Voxia 2011 IA

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  realização: colaboração: apoio:  Grupo de Estudos da Expressão Vocal na Performance Musical vox:ia ENCONTRO SOBRE  A EXPRESS ÃO VOCAL NA PERFORMANCE MUSICAL •••••••••••••••••••••••••••• 8 a 10 de junho de 2011 Instituto de Artes da UNESP Barra Funda - São Paulo - SP conferências  mesas  comunicações  workshops  concertos

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Voxia IA UNESP 2011

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  • realizao:

    colaborao: apoio:

    Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical

    vox:ia

    ENCONTRO SOBRE A EXPRESSO VOCAL NA PERFORMANCE MUSICAL

    8 a 10 de junho de 2011 Instituto de Artes da UNESP Barra Funda - So Paulo - SP

    conferncias mesas comunicaes workshops concertos

  • Atas do VOX:IA Encontro sobre a Expresso Vocal na Performance Musical Instituto de Artes da Unesp Universidade Estadual Paulista So Paulo - SP

    EVPM Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical

    ATAS DO VOX:IA

    Encontro sobre a Expresso Vocal na Performance Musical 8 a 10 de junho de 2011 UNESP - Instituto de Artes So Paulo Brasil

    Wladimir Mattos e Sheila Minatti, editores

    EVPM UNESP

    So Paulo, 2011

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    EVPM Unesp / So Paulo, 2011 Publicao eletrnica disponvel em: http://www.ia.unesp.br/evpm Atas do VOX:IA - Encontro sobre a Expresso Vocal na Performance Musical EVPM Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical Unesp Universidade Estadual Paulista / Instituto de Artes

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    VOX:IA Encontro sobre a Expresso Vocal na Performance Musical

    Coordenao Geral Martha Herr (UNESP, EVPM) Wladimir Mattos (UNESP, EVPM)

    Comisso Cientfica Adriana Giarola Kayama (UNICAMP) Martha Herr (UNESP, EVPM) Ricardo Ballestero (USP)

    Coordenao de produo Sheila Minatti (UNESP, EVPM) Josani Keunecke (UNESP, EVPM) Wladimir Mattos (UNESP, EVPM)

    Equipe de produo Alunos do Bacharelado em Canto da Unesp: Arthur Canguu, Beatriz Paroni, Jeane Baltar, Marcela Panizza, Maria Isabel Fray, Vicente Sampaio.

    Realizao Unesp Universidade Estadual Paulista EVPM Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical Colaborao Unicamp Universidade Estadual de Campinas USP Universidade de So Paulo

    Apoio financeiro FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa de So Paulo

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    NDICE

    ATIVIDADES REALIZADAS ........................................................................................... 7

    PROGRAMAO ...................................................................................................... 12

    CONCERTOS ............................................................................................................. 16

    COMUNICAES ...................................................................................................... 19 A Cano Brasileira na Aula de Canto uma anlise das propriedades pedaggicas da Cano da Felicidade, de Barrozo Netto e Nosor Sanches. ............................ 19

    A evocao de sonoridades instrumentais na escrita para piano no ciclo Winterreise de Franz Schubert .............................................................................. 35

    Anlise Espectral como ferramenta de diferenciao entre o vibrato de carter triste e o alegre em duas rias de pera ............................................................... 53

    Arthur Iber de Lemos: Vida e obra de um compositor esquecido ........................ 69

    Afinidades Eletivas: As relaes pessoais e sua influncia na obra vocal de Csar Guerra-Peixe ........................................................................................................ 87

    As relaes texto-msica e o procedimento pianstico em seis canes de Ernst Mahle: propostas interpretativas ....................................................................... 103

    Em busca de significados perdidos: convenes da pera veneziana do Seiscentos. ........................................................................................................................... 116

    Leitura primeira-vista na colaborao pianstica: consideraes a partir da experincia de estudantes de graduao em piano ............................................. 136

    Leituras intersemiticas: Poesia, Msica e Voz no Maracatu de Marlos Nobre e Ascenso Ferreira. ................................................................................................ 154

    O Pianismo na Seresta no7, Cantiga do Vivo, de Heitor Villa Lobos .................... 164

    Pedagogia Vocal Moderna e cincias da voz: Interao e conceitos comuns ....... 167

    Vibrato vocal e msica coral ............................................................................... 178

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    APRESENTAO

    com grata satisfao que apresentamos comunidade cientfica, artstica e

    ao pblico em geral as Atas do VOX:IA Encontro sobre a Expresso Vocal na

    Performance Musical.

    Realizado entre 8 e 10 de Junho de 2011, no Instituto de Artes da UNESP, o

    VOX:IA foi o primeiro evento internacional integralmente organizado pelo

    UNESP/EVPM - Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical, com a

    colaborao dos departamentos de msica da USP e da UNICAMP, e com o apoio da

    FAPESP (processo n 2011/06055-6).

    Este encontro foi tambm o primeiro evento cientfico organizado

    conjuntamente por professores/pesquisadores das reas de Canto que desenvolvem

    suas atividades de pesquisa junto aos departamentos de graduao e ps-graduao

    em msica destas referidas trs universidades estaduais de So Paulo.

