) faz uma releitura de Henri Lefebvre e define que o direito à cidade é estabelecer um poder radical sobre o processo de urba-nização, o que depende da mobilização social do excedente. Aponta ainda que os grandes projetos urbanos são historicamente estabilizadores do capital, citando os exemplos de Haussmann, na Paris do século XiX, de Robert Moses em Nova Iorque, na segunda me-tade do século XX, e, atualmente, no boom imobiliário chinês. Acrescentaríamos, nessa relação, o exemplo atual de Dubai, que constitui uma amostra prática da postulação de Harvey. Surgida com o excedente petrolífero, a criação de uma nova centralidade terciária global as margens do Golfo Pérsico repete o mesmo paradigma urbanístico (equivocado e insustentável) do século XX, baseado no uso intensivo do automóvel, na dispersão, na fragmentação urbana e desperdício de asfalto e concreto, onde até os pontos de ônibus têm ar condicionado. Criaram terra, pois tinham pouca, e ligaram o oriente e o ocidente pelo hub aéreo de Dubai/Abu Dhabi. Alem disso, construíram milhões de metros quadra-dos ainda vazios, mas em processo de ocupação, reproduzindo o capital excedente global. Em síntese, como já notamos, do ponto de vista urbanístico tais intervenções reproduzem, em grande parte, características altamente problemáticas da concepção modernista clássi-

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ca, como a prioridade rodoviarista (o automóvel), a cidade difusa e o funcionalismo, isto é, a especialização de usos por zonas territoriais pré-definidas.

Sem buscar descrever empiricamente exemplos de projetos urbanos, que não é o propósito deste artigo, entendemos que alguns deles, principalmente na Europa, apontam elementos de inclusão promovendo a provisão de habitação social, de espaços públicos de qualidade ou ainda construindo alternativas de trabalho e renda. Este é o caso de Paris Rive Gauche, no qual o governo socialista de Delanoé ampliou o número de habitações populares de aluguel de 5000 para 7000 unidades e onde um antigo moinho foi tomado por movimentos culturais, constituindo um espaço de negociação (Somekh, 2010). Ou ainda na experiência do Norte de Milão, onde a prefeitura de Sesto San Giovanni, aliado a lideranças sindicais, negociou a reocupação de plantas industriais tombadas com um novo tecido produtivo, composto de micro e pequenas empresas dirigidas por antigos tra-balhadores do setor siderúrgico, desmontado na Europa. A iniciativa contou com recursos da União Europeia num programa de capacitação para o empreendedorismo (Somekh, 2006, p. 265).

Mesmo na América Latina o controverso projeto de Puerto Madero, em Buenos Aires, gestado desde 1900 (Abascal e Zylberstjain, 2010), embora produzindo um espaço “global”, também proporcionou a recuperação do Patrimônio Histórico, constituído pelos antigos armazéns, bem como a implementação de espaços públicos generosos e inclusivos. Como também o Transmilênio de Bogotá, versão atualizada e sustentável dos corredores brasileiros, que reduziu consideravelmente o tempo de deslocamento dos trabalhadores (Abramo, 2008), mostra que com um bom projeto é possível atender demandas sociais.

O caso do concurso para escritórios de Arquitetura para a “Grand Paris”, com o objetivo de desenhar a Metrópole pós-Kyoto, realizado em 2008, aponta dois tipos de projetos metropolitanos. Um voltado para a globalização e outro para a requalificação dos espaços e serviços urbanos (Somekh, 2010). Isto se materializa nos recentes debates sobre o novo traçado do metrô parisiense: os interesses fundiários atendidos e a constituição de uma nova centralidade global, defendida pelo governo nacional (Grand 8), ou a melhoria dos serviços urbanos (Arc Express), reivindicada pelo governo regional de Ile de France.

Essa dualidade não é nova. Nos anos 1990 a pesquisa que avaliou os projetos urbanos na Europa (Morandi e Pucci, 1998) detectava duas famílias de projetos: uma voltada para as necessidades do mercado e da globalização e outra voltada a recuperar funções obsoletas das cidades. Em 1994, segundo Arantes (2012), o urbanista Dieter Frick estabelecia dois cenários compostos para Berlim: um deles, equipar a “global city”, procurando atrair mul-tinacionais, e outro, buscar uma cidade “com fisionomia humana”. Arantes afirma que, passados muitos anos, a fusão de modelos não aconteceu e pelos seus prognósticos não acontecerá. Segundo a autora, Berlim e Barcelona desencadearam operações do Cultural World e dois grandes eventos que alavancaram sua “renovação urbana”.

Ainda segundo Arantes, os Jogos Olímpicos no Brasil também estão suscitando intervenções “no front cultural”, já presentes na época dos Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro que se constituíram num legado–desastre (Egler e Oliveira, 2010). São Paulo, com o projeto “Nova Luz” e com milhares de hectares definidos como área de Projeto Urbano pela prefeitura, não tem um modelo de transformação contemporânea da cidade (Somekh, 2011). Um modelo a ser desenvolvido deve atualizar a cidade, mas deve reparar seu passivo social, buscando novas alternativas produtivas geradoras de trabalho.

Por certo, a geração de valor, na moderna economia globalizada, não se limita apenas às fábricas ou às unidades produtoras de serviços. Com a terceirização crescente dos ser-

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viços, seja no circuito superior da economia, ou no inferior, a cidade se transforma cada vez mais em espaço produtivo. Isto no aspecto econômico, como também no cultural, estético e simbólico, dimensões nas quais o presente modelo de acumulação de capital está profundamente imbricado. As relações sociais evidenciam maior individualização e diversificação. Dissemina-se a mercantilização. A crise do fordismo urbano implicou no predomínio do mercado como mecanismo de coordenação das decisões de uso do solo, aspecto este característico da cidade neoliberal (Abramo, 2012, p.36). O que converte o espaço urbano propriamente dito em objeto de inversões diversas, maximizando a im-portância das externalidades de toda ordem, associadas a processos não raro massivos de deslocamento de atividades e pessoas (Sassen, 2010).

Contudo, a ocorrência do conjunto de tais fenômenos de valorização da terra não está limitada às chamadas cidades globais – ou seja, poucas dezenas de centros urbanos dis-persos pelo mundo que preenchem requisitos distintivos não muito claros, cujas máximas expressões seriam Nova Iorque, Londres e Tóquio (Sassen, 2001) –, pois constatamos que os mesmos atributos se verificam, em maior ou menor grau, em quase todas as principais cidades do mundo conectadas aos fluxos econômicos hegemônicos, bem como em centros regionais de segunda ordem, com esferas de comando mais restritas. Recentes sondagens apontam 400 cidades médias (de até 2 milhões de habitantes) em mercados emergentes como catalisadoras de 40% do crescimento econômico mundial nos próximos quinze anos (McKinsey Quarterly, 2011). Seja como for, as correlações entre o novo quadro econômi-co e suas manifestações espaciais urbanas permitem detectar precisamente os esboços de uma realidade citadina bastante diferenciada – de alcance regional, macrometropolitano – frente aos parâmetros anteriormente consagrados da morfologia urbana, em especial aqueles típicos do fordismo (Gaspar, 2011a; 2011b). A própria OnU reconhece a prima-zia dos grandes aglomerados urbanos na economia global de nossa época, resultado dos emergentes vínculos entre o crescimento das cidades e os novos parâmetros da atividade econômica, organizada em sistemas (clusters) regionais (UN-Habitat, 2010, p.8-10).

Atualmente, “O dado organizacional é o espaço de fluxos estruturadores do território e não mais, como na fase anterior, espaços onde os fluxos de matéria desenhavam a ossa-tura do sistema urbano” (Santos, 2008, p.103).

Os grandes projetos urbanos se encaixam nessa nova realidade das cidades, pelo po-tencial de acumulação privada que ostentam, agregando múltiplos interesses financeiros e imobiliários de poderosos grupos internacionalizados. De um ponto de vista crítico, os GPUs acabam quase sempre associados à valorização do solo, concomitante elevação do preço dos imóveis, desalojamento de populações e empresas incapacitadas de pagar pelo preço da terra, elitização dos espaços melhor localizados (acessibilidade), segregação socioespacial e espraiamento (suburbanização) do crescimento urbano – ocasionando congestionamentos, prejuízos ambientais e acréscimo de custos, decorrente da expansão territorial dos serviços públicos. O Estado, em quaisquer dos seus níveis, é muitas vezes conivente com esses processos, já que participa economicamente dos GPUs na condição de regulador, prestamista e investidor direto, embora na qualidade de avalista dos lucros privados. É possível modificar essa conduta mediante novas práticas democráticas?

Tais resultados derivam diretamente das características da economia mundial con-temporânea e da captura dos interesses públicos pela lógica financeira. A centralização econômica produzida e alimentada pelo mercado requer uma determinada centralização espacial do mesmo capital (Smith, 2008, p.164). Aspectos esses típicos de como as coisas funcionam no capitalismo atual. Como a orientação do progresso tecnológico possui

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ca, como a prioridade rodoviarista (o automóvel), a cidade difusa e o funcionalismo, isto é, a especialização de usos por zonas territoriais pré-definidas.

Sem buscar descrever empiricamente exemplos de projetos urbanos, que não é o propósito deste artigo, entendemos que alguns deles, principalmente na Europa, apontam elementos de inclusão promovendo a provisão de habitação social, de espaços públicos de qualidade ou ainda construindo alternativas de trabalho e renda. Este é o caso de Paris Rive Gauche, no qual o governo socialista de Delanoé ampliou o número de habitações populares de aluguel de 5000 para 7000 unidades e onde um antigo moinho foi tomado por movimentos culturais, constituindo um espaço de negociação (Somekh, 2010). Ou ainda na experiência do Norte de Milão, onde a prefeitura de Sesto San Giovanni, aliado a lideranças sindicais, negociou a reocupação de plantas industriais tombadas com um novo tecido produtivo, composto de micro e pequenas empresas dirigidas por antigos tra-balhadores do setor siderúrgico, desmontado na Europa. A iniciativa contou com recursos da União Europeia num programa de capacitação para o empreendedorismo (Somekh, 2006, p. 265).

Mesmo na América Latina o controverso projeto de Puerto Madero, em Buenos Aires, gestado desde 1900 (Abascal e Zylberstjain, 2010), embora produzindo um espaço “global”, também proporcionou a recuperação do Patrimônio Histórico, constituído pelos antigos armazéns, bem como a implementação de espaços públicos generosos e inclusivos. Como também o Transmilênio de Bogotá, versão atualizada e sustentável dos corredores brasileiros, que reduziu consideravelmente o tempo de deslocamento dos trabalhadores (Abramo, 2008), mostra que com um bom projeto é possível atender demandas sociais.

O caso do concurso para escritórios de Arquitetura para a “Grand Paris”, com o objetivo de desenhar a Metrópole pós-Kyoto, realizado em 2008, aponta dois tipos de projetos metropolitanos. Um voltado para a globalização e outro para a requalificação dos espaços e serviços urbanos (Somekh, 2010). Isto se materializa nos recentes debates sobre o novo traçado do metrô parisiense: os interesses fundiários atendidos e a constituição de uma nova centralidade global, defendida pelo governo nacional (Grand 8), ou a melhoria dos serviços urbanos (Arc Express), reivindicada pelo governo regional de Ile de France.

Essa dualidade não é nova. Nos anos 1990 a pesquisa que avaliou os projetos urbanos na Europa (Morandi e Pucci, 1998) detectava duas famílias de projetos: uma voltada para as necessidades do mercado e da globalização e outra voltada a recuperar funções obsoletas das cidades. Em 1994, segundo Arantes (2012), o urbanista Dieter Frick estabelecia dois cenários compostos para Berlim: um deles, equipar a “global city”, procurando atrair mul-tinacionais, e outro, buscar uma cidade “com fisionomia humana”. Arantes afirma que, passados muitos anos, a fusão de modelos não aconteceu e pelos seus prognósticos não acontecerá. Segundo a autora, Berlim e Barcelona desencadearam operações do Cultural World e dois grandes eventos que alavancaram sua “renovação urbana”.

Ainda segundo Arantes, os Jogos Olímpicos no Brasil também estão suscitando intervenções “no front cultural”, já presentes na época dos Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro que se constituíram num legado–desastre (Egler e Oliveira, 2010). São Paulo, com o projeto “Nova Luz” e com milhares de hectares definidos como área de Projeto Urbano pela prefeitura, não tem um modelo de transformação contemporânea da cidade (Somekh, 2011). Um modelo a ser desenvolvido deve atualizar a cidade, mas deve reparar seu passivo social, buscando novas alternativas produtivas geradoras de trabalho.

Por certo, a geração de valor, na moderna economia globalizada, não se limita apenas às fábricas ou às unidades produtoras de serviços. Com a terceirização crescente dos ser-

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viços, seja no circuito superior da economia, ou no inferior, a cidade se transforma cada vez mais em espaço produtivo. Isto no aspecto econômico, como também no cultural, estético e simbólico, dimensões nas quais o presente modelo de acumulação de capital está profundamente imbricado. As relações sociais evidenciam maior individualização e diversificação. Dissemina-se a mercantilização. A crise do fordismo urbano implicou no predomínio do mercado como mecanismo de coordenação das decisões de uso do solo, aspecto este característico da cidade neoliberal (Abramo, 2012, p.36). O que converte o espaço urbano propriamente dito em objeto de inversões diversas, maximizando a im-portância das externalidades de toda ordem, associadas a processos não raro massivos de deslocamento de atividades e pessoas (Sassen, 2010).

Contudo, a ocorrência do conjunto de tais fenômenos de valorização da terra não está limitada às chamadas cidades globais – ou seja, poucas dezenas de centros urbanos dis-persos pelo mundo que preenchem requisitos distintivos não muito claros, cujas máximas expressões seriam Nova Iorque, Londres e Tóquio (Sassen, 2001) –, pois constatamos que os mesmos atributos se verificam, em maior ou menor grau, em quase todas as principais cidades do mundo conectadas aos fluxos econômicos hegemônicos, bem como em centros regionais de segunda ordem, com esferas de comando mais restritas. Recentes sondagens apontam 400 cidades médias (de até 2 milhões de habitantes) em mercados emergentes como catalisadoras de 40% do crescimento econômico mundial nos próximos quinze anos (McKinsey Quarterly, 2011). Seja como for, as correlações entre o novo quadro econômi-co e suas manifestações espaciais urbanas permitem detectar precisamente os esboços de uma realidade citadina bastante diferenciada – de alcance regional, macrometropolitano – frente aos parâmetros anteriormente consagrados da morfologia urbana, em especial aqueles típicos do fordismo (Gaspar, 2011a; 2011b). A própria OnU reconhece a prima-zia dos grandes aglomerados urbanos na economia global de nossa época, resultado dos emergentes vínculos entre o crescimento das cidades e os novos parâmetros da atividade econômica, organizada em sistemas (clusters) regionais (UN-Habitat, 2010, p.8-10).

Atualmente, “O dado organizacional é o espaço de fluxos estruturadores do território e não mais, como na fase anterior, espaços onde os fluxos de matéria desenhavam a ossa-tura do sistema urbano” (Santos, 2008, p.103).

Os grandes projetos urbanos se encaixam nessa nova realidade das cidades, pelo po-tencial de acumulação privada que ostentam, agregando múltiplos interesses financeiros e imobiliários de poderosos grupos internacionalizados. De um ponto de vista crítico, os GPUs acabam quase sempre associados à valorização do solo, concomitante elevação do preço dos imóveis, desalojamento de populações e empresas incapacitadas de pagar pelo preço da terra, elitização dos espaços melhor localizados (acessibilidade), segregação socioespacial e espraiamento (suburbanização) do crescimento urbano – ocasionando congestionamentos, prejuízos ambientais e acréscimo de custos, decorrente da expansão territorial dos serviços públicos. O Estado, em quaisquer dos seus níveis, é muitas vezes conivente com esses processos, já que participa economicamente dos GPUs na condição de regulador, prestamista e investidor direto, embora na qualidade de avalista dos lucros privados. É possível modificar essa conduta mediante novas práticas democráticas?

Tais resultados derivam diretamente das características da economia mundial con-temporânea e da captura dos interesses públicos pela lógica financeira. A centralização econômica produzida e alimentada pelo mercado requer uma determinada centralização espacial do mesmo capital (Smith, 2008, p.164). Aspectos esses típicos de como as coisas funcionam no capitalismo atual. Como a orientação do progresso tecnológico possui

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íntima conexão com o sistema de dominação social, cuja principal função é assegurar a apropriação do excedente, a concentração de recursos e de poder nos aglomerados me-tropolitanos globais expressam geograficamente a correlação espacial do poder econômico concentrado, próprio do mundo corporativo (Sassen, 2007, p.138-9).

Krugman (1991, p.5 e p.98) afirma com razão que a mais notável particularidade da geografia da atividade econômica é sua concentração no espaço, devido aos custos de tran-sação e as economias de escala. Contudo, deve-se completar que esse processo se relaciona intimamente com a expansão do capitalismo. De fato, o espaço urbano é capitalizado como espaço de produção – enquanto, em outras épocas, a organização do mercado de trocas, motivações religiosas ou de defesa justificavam o fortalecimento da cidade.

Muitos acreditaram que a diminuição dos custos de transporte oriunda da aplicação das modernas tecnologias de informação e comunicação produziria maior flexibilidade na opção locacional, assim permitindo o desenvolvimento da periferia do sistema. Na verdade o oposto sucedeu: o progressivo desaparecimento dos tradicionais fatores de loca-lização levou a que novas condições prevalecessem, conduzindo as firmas a se congregar em regiões que não oferecem vantagens comparativas naturais. Em outras palavras, “em-bora as firmas sejam livres para optar pela melhor localização, elas gradualmente perdem sua maleabilidade uma vez que os efeitos das novas forças de aglomeração associadas aos retornos crescentes entram em jogo” (Combes et al., 2008, p.247). O crescimento dos espaços eletrônicos não está se direcionando para a dissolução das cidades: “Não estamos inaugurando um mundo pós-urbano, muito pelo contrário, estamos vivendo o reforço do urbano” (Lemos, 2005, p.29). A apropriação do excedente e a estabilização de estruturas desiguais de poder dependem hoje, fundamentalmente, do controle da informação e do condicionamento da criatividade, atividades profundamente urbanas, localizadas em centros direcionais do mundo e influenciadas pela concentração de recursos própria das economias de aglomeração. É nesse contexto que os grandes projetos urbanos se inscrevem crescentemente na paisagem metropolitana em todo o planeta.

VALOR DO sOLO E EsPECULAÇÃO

O desenvolvimento do mercado imobiliário revela uma das características distintivas dos grandes centros urbanos na atualidade. Constitui, ademais, verdadeira pedra de toque a medir a viabilidade e o alcance dos objetivos previstos nos grandes projetos urbanos. Por isso, justifica-se a atenção nos processos de formação da renda do solo, sua apropriação e a dinâmica do mercado imobiliário. Padrões internacionais convergentes de estilos arqui-tetônicos e atração de capital estrangeiro representam alguns de seus aspectos principais. Tais elementos ganham corpo no contexto de

uma mudança de longo prazo na natureza da propriedade do solo, do que poderíamos cha-mar ‘propriedade industrial do solo’ (quando a posse da terra é condição para outra produção) para a ‘propriedade financeira do solo’, quando a propriedade da terra é em si mesma um meio de extrair renda (Massey, 2007, p.48).

Os grandes projetos de renovação urbana materializam, como tem sido enfatizado no presente estudo, importantes premissas do urbanismo contemporâneo. “Os grandes projetos desse tipo expressam uma nova paisagem física e social da centralidade urbana,

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no contexto da globalização” (Cuenya, 2011, p.186). O privilégio da lógica mercantil, a privatização dos usos e a participação do setor público como suporte da arquitetura do plano e fiador da engenharia financeira figuram entre eles. Claro que existem flagrantes diferenças de estilo e concepção nos projetos monumentais de requalificação urbana que muitas cidades do mundo executam. Porém, no geral, a rentabilidade do uso do solo e a captura privada de mais-valias em setores particulares da cidade traduzem a norma, expressam sua atratividade.

Um corolário determinante da hegemonia dos mercados financeiros nas mais im-portantes cidades do planeta se dá pela via da compra e venda de imóveis de luxo. A construção de torres de escritórios de empresas de serviços de ponta, sedes administrativas de corporações transnacionais, parques temáticos, complexos aeroportuários, hotéis de poderosas cadeias internacionais, shopping centers, equipamentos culturais de alto nível, edifícios residenciais de alto padrão e condomínios fechados justificam vultosas inversões. Grandes projetos urbanos, com dinheiro público, lhes abrem terreno. Esse comporta-mento, aliado ao movimento dos proprietários de terra, eleva às alturas os valores do solo urbano e a especulação imobiliária, desloca populações inteiras de renda mediana ou baixa de bairros tradicionais (“gentrificação”) e agrava o fenômeno da dispersão metropolitana. Cidades de distintos graus de desenvolvimento socioeconômico em qualquer continente vivem essa realidade, resultado do privilégio ao rodoviarismo e aos veículos particulares que evidenciam gestão diferenciada no controle da acessibilidade. Em algumas os contras-tes são mais agudos – como a favelização nas metrópoles latinoamericanas. Os condomí-nios fechados, que afetam distintos grupos sociais (os ricos em primeiro lugar, mas não somente eles), também constituem fenômeno generalizado de segregação, hostilidade e exclusão. A planificação metropolitana incorpora dinâmicas reticulares (splintering urba-nism) (Mattos, 2008).

A elevação dos preços do solo urbano é a expressão paradigmática de uma vantagem privada e unilateral, que emerge de um processo coletivo, a urbanização. No entanto, tais incrementos do valor da terra e dos imóveis (as mais-valias urbanas), sem uma inter-venção por parte do setor público para sua recuperação, total ou parcial, são apropriados exclusivamente pelos proprietários da terra e dos imóveis beneficiados pela valorização de determinado setor da cidade. O solo, o subsolo e o espaço aéreo urbano são avaliados pelos seus valores de troca. A função social e a propriedade particular do solo assumem assim, via de regra, estatutos antagônicos.

O solo não possui custo de produção. É o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto de desejo. Por conseguinte, seu preço se forma exclusivamente como função da demanda. Em virtude de características únicas de localização que cada terreno tem com respeito ao restante das glebas da cidade, seu proprietário adquire condi-ções únicas – originadas da escassez – que lhe permite exigir um preço de tipo monopólico (Doebele, 1997).

O rentismo caracteriza boa parte da riqueza atual, pois a propriedade patrimonial – que lhe serve de base – “cria direitos a rendas sob a forma de alugueis, de rendas do solo (urbano e rural) e de fluxo de rendas relacionadas às aplicações na Bolsa” (Chesnais, 2005, p.50). De sorte que as vantagens e desvantagens do espaço construído geram conflitos so-ciais e produzem a apropriação desigual das localizações da cidade. É a manifestação mais cabal do poder na esfera intraurbana (Villaça, 2001). Daí resulta a segregação espacial que visa, principalmente, o controle das acessibilidades (os tempos de deslocamento) por parte dos segmentos de alta renda.

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íntima conexão com o sistema de dominação social, cuja principal função é assegurar a apropriação do excedente, a concentração de recursos e de poder nos aglomerados me-tropolitanos globais expressam geograficamente a correlação espacial do poder econômico concentrado, próprio do mundo corporativo (Sassen, 2007, p.138-9).

Krugman (1991, p.5 e p.98) afirma com razão que a mais notável particularidade da geografia da atividade econômica é sua concentração no espaço, devido aos custos de tran-sação e as economias de escala. Contudo, deve-se completar que esse processo se relaciona intimamente com a expansão do capitalismo. De fato, o espaço urbano é capitalizado como espaço de produção – enquanto, em outras épocas, a organização do mercado de trocas, motivações religiosas ou de defesa justificavam o fortalecimento da cidade.

Muitos acreditaram que a diminuição dos custos de transporte oriunda da aplicação das modernas tecnologias de informação e comunicação produziria maior flexibilidade na opção locacional, assim permitindo o desenvolvimento da periferia do sistema. Na verdade o oposto sucedeu: o progressivo desaparecimento dos tradicionais fatores de loca-lização levou a que novas condições prevalecessem, conduzindo as firmas a se congregar em regiões que não oferecem vantagens comparativas naturais. Em outras palavras, “em-bora as firmas sejam livres para optar pela melhor localização, elas gradualmente perdem sua maleabilidade uma vez que os efeitos das novas forças de aglomeração associadas aos retornos crescentes entram em jogo” (Combes et al., 2008, p.247). O crescimento dos espaços eletrônicos não está se direcionando para a dissolução das cidades: “Não estamos inaugurando um mundo pós-urbano, muito pelo contrário, estamos vivendo o reforço do urbano” (Lemos, 2005, p.29). A apropriação do excedente e a estabilização de estruturas desiguais de poder dependem hoje, fundamentalmente, do controle da informação e do condicionamento da criatividade, atividades profundamente urbanas, localizadas em centros direcionais do mundo e influenciadas pela concentração de recursos própria das economias de aglomeração. É nesse contexto que os grandes projetos urbanos se inscrevem crescentemente na paisagem metropolitana em todo o planeta.

VALOR DO sOLO E EsPECULAÇÃO

O desenvolvimento do mercado imobiliário revela uma das características distintivas dos grandes centros urbanos na atualidade. Constitui, ademais, verdadeira pedra de toque a medir a viabilidade e o alcance dos objetivos previstos nos grandes projetos urbanos. Por isso, justifica-se a atenção nos processos de formação da renda do solo, sua apropriação e a dinâmica do mercado imobiliário. Padrões internacionais convergentes de estilos arqui-tetônicos e atração de capital estrangeiro representam alguns de seus aspectos principais. Tais elementos ganham corpo no contexto de

uma mudança de longo prazo na natureza da propriedade do solo, do que poderíamos cha-mar ‘propriedade industrial do solo’ (quando a posse da terra é condição para outra produção) para a ‘propriedade financeira do solo’, quando a propriedade da terra é em si mesma um meio de extrair renda (Massey, 2007, p.48).

Os grandes projetos de renovação urbana materializam, como tem sido enfatizado no presente estudo, importantes premissas do urbanismo contemporâneo. “Os grandes projetos desse tipo expressam uma nova paisagem física e social da centralidade urbana,

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no contexto da globalização” (Cuenya, 2011, p.186). O privilégio da lógica mercantil, a privatização dos usos e a participação do setor público como suporte da arquitetura do plano e fiador da engenharia financeira figuram entre eles. Claro que existem flagrantes diferenças de estilo e concepção nos projetos monumentais de requalificação urbana que muitas cidades do mundo executam. Porém, no geral, a rentabilidade do uso do solo e a captura privada de mais-valias em setores particulares da cidade traduzem a norma, expressam sua atratividade.

Um corolário determinante da hegemonia dos mercados financeiros nas mais im-portantes cidades do planeta se dá pela via da compra e venda de imóveis de luxo. A construção de torres de escritórios de empresas de serviços de ponta, sedes administrativas de corporações transnacionais, parques temáticos, complexos aeroportuários, hotéis de poderosas cadeias internacionais, shopping centers, equipamentos culturais de alto nível, edifícios residenciais de alto padrão e condomínios fechados justificam vultosas inversões. Grandes projetos urbanos, com dinheiro público, lhes abrem terreno. Esse comporta-mento, aliado ao movimento dos proprietários de terra, eleva às alturas os valores do solo urbano e a especulação imobiliária, desloca populações inteiras de renda mediana ou baixa de bairros tradicionais (“gentrificação”) e agrava o fenômeno da dispersão metropolitana. Cidades de distintos graus de desenvolvimento socioeconômico em qualquer continente vivem essa realidade, resultado do privilégio ao rodoviarismo e aos veículos particulares que evidenciam gestão diferenciada no controle da acessibilidade. Em algumas os contras-tes são mais agudos – como a favelização nas metrópoles latinoamericanas. Os condomí-nios fechados, que afetam distintos grupos sociais (os ricos em primeiro lugar, mas não somente eles), também constituem fenômeno generalizado de segregação, hostilidade e exclusão. A planificação metropolitana incorpora dinâmicas reticulares (splintering urba-nism) (Mattos, 2008).

A elevação dos preços do solo urbano é a expressão paradigmática de uma vantagem privada e unilateral, que emerge de um processo coletivo, a urbanização. No entanto, tais incrementos do valor da terra e dos imóveis (as mais-valias urbanas), sem uma inter-venção por parte do setor público para sua recuperação, total ou parcial, são apropriados exclusivamente pelos proprietários da terra e dos imóveis beneficiados pela valorização de determinado setor da cidade. O solo, o subsolo e o espaço aéreo urbano são avaliados pelos seus valores de troca. A função social e a propriedade particular do solo assumem assim, via de regra, estatutos antagônicos.

O solo não possui custo de produção. É o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto de desejo. Por conseguinte, seu preço se forma exclusivamente como função da demanda. Em virtude de características únicas de localização que cada terreno tem com respeito ao restante das glebas da cidade, seu proprietário adquire condi-ções únicas – originadas da escassez – que lhe permite exigir um preço de tipo monopólico (Doebele, 1997).

O rentismo caracteriza boa parte da riqueza atual, pois a propriedade patrimonial – que lhe serve de base – “cria direitos a rendas sob a forma de alugueis, de rendas do solo (urbano e rural) e de fluxo de rendas relacionadas às aplicações na Bolsa” (Chesnais, 2005, p.50). De sorte que as vantagens e desvantagens do espaço construído geram conflitos so-ciais e produzem a apropriação desigual das localizações da cidade. É a manifestação mais cabal do poder na esfera intraurbana (Villaça, 2001). Daí resulta a segregação espacial que visa, principalmente, o controle das acessibilidades (os tempos de deslocamento) por parte dos segmentos de alta renda.

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Reconhecemos que o preço da terra urbana se forma não somente pela concentração dos melhores terrenos nas mãos dos empresários imobiliários e a consequente elevação da renda do solo: este sistema de renda da terra atua, sim, ao menos no nível elementar de determinação dos valores do solo. Contudo, um complexo jogo de convenções de mercado configura, ao final do trajeto, as decisões de localização e a produção residencial. Nesse processo, os preços se estabelecem com base em expectativas de mercado futuro – a formação de novas externalidades de vizinhança. Sucessivos encadeamentos de decisões de compradores e vendedores de imóveis, assim como sua sanção monetária (o crédito), permitem ou não a materialização dos projetos de edificação imobiliária, desvalorizando o estoque habitacional existente e valorizando as áreas hospedeiras dos projetos inovadores. Portanto, a incerteza constitui a marca registrada desse mercado, sobretudo especulativo (Abramo, 2007).

Nesse sentido, existe um fenômeno real que reflete economias externas criadas para o conjunto do sistema especialmente devido às inversões públicas, e existe uma valori-zação artificial de base especulativa que pode ir longe quando é grande a abundância de recursos financeiros (liquidez). Os GPUs jogam com a alternância de elementos objetivos e subjetivos presentes no mercado de bens-raízes. A financeirização da economia, em particular, eleva a especulação a níveis inéditos, ao manter em forma líquida quantidades de recursos que ultrapassam em muito o produto interno bruto dos principais países e o volume do comercio global, como vimos. As crises financeiras internacionais recentes – aquela iniciada em algumas das principais metrópoles asiáticas, em meados dos noventa, e a desencadeada pela quebra do mercado hipotecário americano, em 2008 – originaram-se de intensos movimentos de preços no mercado imobiliário urbano, culminando com a explosão da bolha especulativa e seu imediato contágio universal.

Harvey aponta, uma vez mais, o significado da produção do espaço em geral e da urbanização em particular como grandes negócios no capitalismo atual, bem como iden-tifica os agentes desse processo:

O poder dos proprietários de terras e recursos tem sido muito subestimado, assim como o papel dos valores dos ativos e rendas das terras e recursos na circulação global do capital. Essa arena de atividade movimenta algo como 40% da atividade econômica em muitos dos países capitalistas avançados. Não surpreende então que as infraestruturas urbanas sejam um componente fundamental nos pacotes de estímulo dos governos para levantar suas economias em ruínas. Alem disso, é vital vê-lo como um poder ativo e não passivo, pois é justamente por meio da realização de novas geografias que os proprietários (em aliança com desenvolvedores, interesses da construção e, claro, financiadores onipresentes) avançam a sua posição de classe, além de trazer soluções-chave para o problema da absorção do excedente de capital (Harvey, 2011a, p.149). As decisões governamentais concernentes à regulamentação do uso e ocupação do

solo e as políticas públicas delas derivadas adquirem caráter potencialmente conflitivo, pois afetam frações do capital comprometidas com a apropriação da renda da terra urbana. A natureza eminentemente mercantil do ambiente construído e a consequente segregação social em seu uso reforçam a importância histórica do controle da terra como instrumento de poder. As cidades latinoamericanas ilustram esse ponto exaustivamente. Intervenções econômicas e políticas do Estado alteram o valor de troca do espaço cons-truído, na medida em que induzem investimentos ou definem vantagens de localização.

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Assim sendo, iniciativas do governo nesse campo sempre implicam concentração ou distribuição de recursos.

No entanto, acreditamos ser possível contrapor, ao menos em parte, uma lógica alternativa e democrática a essa perspectiva hegemônica, compatibilizando recursos e procedimentos em prol de uma cidade mais humana.

EsTADO, PLANEjAmENTO E DEmOCRACIA

A concepção de Estado com a qual trabalhamos não equipara o aparelho estatal ao “comitê de representantes da burguesia”. Se a burguesia detem a supremacia, antes, o Esta-do é produto e construtor de consensos e coalizões, resultados da tensão social entre classes e frações de classe. Caixa de ressonância do conflito social, o Estado cristaliza, na forma de ações e políticas públicas, uma determinada correlação de forças políticas, sempre tran-sitória. As hegemonias são assim construídas e reconstruídas. Os consensos transitórios repercutem no espaço, numa dialética de recíproca influência e permanente interação. Se o espaço é relacional, fruto de práticas e fluxos sociais, os lugares constituem articulações específicas, no interior de amplas geometrias de poder (Massey, 2007, p.167), dentro das quais compete ao Estado o papel decisivo (Gaspar, 2008).

Um documento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PnUd) expressa bem a noção de que não existe Estado neutro:

(...) O Estado é um espaço de condensação complexa e de mediação de forças sociais. Na verdade, a visão neutra é uma maneira de argumentar em favor de um tipo de Estado que, por meio de suas políticas e, certamente, de suas omissões, é um ativo reprodutor de desigualdade e um grande obstáculo à expansão de direitos civis e sociais (PNUD, 2004, p.66).

Se a determinação hegemônica dos processos espaciais urbanos atuais cabe inegavel-mente ao mercado imobiliário, condicionado à financeirização que preside o capitalismo globalizado (Fix, 2011), a realidade é dinâmica e comporta infinitas combinações no jogo de poder. Espaço é multiplicidade, é “a esfera da contínua produção e reconfiguração da heterogeneidade em todas as suas formas – diversidade, subordinação, interesses confli-tuosos” (Massey, 2005, p.61). E conclui a autora: ao espaço relacional deve corresponder uma política relacional, radicalmente democrática.

Mas o Estado, assim como todas as dimensões da vida humana, mudou muito com as transformações da economia global nos últimos trinta anos. Divide sua jurisdição com um conjunto de outras instituições, algumas ainda em processo de formação. Não obstante esse reconhecimento, é possível afirmar que o novo papel do Estado enquanto empreendedor possui dois componentes:

primeiramente, sua posição como agente central o implica na posição crucial de prover uma visão de futuro num período de transformação. Em segundo lugar, seu papel como construtor de instituições lhe permite dar realidade institucional a essa visão, assim como à emergente estrutura de coordenação (Chang, 2003, p.69).

Essa insubstituível função da esfera pública em nossa era histórica concerne a todos os níveis de poder, do local ao global.

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Reconhecemos que o preço da terra urbana se forma não somente pela concentração dos melhores terrenos nas mãos dos empresários imobiliários e a consequente elevação da renda do solo: este sistema de renda da terra atua, sim, ao menos no nível elementar de determinação dos valores do solo. Contudo, um complexo jogo de convenções de mercado configura, ao final do trajeto, as decisões de localização e a produção residencial. Nesse processo, os preços se estabelecem com base em expectativas de mercado futuro – a formação de novas externalidades de vizinhança. Sucessivos encadeamentos de decisões de compradores e vendedores de imóveis, assim como sua sanção monetária (o crédito), permitem ou não a materialização dos projetos de edificação imobiliária, desvalorizando o estoque habitacional existente e valorizando as áreas hospedeiras dos projetos inovadores. Portanto, a incerteza constitui a marca registrada desse mercado, sobretudo especulativo (Abramo, 2007).

Nesse sentido, existe um fenômeno real que reflete economias externas criadas para o conjunto do sistema especialmente devido às inversões públicas, e existe uma valori-zação artificial de base especulativa que pode ir longe quando é grande a abundância de recursos financeiros (liquidez). Os GPUs jogam com a alternância de elementos objetivos e subjetivos presentes no mercado de bens-raízes. A financeirização da economia, em particular, eleva a especulação a níveis inéditos, ao manter em forma líquida quantidades de recursos que ultrapassam em muito o produto interno bruto dos principais países e o volume do comercio global, como vimos. As crises financeiras internacionais recentes – aquela iniciada em algumas das principais metrópoles asiáticas, em meados dos noventa, e a desencadeada pela quebra do mercado hipotecário americano, em 2008 – originaram-se de intensos movimentos de preços no mercado imobiliário urbano, culminando com a explosão da bolha especulativa e seu imediato contágio universal.

Harvey aponta, uma vez mais, o significado da produção do espaço em geral e da urbanização em particular como grandes negócios no capitalismo atual, bem como iden-tifica os agentes desse processo:

O poder dos proprietários de terras e recursos tem sido muito subestimado, assim como o papel dos valores dos ativos e rendas das terras e recursos na circulação global do capital. Essa arena de atividade movimenta algo como 40% da atividade econômica em muitos dos países capitalistas avançados. Não surpreende então que as infraestruturas urbanas sejam um componente fundamental nos pacotes de estímulo dos governos para levantar suas economias em ruínas. Alem disso, é vital vê-lo como um poder ativo e não passivo, pois é justamente por meio da realização de novas geografias que os proprietários (em aliança com desenvolvedores, interesses da construção e, claro, financiadores onipresentes) avançam a sua posição de classe, além de trazer soluções-chave para o problema da absorção do excedente de capital (Harvey, 2011a, p.149). As decisões governamentais concernentes à regulamentação do uso e ocupação do

solo e as políticas públicas delas derivadas adquirem caráter potencialmente conflitivo, pois afetam frações do capital comprometidas com a apropriação da renda da terra urbana. A natureza eminentemente mercantil do ambiente construído e a consequente segregação social em seu uso reforçam a importância histórica do controle da terra como instrumento de poder. As cidades latinoamericanas ilustram esse ponto exaustivamente. Intervenções econômicas e políticas do Estado alteram o valor de troca do espaço cons-truído, na medida em que induzem investimentos ou definem vantagens de localização.

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Assim sendo, iniciativas do governo nesse campo sempre implicam concentração ou distribuição de recursos.

No entanto, acreditamos ser possível contrapor, ao menos em parte, uma lógica alternativa e democrática a essa perspectiva hegemônica, compatibilizando recursos e procedimentos em prol de uma cidade mais humana.

EsTADO, PLANEjAmENTO E DEmOCRACIA

A concepção de Estado com a qual trabalhamos não equipara o aparelho estatal ao “comitê de representantes da burguesia”. Se a burguesia detem a supremacia, antes, o Esta-do é produto e construtor de consensos e coalizões, resultados da tensão social entre classes e frações de classe. Caixa de ressonância do conflito social, o Estado cristaliza, na forma de ações e políticas públicas, uma determinada correlação de forças políticas, sempre tran-sitória. As hegemonias são assim construídas e reconstruídas. Os consensos transitórios repercutem no espaço, numa dialética de recíproca influência e permanente interação. Se o espaço é relacional, fruto de práticas e fluxos sociais, os lugares constituem articulações específicas, no interior de amplas geometrias de poder (Massey, 2007, p.167), dentro das quais compete ao Estado o papel decisivo (Gaspar, 2008).

Um documento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PnUd) expressa bem a noção de que não existe Estado neutro:

(...) O Estado é um espaço de condensação complexa e de mediação de forças sociais. Na verdade, a visão neutra é uma maneira de argumentar em favor de um tipo de Estado que, por meio de suas políticas e, certamente, de suas omissões, é um ativo reprodutor de desigualdade e um grande obstáculo à expansão de direitos civis e sociais (PNUD, 2004, p.66).

Se a determinação hegemônica dos processos espaciais urbanos atuais cabe inegavel-mente ao mercado imobiliário, condicionado à financeirização que preside o capitalismo globalizado (Fix, 2011), a realidade é dinâmica e comporta infinitas combinações no jogo de poder. Espaço é multiplicidade, é “a esfera da contínua produção e reconfiguração da heterogeneidade em todas as suas formas – diversidade, subordinação, interesses confli-tuosos” (Massey, 2005, p.61). E conclui a autora: ao espaço relacional deve corresponder uma política relacional, radicalmente democrática.

Mas o Estado, assim como todas as dimensões da vida humana, mudou muito com as transformações da economia global nos últimos trinta anos. Divide sua jurisdição com um conjunto de outras instituições, algumas ainda em processo de formação. Não obstante esse reconhecimento, é possível afirmar que o novo papel do Estado enquanto empreendedor possui dois componentes:

primeiramente, sua posição como agente central o implica na posição crucial de prover uma visão de futuro num período de transformação. Em segundo lugar, seu papel como construtor de instituições lhe permite dar realidade institucional a essa visão, assim como à emergente estrutura de coordenação (Chang, 2003, p.69).

Essa insubstituível função da esfera pública em nossa era histórica concerne a todos os níveis de poder, do local ao global.

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Os interesses hegemônicos do capital compreendem a importância de ter o Estado jogando em seu favor. Tanto é assim que o manejo, por tais grupos, do aparato estatal pós-keynesiano reestruturado está direcionado, sobretudo, a fornecer as pré-condições territoriais e bens coletivos essenciais para a consolidação empresarial em outras escalas (supra ou subnacionais); isto é, os fatores de produção imóveis destinados a gerar as exter-nalidades associadas ao momento de fixação territorial do capital no interior das grandes cidades-regiões (Brenner, 2006, p.263-4).

A experiência internacional aponta a presença do Estado como principal interven-tor na formulação e implementação dos projetos urbanos, que justapõe a intervenção pública e a intervenção privada. E aqui governos locais e regionais progressistas podem fazer a diferença. Mesmo nos Estados Unidos, onde o setor privado predomina, os gran-des investimentos públicos, principalmente em infraestrutura de transportes e criação de espaços públicos e equipamentos culturais, é que efetivamente viabilizam os GPUs. Outra lição é a de que soluções efetivas para os problemas urbanos dependem hoje do envolvimento dos atores locais, da sociedade civil e de diversas esferas governamentais, na busca de novas formas de gestão e da capacidade de governança. Pode-se observar que os instrumentos de planejamento tradicionais, muito centralizados, que regulam o uso da terra e o desenvolvimento urbano – como no Brasil – tornaram-se obsoletos (Leite e Somekh, 2008).

Em face da crise econômica, da reestruturação produtiva e da redefinição do papel do Estado, destaca-se cada vez mais a necessidade de formas de ação concebidas e executadas em nível local, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico. Os elemen-tos básicos do que Harvey denomina “empreendedorismo local” envolvem não apenas o desenvolvimento de parcerias entre o poder público e o setor privado, mas a capacidade mais geral de articulação, por parte dos atores e forças sociais. Partindo do princípio de que o poder de ordenar o espaço deriva de um complexo conjunto de forças, mobilizadas por diversos agentes, o governo local deve coordenar uma ampla gama de forças sociais, exercitando a governança urbana.

Muitas experiências recentes de articulação entre os setores público e privado apon-tam para uma possível reorientação do poder local, com vistas à inserção de questões relacionadas ao desenvolvimento econômico e social na agenda política. Todavia, o re-curso à ação pontual dos governos locais coloca o risco do acirramento dos desequilíbrios regionais e internacionais, da mesma forma que a disputa pelos investimentos no quadro do planejamento estratégico – na medida em que algumas localidades estão mais bem equipadas do que outras na luta autônoma pelo desenvolvimento. Para evitar os efeitos deletérios dessa disputa, das guerras fiscais suicidas à exacerbação das diferenças, aumen-tando o abismo entre regiões privilegiadas e esquecidas, é preciso contar com instâncias regulatórias nas diversas esferas – local, regional, nacional e mesmo internacional.

Embora somente o futuro possa dizer se as iniciativas de desenvolvimento local terão fôlego suficiente para superar problemas existentes e consolidar a reconversão industrial num processo de desenvolvimento sustentável, alguns limites já podem ser assinalados. Em primeiro lugar, trata-se de um esforço que apresenta autonomia relativa e que, con-sequentemente, não pode prescindir de políticas nacionais, estaduais e regionais de de-senvolvimento. Outros limites podem resultar do individualismo das tradicionais culturas municipalista e empresarial, da prevalência de interesses pontuais e casuísticos na esfera local, e da descontinuidade político-administrativa, que acarretam o risco de desestruturar esforços coletivos de longo prazo (Somekh e Campos, 2001).

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CONsIDERAÇõEs fINAIs

A par das consequências negativas brevemente apontadas acima, os GPUs apresen-tam diversas positividades que devem ser exploradas, respeitando-se projetos e ambientes institucionais adequados. Políticas públicas, aparato legal, mecanismos econômico-finan-ceiros apropriados, bem como a qualidade da intervenção urbanística desenhada, têm o condão de potencializar os efeitos socialmente relevantes dos projetos de reestruturação territorial, disseminando seus reflexos no conjunto do ambiente construído. É preciso salientar, contudo, que as soluções adotadas e o equilíbrio das diversas tendências em dis-puta estão mais no campo propriamente político que na esfera do conhecimento técnico.

