voto, facção, política

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o MARCIO GOLDMAN c RONALDO DOS SANTOS SANT'ANNA SANTOS, Wanderley Guilherme dos. 1987. Crise e Castigo: Partidos e Ge- nerais na Política Brasileira. Rio de Janeiro: Vérticel1UI'ERJ. SOARES, Gláucio Ary Dillon. 1973. Sociedade e Política no Brasil (Desen- volvimento, Classe e política Durante a Segunda República). São Paulo: Difel. SOUZA, Maria do Carmo Campello de. 197~. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa-Omega. VEYNE, Paul. 1984. "Os Gregos Conheceram a Democracia?" Diógenes, 6: 57-82. VEYNE, Paul. 1987. "Vlndividu Atteint au Coeur par ia puissance Publi- que". ln: Paul Veyne et alii, Sur l'lndividu. Paris: Seuil. pp 7-19. 40 POLÍTICA, FACç6ES E VOTO l Moacir Palmeira As imagens mais freqüentemente associadas à política local no Brasil são a do mandonismo exclusivista do chefe político sem competidores ou a de municípios divididos entre duas facções ou partidos afrontando-se permanentemente, muitas vezes de forma violenta, em torno do controle do poder local e do acesso aos que controlam o poder regional e nacional. Apesar do que ambas con- têm de verdadeiro, e sem que os que as utilizam se dêem necessa- riamente conta, elas minimizam o peso e o significado social do processo eleitoral. A primeira reduz o processo eleitoral a uma far- sa; a segunda assinala o acirramento de ânimos e paixões provoca- do pelas eleições, sem questionar, porém, a sua extensão e o seu significado. Paradoxalmente, não são imagens coladas a interpretações conflitivas de processos políticos passados ou atuais. São imagens que coexistem nos mesmos textos, nos mesmos autores. Em alguns casos, elas são explicitamente remetidas a uma certa evolução de uma situação de domínio absoluto de potentados a uma outra de poder já questionado (Vilaça e Albuquerque 1965: 17-21,31-41). Alguns autores sugerem uma certa diferenciação geográfica ou de estilos de exercício de um tipo de dominação que seria basicamente o mesmo (Vilaça e Albuquerque 1965: 43-45; Sá 1974: 77-108; Leal 1975: 22). Esse tipo de delimitação, todavia, não é capaz de dar conta de todas as situações - talvez as de maior freqüência ernpírica na literatura - em que, de forma aparentemente absur-

Transcript of voto, facção, política

o MARCIO GOLDMAN c RONALDO DOS SANTOS SANT'ANNA

SANTOS,Wanderley Guilherme dos. 1987. Crise e Castigo: Partidos e Ge-nerais na Política Brasileira. Rio de Janeiro: Vérticel1UI'ERJ.SOARES,Gláucio Ary Dillon. 1973. Sociedade e Política no Brasil (Desen-volvimento, Classe e política Durante a Segunda República). São Paulo:

Difel.SOUZA,Maria do Carmo Campello de. 197~. Estado e Partidos Políticosno Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa-Omega.VEYNE,Paul. 1984. "Os Gregos Conheceram a Democracia?" Diógenes,

6: 57-82.VEYNE,Paul. 1987. "Vlndividu Atteint au Coeur par ia puissance Publi-que". ln: Paul Veyne et alii, Sur l'lndividu. Paris: Seuil. pp 7-19.

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POLÍTICA, FACç6ES E VOTOl

Moacir Palmeira

As imagens mais freqüentemente associadas à política localno Brasil são a do mandonismo exclusivista do chefe político semcompetidores ou a de municípios divididos entre duas facções oupartidos afrontando-se permanentemente, muitas vezes de formaviolenta, em torno do controle do poder local e do acesso aos quecontrolam o poder regional e nacional. Apesar do que ambas con-têm de verdadeiro, e sem que os que as utilizam se dêem necessa-riamente conta, elas minimizam o peso e o significado social doprocesso eleitoral. A primeira reduz o processo eleitoral a uma far-sa; a segunda assinala o acirramento de ânimos e paixões provoca-do pelas eleições, sem questionar, porém, a sua extensão e o seusignificado.

Paradoxalmente, não são imagens coladas a interpretaçõesconflitivas de processos políticos passados ou atuais. São imagensque coexistem nos mesmos textos, nos mesmos autores. Em algunscasos, elas são explicitamente remetidas a uma certa evolução deuma situação de domínio absoluto de potentados a uma outra depoder já questionado (Vilaça e Albuquerque 1965: 17-21,31-41).Alguns autores sugerem uma certa diferenciação geográfica ou deestilos de exercício de um tipo de dominação que seria basicamenteo mesmo (Vilaça e Albuquerque 1965: 43-45; Sá 1974: 77-108;Leal 1975: 22). Esse tipo de delimitação, todavia, não é capaz dedar conta de todas as situações - talvez as de maior freqüênciaernpírica na literatura - em que, de forma aparentemente absur-