    Alm de integrar a produo das trs universidades estaduais, na referida rea

    de pesquisa, este evento se estende aos mbitos nacional e internacional por

    apresentar a produo de importantes pesquisadores que desenvolvem seus trabalhos

    em outros estados (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina) e pases (Portugal,

    Alemanha e EUA).

    O tema geral do encontro foi proposto com a finalidade de estabelecer um

    amplo espao de discusso e difuso cientfica no entorno dos temas relacionados

    rea do Canto, no contexto dos estudos musicais. Para contribuir com a organizao

    dos trabalhos apresentados e garantir um mnimo de diversidade s abordagens sobre

    o tema geral, cada um dos trs dias do evento foi organizado sobre trs respectivos

    temas especficos: Performance e Msica Contempornea, Performance e

    Colaborao Pianstica e Performance e Musicologia.

    Em cada um dos trs dias temticos, tivemos um aproveitamento intensivo do

    tempo e espaos disponveis, com a realizao de conferncias, mesas de discusso,

    comunicaes e concertos .

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    A programao foi realizada de maneira satisfatria, cumprindo com a

    apresentao de todos as atividades programadas e gerando uma srie de

    documentos relevantes, sobretudo para os cientistas e artistas que trabalham com a

    msica vocal.

    Entre estes documentos, destacam-se as presentes Atas do VOX:IA 2011 ,

    que apresentam a seguir as informaes gerais sobre o evento, incluindo-se a

    programao de atividades, a relao de organizadores e participantes convidados e a

    ntegra dos trabalhos apresentados nas sesses de comunicao.

    Disponibilizadas publicamente por meio eletrnico, estas atas ficaro

    permanentemente disponveis no stio do EVPM (atualmente em:

    http://www.ia.unesp.br/evpm), onde futuramente podero ser encontrados outros

    documentos relacionados ao evento, tais como registros em vdeo dos concertos

    realizados durante a programao.

    Sejam bem vindos!

    Martha Herr Wladimir Mattos UNESP /EVPM

    ATIVIDADES REALIZADAS

    Resultado de uma colaborao indita, entre os programas de Ps Graduao

    em Msica da UNESP, UNICAMP e USP, o VOX:IA - Encontro sobre a Expresso Vocal

    na Performance Musical contribuiu para o desenvolvimento integrado das atividades

    de ensino, pesquisa e produo artstica na rea de canto e suas interfaces.

    Com um programa organizado no entorno de trs linhas temticas -

    Performance e Msica Contempornea, Performance e Colaborao Pianstica e

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    Performance e Musicologia - o evento contou com a participao de renomados

    pesquisadores e performers do Brasil e do exterior, para a realizao de conferncias,

    mesas de discusso, workshops, concertos e apresentao de trabalhos cientficos.

    Dia 08/06 Performance e Msica Contempornea

    A programao do primeiro dia do evento foi dedicada s questes relativas

    aos paradigmas tcnicos, estticos e artsticos da performance vocal na ps-

    modernidade. Foram discutidos aspectos relacionados ao estudo e performance do

    canto, regncia e composio musical.

    Os trabalhos tiveram incio com uma dupla conferncia: Sonora palavra: a

    relao compositor/intrprete na obra vocal contempornea, proferida pela profa.

    Dra. Mrcia Taborda (UFRJ) e BBCC: Berio, Berberian, Cage and Crumb, proferida

    pela Profa. Dra. Isabelle Ganz (Lamar University, Texas USA).

    Em seguida, realizou-se a mesa redonda O tradicional versus o desconhecido

    na performance da msica vocal contempornea, com a participao dos cantores

    Prof. Me. Marcelo Coutinho (UFRJ) e professora Heloisa Petri, e dos compositores

    Prof. Dr. Florivaldo Menezes Filho (UNESP) e Prof. Dr. Aylton Escobar (USP), este

    ltimo tambm regente.

    A sesso de comunicaes selecionada para este dia teve a apresentao dos

    trabalhos: A Cano Brasileira na Aula de Canto uma anlise das propriedades

    pedaggicas da Cano da Felicidade, de Barrozo Netto e Nosor Sanches, pelo

    doutorando Lenine Santos (UNESP), Anlise Espectral como ferramenta de

    diferenciao entre o vibrato de carter triste e o alegre em duas rias de pera,

    pela mestranda Priscila Oliveira Faria (UFMG), Arthur Iber de Lemos: vida e obra de

    um compositor hoje esquecido, pelo Prof. Me. Mauro Chantal (UFMG, doutorando

    na UNICAMP) e A msica vocal e suas convenes na pera Veneziana do

    Seiscentos, pela Profa. Dra. Silvana Scarinci (UFPR). A Profa. Dra. Isabelle Ganz

    (Lamar University, Texas USA), realizou ainda o workshop The joy of singing

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    (playshop), com a participao de participantes ouvintes do evento, previamente

    inscritos.

    As atividades do dia 08/06 se encerraram com um concerto cujo programa

    pode ser considerado ecltico para o gnero. Profa. Dra. Mrcia Taborda (UFRJ), Prof.