A requalificação de áreas pode, em si, ser um fenômeno extremamente favorável, pois afeta grandes espaços, quando não cidades e regiões inteiras. Contribui para melhorar a qualidade de vida, favorecer linhas de desenvolvimento sustentável, atualizar a infraes-trutura, criar empregos ou alternativas de trabalho, entre outras virtudes. O instrumento principal de financiamento dessas operações urbanísticas costuma ser a valorização da terra, mas aqui mora o perigo: a captura exclusivamente privada da mais-valia fundiá-ria, quando mecanismos majoritariamente sociais a provocaram. A privatização desses benefícios leva a distorções que em última análise inviabilizam a sustentabilidade social do projeto e as externalidades positivas que ele pode gerar em prol do desenvolvimento urbano e regional integral. Uma maneira de evitar semelhantes consequências é ter uma participação mais efetiva do governo nacional na regulação e operacionalização de pro-gramas e políticas de fomento urbano e regional. Isso é ainda mais válido em países de dimensão continental como o Brasil. A preocupação com a natureza do projeto também é fundamental: a regulação pública precisa garantir a mistura de usos, a inclusão social, o provimento habitacional, os espaços públicos, a qualidade ambiental, a recuperação e redistribuição social da valorização do solo, além da integração com os planos mais abran-gentes de conteúdo macrourbano, metropolitano e regional. Essas dimensões – apesar do avanço que tivemos no âmbito intraurbano com o Estatuto da Terra e o Ministério das Cidades – são raramente encontradas no Brasil.

Se as economias de aglomeração continuam a ser decisivo fator de localização, crian-do ambientes inovadores e competitivos, a resolução de seus gargalos implica desenvolver planos e políticas capazes de articular outras escalas territoriais, principalmente nacionais. Ademais, reconhecer a primazia urbana implica a admissão da irreversibilidade de tal fenômeno, haja vista de que as cidades representam a única saída para abrigar a crescente população mundial e uma hipotética alternativa rural intensiva ocasionaria um desastre ecológico sem precedentes. Faz-se imperativo forjar redes urbanas mais sustentáveis, atenuando os prejuízos advindos da ocupação desordenada, massivamente concentrada. O que conduz a questionar a forma como a humanidade utiliza o planeta, explora seus recursos e se relaciona com seus iguais.

Desse modo, os grandes projetos urbanos exigem, para sua plena inserção na vida da cidade, estar incluídos em planos de mais largo alcance, sob o prisma econômico e terri-torial. Para tanto, são requeridas mudanças estruturais, abordagens integradas, agregando múltiplas escalas geográficas, com o intuito de se lograr políticas de desenvolvimento efetivas e impactos positivos no âmbito social e ambiental.

Em suma, os elementos recorrentes apontados pela experiência internacional no manejo dos grandes projetos urbanos incluem uma unidade de gestão centralizada, a importância nuclear da questão dos transportes gerando as chamadas novas centralidades,

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Os interesses hegemônicos do capital compreendem a importância de ter o Estado jogando em seu favor. Tanto é assim que o manejo, por tais grupos, do aparato estatal pós-keynesiano reestruturado está direcionado, sobretudo, a fornecer as pré-condições territoriais e bens coletivos essenciais para a consolidação empresarial em outras escalas (supra ou subnacionais); isto é, os fatores de produção imóveis destinados a gerar as exter-nalidades associadas ao momento de fixação territorial do capital no interior das grandes cidades-regiões (Brenner, 2006, p.263-4).

A experiência internacional aponta a presença do Estado como principal interven-tor na formulação e implementação dos projetos urbanos, que justapõe a intervenção pública e a intervenção privada. E aqui governos locais e regionais progressistas podem fazer a diferença. Mesmo nos Estados Unidos, onde o setor privado predomina, os gran-des investimentos públicos, principalmente em infraestrutura de transportes e criação de espaços públicos e equipamentos culturais, é que efetivamente viabilizam os GPUs. Outra lição é a de que soluções efetivas para os problemas urbanos dependem hoje do envolvimento dos atores locais, da sociedade civil e de diversas esferas governamentais, na busca de novas formas de gestão e da capacidade de governança. Pode-se observar que os instrumentos de planejamento tradicionais, muito centralizados, que regulam o uso da terra e o desenvolvimento urbano – como no Brasil – tornaram-se obsoletos (Leite e Somekh, 2008).

Em face da crise econômica, da reestruturação produtiva e da redefinição do papel do Estado, destaca-se cada vez mais a necessidade de formas de ação concebidas e executadas em nível local, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico. Os elemen-tos básicos do que Harvey denomina “empreendedorismo local” envolvem não apenas o desenvolvimento de parcerias entre o poder público e o setor privado, mas a capacidade mais geral de articulação, por parte dos atores e forças sociais. Partindo do princípio de que o poder de ordenar o espaço deriva de um complexo conjunto de forças, mobilizadas por diversos agentes, o governo local deve coordenar uma ampla gama de forças sociais, exercitando a governança urbana.

Muitas experiências recentes de articulação entre os setores público e privado apon-tam para uma possível reorientação do poder local, com vistas à inserção de questões relacionadas ao desenvolvimento econômico e social na agenda política. Todavia, o re-curso à ação pontual dos governos locais coloca o risco do acirramento dos desequilíbrios regionais e internacionais, da mesma forma que a disputa pelos investimentos no quadro do planejamento estratégico – na medida em que algumas localidades estão mais bem equipadas do que outras na luta autônoma pelo desenvolvimento. Para evitar os efeitos deletérios dessa disputa, das guerras fiscais suicidas à exacerbação das diferenças, aumen-tando o abismo entre regiões privilegiadas e esquecidas, é preciso contar com instâncias regulatórias nas diversas esferas – local, regional, nacional e mesmo internacional.

Embora somente o futuro possa dizer se as iniciativas de desenvolvimento local terão fôlego suficiente para superar problemas existentes e consolidar a reconversão industrial num processo de desenvolvimento sustentável, alguns limites já podem ser assinalados. Em primeiro lugar, trata-se de um esforço que apresenta autonomia relativa e que, con-sequentemente, não pode prescindir de políticas nacionais, estaduais e regionais de de-senvolvimento. Outros limites podem resultar do individualismo das tradicionais culturas municipalista e empresarial, da prevalência de interesses pontuais e casuísticos na esfera local, e da descontinuidade político-administrativa, que acarretam o risco de desestruturar esforços coletivos de longo prazo (Somekh e Campos, 2001).

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CONsIDERAÇõEs fINAIs

A par das consequências negativas brevemente apontadas acima, os GPUs apresen-tam diversas positividades que devem ser exploradas, respeitando-se projetos e ambientes institucionais adequados. Políticas públicas, aparato legal, mecanismos econômico-finan-ceiros apropriados, bem como a qualidade da intervenção urbanística desenhada, têm o condão de potencializar os efeitos socialmente relevantes dos projetos de reestruturação territorial, disseminando seus reflexos no conjunto do ambiente construído. É preciso salientar, contudo, que as soluções adotadas e o equilíbrio das diversas tendências em dis-puta estão mais no campo propriamente político que na esfera do conhecimento técnico.

A requalificação de áreas pode, em si, ser um fenômeno extremamente favorável, pois afeta grandes espaços, quando não cidades e regiões inteiras. Contribui para melhorar a qualidade de vida, favorecer linhas de desenvolvimento sustentável, atualizar a infraes-trutura, criar empregos ou alternativas de trabalho, entre outras virtudes. O instrumento principal de financiamento dessas operações urbanísticas costuma ser a valorização da terra, mas aqui mora o perigo: a captura exclusivamente privada da mais-valia fundiá-ria, quando mecanismos majoritariamente sociais a provocaram. A privatização desses benefícios leva a distorções que em última análise inviabilizam a sustentabilidade social do projeto e as externalidades positivas que ele pode gerar em prol do desenvolvimento urbano e regional integral. Uma maneira de evitar semelhantes consequências é ter uma participação mais efetiva do governo nacional na regulação e operacionalização de pro-gramas e políticas de fomento urbano e regional. Isso é ainda mais válido em países de dimensão continental como o Brasil. A preocupação com a natureza do projeto também é fundamental: a regulação pública precisa garantir a mistura de usos, a inclusão social, o provimento habitacional, os espaços públicos, a qualidade ambiental, a recuperação e redistribuição social da valorização do solo, além da integração com os planos mais abran-gentes de conteúdo macrourbano, metropolitano e regional. Essas dimensões – apesar do avanço que tivemos no âmbito intraurbano com o Estatuto da Terra e o Ministério das Cidades – são raramente encontradas no Brasil.

Se as economias de aglomeração continuam a ser decisivo fator de localização, crian-do ambientes inovadores e competitivos, a resolução de seus gargalos implica desenvolver planos e políticas capazes de articular outras escalas territoriais, principalmente nacionais. Ademais, reconhecer a primazia urbana implica a admissão da irreversibilidade de tal fenômeno, haja vista de que as cidades representam a única saída para abrigar a crescente população mundial e uma hipotética alternativa rural intensiva ocasionaria um desastre ecológico sem precedentes. Faz-se imperativo forjar redes urbanas mais sustentáveis, atenuando os prejuízos advindos da ocupação desordenada, massivamente concentrada. O que conduz a questionar a forma como a humanidade utiliza o planeta, explora seus recursos e se relaciona com seus iguais.

Desse modo, os grandes projetos urbanos exigem, para sua plena inserção na vida da cidade, estar incluídos em planos de mais largo alcance, sob o prisma econômico e terri-torial. Para tanto, são requeridas mudanças estruturais, abordagens integradas, agregando múltiplas escalas geográficas, com o intuito de se lograr políticas de desenvolvimento efetivas e impactos positivos no âmbito social e ambiental.

Em suma, os elementos recorrentes apontados pela experiência internacional no manejo dos grandes projetos urbanos incluem uma unidade de gestão centralizada, a importância nuclear da questão dos transportes gerando as chamadas novas centralidades,

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a existência de âncoras culturais, bem como de ambientes ou setores voltados para a ino-vação tecnológica, alem do investimento na ampliação da qualidade dos espaços públicos oferecidos à população. Cabe a sociedade organizada articular ações que contraponham o interesse público à lógica estritamente privada, do mercado imobiliário incontrolado. Um mundo mais humano e digno de se viver requer não apenas alterações profundas na estrutura econômica global, mas na maneira como o espaço construído, nas esferas local e regional, é organizado e apropriado, como David Harvey corretamente nos adverte.

REfERÊNCIAs BIBLIOGRÁfICAs

ABASCAL, E. H. S.; ZYLBERSTJAIN, B. E. “Porto Madero, Buenos Aires: formação e implantação do porto – genealogia de um projeto insígnia”. In: CAMPOS NETO, C. M. et. al. A cidade iberoamericana: história, cultura e urbanismo – passagens do ideário urbanístico entre Buenos Aires, Rio de Janeiro e São Paulo. Relatório Técnico de Pesquisa. São Paulo, Mackpesquisa (mimeo), 2010. ABRAMO, P. A cidade caleidoscópica: coordenação espacial e convenção urbana: uma perspectiva heterodoxa para a economia urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.___________. “A experiência latinoamericana de projetos urbanos”. Apresentação no Segundo Colóquio Internacional: Projetos Urbanos, Reconversão e Inclusão Social. São Paulo, Universidade Mackenzie, setembro de 2008.__________. “La ciudad com-fusa: mercado y producción de la estructura urbana en las grandes metrópolis latinoamericanas”. Revista EURE vol. 38 nº 114. Santiago, PUC--Chile, 2012.ARANTES, O. Chai-na. São Paulo, EDUSP, 2011.____________. Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo, Annablume, 2012.BRENNER, N. “Global cities, “glocal” states: global city formation and state territorial restructuring in contemporary Europe”. In: BRENNER, N. and KEIL, R. (eds.). The global cities reader. New York, Routledge, 2006.CHANG, H. J. Globalisation, economic development and the role of the State. London and New York, Zed Books; Penang, Third World Network, 2003.CHESNAIS, F. “O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos”. In: CHESNAIS, F. (org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005.COMBES, P. P.; MAYER, T.; THISSE, J. F. Economic geography: the integration of regions and nations. Princeton and Oxford, Princeton University Press, 2008.CUENYA, B. “Grandes proyectos y sus impactos en la centralidad urbana”. Cadernos Metrópole v. 13 n. 25. São Paulo, EDUC, 2011. DOEBELE, W. “Land use and taxation issues in developing countries”. In: BROWN, H. J. (ed.). Land use and taxation: applying the insights of Henry George. Cambridge/MA, Lincoln Institute of Land Policy, 1997.EGLER, T. T. C.; OLIVEIRA, F. M. “Jogo no Rio”. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais v. 12 nº 2. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, novembro de 2010.FIX, M. Financeirização e transformações recentes no circuito do capital imobiliário no Brasil. Tese de Doutoramento. Campinas, Instituto de Economia, Unicamp, 2011.

Nadia Somekh é arquite-ta, Mestre e Doutora pela FAU-USP. Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universida-de Presbiteriana Mackenzie. E-mail: [email protected]

Ricardo Carlos Gaspar é sociólogo graduado pe-la FESP-SP, Mestre e Dou-tor pela PUC-SP. Professor Doutor do Departamento de Economia da FEA/PUC-SP. E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em dezem-bro de 2012 e aprovado pa-ra publicação em fevereiro de 2013.

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a existência de âncoras culturais, bem como de ambientes ou setores voltados para a ino-vação tecnológica, alem do investimento na ampliação da qualidade dos espaços públicos oferecidos à população. Cabe a sociedade organizada articular ações que contraponham o interesse público à lógica estritamente privada, do mercado imobiliário incontrolado. Um mundo mais humano e digno de se viver requer não apenas alterações profundas na estrutura econômica global, mas na maneira como o espaço construído, nas esferas local e regional, é organizado e apropriado, como David Harvey corretamente nos adverte.

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Nadia Somekh é arquite-ta, Mestre e Doutora pela FAU-USP. Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universida-de Presbiteriana Mackenzie. E-mail: [email protected]

Ricardo Carlos Gaspar é sociólogo graduado pe-la FESP-SP, Mestre e Dou-tor pela PUC-SP. Professor Doutor do Departamento de Economia da FEA/PUC-SP. E-mail: [email protected]

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C A P I T A L E X C E D E N T E E U R B A N I Z A Ç Ã O

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SWYNGEDOUW, E. A cidade pós-política. @metropolis: revista eletrônica de estudos urbanos e regionais, nº 08, ano 3, 2012.VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel; FAPESP; Lincoln Institute of Land Policy, 2001.UN-HABITAT. State of the world’s cities 2010/2011: bridging the urban divide. Nairobi, UN-Habitat; London, Earthscan, 2010.

a b s t r a c t This article offers some reflections on the relationship among large urban projects, the absorption of capital surpluses and the ongoing economic crisis. It starts with the conceptualization of large urban projects in the light of the new role of cities in the contemporary world economy. Then it turns to considerations about the real estate dynamics and the conflicts involving urban land use and urban rent, and finally, it highlights the essential role of the State – in all geographic scales but, mainly, at the national level – at fixing parameters for territorial arrangement, principles of integrated regional policy, and enforcing the public regulation of urban space.

k e y w O r d s Large urban projects; capital surpluses; urban policy; National State; urban land.

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POLÍTICAS DE RENOVAÇÃO URBANA

No CeNtro HistóriCo de Bogotá, ColômBia (1998-2007)

C a r l o s J o s é s u á r e z

r e s u m o A renovação urbana está sendo utilizado como instrumento político privilegiado para a transformação do centro histórico de Bogotá. O marco legal da renovação urbana na cidade foram: o Decreto 880 de 1998, que institucionalizou o Programa de Reno-vação Urbana, o Decreto 619 de 2000, que definiu o Plano de Ordenamento Territorial para a cidade de Bogotá e o Decreto 492 de 2007 que definiu o Plano Zonal Centro. Neste artigo apresentarei junto com estes documentos as formas como os planos estão ligados com a sensação de insegurança e de degradação dentro da cidade, especialmente pela presença de moradores de rua em uma área específica do centro da cidade: La Calle del Cartucho. A destruição deste local a e construção do Parque Terceiro Milênio, assim como os outros futuros planos para a cidade, procuram estimular as parcerias público/privadas e a atração do investimento internacional.

P a l a v r a s - C H a v e Renovação urbana; vazio urbano; El Cartucho; Parque Terceiro Milênio; Calle del Bronx; cidade saúde.

INTRODUÇÃO

Durante as décadas de 1980 e 1990, o setor de El Cartucho no centro histórico de Bogotá foi considerado o local mais perigoso e apavorante da Colômbia. Conforme diversos diagnósticos institucionais, lá se encontravam os maio res centros de tráfico de drogas, de armas ilegais e de prostituição da capital. Por essa razão, a área passou a ser con-siderada como o lugar do medo em Bogotá. Dada, contudo, a sua posição no território da cidade, os 16 quarteirões que conformavam El Cartucho foram derrubados para dar passo à construção do Parque Terceiro Milênio (PTM), de acordo com o Programa de Renova-ción Urbana para la recuperación del sector comprendido por los barrios San Bernardo y Santa Inés y sus zonas aledañas decretado pelo Conselho da cidade no ano 1998. Neste artigo, apresentarei a transição dos diferentes Decretos que foram promulgados na cidade de Bogotá e que deram uma nova forma à estrutura urbana do centro da cidade. A partir destas fontes, analisarei as mudanças e transformações discursivas dos planos e projetos de renovação urbana da cidade de Bogotá e a sua relação com a localização e posterior deslocamento dos moradores de rua do centro da cidade.

A CALLE DEL CARTUCHO E O MEDO EM BOGOTÁ

A política pública no centro histórico da cidade de Bogotá no final da década de 1990 visava atender uma “problemática emergente”: a presença dos moradores de rua.

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C A P I T A L E X C E D E N T E E U R B A N I Z A Ç Ã O

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SWYNGEDOUW, E. A cidade pós-política. @metropolis: revista eletrônica de estudos urbanos e regionais, nº 08, ano 3, 2012.VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel; FAPESP; Lincoln Institute of Land Policy, 2001.UN-HABITAT. State of the world’s cities 2010/2011: bridging the urban divide. Nairobi, UN-Habitat; London, Earthscan, 2010.

a b s t r a c t This article offers some reflections on the relationship among large urban projects, the absorption of capital surpluses and the ongoing economic crisis. It starts with the conceptualization of large urban projects in the light of the new role of cities in the contemporary world economy. Then it turns to considerations about the real estate dynamics and the conflicts involving urban land use and urban rent, and finally, it highlights the essential role of the State – in all geographic scales but, mainly, at the national level – at fixing parameters for territorial arrangement, principles of integrated regional policy, and enforcing the public regulation of urban space.

k e y w O r d s Large urban projects; capital surpluses; urban policy; National State; urban land.

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POLÍTICAS DE RENOVAÇÃO URBANA

No CeNtro HistóriCo de Bogotá, ColômBia (1998-2007)

C a r l o s J o s é s u á r e z

r e s u m o A renovação urbana está sendo utilizado como instrumento político privilegiado para a transformação do centro histórico de Bogotá. O marco legal da renovação urbana na cidade foram: o Decreto 880 de 1998, que institucionalizou o Programa de Reno-vação Urbana, o Decreto 619 de 2000, que definiu o Plano de Ordenamento Territorial para a cidade de Bogotá e o Decreto 492 de 2007 que definiu o Plano Zonal Centro. Neste artigo apresentarei junto com estes documentos as formas como os planos estão ligados com a sensação de insegurança e de degradação dentro da cidade, especialmente pela presença de moradores de rua em uma área específica do centro da cidade: La Calle del Cartucho. A destruição deste local a e construção do Parque Terceiro Milênio, assim como os outros futuros planos para a cidade, procuram estimular as parcerias público/privadas e a atração do investimento internacional.

P a l a v r a s - C H a v e Renovação urbana; vazio urbano; El Cartucho; Parque Terceiro Milênio; Calle del Bronx; cidade saúde.

INTRODUÇÃO

Durante as décadas de 1980 e 1990, o setor de El Cartucho no centro histórico de Bogotá foi considerado o local mais perigoso e apavorante da Colômbia. Conforme diversos diagnósticos institucionais, lá se encontravam os maio res centros de tráfico de drogas, de armas ilegais e de prostituição da capital. Por essa razão, a área passou a ser con-siderada como o lugar do medo em Bogotá. Dada, contudo, a sua posição no território da cidade, os 16 quarteirões que conformavam El Cartucho foram derrubados para dar passo à construção do Parque Terceiro Milênio (PTM), de acordo com o Programa de Renova-ción Urbana para la recuperación del sector comprendido por los barrios San Bernardo y Santa Inés y sus zonas aledañas decretado pelo Conselho da cidade no ano 1998. Neste artigo, apresentarei a transição dos diferentes Decretos que foram promulgados na cidade de Bogotá e que deram uma nova forma à estrutura urbana do centro da cidade. A partir destas fontes, analisarei as mudanças e transformações discursivas dos planos e projetos de renovação urbana da cidade de Bogotá e a sua relação com a localização e posterior deslocamento dos moradores de rua do centro da cidade.

A CALLE DEL CARTUCHO E O MEDO EM BOGOTÁ

A política pública no centro histórico da cidade de Bogotá no final da década de 1990 visava atender uma “problemática emergente”: a presença dos moradores de rua.

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P O L Í T I C A S D E R E N O V A Ç Ã O U R B A N A

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Uma das primeiras tentativas de realizar um diagnóstico qualitativo sobre esta população na capital foi o estudo da Câmara de Comércio de Bogotá (1997) Habitantes de la calle: un estudio sobre la calle de El Cartucho en Santa Fe de Bogotá. Esta investigação destacava-se entre outras elaboradas nos mesmos anos, pois coloca o foco de atenção em uma zona par-ticular da cidade, El Cartucho. Esta região do centro da cidade aparecia como o “hábitat” de uma população caracterizada pelo consumo freqüente de entorpecentes, especialmente crack, o que colocava estes indivíduos “por fuera del marco de la sociedad formal” (1997: 11). A população moradora de rua foi localizada conceitualmente dentro da “cultura da indigência”, como se esta fosse uma prática alternativa, autônoma e concorrente da estabe-lecida. Este estudo da Câmara de Comércio singularizava e, ao mesmo tempo, concentra-va em certa região da cidade a localização dos moradores de rua em Bogotá que coincidia com o antigo bairro de Santa Inês. Descreve-se assim El Cartucho:

la zona en su conjunto está identificada socialmente como refugio de población marginal: indi-gentes, ladrones, expendedores de drogas, travestidos, prostitutas y sus diversas formas de combi-nación […] De alguna manera, El Cartucho sirve de punto de encuentro de los discriminados, los revaloriza socialmente y los libera del rechazo o del hostigamiento social. Es su territorio (Cámara de Comercio de Bogotá, 1997: 24).

O diagnóstico de 1997 ressaltava os resultados da classificação dos transtornos men-tais dos moradores de El Cartucho, mediante a análise de uma amostra de 100 indivíduos, de aproximadamente 1.000 que moravam nesse ano. Esses transtornos foram determi-nados segundo os diagnósticos médicos do manual dsm iv, e mostraram, em geral, que estes indivíduos apresentavam transtornos psiquiátricos de psicose gerada por consumo habitual de entorpecente. Igualmente, o estudo apontou a prevalência de dois transtornos por conduta perturbadora: o transtorno por deficiência da atenção com hiperatividade e o transtorno anti-social da personalidade. A classificação psiquiátrica que se observa aqui atribui diversos graus de normalidade aos comportamentos. No entanto, as classificações psiquiátricas individualizam e colocam a “anormalidade” unicamente na esfera pessoal, sem levar em conta as biografias nem os locais onde habitam os moradores de rua. Como a classificação depende neste caso do consumo, segundo este informe, o uso da pasta de cocaína (chamado na gíria da rua de basuco ou crack) pode potencializar todo o quadro sintomatológico. Os transtornos somáticos gerados pelo uso destes entorpecentes foram a amnésia e a ansiedade orgânica, além de doenças respiratórias e da pele. Os resultados destes diagnósticos foram, portanto, o produto do “estilo de vida” do morador de El Cartucho, que

se presenta en codiciones de marginalidade en las que no es posible una higiene mínima, de manera que se aprende a convivir con las enfermedades infecciosas [...] Si las enfermedades son en su mayoria infecciosas, quiere decir que son contagiosas, es decir, transmisibles. Tal situación rebasa los límites de una problemática circunscrita al território de El Cartucho para configurar un prob-lema médico y social de más amplia magnitud (Cámara de Comercio de Bogotá, 1997: 112-113).

Deste modo, o que homogeneizava à população de El Cartucho era o consumo habi-tual de “basuco” e, por trás disto, toda uma série de atividades ilícitas ligadas à aquisição dos entorpecentes. Porém, a principal atividade econômica que realizavam estes mora-dores de rua era catar lixo. Sobre o tipo de problema aqui colocado cabe aprofundar na

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direção da representação que o Estado faz dos moradores de rua como uma forma de dar sentido a uma contra-conduta para, a partir daí, transformá-la. O documento diagnóstico resume e reduz as características do indivíduo, sendo este o elemento fundamental da ação do Estado dentro dos mecanismos disciplinares institucionais:

el estudio permitió identificar el perfil del futuro habitante de El Cartucho: niño, proveniente de familia pobre e incompleta, sin la presencia estable de un adulto que garantize la crianza adecuada. En su mayoría son originarios de fuera de Bogotá, presentan antecedentes de maltrato infantil, consumo temprano de sustancias psicoactivas y rápido contacto con redes sociales de bar-rios marginales, sin supervisión familiar (Cámara de Comercio de Bogotá, 1997: 165).

Finalmente, os pesquisadores forneceram uma interpretação das redes sociais dos moradores de El Cartucho, que deviam ser positivamente fortalecidas a partir do trabalho sobre o próprio indivíduo. Este trabalho pessoal foi descrito como a substituição mental e material do lazer que proporcionava o basuco. Esta intervenção visava ir além do trata-mento médico sobre o indivíduo, pois com a mudança individual tentava-se atuar sobre o entorno social dos moradores de rua. As recomendações procuravam ampliar a capacidade da mudança social por parte do Estado. Assim, cabia ao indivíduo, com a ajuda das insti-tuições estatais, transformar a qualidade das suas relações sociais. Os diagnósticos médicos e as descrições destes comportamentos em El Cartucho, apresentados neste documento da Câmara de Comércio de Bogotá, complementavam-se com as sensações de medo e de insegurança que alguns cidadãos consultados associavam com este ponto da cidade.

A motivação dos estudos sobre os moradores de rua na década de 1990 e a crescente preocupação por entender os seus comportamentos incrementou-se devido a um achado que assombrou a cidadania colombiana: os cadáveres de moradores de rua não identifi-cados estavam sendo usados para dessecações em uma faculdade de medicina de ensino público (Mateus Guerrero, 1995). A indigência começou a ser um problema público pela forma como estavam sendo vistos pelas administrações de algumas cidades capitais, como Cali e Medellín. Carlos Rojas (1994) ressalta o uso do verbo “limpar” durante as campa-nhas eleitorais para prefeito nessa década, relacionado com uma política de combate as gangues e a delinqüência juvenil. Durante esses anos houve algumas pesquisas sobre o que foi chamado de “limpeza social” (cf. Rojas, 1994; Stannow, 1996) que centravam a aten-ção nas execuções sumárias praticadas pelos agentes do estado, especialmente ex-policiais e ex-oficiais do exército, contra os moradores de rua. Nestas mortes havia também uma linguagem tanatológica que se somava à brutalidade usada após morte, ainda pouco ex-plorada pela etnografia, i.e., a procura dos significados das formas de matar, das marcas deixadas nos cadáveres e nos locais onde eram depositados os mortos. No entanto, apesar da violência exercida desta forma sobre os moradores de rua, nem todos eles morriam nas mãos dos ex-agentes do Estado ou dos “vigilantes” e, ainda, nem todos os mortos achados em El Cartucho eram moradores de rua. A maioria dos homicídios cometidos nesta zona deviam-se às brigas internas entre os membros das gangues de traficantes e as escaladas de vinganças. Em qualquer caso, a morte tinha uma ritualização ameaçante, onde o corpo da pessoa era tratado como uma mensagem de advertência. Para Carlos Rojas (1994) existia, portanto, uma pedagogia no uso da violência expressado nestas marcas corporais. A vio-lência parecia atravessar todas as relações cotidianas dos moradores da rua, como deixam ver os trabalhos da antropóloga Maria Teresa Salcedo (2000). A pesquisadora mostrou como os rastros da violência ficavam indeléveis nos corpos: nas cicatrizes produzidas du-

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Uma das primeiras tentativas de realizar um diagnóstico qualitativo sobre esta população na capital foi o estudo da Câmara de Comércio de Bogotá (1997) Habitantes de la calle: un estudio sobre la calle de El Cartucho en Santa Fe de Bogotá. Esta investigação destacava-se entre outras elaboradas nos mesmos anos, pois coloca o foco de atenção em uma zona par-ticular da cidade, El Cartucho. Esta região do centro da cidade aparecia como o “hábitat” de uma população caracterizada pelo consumo freqüente de entorpecentes, especialmente crack, o que colocava estes indivíduos “por fuera del marco de la sociedad formal” (1997: 11). A população moradora de rua foi localizada conceitualmente dentro da “cultura da indigência”, como se esta fosse uma prática alternativa, autônoma e concorrente da estabe-lecida. Este estudo da Câmara de Comércio singularizava e, ao mesmo tempo, concentra-va em certa região da cidade a localização dos moradores de rua em Bogotá que coincidia com o antigo bairro de Santa Inês. Descreve-se assim El Cartucho:

la zona en su conjunto está identificada socialmente como refugio de población marginal: indi-gentes, ladrones, expendedores de drogas, travestidos, prostitutas y sus diversas formas de combi-nación […] De alguna manera, El Cartucho sirve de punto de encuentro de los discriminados, los revaloriza socialmente y los libera del rechazo o del hostigamiento social. Es su territorio (Cámara de Comercio de Bogotá, 1997: 24).

O diagnóstico de 1997 ressaltava os resultados da classificação dos transtornos men-tais dos moradores de El Cartucho, mediante a análise de uma amostra de 100 indivíduos, de aproximadamente 1.000 que moravam nesse ano. Esses transtornos foram determi-nados segundo os diagnósticos médicos do manual dsm iv, e mostraram, em geral, que estes indivíduos apresentavam transtornos psiquiátricos de psicose gerada por consumo habitual de entorpecente. Igualmente, o estudo apontou a prevalência de dois transtornos por conduta perturbadora: o transtorno por deficiência da atenção com hiperatividade e o transtorno anti-social da personalidade. A classificação psiquiátrica que se observa aqui atribui diversos graus de normalidade aos comportamentos. No entanto, as classificações psiquiátricas individualizam e colocam a “anormalidade” unicamente na esfera pessoal, sem levar em conta as biografias nem os locais onde habitam os moradores de rua. Como a classificação depende neste caso do consumo, segundo este informe, o uso da pasta de cocaína (chamado na gíria da rua de basuco ou crack) pode potencializar todo o quadro sintomatológico. Os transtornos somáticos gerados pelo uso destes entorpecentes foram a amnésia e a ansiedade orgânica, além de doenças respiratórias e da pele. Os resultados destes diagnósticos foram, portanto, o produto do “estilo de vida” do morador de El Cartucho, que

se presenta en codiciones de marginalidade en las que no es posible una higiene mínima, de manera que se aprende a convivir con las enfermedades infecciosas [...] Si las enfermedades son en su mayoria infecciosas, quiere decir que son contagiosas, es decir, transmisibles. Tal situación rebasa los límites de una problemática circunscrita al território de El Cartucho para configurar un prob-lema médico y social de más amplia magnitud (Cámara de Comercio de Bogotá, 1997: 112-113).

Deste modo, o que homogeneizava à população de El Cartucho era o consumo habi-tual de “basuco” e, por trás disto, toda uma série de atividades ilícitas ligadas à aquisição dos entorpecentes. Porém, a principal atividade econômica que realizavam estes mora-dores de rua era catar lixo. Sobre o tipo de problema aqui colocado cabe aprofundar na

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direção da representação que o Estado faz dos moradores de rua como uma forma de dar sentido a uma contra-conduta para, a partir daí, transformá-la. O documento diagnóstico resume e reduz as características do indivíduo, sendo este o elemento fundamental da ação do Estado dentro dos mecanismos disciplinares institucionais:

el estudio permitió identificar el perfil del futuro habitante de El Cartucho: niño, proveniente de familia pobre e incompleta, sin la presencia estable de un adulto que garantize la crianza adecuada. En su mayoría son originarios de fuera de Bogotá, presentan antecedentes de maltrato infantil, consumo temprano de sustancias psicoactivas y rápido contacto con redes sociales de bar-rios marginales, sin supervisión familiar (Cámara de Comercio de Bogotá, 1997: 165).

Finalmente, os pesquisadores forneceram uma interpretação das redes sociais dos moradores de El Cartucho, que deviam ser positivamente fortalecidas a partir do trabalho sobre o próprio indivíduo. Este trabalho pessoal foi descrito como a substituição mental e material do lazer que proporcionava o basuco. Esta intervenção visava ir além do trata-mento médico sobre o indivíduo, pois com a mudança individual tentava-se atuar sobre o entorno social dos moradores de rua. As recomendações procuravam ampliar a capacidade da mudança social por parte do Estado. Assim, cabia ao indivíduo, com a ajuda das insti-tuições estatais, transformar a qualidade das suas relações sociais. Os diagnósticos médicos e as descrições destes comportamentos em El Cartucho, apresentados neste documento da Câmara de Comércio de Bogotá, complementavam-se com as sensações de medo e de insegurança que alguns cidadãos consultados associavam com este ponto da cidade.

A motivação dos estudos sobre os moradores de rua na década de 1990 e a crescente preocupação por entender os seus comportamentos incrementou-se devido a um achado que assombrou a cidadania colombiana: os cadáveres de moradores de rua não identifi-cados estavam sendo usados para dessecações em uma faculdade de medicina de ensino público (Mateus Guerrero, 1995). A indigência começou a ser um problema público pela forma como estavam sendo vistos pelas administrações de algumas cidades capitais, como Cali e Medellín. Carlos Rojas (1994) ressalta o uso do verbo “limpar” durante as campa-nhas eleitorais para prefeito nessa década, relacionado com uma política de combate as gangues e a delinqüência juvenil. Durante esses anos houve algumas pesquisas sobre o que foi chamado de “limpeza social” (cf. Rojas, 1994; Stannow, 1996) que centravam a aten-ção nas execuções sumárias praticadas pelos agentes do estado, especialmente ex-policiais e ex-oficiais do exército, contra os moradores de rua. Nestas mortes havia também uma linguagem tanatológica que se somava à brutalidade usada após morte, ainda pouco ex-plorada pela etnografia, i.e., a procura dos significados das formas de matar, das marcas deixadas nos cadáveres e nos locais onde eram depositados os mortos. No entanto, apesar da violência exercida desta forma sobre os moradores de rua, nem todos eles morriam nas mãos dos ex-agentes do Estado ou dos “vigilantes” e, ainda, nem todos os mortos achados em El Cartucho eram moradores de rua. A maioria dos homicídios cometidos nesta zona deviam-se às brigas internas entre os membros das gangues de traficantes e as escaladas de vinganças. Em qualquer caso, a morte tinha uma ritualização ameaçante, onde o corpo da pessoa era tratado como uma mensagem de advertência. Para Carlos Rojas (1994) existia, portanto, uma pedagogia no uso da violência expressado nestas marcas corporais. A vio-lência parecia atravessar todas as relações cotidianas dos moradores da rua, como deixam ver os trabalhos da antropóloga Maria Teresa Salcedo (2000). A pesquisadora mostrou como os rastros da violência ficavam indeléveis nos corpos: nas cicatrizes produzidas du-

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rante as brigas com faca, nas marcas dos tiros e nas tatuagens caseiras dos moradores da rua (cf. Ruiz, Hernández e Bolaños, 1998). Estas pesquisas acadêmicas mostraram a crescente preocupação que havia no país pelo tema da violência ligada aos moradores de rua.

Junto com as pesquisas realizadas pelos centros de investigação universitários, no ano 1998 foi realizado um diagnóstico da Alcaldía Mayor de Santafé de Bogotá (1998), titulado Territorios del miedo en Santafé de Bogotá. Este documento, elaborado pelo Obser-vatório de Cultura Cidadã, contou com a assessoria dos antropólogos do Instituto Colom-biano de Antropologia e História – iCaNH. Este livro tentava condensar a opinião dos cidadãos de Bogotá mediante uma enquete seletiva. Aqui, desenvolveu-se uma tecnologia para medir uma emoção, junto com a apresentação da possibilidade de modificação dos sentimentos e das sensações. O estudo usou uma base cartográfica de bairros da cidade, onde se expressavam com cores os códigos de perguntas fechadas que faziam alusão ao medo e cujo resultado era um ranking do medo. No estudo, analisaram-se 900 entrevistas realizadas com homens e mulheres moradores da cidade, tendo em vista abarcar uma am-pla diversidade de cidadãos que pertenciam a diversos estratos socioeconômicos. Portanto, as pessoas que participaram deste estudo eram moradores de diferentes bairros da cidade, de diversas faixas etárias e origem, de variados níveis educativos e de ingressos. O que pode ser definido como o medo, assim como a sua causa, refere-se geralmente à esfera individu-al, restringe-se ao corporal e à possibilidade de dano pessoal mediante a agressão. Como indicou Rossana Reguillo (2000), o medo como emoção é um mecanismo de alarme, uma reação corporal a um acontecimento. Mas o medo é também uma construção social: “Las nociones y los modos de respuesta [ao medo] se modalizan en los territorios de la cultura, adquieren su especificidad por la mediación de la cultura” (2000: 189). O que interes-sava a Reguillo era entender o medo como uma construção social. Para a pesquisadora esta sensação está construída a partir do paradigma atual de risco e fragilidade constante dos Estados e dos corpos. A modalização do medo, i.e., a forma pela qual ele se efetiva na sua construção social, é produzida especialmente pelo caos e pelo estranho. O medo para ela pode se transformar em uma verdadeira força política e um eixo articulador de solidariedade sob o controle do Estado. O estudo de Reguillo esteve focado na cidade de México D.F.; para isso utilizou entrevistas realizadas a uma ampla faixa de cidadãos “repre-sentativos”. Como resultado, a autora descreve as três figuras que provocam mais medo na população: o narcotraficante, o militar e as figuras da abjeção: prostitutas e moradores de rua. No entanto, se os primeiros recebiam do público admiração ou respeito, os “abjetos” deviam desaparecer ou ser aniquilados, segundo a opinião da maioria dos entrevistados.

Assim como em México D.F., nesta “cultura latino-americana” o morador de rua é um sujeito produtor de medo para os cidadãos de Bogotá. Ele pode ser chamado de indigente, vagabundo, mendigo ou ainda “descartável” pelos cidadãos. Estes nomes são usados corriqueiramente, além de “morador de rua”, para designar esta população. Na pesquisa da Alcaldía Mayor de Bogotá, os cidadãos apontaram que suas características externas associam-se no imaginário dos habitantes de Bogotá à sujeira, ao uso de farrapos, à presença de cicatrizes e deformações e ao porte de armas. A atitude “natural” destes sujeitos era agressiva, de raiva e de ameaça quando não recebiam esmola. No imaginário da cidade El Cartucho aparece como o setor mais mencionado como o lugar produtor de medo. O que interessa neste artigo é ver a forma em que uma emoção foi registrada e apresentada. Assim, a forma de expressão cartográfica aparecia como modo de apreensão e compreensão do fenômeno. O resultado da pesquisa executada pela Alcaldía Mayor de Bogotá foi um mapa do medo da capital. Os limites desta zona de medo, eram quatro

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grandes avenidas do centro da cidade: a Avenida Caracas, a Carrera 7ª e a Avenida 6ª e a Calle 13. Para a maioria dos cidadãos ultrapassar estas “barreiras” fixas implicava, durante a década de 1990, adentrar-se no mundo do medo e do terror, do incontrolável e do caótico no coração de Bogotá. Como veremos, os diversos estudos sobre os moradores de rua preenchem simbolicamente o espaço da cidade que eles ocupam, segundo diversas camadas de significação que poderemos enxergar nas diferentes cartografias.

Como foi indicado, os abusos da autoridade, a violência e a “limpeza social” em El Cartucho foram alvo de pesquisas e de denuncias. Estes documentos apresentados podem ser considerados como bases para os futuros diagnósticos desta região. Estes dois estudos da Câmara de Comércio (1997) e da Alcaldía Mayor (1998) sistematizaram numerica-mente o fenômeno e circunscreveram estes comportamentos desviados com maior preci-são. Ainda, a iniciativa para conhecer as causas das mortes violentas dos moradores partiu de instituições acadêmicas públicas e religiosas.1 Ou seja, configurou-se paulatinamente o morador de rua como um “problema” para a cidade. Foi neste âmbito intelectual e na tentativa de compreensão sobre o tema, baseados nas pesquisas das universidades, que se redigiram as primeiras normas de renovação urbana do centro histórico de Bogotá. No setor de El Cartucho realizava-se o processo metonímico que vai do diagnóstico de cada indivíduo, o morador de rua mentalmente doente, para o lugar que ele ocupa na cidade. De modo que a “rua” como espaço e o seu “morador natural” compartilham as mesmas características: sujeira, violência e caos. Já dentro da cartografia da cidade El Cartucho aparecia como um lugar que bloqueava a circulação, pois era um local que, para a maioria da população, devia ser evitado e que, portanto, podia ser extirpado. Estas políticas de destruição dos locais denominados sujos ou violentos já foram realizadas em outras cida-des do ocidente desde o século XiX com propósitos similares: o aumento da circulação e a elevação da moral. Foi o caso da Paris durante a administração do Barão de Haussmann e do Rio de Janeiro na prefeitura de Pereira Passos.

RENOVAÇÃO URBANA E O PARqUE TERCEIRO MILêNIO

Para poder entender o funcionamento das políticas públicas e, especialmente, do Programa de Renovação Urbana devemos observar o percurso da legislação. O ponto de partida das projeções e representações legais foi o Decreto 880 de 1998 de Santafé de Bogotá, pelo qual se redigiu o Programa de renovação urbana para os bairros San Bernardo e Santa Inês. O Decreto declarava que a renovação era a solução ao problema da violência e da presença dos moradores da rua no centro da histórico da cidade. Estes bairros vizi-nhos foram descritos brevemente como deteriorados arquitetônica e socialmente. Como resposta ao deterioro generalizado, o Decreto determinou necessário o rearranjo do setor para promover seu desenvolvimento econômico e social no curto prazo. O Decreto 880 determinou a localização da população de moradores de rua e do setor que deve ser reno-vado desta forma:

Se asignó tratamiento especial de Renovación Urbana al sector comprendido por los barrios de San Bernardo y Santa Inés y su área de influencia. Dentro de la zona se encuentran sectores en un proceso avanzado de deterioro físico y social por lo que se hace necesario su reordenamiento con la especificación de normas para promover su desarrollo a corto plazo. El programa hace

1 As pesquisas foram con-duzidas por pesquisadores das principais universidades da capital, a Universidade Nacional de Colômbia, a Universidade de Los Andes e a Pontifícia Universidade Xaveriana dos Jesuítas.

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rante as brigas com faca, nas marcas dos tiros e nas tatuagens caseiras dos moradores da rua (cf. Ruiz, Hernández e Bolaños, 1998). Estas pesquisas acadêmicas mostraram a crescente preocupação que havia no país pelo tema da violência ligada aos moradores de rua.

Junto com as pesquisas realizadas pelos centros de investigação universitários, no ano 1998 foi realizado um diagnóstico da Alcaldía Mayor de Santafé de Bogotá (1998), titulado Territorios del miedo en Santafé de Bogotá. Este documento, elaborado pelo Obser-vatório de Cultura Cidadã, contou com a assessoria dos antropólogos do Instituto Colom-biano de Antropologia e História – iCaNH. Este livro tentava condensar a opinião dos cidadãos de Bogotá mediante uma enquete seletiva. Aqui, desenvolveu-se uma tecnologia para medir uma emoção, junto com a apresentação da possibilidade de modificação dos sentimentos e das sensações. O estudo usou uma base cartográfica de bairros da cidade, onde se expressavam com cores os códigos de perguntas fechadas que faziam alusão ao medo e cujo resultado era um ranking do medo. No estudo, analisaram-se 900 entrevistas realizadas com homens e mulheres moradores da cidade, tendo em vista abarcar uma am-pla diversidade de cidadãos que pertenciam a diversos estratos socioeconômicos. Portanto, as pessoas que participaram deste estudo eram moradores de diferentes bairros da cidade, de diversas faixas etárias e origem, de variados níveis educativos e de ingressos. O que pode ser definido como o medo, assim como a sua causa, refere-se geralmente à esfera individu-al, restringe-se ao corporal e à possibilidade de dano pessoal mediante a agressão. Como indicou Rossana Reguillo (2000), o medo como emoção é um mecanismo de alarme, uma reação corporal a um acontecimento. Mas o medo é também uma construção social: “Las nociones y los modos de respuesta [ao medo] se modalizan en los territorios de la cultura, adquieren su especificidad por la mediación de la cultura” (2000: 189). O que interes-sava a Reguillo era entender o medo como uma construção social. Para a pesquisadora esta sensação está construída a partir do paradigma atual de risco e fragilidade constante dos Estados e dos corpos. A modalização do medo, i.e., a forma pela qual ele se efetiva na sua construção social, é produzida especialmente pelo caos e pelo estranho. O medo para ela pode se transformar em uma verdadeira força política e um eixo articulador de solidariedade sob o controle do Estado. O estudo de Reguillo esteve focado na cidade de México D.F.; para isso utilizou entrevistas realizadas a uma ampla faixa de cidadãos “repre-sentativos”. Como resultado, a autora descreve as três figuras que provocam mais medo na população: o narcotraficante, o militar e as figuras da abjeção: prostitutas e moradores de rua. No entanto, se os primeiros recebiam do público admiração ou respeito, os “abjetos” deviam desaparecer ou ser aniquilados, segundo a opinião da maioria dos entrevistados.