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da, a dominação exclusiva e absoluta coexiste com lutas faccionais

intensas 2•

Daniel Gross (1973) resolveu parte da questão, ao mostrar queo exclusivismo de mando de um chefe político corresponde a ummomento de um ciclo. Criado um município, o seu 'fundador' exerceum poder sem limites até o momento em que o chefe político deum distrito lhe comece a fazer oposição. O acirramento do conflitoacaba provocando a divisão do município e garantindo um períodode paz a ambos os municípios, até que, em cada um deles, o proces-so se reinicie 3. Essa idéia do ciclo de uma facção não é estranha aospolíticos, mesmo quando a possibilidade de fragmentação do mu-nicípio, por que razões seja, não se coloca. Um político do sertão dePernambuco, candidato derrotado a prefeito nas eleições de 1992,dizia-me no início de 1995, animado com divergências que apare-ciam na facção adversária e de olho nas eleições de 1996: "O que euvejo hoje é que o grupo dos meninos está chegando aonde chegouo nosso. Cresceu demais e aí ninguém sustenta. Todo mundo querser [candidato a prefeito). Uma tendência de divisão ... "

Essa idéia do ciclo é capaz de ordenar, num período mais lon-go, momentoS de unidade (de exercício da dominação sem contes-tação pública) e de luta aberta entre pretendentes à chefia política,mas não nos diz muito sobre como a dominação é exercida, o querepresentam as eleições ou como os que são objeto de dominação semovem dentro desse esquema. Quando'aproximamos mais o noSSOolhar _ tendo, obviamente, comO referência um tempo mais res-trito _ de situações como aquelas analisadas pela literatura, cons-tatamos que a polarizaçao da vida das localidades do interior entre'situação' e 'oposição', em especial das sedes dos municípios, pareceser um processo corrente e generalizado e, também, que o exercícioo.u a pretensão ao exercício do poder absoluto e discricionário peloadversário é objeto não apenas de denúncias, mas do medo de mui-tos dos que são 'do outrO lado'. Mas isso se restringe à política. E apolítica para essas populações não é uma atividade permj.nente enem se constitui em uffirdomínio delimitado de atividade~ políticaé identificada a eleições e, sintomaticamente, o período eleitoral échamado de tempo da política, época da política ou simplesmentepolítica. Não se trata de mera sino nímia e muito menos de expres-sões de criação desse ou daquele indivíduo. Está em jogo um certo

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calendário, um certo recorte social do tempo, com implicações tãoobjetivas quanto aquelas que decorrem da delimitação do tempodo plantio <: da safra, ou do tempo das festas e da Quaresma".

Pensar a política como uma atividade não permanente não étão estranho assim para as ciências sociais. Max Weber, que, com asua teoria da dominação, acabou fornecendo o paradigma ou em-prestando o nome ao que se transformou numa espécie de horizon-te da ciência política de nosso tempo, afirmou, em mais de umlugar, que as comunidades políticas não são necessariamente per-manentes (Weber 1964: 661 ss.). E Radcliffe-Brown lembrou, numdos textos canônicos da Antropologia, que há sociedades em que a'sociedade política' se manifesta temporariamente, por exemplo, nasassembléias religiosas (Radcliffe-Brown 1961: xix). O que pode soarestranho é pensar na política como atividade não permanente numasociedade em que ela está, por assim dizer, contida nos limites doEstado, uma associação política caracterizada, entre outras coisas,pela permanência. Não é preciso adotar o radicalismo desse últimoautor, que entende o Estado como uma ficção criada pelos filósofos(idem: xxiii) - esquecendo-se da, ou não acreditando na, realida-de das ficções -, para pensar na plausibilidade de estruturas políti-cas não permanentes em sociedades nas quais o Estado desempenhafunções essenciais. Funções estas, nunca é demais lembrar, 'maio-res' que o Estado. É preferível lembrar que as facções, uma formade organização política identificada por antropólogos e cientistaspolíticos em sistemas políticos os mais diversos, inclusive em mui-tos dos chamados Estados modernos, têm como um de seus traçosmais consensuais não serem permanentes (Lasswell 1937; Firth1957; Nicholas 1965; Mayer 1966; Gross 1973; Landé 1977) 5

Nas situações que estudamos, ~ tempo da política representa omomento em que essas facções são identificadas e em que, por as-sim dizer, existem plenamente, em conflito aberto. É nesse períodoque aquelas municipalidades se dividem de uma maneira poucohabitual nos grandes centros, com a distribuição entre as facções dopróprio espaço físico da cidade e o desenvolvimento de interdiçõescom relação à freqüência a bares, farmácias, barbearias, em suma,aos locais públicos controlados pela facção adversária, que tantoimpressionaram os que estudaram a política local no Brasil. Toda-

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via, se a polarização é delimitada no tempo, dentro dos limites des-se tempo ela é ainda mais radical do que se possa imaginar.