    Me. Marcelo Coutinho (UFRJ), Profa. Dra. Martha Herr (UNESP) e Dra. Isabelle Ganz

    (Lamar University, Texas USA) apresentaram, respectivamente obras de Luciano

    Berio (ITA), Luiz Carlos Csek (BRA), Ricardo Tacuchian (BRA), TIM Rescala (BRA) e John

    Cage (USA). Ao final do concerto, um grupo de alunos de graduao e ps-graduao

    do Instituto de Artes da Unesp, coordenados pela Profa. Dra. Martha Herr (UNESP)

    apresentou obras de Meredith Monk (USA).

    Dia 09/06 Performance e Colaborao Pianstica

    O segundo dia do evento foi dedicado ao papel desempenhado pelo piano e

    pianistas nos processos de criao e realizao de trabalhos cientficos e artsticos

    relacionados expresso vocal na performance vocal. Foram discutidos aspectos

    relacionados: formao especfica do pianista, ao mercado de trabalho entre outras

    implicaes socioculturais relacionadas ao tema; s contribuies recebidas pelos

    pianistas colaboradores quanto aos conhecimentos sobre a voz humana, as

    habilidades do canto e a msica vocal; s contribuies prestadas pelos pianistas

    colaboradores aos cantores, bem como aos estudantes e professores de canto.

    Os trabalhos tiveram incio com a conferncia: Texto e msica: perspectivas

    pedaggicas na formao de um pianista colaborador, proferida pelo prof. Dr.

    Ricardo Ballestero (USP). Em seguida, realizou-se a mesa redonda As habilidades e

    atuaes dos pianistas junto msica vocal e seus reflexos na performance, com a

    participao dos pianistas, pesquisadores e educadores Prof. Dr. Achille Picchi

    (UNESP), Prof. Andr Rangel (UNESP), Prof. Dr. Marcelo Amaral (Hochschule fr

    Musik, Nrnberg) e Profa. Dra. Rubia Santos (University of Wyoming - EUA).

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    A sesso de comunicaes selecionadas para este dia teve a apresentao dos

    trabalhos: O pianismo na Seresta n. 7, Cantiga do Vivo, de Heitor Villa-Lobos, pelo

    Prof. Dr. Achille Picchi (UNESP), A evocao de sonoridades instrumentais na escrita

    para piano no ciclo Winterreise de Franz Schubert, pelo Prof. Me. Ticiano Biancolino

    (UEM), Treinamento em leitura primeira-vista aplicado atividade do pianista

    colaborador, pelo Prof. Me. Jos Francisco da Costa (UNICAMP) e As relaes

    texto-msica e o procedimento pianstico em seis canes de Ernst Mahle: propostas

    interpretativas, pela doutoranda Eliana Asano Ramos (UNICAMP). O Prof. Dr.

    Marcelo Amaral (Hochschule fr Musik, Nrnberg) realizou ainda o workshop A

    interpretao do Lied para duos de canto e piano, com a participao de

    participantes ouvintes do evento, previamente inscritos.

    As atividades do dia 09/06 se encerraram com um concerto dedicado a duos de

    canto e piano cujos integrantes mantm uma colaborao permanente: Prof. Dr.

    Achille Picchi (UNESP), ao piano e Lenine Santos (doutorando, UNESP), tenor,

    apresentaram canes de Achille Picchi; Prof. Dr. Luciano Simes (UNICAMP),

    bartono e Ana Carolina Sacco, ao piano, apresentaram canes de Edmundo Villani-

    Cortes.

    Dia 10/06 Performance e Musicologia

    A programao do terceiro e ltimo dia do evento foi dedicada questo das

    interfaces e interaes entre as reas da pesquisa musicolgica e a performance vocal.

    Foram discutidos aspectos diversos, tais como: a importncia para o musiclogo

    histrico dos conhecimentos sobre as tcnicas e estticas do canto, no que diz respeito

    ao restauro e edio de partituras antigas; a importncia para o cantor dos

    conhecimentos musicolgicos e historiogrficos, no que diz respeito interpretao

    dos repertrios de msica antiga; a questo das interaes entre pesquisa

    musicolgica e performance, dentro e fora do ambiente acadmico.

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    Os trabalhos tiveram incio com a conferncia: Problemticas na edio da

    msica teatral luso-brasileira do perodo colonial , proferida pelo Prof. Dr. David

    Cranmer (Universidade Nova de Lisboa - Portugal). Em seguida, realizou-se a mesa

    redonda Performance vocal e musicologia: integrao e cooperao, com a

    participao dos musiclogos: Prof. Dr. David Cranmer (Universidade Nova de Lisboa -

    Portugal), organista; Prof. Dr. Alberto Pacheco (Universidade Nova de Lisboa), tenor;

    Prof. Dr. Flvio de Carvalho (UFU), prof. de canto; Prof. Dr. Marcos Holler (UDESC), e

    Prof. Dr. Vitor Gabriel de Araujo (UNESP), regente.