Assim como em México D.F., nesta “cultura latino-americana” o morador de rua é um sujeito produtor de medo para os cidadãos de Bogotá. Ele pode ser chamado de indigente, vagabundo, mendigo ou ainda “descartável” pelos cidadãos. Estes nomes são usados corriqueiramente, além de “morador de rua”, para designar esta população. Na pesquisa da Alcaldía Mayor de Bogotá, os cidadãos apontaram que suas características externas associam-se no imaginário dos habitantes de Bogotá à sujeira, ao uso de farrapos, à presença de cicatrizes e deformações e ao porte de armas. A atitude “natural” destes sujeitos era agressiva, de raiva e de ameaça quando não recebiam esmola. No imaginário da cidade El Cartucho aparece como o setor mais mencionado como o lugar produtor de medo. O que interessa neste artigo é ver a forma em que uma emoção foi registrada e apresentada. Assim, a forma de expressão cartográfica aparecia como modo de apreensão e compreensão do fenômeno. O resultado da pesquisa executada pela Alcaldía Mayor de Bogotá foi um mapa do medo da capital. Os limites desta zona de medo, eram quatro

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grandes avenidas do centro da cidade: a Avenida Caracas, a Carrera 7ª e a Avenida 6ª e a Calle 13. Para a maioria dos cidadãos ultrapassar estas “barreiras” fixas implicava, durante a década de 1990, adentrar-se no mundo do medo e do terror, do incontrolável e do caótico no coração de Bogotá. Como veremos, os diversos estudos sobre os moradores de rua preenchem simbolicamente o espaço da cidade que eles ocupam, segundo diversas camadas de significação que poderemos enxergar nas diferentes cartografias.

Como foi indicado, os abusos da autoridade, a violência e a “limpeza social” em El Cartucho foram alvo de pesquisas e de denuncias. Estes documentos apresentados podem ser considerados como bases para os futuros diagnósticos desta região. Estes dois estudos da Câmara de Comércio (1997) e da Alcaldía Mayor (1998) sistematizaram numerica-mente o fenômeno e circunscreveram estes comportamentos desviados com maior preci-são. Ainda, a iniciativa para conhecer as causas das mortes violentas dos moradores partiu de instituições acadêmicas públicas e religiosas.1 Ou seja, configurou-se paulatinamente o morador de rua como um “problema” para a cidade. Foi neste âmbito intelectual e na tentativa de compreensão sobre o tema, baseados nas pesquisas das universidades, que se redigiram as primeiras normas de renovação urbana do centro histórico de Bogotá. No setor de El Cartucho realizava-se o processo metonímico que vai do diagnóstico de cada indivíduo, o morador de rua mentalmente doente, para o lugar que ele ocupa na cidade. De modo que a “rua” como espaço e o seu “morador natural” compartilham as mesmas características: sujeira, violência e caos. Já dentro da cartografia da cidade El Cartucho aparecia como um lugar que bloqueava a circulação, pois era um local que, para a maioria da população, devia ser evitado e que, portanto, podia ser extirpado. Estas políticas de destruição dos locais denominados sujos ou violentos já foram realizadas em outras cida-des do ocidente desde o século XiX com propósitos similares: o aumento da circulação e a elevação da moral. Foi o caso da Paris durante a administração do Barão de Haussmann e do Rio de Janeiro na prefeitura de Pereira Passos.

RENOVAÇÃO URBANA E O PARqUE TERCEIRO MILêNIO

Para poder entender o funcionamento das políticas públicas e, especialmente, do Programa de Renovação Urbana devemos observar o percurso da legislação. O ponto de partida das projeções e representações legais foi o Decreto 880 de 1998 de Santafé de Bogotá, pelo qual se redigiu o Programa de renovação urbana para os bairros San Bernardo e Santa Inês. O Decreto declarava que a renovação era a solução ao problema da violência e da presença dos moradores da rua no centro da histórico da cidade. Estes bairros vizi-nhos foram descritos brevemente como deteriorados arquitetônica e socialmente. Como resposta ao deterioro generalizado, o Decreto determinou necessário o rearranjo do setor para promover seu desenvolvimento econômico e social no curto prazo. O Decreto 880 determinou a localização da população de moradores de rua e do setor que deve ser reno-vado desta forma:

Se asignó tratamiento especial de Renovación Urbana al sector comprendido por los barrios de San Bernardo y Santa Inés y su área de influencia. Dentro de la zona se encuentran sectores en un proceso avanzado de deterioro físico y social por lo que se hace necesario su reordenamiento con la especificación de normas para promover su desarrollo a corto plazo. El programa hace

1 As pesquisas foram con-duzidas por pesquisadores das principais universidades da capital, a Universidade Nacional de Colômbia, a Universidade de Los Andes e a Pontifícia Universidade Xaveriana dos Jesuítas.

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así como la ausencia de plazas y parques suficientes que impiden el desarrollo y mantenimiento del sector (Decreto 880, 1998).

Nesta argumentação aparece a conexão da destruição daquilo considerado ruína com uma oportunidade para a geração de novo espaço público. Assim, para entender o valor simbólico do que devia ser preservado cabe se perguntar o que esses edifícios representa-vam, com base na história do setor (cf. Góngora e Suárez, 2008). O antigo bairro Santa Inês, onde originou-se depois El Cartucho, foi construído para atender as demandas da elite política do país no início do século XX, já que os dirigentes precisavam deslocar--se rapidamente para o centro do poder. O bairro localizou-se a poucas ruas da Casa de Nariño (sede do Presidente) e o Capitólio Nacional (sede do Senado). Após um grande revolta política no mês de abril de 1948, chamada de Bogotazo, os altos dirigentes políticos decidiram fugir do centro para o norte da cidade. Esta revolta, deflagrada pelo assassinato em praça pública do candidato presidencial do Partido Liberal, Jorge Eliecer Gaitán, en-fureceu a multidão que ateou fogo em vários prédios do centro e no sistema de bondes. O caos dominou a cidade por uma semana. Quase esvaziado dos ricos moradores que se mudaram ao norte da cidade, o bairro Santa Inês começava o seu processo de degrada-ção. Inicialmente, os quartos das mansões abandonadas foram alugadas para os viajantes, pois perto do bairro estava a Estação do Trem de La Sabana. Depois, os móveis, adornos e enfeites dos casarões começaram ser vendidos pelos ocupantes provisórios. Alguns comerciantes trouxeram mercadorias ilegais para este local de passagem, especialmente maconha. A tendência de transformar as casas abandonadas em quartos para aluguel, se-melhante com as cabeças de porco do Rio de Janeiro no inicio do século XX, espalhou-se por todo o bairro, pois nenhum dos antigos donos reclamaram seus bens. Já na década de 1980 começou a vigorar o comércio ilegal de maconha no bairro que ingressava desta forma no circuito comercial da cidade. Simultaneamente, dentro do local houve cada vez mais pessoas exercendo a prostituição para atender aos viajantes. Os comportamentos que começaram a se configurar no local pareciam não ter espaço dentro da cidade. A decisão estética de destruir o bairro sem preservar nada era admissível dentro do discurso da dupla “degradação” arquitetônica e moral que se estava operado no local.

Assim, estas propriedades ocupadas provisoriamente e que se encontravam “fora de uso”, ou melhor, fora dos circuitos legais de mercado, como indicava o Decreto 880 de 1998, podiam ser substituídas por locais disciplinados para o fluxo e o lazer. As ruínas são, por definição, objetos degradados que já perderam as formas do seu uso original; igualmente, as ruínas representam o caótico. O espaço público, neste caso o futuro PTM, significou a substituição do caos pelo controle racional. No parque, os elementos se dis-tribuem não com o fim de mimetizar a natureza, mas para impor uma ordem e uma razão sobre o mundo. Foi assim como as primeiras imposições de parques e jardins no século Xviii tinham o intuito de trazer uma ordem divina e celestial para o “caos” da natureza. O jardim era a manifestação da mão do homem capaz de arranjar aquilo que se apresentava como despido de civilização (Rykwert, 2004). Na concepção dos parques provavam-se saberes especializados como a engenharia hidráulica e a paisagística, de modo que o parque era a forma de assegurar a disciplina do espaço, mediante a colocação de cada elemento no lugar correto. A construção do parque como projeto para a substituição da ruína apareceu como a ordem impondo-se sobre o degradado, como aconteceu no caso da destruição de El Cartucho. Deste modo, um dos objetivos do Decreto 880 de 1998 era a criação do Ptm para substituir o antigo bairro Santa Inês, conhecido nesse ano como El Cartucho.

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así como la ausencia de plazas y parques suficientes que impiden el desarrollo y mantenimiento del sector (Decreto 880, 1998).

Nesta argumentação aparece a conexão da destruição daquilo considerado ruína com uma oportunidade para a geração de novo espaço público. Assim, para entender o valor simbólico do que devia ser preservado cabe se perguntar o que esses edifícios representa-vam, com base na história do setor (cf. Góngora e Suárez, 2008). O antigo bairro Santa Inês, onde originou-se depois El Cartucho, foi construído para atender as demandas da elite política do país no início do século XX, já que os dirigentes precisavam deslocar--se rapidamente para o centro do poder. O bairro localizou-se a poucas ruas da Casa de Nariño (sede do Presidente) e o Capitólio Nacional (sede do Senado). Após um grande revolta política no mês de abril de 1948, chamada de Bogotazo, os altos dirigentes políticos decidiram fugir do centro para o norte da cidade. Esta revolta, deflagrada pelo assassinato em praça pública do candidato presidencial do Partido Liberal, Jorge Eliecer Gaitán, en-fureceu a multidão que ateou fogo em vários prédios do centro e no sistema de bondes. O caos dominou a cidade por uma semana. Quase esvaziado dos ricos moradores que se mudaram ao norte da cidade, o bairro Santa Inês começava o seu processo de degrada-ção. Inicialmente, os quartos das mansões abandonadas foram alugadas para os viajantes, pois perto do bairro estava a Estação do Trem de La Sabana. Depois, os móveis, adornos e enfeites dos casarões começaram ser vendidos pelos ocupantes provisórios. Alguns comerciantes trouxeram mercadorias ilegais para este local de passagem, especialmente maconha. A tendência de transformar as casas abandonadas em quartos para aluguel, se-melhante com as cabeças de porco do Rio de Janeiro no inicio do século XX, espalhou-se por todo o bairro, pois nenhum dos antigos donos reclamaram seus bens. Já na década de 1980 começou a vigorar o comércio ilegal de maconha no bairro que ingressava desta forma no circuito comercial da cidade. Simultaneamente, dentro do local houve cada vez mais pessoas exercendo a prostituição para atender aos viajantes. Os comportamentos que começaram a se configurar no local pareciam não ter espaço dentro da cidade. A decisão estética de destruir o bairro sem preservar nada era admissível dentro do discurso da dupla “degradação” arquitetônica e moral que se estava operado no local.

Assim, estas propriedades ocupadas provisoriamente e que se encontravam “fora de uso”, ou melhor, fora dos circuitos legais de mercado, como indicava o Decreto 880 de 1998, podiam ser substituídas por locais disciplinados para o fluxo e o lazer. As ruínas são, por definição, objetos degradados que já perderam as formas do seu uso original; igualmente, as ruínas representam o caótico. O espaço público, neste caso o futuro PTM, significou a substituição do caos pelo controle racional. No parque, os elementos se dis-tribuem não com o fim de mimetizar a natureza, mas para impor uma ordem e uma razão sobre o mundo. Foi assim como as primeiras imposições de parques e jardins no século Xviii tinham o intuito de trazer uma ordem divina e celestial para o “caos” da natureza. O jardim era a manifestação da mão do homem capaz de arranjar aquilo que se apresentava como despido de civilização (Rykwert, 2004). Na concepção dos parques provavam-se saberes especializados como a engenharia hidráulica e a paisagística, de modo que o parque era a forma de assegurar a disciplina do espaço, mediante a colocação de cada elemento no lugar correto. A construção do parque como projeto para a substituição da ruína apareceu como a ordem impondo-se sobre o degradado, como aconteceu no caso da destruição de El Cartucho. Deste modo, um dos objetivos do Decreto 880 de 1998 era a criação do Ptm para substituir o antigo bairro Santa Inês, conhecido nesse ano como El Cartucho.

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Acentuavam-se no documento a deterioração generalizada como parte da face negativa que devia ser tirada da cidade.

Algunos sectores de la zona presentan un alto índice de concentración de indigentes y hay presencia de otras actividades como el comercio de drogas y otras formas de actividades ilícitas de sectores de la población que hasta el momento no han sido atendidas (Decreto 880, 1998).

O Decreto 880 descrevia aos indigentes, que encarnavam no imaginário dos cida-dãos o vício e o mal da cidade, como aquilo que devia ser mudado para atingir o objetivo do projeto. Igualmente, o Decreto estabelecia uma correspondência do morador de rua como o habitante “natural” dessa ruína e, assim, esclareceu-se a correspondência entre os comportamentos destas pessoas com o hábitat que eles ocupam dentro da cidade. Deste modo, construiu-se a relação entre a ruína, a presença de moradores de rua e as ativida-des ilícitas, especialmente o tráfico de drogas e de crack. Por outro lado, o local apareceu como um enorme “vazio humano”, apesar da presença diagnosticada e constatada dos moradores de rua:

Las grandes áreas desocupadas, mal empleadas y deterioradas, son aprovechables para la inter-vención a gran escala en proyectos que generen un impacto positivo con la facultad de recuperar el valor del centro, articulándolo con el resto de la ciudad a través de los sistemas de transporte masivo (Decreto 880, 1998). O deterioro, ainda que seja dos prédios, era indicativo também do deterioro moral

da população que ali morava. Deste modo, o deterioro mental e o “vício” que caracterizava o morador de rua tinha seu equivalente nos casarões em ruínas de El Cartucho. Ressaltava o documento a idéia de que El Cartucho impedia a circulação, o que dificultava a conexão entre diversas zonas da cidade com o centro. O documento fazia uma exposição, junto à presença deste “vazio administrativo”, da importância da recuperação legal do bairro, em termos dos valores simbólicos que ele carregava:

Dado el valor histórico del sector, representado en la influencia para la ciudad durante distintas épocas, se hace necesaria su recuperación con una intervención que no solo impida su deterioro, sino que plantee un desarrollo urbanístico que lo adecué a las potencialidades del sector y las nece-sidades de la ciudad (Decreto 880, 1998).

Contraditoriamente, a forma pela qual estava projetada a recuperação histórica do setor mediante a destruição de antigos prédios do bairro Santa Inês-El Cartucho induzia pensar que nada podia ser aproveitado. Portanto, assim como se designava corriqueira-mente “descartável” o morador de rua, o bairro que eles ocupam devia ser “descartado”. Os moradores de rua, por estarem fora dos circuitos de consumo da razão econômica do mercado apareciam como um “problema” que devia ser minimizado. O “descartável” era representado como algo transitório, como uma pessoa que a sociedade podia dispensar ou transformar (Góngora e Suárez, 2008).

Durante o período posterior a emissão do Decreto 880 foi constituída a Empresa de Renovação Urbana (eru) mediante o Acordo 33 de 1999 do Conselho de Bogotá. Com esta instituição iniciou-se a demolição das primeiras 28 casas. Um ano depois foi promulgado o Plano de Ordenamento Territorial (Pot) para a cidade de Bogotá, de

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acordo com Decreto 619 do ano 2000 e que vigora atualmente na cidade. Este plano foi a consolidação legal e projetiva dos pressupostos contidos anteriormente no Decreto 880 para a renovação do centro histórico da cidade de Bogotá. No seu conteúdo, este grande plano abrangia oito objetivos para a administração da cidade, e cada um destes objetivos constituía e desenhava uma visão diferente sobre a cidade de Bogotá. Neste artigo tentarei fazer uma interpretação mais profunda dos objetivos econômico, social e físico.

No principal objetivo, o econômico, aclarava-se a necessidade de organizar adequa-damente o território para aproveitar das vantagens comparativas da localização e atingir uma maior competitividade internacional da cidade. Assim, o comércio, a indústria, os serviços e os centros empresariais e de negócios deviam ser localizados racionalmente. A cidade descrita neste objetivo devia ser hierarquizada a partir das oportunidades comer-ciais, de modo que as centralidades urbanas deviam ser fortalecidas para desenvolver as atividades econômicas geradoras de emprego. Da mesma forma, o espaço público devia ser melhorado física e ambientalmente para aumentar a “qualidade de vida” dos cidadãos. Igualmente, a oferta turística devia ser ampliada e fortalecida com base nos atrativos físicos e ambientais da cidade. Previa-se neste objetivo o uso do território segundo lo-calização racional dos elementos urbanos dentro de um tecido composto pelos grandes centros de negócios e as avenidas que os vinculam. Em volta destes locais de fluxo e concentração, projetaram-se as zonas destinadas para o espaço público. Estas áreas eram descritas como passiveis de melhoria na procura da atração turística e do investimento de capitais internacionais. Finalmente, o objetivo econômico descrevia uma adequada dis-posição dos modos de circulação econômica dentro da cidade, marcando funcionalmente cada um dos seus ambientes.

O objetivo social procurava promover a equidade territorial para garantir plenamen-te a oferta de bens e serviços para todos os cidadãos. Para alcançar este objetivo, o POT propunha a diminuição dos fatores que podiam gerar pobreza mediante a priorização da inversão pública e da atenção imediata das zonas que albergavam os grupos mais vulneráveis, entre os quais estavam os moradores das periferias da cidade e os indigentes que habitavam o centro histórico. Neste Plano, a pobreza era passível de diminuição se a administração da cidade conseguisse manipular adequadamente os fatores que a geravam.

Dentro do Pot, o objetivo físico se fundamentava na preservação ambiental e na proteção dos grandes corpos d’água que estão em volta da cidade. Este objetivo apresenta-va uma complexidade discursiva devido a diversidade de fins que possui: a sustentabilida-de ambiental, a equidade social, a eficiência econômica e a convivência social. Portanto, o desenvolvimento do objetivo requer ações múltiplas e convergentes, das quais destaco: a espacialização das decisões do ordenamento; a articulação destas aos programas da inves-timento público; o planejamento do desenvolvimento urbano como único instrumento norteador da construção do território, além da normativa urbanística; a recuperação da dimensão do público para nortear a construção da cidade e, assim, assegurar a apropria-ção dos cidadãos; a definição dos padrões de distribuição da população no território para antecipar as ações administrativas mais adequadas; a realização dos projetos de renovação e o aproveitamento dos “vazios” existentes no solo urbano para gerar moradia e infra--estrutura que revitalize a cidade construída; a preservação do patrimônio construído para usufrutuá-lo como bem cultural; a consolidação da estrutura urbana existente mediante a proteção das áreas residenciais, dando maiores privilégios ao bairro como “unidade social básica”. Este objetivo identificava a razão econômica como forma mais adequada para a gestão do território urbano mediante uma ordem discursiva particular e uma linguagem

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Acentuavam-se no documento a deterioração generalizada como parte da face negativa que devia ser tirada da cidade.

Algunos sectores de la zona presentan un alto índice de concentración de indigentes y hay presencia de otras actividades como el comercio de drogas y otras formas de actividades ilícitas de sectores de la población que hasta el momento no han sido atendidas (Decreto 880, 1998).

O Decreto 880 descrevia aos indigentes, que encarnavam no imaginário dos cida-dãos o vício e o mal da cidade, como aquilo que devia ser mudado para atingir o objetivo do projeto. Igualmente, o Decreto estabelecia uma correspondência do morador de rua como o habitante “natural” dessa ruína e, assim, esclareceu-se a correspondência entre os comportamentos destas pessoas com o hábitat que eles ocupam dentro da cidade. Deste modo, construiu-se a relação entre a ruína, a presença de moradores de rua e as ativida-des ilícitas, especialmente o tráfico de drogas e de crack. Por outro lado, o local apareceu como um enorme “vazio humano”, apesar da presença diagnosticada e constatada dos moradores de rua:

Las grandes áreas desocupadas, mal empleadas y deterioradas, son aprovechables para la inter-vención a gran escala en proyectos que generen un impacto positivo con la facultad de recuperar el valor del centro, articulándolo con el resto de la ciudad a través de los sistemas de transporte masivo (Decreto 880, 1998). O deterioro, ainda que seja dos prédios, era indicativo também do deterioro moral

da população que ali morava. Deste modo, o deterioro mental e o “vício” que caracterizava o morador de rua tinha seu equivalente nos casarões em ruínas de El Cartucho. Ressaltava o documento a idéia de que El Cartucho impedia a circulação, o que dificultava a conexão entre diversas zonas da cidade com o centro. O documento fazia uma exposição, junto à presença deste “vazio administrativo”, da importância da recuperação legal do bairro, em termos dos valores simbólicos que ele carregava:

Dado el valor histórico del sector, representado en la influencia para la ciudad durante distintas épocas, se hace necesaria su recuperación con una intervención que no solo impida su deterioro, sino que plantee un desarrollo urbanístico que lo adecué a las potencialidades del sector y las nece-sidades de la ciudad (Decreto 880, 1998).

Contraditoriamente, a forma pela qual estava projetada a recuperação histórica do setor mediante a destruição de antigos prédios do bairro Santa Inês-El Cartucho induzia pensar que nada podia ser aproveitado. Portanto, assim como se designava corriqueira-mente “descartável” o morador de rua, o bairro que eles ocupam devia ser “descartado”. Os moradores de rua, por estarem fora dos circuitos de consumo da razão econômica do mercado apareciam como um “problema” que devia ser minimizado. O “descartável” era representado como algo transitório, como uma pessoa que a sociedade podia dispensar ou transformar (Góngora e Suárez, 2008).

Durante o período posterior a emissão do Decreto 880 foi constituída a Empresa de Renovação Urbana (eru) mediante o Acordo 33 de 1999 do Conselho de Bogotá. Com esta instituição iniciou-se a demolição das primeiras 28 casas. Um ano depois foi promulgado o Plano de Ordenamento Territorial (Pot) para a cidade de Bogotá, de

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acordo com Decreto 619 do ano 2000 e que vigora atualmente na cidade. Este plano foi a consolidação legal e projetiva dos pressupostos contidos anteriormente no Decreto 880 para a renovação do centro histórico da cidade de Bogotá. No seu conteúdo, este grande plano abrangia oito objetivos para a administração da cidade, e cada um destes objetivos constituía e desenhava uma visão diferente sobre a cidade de Bogotá. Neste artigo tentarei fazer uma interpretação mais profunda dos objetivos econômico, social e físico.

No principal objetivo, o econômico, aclarava-se a necessidade de organizar adequa-damente o território para aproveitar das vantagens comparativas da localização e atingir uma maior competitividade internacional da cidade. Assim, o comércio, a indústria, os serviços e os centros empresariais e de negócios deviam ser localizados racionalmente. A cidade descrita neste objetivo devia ser hierarquizada a partir das oportunidades comer-ciais, de modo que as centralidades urbanas deviam ser fortalecidas para desenvolver as atividades econômicas geradoras de emprego. Da mesma forma, o espaço público devia ser melhorado física e ambientalmente para aumentar a “qualidade de vida” dos cidadãos. Igualmente, a oferta turística devia ser ampliada e fortalecida com base nos atrativos físicos e ambientais da cidade. Previa-se neste objetivo o uso do território segundo lo-calização racional dos elementos urbanos dentro de um tecido composto pelos grandes centros de negócios e as avenidas que os vinculam. Em volta destes locais de fluxo e concentração, projetaram-se as zonas destinadas para o espaço público. Estas áreas eram descritas como passiveis de melhoria na procura da atração turística e do investimento de capitais internacionais. Finalmente, o objetivo econômico descrevia uma adequada dis-posição dos modos de circulação econômica dentro da cidade, marcando funcionalmente cada um dos seus ambientes.

O objetivo social procurava promover a equidade territorial para garantir plenamen-te a oferta de bens e serviços para todos os cidadãos. Para alcançar este objetivo, o POT propunha a diminuição dos fatores que podiam gerar pobreza mediante a priorização da inversão pública e da atenção imediata das zonas que albergavam os grupos mais vulneráveis, entre os quais estavam os moradores das periferias da cidade e os indigentes que habitavam o centro histórico. Neste Plano, a pobreza era passível de diminuição se a administração da cidade conseguisse manipular adequadamente os fatores que a geravam.

Dentro do Pot, o objetivo físico se fundamentava na preservação ambiental e na proteção dos grandes corpos d’água que estão em volta da cidade. Este objetivo apresenta-va uma complexidade discursiva devido a diversidade de fins que possui: a sustentabilida-de ambiental, a equidade social, a eficiência econômica e a convivência social. Portanto, o desenvolvimento do objetivo requer ações múltiplas e convergentes, das quais destaco: a espacialização das decisões do ordenamento; a articulação destas aos programas da inves-timento público; o planejamento do desenvolvimento urbano como único instrumento norteador da construção do território, além da normativa urbanística; a recuperação da dimensão do público para nortear a construção da cidade e, assim, assegurar a apropria-ção dos cidadãos; a definição dos padrões de distribuição da população no território para antecipar as ações administrativas mais adequadas; a realização dos projetos de renovação e o aproveitamento dos “vazios” existentes no solo urbano para gerar moradia e infra--estrutura que revitalize a cidade construída; a preservação do patrimônio construído para usufrutuá-lo como bem cultural; a consolidação da estrutura urbana existente mediante a proteção das áreas residenciais, dando maiores privilégios ao bairro como “unidade social básica”. Este objetivo identificava a razão econômica como forma mais adequada para a gestão do território urbano mediante uma ordem discursiva particular e uma linguagem

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específica. Assim, uma série de fins coexistem harmonicamente no projeto futuro fundado no investimento programado. Aliás, percebe-se um paradoxo necessário dentro desta razão econômica: “planificar integralmente el desarrollo urbano superando la normatividad urbanística como único instrumento guía de la construcción del territorio” (Decreto 619 de 2000). Portanto, o Pot continha em si a sua própria e constante superação, de modo que coloca a ação como princípio da sua manifestação e a mudança contínua como uma das suas virtudes. A razão da intervenção no espaço estava determinada pela lógica da “oportunidade”, que parecia ser o vetor geral que guiava o discurso dentro deste Plano. O Pot indica assim sua natureza flexível:

Las intervenciones del plan en una zona tienen objetivos precisos que deben iluminar el tipo de proyectos a realizar y permiten identificar áreas de oportunidad para el desarrollo de proyectos por parte del sector privado. Este conjunto de acciones forma operaciones estructurantes que son la base de gestión del presente Plan (Decreto 619, 2000).

Deste modo, explicita-se o caráter mutável do Pot, como Plano provisório, aberto e incompleto, que necessitava estar em constante revisão e avaliação. O Pot se dinamizava no momento em que estabelecia a transformação como o seu princípio. O Pot era uma manifestação dessa idéia do arranjo e da colocação correta e racional de cada um dos ele-mentos da cidade, de acordo com os princípios de fluidez e de aproveitamento econômico dos espaços. Na cidade física almejada nos objetivos de Pot apareciam três elementos que se encontravam presentes na cidade econômica: centralidades, corredores e espaços públicos. O espaço público aparecia como o local da realização plena do cidadão. Isto nos coloca frente a uma definição particular do “cidadão” e de um discurso potencialmente excludente. A exclusão dentro do Plano foi realizada a partir da omissão, nomeando o que devia ser destruído como “vazio”. Em contraposição aos vazios e à degradação aparecia o ideal de unidade social básica da cidade: o bairro. Nesta ordem imposta pelo Pot, após da execução do projeto modelado no Decreto 880 de 1998, o vazio pode ser considerado uma positividade, pois daí nasce a oportunidade para as inversões público/privada. Para a administração da cidade o Pot possui de uma série de estratégias, de “identificación de actuaciones selectivas puntuales y de pequeña escala, para intervenir núcleos o zonas claves de las áreas centrales” (Decreto 619, Artigo 63). Portanto, para voltar a nosso ponto de interesse, a política de renovação urbana apareceu definida assim:

La Renovación Urbana tiene como objetivo propiciar un reordenamiento de la estructura ur-bana de zonas estratégicamente ubicadas de la ciudad que han perdido funcionalidad, calidad habitacional, presentan deterioro de sus actividades, o en las que se ha degradado el espacio libre o el espacio edificado; zonas del suelo urbano que por procesos de deterioro urbanístico y social se encuentran abandonadas y con un aprovechamiento muy bajo en relación con su potencial, aso-ciado a su ubicación dentro de la ciudad y a la disponibilidad de redes de comunicación y servicios públicos (Decreto 619 de 2000, Artigo 110).

Os alvos de intervenção da política de renovação urbana eram as zonas disfuncio-nais e as ruínas, os espaços abandonados e pouco aproveitados. Mediante o seu Artigo 117 o Plano visava a transformação do centro tradicional, definido-o como o local onde se reúnem os elementos da identidade e da representatividade da tradição de Bogotá. A identidade aparecia aqui como uma idéia projetiva e mutável que se configurava a partir

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da lógica das atrações econômicas, da concentração de atividades comerciais e da funcio-nalidade das zonas. Como diz expressivamente o Pot:

Aprovechar el potencial turístico y cultural de los valores históricos, arquitectónicos y naturales del Centro Histórico de manera que le permitan proyectarse como factor determinante de competitivi-dad del Centro Tradicional, generándole una dinámica que garantice la sostenibilidad del área patrimonial (Decreto 619 de 2000, Artigo 117).

O centro histórico devia ser emblema de competitividade comercial internacional. Percebe-se como se configura a contraposição entre o degradado e o interesse patrimo-nial. O Plano implicava uma harmonização entre as funções e a infra-estrutura. No caso, aqueles prédios que não tivessem a função patrimonial, considerada o fundamento da identidade, e que não estivessem preservados deviam ser reativados. Para atingir estes objetivos se apresentam duas estratégias especificamente ligadas ao Centro Histórico da cidade de Bogotá:

Abrir el borde sur del Centro, vinculando zonas del Tejido Residencial Sur que han estado tradi-cionalmente aisladas de su dinámica. Optimizar la accesibilidad a la zona y mejorar su movilidad interna, mediante la introducción de diversos modos del sistema de transporte masivo (Decreto 619 de 2000, Artigo 117).

A circulação como elemento fundamental dentro das cidades contemporâneas im-plicava dentro do Pot a necessidade da “construção” destes vazios urbanos. O limite do centro histórico, como descrito pelo Pot, estava composto pelos setores deteriorados e disfuncionais que perturbavam a fluida circulação, i.e. a entrada e a saída da maior cen-tralidade política da cidade e do país. As aberturas são da mesma forma assinaladas como parte do Plano: o Parque Terceiro Milênio, o Cemitério Central, o Centro Internacional, a Estação da Sabana e o Bairro Las Cruces. A proposta do Plano era, portanto, a ruptura definitiva das antigas fronteiras coloniais da cidade mediante sua total integração funcio-nal na estrutura da cidade, tanto no sentido econômico quanto no simbólico. A renovação urbana devia ser entendida como programa (Decreto 619 de 2000, Artigo 296-297), com uma validez temporal que dependesse da sua capacidade para atingir progressivamente os objetivos propostos. Deste modo, o Plano delegava estes objetivos específicos na Empresa de Renovação Urbana (eru) a que, como instrumento institucional para a transformação da cidade, tinha que fazer as intervenções na infra-estrutura de serviços públicos, de vias e de espaço público, ainda estimulando investimentos de capital privado.

No ano 2002, durante o processo de destruição de El Cartucho e construção do Parque Terceiro Milênio, o Instituto de Desenvolvimento Urbano (idu) da Prefeitura apresentou o projeto Rehabilitación del centro urbano: el Proyecto Tercer Milenio (Bogotá, Colombia) para concorrer no concurso de boas práticas patrocinado pela Prefeitura de Dobai. Este documento foi redigido como um “bom resumo” para o público interna-cional da intervenção efetivada no centro histórico da cidade. O documento referia-se à regeneração do centro e os seus custos monetários em dólares, mostrando a possibilidade de contabilizar recursos e gastos. Com uma inversão de 79 milhões de dólares esperava-se recuperar um valor líquido de 160 milhões de dólares. O texto explica como, no bairro Santa Inês, “comprar y demoler esos edificios permitió ‘limpiar’ el marco tras el que se escondían las prácticas ilegales y demostró el compromiso firme de las autoridades para

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específica. Assim, uma série de fins coexistem harmonicamente no projeto futuro fundado no investimento programado. Aliás, percebe-se um paradoxo necessário dentro desta razão econômica: “planificar integralmente el desarrollo urbano superando la normatividad urbanística como único instrumento guía de la construcción del territorio” (Decreto 619 de 2000). Portanto, o Pot continha em si a sua própria e constante superação, de modo que coloca a ação como princípio da sua manifestação e a mudança contínua como uma das suas virtudes. A razão da intervenção no espaço estava determinada pela lógica da “oportunidade”, que parecia ser o vetor geral que guiava o discurso dentro deste Plano. O Pot indica assim sua natureza flexível:

Las intervenciones del plan en una zona tienen objetivos precisos que deben iluminar el tipo de proyectos a realizar y permiten identificar áreas de oportunidad para el desarrollo de proyectos por parte del sector privado. Este conjunto de acciones forma operaciones estructurantes que son la base de gestión del presente Plan (Decreto 619, 2000).

Deste modo, explicita-se o caráter mutável do Pot, como Plano provisório, aberto e incompleto, que necessitava estar em constante revisão e avaliação. O Pot se dinamizava no momento em que estabelecia a transformação como o seu princípio. O Pot era uma manifestação dessa idéia do arranjo e da colocação correta e racional de cada um dos ele-mentos da cidade, de acordo com os princípios de fluidez e de aproveitamento econômico dos espaços. Na cidade física almejada nos objetivos de Pot apareciam três elementos que se encontravam presentes na cidade econômica: centralidades, corredores e espaços públicos. O espaço público aparecia como o local da realização plena do cidadão. Isto nos coloca frente a uma definição particular do “cidadão” e de um discurso potencialmente excludente. A exclusão dentro do Plano foi realizada a partir da omissão, nomeando o que devia ser destruído como “vazio”. Em contraposição aos vazios e à degradação aparecia o ideal de unidade social básica da cidade: o bairro. Nesta ordem imposta pelo Pot, após da execução do projeto modelado no Decreto 880 de 1998, o vazio pode ser considerado uma positividade, pois daí nasce a oportunidade para as inversões público/privada. Para a administração da cidade o Pot possui de uma série de estratégias, de “identificación de actuaciones selectivas puntuales y de pequeña escala, para intervenir núcleos o zonas claves de las áreas centrales” (Decreto 619, Artigo 63). Portanto, para voltar a nosso ponto de interesse, a política de renovação urbana apareceu definida assim:

La Renovación Urbana tiene como objetivo propiciar un reordenamiento de la estructura ur-bana de zonas estratégicamente ubicadas de la ciudad que han perdido funcionalidad, calidad habitacional, presentan deterioro de sus actividades, o en las que se ha degradado el espacio libre o el espacio edificado; zonas del suelo urbano que por procesos de deterioro urbanístico y social se encuentran abandonadas y con un aprovechamiento muy bajo en relación con su potencial, aso-ciado a su ubicación dentro de la ciudad y a la disponibilidad de redes de comunicación y servicios públicos (Decreto 619 de 2000, Artigo 110).

Os alvos de intervenção da política de renovação urbana eram as zonas disfuncio-nais e as ruínas, os espaços abandonados e pouco aproveitados. Mediante o seu Artigo 117 o Plano visava a transformação do centro tradicional, definido-o como o local onde se reúnem os elementos da identidade e da representatividade da tradição de Bogotá. A identidade aparecia aqui como uma idéia projetiva e mutável que se configurava a partir

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da lógica das atrações econômicas, da concentração de atividades comerciais e da funcio-nalidade das zonas. Como diz expressivamente o Pot:

Aprovechar el potencial turístico y cultural de los valores históricos, arquitectónicos y naturales del Centro Histórico de manera que le permitan proyectarse como factor determinante de competitivi-dad del Centro Tradicional, generándole una dinámica que garantice la sostenibilidad del área patrimonial (Decreto 619 de 2000, Artigo 117).

O centro histórico devia ser emblema de competitividade comercial internacional. Percebe-se como se configura a contraposição entre o degradado e o interesse patrimo-nial. O Plano implicava uma harmonização entre as funções e a infra-estrutura. No caso, aqueles prédios que não tivessem a função patrimonial, considerada o fundamento da identidade, e que não estivessem preservados deviam ser reativados. Para atingir estes objetivos se apresentam duas estratégias especificamente ligadas ao Centro Histórico da cidade de Bogotá:

Abrir el borde sur del Centro, vinculando zonas del Tejido Residencial Sur que han estado tradi-cionalmente aisladas de su dinámica. Optimizar la accesibilidad a la zona y mejorar su movilidad interna, mediante la introducción de diversos modos del sistema de transporte masivo (Decreto 619 de 2000, Artigo 117).

A circulação como elemento fundamental dentro das cidades contemporâneas im-plicava dentro do Pot a necessidade da “construção” destes vazios urbanos. O limite do centro histórico, como descrito pelo Pot, estava composto pelos setores deteriorados e disfuncionais que perturbavam a fluida circulação, i.e. a entrada e a saída da maior cen-tralidade política da cidade e do país. As aberturas são da mesma forma assinaladas como parte do Plano: o Parque Terceiro Milênio, o Cemitério Central, o Centro Internacional, a Estação da Sabana e o Bairro Las Cruces. A proposta do Plano era, portanto, a ruptura definitiva das antigas fronteiras coloniais da cidade mediante sua total integração funcio-nal na estrutura da cidade, tanto no sentido econômico quanto no simbólico. A renovação urbana devia ser entendida como programa (Decreto 619 de 2000, Artigo 296-297), com uma validez temporal que dependesse da sua capacidade para atingir progressivamente os objetivos propostos. Deste modo, o Plano delegava estes objetivos específicos na Empresa de Renovação Urbana (eru) a que, como instrumento institucional para a transformação da cidade, tinha que fazer as intervenções na infra-estrutura de serviços públicos, de vias e de espaço público, ainda estimulando investimentos de capital privado.

No ano 2002, durante o processo de destruição de El Cartucho e construção do Parque Terceiro Milênio, o Instituto de Desenvolvimento Urbano (idu) da Prefeitura apresentou o projeto Rehabilitación del centro urbano: el Proyecto Tercer Milenio (Bogotá, Colombia) para concorrer no concurso de boas práticas patrocinado pela Prefeitura de Dobai. Este documento foi redigido como um “bom resumo” para o público interna-cional da intervenção efetivada no centro histórico da cidade. O documento referia-se à regeneração do centro e os seus custos monetários em dólares, mostrando a possibilidade de contabilizar recursos e gastos. Com uma inversão de 79 milhões de dólares esperava-se recuperar um valor líquido de 160 milhões de dólares. O texto explica como, no bairro Santa Inês, “comprar y demoler esos edificios permitió ‘limpiar’ el marco tras el que se escondían las prácticas ilegales y demostró el compromiso firme de las autoridades para

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llevar a cabo el proyecto” (idu, 2002: 5). Limpeza com firmeza pareciam ser a descrição desta ação do Estado. Devemos enxergar com atenção qual o tipo de transformação que se esperava, qual o seu impacto e, em definitiva, qual o “cidadão” que se estava construindo com direito sobre a cidade:

El Parque Tercer Milenio ha levantado grandes expectativas entre los ciudadanos de Bogotá, que se muestran impacientes ante su próxima inauguración y esperan que contribuya a devolver la vitalidad a la zona, una vez superada la sensación de temor que persiste entre ellos. Su tamaño hace pensar que los beneficios directos contribuirán a mejorar todo el centro tradicional y sus alrededores (IDU, 2002: 5-6).

A destruição de El Cartucho, símbolo do medo e da ilegalidade, foi um fenômeno que teve repercussões em uma ampla área da cidade. Aproximadamente 3.000 moradores de rua que habitavam o setor espalharam-se pelos bairros vizinhos. Apesar da pontuali-dade da ação, esta atingiu a totalidade do centro histórico e a sensação de segurança na cidade. Especificamente, neste setor as taxas de homicídio (por cada 100.000 habitantes) caíram de 330 para 100 entre os anos 1997 e 2004. Ainda, nesse período a taxa de ho-micídio em Bogotá teve redução paulatina e constante de 45 para 25 por cada 100.000 habitantes. Como conseqüência disto houve uma maior confiança para o investimento internacional. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid) aprovou um emprés-timo por us$ 161.000 para continuar com a demolição dos prédios e construção do Ptm durante o ano 2002.2 Em outras áreas em volta do Ptm e que foram também alvo da renovação urbana, como o setor comercial de San Victorino e o bairro de San Bernardo, o documento assinalou a construção de moradias com inversão privada.

Após a apresentação da experiência em Dobai foi promulgado o Decreto 346 de 2003, o Plano Maestro do Parque Terceiro Milênio. Entre os objetivos deste Plano esta-vam o estímulo da dinâmica econômica do centro e o impedimento da degradação social e urbana da cidade. O Ptm foi descrito como “un espacio público conector entre diferentes puntos de la ciudad” (Decreto 346, 2003). Deste modo, o espaço que inicialmente foi descrito como vazio urbano se realizava como conector, consolidando a idéia da circulação ininterrupta dentro da cidade. Após a demolição de 602 prédios foi inaugurado o Parque Terceiro Milênio no ano 2004, com uma área total de 16,5 hectares, segundo as projeções de 1998. Portanto, vemos como encadeou-se a mudança na face da cidade, sendo o Ptm o epicentro da política de renovação urbana. Na Figura 2, do ano 2006, aprecia-se o “vazio” urbano do Parque, que aparece como uma enorme superfície uniforme e brilhante quando visto desde o morro de Monserrate. No primeiro plano da fotografia esta o alto edifício da Procuradoria Geral da Nação, logo a Praça de Bolívar com a Catedral Primada, o Palácio da Justiça, o Capitólio Nacional e a Alcaldia Mayor. Por trás, o grande conector entre o centro e o Sul, o Ptm, e no fundo a cidade que se estende sobre o planalto.

Neste ponto de vista da fotografia também pode se ver a direção para a qual pretende-se abrir o fluxo de circulação na cidade, onde se localizam os bairros para on-de se deslocaram os moradores de rua e que serão alvo de intervenção urbanística. Os diagnósticos locais do ano 2004, elaborados pela Secretaria de Fazenda, são significativos para dar conta das mudanças do centro histórico de Bogotá entre os anos 1997 e 2002, i.e., durante a destruição de El Cartucho. Os diagnósticos descreviam as três Localidades3 que foram atingidas pelo esvaziamento de El Cartucho, pela construção do Ptm e pelos deslocamentos dos moradores de El Cartucho: La Candelaria, Santa Fé e Los Mártires.

2 Cf. Projeto piloto TC0011049 de 2002 do BID. Disponível: http://p w s . l a d b . o rg / m o b i l e /projects/project.cfm?id= TC0011049&lang=en

3 As Localidades são as unidades administrativas da cidade. Cada uma tem sua Junta Administradora Local (JAL), conformadas por “edi-les” eleitos por votação dire-ta. As 20 Localidades que conformam a cidade foram criadas pelo Acordo 2 de 1992 a partir da antiga di-visão em Alcaldías Menores.

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llevar a cabo el proyecto” (idu, 2002: 5). Limpeza com firmeza pareciam ser a descrição desta ação do Estado. Devemos enxergar com atenção qual o tipo de transformação que se esperava, qual o seu impacto e, em definitiva, qual o “cidadão” que se estava construindo com direito sobre a cidade:

El Parque Tercer Milenio ha levantado grandes expectativas entre los ciudadanos de Bogotá, que se muestran impacientes ante su próxima inauguración y esperan que contribuya a devolver la vitalidad a la zona, una vez superada la sensación de temor que persiste entre ellos. Su tamaño hace pensar que los beneficios directos contribuirán a mejorar todo el centro tradicional y sus alrededores (IDU, 2002: 5-6).

A destruição de El Cartucho, símbolo do medo e da ilegalidade, foi um fenômeno que teve repercussões em uma ampla área da cidade. Aproximadamente 3.000 moradores de rua que habitavam o setor espalharam-se pelos bairros vizinhos. Apesar da pontuali-dade da ação, esta atingiu a totalidade do centro histórico e a sensação de segurança na cidade. Especificamente, neste setor as taxas de homicídio (por cada 100.000 habitantes) caíram de 330 para 100 entre os anos 1997 e 2004. Ainda, nesse período a taxa de ho-micídio em Bogotá teve redução paulatina e constante de 45 para 25 por cada 100.000 habitantes. Como conseqüência disto houve uma maior confiança para o investimento internacional. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid) aprovou um emprés-timo por us$ 161.000 para continuar com a demolição dos prédios e construção do Ptm durante o ano 2002.2 Em outras áreas em volta do Ptm e que foram também alvo da renovação urbana, como o setor comercial de San Victorino e o bairro de San Bernardo, o documento assinalou a construção de moradias com inversão privada.

Após a apresentação da experiência em Dobai foi promulgado o Decreto 346 de 2003, o Plano Maestro do Parque Terceiro Milênio. Entre os objetivos deste Plano esta-vam o estímulo da dinâmica econômica do centro e o impedimento da degradação social e urbana da cidade. O Ptm foi descrito como “un espacio público conector entre diferentes puntos de la ciudad” (Decreto 346, 2003). Deste modo, o espaço que inicialmente foi descrito como vazio urbano se realizava como conector, consolidando a idéia da circulação ininterrupta dentro da cidade. Após a demolição de 602 prédios foi inaugurado o Parque Terceiro Milênio no ano 2004, com uma área total de 16,5 hectares, segundo as projeções de 1998. Portanto, vemos como encadeou-se a mudança na face da cidade, sendo o Ptm o epicentro da política de renovação urbana. Na Figura 2, do ano 2006, aprecia-se o “vazio” urbano do Parque, que aparece como uma enorme superfície uniforme e brilhante quando visto desde o morro de Monserrate. No primeiro plano da fotografia esta o alto edifício da Procuradoria Geral da Nação, logo a Praça de Bolívar com a Catedral Primada, o Palácio da Justiça, o Capitólio Nacional e a Alcaldia Mayor. Por trás, o grande conector entre o centro e o Sul, o Ptm, e no fundo a cidade que se estende sobre o planalto.

Neste ponto de vista da fotografia também pode se ver a direção para a qual pretende-se abrir o fluxo de circulação na cidade, onde se localizam os bairros para on-de se deslocaram os moradores de rua e que serão alvo de intervenção urbanística. Os diagnósticos locais do ano 2004, elaborados pela Secretaria de Fazenda, são significativos para dar conta das mudanças do centro histórico de Bogotá entre os anos 1997 e 2002, i.e., durante a destruição de El Cartucho. Os diagnósticos descreviam as três Localidades3 que foram atingidas pelo esvaziamento de El Cartucho, pela construção do Ptm e pelos deslocamentos dos moradores de El Cartucho: La Candelaria, Santa Fé e Los Mártires.