Os estudos sobre poder local no Brasil- especialmente aque-les realizados por pesquisadores brasileiros, que associam muito for-temente as facçõespolíticas às 'famílias de tipo patriarcal' dos grandessenhores de terra, e também as descrições feitas por muitos estu-diosos estrangeiros, que se deixam tomar por essa essa 'representa-ção nativa' - tendem a enfatizar a sua relativa fixidez duranteperíodos de tempo mais longos e a acentuar uma certa rigidez noseu relacionamento mútuo, independentemente de calendários dequalquer ordem. Mas, se as suas exposições ressaltam os episódiosou as considerações sobre os episódios que caracterizam aquela es-pécie de 'guerrra permanente' entre famílias, parentelas ou partidosque teria marcado a história política brasileira até o final da primei-ra república e, em muitas regiões, até os dias de hoje, elas não têmcomo deixar de registrar divisões de grandes famílias ou alianças(via casamento, por. exemplo) entre famílias inimigas ou, muitoantes de qualquer 'crise da representação', exemplos numerosos deinfidelidade partidária e de mobilidade interpartidária 6• De modoanálogo, quando adotam um enfoque mais morfológico, escolhemdescrever tudo o que assinale as fronteiras rígidas e o conflito aber-to entre facções e a homogeneidade interna de cada uma, para logose verem obrigados a 'temperar' suas afirmações por uma discretacontextualização ("Isso era particularmente intenso durante o pe-ríodo eleitoral" ou "Passadas as eleições, as pessoas dos dois grupostinham uma relação normal", para se referir às "hostilidades per-manentes" entre facções) ou a introduzir um 'discurso da exceção'("Às vezesocorria de parentes se desentenderem e até candidatarern-se por partidos opostos").

Longe do já-se-sabe-quem-vai-ganhar, insinuado pela imagemdo mando quase absoluto de uma facção ou do revezamento inevi-tável entre facções fixas e articuladas por um único tipo de vínculo,as eleições representam um momento crucial na vida dessas comu-nidades, cujo desfecho está longe de ser algo preestabelecido. Não épor acaso que o processo eleitoral envolve tanta emoção e que, mes-mo os analistas mais críticos - contrariando às vezes seus própriosesquemas explicativos -, tenham evidenciado a importância daseleições para a vida social local e para o funcionamento de um certo

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sistema de dominação, mesmo nas condições mais viciosas ou navigência de sistemas eleitorais de participação restrita 7. Como a fac-ção fora do tempo da política se resume aos chefes políticos e a unspoucos seguidores - embora seja uma referência fundamental_,a disputa eleitoral é exatamente uma disputa para incorporar o maiornúmero possível de pessoas, o maior número de apoios a cada fac-ção. É o seu lado da sociedade que tem que ser aumentado. Está emjogo, pois, uma disputa que é mais ampla que a disputa eleitoralstricro sensu. Está em questão tanto a tentativa de acesso a certoscargos de mando, quanto o peso relativo de diferentes partes dasociedade, o que é decisivo para a ordenação das relações sociaisdurante um certo período de tempo.

Nessas circunstâncias, mais do que uma escolha individual,acertada ou não, o voto tem o significado de uma adesão. Numaeleição, o que está em jogo, para o eleitor - e a palavra serve paradesignar tanto aquele que está legalmente habilitado a votar quantoqualquer membro da comunidade a quem o processo eleitoral pos-sa interessar - não é escolher representantes, mas situar-se de umlado da sociedade que, como lembramos acima, nâo é um lado fixo.E, em se tratando de adesão, tanto quanto o voto, pesa a declaraçãopública antecipada do voto. Diferentemente do que nos acostuma-mos a ver nas grandes cidades, o fato de alguém ter um cartaz, umafotografia do candidato ou o nome do candidato na porta da suacasa, equivale a uma declaração de voto. E mais ainda, é uma sina-lização de que o dono da casa pertence a uma determinada facção.Manipulações dessa associação entre a propaganda na fachada e oVOto- como a dos candidadatos que, nos meses que antecedem aseleições, distribuem cestas de alimentos entre famílias da 'periferia'e que se valem daquele expediente de identificação dos beneficiáriospara criar a imagem de um apoio amplo a sua candidatura _ sóservem para confirmar sua eficácia 8. Eficácia tanto maior quanto, 45ao 'emprestar' seu nome ou seu rosto, com intenção manipulatóriaou não, o candidato beneficia-se da coerção moral da adesão públi-ca reconhecida no 'retrato na porta'.

Se o Voto-escolha é uma decisão, uma decisão individual', to-mada com base em certos critérios e em um determinado momen-to, a adesão é um processo que vai comprometendo o indivíduo,ou a família, ou alguma outra unidade social significativa, ao longo

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do tempo, para além do tempo da política. Mas este é um processodiferenciado, que assume feições diversas para diferentes posiçõesou categorias sociais, e que pode assegurar maior ou menor mar-

gem de escolha e de individualização.