    A sesso de comunicaes selecionada para este dia teve a apresentao dos

    trabalhos: Afinidades eletivas - as relaes pessoais e sua influncia na obra vocal

    de Csar Guerra-Peixe, pelo Prof. Me. Incio de Nonno (UFRJ, doutorando na

    UNICAMP), Vibrato vocal e msica coral, pelo Prof. Dr. Angelo Jos Fernandes

    (UNESP), Leituras intersemiticas: Poesia, Msica e Voz no Maracatu de Marlos

    Nobre e Ascenso Ferreira, pela mestranda Lucia de Ftima Ramos Vasconcelos

    (UNICAMP) e Pedagogia vocal moderna e cincias da voz: interao e conceitos

    comuns, pela doutoranda Joana Mariz (UNESP). O Prof. Dr. Angelo Fernandes

    (UNESP), realizou ainda o workshop Sonoridade vocal na msica coral, com a

    participao de participantes ouvintes do evento, previamente inscritos.

    As atividades do dia 10/06, e do evento, encerraram-se com um concerto

    caracterizado por trabalhos autorais, estrias modernas e importantes resgates: Profa.

    Dra. Carin Zwilling (Faculdade Carlos Gomes), ao alade e Profa. Me. Andrea Kaiser

    (USP), apresentaram canes baseadas em textos de William Shakespeare vertidas

    para o portugus; Prof. Dr. Alberto Pacheco (Universidade Nova de Lisboa), tenor,

    Profa. Dra. Adriana Kayama (UNICAMP), soprano e Prof. Me. Jos Francisco da Costa

    (UNICAMP), ao piano, apresentaram edies modernas do repertrio luso-brasileiro

    do perodo imperial; Prof. Me. Incio de Nonno (UFRJ) e o Prof. Me. Jos Francisco da

    Costa (UNICAMP), ao piano, apresentaram canes de Cesar Guerra-Peixe.

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    PROGRAMAO 8 de Junho, quarta-feira A Performance Vocal e a Msica Contempornea 09h15 10h45 Conferncia:

    Sonora palavra: a relao compositor/intrprete na obra vocal contempornea Conferencista: Profa. Dra. Mrcia Taborda (UFRJ) Apresentao: Profa. Dra Martha Herr (UNESP)

    10h45 11h00 Intervalo

    11h00 12h30 Mesa redonda: O tradicional versus o desconhecido na performance da msica vocal contempornea Participantes: Profa. Dra. Martha Herr (UNESP) Prof. Dr. Marcelo Coutinho (UFRJ) Prof. Andrea Kaiser (USP) Prof. Dr. Aylton Escobar (USP) Mediao: Prof. Me. Wladimir Mattos (UNESP)

    12h30 13h30 Intervalo

    13h30 15h15 Comunicaes: Apresentao de trabalhos a serem selecionados Mediao: Integrantes do Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical (UNESP)

    15h15 15h30 Intervalo

    15h30 18h00 Workshop: The joy of singing (playshop) Realizao: Isabelle Ganz (Lamar University, Texas USA) Apresentao: Integrantes do Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical (UNESP)

    18h00 19h00 Intervalo

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    19h00 20h30 Concerto: Performance de msicas contemporneas Participantes: Isabelle Ganz (Lamar University, Texas - EUA) Profa. Dra. Martha Herr (UNESP) Prof. Me. Marcelo Coutinho (UFRJ) Profa. Dra. Marcia Taborda (UFRJ) Prof. Me. Andrea Kaiser (USP) Organizao: Profa. Dra. Martha Herr (UNESP)

    9 de Junho, quinta-feira O Piano e a Performance Vocal 09h15 10h45 Conferncia:

    Texto e msica: perspectivas pedaggicas na formao de um pianista colaborador Conferencista: Prof. Dr. Ricardo Ballestero (USP) Apresentao: Prof. Dr. Angelo Fernandes (UNESP)

    10h45 11h00 Intervalo

    11h00 12h30 Mesa redonda: As habilidades e atuaes dos pianistas junto msica vocal e seus reflexos na performance Participantes: Profa. Dra. Margarida Borghoff (UFMG) Prof. Dr. Andr Rangel (UNESP) Prof. Dr. Achille Picchi (UNESP) Prof. Dr. Abel Rocha (UNESP) Mediao: Prof. Dr. Ricardo Ballestero (USP)

    12h30 13h30 Intervalo

    13h30 15h15 Comunicaes: Apresentao de trabalhos a serem selecionados Mediao: Integrantes do Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical (UNESP)

    15h15 15h30 Intervalo

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    15h30 18h00 Workshop: A interpretao do Lied para duos de canto e piano (Masterclasse) Realizao: Marcelo Amaral (Hochschule fr Musik, Nrnberg - ALE) Apresentao: Integrantes do Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical (UNESP)

    18h00 19h00 Intervalo

    19h00 20h30 Concerto: O piano e a performance vocal Participantes: Profa. Dra. Margarida Borghoff (UFMG) Profa. Dra. Luciana Montecastro (UFMG) Prof. Dr. Andr Rangel (UNESP) Profa. Dra. Martha Herr (UNESP) Prof. Dr. Achille Picchi (UNESP) Prof. Me. Lenine Santos (UNESP) Organizao: Prof. Dr. Ricardo Ballestero (USP)