2 Cf. Projeto piloto TC0011049 de 2002 do BID. Disponível: http://p w s . l a d b . o rg / m o b i l e /projects/project.cfm?id= TC0011049&lang=en

3 As Localidades são as unidades administrativas da cidade. Cada uma tem sua Junta Administradora Local (JAL), conformadas por “edi-les” eleitos por votação dire-ta. As 20 Localidades que conformam a cidade foram criadas pelo Acordo 2 de 1992 a partir da antiga di-visão em Alcaldías Menores.

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Neste mapa as zonas mais escuras correspondem às áreas de renovação urbana. No meio delas destaca-se uma área mais clara que corresponde ao Ptm. O espaço branco corresponde com a Localidade La Candelária que não tem projetos de renovação urbana pois é um bairro patrimonial pelas suas casas coloniais. De modo que o Ptm aparece co-mo o vetor que determina a direção da intervenção e, com alta probabilidade, do futuro deslocamento dos moradores de rua após a segunda etapa da renovação e revitalização do centro histórico de Bogotá.

CIDADE SAÚDE E O DESLOCAMENTO DOS MORADORES DE RUA

Os moradores de rua que habitavam El Cartucho tinham iniciado um movimen-to centrífugo de deslocamento, especialmente para o sul e o ocidente do Ptm. Este deslocamento implicava colocar como alvo das políticas públicas os locais que estavam sendo ocupados por esta população. Os documentos que ajudam a melhor acompanhar este movimento dos moradores de rua são os Diagnósticos de seguridad y convivencia, elaborados pela Secretaria de Governo para as Localidades de Santa Fé e Los Mártires nos anos 2005 e 2006. Estes diagnósticos destacavam na Localidade de Los Mártires o aumento do número de moradores de rua, principalmente nos setores da Calle del Bronx e Cinco Huecos. Na Localidade de Santa Fé, os “sem teto” deslocaram-se para os bairros de La Capuchina e La Veracruz. Na Localidade de La Candelária eles dormiam sob os viadutos e nas pequenas praças do bairro. O diagnóstico da Localidade de Santa Fé acrescentava:

Con la desaparición de la Calle del Cartucho, donde se concentraba el tráfico, expendio y consumo de psicoactivos, entre otros comercios, éste se esparció por los barrios aledaños, sobre todo hacia el sur oriente de la localidad, en San Bernardo, las Cruces y Santa Bárbara, donde han ido apare-ciendo y ampliándose las “ollas” y los denominados “sopladeros”. Hacia el norte en los barrios La Capuchina y La Alameda, alrededor de la prostitución, se forjan expendios que se diseminan para surtir el centro internacional y el centro histórico. El grueso de los negocios se ha trasladado para la localidad vecina, hacia el Voto Nacional en la zona de la “Calle del Bronx” y “Cinco Huecos” (Secretaría de Gobierno, 2006).

Após a destruição de El Cartucho apareceu uma contingência que devia ser admi-nistrada: o deslocamento desta população “indesejável” para dois focos: El Bronx e Cinco Huecos. Assim, o novo plano de intervenção que procurava a transformação dos bairros San Bernardo, Voto Nacional e Las Cruces se desenvolveu a partir da correspondência entre a localização dos moradores de rua após a sua expulsão pela construção do Ptm, o incremento da violência homicida em zonas especificas da cidade e as futuras áreas de renovação urbana. O Acordo 192 de 2005 institucionalizou o projeto Cidade Saúde. Depois foi expedido o Decreto 239 de 2006, no qual se atribui à Empresa de Renovação Urbana (eru) o projeto Centro comercial metropolitano y proyecto residencial de renovación en el sector de San Bernardo. O objetivo da eru foi para este caso:

La ejecución de actuaciones urbanas integrales para la recuperación y transformación de sectores deteriorados del suelo urbano, mediante programas de renovación y redesarrollo urbano, y para el

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desarrollo de proyectos estratégicos en suelo urbano y de expansion con el fin de mejorar la competi-tividad de la ciudad y la calidad de vivienda de sus habitantes (Decreto 239, 2006).

A eru começou a institucionalizar a criação de solo urbano e a gerar espaço privado de renovação urbana articulando os interesses estatais e do investimento privado. A través desta Empresa, geraram-se as cadeias de oportunidades para a revalorização imobiliária mediante a destruição de espaços degradados e a criação discursiva de vazios urbanos que precisavam ser “preenchidos” visando o bem comum. No ano 2005, a Secretaria Distrital de Saúde e a Empresa de Renovação Urbana assinaram um convênio com a empresa de engenharia HCt Engenheiros para estudar a possibilidade de criar um complexo de hospitais no centro da cidade: Cidade Saúde. Em volta do bairro San Bernardo encontra--se uma ampla rede de equipamentos urbanos para serviços em saúde que incluem oito instituições: o Hospital San Juan de Dios, o Hospital Universitário La Samaritana, o Hos-pital Infantil de La Misericordia, o Hospital Santa Clara, o Instituto Materno Infantil, o Instituto Nacional de Cancerología, o Instituto Nacional de Inmunología e o Instituto Dermatológico Federico Lleras Acosta. Na descrição inicial do estudo da empresa HCt mencionava-se a localização desta infra-estrutura:

Una zona muy deprimida de la ciudad, caracterizada por edificaciones antiguas, con altos índices de violencia e inseguridad, con una malla vial insuficiente y deteriorada, sin zonas de parqueo y espacio público que ofrezcan unas mínimas condiciones de seguridad y comodidad, con carencia absoluta de entidades financieras y comerciales que faciliten los trámites y diligencias de los usu-arios y trabajadores de dichas instituciones (HCT Ingenieros, s.d.).

Esta descrição corresponde a La Calle del Bronx e Cinco Huecos, e que não parecem divergir daquelas encontradas para El Cartucho. O estudo dos engenheiros indicava a ne-cessidade de incrementar a sensação de segurança do setor e aumentar as áreas de espaço público. Estavam presentes elementos específicos que deviam ser construídos dentro desta cadeia de hospitais, e que estavam em “falta”, especialmente, zonas de estacionamento, entidades financeiras e comerciais. O empreendimento de Cidade Saúde procurava atingir o mercado internacional de saúde, mediante a redução de custos, a expansão de mercado e o aumento de qualidade de produtos oferecidos como os tratamentos médicos especializados. O estudo de HCt Engenheiros aparecia em consonância com a proposta de parcerias público/privado proposta no ano 2005 pela eru. Assim, mediante a eru a administração distrital pretendia consolidar o centro como pólo nacional e internacional para a recuperação urbanística e o investimento imobiliária, especialmente com a criação de Cidade Saúde.

A continuidade do plano de renovação após da inauguração do Parque Terceiro Milênio foi assegurada mediante o financiamento de um programa de revitalização no centro de Bogotá. Este programa foi aprovado no mês de maio de 2007 pelo Conselho Nacional de Política Econômica e Social – CoNPes 3471 – do Departamento Nacional de Planejamento (dNP) e apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid). Pelo seu caráter econômico, o documento ressaltava no título o valor do investimento: US$10’000.000.5 Desta forma, o plano de renovação do centro histórico da cidade apa-rece inserido dentro dos empreendimentos de interesse internacional. O CoNPes 3471 definiu uma extensa zona de intervenção, que compreendia aproximadamente 1.730 hectares da cidade. O documento descreveu esta zona assim:

5 Para as cifras de investi-mentos durante a constru-ção do PTM cf. Jaramillo, 2006: 27-30.

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Neste mapa as zonas mais escuras correspondem às áreas de renovação urbana. No meio delas destaca-se uma área mais clara que corresponde ao Ptm. O espaço branco corresponde com a Localidade La Candelária que não tem projetos de renovação urbana pois é um bairro patrimonial pelas suas casas coloniais. De modo que o Ptm aparece co-mo o vetor que determina a direção da intervenção e, com alta probabilidade, do futuro deslocamento dos moradores de rua após a segunda etapa da renovação e revitalização do centro histórico de Bogotá.

CIDADE SAÚDE E O DESLOCAMENTO DOS MORADORES DE RUA

Os moradores de rua que habitavam El Cartucho tinham iniciado um movimen-to centrífugo de deslocamento, especialmente para o sul e o ocidente do Ptm. Este deslocamento implicava colocar como alvo das políticas públicas os locais que estavam sendo ocupados por esta população. Os documentos que ajudam a melhor acompanhar este movimento dos moradores de rua são os Diagnósticos de seguridad y convivencia, elaborados pela Secretaria de Governo para as Localidades de Santa Fé e Los Mártires nos anos 2005 e 2006. Estes diagnósticos destacavam na Localidade de Los Mártires o aumento do número de moradores de rua, principalmente nos setores da Calle del Bronx e Cinco Huecos. Na Localidade de Santa Fé, os “sem teto” deslocaram-se para os bairros de La Capuchina e La Veracruz. Na Localidade de La Candelária eles dormiam sob os viadutos e nas pequenas praças do bairro. O diagnóstico da Localidade de Santa Fé acrescentava:

Con la desaparición de la Calle del Cartucho, donde se concentraba el tráfico, expendio y consumo de psicoactivos, entre otros comercios, éste se esparció por los barrios aledaños, sobre todo hacia el sur oriente de la localidad, en San Bernardo, las Cruces y Santa Bárbara, donde han ido apare-ciendo y ampliándose las “ollas” y los denominados “sopladeros”. Hacia el norte en los barrios La Capuchina y La Alameda, alrededor de la prostitución, se forjan expendios que se diseminan para surtir el centro internacional y el centro histórico. El grueso de los negocios se ha trasladado para la localidad vecina, hacia el Voto Nacional en la zona de la “Calle del Bronx” y “Cinco Huecos” (Secretaría de Gobierno, 2006).

Após a destruição de El Cartucho apareceu uma contingência que devia ser admi-nistrada: o deslocamento desta população “indesejável” para dois focos: El Bronx e Cinco Huecos. Assim, o novo plano de intervenção que procurava a transformação dos bairros San Bernardo, Voto Nacional e Las Cruces se desenvolveu a partir da correspondência entre a localização dos moradores de rua após a sua expulsão pela construção do Ptm, o incremento da violência homicida em zonas especificas da cidade e as futuras áreas de renovação urbana. O Acordo 192 de 2005 institucionalizou o projeto Cidade Saúde. Depois foi expedido o Decreto 239 de 2006, no qual se atribui à Empresa de Renovação Urbana (eru) o projeto Centro comercial metropolitano y proyecto residencial de renovación en el sector de San Bernardo. O objetivo da eru foi para este caso:

La ejecución de actuaciones urbanas integrales para la recuperación y transformación de sectores deteriorados del suelo urbano, mediante programas de renovación y redesarrollo urbano, y para el

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desarrollo de proyectos estratégicos en suelo urbano y de expansion con el fin de mejorar la competi-tividad de la ciudad y la calidad de vivienda de sus habitantes (Decreto 239, 2006).

A eru começou a institucionalizar a criação de solo urbano e a gerar espaço privado de renovação urbana articulando os interesses estatais e do investimento privado. A través desta Empresa, geraram-se as cadeias de oportunidades para a revalorização imobiliária mediante a destruição de espaços degradados e a criação discursiva de vazios urbanos que precisavam ser “preenchidos” visando o bem comum. No ano 2005, a Secretaria Distrital de Saúde e a Empresa de Renovação Urbana assinaram um convênio com a empresa de engenharia HCt Engenheiros para estudar a possibilidade de criar um complexo de hospitais no centro da cidade: Cidade Saúde. Em volta do bairro San Bernardo encontra--se uma ampla rede de equipamentos urbanos para serviços em saúde que incluem oito instituições: o Hospital San Juan de Dios, o Hospital Universitário La Samaritana, o Hos-pital Infantil de La Misericordia, o Hospital Santa Clara, o Instituto Materno Infantil, o Instituto Nacional de Cancerología, o Instituto Nacional de Inmunología e o Instituto Dermatológico Federico Lleras Acosta. Na descrição inicial do estudo da empresa HCt mencionava-se a localização desta infra-estrutura:

Una zona muy deprimida de la ciudad, caracterizada por edificaciones antiguas, con altos índices de violencia e inseguridad, con una malla vial insuficiente y deteriorada, sin zonas de parqueo y espacio público que ofrezcan unas mínimas condiciones de seguridad y comodidad, con carencia absoluta de entidades financieras y comerciales que faciliten los trámites y diligencias de los usu-arios y trabajadores de dichas instituciones (HCT Ingenieros, s.d.).

Esta descrição corresponde a La Calle del Bronx e Cinco Huecos, e que não parecem divergir daquelas encontradas para El Cartucho. O estudo dos engenheiros indicava a ne-cessidade de incrementar a sensação de segurança do setor e aumentar as áreas de espaço público. Estavam presentes elementos específicos que deviam ser construídos dentro desta cadeia de hospitais, e que estavam em “falta”, especialmente, zonas de estacionamento, entidades financeiras e comerciais. O empreendimento de Cidade Saúde procurava atingir o mercado internacional de saúde, mediante a redução de custos, a expansão de mercado e o aumento de qualidade de produtos oferecidos como os tratamentos médicos especializados. O estudo de HCt Engenheiros aparecia em consonância com a proposta de parcerias público/privado proposta no ano 2005 pela eru. Assim, mediante a eru a administração distrital pretendia consolidar o centro como pólo nacional e internacional para a recuperação urbanística e o investimento imobiliária, especialmente com a criação de Cidade Saúde.

A continuidade do plano de renovação após da inauguração do Parque Terceiro Milênio foi assegurada mediante o financiamento de um programa de revitalização no centro de Bogotá. Este programa foi aprovado no mês de maio de 2007 pelo Conselho Nacional de Política Econômica e Social – CoNPes 3471 – do Departamento Nacional de Planejamento (dNP) e apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid). Pelo seu caráter econômico, o documento ressaltava no título o valor do investimento: US$10’000.000.5 Desta forma, o plano de renovação do centro histórico da cidade apa-rece inserido dentro dos empreendimentos de interesse internacional. O CoNPes 3471 definiu uma extensa zona de intervenção, que compreendia aproximadamente 1.730 hectares da cidade. O documento descreveu esta zona assim:

5 Para as cifras de investi-mentos durante a constru-ção do PTM cf. Jaramillo, 2006: 27-30.

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el centro ha sufrido un proceso creciente de deterioro físico social, económico y ambiental, que ha disminuido su competitividad y atractivo residencial. El centro presenta también conflictos de usos del suelo, la inseguridad real y percibida es alta, y la movilidad socio-espacial y reubicación de empresas en otras zonas de la ciudad ha dejado gran cantidad de edificios en desuso o situación de abandono (CONPES 3471, 2007: 3).

Aprecia-se nesta descrição a semelhança com os diagnósticos da zona de El Cartucho e o ênfase na degradação. O projeto, cujo orçamento foi aprovado pelo CoNPes 3471, realizou-se inicialmente nos bairros de San Bernardo e Las Cruces. O documento esclare-cia as características destes dois bairros:

fueron seleccionados teniendo en cuenta su alto nivel de deterioro, presencia de población vulner-able y tradicional, concorrencia de inversiones públicas ya realizadas o en proceso de ejecución en la zona, por ser áreas críticas para el futuro desarrollo de zonas aledañas, el potencial para albergar proyectos demostrativos de intervención integral, y por su dimensión y complejidad (CONPES 3471, 2007: 4).

A leitura do CoNPes sugere que este local da cidade encontrava-se esvaziado e sem um planejamento racional, onde se misturavam uma série de atividades que deviam ser diferenciadas e separadas. O documento previa a possibilidade de abrir as conexões do centro, como complementos da abertura efetivada com o Ptm. O documento CoNPes 3471 considerava o incremento das parcerias público/privadas como estímulos para o desenvolvimento dos projetos estruturantes da cidade. A primeira fase deste projeto con-centrava-se nas áreas específicas do centro da cidade. Os elementos de intervenção desta fase piloto foram frações de ruas do centro de Bogotá cujo desenho (Figura 4) aparecem como “ondas de expansão” que começam do lado sul-sudeste do Ptm, em direção aos morros orientais. Além disso, aparecem pontos de reforço deste avanço, como o Centro de Operativo Local (Col) de Lourdes, administrado pela Secretaria Distrital de Integração Social, e a Praça de Mercado Distrital de Las Cruces.

Figura 4 – Localização do projeto piloto de renovação urbana, CoNPes 3471, 2007 (Orientado Norte-Sul, Base GoogleMaps2011).

Fonte: Google Maps 2012.

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Estas ruas e os diversos pontos de intervenção marcavam os limites do centro histó-rico da cidade, áreas onde se pretendia aplicar uma mudança de uso do solo segundo os parâmetros do zoning. Em conjunto com o CoNPes 3471 de 2007 e para dar forma a esta nova etapa da renovação urbana em Bogotá, foi promulgada a Operação Estratégica do Centro de Bogotá e o Plano Zonal Centro (PzC) segundo o Decreto 492 de 2007. Neste documento especificavam-se inicialmente as zonas da cidade que deviam ser objeto de intervenção, segundo a divisão por uPz do Plano de Ordenamento Territorial de 2000, que neste caso correspondiam com os “Planos parciais de renovação urbana”. Existe uma divergência na definição da renovação urbana entre este Plano de 2007 e o Pot de 2000:

Es un instrumento de planeamiento establecido para áreas determinadas del suelo urbano con tratamiento de renovación urbana en la modalidad de redesarrollo, a través del cual se articulan de manera específica los objetivos de ordenamiento territorial con los de gestión del suelo concre-tando las condiciones técnicas, jurídicas, económico-financieras y de diseño urbanístico que per-mite la generación de soportes necesarios para nuevos usos urbanos o para la transformación de los espacios urbanos previamente existentes, asegurando condiciones de habitabilidad y de protección de la Estructura Ecológica Principal, de acuerdo con las previsiones del POT (Decreto 492, 2007).

Assim, se no Pot do ano 2000 usavam-se palavras como “perda”, “deterioração”, “degradação”, “abandono” e “baixo aproveitamento”, no PzC do ano 2007 estas palavras desaparecem para dar lugar aos termos de “re-desenvolvimento”, “geração”, “gestão” e “transformação”. As duas definições da renovação urbana se complementam. A primeira fornece as bases para a identificação dos lugares dentro da cidade que correspondem com o discurso da carência e da falência. A segunda definição dispõe a forma na qual estas carências devem ser mudadas. Igualmente, a partir do Decreto 880 de 1998 percebe-se outra passagem: inicialmente assinalava-se com exatidão o local degradado, de modo que a política era pontual; depois, com o Pot de 2000, a referência a este local começou a identificar-se com a ruína arquitetônica; nesta terceira definição do ano 2007 reforça-se o intuito econômico da definição do local a recuperar. O PzC repetia a possibilidade das parcerias público/privado para o desenvolvimento urbanístico e imobiliário, segundo os princípios da eru. Deste modo, a criação da cidade e a comercialização do solo ficava ligada ao possibilidade de desenvolvimento do espaço público. Junto com a definição de “renovação urbana”, interessa observar uma nova, os Espaços Estratégicos:

Son áreas delimitadas del territorio donde se concentram actividades residenciales, comerciales y de servicios en las cuales se priorizan acciones de ordenamiento que se desarrollan en los Programas Territoriales Integrados (Decreto 492, 2007)

Dentre estes Espaços Estratégicos definidos pelo PzC ressaltam os nodos de articula-ção do limite do centro histórico, entre os quais aparecia o projeto de Cidade Saúde, rela-cionado diretamente com as uPz La Sabana e Las Cruces. A uPz La Sabana apresentava um regime excepcional segundo o Decreto 187 de 2002, Por medio del cual se reglamenta la Unidad de Planeamiento Zonal No 102, La Sabana, ubicada en la localidad de Los Már-tires. Neste Decreto de 2002, a uPz La Sabana destacava-se como pólo articulador do centro histórico com o ocidente da cidade, pela presença de grandes avenidas que consti-tuem eixos de mobilidade para o centro: a Avenida 30, a Avenida 6ª, a Avenida Caracas e a Avenida Eldorado. Nesta uPz localizam-se também os novos locais do medo: La Calle del

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el centro ha sufrido un proceso creciente de deterioro físico social, económico y ambiental, que ha disminuido su competitividad y atractivo residencial. El centro presenta también conflictos de usos del suelo, la inseguridad real y percibida es alta, y la movilidad socio-espacial y reubicación de empresas en otras zonas de la ciudad ha dejado gran cantidad de edificios en desuso o situación de abandono (CONPES 3471, 2007: 3).

Aprecia-se nesta descrição a semelhança com os diagnósticos da zona de El Cartucho e o ênfase na degradação. O projeto, cujo orçamento foi aprovado pelo CoNPes 3471, realizou-se inicialmente nos bairros de San Bernardo e Las Cruces. O documento esclare-cia as características destes dois bairros:

fueron seleccionados teniendo en cuenta su alto nivel de deterioro, presencia de población vulner-able y tradicional, concorrencia de inversiones públicas ya realizadas o en proceso de ejecución en la zona, por ser áreas críticas para el futuro desarrollo de zonas aledañas, el potencial para albergar proyectos demostrativos de intervención integral, y por su dimensión y complejidad (CONPES 3471, 2007: 4).

A leitura do CoNPes sugere que este local da cidade encontrava-se esvaziado e sem um planejamento racional, onde se misturavam uma série de atividades que deviam ser diferenciadas e separadas. O documento previa a possibilidade de abrir as conexões do centro, como complementos da abertura efetivada com o Ptm. O documento CoNPes 3471 considerava o incremento das parcerias público/privadas como estímulos para o desenvolvimento dos projetos estruturantes da cidade. A primeira fase deste projeto con-centrava-se nas áreas específicas do centro da cidade. Os elementos de intervenção desta fase piloto foram frações de ruas do centro de Bogotá cujo desenho (Figura 4) aparecem como “ondas de expansão” que começam do lado sul-sudeste do Ptm, em direção aos morros orientais. Além disso, aparecem pontos de reforço deste avanço, como o Centro de Operativo Local (Col) de Lourdes, administrado pela Secretaria Distrital de Integração Social, e a Praça de Mercado Distrital de Las Cruces.

Figura 4 – Localização do projeto piloto de renovação urbana, CoNPes 3471, 2007 (Orientado Norte-Sul, Base GoogleMaps2011).

Fonte: Google Maps 2012.

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el centro ha sufrido un proceso creciente de deterioro físico social, económico y ambiental, que ha disminuido su competitividad y atractivo residencial. El centro presenta también conflictos de usos del suelo, la inseguridad real y percibida es alta, y la movilidad socio-espacial y reubicación de empresas en otras zonas de la ciudad ha dejado gran cantidad de edificios en desuso o situación de abandono (CONPES 3471, 2007: 3).

Aprecia-se nesta descrição a semelhança com os diagnósticos da zona de El Cartucho e o ênfase na degradação. O projeto, cujo orçamento foi aprovado pelo CoNPes 3471, realizou-se inicialmente nos bairros de San Bernardo e Las Cruces. O documento esclare-cia as características destes dois bairros:

fueron seleccionados teniendo en cuenta su alto nivel de deterioro, presencia de población vulner-able y tradicional, concorrencia de inversiones públicas ya realizadas o en proceso de ejecución en la zona, por ser áreas críticas para el futuro desarrollo de zonas aledañas, el potencial para albergar proyectos demostrativos de intervención integral, y por su dimensión y complejidad (CONPES 3471, 2007: 4).

A leitura do CoNPes sugere que este local da cidade encontrava-se esvaziado e sem um planejamento racional, onde se misturavam uma série de atividades que deviam ser diferenciadas e separadas. O documento previa a possibilidade de abrir as conexões do centro, como complementos da abertura efetivada com o Ptm. O documento CoNPes 3471 considerava o incremento das parcerias público/privadas como estímulos para o desenvolvimento dos projetos estruturantes da cidade. A primeira fase deste projeto con-centrava-se nas áreas específicas do centro da cidade. Os elementos de intervenção desta fase piloto foram frações de ruas do centro de Bogotá cujo desenho (Figura 4) aparecem como “ondas de expansão” que começam do lado sul-sudeste do Ptm, em direção aos morros orientais. Além disso, aparecem pontos de reforço deste avanço, como o Centro de Operativo Local (Col) de Lourdes, administrado pela Secretaria Distrital de Integração Social, e a Praça de Mercado Distrital de Las Cruces.

Figura 4 – Localização do projeto piloto de renovação urbana, CoNPes 3471, 2007 (Orientado Norte-Sul, Base GoogleMaps2011).

Fonte: Google Maps 2012.

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Estas ruas e os diversos pontos de intervenção marcavam os limites do centro histó-rico da cidade, áreas onde se pretendia aplicar uma mudança de uso do solo segundo os parâmetros do zoning. Em conjunto com o CoNPes 3471 de 2007 e para dar forma a esta nova etapa da renovação urbana em Bogotá, foi promulgada a Operação Estratégica do Centro de Bogotá e o Plano Zonal Centro (PzC) segundo o Decreto 492 de 2007. Neste documento especificavam-se inicialmente as zonas da cidade que deviam ser objeto de intervenção, segundo a divisão por uPz do Plano de Ordenamento Territorial de 2000, que neste caso correspondiam com os “Planos parciais de renovação urbana”. Existe uma divergência na definição da renovação urbana entre este Plano de 2007 e o Pot de 2000:

Es un instrumento de planeamiento establecido para áreas determinadas del suelo urbano con tratamiento de renovación urbana en la modalidad de redesarrollo, a través del cual se articulan de manera específica los objetivos de ordenamiento territorial con los de gestión del suelo concre-tando las condiciones técnicas, jurídicas, económico-financieras y de diseño urbanístico que per-mite la generación de soportes necesarios para nuevos usos urbanos o para la transformación de los espacios urbanos previamente existentes, asegurando condiciones de habitabilidad y de protección de la Estructura Ecológica Principal, de acuerdo con las previsiones del POT (Decreto 492, 2007).

Assim, se no Pot do ano 2000 usavam-se palavras como “perda”, “deterioração”, “degradação”, “abandono” e “baixo aproveitamento”, no PzC do ano 2007 estas palavras desaparecem para dar lugar aos termos de “re-desenvolvimento”, “geração”, “gestão” e “transformação”. As duas definições da renovação urbana se complementam. A primeira fornece as bases para a identificação dos lugares dentro da cidade que correspondem com o discurso da carência e da falência. A segunda definição dispõe a forma na qual estas carências devem ser mudadas. Igualmente, a partir do Decreto 880 de 1998 percebe-se outra passagem: inicialmente assinalava-se com exatidão o local degradado, de modo que a política era pontual; depois, com o Pot de 2000, a referência a este local começou a identificar-se com a ruína arquitetônica; nesta terceira definição do ano 2007 reforça-se o intuito econômico da definição do local a recuperar. O PzC repetia a possibilidade das parcerias público/privado para o desenvolvimento urbanístico e imobiliário, segundo os princípios da eru. Deste modo, a criação da cidade e a comercialização do solo ficava ligada ao possibilidade de desenvolvimento do espaço público. Junto com a definição de “renovação urbana”, interessa observar uma nova, os Espaços Estratégicos:

Son áreas delimitadas del territorio donde se concentram actividades residenciales, comerciales y de servicios en las cuales se priorizan acciones de ordenamiento que se desarrollan en los Programas Territoriales Integrados (Decreto 492, 2007)

Dentre estes Espaços Estratégicos definidos pelo PzC ressaltam os nodos de articula-ção do limite do centro histórico, entre os quais aparecia o projeto de Cidade Saúde, rela-cionado diretamente com as uPz La Sabana e Las Cruces. A uPz La Sabana apresentava um regime excepcional segundo o Decreto 187 de 2002, Por medio del cual se reglamenta la Unidad de Planeamiento Zonal No 102, La Sabana, ubicada en la localidad de Los Már-tires. Neste Decreto de 2002, a uPz La Sabana destacava-se como pólo articulador do centro histórico com o ocidente da cidade, pela presença de grandes avenidas que consti-tuem eixos de mobilidade para o centro: a Avenida 30, a Avenida 6ª, a Avenida Caracas e a Avenida Eldorado. Nesta uPz localizam-se também os novos locais do medo: La Calle del

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el centro ha sufrido un proceso creciente de deterioro físico social, económico y ambiental, que ha disminuido su competitividad y atractivo residencial. El centro presenta también conflictos de usos del suelo, la inseguridad real y percibida es alta, y la movilidad socio-espacial y reubicación de empresas en otras zonas de la ciudad ha dejado gran cantidad de edificios en desuso o situación de abandono (CONPES 3471, 2007: 3).

Aprecia-se nesta descrição a semelhança com os diagnósticos da zona de El Cartucho e o ênfase na degradação. O projeto, cujo orçamento foi aprovado pelo CoNPes 3471, realizou-se inicialmente nos bairros de San Bernardo e Las Cruces. O documento esclare-cia as características destes dois bairros:

fueron seleccionados teniendo en cuenta su alto nivel de deterioro, presencia de población vulner-able y tradicional, concorrencia de inversiones públicas ya realizadas o en proceso de ejecución en la zona, por ser áreas críticas para el futuro desarrollo de zonas aledañas, el potencial para albergar proyectos demostrativos de intervención integral, y por su dimensión y complejidad (CONPES 3471, 2007: 4).

A leitura do CoNPes sugere que este local da cidade encontrava-se esvaziado e sem um planejamento racional, onde se misturavam uma série de atividades que deviam ser diferenciadas e separadas. O documento previa a possibilidade de abrir as conexões do centro, como complementos da abertura efetivada com o Ptm. O documento CoNPes 3471 considerava o incremento das parcerias público/privadas como estímulos para o desenvolvimento dos projetos estruturantes da cidade. A primeira fase deste projeto con-centrava-se nas áreas específicas do centro da cidade. Os elementos de intervenção desta fase piloto foram frações de ruas do centro de Bogotá cujo desenho (Figura 4) aparecem como “ondas de expansão” que começam do lado sul-sudeste do Ptm, em direção aos morros orientais. Além disso, aparecem pontos de reforço deste avanço, como o Centro de Operativo Local (Col) de Lourdes, administrado pela Secretaria Distrital de Integração Social, e a Praça de Mercado Distrital de Las Cruces.

Figura 4 – Localização do projeto piloto de renovação urbana, CoNPes 3471, 2007 (Orientado Norte-Sul, Base GoogleMaps2011).

Fonte: Google Maps 2012.

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Bronx e Cinco Huecos. Estas zonas apresentavam-se no documento como “oportunidades” para a renovação urbana. A uPz Las Cruces é o lugar onde se localizam as ruas para reno-vação urbana, segundo o CoNPes 3471 de 2007. No PzC, esta uPz apareceu como uma das áreas onde deviam executar os Programas Territoriais Integrados (Pti) para os bairros que a compõem: San Bernardo e Las Cruces. Este Pti tem como objetivo:

Apoyar el desarrollo social y económico frenando la cadena de deterioro, para mejorar las condi-ciones actuales de vida y habitabilidad del sector, generando la permanencia de sus moradores y nuevas alternativas para nuevos habitantes (Decreto 492, 2007) Para o bairro Las Cruces o PzC especificava o fortalecimento do comércio local e das

edificações tradicionais, tanto as residenciais quanto as de caráter patrimonial, das quais se destacam a Igreja de Las Cruces e a Praça de Mercado. Procurava-se, ainda, a articulação desta zona com Cidade Saúde. Para o bairro San Bernardo, o PzC especificava igualmen-te a promoção do comércio local e das edificações tradicionais como o a Igreja de San Bernardo. Neste bairro também se previam projetos imobiliários para moradia nos oito quarteirões que ficam na frente do Ptm, assim como o incremento do espaço público com o fim de reverter o processo de “esvaziamento” do centro histórico de Bogotá.

O PROGRESSO DAS POLÍTICAS DE RENOVAÇÃO URBANA

Neste percurso das principais leis e decretos que deram forma ao centro histórico de Bogotá vemos a ligação entre a renovação urbana e a presença de moradores de rua na cidade, especialmente mediante o discurso de “presença do vazio”. A cristalização do projeto aparece como uma “limpeza” no coração da cidade, e pelo seu caráter local, poder--se-ia dizer que funciona como uma “acupuntura”, cujos efeitos espalham-se pelo tecido da cidade. Neste sentido, a remoção dos moradores de rua foi como a abertura dos fluxos e das energias. Portanto, existia um ponto nevrálgico no centro da cidade cuja intervenção e transformação teve como resultado a abertura do centro histórico de Bogotá em uma direção determinada. As leis e decretos aqui apresentados têm como função disciplinar dentro do espaço da cidade de duas formas: primeiro, colocando os objetivos enquadrados em outras leis anteriores; segundo, dividindo a cidade por zonas, ou seja, tirando cada pedaço das suas relações com as demais porções em volta. Assim, a cidade aparece como uma colcha de retalhos, cada um dos quais administrado com relativa autonomia segun-do critérios de mobilidade, especulação imobiliária e usos diferenciados do solo. Essas leis permitiram a distribuição “controlada” da população de moradores de rua, de modo que a estratégia de intervenção encontra-se ligada com uma idéia de “patologização” do território e da valoração moral dos hábitos dos seus moradores. Assim, o espalhamento dos moradores de rua corresponderia com um contágio no espaço da cidade cuja resposta devia ser uma inversão do significado dentro da semântica da cidade. Para o filósofo pau-lista Nelson Brissac Peixoto (2003) é preciso olhar para os princípios da integração global, na qual às cidades cumprem um papel estratégico de aglomeração econômica. As funções econômicas das metrópoles contemporâneas são concentradas em núcleos que constituem novas relações entre seus componentes, como os grandes espaços internacionalizados no coração da cidade. No entanto, Brissac Peixoto assinala que os espaços informes podem

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ser transformados em vazios urbanos, que neste caso correspondem com a possibilidade de criação de espaço público. Igualmente, rejeitam-se certos comportamentos neste espaço aberto o que configura uma definição da “cidadania”. Como o Ptm parece uma enorme lápida de cimento liso, isto permite ao observador ter uma visão panorâmica e totalizadora dos seus usuários. O espaço do Parque Terceiro Milênio permite exercer o domínio visual sobre as ações e, portanto, um mais eficiente policiamento dos comportamentos.

Uma das conseqüências desta fixação do capital para permitir seu fluxo é a reurbani-zação e reconstrução a grande escala de áreas esquecidas, com baixa ocupação ou lotadas de marginais, como El Cartucho. Aqueles que devem ser removidos do centro e que im-pedem o desenvolvimento econômico do setor são descritos como pessoas com doenças mentais e altamente perigosas. Eles representam a degradação moral, e El Cartucho era o epítome da “ruína” arquitetônica. Frente a este fenômeno a administração distrital e os investidores internacionais propõem uma moral sanitária que permitiu a destruição de El Cartucho para a “criação” de espaços novos. No discurso institucionalizado, passa-se do vazio para a possibilidade de máximo aproveitamento econômico do solo. No caso de El Cartucho o projeto procurava-se cristalizar esse vazio construído discursivamente mediante a materialização do vazio representado no Ptm.

Por outro lado, Cidade Saúde está projetada com um duplo propósito. Primeiro, otimizar o potencial dos serviços de saúde da capital mediante o investimento de capital privado sobre os equipamentos urbanos existentes. Segundo, a atração de estrangeiros usu-ários destes serviços. Tudo isto implicava a privatização do espaço urbano nos novos pro-jetos desenvolvidos com investimentos privados internacionais. Como disciplina projetiva o planejamento já traz em si a probabilidade e a previsão. Por isso, no primeiro momento aparecia como necessária uma descrição pormenorizada dos hábitos dos moradores de rua como justificativa da ação. Posteriormente, deixa-se parcialmente de lado a justificativa pela negação ou a carência para se fazer uma avaliação positiva das possibilidades econô-micas. Assim, se inicialmente os decretos descreviam especificamente áreas de intervenção da cidade com suas particularidades, progressivamente se aprecia como os decretos são cada vez mais genéricos e propositivos. Nestes documentos El Cartucho aparecia como um bloqueio da circulação, de modo que era necessária a sua destruição.

A expansão das idéias da circulação e da higiene ligadas com a prosperidade públicas tiveram sua maior força em meados do século XiX. A cidade que se tornava moderna não podia ser aquela das ruas e becos escuros e sujos, do centro amontoados e cheio de popu-lação miserável, com fedores de esgoto e lixo acumulado. A cidade moderna devia atingir a ambição de concordar a organicidade com a eficiência técnica. Isto modificou as leis de desapropriação mediante as quais se fizeram as respectivas reformas no centro escuro e pobre de Paris e o resgate do rio Sena pela destruição de ruazinhas e cais adjacentes. Na fronteira da cidade, mudaram-se as antigas muralhas que a protegia pelas novas estações de trem. Assim, Paris abria-se ao fluxo das novas estradas de ferro. A regularidade estática e geométrica da cidade do século Xvii deu lugar à regulação dinâmica da circulação do século XiX. A cidade foi um campo de confronto, entre o pensamento medieval, a geome-trização dos engenheiros e as novas propostas orgânicas de circulação (Picon, 2001). Os amplos bulevares do Barão de Haussmann buscavam, simultaneamente, facilitar a marcha dos canhões e acabar com a construção das barricadas. Pensou-se pela primeira vez a pro-blemática de cidade em termos de mobilidade das pessoas e das mercadorias. Este modelo foi transferido para as grandes capitais do começo do século XX como o Rio de Janeiro (Salgueiro, 2001). Desenvolvia-se uma ligação entre uma acepção do racionalismo e da

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Bronx e Cinco Huecos. Estas zonas apresentavam-se no documento como “oportunidades” para a renovação urbana. A uPz Las Cruces é o lugar onde se localizam as ruas para reno-vação urbana, segundo o CoNPes 3471 de 2007. No PzC, esta uPz apareceu como uma das áreas onde deviam executar os Programas Territoriais Integrados (Pti) para os bairros que a compõem: San Bernardo e Las Cruces. Este Pti tem como objetivo:

Apoyar el desarrollo social y económico frenando la cadena de deterioro, para mejorar las condi-ciones actuales de vida y habitabilidad del sector, generando la permanencia de sus moradores y nuevas alternativas para nuevos habitantes (Decreto 492, 2007) Para o bairro Las Cruces o PzC especificava o fortalecimento do comércio local e das

edificações tradicionais, tanto as residenciais quanto as de caráter patrimonial, das quais se destacam a Igreja de Las Cruces e a Praça de Mercado. Procurava-se, ainda, a articulação desta zona com Cidade Saúde. Para o bairro San Bernardo, o PzC especificava igualmen-te a promoção do comércio local e das edificações tradicionais como o a Igreja de San Bernardo. Neste bairro também se previam projetos imobiliários para moradia nos oito quarteirões que ficam na frente do Ptm, assim como o incremento do espaço público com o fim de reverter o processo de “esvaziamento” do centro histórico de Bogotá.

O PROGRESSO DAS POLÍTICAS DE RENOVAÇÃO URBANA

Neste percurso das principais leis e decretos que deram forma ao centro histórico de Bogotá vemos a ligação entre a renovação urbana e a presença de moradores de rua na cidade, especialmente mediante o discurso de “presença do vazio”. A cristalização do projeto aparece como uma “limpeza” no coração da cidade, e pelo seu caráter local, poder--se-ia dizer que funciona como uma “acupuntura”, cujos efeitos espalham-se pelo tecido da cidade. Neste sentido, a remoção dos moradores de rua foi como a abertura dos fluxos e das energias. Portanto, existia um ponto nevrálgico no centro da cidade cuja intervenção e transformação teve como resultado a abertura do centro histórico de Bogotá em uma direção determinada. As leis e decretos aqui apresentados têm como função disciplinar dentro do espaço da cidade de duas formas: primeiro, colocando os objetivos enquadrados em outras leis anteriores; segundo, dividindo a cidade por zonas, ou seja, tirando cada pedaço das suas relações com as demais porções em volta. Assim, a cidade aparece como uma colcha de retalhos, cada um dos quais administrado com relativa autonomia segun-do critérios de mobilidade, especulação imobiliária e usos diferenciados do solo. Essas leis permitiram a distribuição “controlada” da população de moradores de rua, de modo que a estratégia de intervenção encontra-se ligada com uma idéia de “patologização” do território e da valoração moral dos hábitos dos seus moradores. Assim, o espalhamento dos moradores de rua corresponderia com um contágio no espaço da cidade cuja resposta devia ser uma inversão do significado dentro da semântica da cidade. Para o filósofo pau-lista Nelson Brissac Peixoto (2003) é preciso olhar para os princípios da integração global, na qual às cidades cumprem um papel estratégico de aglomeração econômica. As funções econômicas das metrópoles contemporâneas são concentradas em núcleos que constituem novas relações entre seus componentes, como os grandes espaços internacionalizados no coração da cidade. No entanto, Brissac Peixoto assinala que os espaços informes podem

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ser transformados em vazios urbanos, que neste caso correspondem com a possibilidade de criação de espaço público. Igualmente, rejeitam-se certos comportamentos neste espaço aberto o que configura uma definição da “cidadania”. Como o Ptm parece uma enorme lápida de cimento liso, isto permite ao observador ter uma visão panorâmica e totalizadora dos seus usuários. O espaço do Parque Terceiro Milênio permite exercer o domínio visual sobre as ações e, portanto, um mais eficiente policiamento dos comportamentos.

Uma das conseqüências desta fixação do capital para permitir seu fluxo é a reurbani-zação e reconstrução a grande escala de áreas esquecidas, com baixa ocupação ou lotadas de marginais, como El Cartucho. Aqueles que devem ser removidos do centro e que im-pedem o desenvolvimento econômico do setor são descritos como pessoas com doenças mentais e altamente perigosas. Eles representam a degradação moral, e El Cartucho era o epítome da “ruína” arquitetônica. Frente a este fenômeno a administração distrital e os investidores internacionais propõem uma moral sanitária que permitiu a destruição de El Cartucho para a “criação” de espaços novos. No discurso institucionalizado, passa-se do vazio para a possibilidade de máximo aproveitamento econômico do solo. No caso de El Cartucho o projeto procurava-se cristalizar esse vazio construído discursivamente mediante a materialização do vazio representado no Ptm.

Por outro lado, Cidade Saúde está projetada com um duplo propósito. Primeiro, otimizar o potencial dos serviços de saúde da capital mediante o investimento de capital privado sobre os equipamentos urbanos existentes. Segundo, a atração de estrangeiros usu-ários destes serviços. Tudo isto implicava a privatização do espaço urbano nos novos pro-jetos desenvolvidos com investimentos privados internacionais. Como disciplina projetiva o planejamento já traz em si a probabilidade e a previsão. Por isso, no primeiro momento aparecia como necessária uma descrição pormenorizada dos hábitos dos moradores de rua como justificativa da ação. Posteriormente, deixa-se parcialmente de lado a justificativa pela negação ou a carência para se fazer uma avaliação positiva das possibilidades econô-micas. Assim, se inicialmente os decretos descreviam especificamente áreas de intervenção da cidade com suas particularidades, progressivamente se aprecia como os decretos são cada vez mais genéricos e propositivos. Nestes documentos El Cartucho aparecia como um bloqueio da circulação, de modo que era necessária a sua destruição.

A expansão das idéias da circulação e da higiene ligadas com a prosperidade públicas tiveram sua maior força em meados do século XiX. A cidade que se tornava moderna não podia ser aquela das ruas e becos escuros e sujos, do centro amontoados e cheio de popu-lação miserável, com fedores de esgoto e lixo acumulado. A cidade moderna devia atingir a ambição de concordar a organicidade com a eficiência técnica. Isto modificou as leis de desapropriação mediante as quais se fizeram as respectivas reformas no centro escuro e pobre de Paris e o resgate do rio Sena pela destruição de ruazinhas e cais adjacentes. Na fronteira da cidade, mudaram-se as antigas muralhas que a protegia pelas novas estações de trem. Assim, Paris abria-se ao fluxo das novas estradas de ferro. A regularidade estática e geométrica da cidade do século Xvii deu lugar à regulação dinâmica da circulação do século XiX. A cidade foi um campo de confronto, entre o pensamento medieval, a geome-trização dos engenheiros e as novas propostas orgânicas de circulação (Picon, 2001). Os amplos bulevares do Barão de Haussmann buscavam, simultaneamente, facilitar a marcha dos canhões e acabar com a construção das barricadas. Pensou-se pela primeira vez a pro-blemática de cidade em termos de mobilidade das pessoas e das mercadorias. Este modelo foi transferido para as grandes capitais do começo do século XX como o Rio de Janeiro (Salgueiro, 2001). Desenvolvia-se uma ligação entre uma acepção do racionalismo e da

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engenharia, uma epistemologia técnica e uma planificação da infra-estrutura de transporte e dos equipamentos.

Igualmente, os projetos contemporâneos tiveram outra origem com a advento do Manifesto Futurista. Para estes visionários a construção de avenidas e praças eram a con-cretização do seu ideal de velocidade. Seguindo essa idéia, começaram a circular discursos sobre a demolição de monumentos e a destruição de ruas estreitas e tortuosas, para darem passo as grandes estradas de ferro e vias compridas para automóveis. Os futuristas italianos exaltavam o desenvolvimento industrial de Milão e procuravam a destruição de Roma e suas relíquias (Fabris, 2000). A destruição das marcas geográficas para os futuristas esteve determinada pela velocidade e pelo veículo, que necessariamente implicava o esquecimen-to do pedestre em prol da emergência do automóvel. A preocupação com a circulação de corpos e mercadorias e a necessidade do rápido deslocamento transformaram a face das cidades modernas. A geografia urbana foi alterada seguindo estes princípios, tornando-se agora em uma topologia da cidade contemporânea marcada cada vez mais pela acessibili-dade e pela razão econômica da possibilidade.

OBSERVAÇõES fINAIS

Enfim, passado um lustro da implementação destas políticas de renovação várias ob-servações podem ser elaboradas. Inicialmente, a destruição de El Cartucho e deste tipo de zonas da morte como o modo mais eficaz para atingir as mudanças na segurança local. No entanto, o deslocamento dos moradores de rua e consumidores de entorpecentes apareceu como se fosse programado, para uma zona que agora está consolidada como a maior zona da morte e da delinqüência na cidade, El Bronx. Aproveitando a experiência fornecida pela renovação do Parque Terceiro Milênio, houve uma remoção massiva de indigentes sob a justificativa da recuperação do espaço público. Do mesmo modo, o discurso baseava-se na idéia da “limpeza”, que neste caso era tanto da cidade como das pessoas. Mediante um operativo com mini-bulldozer, El Bronx foi despejado de construções precárias de papelão e zinco que ocupavam a rua, enquanto atrás uma máquina de bombeiros jogava jatos d’água no chão.