Há uma adesão (e o termo aqui não seria muito adequado)vinculada a certas 'lealdades primordiais' , à solidariedade familiar,aos laços de parentesco, amizade, vizinhança. Nesse tipo de socie-dade, a vinculação familiar é particularmete importante. Mesmoquando não está em jogo a militância permanente numa facção, asobrigações sociais que alguém tem para com membros de sua famí-lia' estendem-se à esfera política. Há uma expectativa geral de queum candidato conte com os votos de seus parentes e, com relaçãoao eleitor individual, de que ele, tendo um parente candidato, voteneste. Dependendo do grau de parentesco ou da intensidade damilitância de alguém na facção liderada por um parente seu, é con-siderado indelicado abordá-Io para pedir voto para outrO candida-to. Dispor de uma família grande ou contar com uma extensaparentela, hoje, como no passado, é um capital político não despre-

zível para quem disputa um cargo eletivo-

Isso não significa (que fique claro!) postular a existência deuma correspondência entre certas relações instituídas, como as re-lações de família, e o pertencimento a um determinado partido oufacção política; e, ainda, a utihzação de determinados instrumentospolíticos do tipo 'voto de fa~r'. Eu diria, ao contrário, que parecehaver uma certa autonomia entre a 'lealdade do voto' e as 'lealdadesfundamentais' a familiares ou p;~entelas. Essas diferentes lealdadespodem convergir, mas isso nem sempre é verdade; pode ou nãoacontecer. Não me par,.ece que as divisões familiares na política se-jam fatos excepcionais ou efeitos recentes de uma certa decompósi-

46 ção da 'ordem ""diôon§. f!. \c,jdadc politica, lcold.de do V?W, éadquirida via compromisso: ela não implica, necessariamente, liga-ções familiares ou vinculação a um partido; a lealdade política tema ver com o compromisso pêSsOaI;-com favores devidos a uma de-terminada pessoa, em determinadas circunstâncias. Ela articula, naverdade, uma outra esfera de sociabilidade e, eventualmente, as di-

ferentes esferas podem entrar em conflito.

POLfTICA. FACÇÕES E VOTO •

Parentes ou não, as pessoas relacionam-se, no dia-a-dia, atravésde múltiplos fluxos de trocas, que as vão vinculando umas às outras,confirmando ou não relações preexistentes, cuja interrupção é ca-paz de gerar conflitos ou redefinir clivagens dentro de uma comuni-dade. Via de regra, estão em jogo ajudas ou pequenos favores, quevão sendo saldados ao longo do tempo e que permitem a inversãofreqüente das posições de quem dá ou recebe.

Mas há também grandes favores ou ajudas maiores que sãobuscados fora, junto a quem tem condições de fazê-los, por disporde dinheiro, prestígio ou de um capital de relações pessoais sufici-ente para mobilizar recursos de diferentes espécies de modo a aten-

o der às solicitações feitas. Esses favores, como emprego público paraum membro da família, atendimento gratuito num hospital priva-do ou atendimento especial num hospital público, um grande em-préstimo em dinheiro, serviços ádvocatícios gratuitos}ão têm comoser reppstos no sUa-a-dia. A eleição pode ser se não um momentode saldar, p-elo menosde amortizar parte da dívida, a ajuda sendoretribuída com o voto. Quanto a este ponto não apresentamos grandediferença em relação ao que tem sido relatado pela literatura socio-lógica internacional sobre patronagem e clientelismo. Todavia, noscasos que estudamos, as coisas parecem ser um pouco mais comple-xas. Favores ou ajudas, grandes ou pequenos (sem que isso suprimao que foi dito antes), supõem, de um lado, um pedido e, de outro,uma promessa, ou seja, diferentemente de outras formas de reci-procidade, supõem o empenho da palavra das duas partes; 'portan-to, promessas recíprocas: a promessa da retribuição e a promessa doatendimento. A reiteração dessas trocas dentro de um mesmo cir-cuito, mesmo naqueles casos em que não há um empenho explícitoe público da palavra, é reconhecida como algo que cria um com-promisso, um vínculo que envolve a honra dos parceiros. Na horade votar, as pessoas votam na ('acompanham a', como se dizjfacção 47em que estão ou em que votam as pessoas com quem têm compro-misso (com quem estão comprometidas e/ou com quem se sentemcomprometidas)~

Por outro lado, como as próprias ações políticas (ações própriasI' ao tempo da política) supõem promessas recíprocas - a promessa

, do candidato e a promessa do eleitor de votar no candidato -, elas.se enquadram no modelo do favor/ajuda. Assim, mesmo quando

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não há rompwmi"'" p«exh"n"" M açô" poUti= são oapa,'" degenu compwmi"o,. E boa pa<te da arte do poUtico con,i,titá emconseguir adesões através de compromissos criados por sua própriaação na época da política, isto é, criados na própria campanha.

É por aí que se pode pensar a distribuição farta de diferentestipo, de bens do dinheitO ao colchão, que matea Mdi'putM eleiro-rais no interior. O recebimento de um bem material, no tempo dapolitica, janto quanto um "",iço pen<ado como favo

tou ajuda,

fora do tempo da política, faz o eleitor sentir-se comprometido como candidato. Aliás, a melhor prova da eficácia desse compromissosão os resultados desastrOSOs para alguns partidos ou can'bl.idatos desua orientação de "pegar o dinheiro e votar no candidato de suaconsciêncià'. A menoS que o autor da consigna tenha um caris maverdadeiramente extraordinário - que faça com que sua recomen-dação seja percebida como uma ordem tão legítima, que possa se,ob«pot ao' critétio, corten'" de legitimidade e honra pessoalembutidos na palavra empenhada - o recebimento de um bemleva o eleitor a votar 'naturalmente' no seu doador.