    10 de Junho, sexta-feira A Performance Vocal e a Musicologia 09h15 10h45 Conferncia:

    Problemticas na edio da msica teatral luso brasileira do perodo colonial Conferencista: Prof. Dr. David Cranmer (Universidade Nova de Lisboa) Apresentao: Profa. Dra. Adriana Kayama (UNICAMP)

    10h45 11h00 Intervalo

    11h00 12h30 Mesa redonda: Performance vocal e musicologia: integrao e cooperao Participantes: Prof. Dr. Alberto Pacheco (Universidade Nova de Lisboa) Prof. Dr. Flvio de Carvalho (UFU) Prof. Dr. Marcos Holler (UDESC) Prof. Dr. Vitor Gabriel de Araujo (UNESP) Mediao: Profa. Dra. Adriana Kayama (UNICAMP)

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    12h30 13h30 Intervalo

    13h30 15h15 Comunicaes: Apresentao de trabalhos a serem selecionados Mediao: Integrantes do Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical (UNESP)

    15h15 15h30 Intervalo

    15h30 18h00 Workshop: Sonoridade vocal na msica coral Realizao: Prof. Dr. Angelo Fernandes (UNESP) Apresentao: Integrantes do Grupo de Estudos da Expresso Vocal na Performance Musical (UNESP)

    18h00 19h00 Intervalo

    19h00 20h30 Concerto: Performance de msicas antigas Participantes: Prof. Dr. Alberto Pacheco (Universidade Nova de Lisboa) Profa. Dra. Mrcia Organizao: Profa. Dra. Adriana Kayama (UNICAMP)

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    CONCERTOS 8/06/2011, 19h00 Concerto: Performance vocal e a msica contempornea

    I) Luciano Berio (1925-2003)

    Mrcia Taborda, soprano

    Sequenza III (1965)

    II) Luiz Carlos Csek

    Marcelo Coutinho, bartono

    Corda Bamba (1983)

    III) Tim Rescala

    Martha Herr, soprano

    Cantos (1994)

    IV) Ricardo Tacuchian

    Marcelo Coutinho, voz Diogo Maia, clarone

    Terra dos Homens (2006), texto: Gerson Valle

    V) John Cage (1912-1992)

    Isabelle Ganz, soprano

    Aria (1958)

    VI) Meredith Monk

    Grupo formado por professores e alunos do IA Unesp e convidados *

    Other Worlds Revealed, de A celebration service (1996) Panda Chant II (1995)

    * Integrantes do grupo: Andr Estevez, Anglica Menezes, ngelo Fernandes, Camila Brder, Camila Titinger, Felipe Moreira, Flvia Tunchel, Glauco Tolentino, Guilherme Prioli, Josani Keunecke, Josy Santos, Larissa Costa, Luciano Simes, Nataniel Bdue e Sheila Minatti.

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    09/06/2011, 19h00 Concerto: Performance vocal e a msica contempornea

    I) Edmundo Villani-Crtes Luciano Simes, bartono Ana Carolina Sacco, piano

    Espelhos (texto: Mnica Crtes) Rua Aurora (texto: Mrio de Andrade) Sem Nome (texto: Mnica Crtes) Alma Minha (texto: Lus Vaz de Cames) Valsinha de Roda (texto: Edmundo Villani-Crtes)

    II) Achille Picchi Lenine Santos. tenor Achille Picchi, piano

    O corao (texto: Castro Alves) Comboio de Corda I: Dor (texto: Castro Alves) Quando eu morrer (texto:Laurindo Rabelo) Evocao (texto:Helena Ferraz) Buqu (texto:Jos Bandeira) Chama (texto: de Bastos Tigre) do ciclo Comboio de Corda II: Autopsicografia (texto: Fernando Pessoa) A Flor e o Lago (texto: Joo de Lemos S. Castelo Branco)

    10/06/2011, 19h00 Concerto: Performance vocal e a msicologia

    I) Canes e msicas instrumentais do teatro de William Shakespeare

    Duo As You Like It: Carin Zwilling, Alade Andrea Kaiser, Soprano

    John Hilton (c.15991657) Some men for sudden joy did weep (King Lear, I.4)

    Robert Johnson (c.1583 c.1633) Full fathom five (The Tempest, I.2) Where the bee sucks (The Tempest, V.1) Thomas Morley (1557-1602) O mistress mine (Twelfth Night, II.3)

    Robert Johnson (c.1583 c.1633) Hark, hark! The lark (Cymbelin, King of Britaine, II.3/20)

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    Antiga balada Tomorrow is Saint Valentines Day (Hamlet, IV.5)

    Thomas Robinson, The Schoole of Musicke (1603) The ousel cock (Midsummer Nights Dream, III.1)

    II) Cantata Adriana Giarola Kayama, Soprano Franciso Costa, Piano Silenzio, o muse Policarpo Jos Antnio da Silva (1745-1803)