Paralelamente, o projeto Cidade Saúde continua adiante, mediante a liquidação do Hospital San Juan de Dios e do Hospital Materno Infantil. Para este mega-projeto a cidade deve se adequar, de modo que a prioridade turística consegue destaque. Assim, o Aeroporto Internacional de Bogotá foi renovado e ampliado, tanto no número de pistas como de capacidade de guichês. Na mass midia o eixo do Aeroporto ao Centro, perto de Cidade Saúde, aparece como uma das prioridades na mobilidade, pois o turismo médico deve ser a nova vocação da cidade. Assim, consolidaram-se os investimentos para melhorar a Avenida El Dorado, uma das vias mais rápidas da cidade que a conecta de oeste a leste, do Aeroporto até o centro. Na entrada desta Avenida no centro serão remodelados os parques existentes, assim como o mobiliário urbano. Grandes investimentos urbanos em uma sociedade que atualmente se caracteriza pelas graves dificuldades do acesso à saúde que tem a população em geral. Enfim, higienizam-se os espaços da cidade, enquanto se privatizam os direitos dos cidadãos, em uma procura implacável pelo investimento estran-geiro e a boa imagem internacional de Bogotá.

Carlos José Suárez é an-tropólogo pela Universida-de Nacional de Colômbia, mestre em Antropologia pela Universidade Federal Flumi-nense e em Planejamento Urbano e Regional pela Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em dezem-bro de 2012 e aprovado pa-ra publicação em fevereiro de 2013.

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REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS

ACUERDO 33 DE 1999 del Concejo de Bogotá D.C. Por el cual se crea una empresa industrial y comercial del Distrito Capital – Empresa de Renovación Urbana.ACUERDO 192 DE 2005 del Concejo de Bogotá D.C. Por el cual se institucionaliza el proyecto Ciudad Salud.ALCALDÍA MAyOR DE BOGOTÁ – Instituto de Desarrollo Urbano. Rehabilitación del centro urbano, el proyecto Tercer Milenio. 2002.ALCALDIA MAyOR DE SANTAFÉ DE BOGOTÁ – Observatorio de Cultura Ciu-dadana. Territorios del miedo en Santafé de Bogotá. Imaginarios de los ciudadanos. Bogotá: TM editores. 1998.ALCALDÍA MAyOR DE BOGOTÁ – Secretaría de Hacienda – Departamento de Pla-neación Distrital. Recorriendo La Candelaria. 2004.____. Recorriendo Los Mártires. 2004.____. Recorriendo Santa Fé. 2004.ALCALDÍA MAyOR DE BOGOTÁ – Secretaria de Gobierno. Diagnóstico de Seguridad y Convivencia de la Localidad de Santa Fe 2005. 2006.____. Diagnostico de Seguridad y Convivencia de la Localidad de Los Mártires 2006. 2006.CÁMARA DE COMERCIO DE BOGOTÁ. Habitantes de la calle. Un estudio sobre la calle de El Cartucho en Santa Fe de Bogotá. Bogotá: Cámara de Comercio de Bogotá. 1997.DECRETO 880 DE 1998 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Programa de Renovación Urbana para la recuperación del sector comprendido por los barrios San Bernardo y Santa Inés y sus zonas aledañas. DECRETO 619 DE 2000 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por el cual se adopta el Plan de Ordenamiento Territorial para Santa Fé de Bogotá, Distrito CapitalDECRETO 187 DE 2002 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por medio del cual se re-glamenta la Unidad de Planeamiento Zonal No 102, La Sabana, ubicada en la localidad de Los Mártires. DECRETO 346 DE 2003 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por el cual se adopta el Plan Maestro del Parque Tercer Milenio.DECRETO 239 DE 2006 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por medio del cual se rea-signa una función a la Empresa de Renovación Urbana de Bogotá, inherente al desarrollo del proyecto Centro Comercial Metropolitano y Proyecto Residencial de Renovación en el sector de San Bernardo.DECRETO 492 DE 2007 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por el cual se adopta la Operación Estratégica del Centro de Bogotá y el Plan Zonal del Centro.DEPARTAMENTO NACIONAL DE PLANEACIóN – CONSEJO NACIONAL DE POLÍTICA ECONôMICA y SOCIAL 3471. Garantia de la nación a Bogotá D.C. para contratar una operación de crédito público externo côn la banca multilateral hasta por la suma de US$ 10 millones, o su equivalente en otras monedas, destinado a financiar parcialmente la primera fase del programa multifase de revitalización del centro de Bogotá. 2007.FABRIS, A. Fragmentos urbanos. Representações culturais. São Paulo: Studio Nobel. 2000.GóNGORA, A.; SUÁREZ, C. J. “Por una Bogotá sin Mugre. Violencia, vida y muerte en la cloaca urbana”. In: Universitas Humanistica, Bogotá, n. 66, p. 107-138. Dezembro 2008.

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engenharia, uma epistemologia técnica e uma planificação da infra-estrutura de transporte e dos equipamentos.

Igualmente, os projetos contemporâneos tiveram outra origem com a advento do Manifesto Futurista. Para estes visionários a construção de avenidas e praças eram a con-cretização do seu ideal de velocidade. Seguindo essa idéia, começaram a circular discursos sobre a demolição de monumentos e a destruição de ruas estreitas e tortuosas, para darem passo as grandes estradas de ferro e vias compridas para automóveis. Os futuristas italianos exaltavam o desenvolvimento industrial de Milão e procuravam a destruição de Roma e suas relíquias (Fabris, 2000). A destruição das marcas geográficas para os futuristas esteve determinada pela velocidade e pelo veículo, que necessariamente implicava o esquecimen-to do pedestre em prol da emergência do automóvel. A preocupação com a circulação de corpos e mercadorias e a necessidade do rápido deslocamento transformaram a face das cidades modernas. A geografia urbana foi alterada seguindo estes princípios, tornando-se agora em uma topologia da cidade contemporânea marcada cada vez mais pela acessibili-dade e pela razão econômica da possibilidade.

OBSERVAÇõES fINAIS

Enfim, passado um lustro da implementação destas políticas de renovação várias ob-servações podem ser elaboradas. Inicialmente, a destruição de El Cartucho e deste tipo de zonas da morte como o modo mais eficaz para atingir as mudanças na segurança local. No entanto, o deslocamento dos moradores de rua e consumidores de entorpecentes apareceu como se fosse programado, para uma zona que agora está consolidada como a maior zona da morte e da delinqüência na cidade, El Bronx. Aproveitando a experiência fornecida pela renovação do Parque Terceiro Milênio, houve uma remoção massiva de indigentes sob a justificativa da recuperação do espaço público. Do mesmo modo, o discurso baseava-se na idéia da “limpeza”, que neste caso era tanto da cidade como das pessoas. Mediante um operativo com mini-bulldozer, El Bronx foi despejado de construções precárias de papelão e zinco que ocupavam a rua, enquanto atrás uma máquina de bombeiros jogava jatos d’água no chão.

Paralelamente, o projeto Cidade Saúde continua adiante, mediante a liquidação do Hospital San Juan de Dios e do Hospital Materno Infantil. Para este mega-projeto a cidade deve se adequar, de modo que a prioridade turística consegue destaque. Assim, o Aeroporto Internacional de Bogotá foi renovado e ampliado, tanto no número de pistas como de capacidade de guichês. Na mass midia o eixo do Aeroporto ao Centro, perto de Cidade Saúde, aparece como uma das prioridades na mobilidade, pois o turismo médico deve ser a nova vocação da cidade. Assim, consolidaram-se os investimentos para melhorar a Avenida El Dorado, uma das vias mais rápidas da cidade que a conecta de oeste a leste, do Aeroporto até o centro. Na entrada desta Avenida no centro serão remodelados os parques existentes, assim como o mobiliário urbano. Grandes investimentos urbanos em uma sociedade que atualmente se caracteriza pelas graves dificuldades do acesso à saúde que tem a população em geral. Enfim, higienizam-se os espaços da cidade, enquanto se privatizam os direitos dos cidadãos, em uma procura implacável pelo investimento estran-geiro e a boa imagem internacional de Bogotá.

Carlos José Suárez é an-tropólogo pela Universida-de Nacional de Colômbia, mestre em Antropologia pela Universidade Federal Flumi-nense e em Planejamento Urbano e Regional pela Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS

ACUERDO 33 DE 1999 del Concejo de Bogotá D.C. Por el cual se crea una empresa industrial y comercial del Distrito Capital – Empresa de Renovación Urbana.ACUERDO 192 DE 2005 del Concejo de Bogotá D.C. Por el cual se institucionaliza el proyecto Ciudad Salud.ALCALDÍA MAyOR DE BOGOTÁ – Instituto de Desarrollo Urbano. Rehabilitación del centro urbano, el proyecto Tercer Milenio. 2002.ALCALDIA MAyOR DE SANTAFÉ DE BOGOTÁ – Observatorio de Cultura Ciu-dadana. Territorios del miedo en Santafé de Bogotá. Imaginarios de los ciudadanos. Bogotá: TM editores. 1998.ALCALDÍA MAyOR DE BOGOTÁ – Secretaría de Hacienda – Departamento de Pla-neación Distrital. Recorriendo La Candelaria. 2004.____. Recorriendo Los Mártires. 2004.____. Recorriendo Santa Fé. 2004.ALCALDÍA MAyOR DE BOGOTÁ – Secretaria de Gobierno. Diagnóstico de Seguridad y Convivencia de la Localidad de Santa Fe 2005. 2006.____. Diagnostico de Seguridad y Convivencia de la Localidad de Los Mártires 2006. 2006.CÁMARA DE COMERCIO DE BOGOTÁ. Habitantes de la calle. Un estudio sobre la calle de El Cartucho en Santa Fe de Bogotá. Bogotá: Cámara de Comercio de Bogotá. 1997.DECRETO 880 DE 1998 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Programa de Renovación Urbana para la recuperación del sector comprendido por los barrios San Bernardo y Santa Inés y sus zonas aledañas. DECRETO 619 DE 2000 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por el cual se adopta el Plan de Ordenamiento Territorial para Santa Fé de Bogotá, Distrito CapitalDECRETO 187 DE 2002 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por medio del cual se re-glamenta la Unidad de Planeamiento Zonal No 102, La Sabana, ubicada en la localidad de Los Mártires. DECRETO 346 DE 2003 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por el cual se adopta el Plan Maestro del Parque Tercer Milenio.DECRETO 239 DE 2006 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por medio del cual se rea-signa una función a la Empresa de Renovación Urbana de Bogotá, inherente al desarrollo del proyecto Centro Comercial Metropolitano y Proyecto Residencial de Renovación en el sector de San Bernardo.DECRETO 492 DE 2007 del Alcalde Mayor de Bogotá D.C. Por el cual se adopta la Operación Estratégica del Centro de Bogotá y el Plan Zonal del Centro.DEPARTAMENTO NACIONAL DE PLANEACIóN – CONSEJO NACIONAL DE POLÍTICA ECONôMICA y SOCIAL 3471. Garantia de la nación a Bogotá D.C. para contratar una operación de crédito público externo côn la banca multilateral hasta por la suma de US$ 10 millones, o su equivalente en otras monedas, destinado a financiar parcialmente la primera fase del programa multifase de revitalización del centro de Bogotá. 2007.FABRIS, A. Fragmentos urbanos. Representações culturais. São Paulo: Studio Nobel. 2000.GóNGORA, A.; SUÁREZ, C. J. “Por una Bogotá sin Mugre. Violencia, vida y muerte en la cloaca urbana”. In: Universitas Humanistica, Bogotá, n. 66, p. 107-138. Dezembro 2008.

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HCT INGENIEROS – Consorcio Proeza. Resumen del estudio de prefactibilidad del com-plejo hospitalario del centro: Ciudad Salud. s.d.JARAMILLO, S. “Reflexiones sobre las politicas de recuperacion del centro (y del centro historico) de Bogotá”. In: Documento CEDE n. 40. Novembro 2006. MATEUS, S. Limpieza social, la guerra contra la indigencia. Bogotá, Temas de Hoy. 1995.PEIXOTO, N. B. Paisagens urbanas. São Paulo: Senac. 2003.PICON, A. “Racionalidade técnica e utopia: a gênese da haussmannização”. In Cidades capitais do século XIX. Heliana Angotti Salgueiro (Org.) São Paulo: EDUSP. 2001.REGUILLO, R. “La construcción social del miedo. Narrativas y prácticas urbanas”. In: Ciudadanías del miedo. Susana Rotker, ed. Caracas: Nueva Sociedad. 2000.ROJAS, C. La Violencia llamada “limpieza social”. Bogotá: Centro de Investigação e Edu-cacao Popular – CINEP. 1994.RUIZ, O. J.; HERNÁNDEZ, J. M.; BOLAñOS, L. Gamines, Instituciones y Cultura de la Calle. Santa Fe de Bogotá: Corporación Extramuros/Ciudad y cultura. 1998.RyKWERT, J. “Os subúrbios e as novas capitais”. In: A sedução do lugar, a história e o futuro da cidade. São Paulo: Martins Fontes. 2004.SALCEDO, M. T. “Escritura y territorialidad en la cultura de la calle”. In: Antropologías transeúntes, Eduardo Restrepo e Maria Victoria Uribe (eds.) Bogotá: Instituto Colombia-no de Antropología e Historia – ICANH. 2000.SALGUEIRO, H. A. “Introdução: da temática, dos autores e de suas idéias”. In: Cidades capitais do século XIX. Heliana Angotti Salgueiro (Org.) São Paulo: EDUSP. 2001.STANNOW, L. “Social cleansing” in Colombia. Dissertação de mestrado em Estudos latino-americanos e espanhóis. Burnaby: Simon Fraser University. 1996.SUÁREZ, C. J. “A máquina corretiva, ou como restituir aos moradores de rua à estrutura: dois modelos de transformação”. In: Revista RUA, Campinas, n. 16, vol. 2. Novembro 2010.

a B s t r a C t The urban renewal is in the present day the most privileged political instrument to transform the historical center of Bogotá. The legal frames of urban renewal in this city were: Decree 880 of 1998 that institutionalized the Urban Renewal Program; Decree 619 of 2000 that defined the Territorial Arrangement Plan for Bogotá and, the Decree 492 of 2007 that defined the Zonal Center Plan. In this article I’ll present the links among these documents and also the links between them, the security & the sensation of degradation in the downtown. This aversion to few degraded places in the city took its “material form” with the presence of homeless people in a specific area in the center: La Calle del Cartucho. The destruction of this place and the construction of Third Millennium Park seek to encourage the public/private enterprises and to attract international investments, along with another future plans for the city.

K e y w o r d s Urban renewal; urban emptiness; El Cartucho; Third Millennium Park; Calle del Bronx; health city.

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REDE URBANA REGIONAL, CIDADES MÉDIAS E CENTRALIDADES

Estudo dE MontEs Claros E dos CEntros EMErgEntEs dE PiraPora, Janaúba

E Januária no nortE dE Minas gErais i a r a s o a r E s d E F r a n ç ab E a t r i z r i b E i r o s o a r E s

r E s u M o Nos últimos anos o Brasil vem passando por profundas tranformações em sua configuração urbana. A espacialização e consolidação das atividades desenvolvidas no território nacional materializam-se na rede urbana brasileira. Nesse contexto, deve-se analisar o papel das cidades médias na estrutura urbana, considerando, notadamente, as funções que elas exercem em âmbito regional. Este trabalho investigou os papéis desempenhados pela cidade média de Montes Claros e as interações espaciais e econômicas estabelecidas com os centros emergentes de Janaúba, Januária e Pirapora na rede urbana norte mineira na atualidade. Para a obtenção dos resultados almejados, foram realizados registros iconográficos, confecção de mapas, tabelas e gráficos e entrevistas com a população dos municípios de Januária, Janaúba e Pirapora, no ano de 2010, a fim de compreender as interações espaciais entre as cidades e, com isso, a configuração da rede urbana regional.

P a l a v r a s - C h a v E Rede urbana; centralidade; fluxos; interações espa-ciais e econômicas; norte de Minas Gerais.

INTRODUÇÃO

O Brasil passou por profundas transformações em sua estrutura urbana, decorrente de conjunturas econômicas e políticas que o país experimentou e se encontra atualmente. Nesse contexto, o fenômeno urbano no Brasil, nas últimas décadas, revelou um novo padrão de urbanização.

Os dados do recenseamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (ibgE) mostram que, em 2010, 84,36% da população residia em áreas urbanas. Isso representava, no mesmo ano, 165.898.169 pessoas vivendo nesses espaços. Esses números demonstram a alta taxa de urbanização, em um país que conta com grande contingente populacional, 196.655.014 habitantes. (Censo Demográfico do ibgE, 2010).

Uma das características que marcam o atual fenômeno urbano no Brasil refere-se ao “aumento do número de cidades locais e sua força, assim como dos centros regionais, ao passo que as metrópoles regionais tendem a crescer relativamente mais que as próprias metrópoles do sudeste” (Santos, 1994, p.134).

Essa nova configuração urbana decorre de diversos processos e novas conjunturas econômicas e políticas, notadamente, observa-se a descentralização econômica a partir do

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HCT INGENIEROS – Consorcio Proeza. Resumen del estudio de prefactibilidad del com-plejo hospitalario del centro: Ciudad Salud. s.d.JARAMILLO, S. “Reflexiones sobre las politicas de recuperacion del centro (y del centro historico) de Bogotá”. In: Documento CEDE n. 40. Novembro 2006. MATEUS, S. Limpieza social, la guerra contra la indigencia. Bogotá, Temas de Hoy. 1995.PEIXOTO, N. B. Paisagens urbanas. São Paulo: Senac. 2003.PICON, A. “Racionalidade técnica e utopia: a gênese da haussmannização”. In Cidades capitais do século XIX. Heliana Angotti Salgueiro (Org.) São Paulo: EDUSP. 2001.REGUILLO, R. “La construcción social del miedo. Narrativas y prácticas urbanas”. In: Ciudadanías del miedo. Susana Rotker, ed. Caracas: Nueva Sociedad. 2000.ROJAS, C. La Violencia llamada “limpieza social”. Bogotá: Centro de Investigação e Edu-cacao Popular – CINEP. 1994.RUIZ, O. J.; HERNÁNDEZ, J. M.; BOLAñOS, L. Gamines, Instituciones y Cultura de la Calle. Santa Fe de Bogotá: Corporación Extramuros/Ciudad y cultura. 1998.RyKWERT, J. “Os subúrbios e as novas capitais”. In: A sedução do lugar, a história e o futuro da cidade. São Paulo: Martins Fontes. 2004.SALCEDO, M. T. “Escritura y territorialidad en la cultura de la calle”. In: Antropologías transeúntes, Eduardo Restrepo e Maria Victoria Uribe (eds.) Bogotá: Instituto Colombia-no de Antropología e Historia – ICANH. 2000.SALGUEIRO, H. A. “Introdução: da temática, dos autores e de suas idéias”. In: Cidades capitais do século XIX. Heliana Angotti Salgueiro (Org.) São Paulo: EDUSP. 2001.STANNOW, L. “Social cleansing” in Colombia. Dissertação de mestrado em Estudos latino-americanos e espanhóis. Burnaby: Simon Fraser University. 1996.SUÁREZ, C. J. “A máquina corretiva, ou como restituir aos moradores de rua à estrutura: dois modelos de transformação”. In: Revista RUA, Campinas, n. 16, vol. 2. Novembro 2010.

a B s t r a C t The urban renewal is in the present day the most privileged political instrument to transform the historical center of Bogotá. The legal frames of urban renewal in this city were: Decree 880 of 1998 that institutionalized the Urban Renewal Program; Decree 619 of 2000 that defined the Territorial Arrangement Plan for Bogotá and, the Decree 492 of 2007 that defined the Zonal Center Plan. In this article I’ll present the links among these documents and also the links between them, the security & the sensation of degradation in the downtown. This aversion to few degraded places in the city took its “material form” with the presence of homeless people in a specific area in the center: La Calle del Cartucho. The destruction of this place and the construction of Third Millennium Park seek to encourage the public/private enterprises and to attract international investments, along with another future plans for the city.

K e y w o r d s Urban renewal; urban emptiness; El Cartucho; Third Millennium Park; Calle del Bronx; health city.

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REDE URBANA REGIONAL, CIDADES MÉDIAS E CENTRALIDADES

Estudo dE MontEs Claros E dos CEntros EMErgEntEs dE PiraPora, Janaúba

E Januária no nortE dE Minas gErais i a r a s o a r E s d E F r a n ç ab E a t r i z r i b E i r o s o a r E s

r E s u M o Nos últimos anos o Brasil vem passando por profundas tranformações em sua configuração urbana. A espacialização e consolidação das atividades desenvolvidas no território nacional materializam-se na rede urbana brasileira. Nesse contexto, deve-se analisar o papel das cidades médias na estrutura urbana, considerando, notadamente, as funções que elas exercem em âmbito regional. Este trabalho investigou os papéis desempenhados pela cidade média de Montes Claros e as interações espaciais e econômicas estabelecidas com os centros emergentes de Janaúba, Januária e Pirapora na rede urbana norte mineira na atualidade. Para a obtenção dos resultados almejados, foram realizados registros iconográficos, confecção de mapas, tabelas e gráficos e entrevistas com a população dos municípios de Januária, Janaúba e Pirapora, no ano de 2010, a fim de compreender as interações espaciais entre as cidades e, com isso, a configuração da rede urbana regional.

P a l a v r a s - C h a v E Rede urbana; centralidade; fluxos; interações espa-ciais e econômicas; norte de Minas Gerais.

INTRODUÇÃO

O Brasil passou por profundas transformações em sua estrutura urbana, decorrente de conjunturas econômicas e políticas que o país experimentou e se encontra atualmente. Nesse contexto, o fenômeno urbano no Brasil, nas últimas décadas, revelou um novo padrão de urbanização.

Os dados do recenseamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (ibgE) mostram que, em 2010, 84,36% da população residia em áreas urbanas. Isso representava, no mesmo ano, 165.898.169 pessoas vivendo nesses espaços. Esses números demonstram a alta taxa de urbanização, em um país que conta com grande contingente populacional, 196.655.014 habitantes. (Censo Demográfico do ibgE, 2010).

Uma das características que marcam o atual fenômeno urbano no Brasil refere-se ao “aumento do número de cidades locais e sua força, assim como dos centros regionais, ao passo que as metrópoles regionais tendem a crescer relativamente mais que as próprias metrópoles do sudeste” (Santos, 1994, p.134).

Essa nova configuração urbana decorre de diversos processos e novas conjunturas econômicas e políticas, notadamente, observa-se a descentralização econômica a partir do

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* Agradecemos o apoio da Fundação de Amparo à Pes-quisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG.

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Sudeste, principalmente do estado de São Paulo. Com isso, os espaços não metropolitanos passam a desempenhar papéis econômicos importantes, antes restritos às grandes metró-poles, aumentando em tamanho, número e importância funcional.

Os processos de metropolização e desmetropolização, vinculados à participação de espaços não metropolitanos, cidades médias e pequenas, na rede urbana brasileira, não se manifestam apenas sob o aspecto quantitativo do elemento demográfico, mas estão inti-mamente relacionados a uma reestruturação na cadeia produtiva. Nesse sentido, Gomes (2007, p.15) afirma que:

As tendências de reestruturação produtiva, seja da desconcentração da economia, seja da reversão da polarização, com relativa dispersão da indústria e reconcentração regional, pro-vocaram a inserção de pólos ou regiões de crescimento, que tiveram capacidade de capturar novas atividades econômicas.

As cidades médias representam, assim, importantes elementos de análise ao cum-prirem destacado papel na estrutura da rede urbana brasileira nas últimas décadas, principalmente após a década de 1970. Sobre o papel das cidades médias na rede urbana brasileira, Davidovich (1995) atribui à década de 1990 uma mudança nas escalas da metropolização e na própria complexidade do fenômeno urbano sobre o território. Essa mudança marca a emergência de novos conjuntos espaciais polarizadores do crescimen-to da população urbana, que passaram a desempenhar o papel de centros metropolita-nos à escala regional.

Nessa perspectiva, este trabalho analisa a configuração atual da rede urbana norte mineira, sob o comando da cidade média de Montes Claros/Mg como polo regional, des-tacando as interações espaciais e econômicas realizadas com os centros emergentes de Pi-rapora/Mg, Janaúba/Mg e Januária/Mg. Foram analisados os elementos que promovem a integração e a articulação entre esses municípios na rede urbana regional. A metodologia utilizada consistiu em análise bibliográfica de autores que discorrem sobre as temáticas: rede urbana, centralidades, cidades médias, fluxos e fixos (Christaller, 1966; Corrêa, 2004; Davidovich, 1995; Santos, 1988, 1996 e 1994; Souza, 1995; Spósito, 2006). Além disso, foram realizadas, no ano de 2010, entrevistas com a população dos centros emergentes em estudo, a saber: Januária, Janaúba e Pirapora, totalizando 37, 43 e 50 roteiros aplicados, respectivamente. Associado a isso, procedeu-se a registros iconográficos e confecção de mapas, tabelas e gráficos, com os resultados obtidos.

A REDE URBANA BRASILEIRA: ASpECTOS hISTóRICOS E SUA CONfIGURAÇÃO ATUAL

Para se abordar os aspectos gerais da rede urbana brasileira é necessário entender o processo de formação das cidades como centros gestores e articuladores da rede urbana nacional.

A urbanização brasileira está atrelada ao processo de ocupação do território durante o período colonial, entre 1500 e 1800. Essa ocupação ocorreu primeiramente na costa do Nordeste, formando as primeiras vilas para dar suporte à exploração pela metrópole por-tuguesa, servindo como portos, entrepostos comerciais e centros de gestão do território. Contribuindo com essa análise, Santos (1994, p.17) afirma que:

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O Recôncavo da Bahia e a Zona da Mata do Nordeste ensaiaram, antes do restante do ter-ritório, um processo então notável de urbanização e, de Salvador pode-se, mesmo, dizer que comandou a primeira rede urbana das Américas, formada, junto com a capital baiana, por Cachoeira, Santo Amaro e Nazaré, centros de culturas comerciais promissoras no estuário dos rios do Recôncavo.

Nesse contexto a urbanização brasileira esteve fortemente ligada à estrutura produti-va de base exploratória. A crise da exploração da cana-de-açúcar no Nordeste contribuiu para a mudança do eixo econômico do país, antes concentrado no Nordeste e atualmente no Sudeste, em outras bases produtivas. Esse fato teve influência direta na urbanização, tal como discorre Santos (1994) que a partir da segunda metade do século XiX a produção de café em São Paulo tornou este estado um polo dinâmico de vasta área que abrange os estados ao sul do país incluindo, ainda que de modo incompleto, o Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Mesmo com a emergência de São Paulo como importante centro econômico do país na segunda metade do século XiX a rede urbana brasileira apresentava pequena complexi-dade funcional, além de pouco grau de articulação entre as cidades que formam os “nós” dessa rede e um padrão espacial que revelava a difícil interação entre os centros urbanos. Isso se deve a pequena divisão territorial do trabalho, à baixa integração nacional e às ati-vidades industriais que ainda não tinham adquirido a expressão econômica que têm hoje (Gomes, 2007). Essas características da rede urbana brasileira perduraram até a década de 1950 do século XX, momento em que o país passou por transformações sociais e econô-micas afetando profundamente a sociedade brasileira e também a rede urbana nacional.

De acordo o estudo do ibgE denominado Região de Influência das Cidades/rEgiC (2007) o avanço da divisão técnica e territorial do trabalho e as transformações decor-rentes das novas formas de comunicação ampliaram a organização em redes de produção e distribuição, de prestação de serviços, de gestão política e econômica, cujos nós são constituídos pelas cidades.

Corrêa (2004, p. 317) colabora com a análise da rede urbana brasileira no decorrer do século XX destacando que:

Os processos que ocorreram alterando a rede urbana não se manifestaram simultaneamente em todos os lugares. Manifestaram-se primeiramente em certos pontos privilegiados do ter-ritório nacional, em regra na core area, particularmente nas metrópoles paulistas e carioca, de onde se fundem de modo desigual pelas redes urbanas regionais.

Além de São Paulo e Rio de Janeiro, consolidaram-se como metrópoles outras cida-des brasileiras como Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife e Curitiba, caracteri-zando o processo conhecido como metropolização. (Gomes, 2007, p.16).

A partir das contribuições de Santos (1994), Corrêa (2004) e Gomes (2007) aqui esplanadas, verifica-se que as transformações econômicas e políticas que o Brasil vivenciou entre os séculos Xvi e XX intensificaram o fenômeno urbano nas metrópoles já existentes e naquelas em formação. Com isso, a rede urbana brasileira comandada pelos principais centros urbanos iniciou um processo de maior complexidade e integração, notadamente ao final do século XX.

Desde então, a reestruturação na rede urbana brasileira foi observada não somente no plano intraurbano, mas também no plano interurbano. Isso traduziu, dentre outros

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Sudeste, principalmente do estado de São Paulo. Com isso, os espaços não metropolitanos passam a desempenhar papéis econômicos importantes, antes restritos às grandes metró-poles, aumentando em tamanho, número e importância funcional.

Os processos de metropolização e desmetropolização, vinculados à participação de espaços não metropolitanos, cidades médias e pequenas, na rede urbana brasileira, não se manifestam apenas sob o aspecto quantitativo do elemento demográfico, mas estão inti-mamente relacionados a uma reestruturação na cadeia produtiva. Nesse sentido, Gomes (2007, p.15) afirma que:

As tendências de reestruturação produtiva, seja da desconcentração da economia, seja da reversão da polarização, com relativa dispersão da indústria e reconcentração regional, pro-vocaram a inserção de pólos ou regiões de crescimento, que tiveram capacidade de capturar novas atividades econômicas.

As cidades médias representam, assim, importantes elementos de análise ao cum-prirem destacado papel na estrutura da rede urbana brasileira nas últimas décadas, principalmente após a década de 1970. Sobre o papel das cidades médias na rede urbana brasileira, Davidovich (1995) atribui à década de 1990 uma mudança nas escalas da metropolização e na própria complexidade do fenômeno urbano sobre o território. Essa mudança marca a emergência de novos conjuntos espaciais polarizadores do crescimen-to da população urbana, que passaram a desempenhar o papel de centros metropolita-nos à escala regional.

Nessa perspectiva, este trabalho analisa a configuração atual da rede urbana norte mineira, sob o comando da cidade média de Montes Claros/Mg como polo regional, des-tacando as interações espaciais e econômicas realizadas com os centros emergentes de Pi-rapora/Mg, Janaúba/Mg e Januária/Mg. Foram analisados os elementos que promovem a integração e a articulação entre esses municípios na rede urbana regional. A metodologia utilizada consistiu em análise bibliográfica de autores que discorrem sobre as temáticas: rede urbana, centralidades, cidades médias, fluxos e fixos (Christaller, 1966; Corrêa, 2004; Davidovich, 1995; Santos, 1988, 1996 e 1994; Souza, 1995; Spósito, 2006). Além disso, foram realizadas, no ano de 2010, entrevistas com a população dos centros emergentes em estudo, a saber: Januária, Janaúba e Pirapora, totalizando 37, 43 e 50 roteiros aplicados, respectivamente. Associado a isso, procedeu-se a registros iconográficos e confecção de mapas, tabelas e gráficos, com os resultados obtidos.

A REDE URBANA BRASILEIRA: ASpECTOS hISTóRICOS E SUA CONfIGURAÇÃO ATUAL

Para se abordar os aspectos gerais da rede urbana brasileira é necessário entender o processo de formação das cidades como centros gestores e articuladores da rede urbana nacional.

A urbanização brasileira está atrelada ao processo de ocupação do território durante o período colonial, entre 1500 e 1800. Essa ocupação ocorreu primeiramente na costa do Nordeste, formando as primeiras vilas para dar suporte à exploração pela metrópole por-tuguesa, servindo como portos, entrepostos comerciais e centros de gestão do território. Contribuindo com essa análise, Santos (1994, p.17) afirma que:

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O Recôncavo da Bahia e a Zona da Mata do Nordeste ensaiaram, antes do restante do ter-ritório, um processo então notável de urbanização e, de Salvador pode-se, mesmo, dizer que comandou a primeira rede urbana das Américas, formada, junto com a capital baiana, por Cachoeira, Santo Amaro e Nazaré, centros de culturas comerciais promissoras no estuário dos rios do Recôncavo.

Nesse contexto a urbanização brasileira esteve fortemente ligada à estrutura produti-va de base exploratória. A crise da exploração da cana-de-açúcar no Nordeste contribuiu para a mudança do eixo econômico do país, antes concentrado no Nordeste e atualmente no Sudeste, em outras bases produtivas. Esse fato teve influência direta na urbanização, tal como discorre Santos (1994) que a partir da segunda metade do século XiX a produção de café em São Paulo tornou este estado um polo dinâmico de vasta área que abrange os estados ao sul do país incluindo, ainda que de modo incompleto, o Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Mesmo com a emergência de São Paulo como importante centro econômico do país na segunda metade do século XiX a rede urbana brasileira apresentava pequena complexi-dade funcional, além de pouco grau de articulação entre as cidades que formam os “nós” dessa rede e um padrão espacial que revelava a difícil interação entre os centros urbanos. Isso se deve a pequena divisão territorial do trabalho, à baixa integração nacional e às ati-vidades industriais que ainda não tinham adquirido a expressão econômica que têm hoje (Gomes, 2007). Essas características da rede urbana brasileira perduraram até a década de 1950 do século XX, momento em que o país passou por transformações sociais e econô-micas afetando profundamente a sociedade brasileira e também a rede urbana nacional.

De acordo o estudo do ibgE denominado Região de Influência das Cidades/rEgiC (2007) o avanço da divisão técnica e territorial do trabalho e as transformações decor-rentes das novas formas de comunicação ampliaram a organização em redes de produção e distribuição, de prestação de serviços, de gestão política e econômica, cujos nós são constituídos pelas cidades.

Corrêa (2004, p. 317) colabora com a análise da rede urbana brasileira no decorrer do século XX destacando que:

Os processos que ocorreram alterando a rede urbana não se manifestaram simultaneamente em todos os lugares. Manifestaram-se primeiramente em certos pontos privilegiados do ter-ritório nacional, em regra na core area, particularmente nas metrópoles paulistas e carioca, de onde se fundem de modo desigual pelas redes urbanas regionais.

Além de São Paulo e Rio de Janeiro, consolidaram-se como metrópoles outras cida-des brasileiras como Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife e Curitiba, caracteri-zando o processo conhecido como metropolização. (Gomes, 2007, p.16).

A partir das contribuições de Santos (1994), Corrêa (2004) e Gomes (2007) aqui esplanadas, verifica-se que as transformações econômicas e políticas que o Brasil vivenciou entre os séculos Xvi e XX intensificaram o fenômeno urbano nas metrópoles já existentes e naquelas em formação. Com isso, a rede urbana brasileira comandada pelos principais centros urbanos iniciou um processo de maior complexidade e integração, notadamente ao final do século XX.

Desde então, a reestruturação na rede urbana brasileira foi observada não somente no plano intraurbano, mas também no plano interurbano. Isso traduziu, dentre outros

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processos, em grande crescimento econômico e populacional e na alteração da centralida-de dos centros urbanos. Esses fatores promoveram uma nova configuração na rede urbana brasileira, após a década de 1970, marcada por reestruturações econômicas, sociais e espa-ciais, desencadeadas, sobretudo, por políticas públicas de cunho federal.

A primeira metade do século XX foi marcada por um intenso processo de urbaniza-ção e crescimento econômico, sobretudo, nas cidades do estado de São Paulo, destacando a capital. (Santos, 1994). Nesse sentido, foram elaboradas políticas públicas e programas governamentais com a finalidade de desconcentração industrial e populacional das gran-des metrópoles, proporcionando um maior equilíbrio regional. Essas políticas, de acordo com Castelo Branco (2006, p. 246), visavam à difusão do processo de desenvolvimento, com base nos “nós” da rede urbana, com destaque para as cidades médias. Essas ações foram materializadas no II Plano Nacional de Desenvolvimento/Pnd e explicitadas no Programa Nacional de Apoio às Cidades e Capitais de Porte Médio/PnCCPM na década de 1970. Nesse sentido:

A organização espacial do Estado brasileiro nos últimos 30 anos, e em particular do seu espa-ço urbano, é reflexo de um modelo de desenvolvimento, definido no âmbito do capital, que em função de sua melhor reprodução, privilegiou determinados pontos do espaço geográfico como objeto de investimento. Por sua vez, a alocação de recursos governamentais em lugares determinados, provoca também a concentração da população nesses locais, em virtude da oportunidade de empregos que surgem. (Pontes, 2006, p.327).

O que se assiste a partir desse momento é a redefinição da rede urbana brasileira por meio das estruturas já existentes, ou seja, a polarização das grandes metrópoles em escala nacional, mas também a inserção dos espaços não metropolitanos, isto é, as cidades médias e pequenas, como “nós” de articulação da rede.

A rede urbana brasileira é formada segundo níveis hierárquicos onde cada cidade possui suas características e papéis específicos.

Para a definição da hierarquia dos centros urbanos na edição do rEgiC/2007, as cidades foram classificadas em cinco grandes níveis de centralidade que, por sua vez, foram subdivididos em dois ou três subníveis: cada nível representa o número total de cidades presentes na rede/região de influência, o número de habitantes e o número de relaciona-mentos. (França, 2012). (Quadro 1).

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Quadro 1 – Rede Urbana Brasileira, 2007.

Níveis/Subníveis Quan--tidade Características

Metrópoles 12

Centros urbanos do país que se caracterizam por seu grande porte e por fortes relacionamentos entre si, além de, em geral, possuírem extensa área de influência direta.

Grande metrópole nacional 1Está alocada no primeiro nível da gestão territo-rial.

Metrópole nacional 2Estes centros estão no primeiro nível da gestão territorial e constituem foco para centros localizados em todo o país.

Metrópole 9 Constituem o segundo nível da gestão territorial.

Capital regional 70

Elas se relacionam com o estrato superior da rede urbana. Possui capacidade de gestão no nível imediatamente inferior ao das metrópoles, possuem área de influência de âmbito regional, sendo referidas como destino para um conjunto de atividades por um grande número de municípios.

Capital regional A 11Possuem medianas de 955 mil habitantes e 487 relacionamentos.

Capital regional B 20Totalizam 20 cidades, com medianas de 435 mil habitantes e 406 relacionamentos.

Capital regional C 39Possuem medianas de 250 mil habitantes e 162 relacionamentos.

Centro sub-regional 169

São centros com atividades de gestão menos complexas, dominantemente entre os níveis 4 e 5 da gestão territorial; têm área de atuação mais reduzida, e seus relacionamentos com centros externos à sua própria rede dão-se, em geral, apenas com as três metrópoles nacionais.

Centro sub-regional A 85Possuem medianas de 95 mil habitantes e 112 relacionamentos.

Centro sub-regional B 79Possuem medianas de 71 mil habitantes e 71 relacionamentos.

Centro de zona 556São cidades de menor porte e com atuação restrita à sua área imediata; exercem funções de gestão elementares.

Centro de zona A 192

Possuem medianas de 45 mil habitantes e 49 relacionamentos. Predominam os níveis 5 e 6 da gestão territorial (94 e 72 cidades, respectivamente) com nove cidades no quarto nível e 16 não classificadas como centros de gestão.

Centro de zona B 364

Cidades com medianas de 23 mil habitantes e 16 relacionamentos. A maior parte, 235, não havia sido classificada como centro de gestão territorial, e outras 107 estavam no último nível daquela classificação.

Fonte: REGIC, IBGE, 2007. Org.: França, I.S., 2012.

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processos, em grande crescimento econômico e populacional e na alteração da centralida-de dos centros urbanos. Esses fatores promoveram uma nova configuração na rede urbana brasileira, após a década de 1970, marcada por reestruturações econômicas, sociais e espa-ciais, desencadeadas, sobretudo, por políticas públicas de cunho federal.

A primeira metade do século XX foi marcada por um intenso processo de urbaniza-ção e crescimento econômico, sobretudo, nas cidades do estado de São Paulo, destacando a capital. (Santos, 1994). Nesse sentido, foram elaboradas políticas públicas e programas governamentais com a finalidade de desconcentração industrial e populacional das gran-des metrópoles, proporcionando um maior equilíbrio regional. Essas políticas, de acordo com Castelo Branco (2006, p. 246), visavam à difusão do processo de desenvolvimento, com base nos “nós” da rede urbana, com destaque para as cidades médias. Essas ações foram materializadas no II Plano Nacional de Desenvolvimento/Pnd e explicitadas no Programa Nacional de Apoio às Cidades e Capitais de Porte Médio/PnCCPM na década de 1970. Nesse sentido:

A organização espacial do Estado brasileiro nos últimos 30 anos, e em particular do seu espa-ço urbano, é reflexo de um modelo de desenvolvimento, definido no âmbito do capital, que em função de sua melhor reprodução, privilegiou determinados pontos do espaço geográfico como objeto de investimento. Por sua vez, a alocação de recursos governamentais em lugares determinados, provoca também a concentração da população nesses locais, em virtude da oportunidade de empregos que surgem. (Pontes, 2006, p.327).

O que se assiste a partir desse momento é a redefinição da rede urbana brasileira por meio das estruturas já existentes, ou seja, a polarização das grandes metrópoles em escala nacional, mas também a inserção dos espaços não metropolitanos, isto é, as cidades médias e pequenas, como “nós” de articulação da rede.

A rede urbana brasileira é formada segundo níveis hierárquicos onde cada cidade possui suas características e papéis específicos.

Para a definição da hierarquia dos centros urbanos na edição do rEgiC/2007, as cidades foram classificadas em cinco grandes níveis de centralidade que, por sua vez, foram subdivididos em dois ou três subníveis: cada nível representa o número total de cidades presentes na rede/região de influência, o número de habitantes e o número de relaciona-mentos. (França, 2012). (Quadro 1).

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Quadro 1 – Rede Urbana Brasileira, 2007.

Níveis/Subníveis Quan--tidade Características

Metrópoles 12

Centros urbanos do país que se caracterizam por seu grande porte e por fortes relacionamentos entre si, além de, em geral, possuírem extensa área de influência direta.

Grande metrópole nacional 1Está alocada no primeiro nível da gestão territo-rial.

Metrópole nacional 2Estes centros estão no primeiro nível da gestão territorial e constituem foco para centros localizados em todo o país.

Metrópole 9 Constituem o segundo nível da gestão territorial.

Capital regional 70

Elas se relacionam com o estrato superior da rede urbana. Possui capacidade de gestão no nível imediatamente inferior ao das metrópoles, possuem área de influência de âmbito regional, sendo referidas como destino para um conjunto de atividades por um grande número de municípios.

Capital regional A 11Possuem medianas de 955 mil habitantes e 487 relacionamentos.

Capital regional B 20Totalizam 20 cidades, com medianas de 435 mil habitantes e 406 relacionamentos.

Capital regional C 39Possuem medianas de 250 mil habitantes e 162 relacionamentos.

Centro sub-regional 169

São centros com atividades de gestão menos complexas, dominantemente entre os níveis 4 e 5 da gestão territorial; têm área de atuação mais reduzida, e seus relacionamentos com centros externos à sua própria rede dão-se, em geral, apenas com as três metrópoles nacionais.

Centro sub-regional A 85Possuem medianas de 95 mil habitantes e 112 relacionamentos.

Centro sub-regional B 79Possuem medianas de 71 mil habitantes e 71 relacionamentos.

Centro de zona 556São cidades de menor porte e com atuação restrita à sua área imediata; exercem funções de gestão elementares.

Centro de zona A 192

Possuem medianas de 45 mil habitantes e 49 relacionamentos. Predominam os níveis 5 e 6 da gestão territorial (94 e 72 cidades, respectivamente) com nove cidades no quarto nível e 16 não classificadas como centros de gestão.

Centro de zona B 364

Cidades com medianas de 23 mil habitantes e 16 relacionamentos. A maior parte, 235, não havia sido classificada como centro de gestão territorial, e outras 107 estavam no último nível daquela classificação.

Fonte: REGIC, IBGE, 2007. Org.: França, I.S., 2012.

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Montes Claros foi classificada como Capital Regional B, integrante da Rede Urbana de Belo Horizonte. As capitais regionais foram definidas pelo ibgE (rEgiC, 2007) como aquelas que exercem forte polarização na região em que se localizam, influenciando as pe-quenas e as médias cidades, bem como as áreas rurais ao seu entorno (França, 2012). Nesse estudo do ibgE (rEgiC, 2007, p. 94) Janaúba foi classificada como Centro Sub-regional B, Januária e Pirapora como Centros de Zona A, vinculados à Região de Influência de Belo Horizonte (ibgE, 2007, p.94).

O pApEL DAS CIDADES MÉDIAS NA REDE URBANA REGIONAL: A REDE URBANA NORTE MINEIRA COMO OBjETO DE ESTUDO

As cidades médias no Brasil se destacaram econômica, política e demograficamente após a década de 1970. Isso se deu por meio de políticas públicas governamentais de cunho desenvolvimentista que objetivavam a descentralização das metrópoles em direção às cidades médias e pequenas (França, 2007). Para implementar tais ações o governo federal criou o ii Pnd (Plano Nacional de Desenvolvimento) e incluso nele estava o PnCCPM (Programa Nacional de Apoio às Capitais e Cidades de Porte Médio). Este possuía incentivos fiscais para estimular a implantação de indústrias e recursos públicos para investimentos em infraestruturas nas cidades de porte médio. Diante desse contexto: “Na última década, a indústria brasileira cresceu nas cidades médias e nas franjas metro-politanas convertendo esses territórios em pólos de atração de migrações internas e inter--regionais” (Soares, 2006, p.348-49).

Assim, após a década de 1970 assistiu-se à emergência de novos centros de decisões governamentais, de produção industrial, além de pontos de convergência e geração de fluxos de pessoas, mercadorias e informações. Diante desse quadro, indaga-se qual o pa-pel das cidades médias na rede urbana brasileira? A rede urbana se estabelece a partir de centralidades e estas, por sua vez, se configuram como “nós” que conectam cada cidade à rede em que se insere, quer seja distribuindo, complementando ou recebendo os fluxos.

As cidades médias nos últimos 40 anos configuram-se como fortes e importantes centralidades em âmbito regional, assumindo o papel de conectar sua região à rede urba-na, de forma subordinada e/ou complementar.