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Essa distribuição de bens é inerente ao processo eleitoral talcomo concebido nas áreas estudadas. Será preciso determinar, comtig

ot, a "pecificidade de cada tipo de bem que entra na ttan"ç[o

do voto. Isso é fundamental porque não apenas os que vêem o pro-cessO de fora, mas também pessoas e grupOS envolvidos diretamen-te no processo político local, referem-se com grande freqüência à'compra de votoS' oU ao 'voto por dinheiro', quando não à suamercantilização e à força crescente do 'poder econômico' nas elei-ções. E mais: há uma tendência nítida de essas pessoas apontaremqualquer tipo de tta",ação ma"tial como implicando, em últimainstância, determinados valores monetários e, portanto, como sen-

do um processo de compra e venda9•

Engana-se, todavia, quem achar que observadores de fora eparticipantes do processo estão dizel:ldo a mesma coisa. No casodos primeiros, está em jogo a denúncia de procedimentos tidos como"pútio,. No caso do, último" está em jogo ° uso de uma «tótic

a

cap"" de atrair apoio, ex"'"o' rontta M po"ibilidad" de uso inde-vido de instrumentoS que sempre foram acionados em processoseleitorais, mas que, usados fora de medida, são capazes de provocar

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desequilíbrios que ameaçariam não apenas eventuais chefias políti-cas mas o próprio significado social das eleições para essas popula-ções. Engana-se, portanto, uma segunda vez.; quem achar que a'compra de voto' é privilégio de uma ou outra facção política; euma terceira vez, quem achar que a denúncia de compra de votos éexclusividade de algumas delas.

Com exceção de uns poucos e pequenos partidos ou grupospolíticos programáticos, o que é condenado é o uso do dinheiro oude outros bens sem a mediação do compromisso para desfazer com-promissos preestabelecidos como modalidade exclusiva ou princi-pal de tentar obter votos; ou a utilização de quantidades de dinheirono processo eleitoral não proporcionais à capacidade financeira dosdemai-s candidatos; ou ainda, a mercantilização de certos elos dasrêdes sociais que se estabelecem no tempo da política, até entãopreservados.

Um candidato dar uma certa quantia de dinheiro a seus caboseleitorais (mesmo estimando que há um preço médio por eleitor)para despesas de campanha em sua área de atuação, assim como adistribuição de refeições ou a doação de pequenas quantias a possí-veis eleitores, é considerado absolutamente natural. Entretanto, écondenável dar uma quantidade maior de dinheiro ao cabo eleito-ral de um adversário para que ele, virando de lado, aberta ou disfarça-damente, passe a fazer essas mesmas coisas a seu favor. Comotambém é condenada a distribuição direta de quantidades conside-radas elevadas de dinheiro, condicionadas ao voto; ou condenadosos gastos considerados excessivos com propaganda; ou ainda a dis-tribuição ilimitada de certos bens, como as camisetas com nomesde candidatos. É curioso que ao 'voto comprado', se contraponha o'voto consciente', expressão do vocabulário das formações políticasde esquerda para designar o voto ideológico, mas que, aqui; passa a 49significar voto numa facção, que, no momento, está empenhadaem estigmatizar os ganhos eleitorais do adversário.

Como o que está em jogo não é uma escolha mas uma adesão,o voto não suscita a elaboração de critérios prévios, como no voto-escolha, em que se espera do eleitor (sob pena de ser consideradoum indeciso) a capacidade de listar os atributos do candidato, ou dopartido de sua preferência, ou suas próprias motivações pessoais para

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escolher A e não B. Nas situações estudadas,ou se tem uma espéciede declaração prévia de adesão a uma facção, em função de compro-missos publicamente conhecidos ou da manipulação de emblemascomo os cartazes aftxados na frente das casas ou do uso de cores deum determinado partido ou candidato, ou, ainda, da freqüentaçãodos locais identiftcados, durante o tempo da política, a uma deter-minada facção,ou, então, ° 'lu," rem é a jmtiHcativa,'lu",,' ",Çpre a posteriori, não do voto, mas do votO que não foi dado.

Essa última expressa, a um só tempo, a imprescindibilidade detodo e qualquer eleitor situar-se numa das partes em que a socieda-de se vê cindida e o conflito entre compromissos ou entre 'lealdadesptimotdiai, ,comptomi"," politico" Frasescomo "sou seu ami-(go, lh, devo favot", mas tiv' 'lu' votat em Fulano potqu, me fezum favor muito grande'';'''sempre acompanhei o nossO partido mas,este ano, votei no outrO partido porque meu irmão se candidatou ...";ou "nem que meu pai mandasse, eu não votaria num candidatodesse partido", ditas por eleitores, não apenas a candidatos - o'lu, é int"tatU,n" comp",n,iv,l numa ,oci,dad, ern qu' todo,praticamente se conhecem - mas também a não importa queinterlocutor com quem conversem sobre eleições, são moeda cor-rente nOSdias que anteced~m e, sobretudo, nos dias que se seguemàs eleições. Como esses conflitos são resolvidos, isto é, como se che-ga ao' attanjo, indicado, n'''"'' ju"iHcativ"" é um outtO oapit~lo,