    III) Recitativos de salo Alberto Pacheco, Tenor Jos Franciso Costa, Piano

    Elisa Furtado Coelho (1831-1900); texto: Bulho Pato

    Sempre! Antnio Osternold (?-?); texto: Bento da Silva

    IV) Fortunato Mazziotti (1782-1855 ) Adriana G. Kayama, soprano Alberto Pacheco, tenor Jos Franciso Costa, piano

    Dueto de amor Composto para o casamento da Princesa Maria Tereza 13/05/1810

    V) Heitor Villa-Lobos (1887 - 1959) Mrcia Guimares, soprano Achille Picchi, piano

    Serestas: Abril (texto - Ribeiro Couto) Realejo (texto - lvaro Moreyra) Serenata (texto - David Nasser)

    VI) Csar Guerra-Peixe (1914-1993) Incio de Nonno, bartono Jos Franciso Costa, Piano

    Rapadura (texto - Carlos Drummond de Andrade) Cnticos Serranos n 4* (texto - Raul de Leoni): Prudncia; Vivendo Vou-me embora pra Pasrgada (texto - Manuel Bandeira)

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    COMUNICAES

    A Cano Brasileira na Aula de Canto uma anlise das propriedades pedaggicas da Cano da Felicidade, de Barrozo Netto e Nosor Sanches.

    Lenine Alves dos Santos

    Doutorando no Instituto de Artes da Unesp, sob orientao da Profa. Dra. Martha Herr

    Resumo: Este trabalho defende a valorizao da cano brasileira como material para o ensino do canto no Brasil, procurando eliminar preconceitos associados a este repertrio, que por vezes considerado inadequado por professores de canto para a abordagem da tcnica vocal no canto lrico. A argumentao demonstra que a cano brasileira pode ser, para os falantes de portugus brasileiro como lngua materna, o veculo mais apropriado para o ensino de procedimentos tcnicos vocais, seja para alunos de nvel bsico, intermedirio ou avanado. A pesquisa fundamenta-se em bibliografia especfica da rea de fisiologia da voz e pedagogia vocal, bem como em textos relacionados a processos cognitivos e diferentes modelos de emisso vocal. A obra Cano da Felicidade, de Barrozo Netto e Nosor Sanches, analisada com o objetivo de demonstrar seu potencial pedaggico. O texto da cano recebe traduo formal e literal para o ingls, para facilitar o acesso a estas canes por cantores falantes de outros idiomas. Informaes complementares e indicaes interpretativas acompanham a anlise pedaggica da cano. Palavras-chave: Portugus Brasileiro Cantado Tcnica Vocal Cano Brasileira

    Abstract: This research aims to defend the use of Brazilian song as material for the teaching of singing in Brazil, seeking to eliminate biases associated with this repertoire, which is sometimes considered inappropriate for singing teachers to approach the vocal technique. The argument shows that Brazilian song can be, for speakers of Brazilian Portuguese as their mother tongue, the most appropriate vehicle for the teaching of vocal technical procedures for students at basic, intermediate or advanced. The research is based on bibliographic research in the area of voice physiology and the teaching of singing, as well as in texts related to cognitive processes and different models of vocal production. The song Cano da Felicidade, by Barrozo Netto e Nosor Sanches, is analyzed in order to demonstrate its pedagogical potential, organized by gradual increasing of technical difficulty, and aiming to address all phases of technical development of the singer. The texts of the song receive formal and literal translations into English, to facilitate access to the songs by singers who speak other languages. Additional information and interpretive guidelines accompanying pedagogical analyzis of the song. Key words: Brazilian Portuguese as Sung - Vocal Technique Brazilian Song

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    Introduo

    No Brasil, por motivos relacionados histria de sua colonizao e de seu

    desenvolvimento como estado nacional, verificou-se com freqncia uma tendncia a

    se valorizar mais a produo cultural vinda do exterior que a realizada no prprio pas.

    A msica brasileira de todos os gneros se ressentiu durante muito tempo desta

    realidade, e dentre elas a msica clssica vocal, j que o portugus no era

    considerado idioma apropriado para o canto lrico at pocas bastante recentes. O

    estudo do canto sempre se deu por aqui atravs das escolas de canto tradicionais,

    principalmente a italiana, mas em menores propores tambm pela escola alem e

    francesa.

    No entanto j h vrias dcadas se evidencia como matria de discusso, entre

    cantores, professores e musiclogos brasileiros, o conflito entre as exigncias sonoras

    daquelas escolas e repertrios a elas relacionados, e as demandas do cantor brasileiro

    para interpretar o repertrio nacional, repertrio que possui hoje um acervo

    importante em nmero e relevncia artstica e cultural, e que pode se constituir em

    veculo para a maior divulgao dos valores e da cultura brasileiras no mundo.