Montes Claros é apontada em diversos estudos (Andrade e Lodder, 1979; Amorim Filho, Bueno e Abreu, 1982; Pereira e Lemos, 2004; Pereira, 2007; França, 2012, 2007, entre outros) como uma cidade média na região Norte de Minas. Ela exerce polarização e atração regional por concentrar diversas atividades econômicas e prestação de serviços, além da infraestrutura que possui. Dentre as atividades instaladas na cidade de Montes Claros que a credenciam como lócus regional, pode-se destacar o comércio diversificado de produtos (atacado e varejo) e os serviços especializados, por exemplo, a saúde, que devido ao planejamento federal e estadual tem uma amplitude regional. Os serviços de educação superior públicos e privados atraem pessoas de diversas cidades norte-mineiras, das regiões Central, Noroeste e Nordeste de Minas, além do Sul da Bahia.

Amorim Filho, Bueno e Abreu (1982, p.41-44) desenvolveram um estudo sobre a Hierarquia das Cidades Médias em Minas Gerais. A partir de 25 variáveis, definiu-se 4 níveis para as cidades médias mineiras: Grandes Centros Emergentes (Nível 1), Cidades

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Médias de Nível Superior (Nível 2), Cidades Médias Propriamente Ditas (Nível 3) e Centros Urbanos Emergentes (Nível 4).

Montes Claros foi classificada no referido estudo como Cidade Média de Nível Superior

[...] cidade que desenvolve paralelamente à indústria, dinâmicos setores de comércio e de serviços. Essa cidade além de fortalecer sua posição e sua relação de domínio regional, começa estender suas ligações a pontos situados além desse domínio. É uma cidade de estruturas bem consolidadas e cujo crescimento futuro, parece, sem dúvida, bem assegurado. (Amorim Filho, Bueno e Abreu, 1982, p.41-44).

Pirapora, Janaúba e Januária foram classificadas como centros urbanos emergentes [...] cidade que se localiza na base da pirâmide hierárquica, com tamanho demográfico inferior a 50 mil habitantes. Cidade que apresenta uma economia em fase de estruturação inicial, isto é, os setores comerciais e de serviços e industrial começam a apenas organizar-se no sentido que poderão atender não somente as populações da própria cidade ou do próprio município. Cidade que raramente dispõe de um setor industrial, uma vez que, na maioria dos centros emergentes, o predomínio setorial quase absoluto é do terciário. Cidade que possui ligações profundas e dependência do mundo rural que a envolve, servindo para os espaços rurais como uma válvula de abertura para o mundo exterior. Em termos de estruturação das redes urbanas regionais ou microrregionais, essa cidade desempenha papel muito importante. Quando já se dispõe de capitais regionais e/ou cidades médias, essa cidade aparece como um nível urbano indispensável na ligação com cidades ainda menores ou com o seu próprio espa-ço rural, quando não se dispõe, ainda de capitais regionais ou de cidades médias numerosas, então o papel dessa cidade é mais importante ainda, pois passa a funcionar como uma cidade média. (Amorim Filho, Bueno e Abreu, 1982, p.41-44).

Desse modo, Januária, Janaúba e Pirapora configuram-se como importantes centros emergentes na região Norte Mineira, possuem um setor terciário dinâmico e relevante, evidenciando assim suas centralidades na microrregião em que estão inseridas.

O estudo da rede urbana em âmbito regional enseja uma série de análises no plano de suas especificidades e escala espacial. Isso por que, quanto menor a escala estudada, maior o detalhamento e análise de variáveis, elementos necessários para o entendimento do objeto de estudo. Castelo Branco (2006, p.259), considera que para a análise da con-figuração da rede urbana na escala regional deve-se observar:

Algumas de suas características formadoras como a dinâmica populacional e econômica da área, a evolução da ocupação e também alguns fatores geográficos como a área territorial (...), o grau de fragmentação municipal, a distância de grandes centros urbanos e inserção em grandes eixos de comunicação.

Isso significa que para a análise da rede urbana norte-mineira, é necessário elucidar as características da estrutura urbana regional e dos principais centros que a compõe: Montes Claros, Pirapora, Janaúba e Januária. O Norte de Minas Gerais configura-se como uma mesorregião (Mapa 1).

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Montes Claros foi classificada como Capital Regional B, integrante da Rede Urbana de Belo Horizonte. As capitais regionais foram definidas pelo ibgE (rEgiC, 2007) como aquelas que exercem forte polarização na região em que se localizam, influenciando as pe-quenas e as médias cidades, bem como as áreas rurais ao seu entorno (França, 2012). Nesse estudo do ibgE (rEgiC, 2007, p. 94) Janaúba foi classificada como Centro Sub-regional B, Januária e Pirapora como Centros de Zona A, vinculados à Região de Influência de Belo Horizonte (ibgE, 2007, p.94).

O pApEL DAS CIDADES MÉDIAS NA REDE URBANA REGIONAL: A REDE URBANA NORTE MINEIRA COMO OBjETO DE ESTUDO

As cidades médias no Brasil se destacaram econômica, política e demograficamente após a década de 1970. Isso se deu por meio de políticas públicas governamentais de cunho desenvolvimentista que objetivavam a descentralização das metrópoles em direção às cidades médias e pequenas (França, 2007). Para implementar tais ações o governo federal criou o ii Pnd (Plano Nacional de Desenvolvimento) e incluso nele estava o PnCCPM (Programa Nacional de Apoio às Capitais e Cidades de Porte Médio). Este possuía incentivos fiscais para estimular a implantação de indústrias e recursos públicos para investimentos em infraestruturas nas cidades de porte médio. Diante desse contexto: “Na última década, a indústria brasileira cresceu nas cidades médias e nas franjas metro-politanas convertendo esses territórios em pólos de atração de migrações internas e inter--regionais” (Soares, 2006, p.348-49).

Assim, após a década de 1970 assistiu-se à emergência de novos centros de decisões governamentais, de produção industrial, além de pontos de convergência e geração de fluxos de pessoas, mercadorias e informações. Diante desse quadro, indaga-se qual o pa-pel das cidades médias na rede urbana brasileira? A rede urbana se estabelece a partir de centralidades e estas, por sua vez, se configuram como “nós” que conectam cada cidade à rede em que se insere, quer seja distribuindo, complementando ou recebendo os fluxos.

As cidades médias nos últimos 40 anos configuram-se como fortes e importantes centralidades em âmbito regional, assumindo o papel de conectar sua região à rede urba-na, de forma subordinada e/ou complementar.

Montes Claros é apontada em diversos estudos (Andrade e Lodder, 1979; Amorim Filho, Bueno e Abreu, 1982; Pereira e Lemos, 2004; Pereira, 2007; França, 2012, 2007, entre outros) como uma cidade média na região Norte de Minas. Ela exerce polarização e atração regional por concentrar diversas atividades econômicas e prestação de serviços, além da infraestrutura que possui. Dentre as atividades instaladas na cidade de Montes Claros que a credenciam como lócus regional, pode-se destacar o comércio diversificado de produtos (atacado e varejo) e os serviços especializados, por exemplo, a saúde, que devido ao planejamento federal e estadual tem uma amplitude regional. Os serviços de educação superior públicos e privados atraem pessoas de diversas cidades norte-mineiras, das regiões Central, Noroeste e Nordeste de Minas, além do Sul da Bahia.

Amorim Filho, Bueno e Abreu (1982, p.41-44) desenvolveram um estudo sobre a Hierarquia das Cidades Médias em Minas Gerais. A partir de 25 variáveis, definiu-se 4 níveis para as cidades médias mineiras: Grandes Centros Emergentes (Nível 1), Cidades

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Médias de Nível Superior (Nível 2), Cidades Médias Propriamente Ditas (Nível 3) e Centros Urbanos Emergentes (Nível 4).

Montes Claros foi classificada no referido estudo como Cidade Média de Nível Superior

[...] cidade que desenvolve paralelamente à indústria, dinâmicos setores de comércio e de serviços. Essa cidade além de fortalecer sua posição e sua relação de domínio regional, começa estender suas ligações a pontos situados além desse domínio. É uma cidade de estruturas bem consolidadas e cujo crescimento futuro, parece, sem dúvida, bem assegurado. (Amorim Filho, Bueno e Abreu, 1982, p.41-44).

Pirapora, Janaúba e Januária foram classificadas como centros urbanos emergentes [...] cidade que se localiza na base da pirâmide hierárquica, com tamanho demográfico inferior a 50 mil habitantes. Cidade que apresenta uma economia em fase de estruturação inicial, isto é, os setores comerciais e de serviços e industrial começam a apenas organizar-se no sentido que poderão atender não somente as populações da própria cidade ou do próprio município. Cidade que raramente dispõe de um setor industrial, uma vez que, na maioria dos centros emergentes, o predomínio setorial quase absoluto é do terciário. Cidade que possui ligações profundas e dependência do mundo rural que a envolve, servindo para os espaços rurais como uma válvula de abertura para o mundo exterior. Em termos de estruturação das redes urbanas regionais ou microrregionais, essa cidade desempenha papel muito importante. Quando já se dispõe de capitais regionais e/ou cidades médias, essa cidade aparece como um nível urbano indispensável na ligação com cidades ainda menores ou com o seu próprio espa-ço rural, quando não se dispõe, ainda de capitais regionais ou de cidades médias numerosas, então o papel dessa cidade é mais importante ainda, pois passa a funcionar como uma cidade média. (Amorim Filho, Bueno e Abreu, 1982, p.41-44).

Desse modo, Januária, Janaúba e Pirapora configuram-se como importantes centros emergentes na região Norte Mineira, possuem um setor terciário dinâmico e relevante, evidenciando assim suas centralidades na microrregião em que estão inseridas.

O estudo da rede urbana em âmbito regional enseja uma série de análises no plano de suas especificidades e escala espacial. Isso por que, quanto menor a escala estudada, maior o detalhamento e análise de variáveis, elementos necessários para o entendimento do objeto de estudo. Castelo Branco (2006, p.259), considera que para a análise da con-figuração da rede urbana na escala regional deve-se observar:

Algumas de suas características formadoras como a dinâmica populacional e econômica da área, a evolução da ocupação e também alguns fatores geográficos como a área territorial (...), o grau de fragmentação municipal, a distância de grandes centros urbanos e inserção em grandes eixos de comunicação.

Isso significa que para a análise da rede urbana norte-mineira, é necessário elucidar as características da estrutura urbana regional e dos principais centros que a compõe: Montes Claros, Pirapora, Janaúba e Januária. O Norte de Minas Gerais configura-se como uma mesorregião (Mapa 1).

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Mapa 1 – As mesorregiões de Minas Gerais

Fonte: Geominas, 2011. Org.: Oliveira, R.S., 2012.

Nas últimas décadas a região Norte de Minas passou por profundas transformações decorrentes da ação desenvolvimentista de órgãos governamentais. Instituições como dnoCs (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), Idene (Instituto de Desenvol-vimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais), CodEvasF (Companhia de Desenvolvi-mento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) e principalmente a Sudene (Superintendên-cia de Desenvolvimento do Nordeste) foram de fundamental importância para promover o desenvolvimento de Montes Claros e da região Norte de Minas Gerais. (Oliveira, 2010).

Mapa 2 – Norte de Minas: localização de Montes Claros e os centros emergentes

Fonte: Geominas. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

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A inserção do Norte de Minas na área mineira de atuação da Sudene em 1960 pro-moveu investimentos em infraestrutura, industrialização e modernização na agropecuária nessa região. Montes Claros, Janaúba, Januária e Pirapora, principais centros urbanos norte-mineiros foram bastante beneficiados com os recursos provenientes da Sudene. Esses centros urbanos destacam-se no contexto norte-mineiro no que se refere a seu poder de centralidade em âmbito regional e microrregional.

O Norte de Minas é formado por 89 Municípios, sendo que:

Entre os 89 municípios apenas dez possuem população urbana superior a 20.000 habitantes. So-mente Porteirinha, Brasília de Minas, Espinosa, Manga, Coração de Jesus, Espinosa, Itacarambí, Francisco Sá, Jaíba, Monte Azul e Rio Pardo de Minas possuem entre 10.000 e 20.000 habitantes na área urbana. As demais, uma maioria de 68 municípios, possuem população urbana inferior a 10.000 habitantes, sendo que Santa Cruz de Salinas, Gameleiras, Cônego Marinho, Glaucilân-dia, Miravânia e Itacambira possuem menos de 1.000 habitantes. (Pereira, 2007, p.176).

Assim, a rede urbana norte-mineira é formada predominantemente por pequenos municípios, três centros emergentes (Pirapora, Janaúba e Januária) e pela cidade média de Montes Claros.

Sobre a dinâmica das pequenas cidades norte-mineiras, “observa-se muitas carências (tanto materiais quanto imateriais), e em decorrência da necessidade de consumo de bens e serviços, leva a uma mobilidade populacional que, por sua vez, cria uma rede urbana regional” (Pereira, 2007, p. 229). Isso revela que a estruturação da rede urbana no Norte de Minas é comandada pela cidade média de Montes Claros, como cidade de maior nível hierárquico, e também pelos três centros emergentes, Pirapora, Janaúba e Januária.

MontEs Claros

O Município de Montes Claros está situado no norte do Estado de Minas Gerais, lo-caliza-se a 418 km de distância da capital mineira Belo Horizonte e possui como principal acesso a br-135. Possui uma área de 3.568,93 km² e população de 361.915 habitantes. (ibgE, Censo Demográfico 2010).

O clima é do tipo tropical semiárido, quente e seco, com período de chuvas concen-tradas entre os meses de outubro e março. A cobertura vegetal do município é classificada como Cerrado Caducifólio, cerrado Subcaducifólio, com ligeiras ocorrências de cerrado superemifólio. Em algumas áreas próximas a Montes Claros, a vegetação, não bem definida, apresenta-se como espécie de cerrado, floresta caducifólia e mesmo caatinga. (PMMC, 2011).

Montes Claros é uma das maiores economias mineiras representando o 11º lugar no ranking municipal de composição do Pib estadual, em 2010. De acordo com o ibgE Ci-dades (2013), no ano de 2010 Montes Claros apresentou PIB no valor de R$ 4,5 bilhões. Considerando o Pib por setores econômicos, no ano de 2010, destaca-se a participação do setor de serviços com 74%, enquanto os setores industrial e agropecuário responderam, respectivamente, por 24% e 3% do Pib municipal.

PiraPora

O município de Pirapora está inserido no norte de Minas Gerais. Possui uma po-pulação de 53.368 habitantes, com uma área territorial de 549, 514 km² (ibgE, 2010).

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Mapa 1 – As mesorregiões de Minas Gerais

Fonte: Geominas, 2011. Org.: Oliveira, R.S., 2012.

Nas últimas décadas a região Norte de Minas passou por profundas transformações decorrentes da ação desenvolvimentista de órgãos governamentais. Instituições como dnoCs (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), Idene (Instituto de Desenvol-vimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais), CodEvasF (Companhia de Desenvolvi-mento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) e principalmente a Sudene (Superintendên-cia de Desenvolvimento do Nordeste) foram de fundamental importância para promover o desenvolvimento de Montes Claros e da região Norte de Minas Gerais. (Oliveira, 2010).

Mapa 2 – Norte de Minas: localização de Montes Claros e os centros emergentes

Fonte: Geominas. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

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Mapa 1 – As mesorregiões de Minas Gerais

Fonte: Geominas, 2011. Org.: Oliveira, R.S., 2012.

Nas últimas décadas a região Norte de Minas passou por profundas transformações decorrentes da ação desenvolvimentista de órgãos governamentais. Instituições como dnoCs (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), Idene (Instituto de Desenvol-vimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais), CodEvasF (Companhia de Desenvolvi-mento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) e principalmente a Sudene (Superintendên-cia de Desenvolvimento do Nordeste) foram de fundamental importância para promover o desenvolvimento de Montes Claros e da região Norte de Minas Gerais. (Oliveira, 2010).

Mapa 2 – Norte de Minas: localização de Montes Claros e os centros emergentes

Fonte: Geominas. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

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Mapa 1 – As mesorregiões de Minas Gerais

Fonte: Geominas, 2011. Org.: Oliveira, R.S., 2012.

Nas últimas décadas a região Norte de Minas passou por profundas transformações decorrentes da ação desenvolvimentista de órgãos governamentais. Instituições como dnoCs (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), Idene (Instituto de Desenvol-vimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais), CodEvasF (Companhia de Desenvolvi-mento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) e principalmente a Sudene (Superintendên-cia de Desenvolvimento do Nordeste) foram de fundamental importância para promover o desenvolvimento de Montes Claros e da região Norte de Minas Gerais. (Oliveira, 2010).

Mapa 2 – Norte de Minas: localização de Montes Claros e os centros emergentes

Fonte: Geominas. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

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A inserção do Norte de Minas na área mineira de atuação da Sudene em 1960 pro-moveu investimentos em infraestrutura, industrialização e modernização na agropecuária nessa região. Montes Claros, Janaúba, Januária e Pirapora, principais centros urbanos norte-mineiros foram bastante beneficiados com os recursos provenientes da Sudene. Esses centros urbanos destacam-se no contexto norte-mineiro no que se refere a seu poder de centralidade em âmbito regional e microrregional.

O Norte de Minas é formado por 89 Municípios, sendo que:

Entre os 89 municípios apenas dez possuem população urbana superior a 20.000 habitantes. So-mente Porteirinha, Brasília de Minas, Espinosa, Manga, Coração de Jesus, Espinosa, Itacarambí, Francisco Sá, Jaíba, Monte Azul e Rio Pardo de Minas possuem entre 10.000 e 20.000 habitantes na área urbana. As demais, uma maioria de 68 municípios, possuem população urbana inferior a 10.000 habitantes, sendo que Santa Cruz de Salinas, Gameleiras, Cônego Marinho, Glaucilân-dia, Miravânia e Itacambira possuem menos de 1.000 habitantes. (Pereira, 2007, p.176).

Assim, a rede urbana norte-mineira é formada predominantemente por pequenos municípios, três centros emergentes (Pirapora, Janaúba e Januária) e pela cidade média de Montes Claros.

Sobre a dinâmica das pequenas cidades norte-mineiras, “observa-se muitas carências (tanto materiais quanto imateriais), e em decorrência da necessidade de consumo de bens e serviços, leva a uma mobilidade populacional que, por sua vez, cria uma rede urbana regional” (Pereira, 2007, p. 229). Isso revela que a estruturação da rede urbana no Norte de Minas é comandada pela cidade média de Montes Claros, como cidade de maior nível hierárquico, e também pelos três centros emergentes, Pirapora, Janaúba e Januária.

MontEs Claros

O Município de Montes Claros está situado no norte do Estado de Minas Gerais, lo-caliza-se a 418 km de distância da capital mineira Belo Horizonte e possui como principal acesso a br-135. Possui uma área de 3.568,93 km² e população de 361.915 habitantes. (ibgE, Censo Demográfico 2010).

O clima é do tipo tropical semiárido, quente e seco, com período de chuvas concen-tradas entre os meses de outubro e março. A cobertura vegetal do município é classificada como Cerrado Caducifólio, cerrado Subcaducifólio, com ligeiras ocorrências de cerrado superemifólio. Em algumas áreas próximas a Montes Claros, a vegetação, não bem definida, apresenta-se como espécie de cerrado, floresta caducifólia e mesmo caatinga. (PMMC, 2011).

Montes Claros é uma das maiores economias mineiras representando o 11º lugar no ranking municipal de composição do Pib estadual, em 2010. De acordo com o ibgE Ci-dades (2013), no ano de 2010 Montes Claros apresentou PIB no valor de R$ 4,5 bilhões. Considerando o Pib por setores econômicos, no ano de 2010, destaca-se a participação do setor de serviços com 74%, enquanto os setores industrial e agropecuário responderam, respectivamente, por 24% e 3% do Pib municipal.

PiraPora

O município de Pirapora está inserido no norte de Minas Gerais. Possui uma po-pulação de 53.368 habitantes, com uma área territorial de 549, 514 km² (ibgE, 2010).

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Mapa 1 – As mesorregiões de Minas Gerais

Fonte: Geominas, 2011. Org.: Oliveira, R.S., 2012.

Nas últimas décadas a região Norte de Minas passou por profundas transformações decorrentes da ação desenvolvimentista de órgãos governamentais. Instituições como dnoCs (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), Idene (Instituto de Desenvol-vimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais), CodEvasF (Companhia de Desenvolvi-mento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) e principalmente a Sudene (Superintendên-cia de Desenvolvimento do Nordeste) foram de fundamental importância para promover o desenvolvimento de Montes Claros e da região Norte de Minas Gerais. (Oliveira, 2010).

Mapa 2 – Norte de Minas: localização de Montes Claros e os centros emergentes

Fonte: Geominas. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

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Mapa 1 – As mesorregiões de Minas Gerais

Fonte: Geominas, 2011. Org.: Oliveira, R.S., 2012.

Nas últimas décadas a região Norte de Minas passou por profundas transformações decorrentes da ação desenvolvimentista de órgãos governamentais. Instituições como dnoCs (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), Idene (Instituto de Desenvol-vimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais), CodEvasF (Companhia de Desenvolvi-mento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) e principalmente a Sudene (Superintendên-cia de Desenvolvimento do Nordeste) foram de fundamental importância para promover o desenvolvimento de Montes Claros e da região Norte de Minas Gerais. (Oliveira, 2010).

Mapa 2 – Norte de Minas: localização de Montes Claros e os centros emergentes

Fonte: Geominas. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

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Pirapora encontra-se a 163 km de Montes Claros em sentido sudoeste e a 347 km da capital estadual Belo Horizonte, tendo como principal acesso a br-365. O município possui o maior Pib total entre os três centros emergentes norte-mineiros: R$ 980.542 (ibgE, 2010). Tem no setor de serviços sua maior potencialidade econômica, sendo que esse setor representa 53% e a indústria 44% do Pib municipal.

Janaúba

Janaúba está localizada a 137 km de Montes Claros tendo como principal acesso a BR-122 no Norte de Minas e dista 558 km de Belo Horizonte. Possui uma área de 2.181,315 km² e população de 66.803 habitantes. (ibgE, Censo Demográfico 2010). A vegetação predominante do município é a mata seca, com clima tropical, apresentando--se subúmido e semiárido com chuvas irregulares. O município tem na agricultura e na pecuária sua potencialidade econômica (ibgE 2010). Em 2010 o Pib total de Janaúba foi R$ 614.155 (ibgE, 2010). A prestação de serviços correspondeu a 76% do Pib total, seguida da agropecuária, com 13% (ibgE, 2010).

Januária

Januária está localizada a 169 km de Montes Claros em sentido noroeste e a 591 km de Belo Horizonte. De acordo com o ibgE (2010), Januária possui uma população de 65.463 habitantes distribuídos numa extensão territorial de 6.661,653 km². A vegetação nessa região é composta por cerrado, matas secas, caatinga e veredas cobertas de buritis. O clima predominante do município é o tropical, com transição para o semiárido, com precipitações escassas e predominantes no verão. Sua potencialidade econômica está embasada no ecoturismo, uma vez que a região apresenta grande diversidade de áreas naturais, como cachoeiras, rios, ‘prainhas’, dentre outros atrativos (ibgE, 2010). O município possui Pib total correspondente a R$ 457.119 (ibgE, 2010). A prestação de serviços é a principal fonte de sua economia, sendo que esse setor representa 82% do Pib total, seguido dos setores agropecuário e industrial, representando 9% do Pib municipal, cada um deles.

OS fLUxOS ENTRE OS MUNICípIOS DE MONTES CLAROS, pIRApORA, jANAúBA E jANUáRIA: A MATERIALIzAÇÃO DA REDE URBANA REGIONAL

O conceito de rede urbana refere-se a um conjunto de “nós” interconectados, sen-do que a rede urbana é sustentada por esses nós de articulação, que são representados pelas cidades e suas centralidades. A materialização da rede urbana se dá pelos fluxos que estabelecem entre os “nós” de articulação da rede, ou seja, os centros urbanos. Esses fluxos são viabilizados pelas estruturas fixas, uma vez que “os fixos são os próprios ins-trumentos de trabalho e as forças produtivas em geral, incluindo a massa dos homens”. (Santos, 1996, p.77).

Fazendo referência aos fluxos no interior das redes urbanas, Souza (1995, p. 93) afirma que:

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Na rede, o que há é, em termos abstratos e para efeito de representação gráfica, um conjunto de pontos — os nós — conectados entre si por segmentos — arcos — que correspondem aos fluxos que interligam os nós — fluxos de bens, pessoas ou informações — sendo que os arcos podem ainda indicar elementos infraestruturais presentes no substrato espacial — p. ex., estradas — que viabilizam fisicamente os deslocamentos dos fluxos.

Então, percebe-se que a identificação dos fluxos, seu grau de intensidade, sua natu-reza, são elementos necessários para a análise de uma rede urbana. Para Santos (1988), a análise dos fluxos entre as cidades às vezes é difícil em função da ausência de dados. Contudo, o autor considera que o estudo dos fixos nos permite uma abordagem palpável, através dos objetos localizados, como agências de correios e bancárias, redes de ensino, hospitais, dentre outras. Considera-se ainda que cada fixo corresponda à tipologia do fluxo, portanto, a análise dos fixos indica pontos de partida para a análise da rede urbana.

Nesse sentido, para a compreensão da rede urbana norte-mineira é fundamental a análise de estruturas fixas presentes nos municípios que permitem a realização das trocas entre Montes Claros e os centros emergentes, objeto deste estudo, ou seja, Pirapora, Ja-naúba e Januária.

No estudo das redes urbanas, a infraestrutura de transportes é um fator primordial se partirmos do pressuposto de que os meios de transporte possibilitam as trocas materiais entre os municípios. Nesse sentido, abordaremos a infraestrutura de transporte no Norte de Minas, tendo como enfoque os municípios de estudo. O mapa 3 apresenta a malha rodoviária do Norte de Minas, destacando os municípios de análise deste trabalho.

Mapa 3 – Norte de Minas: mapa rodoviário

Fonte: CBHSF, 2012. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

A partir da análise do mapa 3 observa-se que a Região Norte de Minas é bem servida de rodovias, notadamente, Montes Claros que é classificada pelo Plano Rodoviário Na-cional como o segundo maior entroncamento rodoviário do país. O município é cortado pelas rodovias br 135, br 365 e br 251; Mg 308 e Mg 122. Também os centros emer-

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Na rede, o que há é, em termos abstratos e para efeito de representação gráfica, um conjunto de pontos — os nós — conectados entre si por segmentos — arcos — que correspondem aos fluxos que interligam os nós — fluxos de bens, pessoas ou informações — sendo que os arcos podem ainda indicar elementos infraestruturais presentes no substrato espacial — p. ex., estradas — que viabilizam fisicamente os deslocamentos dos fluxos.

Então, percebe-se que a identificação dos fluxos, seu grau de intensidade, sua natu-reza, são elementos necessários para a análise de uma rede urbana. Para Santos (1988), a análise dos fluxos entre as cidades às vezes é difícil em função da ausência de dados. Contudo, o autor considera que o estudo dos fixos nos permite uma abordagem palpável, através dos objetos localizados, como agências de correios e bancárias, redes de ensino, hospitais, dentre outras. Considera-se ainda que cada fixo corresponda à tipologia do fluxo, portanto, a análise dos fixos indica pontos de partida para a análise da rede urbana.

Nesse sentido, para a compreensão da rede urbana norte-mineira é fundamental a análise de estruturas fixas presentes nos municípios que permitem a realização das trocas entre Montes Claros e os centros emergentes, objeto deste estudo, ou seja, Pirapora, Ja-naúba e Januária.

No estudo das redes urbanas, a infraestrutura de transportes é um fator primordial se partirmos do pressuposto de que os meios de transporte possibilitam as trocas materiais entre os municípios. Nesse sentido, abordaremos a infraestrutura de transporte no Norte de Minas, tendo como enfoque os municípios de estudo. O mapa 3 apresenta a malha rodoviária do Norte de Minas, destacando os municípios de análise deste trabalho.

Mapa 3 – Norte de Minas: mapa rodoviário

Fonte: CBHSF, 2012. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

A partir da análise do mapa 3 observa-se que a Região Norte de Minas é bem servida de rodovias, notadamente, Montes Claros que é classificada pelo Plano Rodoviário Na-cional como o segundo maior entroncamento rodoviário do país. O município é cortado pelas rodovias br 135, br 365 e br 251; Mg 308 e Mg 122. Também os centros emer-

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Pirapora encontra-se a 163 km de Montes Claros em sentido sudoeste e a 347 km da capital estadual Belo Horizonte, tendo como principal acesso a br-365. O município possui o maior Pib total entre os três centros emergentes norte-mineiros: R$ 980.542 (ibgE, 2010). Tem no setor de serviços sua maior potencialidade econômica, sendo que esse setor representa 53% e a indústria 44% do Pib municipal.

Janaúba

Janaúba está localizada a 137 km de Montes Claros tendo como principal acesso a BR-122 no Norte de Minas e dista 558 km de Belo Horizonte. Possui uma área de 2.181,315 km² e população de 66.803 habitantes. (ibgE, Censo Demográfico 2010). A vegetação predominante do município é a mata seca, com clima tropical, apresentando--se subúmido e semiárido com chuvas irregulares. O município tem na agricultura e na pecuária sua potencialidade econômica (ibgE 2010). Em 2010 o Pib total de Janaúba foi R$ 614.155 (ibgE, 2010). A prestação de serviços correspondeu a 76% do Pib total, seguida da agropecuária, com 13% (ibgE, 2010).

Januária

Januária está localizada a 169 km de Montes Claros em sentido noroeste e a 591 km de Belo Horizonte. De acordo com o ibgE (2010), Januária possui uma população de 65.463 habitantes distribuídos numa extensão territorial de 6.661,653 km². A vegetação nessa região é composta por cerrado, matas secas, caatinga e veredas cobertas de buritis. O clima predominante do município é o tropical, com transição para o semiárido, com precipitações escassas e predominantes no verão. Sua potencialidade econômica está embasada no ecoturismo, uma vez que a região apresenta grande diversidade de áreas naturais, como cachoeiras, rios, ‘prainhas’, dentre outros atrativos (ibgE, 2010). O município possui Pib total correspondente a R$ 457.119 (ibgE, 2010). A prestação de serviços é a principal fonte de sua economia, sendo que esse setor representa 82% do Pib total, seguido dos setores agropecuário e industrial, representando 9% do Pib municipal, cada um deles.

OS fLUxOS ENTRE OS MUNICípIOS DE MONTES CLAROS, pIRApORA, jANAúBA E jANUáRIA: A MATERIALIzAÇÃO DA REDE URBANA REGIONAL

O conceito de rede urbana refere-se a um conjunto de “nós” interconectados, sen-do que a rede urbana é sustentada por esses nós de articulação, que são representados pelas cidades e suas centralidades. A materialização da rede urbana se dá pelos fluxos que estabelecem entre os “nós” de articulação da rede, ou seja, os centros urbanos. Esses fluxos são viabilizados pelas estruturas fixas, uma vez que “os fixos são os próprios ins-trumentos de trabalho e as forças produtivas em geral, incluindo a massa dos homens”. (Santos, 1996, p.77).

Fazendo referência aos fluxos no interior das redes urbanas, Souza (1995, p. 93) afirma que:

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Na rede, o que há é, em termos abstratos e para efeito de representação gráfica, um conjunto de pontos — os nós — conectados entre si por segmentos — arcos — que correspondem aos fluxos que interligam os nós — fluxos de bens, pessoas ou informações — sendo que os arcos podem ainda indicar elementos infraestruturais presentes no substrato espacial — p. ex., estradas — que viabilizam fisicamente os deslocamentos dos fluxos.

Então, percebe-se que a identificação dos fluxos, seu grau de intensidade, sua natu-reza, são elementos necessários para a análise de uma rede urbana. Para Santos (1988), a análise dos fluxos entre as cidades às vezes é difícil em função da ausência de dados. Contudo, o autor considera que o estudo dos fixos nos permite uma abordagem palpável, através dos objetos localizados, como agências de correios e bancárias, redes de ensino, hospitais, dentre outras. Considera-se ainda que cada fixo corresponda à tipologia do fluxo, portanto, a análise dos fixos indica pontos de partida para a análise da rede urbana.

Nesse sentido, para a compreensão da rede urbana norte-mineira é fundamental a análise de estruturas fixas presentes nos municípios que permitem a realização das trocas entre Montes Claros e os centros emergentes, objeto deste estudo, ou seja, Pirapora, Ja-naúba e Januária.

No estudo das redes urbanas, a infraestrutura de transportes é um fator primordial se partirmos do pressuposto de que os meios de transporte possibilitam as trocas materiais entre os municípios. Nesse sentido, abordaremos a infraestrutura de transporte no Norte de Minas, tendo como enfoque os municípios de estudo. O mapa 3 apresenta a malha rodoviária do Norte de Minas, destacando os municípios de análise deste trabalho.

Mapa 3 – Norte de Minas: mapa rodoviário

Fonte: CBHSF, 2012. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

A partir da análise do mapa 3 observa-se que a Região Norte de Minas é bem servida de rodovias, notadamente, Montes Claros que é classificada pelo Plano Rodoviário Na-cional como o segundo maior entroncamento rodoviário do país. O município é cortado pelas rodovias br 135, br 365 e br 251; Mg 308 e Mg 122. Também os centros emer-

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Na rede, o que há é, em termos abstratos e para efeito de representação gráfica, um conjunto de pontos — os nós — conectados entre si por segmentos — arcos — que correspondem aos fluxos que interligam os nós — fluxos de bens, pessoas ou informações — sendo que os arcos podem ainda indicar elementos infraestruturais presentes no substrato espacial — p. ex., estradas — que viabilizam fisicamente os deslocamentos dos fluxos.

Então, percebe-se que a identificação dos fluxos, seu grau de intensidade, sua natu-reza, são elementos necessários para a análise de uma rede urbana. Para Santos (1988), a análise dos fluxos entre as cidades às vezes é difícil em função da ausência de dados. Contudo, o autor considera que o estudo dos fixos nos permite uma abordagem palpável, através dos objetos localizados, como agências de correios e bancárias, redes de ensino, hospitais, dentre outras. Considera-se ainda que cada fixo corresponda à tipologia do fluxo, portanto, a análise dos fixos indica pontos de partida para a análise da rede urbana.

Nesse sentido, para a compreensão da rede urbana norte-mineira é fundamental a análise de estruturas fixas presentes nos municípios que permitem a realização das trocas entre Montes Claros e os centros emergentes, objeto deste estudo, ou seja, Pirapora, Ja-naúba e Januária.

No estudo das redes urbanas, a infraestrutura de transportes é um fator primordial se partirmos do pressuposto de que os meios de transporte possibilitam as trocas materiais entre os municípios. Nesse sentido, abordaremos a infraestrutura de transporte no Norte de Minas, tendo como enfoque os municípios de estudo. O mapa 3 apresenta a malha rodoviária do Norte de Minas, destacando os municípios de análise deste trabalho.

Mapa 3 – Norte de Minas: mapa rodoviário

Fonte: CBHSF, 2012. Org.: Oliveira, R.S., 2011.

A partir da análise do mapa 3 observa-se que a Região Norte de Minas é bem servida de rodovias, notadamente, Montes Claros que é classificada pelo Plano Rodoviário Na-cional como o segundo maior entroncamento rodoviário do país. O município é cortado pelas rodovias br 135, br 365 e br 251; Mg 308 e Mg 122. Também os centros emer-

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gentes são entroncamentos rodoviários: Pirapora é cortada pelas rodovias br 365 e br 469; Janaúba é cortada pelas rodovias Mg 122, Mg 401 e Mg 202, e Januária é servida pela br 135 e pelas rodovias Mg 161, Mg 135 e Mg 479. Verifica-se ainda, através do mapa 3, que Janaúba, Januária e Pirapora possuem rodovias que as ligam a Montes Claros e a outros municípios que compõem suas hinterlândias, denotando suas centralidades microrregionais.

Montes Claros é servida também pelo transporte aéreo, através do Aeroporto Mario Ribeiro, operando com voos diários que a conecta às demais regiões do Brasil. Sobre as redes de ligações aéreas, conforme o estudo rEgiC (ibgE, 2007, p. 161), “o transporte aéreo coloca Montes Claros como um importante pólo regional nesse setor”, pois a cen-tralidade desse serviço faz com que indivíduos se desloquem de outros municípios para Montes Claros para usufruir desse transporte. (França, 2012).

Figura 1 – Brasil: Conexões aéreas, 2004.

Fonte: REGIC, 2007. Org.: França, I. S.; 2012.

Montes Claros possui elevada importância regional ao encabeçar a rede de conexões aéreas no Norte de Minas. O aeroporto dessa cidade atende a população norte-mineira pois é o único da região, de forma que todas as pessoas que utilizam esse tipo de trans-porte dependem de Montes Claros, remetendo novamente à sua centralidade no setor de transporte aéreo. (França, 2012).

A população atendida pelo aeroporto de Montes Claros é composta, sobretudo, por empresários, médicos, políticos, professores e estudantes que utilizam esse transporte para se deslocar com maior facilidade em um curto espaço de tempo para os grandes e médios

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centros urbanos do país. Com isso, Montes Claros polariza o atendimento ou a demanda de consumo de transporte aéreo. (França, 2012).

Nesse sentido, o acesso a Montes Claros pelos municípios norte-mineiros, bem como para outros estados e regiões do país, é facilitado pela infraestrutura dos meios de trans-portes o que contribui com o movimento populacional constante entre os municípios. A infraestrutura das estradas e os meios de transportes oferecidos à população fazem com que as mobilidades populacionais aumentem no território. (França, 2012).

Dessa forma, a infraestrutura de transporte rodoviário e aéreo instalada nos mu-nicípios além de os conectarem entre si, os conectam a outros centros da rede urbana brasileira.

A centralidade urbana é considerada por muitos autores como relevante referencial metodológico para caracterização das cidades integrantes das redes urbanas. Nesse sentido, a centralidade dos núcleos urbanos decorre do oferecimento e da distribuição de bens e serviços para a população. (Christaller, 1966).

Portanto, a busca de bens e serviços pelas populações gera os fluxos que permeiam a rede e a configura como espacialidade urbana. Assim, os municípios integrantes de uma rede urbana buscam bens e serviços entre si, por sua vez, o município mais especializado adquire maior centralidade na rede. No Norte de Minas Gerais, Montes Claros é o muni-cípio com maior centralidade em relação aos demais municípios.

A população entrevistada1 nesta pesquisa foi indagada sobre quais os motivos para o deslocamento a Montes Claros (Quadro 2).

Quadro 2 – Motivos do deslocamento da população dos centros emergentes para Montes Claros/MG, 2010.

Janaúba Januária Pirapora

Motivação Motivação Motivação

Melhor infraestrutura 31,8% Melhor infraestrutura 15,6% Proximidade 46%

Proximidade 27,3%Maior diversidade de comércio e serviços

6,3% Infraestrutura 42%

Por atender todas as necessida-des de consumo 13,6%

Infraestrutura insuficiente na cidade de origem

6,3% Serviços de Saúde 6%

Maior diversidade de comércio e serviços

9,1% Serviços de saúde 6,3%

Família 6%

Falta de infraestrutura na cida-de de origem

4,5%Preços mais acessíveis 3%

Não responderam 62,5%Preço acessível 2,3%

Família 2,3%

Nenhum motivo9,1%

Fonte: Pesquisa Empírica, 2010. Org.: FRANÇA, I. S., 2012.

Os principais motivos de deslocamento da população residente em Janaúba, Janu-ária e Pirapora para Montes Claros referem-se à proximidade geográfica, à qualidade da

1 Para a população dos cen-tros emergentes (Januária, Janaúba e Pirapora), no ano de 2010, foram realizados, respectivamente, 37, 43 e 50 roteiros.

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gentes são entroncamentos rodoviários: Pirapora é cortada pelas rodovias br 365 e br 469; Janaúba é cortada pelas rodovias Mg 122, Mg 401 e Mg 202, e Januária é servida pela br 135 e pelas rodovias Mg 161, Mg 135 e Mg 479. Verifica-se ainda, através do mapa 3, que Janaúba, Januária e Pirapora possuem rodovias que as ligam a Montes Claros e a outros municípios que compõem suas hinterlândias, denotando suas centralidades microrregionais.

Montes Claros é servida também pelo transporte aéreo, através do Aeroporto Mario Ribeiro, operando com voos diários que a conecta às demais regiões do Brasil. Sobre as redes de ligações aéreas, conforme o estudo rEgiC (ibgE, 2007, p. 161), “o transporte aéreo coloca Montes Claros como um importante pólo regional nesse setor”, pois a cen-tralidade desse serviço faz com que indivíduos se desloquem de outros municípios para Montes Claros para usufruir desse transporte. (França, 2012).

Figura 1 – Brasil: Conexões aéreas, 2004.

Fonte: REGIC, 2007. Org.: França, I. S.; 2012.

Montes Claros possui elevada importância regional ao encabeçar a rede de conexões aéreas no Norte de Minas. O aeroporto dessa cidade atende a população norte-mineira pois é o único da região, de forma que todas as pessoas que utilizam esse tipo de trans-porte dependem de Montes Claros, remetendo novamente à sua centralidade no setor de transporte aéreo. (França, 2012).

A população atendida pelo aeroporto de Montes Claros é composta, sobretudo, por empresários, médicos, políticos, professores e estudantes que utilizam esse transporte para se deslocar com maior facilidade em um curto espaço de tempo para os grandes e médios

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gentes são entroncamentos rodoviários: Pirapora é cortada pelas rodovias br 365 e br 469; Janaúba é cortada pelas rodovias Mg 122, Mg 401 e Mg 202, e Januária é servida pela br 135 e pelas rodovias Mg 161, Mg 135 e Mg 479. Verifica-se ainda, através do mapa 3, que Janaúba, Januária e Pirapora possuem rodovias que as ligam a Montes Claros e a outros municípios que compõem suas hinterlândias, denotando suas centralidades microrregionais.

Montes Claros é servida também pelo transporte aéreo, através do Aeroporto Mario Ribeiro, operando com voos diários que a conecta às demais regiões do Brasil. Sobre as redes de ligações aéreas, conforme o estudo rEgiC (ibgE, 2007, p. 161), “o transporte aéreo coloca Montes Claros como um importante pólo regional nesse setor”, pois a cen-tralidade desse serviço faz com que indivíduos se desloquem de outros municípios para Montes Claros para usufruir desse transporte. (França, 2012).

Figura 1 – Brasil: Conexões aéreas, 2004.

Fonte: REGIC, 2007. Org.: França, I. S.; 2012.

Montes Claros possui elevada importância regional ao encabeçar a rede de conexões aéreas no Norte de Minas. O aeroporto dessa cidade atende a população norte-mineira pois é o único da região, de forma que todas as pessoas que utilizam esse tipo de trans-porte dependem de Montes Claros, remetendo novamente à sua centralidade no setor de transporte aéreo. (França, 2012).

A população atendida pelo aeroporto de Montes Claros é composta, sobretudo, por empresários, médicos, políticos, professores e estudantes que utilizam esse transporte para se deslocar com maior facilidade em um curto espaço de tempo para os grandes e médios

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centros urbanos do país. Com isso, Montes Claros polariza o atendimento ou a demanda de consumo de transporte aéreo. (França, 2012).

Nesse sentido, o acesso a Montes Claros pelos municípios norte-mineiros, bem como para outros estados e regiões do país, é facilitado pela infraestrutura dos meios de trans-portes o que contribui com o movimento populacional constante entre os municípios. A infraestrutura das estradas e os meios de transportes oferecidos à população fazem com que as mobilidades populacionais aumentem no território. (França, 2012).

Dessa forma, a infraestrutura de transporte rodoviário e aéreo instalada nos mu-nicípios além de os conectarem entre si, os conectam a outros centros da rede urbana brasileira.

A centralidade urbana é considerada por muitos autores como relevante referencial metodológico para caracterização das cidades integrantes das redes urbanas. Nesse sentido, a centralidade dos núcleos urbanos decorre do oferecimento e da distribuição de bens e serviços para a população. (Christaller, 1966).

Portanto, a busca de bens e serviços pelas populações gera os fluxos que permeiam a rede e a configura como espacialidade urbana. Assim, os municípios integrantes de uma rede urbana buscam bens e serviços entre si, por sua vez, o município mais especializado adquire maior centralidade na rede. No Norte de Minas Gerais, Montes Claros é o muni-cípio com maior centralidade em relação aos demais municípios.

A população entrevistada1 nesta pesquisa foi indagada sobre quais os motivos para o deslocamento a Montes Claros (Quadro 2).

Quadro 2 – Motivos do deslocamento da população dos centros emergentes para Montes Claros/MG, 2010.

Janaúba Januária Pirapora

Motivação Motivação Motivação

Melhor infraestrutura 31,8% Melhor infraestrutura 15,6% Proximidade 46%

Proximidade 27,3%Maior diversidade de comércio e serviços

6,3% Infraestrutura 42%

Por atender todas as necessida-des de consumo 13,6%

Infraestrutura insuficiente na cidade de origem

6,3% Serviços de Saúde 6%

Maior diversidade de comércio e serviços

9,1% Serviços de saúde 6,3%

Família 6%

Falta de infraestrutura na cida-de de origem

4,5%Preços mais acessíveis 3%

Não responderam 62,5%Preço acessível 2,3%

Família 2,3%

Nenhum motivo9,1%

Fonte: Pesquisa Empírica, 2010. Org.: FRANÇA, I. S., 2012.

Os principais motivos de deslocamento da população residente em Janaúba, Janu-ária e Pirapora para Montes Claros referem-se à proximidade geográfica, à qualidade da

1 Para a população dos cen-tros emergentes (Januária, Janaúba e Pirapora), no ano de 2010, foram realizados, respectivamente, 37, 43 e 50 roteiros.

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gentes são entroncamentos rodoviários: Pirapora é cortada pelas rodovias br 365 e br 469; Janaúba é cortada pelas rodovias Mg 122, Mg 401 e Mg 202, e Januária é servida pela br 135 e pelas rodovias Mg 161, Mg 135 e Mg 479. Verifica-se ainda, através do mapa 3, que Janaúba, Januária e Pirapora possuem rodovias que as ligam a Montes Claros e a outros municípios que compõem suas hinterlândias, denotando suas centralidades microrregionais.