Ao contr,ário da simples confnmação do mando de um deter-minado chefe político ou facção sobre uma mesma clientela, as elei-ções são a ocasião, por excelência, para as migrações entre facções.O tempo da política é o tempo em que são possíveis os rearranjosou em que são formalizados os rearranjos de compromissos queforam se dando entre duas eleições, que, de outra forma, continua-riam sendo lidos como ingratidões ou traições. Mesmo quando oresultado é a confnmação do mando da mesma facção, esses movi-mentoS são fundamentais. Entre duas eleições muita coisa se passa:conflitoS interpessoais inviabilizam a permanência de duas pessoasna mesma fa!.::ção;favores de diferentes,fontes criam para um mes-mo indivíduo, ou para uma mesma família, problemas de lealdade,e assim por diante. O tempo da política é que permitirá mudançasde fronteira capazes de readequar a sociedade à imagem que faz de

si própria.

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Centro de ClênClllIIHumanas, LetraS e AMS fBiblioteca Selorla: ' ,oero,;;hzaoi>

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IJ.

A busca de alesões não passa, então, pela caça ao eleitor inde-ciso. Essa, aliás, é uma figura política inexistente nesse tipo de co-munidade. A indecisão - o 'não sei em quem vou votar" - éautomaticamente associada ao voto não declarado na outra facção.O eleitor disputado pelos candidatos e por seus partidários é o elei-

o ror de voto múltiplo (isto é, aquele que, por sua inserção social,define seu próprio voto e o de pe$soas a ele vinculadas por algumtipo de lealdade), envolvido em ou administrando conflitos capazesde justificar mudanças de lado: é o pai de família enredado por com-promissos com diferentes pessoas e que poderá, quem sabe, dividir

'organizadamente os votos de seus dependentes; é o sindicalistaincompatibilizado, por alguma razão, com o político em quem vo-

-; rou na eleição anterior; é o cabo eleitoral 'profissional' preterido por. seu chefe em favor de algum desafeto; é o líder de um novo gruporeligioso, ávido por estabelecer compromissos que olegitirnern.

Mas, hoje em dia, a luta mais intensa por adesões, ou simples-.mente por votos, se dá além desses limites e em ternos que invertem~ busca tradicional de adesões. Nas últimas décadas, contingentes

~ crescentes de trabalhadores rurais transferiram-se de fazendas, sítiose povoados para as chamadas 'periferias', 'bairros' ou 'favelas' dascidades do interior. Se, em certas áreas, mesmo fora da terra, essestrabalhadores permaneceram na atividade agrícola e mantiveram seus

~ postos de trabalho, outras vezes, ocorreu uma diversificação de ati-vidades e uma grande mobilidade em busca de emprego ou terrapara arrendar. Neste último caso, a referência oferecida pelas fac-ções deixou de operar nos termos em que operava antes. Por umlado, situações de desemprego e suas seqüelas, ou mesmo crises deoutra natureza, geraram uma demanda individualizada crescente deassistência às prefeituras ou aos políticos dos municípios; por outrolado, esse mesmo fato e mais a mobilidade dessas populações torna-ram mais difíceis as possibilidades de compromissos. Os compro-missos tornaram-se, então, mais estritamente eleitorais.

Ainda uma vez, todavia, não estará em jogo o 'eleitor indeciso',mas o eleitor potencial 'em disponibilidade'. Disponibilidade rela-tiva, lembre-se de passagem, pois, embora se trate de alguém sociale, muitas vezes, espacialmente deslocado, os códigos culturais ma-nipulados permanecem os mesmos. Não é por acaso que os candi-datos continuarão a abordá-lo nos mesmos termos que abordam

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não importa que eleitor, valendo-se de ajudas, favores e promessas,capazes de fazê-lo sentir-se comprometido com eles. Se o 'voto pordinheiro' ou a 'compra de voto' encontra melhores condições for-mais para se tornar uma realidade, essa não é, ao menos por en-quanto, a mudança fundamental.

A grande inversão operada pela caça ao voto nas 'periferias'será exatamente a procura do voto de quem não tem vínculos. Nãocom um apelo categorial ao voto dos 'trabalhadores rurais expulsos'ou algo que o valha, mas com a tentativa de comprometer indivi-dualmente eleitores enquadrados socialmente por novos recortessociais. É o caso das 'mulheres largadas', que eram efetivamentenumerosas na cidade, cujo processo eleitoral acompanhei pessoal-mente, no sertão de Pernambuco. Como, habitualmente, a nego-ciação do voto passa pelo homem chefe de família, a mulher inexistecomo eleitora individual. A condição de 'largadas', isto é, abando-nadas por maridos-pais e não reabsorvidas pelas famílias de origem,torna esposas e fílhas existentes para o processo eleitoral. Desprovi-das da experiência masculina da negociação do voto, elas se tornamum dos públicos selecionados para a atividade de candidatos quequerem fazer pender, a seu favor, a balança que as ocorrênciasintereleitorais e a campanha desenvolvida nos moldes habituais incli-nariam para o outro lado. A subversão representada pelo voto con-servador da 'mulher largadà, dos 'desempregados' (geralmente, osdesempregados da firma tal), dos 'velhos', dos 'que não são daqui'transparece duplamente: na denúncia da 'compra do voto' feita tantopelos chefes políticos mais 'tradicionais' quanto pelos sindicalistas emilitantes de esquerda, o que encontraria nas 'periferias' a sua reali-zação mais completa; no seu elogio comum à 'sinceridade do voto