    Em seu Aspectos da Msica Brasileira h quase meio sculo, Mrio de Andrade j chamava ateno para os intrpretes que aplicavam ao repertrio nacional os

    mesmos parmetros sonoros do bel canto italiano, resultando num canto, segundo ele, encasacado, rgido e distante da coloquialidade da lngua brasileira. (Andrade, 1965,

    p. 126). J no Ensaio Sobre a Msica Brasileira, o musiclogo paulistano apontava as ricas possibilidades que se abririam para o cantor brasileiro pela simples valorizao do

    repertrio nacional no estudo do canto, afirmando que ...se a gente possusse

    professores de canto com interesse pela coisa nacional, podia muito bem sair uma

    escola de canto no digo nova, mas apresentando peculiaridades tnicas de valor

    incontestvel. Nacional e artstico. (Andrade, 1972, pp. 20-21)

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    O choque entre os parmetros vocal das escolas tradicionais de canto e as exigncias do canto em portugus

    A formao das escolas nacionais de canto se deram a partir de seus idiomas

    respectivos, e obedecendo s demandas e singularidades daqueles idiomas, bem como

    aos fatores culturais e estticos pelos quais passaram as histrias musicais de seus

    pases. portanto compreensvel que, ao ensinar seus parmetros e procedimentos

    tcnicos a um cantor de outra cultura e outro idioma, dentre eles o portugus

    brasileiro, tal absoro no se dar sem choques, e sem a distoro de fonemas,

    sonoridades e gestos vocais naturais do idioma materno daquele cantor.

    Richard Miller, em sua obra National Schools of Singing, promove detalhada anlise dos princpios fonticos e fisiolgicos em que se baseia cada uma dessas

    escolas, demonstrando a ntima dependncia que estas tm de sua histria lingstica

    e dos propsitos estticos e artsticos a que serviam em seu contexto histrico

    cultural. Sua concluso, baseada em procedimentos cientficos, observao de

    processos pedaggicos e experimentao com alunos, de que o processo mais

    natural, produtivo e seguro para o ensino do canto, na contemporaneidade, no passa

    pela aceitao passiva de procedimentos tcnicos adquiridos e perpetuados pelo

    conhecimento emprico, mas da anlise e reviso destes procedimentos, propiciada

    pela investigao cientfica do instrumento vocal e o entendimento de seu

    funcionamento fisiolgico, possibilitado hoje por avanados meios tecnolgicos de

    investigao do funcionamento do corpo humano. (MILLER, 1992)

    interessante observar que Miller reconhece, mesmo na desenvolvida

    pedagogia vocal norte-americana, a influncia das escolas nacionais tradicionais de

    canto, e o quanto a perpetuao no crtica dos procedimentos daquelas escolas

    dificulta a consolidao de uma escola norte-americana de canto. Em suas palavras, a

    grande confuso de informaes e procedimentos trazidos por profissionais de

    diferentes escolas dificulta a unificao de procedimentos do que seria uma escola de

    canto puramente norte-americana.

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    O caldo cultural, por outro lado, que popularmente se supe caracterizar alguns aspectos da cultura norte americana, poderia a princpio ter produzido um ideal vocal norte-americano unificado. Tal no o caso, pois este processo de mistura est bem menos completo nesta rea que em outras reas culturais; diferentes abordagens de pedagogia vocal so claramente vistas co-existindo. No h escola americana nacional de canto porque professores treinados em cada uma das outras escolas nacionais tradicionais de canto, continuaram a ensinar das suas maneiras diversas; dentro da pedagogia americana de canto h menos unidade de abordagem que em qualquer grande pas da Europa ocidental1. (MILLER, 1997, p. 200)

    Acreditamos vlido afirmar que a aplicao no crtica e sistemtica dos

    procedimentos dessas escolas para o ensino do canto no Brasil, tambm tende a

    produzir distores na maneira espontnea de cantar em portugus de um brasileiro,

    principalmente se o repertrio utilizado durante todo o processo do estudo excluir o

    canto em portugus.

    O estudo e traduo prvia do texto, sua interpretao e contextualizao

    cultura e estilo de origem, so procedimentos que demoram a se tornar naturais para

    o cantor, tomando quase o mesmo tempo que a voz e o msico demoram para se

    formar e amadurecer. No texto introdutrio de seu clebre mtodo de canto, Nicola

    Vaccaj justifica a escolha de exerccios baseados em textos, acreditando que para o

    cantor estrangeiro ser mais simples aprender sobre palavras que faam sentido:

    Como a maior dificuldade para os estrangeiros falar cantando numa lngua que no a sua prpria, mesmo que tenham por algum tempo solfejado e vocalizado, imaginei que, ao fim das vocalizaes, seria melhor acostumar-se a ela que a slabas vazias de significado2. (VACCAJ, 1971, p. 1)

    1 The melting pot, on the other hand, which is supposed to characterize some aspects of North American culture, might be assumed to have produced a uniquely American vocal ideal. Such is not the case, for the melting process is even less complete in this area than in other cultural fields; coexistent threads of vocal pedagogy are clearly visible. There is no American national school of singing because teachers trained in each of the national vocal traditions have continued to go their diverse ways; within American pedagogy there is less unity of approach than in any of the major countries of Western Europe. (Traduo nossa) 2 Ma siccome la difficolt maggiore per gli stranieri si quella di parlare cantando una lingua che non propria, anchorch avessero per qualque tempo solfeggiato e vocalizzato, immaginai

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    No entanto, em nossa experincia docente temos, inmeras vezes, percebido

    que mesmo idiomas neo-latinos, a princpio mais prximos do portugus, como o

    italiano, se configuram como slabas vazias de significado, para o aluno iniciante,

    estabelecendo uma barreira lingstica que tende a dificultar o desenvolvimento

    tcnico do cantor.