Montes Claros é servida também pelo transporte aéreo, através do Aeroporto Mario Ribeiro, operando com voos diários que a conecta às demais regiões do Brasil. Sobre as redes de ligações aéreas, conforme o estudo rEgiC (ibgE, 2007, p. 161), “o transporte aéreo coloca Montes Claros como um importante pólo regional nesse setor”, pois a cen-tralidade desse serviço faz com que indivíduos se desloquem de outros municípios para Montes Claros para usufruir desse transporte. (França, 2012).

Figura 1 – Brasil: Conexões aéreas, 2004.

Fonte: REGIC, 2007. Org.: França, I. S.; 2012.

Montes Claros possui elevada importância regional ao encabeçar a rede de conexões aéreas no Norte de Minas. O aeroporto dessa cidade atende a população norte-mineira pois é o único da região, de forma que todas as pessoas que utilizam esse tipo de trans-porte dependem de Montes Claros, remetendo novamente à sua centralidade no setor de transporte aéreo. (França, 2012).

A população atendida pelo aeroporto de Montes Claros é composta, sobretudo, por empresários, médicos, políticos, professores e estudantes que utilizam esse transporte para se deslocar com maior facilidade em um curto espaço de tempo para os grandes e médios

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As cidades são diferentes umas das outras em sua forma e conteúdo, em alguns casos, recebem a conotação de localidades centrais em escala regional. A partir da existência de articulações entre os espaços urbanos, tem-se a constituição de redes urbanas nas mais diversas escalas, as quais se concretizaram em um processo de urbanização difusa que in-teriorizou o fenômeno urbano em direção a extensos espaços geográficos articulados por cidades médias e metrópoles em formação (Matos, 2005).

Nessa conjuntura, a cidade média de Montes Claros localizada na região Norte de Minas Gerais exerce um papel singular na rede urbana regional. Essa cidade média e os centros emergentes de Januária, Pirapora e Janaúba se materializam como fortes centra-lidades no Norte de Minas Gerais. Os resultados obtidos neste estudo demonstraram as interações espaciais e econômicas entre a cidade média de Montes Claros e os centros emergentes de Janaúba, Pirapora e Januária, configurando a rede urbana regional. Montes Claros é a principal referência em comércio e serviços especializados e diversificados no Norte de Minas. Os meios de transporte rodoviário, ferroviário e aéreo no Norte de Minas são eixos articuladores da rede urbana regional.

As interações espaciais entre esses centros urbanos são intensas e complexas, ao passo de gerar uma complementaridade funcional onde Montes Claros é o núcleo com funções mais especializadas e diversificadas, articulando-se espacialmente com os demais municí-pios do Norte de Minas Gerais.

Visando compreender a interrelação existente entre Montes Claros e os municípios de Janaúba, Januária e Pirapora realizou-se pesquisa de campo nos referidos municípios com entrevistas à população. Uma questão dirigida aos entrevistados refere-se a em qual cidade consomem comércio e serviços especializados. Verificou-se que a maior parte da população entrevistada nos municípios de Janaúba, Januária e Pirapora apontou Montes Claros como a primeira cidade onde procuram comércio e serviços especializados não existentes ou insuficientes em seus municípios de origem. Essa procura é motivada, prin-cipalmente, pela proximidade geográfica entre esses municipios, variedade dos serviços e comércio, além da infraestrutura apresentada por Montes Claros.

Nessa perspectiva, os setores de comércio e serviços são os maiores geradores de fluxos e fixos em Montes Claros. Nota-se uma dependência das populações de cidades vizinhas, em relação aos serviços oferecidos por Montes Claros que oferecem diversidade e especialização funcional. Isso aumenta a importância de Montes Claros no âmbito re-gional, definindo seu papel como centro regional no Norte de Minas, gerando na região Norte de Minas fluxos de capitais, mercadorias, produtos, informação e pessoas.

REfERÊNCIAS BIBLIOGRáfICAS

AMORIM FILHO, O. B.; BUENO, M. E. T.; ABREU, J. F. “Cidades de porte médio e o programa de ações sócio-educativo-culturais para as populações carentes do meio urbano em Minas Gerais”. Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro SP, v. 2, n. 23-24, p.33-46, 1982.ANDRADE, T. A.; LODDER, C. A. Sistema urbano e cidades médias no Brasil. IPEA. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1979.CASTELO BRANCO, M. L. “Cidades médias no Brasil”. In: SPÓSITO, E. S.; SPÓ-SITO, M. E. B.; SOBARZO, O. (Org.). Cidades médias: produção do espaço urbano e regional. São Paulo/SP: Expressão Popular, 2006. 375p. p. 245-277.

Iara Soares de França é geógrafa; Doutora em Ge-ografia pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU; Professora do Departamento de Geociências da Univer-sidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. E-mail: [email protected]

Beatriz Ribeiro Soares é geógrafa; Doutora em Ge-ografia Humana pela Uni-versidade de São Paulo; Professora do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia – UFU. E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em dezem-bro de 2012 e aprovado para publicação em março de 2013.

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As cidades são diferentes umas das outras em sua forma e conteúdo, em alguns casos, recebem a conotação de localidades centrais em escala regional. A partir da existência de articulações entre os espaços urbanos, tem-se a constituição de redes urbanas nas mais diversas escalas, as quais se concretizaram em um processo de urbanização difusa que in-teriorizou o fenômeno urbano em direção a extensos espaços geográficos articulados por cidades médias e metrópoles em formação (Matos, 2005).

Nessa conjuntura, a cidade média de Montes Claros localizada na região Norte de Minas Gerais exerce um papel singular na rede urbana regional. Essa cidade média e os centros emergentes de Januária, Pirapora e Janaúba se materializam como fortes centra-lidades no Norte de Minas Gerais. Os resultados obtidos neste estudo demonstraram as interações espaciais e econômicas entre a cidade média de Montes Claros e os centros emergentes de Janaúba, Pirapora e Januária, configurando a rede urbana regional. Montes Claros é a principal referência em comércio e serviços especializados e diversificados no Norte de Minas. Os meios de transporte rodoviário, ferroviário e aéreo no Norte de Minas são eixos articuladores da rede urbana regional.

As interações espaciais entre esses centros urbanos são intensas e complexas, ao passo de gerar uma complementaridade funcional onde Montes Claros é o núcleo com funções mais especializadas e diversificadas, articulando-se espacialmente com os demais municí-pios do Norte de Minas Gerais.

Visando compreender a interrelação existente entre Montes Claros e os municípios de Janaúba, Januária e Pirapora realizou-se pesquisa de campo nos referidos municípios com entrevistas à população. Uma questão dirigida aos entrevistados refere-se a em qual cidade consomem comércio e serviços especializados. Verificou-se que a maior parte da população entrevistada nos municípios de Janaúba, Januária e Pirapora apontou Montes Claros como a primeira cidade onde procuram comércio e serviços especializados não existentes ou insuficientes em seus municípios de origem. Essa procura é motivada, prin-cipalmente, pela proximidade geográfica entre esses municipios, variedade dos serviços e comércio, além da infraestrutura apresentada por Montes Claros.

Nessa perspectiva, os setores de comércio e serviços são os maiores geradores de fluxos e fixos em Montes Claros. Nota-se uma dependência das populações de cidades vizinhas, em relação aos serviços oferecidos por Montes Claros que oferecem diversidade e especialização funcional. Isso aumenta a importância de Montes Claros no âmbito re-gional, definindo seu papel como centro regional no Norte de Minas, gerando na região Norte de Minas fluxos de capitais, mercadorias, produtos, informação e pessoas.

REfERÊNCIAS BIBLIOGRáfICAS

AMORIM FILHO, O. B.; BUENO, M. E. T.; ABREU, J. F. “Cidades de porte médio e o programa de ações sócio-educativo-culturais para as populações carentes do meio urbano em Minas Gerais”. Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro SP, v. 2, n. 23-24, p.33-46, 1982.ANDRADE, T. A.; LODDER, C. A. Sistema urbano e cidades médias no Brasil. IPEA. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1979.CASTELO BRANCO, M. L. “Cidades médias no Brasil”. In: SPÓSITO, E. S.; SPÓ-SITO, M. E. B.; SOBARZO, O. (Org.). Cidades médias: produção do espaço urbano e regional. São Paulo/SP: Expressão Popular, 2006. 375p. p. 245-277.

Iara Soares de França é geógrafa; Doutora em Ge-ografia pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU; Professora do Departamento de Geociências da Univer-sidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. E-mail: [email protected]

Beatriz Ribeiro Soares é geógrafa; Doutora em Ge-ografia Humana pela Uni-versidade de São Paulo; Professora do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia – UFU. E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em dezem-bro de 2012 e aprovado para publicação em março de 2013.

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Coletânea de informações sobre o município de Montes Claros. Disponível em: <http://www.montesclaros.mg.gov.br/desenvolvimento%20economico/div_ind-com/pdf/Dados%20Gerais%20da%20cidade%20de%20Montes%20Claros.pdf>. Acesso em 21/02/2012. CORRÊA, R. L. “Rede urbana: reflexões, hipóteses e questionamentos sobre um tema negligenciado”. In: Cidades, v.1, n.1, Presidente Prudente, Grupo de Estudos Urbanos, p.65, 2004.CHRISTALLER, W. Central places in Southern Germany. Englewood Cliffs, N.J.: Pren-tice-Hall, 1966. 230 p.DAVIDOVICH, F. R. “Considerações sobre a urbanização no Brasil”. In CHRISTOFO-LETTI, A. et al (Org). Geografia e meio ambiente no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1995. 135p. p.79-96.FRANÇA, I. S. Cidade média e suas centralidades: o exemplo de Montes Claros no Norte de Minas Gerais. 256 f. Dissertação (Mestrado em Geografia e Gestão do Território) – Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia/ Uberlândia, 2007.FRANÇA, I. S. Aglomeração urbana descontínua de Montes Claros: novas configurações socioespaciais. 393f. Tese (Doutorado em Geografia e Gestão do Território) – Pós Gradu-ação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia/ Uberlândia, 2012.GOMES, F. S. Discursos contemporâneos sobre Montes Claros: (re) estruturação urbana e novas articulações urbano-regionais. 181 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Ur-banismo) – Escola de Arquitetura da UFMG/Belo Horizonte, 2007.OLIVEIRA, R. S. Análise espacial e temporal do processo de verticalização em cidades médias – estudo de caso de Montes Claros/ MG no pós década de 1980 até a atual. In: Fórum de Ensino, Pesquisa, Extensão e Gestão da Unimontes, IV., 2010. Montes Cla-ros/MG. Anais... Disponível em: <http://www.fepeg.unimontes.br/index.php/eventos/forum2010/paper/view/229/201>. Acesso em 21/02/2012.PONTES, B. M. S. “As mudanças no processo produtivo capitalista e suas repercussões nas cidades médias nordestinas”. In: SPOSITO, E. S.; SPOSITO, M. E. B.; SOBARZO, O. (org.). Cidades médias: produção do espaço urbano regional. São Paulo: Expressão Popular, 2006, 375p. p. 327-346.PEREIRA, F. M.; LEMOS, M.B. “Cidades médias: uma visão nacional e regional”. Se-minário sobre Economia Mineira, XI., Diamantina, 24 a 27 de agosto de 2004. Anais... Disponível em http:\\.www.cedeplar.ufmg.br.PEREIRA, A. M. Cidade média e região: o significado de Montes Claros no Norte de Mi-nas Gerais. 351f. Tese (Doutorado em Geografia e Gestão do Território) – Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia/ Uberlândia, 2007.Região de Influência das Cidades – REGIC. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/regio-es_de_influencia_das_cidades/regic.zip>.SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo: HUCITEC, 1994, 156 p. SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado, fundamentos teórico e metodológico da geografia. São Paulo: HUCITEC, 1988. 28 p.SOARES, P. R. “Cidades médias e aglomerações urbanas: a nova organização do espaço regional no sul do Brasil”. In: SPOSITO, E. S.; SPOSITO, M. E. B.; SOBARZO, O. (org.). Cidades médias: produção do espaço urbano regional. São Paulo: Expressão Popu-lar, 2006, 375p. p.347-364.SOUZA, M. L. “O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento”. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C; CORRÊA, R. L. Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p.77- 116.

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SPOSITO, M. E. B. “Loteamentos fechados em cidades médias paulistas – Brasil”. In: SPOSITO, E. S.; SPOSITO, M. E. B.; SOBARZO, O. (Org.). Cidades médias: produção do espaço urbano regional. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 376p. p. 175-196.

SITES CONSULTADOS

http:\www.almg.gov.brhttp:\www.fjp.gov.brhttp:\www.ibge.gov.brhttp:\www.ipea.gov.brhttp:\www.montesclaros.mg.gov.br

a b s t r a C t In recent years, Brazil has been undergoing profound transformations in the urban setting. Thus, the Brazilian urban network is materialized through the aspects of consolidation and spatialization of activities developed in the country. The role of medium cities in that urban structure must be considered highlighting the functions they play in national scope. Therefore, this study analyzed the role played by the medium city of Montes Claros and the spatial and economic interactions established with the emerging centers of Janaúba, Januária and Pirapora in the current north of Minas urban network. In order to collect data, Januária, Janaúba and Pirapora populations were interviewed in 2010, in addition to iconographic records, maps, tables and graphs to comprehend the spatial interactions between cities and, thereby, the regional urban network setting.

K E y w o r d s Urban network; North of Minas; centrality; flow; spatial and eco-nomic interactions.

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Coletânea de informações sobre o município de Montes Claros. Disponível em: <http://www.montesclaros.mg.gov.br/desenvolvimento%20economico/div_ind-com/pdf/Dados%20Gerais%20da%20cidade%20de%20Montes%20Claros.pdf>. Acesso em 21/02/2012. CORRÊA, R. L. “Rede urbana: reflexões, hipóteses e questionamentos sobre um tema negligenciado”. In: Cidades, v.1, n.1, Presidente Prudente, Grupo de Estudos Urbanos, p.65, 2004.CHRISTALLER, W. Central places in Southern Germany. Englewood Cliffs, N.J.: Pren-tice-Hall, 1966. 230 p.DAVIDOVICH, F. R. “Considerações sobre a urbanização no Brasil”. In CHRISTOFO-LETTI, A. et al (Org). Geografia e meio ambiente no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1995. 135p. p.79-96.FRANÇA, I. S. Cidade média e suas centralidades: o exemplo de Montes Claros no Norte de Minas Gerais. 256 f. Dissertação (Mestrado em Geografia e Gestão do Território) – Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia/ Uberlândia, 2007.FRANÇA, I. S. Aglomeração urbana descontínua de Montes Claros: novas configurações socioespaciais. 393f. Tese (Doutorado em Geografia e Gestão do Território) – Pós Gradu-ação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia/ Uberlândia, 2012.GOMES, F. S. Discursos contemporâneos sobre Montes Claros: (re) estruturação urbana e novas articulações urbano-regionais. 181 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Ur-banismo) – Escola de Arquitetura da UFMG/Belo Horizonte, 2007.OLIVEIRA, R. S. Análise espacial e temporal do processo de verticalização em cidades médias – estudo de caso de Montes Claros/ MG no pós década de 1980 até a atual. In: Fórum de Ensino, Pesquisa, Extensão e Gestão da Unimontes, IV., 2010. Montes Cla-ros/MG. Anais... Disponível em: <http://www.fepeg.unimontes.br/index.php/eventos/forum2010/paper/view/229/201>. Acesso em 21/02/2012.PONTES, B. M. S. “As mudanças no processo produtivo capitalista e suas repercussões nas cidades médias nordestinas”. In: SPOSITO, E. S.; SPOSITO, M. E. B.; SOBARZO, O. (org.). Cidades médias: produção do espaço urbano regional. São Paulo: Expressão Popular, 2006, 375p. p. 327-346.PEREIRA, F. M.; LEMOS, M.B. “Cidades médias: uma visão nacional e regional”. Se-minário sobre Economia Mineira, XI., Diamantina, 24 a 27 de agosto de 2004. Anais... Disponível em http:\\.www.cedeplar.ufmg.br.PEREIRA, A. M. Cidade média e região: o significado de Montes Claros no Norte de Mi-nas Gerais. 351f. Tese (Doutorado em Geografia e Gestão do Território) – Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia/ Uberlândia, 2007.Região de Influência das Cidades – REGIC. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/regio-es_de_influencia_das_cidades/regic.zip>.SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo: HUCITEC, 1994, 156 p. SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado, fundamentos teórico e metodológico da geografia. São Paulo: HUCITEC, 1988. 28 p.SOARES, P. R. “Cidades médias e aglomerações urbanas: a nova organização do espaço regional no sul do Brasil”. In: SPOSITO, E. S.; SPOSITO, M. E. B.; SOBARZO, O. (org.). Cidades médias: produção do espaço urbano regional. São Paulo: Expressão Popu-lar, 2006, 375p. p.347-364.SOUZA, M. L. “O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento”. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C; CORRÊA, R. L. Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p.77- 116.

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SPOSITO, M. E. B. “Loteamentos fechados em cidades médias paulistas – Brasil”. In: SPOSITO, E. S.; SPOSITO, M. E. B.; SOBARZO, O. (Org.). Cidades médias: produção do espaço urbano regional. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 376p. p. 175-196.

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a b s t r a C t In recent years, Brazil has been undergoing profound transformations in the urban setting. Thus, the Brazilian urban network is materialized through the aspects of consolidation and spatialization of activities developed in the country. The role of medium cities in that urban structure must be considered highlighting the functions they play in national scope. Therefore, this study analyzed the role played by the medium city of Montes Claros and the spatial and economic interactions established with the emerging centers of Janaúba, Januária and Pirapora in the current north of Minas urban network. In order to collect data, Januária, Janaúba and Pirapora populations were interviewed in 2010, in addition to iconographic records, maps, tables and graphs to comprehend the spatial interactions between cities and, thereby, the regional urban network setting.

K E y w o r d s Urban network; North of Minas; centrality; flow; spatial and eco-nomic interactions.

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Fomos a 12ª diretoria da Anpur, atuando entre os seus 22 e 24 anos de existência (2005-2007). Tânia Fischer (UFBa) como secretária executiva, Marco Auré-lio A. de F. Gomes (UFBa) como Secretário Adjunto, Edna Maria Ramos de Castro (UFPA), Lílian Fessler Vaz (UFRJ) e Nabil Georges Bonduki (USP), como diretores, Frederico Rosas B. de Holanda (UnB), Leila Christina Duarte Dias (UFSC) e Rodrigo Ferreira Simões (UFMG) como membros do Conselho Fiscal, e eu mesma, na condição de presidente, compusemos aquela diretoria. Ao assumirmos, na assembleia realiza-da em Salvador, durante o XI ENA, na luminosa tarde do dia 27 de maio de 2005, quase um quarto de século de trabalho coletivo dedicado à Anpur já havia sido acumulado em constituições, dilemas, formulações, crises, inovações, desacelerações, expansões, conquis-tas. O sentido primeiro do termo associação – agregar, unir, partilhar – tinha, já naquele momento, assumido seu pleno significado, num esforço conjunto de cons-trução de um campo acadêmico, de uma esfera de atu-ação e de suas institucionalidades e rotinas. O adjetivo anpuriano, introduzido por Panizzi em 1999,1 indicava que a associação já era capaz de designar qualidade, caráter, modo de ser.2

A ação institucional anpuriana se fez percorrendo conjunturas e por elas sendo percorrida, numa conflu-ência de questões acadêmicas, científicas, intelectuais, políticas e sociais. A descrição da conjuntura com a qual iniciamos nossa gestão pode ser encontrada na formulação do encontro de Salvador, o XI ENA, ela-

borada ainda sob a presidência da professora Heloisa Costa e com nossa participação enquanto membro da diretoria 2003-2005. O tema central do encontro, Planejamento, Soberania e Solidariedade: perspectivas para o território e a cidade, tensionava algumas de suas principais componentes. Assim, em termos da formu-lação e implementação da política do território e das cidades no Brasil, três questões eram apontadas como relevantes. Primeiro, entendia-se que, além das escalas locais e regionais, estava posta a necessidade se de operar também com questões relativas às macroescalas territoriais e à integração supranacional, com ou sem continuidade espacial. Segundo, para além do marco legal instituído pelo Estatuto das Cidades em 2001, um novo marco institucional e regulatório em âmbito federal deveria também ser problematizado, paralela-mente à generalização de organismos ou “arranjos” de planejamento em nível local, âmbitos submetidos, por sua vez, a definições e monitoramento de organismos financiadores. Terceiro, exigia reflexão uma sociedade urbana cada vez mais complexa, múltipla, organizada e ao mesmo tempo crescentemente segregada e combina-da com a ressurgência severa e aguda da questão agrária em quadro urbano.

Nesse sentido, indicava-se que, ao planejamen-to urbano e regional, entendido enquanto campo de conhecimento e enquanto prática e proposição sócio-espacial regular e incorporada à gestão da coisa pública e coletiva, colocavam-se alguns desafios. En-tre eles, estava o de refletir sobre a (re)definição dos processos em curso de produção e gestão do território e das cidades – sua natureza, características e redese-nho – problematizando-os a partir do embate entre o império contemporâneo do urbano e o campo do interesse público e coletivo, gênese da constituição do

1 Só pudemos consultar aquilo que está disponível on line. Certamente uma busca na documentação impressa, particularmente dos boletins, poderia revelar outras temporalidades do uso do adjetivo.

2 Definição do que é um adjetivo.

DOIS ANOS DE VIDA ASSOCIATIVA DA ANPUR (2005-2007)

VIRAdA dE CoNJUNtURA, PolítICA dE PESqUISA, ACESSo lIVRE à INFoRMAção

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Fomos a 12ª diretoria da Anpur, atuando entre os seus 22 e 24 anos de existência (2005-2007). Tânia Fischer (UFBa) como secretária executiva, Marco Auré-lio A. de F. Gomes (UFBa) como Secretário Adjunto, Edna Maria Ramos de Castro (UFPA), Lílian Fessler Vaz (UFRJ) e Nabil Georges Bonduki (USP), como diretores, Frederico Rosas B. de Holanda (UnB), Leila Christina Duarte Dias (UFSC) e Rodrigo Ferreira Simões (UFMG) como membros do Conselho Fiscal, e eu mesma, na condição de presidente, compusemos aquela diretoria. Ao assumirmos, na assembleia realiza-da em Salvador, durante o XI ENA, na luminosa tarde do dia 27 de maio de 2005, quase um quarto de século de trabalho coletivo dedicado à Anpur já havia sido acumulado em constituições, dilemas, formulações, crises, inovações, desacelerações, expansões, conquis-tas. O sentido primeiro do termo associação – agregar, unir, partilhar – tinha, já naquele momento, assumido seu pleno significado, num esforço conjunto de cons-trução de um campo acadêmico, de uma esfera de atu-ação e de suas institucionalidades e rotinas. O adjetivo anpuriano, introduzido por Panizzi em 1999,1 indicava que a associação já era capaz de designar qualidade, caráter, modo de ser.2

A ação institucional anpuriana se fez percorrendo conjunturas e por elas sendo percorrida, numa conflu-ência de questões acadêmicas, científicas, intelectuais, políticas e sociais. A descrição da conjuntura com a qual iniciamos nossa gestão pode ser encontrada na formulação do encontro de Salvador, o XI ENA, ela-

borada ainda sob a presidência da professora Heloisa Costa e com nossa participação enquanto membro da diretoria 2003-2005. O tema central do encontro, Planejamento, Soberania e Solidariedade: perspectivas para o território e a cidade, tensionava algumas de suas principais componentes. Assim, em termos da formu-lação e implementação da política do território e das cidades no Brasil, três questões eram apontadas como relevantes. Primeiro, entendia-se que, além das escalas locais e regionais, estava posta a necessidade se de operar também com questões relativas às macroescalas territoriais e à integração supranacional, com ou sem continuidade espacial. Segundo, para além do marco legal instituído pelo Estatuto das Cidades em 2001, um novo marco institucional e regulatório em âmbito federal deveria também ser problematizado, paralela-mente à generalização de organismos ou “arranjos” de planejamento em nível local, âmbitos submetidos, por sua vez, a definições e monitoramento de organismos financiadores. Terceiro, exigia reflexão uma sociedade urbana cada vez mais complexa, múltipla, organizada e ao mesmo tempo crescentemente segregada e combina-da com a ressurgência severa e aguda da questão agrária em quadro urbano.

Nesse sentido, indicava-se que, ao planejamen-to urbano e regional, entendido enquanto campo de conhecimento e enquanto prática e proposição sócio-espacial regular e incorporada à gestão da coisa pública e coletiva, colocavam-se alguns desafios. En-tre eles, estava o de refletir sobre a (re)definição dos processos em curso de produção e gestão do território e das cidades – sua natureza, características e redese-nho – problematizando-os a partir do embate entre o império contemporâneo do urbano e o campo do interesse público e coletivo, gênese da constituição do

1 Só pudemos consultar aquilo que está disponível on line. Certamente uma busca na documentação impressa, particularmente dos boletins, poderia revelar outras temporalidades do uso do adjetivo.

2 Definição do que é um adjetivo.

DOIS ANOS DE VIDA ASSOCIATIVA DA ANPUR (2005-2007)

VIRAdA dE CoNJUNtURA, PolítICA dE PESqUISA, ACESSo lIVRE à INFoRMAção

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planejamento urbano enquanto área de conhecimento e de proposição. Mas importava também repensar teo-rias e práticas, a partir de experiências-chave realizadas, do embate entre interpretações na produção recente da área e do recurso a diferentes paradigmas críticos das ciências e das artes, com ênfase na construção de mediações entre os diferentes níveis de abstração e na superação do empirismo e das metodologias anódinas de avaliação e de premiações a que estávamos crescen-temente submetidos. A relação entre essas questões gerais e a formação e o ensino oferecidos na área devia também ser considerada, tendo em vista os desafios co-locados pelos processos concretos de produção e gestão do território e das cidades e os diferentes protocolos de internacionalização da formação superior crescente-mente implementados.

Dessa forma, buscava-se construir e oferecer pu-blicamente reflexões críticas aprofundadas, instigantes e mesmo surpreendentes sobre esses tensionamentos, embates, ausências, recorrências, banalizações. Como a cada encontro da Anpur, estava em questão a atuali-zação conjuntural e o debate estrutural da produção e das perspectivas de nosso campo de conhecimento e de nossa prática propositiva.

A complexidade desses temas, somada a uma alen-tada produção em nossa área, resultou num programa de atividades bastante intenso: cerca de 350 reflexões foram apresentadas em mesas redondas pela manhã, sessões temáticas à tarde, sessões coordenadas no início da noite, além das atividades de premiação e lança-mento de livros, mas também conversas, encontros, confraternização, festa.

Esse começo estimulante, que gestou nossa direto-ria, se desdobrou em um pressuposto e três eixos privi-legiados de atuação ao longo dos dois anos de trabalho.

O pressuposto foi a urgência de dinamizar e aprofundar os laços da Anpur com a Amazônia, região complexa em sua riqueza e assediada por vários tipos de interesse, em diversas escalas e campos de conhecimen-to. A integração do NAEA – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará, a essa gestão da nova diretoria da Associação respondeu com plenitude a essa necessidade, inclusive pela organização e realização do belo XII ENA em Belém, em 2007, e pela eleição, na mesma ocasião, da primeira diretoria da Anpur capitaneada pela Universidade Federal do Pará para o biênio seguinte.

Os três eixos principais de atuação foram flores-cimentos, redirecionamentos ou acentuações de linhas de ação que já vinham se desenvolvendo no âmbito da Anpur: um diálogo continuado com as instâncias nacionais formuladoras de política urbana, com des-taque para as interlocuções com o Conselho Nacional das Cidades e seu Comitê de Planejamento e Gestão do Solo Urbano; a articulação nacional e internacio-nal em torno das agendas de política acadêmica e de política científica; e, por fim, além das atividades de representação, a informação sistemática das ações da Associação e a adesão entusiasta à política de livre aces-so à informação.

Com relação à política urbana nacional, podemos considerar que nossa gestão frente à Anpur foi teste-munha de uma virada significativa na sua concepção e implementação. Com quadros da área amplamente reconhecidos compondo o quadro diretivo do Minis-tério das Cidades desde sua criação, em 2003, e com a ampliação dos espaços de elaboração participativa da política urbana, aprofundou-se, a partir daquele mo-mento, no âmbito da Associação, a discussão voltada para as alternativas a serem perseguidas, as formula-ções a serem elaboradas ou as decisões em processo de construção acerca da política urbana no país. Mas a mudança política operada na condução do Ministério já em julho de 2005, com substituição do ministro, da ministra-adjunta e de seu partido de origem, foi seguida por uma alteração estrutural na lógica de for-mulação de programas e de direcionamento de inves-timentos nas cidades e regiões. Nesse sentido, a ação do Ministério das Cidades vai se tornando progressiva e acentuadamente bifronte. Por um lado, persiste toda a organização social mobilizada e estruturada para a concepção participativa e múltipla da política urbana com controle social, a exemplo das conferências das cidades, dos conselhos das cidades, das estruturas co-legiadas de gestão dos fundos, entre outros; de outro, a progressiva implementação de políticas ancoradas em grandes investimentos concebidos setorialmente, âncoras do pretendido crescimento econômico com distribuição de renda. Estava sendo iniciada a era dos PACs – Programas de Aceleração do Crescimento –, cuja primeira versão é de janeiro de 2007 e que foram concebidos como estimuladores da economia e, logo mais à frente, como tratamento anticíclico da crise econômica.

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Tendo se tornado membro titular do Conselho Nacional das Cidades a partir da IIª Conferência Nacio-nal das Cidades, realizada entre 30 de novembro e 03 de dezembro de 2005, em Brasília, a Anpur acompanhou esse processo e participou com entusiasmo das discussões que ali tiveram lugar. Na posse dos novos conselhei-ros eleitos, em junho de 2006, a Anpur representou o segmento das entidades acadêmicas, profissionais e de pesquisa na mesa diretora, tendo saudado, em nome de todos eles, a importância do Conselho, reafirmado o compromisso com o seu pleno funcionamento e ressalta-do a necessidade de entendimento da questão territorial como integradora das diversas políticas, inclusive as ma-croeconômicas. Vencer o setorial estava na ordem do dia.

No âmbito do Comitê de Planejamento e Gestão do Solo Urbano, no próprio Conselho das Cidades ou ainda no Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), a atuação da Anpur se afirmou pela defesa da agenda democráti-ca do direito à cidade e pela defesa de políticas que considerassem o efeito-território como eixo analítico e propositivo. Na intensa agenda, questões como o papel do Fundo, a composição do Conselho Gestor do FNHIS, o uso de imóveis da união para fins de regula-rização fundiária, os planos diretores e sua relação com a questão ambiental, a chamada lei de responsabilidade territorial (PL 3057/00), a mobilização para a IIIª Conferência e sua preparação em 2007 foram pauta continua e instigante da vida da Associação.3

A discussão do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento –, objeto da reunião extraordinária do Conselho nos dias 28 de fevereiro e 01 de março de 2007, por sua vez, embora promissora pelo mon-tante previsto para investimentos habitacionais, gerou questionamentos por parte da Anpur relativos a três questões principais: a insuficiência de recursos para investimentos em transportes públicos; a necessidade de inserção urbana e qualidade técnica dos projetos a serem implementados, num quadro de deficiências sérias de elaboração de projetos no âmbito municipal; e, por fim, o controle social da destinação e utilização de todo esse volume de recursos para investimento.4

Ainda na esteira dessa relação com o Conselho e Ministério das Cidades, vale citar a participação da Anpur no julgamento de editais de extensão e pesquisa relativos à questão urbana – pauta permanente das reivindicações da Anpur junto à Secretaria Executiva do Conselho –, em associação tanto com o Ministério da Educação quanto com o Ministério da Ciência e Tecnologia.

Nesse particular, e já fazendo a passagem para as agendas de política acadêmica e científica, vale res-saltar que, ainda na conjuntura favorável do primeiro semestre de 2005, o MCidades propôs à Anpur uma discussão até então inédita e que permanece latente até hoje: a formulação de uma política de pesquisa em desenvolvimento urbano. O documento Contribuições para uma Política Nacional de Pesquisa para o Desen-volvimento Urbano, proposto por aquele Ministério, buscava instituir uma agenda instrumental de pesquisa para a área dos estudos urbanos no Brasil.

Este documento tem como objetivo dar início a uma construção política democrática junto à socieda-de, envolvendo pesquisadores e entidades de pesquisa, por meio de suas entidades representativas, agências de fomento à pesquisa e formuladores de políticas públi-cas em desenvolvimento urbano, que se alimentam dos avanços da pesquisa para a proposição e implementa-ção de políticas públicas ancoradas na realidade social.

O MCidades começa essa construção coletiva por meio desta consulta à Anpur, que deverá se estender às demais instituições da sociedade para um amplo debate que deverá culminar na Política Nacional de Pesquisa para o Desenvolvimento Urbano (MCIdAdES, maio 2005).

Discutido inicialmente no XI ENA em Salvador, esse documento foi objeto de discussão entre todos os programas então associados e filiados e, incorpo-rando as diferentes contribuições, ele foi reenviado ao Ministério, em novembro de 2005, acompanhado da sugestão de formulação de dois editais de pesqui-sa, a serem imediatamente lançados, elaborados pela diretoria da Anpur a partir do referido documento. Um primeiro, no valor de R$ 8 milhões de reais, era dedicado a “Questões Estratégicas do Desenvolvimen-to Urbano e Regional”, que englobariam a estrutura institucional e gestão do desenvolvimento urbano e regional, a participação e controle social das políticas urbanas; o financiamento do desenvolvimento urba-

3 Um relato detalhado de todas essas reuniões encontra-se nos bole-tins 01 a 13 da ANPUR, disponíveis em www.anpur.org.br.

4 Boletim da ANPUR 10, fevereiro de 2007. É importante também consultar a Resolução Recomendada do Conselho sobre o PAC 2007, reproduzida nesse mesmo Boletim.

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planejamento urbano enquanto área de conhecimento e de proposição. Mas importava também repensar teo-rias e práticas, a partir de experiências-chave realizadas, do embate entre interpretações na produção recente da área e do recurso a diferentes paradigmas críticos das ciências e das artes, com ênfase na construção de mediações entre os diferentes níveis de abstração e na superação do empirismo e das metodologias anódinas de avaliação e de premiações a que estávamos crescen-temente submetidos. A relação entre essas questões gerais e a formação e o ensino oferecidos na área devia também ser considerada, tendo em vista os desafios co-locados pelos processos concretos de produção e gestão do território e das cidades e os diferentes protocolos de internacionalização da formação superior crescente-mente implementados.

Dessa forma, buscava-se construir e oferecer pu-blicamente reflexões críticas aprofundadas, instigantes e mesmo surpreendentes sobre esses tensionamentos, embates, ausências, recorrências, banalizações. Como a cada encontro da Anpur, estava em questão a atuali-zação conjuntural e o debate estrutural da produção e das perspectivas de nosso campo de conhecimento e de nossa prática propositiva.

A complexidade desses temas, somada a uma alen-tada produção em nossa área, resultou num programa de atividades bastante intenso: cerca de 350 reflexões foram apresentadas em mesas redondas pela manhã, sessões temáticas à tarde, sessões coordenadas no início da noite, além das atividades de premiação e lança-mento de livros, mas também conversas, encontros, confraternização, festa.

Esse começo estimulante, que gestou nossa direto-ria, se desdobrou em um pressuposto e três eixos privi-legiados de atuação ao longo dos dois anos de trabalho.

O pressuposto foi a urgência de dinamizar e aprofundar os laços da Anpur com a Amazônia, região complexa em sua riqueza e assediada por vários tipos de interesse, em diversas escalas e campos de conhecimen-to. A integração do NAEA – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará, a essa gestão da nova diretoria da Associação respondeu com plenitude a essa necessidade, inclusive pela organização e realização do belo XII ENA em Belém, em 2007, e pela eleição, na mesma ocasião, da primeira diretoria da Anpur capitaneada pela Universidade Federal do Pará para o biênio seguinte.

Os três eixos principais de atuação foram flores-cimentos, redirecionamentos ou acentuações de linhas de ação que já vinham se desenvolvendo no âmbito da Anpur: um diálogo continuado com as instâncias nacionais formuladoras de política urbana, com des-taque para as interlocuções com o Conselho Nacional das Cidades e seu Comitê de Planejamento e Gestão do Solo Urbano; a articulação nacional e internacio-nal em torno das agendas de política acadêmica e de política científica; e, por fim, além das atividades de representação, a informação sistemática das ações da Associação e a adesão entusiasta à política de livre aces-so à informação.

Com relação à política urbana nacional, podemos considerar que nossa gestão frente à Anpur foi teste-munha de uma virada significativa na sua concepção e implementação. Com quadros da área amplamente reconhecidos compondo o quadro diretivo do Minis-tério das Cidades desde sua criação, em 2003, e com a ampliação dos espaços de elaboração participativa da política urbana, aprofundou-se, a partir daquele mo-mento, no âmbito da Associação, a discussão voltada para as alternativas a serem perseguidas, as formula-ções a serem elaboradas ou as decisões em processo de construção acerca da política urbana no país. Mas a mudança política operada na condução do Ministério já em julho de 2005, com substituição do ministro, da ministra-adjunta e de seu partido de origem, foi seguida por uma alteração estrutural na lógica de for-mulação de programas e de direcionamento de inves-timentos nas cidades e regiões. Nesse sentido, a ação do Ministério das Cidades vai se tornando progressiva e acentuadamente bifronte. Por um lado, persiste toda a organização social mobilizada e estruturada para a concepção participativa e múltipla da política urbana com controle social, a exemplo das conferências das cidades, dos conselhos das cidades, das estruturas co-legiadas de gestão dos fundos, entre outros; de outro, a progressiva implementação de políticas ancoradas em grandes investimentos concebidos setorialmente, âncoras do pretendido crescimento econômico com distribuição de renda. Estava sendo iniciada a era dos PACs – Programas de Aceleração do Crescimento –, cuja primeira versão é de janeiro de 2007 e que foram concebidos como estimuladores da economia e, logo mais à frente, como tratamento anticíclico da crise econômica.

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Tendo se tornado membro titular do Conselho Nacional das Cidades a partir da IIª Conferência Nacio-nal das Cidades, realizada entre 30 de novembro e 03 de dezembro de 2005, em Brasília, a Anpur acompanhou esse processo e participou com entusiasmo das discussões que ali tiveram lugar. Na posse dos novos conselhei-ros eleitos, em junho de 2006, a Anpur representou o segmento das entidades acadêmicas, profissionais e de pesquisa na mesa diretora, tendo saudado, em nome de todos eles, a importância do Conselho, reafirmado o compromisso com o seu pleno funcionamento e ressalta-do a necessidade de entendimento da questão territorial como integradora das diversas políticas, inclusive as ma-croeconômicas. Vencer o setorial estava na ordem do dia.

No âmbito do Comitê de Planejamento e Gestão do Solo Urbano, no próprio Conselho das Cidades ou ainda no Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), a atuação da Anpur se afirmou pela defesa da agenda democráti-ca do direito à cidade e pela defesa de políticas que considerassem o efeito-território como eixo analítico e propositivo. Na intensa agenda, questões como o papel do Fundo, a composição do Conselho Gestor do FNHIS, o uso de imóveis da união para fins de regula-rização fundiária, os planos diretores e sua relação com a questão ambiental, a chamada lei de responsabilidade territorial (PL 3057/00), a mobilização para a IIIª Conferência e sua preparação em 2007 foram pauta continua e instigante da vida da Associação.3

A discussão do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento –, objeto da reunião extraordinária do Conselho nos dias 28 de fevereiro e 01 de março de 2007, por sua vez, embora promissora pelo mon-tante previsto para investimentos habitacionais, gerou questionamentos por parte da Anpur relativos a três questões principais: a insuficiência de recursos para investimentos em transportes públicos; a necessidade de inserção urbana e qualidade técnica dos projetos a serem implementados, num quadro de deficiências sérias de elaboração de projetos no âmbito municipal; e, por fim, o controle social da destinação e utilização de todo esse volume de recursos para investimento.4

Ainda na esteira dessa relação com o Conselho e Ministério das Cidades, vale citar a participação da Anpur no julgamento de editais de extensão e pesquisa relativos à questão urbana – pauta permanente das reivindicações da Anpur junto à Secretaria Executiva do Conselho –, em associação tanto com o Ministério da Educação quanto com o Ministério da Ciência e Tecnologia.

Nesse particular, e já fazendo a passagem para as agendas de política acadêmica e científica, vale res-saltar que, ainda na conjuntura favorável do primeiro semestre de 2005, o MCidades propôs à Anpur uma discussão até então inédita e que permanece latente até hoje: a formulação de uma política de pesquisa em desenvolvimento urbano. O documento Contribuições para uma Política Nacional de Pesquisa para o Desen-volvimento Urbano, proposto por aquele Ministério, buscava instituir uma agenda instrumental de pesquisa para a área dos estudos urbanos no Brasil.

Este documento tem como objetivo dar início a uma construção política democrática junto à socieda-de, envolvendo pesquisadores e entidades de pesquisa, por meio de suas entidades representativas, agências de fomento à pesquisa e formuladores de políticas públi-cas em desenvolvimento urbano, que se alimentam dos avanços da pesquisa para a proposição e implementa-ção de políticas públicas ancoradas na realidade social.

O MCidades começa essa construção coletiva por meio desta consulta à Anpur, que deverá se estender às demais instituições da sociedade para um amplo debate que deverá culminar na Política Nacional de Pesquisa para o Desenvolvimento Urbano (MCIdAdES, maio 2005).

Discutido inicialmente no XI ENA em Salvador, esse documento foi objeto de discussão entre todos os programas então associados e filiados e, incorpo-rando as diferentes contribuições, ele foi reenviado ao Ministério, em novembro de 2005, acompanhado da sugestão de formulação de dois editais de pesqui-sa, a serem imediatamente lançados, elaborados pela diretoria da Anpur a partir do referido documento. Um primeiro, no valor de R$ 8 milhões de reais, era dedicado a “Questões Estratégicas do Desenvolvimen-to Urbano e Regional”, que englobariam a estrutura institucional e gestão do desenvolvimento urbano e regional, a participação e controle social das políticas urbanas; o financiamento do desenvolvimento urba-

3 Um relato detalhado de todas essas reuniões encontra-se nos bole-tins 01 a 13 da ANPUR, disponíveis em www.anpur.org.br.

4 Boletim da ANPUR 10, fevereiro de 2007. É importante também consultar a Resolução Recomendada do Conselho sobre o PAC 2007, reproduzida nesse mesmo Boletim.

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no e regional, a articulação entre políticas sociais e territoriais e o mercado fundiário, regulação urbana e combate à desigualdade territorial. O segundo edital, com valor proposto de R$ 5 milhões de reais, versaria sobre “Informações para o Desenvolvimento Urbano e Regional e Avaliação de Políticas” e contemplaria pes-quisas sobre a produção e disseminação de informações para o desenvolvimento urbano e regional, a avaliação e monitoramento de políticas urbanas e a formulação de sistemas de indicadores para as políticas urbanas. Infelizmente, nenhum deles foi implementado, mas essa pauta continua extremamente atual.

Ainda em termos de política científica e acadê-mica, vale ressaltar a presença da Anpur em todos os fóruns para os quais foi convidada a participar, na-cionais ou internacionais. Assim, marcou presença no Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Infor-mações Sociais, Econômicas e Territoriais, promovido pelo IBGE, participou da VII Conferência das Cidades, promovida pela Câmara dos Deputados, integrou a discussão sobre Reforma do Ensino Superior, promovi-do pela SBPC, consultou seus associados e filiados para a recomposição das áreas de conhecimento da CAPES/CNPq, participou da discussão dos dois documentos produzidos pela SBPC (Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Infraestrutura de Pesquisa e Formação de Recursos Humanos) no quadro do projeto Ciências e Tecnologia no Brasil. Ainda no âmbito da 57ª Reu-nião da SBPC, em julho de 2006, em Florianópolis, um simpósio foi promovido pela Anpur, com o tema Cidades e Território: Mutações, Tensões, Proposições, organizado em 06 mesas e duas dezenas de palestrantes de diferentes campos disciplinares, representando ins-tituições de pesquisa de diferentes regiões do território nacional.

A Anpur conduziu também consulta entre seus membros para indicação de pesquisadores para os sub--comitês de Planejamento Urbano e Regional, Arqui-tetura e Urbanismo e Turismo do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas do CNPq. O resultado da consulta, ou seja, os três nomes mais votados em cada sub-área, foi consubstanciado no voto da Anpur junto àquele Conselho.

Na esfera internacional, reforçaram-se os laços com o GPEAN – Global Planning Education Associa-tion Network, a rede mundial de associações de escolas e programas de pós-graduação na área de planejamen-

to, que congrega nove associações: a neozelandesa e australiana ANZAPS, a européia AESoP, a americana ACSP, a de escolas de língua francesa APERAU, a afri-cana AAPS, a canadense ACCUP, a asiática APSA, a la-tino-americana ALEUP e a brasileira Anpur. Com uma agenda particularmente intensa, a Anpur participou ativamente do comitê de organização e do comitê cien-tífico do II WPSC – World Planning Schools Congress, realizado na Cidade do México em julho de 2006, das reuniões do comitê de coordenação do GPEAN, que aconteceram em Adelaide em outubro de 2005, na cidade do México em julho de 2006 e em Nápoles, em julho de 2007. Também em associação com o GPEAN, a Anpur contribuiu para a edição dos livros Dialogues in Urban and Regional Planning – dURP II e III, com o intuito de intensificar a socialização internacional da produção brasileira na área. E se defrontou, sempre criticamente, com questões candentes na discussão in-terpares, como as propostas de validação internacional de cursos de formação na área ou a relação com orga-nismos e agências mundiais de governança.

O Fórum Urbano Mundial, que aconteceu em Vancouver, no Canadá, em junho de 2006, e ativida-des a ele preparatórias, realizadas em São Paulo (em conjuntura das mais violentas, numa terça-feira dramá-tica, em meio aos ataques do PCC em maio de 2006, em uma cidade literalmente vazia), também contaram com a participação qualificada de membros da Anpur.

O III Seminário de Avaliação do Ensino e Pes-quisa em Estudos Urbanos e Regionais, realizado em Salvador em outubro de 2006, buscou se defrontar com dois grandes desafios colocados à nossa área: por um lado, a necessidade de aprofundar a construção de nosso campo (multi)disciplinar, tanto do ponto de vista teórico quanto metodológico, alavancando assim as possibilidades de entendimento de nossa dinâmica e complexa realidade urbana e regional. Por outro, a necessidade de enfrentar a formação profissional qua-lificada, num momento em que as condições políticas e institucionais do país estavam já a demandar uma urgente capacidade de formulação e de atuação crítica e propositiva no âmbito das ações sobre a cidade e sobre o território.