do campo'.

52A associação entre voto e cidadania tornOU-seautomática para

nosso senso (comum) intelectual. Talvez, pelo papel histórico querepresentou em muitos países. Na verdade, cada vez que essavinculação tem sido assumida socialmente, apresenta conseqüên-cias importantes para o desenvolvimento da democracia. Não setrata, todavia, de algo fácil. A adoção do voto universal não intro-

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duz automaticamente valores ligados à idéia de democracia repre-sentativa. Não por uma qualquer ausência de conhecimentos doseleitores, mas pelo fato de que o voto, como qualquer outro utensí-lio institucional, não existe num vazio cultural ou social.

O que procurei mostrar foi como, nos marcos da políticafaccional, o voto, antes de ser uma escolha, tem o significado deuma adesão. Antes de ser pensado como uma indicação de repre-sentantes ou mandatários, é concebido como gesto de identificaçãocom uma facção. Antes de ser uma decisão individual, é um proces-so envolvendo unidades sociais mais amplas que simples indiví-duos ou redes de relações pessoais. Isso, no entanto, longe detransformar as eleições em algo secundário, indica sua importânciacentral para a continuidade das relações sociais em determinadotipo de sociedade e sua articulação com a própria temporalidadedessa sociedade.

Parece-me que essa importância social do processo eleitoral(identificado com a própria política em comunidades como as queestudamos) e o significado objetivo (isto é, socialmente comparti-lhado) do voto podem nos ajudar a entender duas coisas: o porquêde inovações institucionais (mesmo radicais) afetando o sistema elei-toral e de mudanças sociais importantes (como as que são associa-das à monetarização da economia) serem, com relativa facilidade,reapropriadas e reinterpretadas pelos que fazem operar esse siste-ma, ao qual, apesar da idade, não falta plasticidade; o porquê de,ainda hoje, um século depois da adoção do sistema republicano edos princípios da democracia representativa, alinharmos democra-cia, representação, partidos, voto e cidadania como utopias.

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J Este artigo é uma tentativa de desenvolver alguns pontos de um outroanteriormente publicado (Palmeira 1992). As afirmações aqui feitas basei-am-se fundamentalmente em resultados de uma pesquisa que venho reali-zando há alguns anos, junto com Beatriz Heredia, em Pernambuco e no RioGrande do Sul, sobre concepções de política de populações rurais. Naqueleprimeiro estado, trabalhamos sobretudo na área canavieira e no sertão do

o MOACIR PALMEIRA

Pajeú. No Rio Grande do Sul, concentramo-nos na região de Santa Rosa. Oleitor poderá encontrar mais informações a esse respeito em Palmeira e Heredia

(1995).2 A visão relacional que tem Victor Nunes Leal do 'coronelismo' - resulta-do de um compromisso entre chefes locais e o governo estadual ou federal_ e a marca 'governista' que nele identifica ajudam a entender aquela coe-xistência. A 'carta branca' dada aos coronéis, em troca de votos, pelos gover-nos estaduais deixa espaço para uma atuação mais branda ou mais agressivacom relação a seus adversários. Mas a sua dependência com relação ao gover-no permite que este, havendo uma mudança de governantes ou simplesmen-te um desentendimento entre o governo estadual e o chefe local, faça emer-gir uma oposição conhecida mas sufocada ou, por assim dizer, aparecer danoite para o dia uma oposição inexistente. Uma interpretação desse tipo nãopermite, entretanto, perceber os pontoS de fissura ou, dito de outra maneira,quem e em que circunstâncias é capaz de se contrapor à chefia local.

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3 Bem antes dele, num trabalho de 1957, Maria Isaura Pereira de Queiroz(1969) chamava atenção para esse processo de segmentação aplicando-se amunicípios, mas também a capitanias durante o período colonial e sugeriaque, ao menos em parte, também fosse capaz de explicar as bandeiras.

4 Essa descontinuidade entre política e cotidiano, cuja percepção, de certomodo, mudou o rumo da minha pesquisa, já havia sido assinalada, em 1974,no trabalho pioneiro de Maria Auxiliadora Ferraz de Sá, que só recentemen-te li. Trabalhando com a categoria 'movimento' - o " 'movimento' singulardas eleições" _ Ferraz de Sá descreve algo muito próximo daquilo a que merefiro como o tempo da política, embora ela enfatize bem mais a dimensãode inversão daquele 'fato social extraordinário: em que se constituem as elei-

ções municipais (Sá 1974: 77-108).

5 Há múltiplas defmições de facções, mas entre os antropólogos há um cer-to consenso de que se trata de unidades de conflito, cujos membros sãoarregimentados por um líder com base em princípios variados. Em geral,estão em jogo conflitos considerados políticos (envolvendo o uso do poder.público). As facções não são grupos corporados (via de regra os autores pen-sam-nas como quase-grupoS, grupOS diádicos não corporados etc.). Ao con-trário de partidos políticos, associações ou clubes (para ficarmos em exem-plos muito próximos) "as facções são unidades de conflito ativadas em oca-siões específicas antes do que mantidas por uma organização formal" (Mayer1977: 52) mas, como lembra Nicholas, "que as facções não sejam corporadas,que sejam basicamente impermanentes, isso não significa que não possampersistir por um longo período de tempo" (Nicholas 1977: 58).

(, Isso não escapou à ironia de Machado de Assis. Numa crônica de 1878,comenta a notícia de que os dois partidos "de uma das paróquias do Norte,

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a paróquia de S. Vicente (... ) dividiram-se e trocaram as metades". Depois dedizer ignorar "o modo pelo qual as duas metades dos dois programas foramcoladas às metades alheias" e fazer mais algumas considerações, arremata: "Oponto mais obscuro deste negócio é a atitude moral dos dois novos partidos,a linguagem recíproca, as mútuas recriminações. Cada um deles vê no adver-sário metade de si próprio. (... ) Em vão busco adivinhar por que modo essesdois partidos singulares cruzaram armas no grande pleito; não encontro ex-plicações satisfatórias. Nenhum deles podia acusar o outro de se haver ligadoa adversários, porque esse mal ou essa virtude estava em ambos; não podiaum duvidar da boa-fé, da lealdade, da lisura do outro, porque o outro era elemesmo, os seus homens, os seus meios, os seus fins.( ... )" (Machado de Assis1994: 16-17)

7 Lembraria a importância das Câmaras municipais e da eleição dos verea-dores - uma das únicas ocasiões em que os colonos compareciam às vilas-realçada por Maria Isaura Pereira de Queiroz (1%9) e a afirmação de VictorNunes Leal de que "o 'coronelismo' tem sido, no Brasil, inseparável do regi-me representativo em base ampla" (Leal 1975: 248).

8 Mais do que em qualquer outro momento, nesse período as pessoas estãoatentas a determinados sinais. O depoimento espontâneo, em tom de adver-tência a um candidato ausente com quem me identificava, de um dono dehotel numa cidade do sertão de Pernambuco, poucas horas depois de fecha-das as urnas em 1988, é revelado r: "A gente aqui no interior se acostumacom essas coisas de eleição. A gente percebe quando a coisa está virando.Avisei a Catonho que é meu amigo. A gente vai todo dia à cidade. Eu mesmovou três vezes por dia. E a gente vai vendo que tem cartaz que está desapare-cendo, comício que fica menor, entusiasmo que diminui, povo que vai fa-lando menos do candidato".

9 A tese da substituição do 'voto de cabresto' pelo 'voto-mercadoria', tradu-zindo no plano político a monetarização da economia foi desenvolvida porRoberto Cavalcanti de Albuquerque na sua introdução ao Coronel, Coronéis(Vilaça e Albuquerque 1%5). Ver, no mesmo sentido, Sá (1973).

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POLÍTICA, FAMÍLIA, COMUNIDADE

Beatnz M. A. de Heredia

Nas comunidades camponesas, a política não é um tema quefaça parte do cotidiano I. No entanto, isso se altera no período elei-toral, quando a política está presente tanto através da mídia, especi-almente rádio e televisão, quanto pela presença física dos políticos ede seus símbolos - bandeiras, cartazes e músicas. Essa presença dapolítica em tempos de eleição permite-nos dizer, sem temor de equí-vocos, que nesses momentos ela faz parte de seu cotidiano 2. É essapresença maciça da política, e a maneira como ela se dá, que fazreferirmo-nos ao período eleitoral nas comunidades camponesascomo sendo o tempo da política 3 .

Propomos aqui analisar como a política irrompe em tais comu-nidades nessas ocasiões, isto é, de que maneira é introduzida e seesta interfere nas relaçõesexistentes no interior das mesmas. Baseamo-nos em material de pesquisa colhido numa localidade situada naregião noroeste do Rio Grande do Sul e em outra situada na regiãolimite da zona da mata de Pernambuco, nas margens da área canavi-eira, onde havíamos trabalhado anteriormente.

No primeiro caso, trata-se de uma área de pequenos produto-res de origem alemã e italiana agrupados em algumas colônias. De-nomina-se colônia um conjunto de unidades de residência cercadaspela área destinada ao cultivo e agrupadas em torno de um centro- constituído por uma capela, um salão (às vezes, o mesmo espaçoé usado como capela e salão) e uma escola -, onde se realizam todasas atividades e reúnem-se os colonos. Por sua vez, um conjunto de