Importa lembrar ainda que, em colaboração com a EdUFBa, Vozes e Boitempo, 03 livros foram publica-dos no Brasil sob o patrocínio da Anpur: os referentes à dissertação e à tese premiadas em 2005, e o livro

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resultante do simpósio organizado na SBPC em 2006. Ainda na pauta editorial, quatro números da RBEUR – Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais foram publicados, com recursos próprios e apoio da Caixa Econômica Federal.

A adesão da Anpur ao movimento em defesa do livre acesso à informação deve ser também destacada. Ou seja, a afirmação do papel basilar que cumpre essa condição para a formação de pesquisadores e para o de-senvolvimento científico e tecnológico, bem como para a melhor utilização e socialização dos trabalhos, parti-cularmente aqueles financiados com recursos públicos. Foi consensual, entre a diretoria da Anpur e a comissão editorial da RBEUR, com a decorrente disponibilização dos arquivos digitais de todos os números da Revista no site da Associação. Resta ainda, sobre esta questão, encontrar caminhos para disponibilização para con-sulta dos documentos da vida da própria associação, discussão que teve seu início na Assembléia de 2007, mas ainda não concluída.

O Boletim da Anpur foi relançado, em versão eletrônica,5 com 13 números publicados entre abril de 2006 e junho de 2007. Três foram as principais questões que levaram a diretoria de então à avaliação da oportunidade de se contar com um instrumento ágil de informação e comunicação entre os membros de nossa comunidade. Em primeiro lugar, o crescimento de importância da área de Planejamento Urbano e Regional na contemporaneidade e a decorrente inten-sificação do papel de representação da Anpur junto a várias instâncias acadêmicas e politico-institucionais, nacionais e internacionais. Daí a necessidade de in-formação constante das questões relevantes para nossa área, bem como das posições tomadas e defendidas por nossa associação. Segundo, a vontade de partilhar de forma mais direta um conjunto de informações que, embora disponíveis em nossa home page, muitas vezes passavam despercebidas pela velocidade dos eventos e pelo bombardeio de informações avulsas a que estamos submetidos em nossa vida cotidiana. Terceiro, a opor-tunidade de abertura de mais um espaço para troca de informações entre os 47 programas que compunham a Anpur em 2005 (que chegaram a 53 em 2007) e as centenas de professores, pesquisadores e estudantes que

mantêm relações de interesse pelas atividades desen-volvidas, de forma direta ou indireta, pela Associação. A pauta do Boletim, de periodicidade mensal, deveria então ser enriquecida por sugestões e informações dos diferentes programas e membros da área.

Todo esse trabalho só foi possível por ter sido coletivo e solidário. Gostaria de agradecer, portanto, aos membros da diretoria e a todas e todos que colabo-raram de forma generosa para concretizar esse conjunto de ações. Uma rede de cooperação formada por imenso número de pessoas, que não podem ser aqui nome-adas, tornou assim possível mais um biênio de vida associada, plena de fermento utópico, de porosidade intelectual, social e política e de compromisso com a transformação socioespacial democrática de nossas cidades e territórios. O encontro amazônico de 2007 só fez renovar as esperanças sobre essas possibilidades.

5 Como já explicitado, o conjunto de boletins encontra-se disponível em www.anpur.org.br.

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no e regional, a articulação entre políticas sociais e territoriais e o mercado fundiário, regulação urbana e combate à desigualdade territorial. O segundo edital, com valor proposto de R$ 5 milhões de reais, versaria sobre “Informações para o Desenvolvimento Urbano e Regional e Avaliação de Políticas” e contemplaria pes-quisas sobre a produção e disseminação de informações para o desenvolvimento urbano e regional, a avaliação e monitoramento de políticas urbanas e a formulação de sistemas de indicadores para as políticas urbanas. Infelizmente, nenhum deles foi implementado, mas essa pauta continua extremamente atual.

Ainda em termos de política científica e acadê-mica, vale ressaltar a presença da Anpur em todos os fóruns para os quais foi convidada a participar, na-cionais ou internacionais. Assim, marcou presença no Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Infor-mações Sociais, Econômicas e Territoriais, promovido pelo IBGE, participou da VII Conferência das Cidades, promovida pela Câmara dos Deputados, integrou a discussão sobre Reforma do Ensino Superior, promovi-do pela SBPC, consultou seus associados e filiados para a recomposição das áreas de conhecimento da CAPES/CNPq, participou da discussão dos dois documentos produzidos pela SBPC (Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Infraestrutura de Pesquisa e Formação de Recursos Humanos) no quadro do projeto Ciências e Tecnologia no Brasil. Ainda no âmbito da 57ª Reu-nião da SBPC, em julho de 2006, em Florianópolis, um simpósio foi promovido pela Anpur, com o tema Cidades e Território: Mutações, Tensões, Proposições, organizado em 06 mesas e duas dezenas de palestrantes de diferentes campos disciplinares, representando ins-tituições de pesquisa de diferentes regiões do território nacional.

A Anpur conduziu também consulta entre seus membros para indicação de pesquisadores para os sub--comitês de Planejamento Urbano e Regional, Arqui-tetura e Urbanismo e Turismo do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas do CNPq. O resultado da consulta, ou seja, os três nomes mais votados em cada sub-área, foi consubstanciado no voto da Anpur junto àquele Conselho.

Na esfera internacional, reforçaram-se os laços com o GPEAN – Global Planning Education Associa-tion Network, a rede mundial de associações de escolas e programas de pós-graduação na área de planejamen-

to, que congrega nove associações: a neozelandesa e australiana ANZAPS, a européia AESoP, a americana ACSP, a de escolas de língua francesa APERAU, a afri-cana AAPS, a canadense ACCUP, a asiática APSA, a la-tino-americana ALEUP e a brasileira Anpur. Com uma agenda particularmente intensa, a Anpur participou ativamente do comitê de organização e do comitê cien-tífico do II WPSC – World Planning Schools Congress, realizado na Cidade do México em julho de 2006, das reuniões do comitê de coordenação do GPEAN, que aconteceram em Adelaide em outubro de 2005, na cidade do México em julho de 2006 e em Nápoles, em julho de 2007. Também em associação com o GPEAN, a Anpur contribuiu para a edição dos livros Dialogues in Urban and Regional Planning – dURP II e III, com o intuito de intensificar a socialização internacional da produção brasileira na área. E se defrontou, sempre criticamente, com questões candentes na discussão in-terpares, como as propostas de validação internacional de cursos de formação na área ou a relação com orga-nismos e agências mundiais de governança.

O Fórum Urbano Mundial, que aconteceu em Vancouver, no Canadá, em junho de 2006, e ativida-des a ele preparatórias, realizadas em São Paulo (em conjuntura das mais violentas, numa terça-feira dramá-tica, em meio aos ataques do PCC em maio de 2006, em uma cidade literalmente vazia), também contaram com a participação qualificada de membros da Anpur.

O III Seminário de Avaliação do Ensino e Pes-quisa em Estudos Urbanos e Regionais, realizado em Salvador em outubro de 2006, buscou se defrontar com dois grandes desafios colocados à nossa área: por um lado, a necessidade de aprofundar a construção de nosso campo (multi)disciplinar, tanto do ponto de vista teórico quanto metodológico, alavancando assim as possibilidades de entendimento de nossa dinâmica e complexa realidade urbana e regional. Por outro, a necessidade de enfrentar a formação profissional qua-lificada, num momento em que as condições políticas e institucionais do país estavam já a demandar uma urgente capacidade de formulação e de atuação crítica e propositiva no âmbito das ações sobre a cidade e sobre o território.

Importa lembrar ainda que, em colaboração com a EdUFBa, Vozes e Boitempo, 03 livros foram publica-dos no Brasil sob o patrocínio da Anpur: os referentes à dissertação e à tese premiadas em 2005, e o livro

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resultante do simpósio organizado na SBPC em 2006. Ainda na pauta editorial, quatro números da RBEUR – Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais foram publicados, com recursos próprios e apoio da Caixa Econômica Federal.

A adesão da Anpur ao movimento em defesa do livre acesso à informação deve ser também destacada. Ou seja, a afirmação do papel basilar que cumpre essa condição para a formação de pesquisadores e para o de-senvolvimento científico e tecnológico, bem como para a melhor utilização e socialização dos trabalhos, parti-cularmente aqueles financiados com recursos públicos. Foi consensual, entre a diretoria da Anpur e a comissão editorial da RBEUR, com a decorrente disponibilização dos arquivos digitais de todos os números da Revista no site da Associação. Resta ainda, sobre esta questão, encontrar caminhos para disponibilização para con-sulta dos documentos da vida da própria associação, discussão que teve seu início na Assembléia de 2007, mas ainda não concluída.

O Boletim da Anpur foi relançado, em versão eletrônica,5 com 13 números publicados entre abril de 2006 e junho de 2007. Três foram as principais questões que levaram a diretoria de então à avaliação da oportunidade de se contar com um instrumento ágil de informação e comunicação entre os membros de nossa comunidade. Em primeiro lugar, o crescimento de importância da área de Planejamento Urbano e Regional na contemporaneidade e a decorrente inten-sificação do papel de representação da Anpur junto a várias instâncias acadêmicas e politico-institucionais, nacionais e internacionais. Daí a necessidade de in-formação constante das questões relevantes para nossa área, bem como das posições tomadas e defendidas por nossa associação. Segundo, a vontade de partilhar de forma mais direta um conjunto de informações que, embora disponíveis em nossa home page, muitas vezes passavam despercebidas pela velocidade dos eventos e pelo bombardeio de informações avulsas a que estamos submetidos em nossa vida cotidiana. Terceiro, a opor-tunidade de abertura de mais um espaço para troca de informações entre os 47 programas que compunham a Anpur em 2005 (que chegaram a 53 em 2007) e as centenas de professores, pesquisadores e estudantes que

mantêm relações de interesse pelas atividades desen-volvidas, de forma direta ou indireta, pela Associação. A pauta do Boletim, de periodicidade mensal, deveria então ser enriquecida por sugestões e informações dos diferentes programas e membros da área.

Todo esse trabalho só foi possível por ter sido coletivo e solidário. Gostaria de agradecer, portanto, aos membros da diretoria e a todas e todos que colabo-raram de forma generosa para concretizar esse conjunto de ações. Uma rede de cooperação formada por imenso número de pessoas, que não podem ser aqui nome-adas, tornou assim possível mais um biênio de vida associada, plena de fermento utópico, de porosidade intelectual, social e política e de compromisso com a transformação socioespacial democrática de nossas cidades e territórios. O encontro amazônico de 2007 só fez renovar as esperanças sobre essas possibilidades.

5 Como já explicitado, o conjunto de boletins encontra-se disponível em www.anpur.org.br.

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MAR DE RIQUEZA, TERRA DE CONTRASTES – O PETRÓLEO NO BRASIL Rosélia Piquet (Org.)Rio de Janeiro: Mauad X/Faperj, 2011

Profa. Dra. Sol Garson Professora colaboradora do Programa de

Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro

A coletânea Mar de Riqueza, Terra de Contrastes – O Petróleo no Brasil, organizada por Rosélia Piquet, reúne sete artigos que oferecem aos leitores uma visão abrangente sobre o tema e suas implicações para o desenvolvimento nacional e para o equilíbrio fiscal da federação brasileira. Escritos por especialistas de diversas áreas, a coletânea inclui a visão empresarial, acadêmica e de pesquisa, apresentando o tema de forma acessível, não apenas ao público especializado, mas a estudantes e a profissionais em geral.

Já no artigo de abertura, assinado por Rosélia Pi-quet e Denise Terra, o histórico destaca os momentos determinantes da implantação da indústria petrolífera nacional, processo esse que se inicia em 1953, com a criação da Petróleo Brasileiro SA – Petrobras e percorre os 60 anos em que, com capital e tecnologia principal-mente nacionais, elevou-se a produção dos 2.700 barris diários para os atuais 2 milhões de barris/dia. Segundo as autoras, a expectativa de crescimento dos já substan-ciais investimentos na indústria de petróleo e gás traz efeitos que se multiplicarão ao longo da cadeia produ-tiva, que inclui fornecedores de bens e serviços. Além dos impactos setoriais, a coletânea aborda os efeitos das atividades ligadas à produção e exploração de petróleo sobre o território, enfatizando que, diferentemente de outras, essas atividades estão determinadas pela local-ização das jazidas.

A expectativa de exploração de petróleo na ca-mada pré-sal, recém-descoberta, e o esforço exigido para essa exploração econômica e seus impactos são tratados em dois artigos, de Eduardo Rappel e Helder Queiroz Jr. Caminhando no sentido contrário da chamada “maldição dos recursos naturais”, consideram que o aproveitamento da oportunidade de multiplicar

os impactos da exploração e produção de petróleo depende, não apenas de ação de governo, mas de entidades empresariais. De acordo com os autores, ao governo cabe conduzir os necessários aperfeiçoamen-tos nas áreas tributária, fiscal, trabalhista e financeira que, entre outros aspectos, garantam, aos fornecedores locais, condições de competitividade face às empresas estrangeiras. Governo e entidades empresariais deverão ter papel ativo no suprimento dos elos faltantes da cadeia produtiva.

O artigo de Rodrigo Serra traz informações es-senciais à compreensão do novo marco regulatório do setor de petróleo, instituído em 2010. No texto são discutidos quatro dos objetivos principais da nova legislação: (I) a adoção de Regime de Partilha de produção; (II) a criação da Petróleo Pré-Sal S.A., que representará o governo nos consórcios firmados sob o Regime de Partilha da Produção: (III) o aporte de recursos financeiros à Petrobras , que operará em todos os blocos licitados sob o Regime e (IV) o Fundo Social, que financiará ações de educação, cultura, esporte, saúde, ciência e tecnologia, meio ambiente, adaptação a mudanças climáticas permitirá, não apenas mitigar as flutuações de preços e quantidades produzidas de petróleo e gás, mas dispor de um mecanismo para lidar com a apreciação da taxa cambial, conhecida como “doença holandesa”.

José Gutman e Laís Almada descrevem e anal-isam a atividade de fiscalização da ANP, detalhando as diversas fases do processo administrativo, com que dis-ciplina o comportamento dos regulados, bem como os esforços de transparência da Agência, com que informa e presta satisfação à sociedade. Abordam o fato de que, através da Emenda Constitucional nº 9/95, regula-mentada pela Lei 9478/97, flexibilizou-se o monopólio estatal sobre a exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. Mantida a União como controladora da Petrobras, admitiu-se a participação de empresas privadas na exploração e produção, sob o regime de concessão. De forma oportuna, o mesmo instrumento legal criou a ANP e, entre as funções que lhe foram atribuídas, está a de regulação, que atribui à Agência o estabelecimento de regras para a operação do setor, a de contratação, que envolve licitações e celeb-ração, em nome da União, de contratos de concessão e a de fiscalização, diretamente ou através de convênios com órgãos públicos.

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MAR DE RIQUEZA, TERRA DE CONTRASTES – O PETRÓLEO NO BRASIL Rosélia Piquet (Org.)Rio de Janeiro: Mauad X/Faperj, 2011

Profa. Dra. Sol Garson Professora colaboradora do Programa de

Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro

A coletânea Mar de Riqueza, Terra de Contrastes – O Petróleo no Brasil, organizada por Rosélia Piquet, reúne sete artigos que oferecem aos leitores uma visão abrangente sobre o tema e suas implicações para o desenvolvimento nacional e para o equilíbrio fiscal da federação brasileira. Escritos por especialistas de diversas áreas, a coletânea inclui a visão empresarial, acadêmica e de pesquisa, apresentando o tema de forma acessível, não apenas ao público especializado, mas a estudantes e a profissionais em geral.

Já no artigo de abertura, assinado por Rosélia Pi-quet e Denise Terra, o histórico destaca os momentos determinantes da implantação da indústria petrolífera nacional, processo esse que se inicia em 1953, com a criação da Petróleo Brasileiro SA – Petrobras e percorre os 60 anos em que, com capital e tecnologia principal-mente nacionais, elevou-se a produção dos 2.700 barris diários para os atuais 2 milhões de barris/dia. Segundo as autoras, a expectativa de crescimento dos já substan-ciais investimentos na indústria de petróleo e gás traz efeitos que se multiplicarão ao longo da cadeia produ-tiva, que inclui fornecedores de bens e serviços. Além dos impactos setoriais, a coletânea aborda os efeitos das atividades ligadas à produção e exploração de petróleo sobre o território, enfatizando que, diferentemente de outras, essas atividades estão determinadas pela local-ização das jazidas.

A expectativa de exploração de petróleo na ca-mada pré-sal, recém-descoberta, e o esforço exigido para essa exploração econômica e seus impactos são tratados em dois artigos, de Eduardo Rappel e Helder Queiroz Jr. Caminhando no sentido contrário da chamada “maldição dos recursos naturais”, consideram que o aproveitamento da oportunidade de multiplicar

os impactos da exploração e produção de petróleo depende, não apenas de ação de governo, mas de entidades empresariais. De acordo com os autores, ao governo cabe conduzir os necessários aperfeiçoamen-tos nas áreas tributária, fiscal, trabalhista e financeira que, entre outros aspectos, garantam, aos fornecedores locais, condições de competitividade face às empresas estrangeiras. Governo e entidades empresariais deverão ter papel ativo no suprimento dos elos faltantes da cadeia produtiva.

O artigo de Rodrigo Serra traz informações es-senciais à compreensão do novo marco regulatório do setor de petróleo, instituído em 2010. No texto são discutidos quatro dos objetivos principais da nova legislação: (I) a adoção de Regime de Partilha de produção; (II) a criação da Petróleo Pré-Sal S.A., que representará o governo nos consórcios firmados sob o Regime de Partilha da Produção: (III) o aporte de recursos financeiros à Petrobras , que operará em todos os blocos licitados sob o Regime e (IV) o Fundo Social, que financiará ações de educação, cultura, esporte, saúde, ciência e tecnologia, meio ambiente, adaptação a mudanças climáticas permitirá, não apenas mitigar as flutuações de preços e quantidades produzidas de petróleo e gás, mas dispor de um mecanismo para lidar com a apreciação da taxa cambial, conhecida como “doença holandesa”.

José Gutman e Laís Almada descrevem e anal-isam a atividade de fiscalização da ANP, detalhando as diversas fases do processo administrativo, com que dis-ciplina o comportamento dos regulados, bem como os esforços de transparência da Agência, com que informa e presta satisfação à sociedade. Abordam o fato de que, através da Emenda Constitucional nº 9/95, regula-mentada pela Lei 9478/97, flexibilizou-se o monopólio estatal sobre a exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. Mantida a União como controladora da Petrobras, admitiu-se a participação de empresas privadas na exploração e produção, sob o regime de concessão. De forma oportuna, o mesmo instrumento legal criou a ANP e, entre as funções que lhe foram atribuídas, está a de regulação, que atribui à Agência o estabelecimento de regras para a operação do setor, a de contratação, que envolve licitações e celeb-ração, em nome da União, de contratos de concessão e a de fiscalização, diretamente ou através de convênios com órgãos públicos.

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Os aspectos fiscais da distribuição federativa das rendas de petróleo são tratados em dois artigos. No primeiro deles, Sérgio Gobetti apresenta o acirrado debate atual sobre as regras de distribuição das rendas petrolíferas no contexto da federação brasileira entre a União, governadores e prefeitos em face do exponen-cial crescimento de rendas que deverá resultar da ex-ploração e produção da camada do pré-sal. O texto de Gobetti traça um marco de referência desapaixonado para a discussão de um modelo de distribuição federa-tiva das rendas do petróleo. Como assinala o autor, a busca de um modelo ideal, ou ao menos possível de partilha de receitas deve partir da literatura do feder-alismo fiscal e de suas recomendações, enveredando em seguida pelo estudo de experiências de países produtores de petróleo organizados como federações. Entre os teóricos do federalismo fiscal, há pratica-mente consenso de que a competência para tributar as receitas de recursos naturais, cujas bases se distribuem desigualmente pelo território, deva ser do governo federal, ao qual também deve ser atribuída a renda extraída. O autor assinala que o modelo brasileiro de repartição das receitas, que atribui a estados e mu-nicípios 60% das receitas arrecadadas, foi concebido em 1985, em meio ao processo de descentralização, quando a produção era insignificante. Consolidado em 1997 pela Lei 9478, tornou-se, no entanto, insus-tentável face às perspectivas e aos desafios colocados pelas descobertas do pré-sal, que tornam evidente a necessidade de maior grau de centralização das recei-tas, seguindo as experiências internacionais.

No segundo texto focado nos aspectos fiscais, Paula Nazareth, Jorge Salles e Nina Quintanilha anal-isam o impacto que o novo marco regulatório poderá ter sobre as finanças do Estado do Rio de Janeiro e de seus municípios. A discussão evidencia a mudança na orientação de política do governo federal, conferindo menos importância ao componente indenizatório e mais peso ao caráter redistributivo da partilha de re-ceita a ser atribuída aos governos subnacionais. Além disso, chama a atenção para o fato de que as propos-tas analisadas desperdiçam oportunidade valiosa de estabelecer regras para a aplicação dos recursos pelos governos subnacionais, o que poderia evitar, no futuro, as dificuldades de rediscussão das regras atualmente experimentadas, em que estados e municípios com-prometeram transferências de receitas claramente não

asseguradas com despesas de pessoal e custeio, que têm caráter permanente.

Impactos sobre a indústria de petróleo e sua ca-deia produtiva, requerimentos de novas tecnologias, mão de obra qualificada, instrumentos de controle sobre a produção e exploração de petróleo e novos arranjos federativos para a repartição de receitas públicas encontram-se entre os temas abordados em Mar de Riqueza, Terra de Contrastes – o Petróleo no Brasil. A magnitude das mudanças esperadas, far-tamente dimensionada ao longo da coletânea, torna sua leitura uma referência básica para o debate que certamente se acirrará, não apenas como já ocorre em torno da repartição dos royalties, mas das políticas a adotar para que, de fato, se possa navegar num mar de riquezas em lugar de sucumbir à “maldição” dos recursos naturais.

REGIONAL ECONOMIC DEVELOPMENT IN CHINASaw Swee-Hock e John Wong (Orgs.)Cingapura: Institute of Southeast Asian Studies e East Asian Institute, 2009

Robson Dias da SilvaEconomista, professor do Programa de

Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da UFRRJ

A obra Regional Economic Development in China, organizada por Saw Swee-Hock e John Wong é uma coletânea de artigos que têm como objeto de inves-tigação a dimensão territorial do processo de cresci-mento econômico chinês. Editado pelos Institute of Southeast Asian Studies e East Asian Institute, ambos de Cingapura, o livro é composto por 14 textos, de diferentes autores asiáticos e é resultado de esforços de pesquisa financiados pelos institutos responsáveis pela edição ao longo da década de 2000. Curioso e importante registrar que, não obstante a publicação ter se dado em Singapura, a maior parte dos autores é formada por chineses que atuam em centros de pes-quisas, universidades e órgãos públicos da República Popular da China.

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Embora apresente certa insuficiência em termos de análise crítica sobre a “questão regional” chinesa, o livro se estabelece, sem dúvidas, como uma grande contribuição ao entendimento da dinâmica espa-cial do processo de crescimento econômico chinês, tornando-se leitura indispensável para pesquisadores que intentam aprofundar seus conhecimentos sobre o país ou mesmo iniciar agenda de pesquisa que tenha a “China” como objeto. Sustento essa afirmação não somente pela gama dos temas abordados nos capítu-los, como também, e especialmente, pelo considerável conjunto de indicadores (sociais, econômicos e de-mográficos) que ajudam a iluminar um pouco melhor o entendimento sobre as diversas regiões do território chinês e como o território se compõem e é tratado, pelas autoridades, no processo mais amplo de acumu-lação e expansão econômica.

O primeiro capítulo (China’s Regional Economic Development: an Overview), de autoria dos organiza-dores do livro, serve como grande apresentação da obra, fazendo sucinta contextualização da dinâmica regional chinesa nos últimos anos, além de situar cada um dos capítulos numa proposta maior de debate sobre as condicionantes e enfrentamentos que a estratégia de expansão econômica chinesa tem apresentado às regiões do país. A tentativa de construir um “panorama” do desenvolvimento regional da economia chinesa se faz bem sucedida, tendo os autores enfatizado o papel do território dentro da estratégia de expansão econômica e inserção externa nacional, considerando as diversas políticas e instrumentos “territoriais” utilizados na tra-jetória de busca por aumento da produtividade interna e maior competitividade internacional.

Talvez o mais interessante capítulo do livro seja o segundo (New Trends in China’s Regional Economic Development), redigido por Liu Feng. De maneira precisa, concisa e direta o autor detalha e explora as “novas tendências” e “caminhos” que o desenvolvi-mento regional chinês (possivelmente) trilhará nas próximas décadas. O texto apresenta um conjunto de medidas e preocupações elencadas pelo governo central chinês como prioritários ao desenvolvimento regional do país, chamando atenção o debate sobre a formalização/efetivação de instrumentos que tenham como objetivo primeiro a redução das desigualdades regionais pelo vasto território nacional. Para tanto, observa-se o estímulo e a articulação de “três ambi-

entes básicos” (estabelecimento de mercado nacional unificado, melhorar a equalização da oferta de serviços públicos básicos e a implementação de um ambiente de regulação pelo território nacional), com “três tipos de política regional” (política de atendimento total ao desenvolvimento regional, administração diferen-ciada para zonas e territórios com funções especiais e política regional para governança e atendimento de problemas regionais específicos) e os “quatro tipos de mecanismo de coordenação” (mecanismos de mer-cado, de cooperação, de auxílio mútuo e de suporte). Finalizando, o autor chama atenção para o fato de que a principal tendência do desenvolvimento regional chinês é a orientação para o crescimento em direção ao norte, em detrimento do padrão de crescimento baseado nos chamados “Four Plates” (leste, nordeste, centro e oeste).

O terceiro capítulo (Regional Economic Devel-opment in China: Agglomeration and Relocation), de Wei Houkai, é, em grande medida, complementar ao anterior, considerando que o centro de sua análise é a dinâmica industrial pelo território chinês ao longo das últimas três décadas. O autor apresenta um conjunto de indicadores de concentração territorial da produção industrial do país, assinalando os determinantes desse processo e apontando mudanças (muitas ainda bem sutis, vale anotar) no padrão de localização espacial da indústria nacional.

Os três capítulos seguintes concentram esforço analítico da região do Pearl River Delta, a mais rica do território chinês. Nessa região estão localizados alguns entre os mais dinâmicos setores da indústria e dos chamados serviços modernos. Densamente povoada, a região é o espaço por excelência do comércio inter-nacional chinês. O primeiro texto (Cost Impact and Industrial Upgrading in Pearl River Delta Region: Case Study on Shenzhen and Dongguan), de Guo Wanda e Feng Yueqiu, é um estudo de caso das províncias em questão, ao passo que no segundo (Development of Pearl River Delta as a Mega-city Region) Li Yongning trata da conformação da região enquanto uma mega-cidade regional. Em Comparing two Economic Regions: Indonesia-Malaysia-Singapore Growth Triangle and Pearl River Delta Region, Hen e Thangavelu realizam interessante análise das relações entre o “triângulo” for-mado por Indonésia-Malásia e Singapura com a região do Pearl River Delta.

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Os aspectos fiscais da distribuição federativa das rendas de petróleo são tratados em dois artigos. No primeiro deles, Sérgio Gobetti apresenta o acirrado debate atual sobre as regras de distribuição das rendas petrolíferas no contexto da federação brasileira entre a União, governadores e prefeitos em face do exponen-cial crescimento de rendas que deverá resultar da ex-ploração e produção da camada do pré-sal. O texto de Gobetti traça um marco de referência desapaixonado para a discussão de um modelo de distribuição federa-tiva das rendas do petróleo. Como assinala o autor, a busca de um modelo ideal, ou ao menos possível de partilha de receitas deve partir da literatura do feder-alismo fiscal e de suas recomendações, enveredando em seguida pelo estudo de experiências de países produtores de petróleo organizados como federações. Entre os teóricos do federalismo fiscal, há pratica-mente consenso de que a competência para tributar as receitas de recursos naturais, cujas bases se distribuem desigualmente pelo território, deva ser do governo federal, ao qual também deve ser atribuída a renda extraída. O autor assinala que o modelo brasileiro de repartição das receitas, que atribui a estados e mu-nicípios 60% das receitas arrecadadas, foi concebido em 1985, em meio ao processo de descentralização, quando a produção era insignificante. Consolidado em 1997 pela Lei 9478, tornou-se, no entanto, insus-tentável face às perspectivas e aos desafios colocados pelas descobertas do pré-sal, que tornam evidente a necessidade de maior grau de centralização das recei-tas, seguindo as experiências internacionais.

No segundo texto focado nos aspectos fiscais, Paula Nazareth, Jorge Salles e Nina Quintanilha anal-isam o impacto que o novo marco regulatório poderá ter sobre as finanças do Estado do Rio de Janeiro e de seus municípios. A discussão evidencia a mudança na orientação de política do governo federal, conferindo menos importância ao componente indenizatório e mais peso ao caráter redistributivo da partilha de re-ceita a ser atribuída aos governos subnacionais. Além disso, chama a atenção para o fato de que as propos-tas analisadas desperdiçam oportunidade valiosa de estabelecer regras para a aplicação dos recursos pelos governos subnacionais, o que poderia evitar, no futuro, as dificuldades de rediscussão das regras atualmente experimentadas, em que estados e municípios com-prometeram transferências de receitas claramente não

asseguradas com despesas de pessoal e custeio, que têm caráter permanente.

Impactos sobre a indústria de petróleo e sua ca-deia produtiva, requerimentos de novas tecnologias, mão de obra qualificada, instrumentos de controle sobre a produção e exploração de petróleo e novos arranjos federativos para a repartição de receitas públicas encontram-se entre os temas abordados em Mar de Riqueza, Terra de Contrastes – o Petróleo no Brasil. A magnitude das mudanças esperadas, far-tamente dimensionada ao longo da coletânea, torna sua leitura uma referência básica para o debate que certamente se acirrará, não apenas como já ocorre em torno da repartição dos royalties, mas das políticas a adotar para que, de fato, se possa navegar num mar de riquezas em lugar de sucumbir à “maldição” dos recursos naturais.

REGIONAL ECONOMIC DEVELOPMENT IN CHINASaw Swee-Hock e John Wong (Orgs.)Cingapura: Institute of Southeast Asian Studies e East Asian Institute, 2009

Robson Dias da SilvaEconomista, professor do Programa de

Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da UFRRJ

A obra Regional Economic Development in China, organizada por Saw Swee-Hock e John Wong é uma coletânea de artigos que têm como objeto de inves-tigação a dimensão territorial do processo de cresci-mento econômico chinês. Editado pelos Institute of Southeast Asian Studies e East Asian Institute, ambos de Cingapura, o livro é composto por 14 textos, de diferentes autores asiáticos e é resultado de esforços de pesquisa financiados pelos institutos responsáveis pela edição ao longo da década de 2000. Curioso e importante registrar que, não obstante a publicação ter se dado em Singapura, a maior parte dos autores é formada por chineses que atuam em centros de pes-quisas, universidades e órgãos públicos da República Popular da China.

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Embora apresente certa insuficiência em termos de análise crítica sobre a “questão regional” chinesa, o livro se estabelece, sem dúvidas, como uma grande contribuição ao entendimento da dinâmica espa-cial do processo de crescimento econômico chinês, tornando-se leitura indispensável para pesquisadores que intentam aprofundar seus conhecimentos sobre o país ou mesmo iniciar agenda de pesquisa que tenha a “China” como objeto. Sustento essa afirmação não somente pela gama dos temas abordados nos capítu-los, como também, e especialmente, pelo considerável conjunto de indicadores (sociais, econômicos e de-mográficos) que ajudam a iluminar um pouco melhor o entendimento sobre as diversas regiões do território chinês e como o território se compõem e é tratado, pelas autoridades, no processo mais amplo de acumu-lação e expansão econômica.

O primeiro capítulo (China’s Regional Economic Development: an Overview), de autoria dos organiza-dores do livro, serve como grande apresentação da obra, fazendo sucinta contextualização da dinâmica regional chinesa nos últimos anos, além de situar cada um dos capítulos numa proposta maior de debate sobre as condicionantes e enfrentamentos que a estratégia de expansão econômica chinesa tem apresentado às regiões do país. A tentativa de construir um “panorama” do desenvolvimento regional da economia chinesa se faz bem sucedida, tendo os autores enfatizado o papel do território dentro da estratégia de expansão econômica e inserção externa nacional, considerando as diversas políticas e instrumentos “territoriais” utilizados na tra-jetória de busca por aumento da produtividade interna e maior competitividade internacional.

Talvez o mais interessante capítulo do livro seja o segundo (New Trends in China’s Regional Economic Development), redigido por Liu Feng. De maneira precisa, concisa e direta o autor detalha e explora as “novas tendências” e “caminhos” que o desenvolvi-mento regional chinês (possivelmente) trilhará nas próximas décadas. O texto apresenta um conjunto de medidas e preocupações elencadas pelo governo central chinês como prioritários ao desenvolvimento regional do país, chamando atenção o debate sobre a formalização/efetivação de instrumentos que tenham como objetivo primeiro a redução das desigualdades regionais pelo vasto território nacional. Para tanto, observa-se o estímulo e a articulação de “três ambi-

entes básicos” (estabelecimento de mercado nacional unificado, melhorar a equalização da oferta de serviços públicos básicos e a implementação de um ambiente de regulação pelo território nacional), com “três tipos de política regional” (política de atendimento total ao desenvolvimento regional, administração diferen-ciada para zonas e territórios com funções especiais e política regional para governança e atendimento de problemas regionais específicos) e os “quatro tipos de mecanismo de coordenação” (mecanismos de mer-cado, de cooperação, de auxílio mútuo e de suporte). Finalizando, o autor chama atenção para o fato de que a principal tendência do desenvolvimento regional chinês é a orientação para o crescimento em direção ao norte, em detrimento do padrão de crescimento baseado nos chamados “Four Plates” (leste, nordeste, centro e oeste).

O terceiro capítulo (Regional Economic Devel-opment in China: Agglomeration and Relocation), de Wei Houkai, é, em grande medida, complementar ao anterior, considerando que o centro de sua análise é a dinâmica industrial pelo território chinês ao longo das últimas três décadas. O autor apresenta um conjunto de indicadores de concentração territorial da produção industrial do país, assinalando os determinantes desse processo e apontando mudanças (muitas ainda bem sutis, vale anotar) no padrão de localização espacial da indústria nacional.

Os três capítulos seguintes concentram esforço analítico da região do Pearl River Delta, a mais rica do território chinês. Nessa região estão localizados alguns entre os mais dinâmicos setores da indústria e dos chamados serviços modernos. Densamente povoada, a região é o espaço por excelência do comércio inter-nacional chinês. O primeiro texto (Cost Impact and Industrial Upgrading in Pearl River Delta Region: Case Study on Shenzhen and Dongguan), de Guo Wanda e Feng Yueqiu, é um estudo de caso das províncias em questão, ao passo que no segundo (Development of Pearl River Delta as a Mega-city Region) Li Yongning trata da conformação da região enquanto uma mega-cidade regional. Em Comparing two Economic Regions: Indonesia-Malaysia-Singapore Growth Triangle and Pearl River Delta Region, Hen e Thangavelu realizam interessante análise das relações entre o “triângulo” for-mado por Indonésia-Malásia e Singapura com a região do Pearl River Delta.

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Os capítulos 7 e 8 tratam da dinâmica socio-econômica em outra importante regional chinesa: Yangtze River Delta, na qual está localizada a munici-palidade de Shangai. O primeiro (Shangai and Yangtze River Delta: a Revolving Relationship) apresenta um histórico sobre o desenvolvimento da região, most-rando suas transformações face à trajetória expansiva da econômica chinesa. O oitavo capítulo (Recent Develop-ment in Yangtze River Delta and Singapore’s Investi-ment, de Chen Wen e Sun Wei), por sua vez, discute o papel do investimento direto cingapurês na região, tra-zendo elementos importantes para a compreensão das transformações que vem se estabelecendo na divisão regional do trabalho no sudeste asiático.

A região da capital Beijing é objeto de análise do nono capítulo. Em Bohai Rim’s Regional Development: Problems and Policy Options o foco recai sobre a região, situada no interior do país, na porção mais ao norte, que vem se conformando como o terceiro mais impor-tante centro econômico do país. O rápido crescimento e urbanização têm trazido problemas e questões que se apresentam como urgentes aos governantes locais e nacionais, ao mesmo tempo em que a região se con-solida como o centro tecnológico do país. Os autores Zhou Liqun e Shu Ping apresentam, inicialmente, um breve histórico da região, bem como uma sucinta descrição da estrutura econômica e alguns indicado-res sociais. O desenvolver do texto traz, de um lado, aspectos apontados como principais potenciais para a manutenção (e expansão) da taxa de crescimento econômico, de outro, o que chamam de “obstáculos ao desenvolvimento” regional. Desse último aspecto, é interessante notar o destaque dado à questão ambien-tal, com tópicos sobre a poluição e o uso não racional dos recursos hídricos.

O décimo capítulo trata de Quingdao, a cidade mais importante da província de Shandong. Escrito a seis mãos (Han Limin, Lin Chao e Chen Ziqiang), o texto trata das bases do crescimento industrial regional, liderado pela atividade industrial orientada para as ex-portações. Vale anotar que essa cidade é um dos mais representativos exemplos de expansão regional ocorrida em razão da política de abertura comercial chinesa. Por fim, há um comparativo entre a dinâmica regional e a de Singapura e apontamentos acerca da importância comercial da região com esse país, ressaltando-se que constituíram, no sudeste asiático, um eixo de espe-

cialização e complementaridade produtiva de cadeias globais de valor.

Em Sino-Singapore Tianjin Eco-city: Features of a Modelo of Sustainable Living, Yang Mu e Lye Fook tratam da experiência da chamada eco-city Tianjin, uma experiência compartilhada entre Singapura e China que objetiva a constituição e observação de um modelo de cidade “ambientalmente sustentável” e capaz de se estabelecer como alternativa viável em termos de crescimento econômico na perspectiva de expansão e inserção internacional de ambos os países. Como assinalado pelos autores, a experiência permite a troca de informações e experiências entre os governantes dos países em questão e a observação do alcance ou atendimento de objetivos e metas previa-mente definidos.

Os últimos três capítulos da obra trazem perspec-tivas analíticas bem diversas.

No capítulo 12 (FDI, Capital Formation, and Economic Growth of Western China: a Comparison across three Regions) os autores (Changwen e Jiang) fazem uso de função Cobb-Douglas para auferir e comparar o desempenho de variáveis econômicas entre três regiões chinesas (oeste, central e leste), mostrando, empirica-mente, que a formação de capital na porção ocidental do território chinês é mais fraca que nas demais por-ções, indicando, ademais, que gastos fiscais tem efeito expansivo mais considerado nessa região.

A municipalidade de Chongquing é objeto de discussão do capítulo 13. Em Chongqing’s Development Strategy and its Role in China’s Development os autores (Chongju e Lifen) abordam a importância da região, que está diretamente subordinada ao governo central, e ressaltam as transformações observadas na urbanização e na estrutura produtiva nos últimos anos. Enfatizam, muitas vezes com certo exagero, a importância regional dentro da estratégia de expansão e abertura econômica e comercial do país.

Regions with net Outward Migration: Issues and Challenges, de Lu Ding, trata de um dos temas mais importantes para se entender a dinâmica regional chinesa: os fluxos migratórios internos. Lançando mão de informações oficiais e cálculos estatísticos básicos, o autor faz um balanço do fluxo demográfico chinês, indicando quais regiões tem atraído os maiores fluxos migratórios e aquelas que têm observados “perdas”. Em sua argumentação, enfatiza a necessidade de

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políticas públicas balizadas pela questão demográfica, além de apontar os efeitos deletérios do forte fluxo migratório para algumas regiões, tais como a rápida urbanização não acompanhada da oferta de infraestru-tura básica, os impactos do mercado de trabalho (so-bre/suboferta de mão de obra) e no nível de renda per capita regional.

Concluindo, faz-se importante assinalar que, afora a qualidade da obra pelos motivos já apontados, o esforço de reflexão apresentado nos diversos textos se apresenta enquanto um dos primeiros, de maior envergadura, que se propõem a analisar a dinâmica territorial chinesa sob a perspectiva da rápida expansão econômica que tem, em nível doméstico, exacerbado problemáticas relacionadas à rápida urbanização, à questão ambiental, à dicotomia rural-urbano e à co-existência entre estruturas e setores dotados de grande diferenciação, em termos físicos, territoriais, finan-ceiro, cultural e de produtividade, em escalas muitas vezes sem correspondente no mundo atual.

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Os capítulos 7 e 8 tratam da dinâmica socio-econômica em outra importante regional chinesa: Yangtze River Delta, na qual está localizada a munici-palidade de Shangai. O primeiro (Shangai and Yangtze River Delta: a Revolving Relationship) apresenta um histórico sobre o desenvolvimento da região, most-rando suas transformações face à trajetória expansiva da econômica chinesa. O oitavo capítulo (Recent Develop-ment in Yangtze River Delta and Singapore’s Investi-ment, de Chen Wen e Sun Wei), por sua vez, discute o papel do investimento direto cingapurês na região, tra-zendo elementos importantes para a compreensão das transformações que vem se estabelecendo na divisão regional do trabalho no sudeste asiático.

A região da capital Beijing é objeto de análise do nono capítulo. Em Bohai Rim’s Regional Development: Problems and Policy Options o foco recai sobre a região, situada no interior do país, na porção mais ao norte, que vem se conformando como o terceiro mais impor-tante centro econômico do país. O rápido crescimento e urbanização têm trazido problemas e questões que se apresentam como urgentes aos governantes locais e nacionais, ao mesmo tempo em que a região se con-solida como o centro tecnológico do país. Os autores Zhou Liqun e Shu Ping apresentam, inicialmente, um breve histórico da região, bem como uma sucinta descrição da estrutura econômica e alguns indicado-res sociais. O desenvolver do texto traz, de um lado, aspectos apontados como principais potenciais para a manutenção (e expansão) da taxa de crescimento econômico, de outro, o que chamam de “obstáculos ao desenvolvimento” regional. Desse último aspecto, é interessante notar o destaque dado à questão ambien-tal, com tópicos sobre a poluição e o uso não racional dos recursos hídricos.

O décimo capítulo trata de Quingdao, a cidade mais importante da província de Shandong. Escrito a seis mãos (Han Limin, Lin Chao e Chen Ziqiang), o texto trata das bases do crescimento industrial regional, liderado pela atividade industrial orientada para as ex-portações. Vale anotar que essa cidade é um dos mais representativos exemplos de expansão regional ocorrida em razão da política de abertura comercial chinesa. Por fim, há um comparativo entre a dinâmica regional e a de Singapura e apontamentos acerca da importância comercial da região com esse país, ressaltando-se que constituíram, no sudeste asiático, um eixo de espe-

cialização e complementaridade produtiva de cadeias globais de valor.

Em Sino-Singapore Tianjin Eco-city: Features of a Modelo of Sustainable Living, Yang Mu e Lye Fook tratam da experiência da chamada eco-city Tianjin, uma experiência compartilhada entre Singapura e China que objetiva a constituição e observação de um modelo de cidade “ambientalmente sustentável” e capaz de se estabelecer como alternativa viável em termos de crescimento econômico na perspectiva de expansão e inserção internacional de ambos os países. Como assinalado pelos autores, a experiência permite a troca de informações e experiências entre os governantes dos países em questão e a observação do alcance ou atendimento de objetivos e metas previa-mente definidos.

Os últimos três capítulos da obra trazem perspec-tivas analíticas bem diversas.

No capítulo 12 (FDI, Capital Formation, and Economic Growth of Western China: a Comparison across three Regions) os autores (Changwen e Jiang) fazem uso de função Cobb-Douglas para auferir e comparar o desempenho de variáveis econômicas entre três regiões chinesas (oeste, central e leste), mostrando, empirica-mente, que a formação de capital na porção ocidental do território chinês é mais fraca que nas demais por-ções, indicando, ademais, que gastos fiscais tem efeito expansivo mais considerado nessa região.

A municipalidade de Chongquing é objeto de discussão do capítulo 13. Em Chongqing’s Development Strategy and its Role in China’s Development os autores (Chongju e Lifen) abordam a importância da região, que está diretamente subordinada ao governo central, e ressaltam as transformações observadas na urbanização e na estrutura produtiva nos últimos anos. Enfatizam, muitas vezes com certo exagero, a importância regional dentro da estratégia de expansão e abertura econômica e comercial do país.

Regions with net Outward Migration: Issues and Challenges, de Lu Ding, trata de um dos temas mais importantes para se entender a dinâmica regional chinesa: os fluxos migratórios internos. Lançando mão de informações oficiais e cálculos estatísticos básicos, o autor faz um balanço do fluxo demográfico chinês, indicando quais regiões tem atraído os maiores fluxos migratórios e aquelas que têm observados “perdas”. Em sua argumentação, enfatiza a necessidade de

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políticas públicas balizadas pela questão demográfica, além de apontar os efeitos deletérios do forte fluxo migratório para algumas regiões, tais como a rápida urbanização não acompanhada da oferta de infraestru-tura básica, os impactos do mercado de trabalho (so-bre/suboferta de mão de obra) e no nível de renda per capita regional.

Concluindo, faz-se importante assinalar que, afora a qualidade da obra pelos motivos já apontados, o esforço de reflexão apresentado nos diversos textos se apresenta enquanto um dos primeiros, de maior envergadura, que se propõem a analisar a dinâmica territorial chinesa sob a perspectiva da rápida expansão econômica que tem, em nível doméstico, exacerbado problemáticas relacionadas à rápida urbanização, à questão ambiental, à dicotomia rural-urbano e à co-existência entre estruturas e setores dotados de grande diferenciação, em termos físicos, territoriais, finan-ceiro, cultural e de produtividade, em escalas muitas vezes sem correspondente no mundo atual.

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Esta obra foi impressa em processo digital/sob demanda, na Oficina de Livros para a Letra Capital Editora.

Utilizou- se o papel offset 90g/m²Rio de Janeiro, julho de 2013.