    Diametralmente opostos definio do repertrio brasileiro como difcil e

    inapropriado, acreditamos que a cano brasileira pode ser um facilitador no processo

    de ensino do canto no Brasil, podendo ser usado sistematicamente como repertrio

    para alunos em todos os nveis de desenvolvimento tcnico e musical.

    O iniciante poder abordar pela primeira vez conceitos tcnicos do canto sem a

    necessidade de faz-lo em um idioma e cultura diferentes dos seus. A identificao do

    cantor com sua cultura, que tem uma de suas expresses mais bsicas e viscerais na

    emisso, no timbre e na pronncia de sua lngua materna, simplificam o incio da

    investigao e discusso tcnica, aproveitando os condicionamentos fisiolgicos e as

    respostas cognitivas naturais do cantor.

    Fernando J. C. Duarte desenvolve a idia de que a fala brasileira tem influncia

    direta na emisso da voz no canto, defendendo que

    (...) o portugus falado no Brasil, considerando uma norma generalizada, envolve certos padres de respirao e de articulao fontica que determinam fisiologicamente um tipo especfico de emisso vocal. Esta emisso, que envolve as sonoridades bsicas do nvel silbico e dos nveis da entoao da fala, est naturalmente relacionada a um modelo de canto de prolao livre das slabas, tpica do canto popular. (DUARTE, 1985, p. 160)

    A estas determinantes lingsticas relacionadas fatores culturais e estrutura

    fisiolgica da emisso, somam-se outras determinantes psicolgicas, que formam uma

    cadeia de reaes emocionais e fsicas qual o indivduo estar sempre ligado, por

    che fin dalla scalla fosse meglio di accostumarsi a questa piuttosto che a silabbe vuote di senso. (Traduo nossa)

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    mais que tenha a capacidade, durante a sua trajetria, de absorver diferentes

    contextos e prismas culturais e lingsticos. Para Richard Miller,

    (...) um observador atento pode muito bem perceber tradies culturais e vocais que se prendem a fontes raciais. Em verdade, a histria racial (num sentido amplo do termo) permeia qualquer cultura nacional. Qualquer artista prtico est cercado de uma rede de nacionalismo; seu vocalismo foi formado pelos sons que o cercam3. (MILLER, 2002, p. 189)

    Assim sendo, quando o incio dos trabalhos tcnico-vocais se utiliza do repertrio nacional, se utiliza de todas estas atitudes fisiolgicas e psicolgicas espontneas do aluno, exigindo a ateno deste apenas para aspectos e

    procedimentos tcnicos a ser desenvolvidos e incrementados, mas sem a insero de uma demanda extra de dificuldade, qual seja: o domnio de uma estrutura diferente, ligada emisso, pronncia e prosdia caractersticas de um outro idioma.

    Ainda seguindo a argumentao de Miller, Tipos especficos de literatura vocal

    e tipos especficos de sons vocais que evoluram correspondem diretamente a

    temperamentos nacionais4. (MILLER, 2002, p. 193)

    Assim sendo, pode-se afirmar que um cantor iniciante teria, a priori, mais

    facilidade para realizar uma obra vocal de sua prpria cultura, com seu prprio som, e

    usar este mesmo som para desenvolver seu instrumento vocal, que tendo de faz-lo

    num idioma e a pertir de uma cultura diferente da sua.

    Uma vez que o aluno j tenha dominado e entendido, tornando orgnicos os

    procedimentos tcnicos em seu prprio ambiente cultural e lingstico, tornar-se-ia

    mais fcil investigar procedimentos anlogos, desenvolvendo outros padres em

    outros idiomas.

    3 (...) an objetive observer may very well see cultural and vocal traditions witch stem from racial sources. Indeed, racial history (in a loose sense of the term) underlies all national culture. Any practicing artist is encircled by a psychological web of nacionalism; his vocalism has been formed by the sounds which surround him. (Traduo nossa) 4 Specifc kinds of vocal literature and specific kinds of vocal sounds have evolved which directly correspond to national temperaments. (Traduo nossa)

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    Aprendendo com uma cano: Cano da Felicidade (Msica: Barrozo Netto / Texto: Nosor Sanches)

    Tomemos esta cano como material para a aplicao, para o aluno iniciante,

    dos elementos tcnicos trabalhados em vocalizaes, bem como outros elementos

    inerentes ao canto, que s costumam se apresentar em sua totalidade em face de uma

    obra vocal completa.

    Normalmente, fosse utilizada uma obra italiana, o professor poderia recorrer a

    uma ria antiga, como por exemplo O Cessate di Piagarmi, de Alessandro Scarlatti (1660-1725), tanto por sua tessitura facilmente abordvel por qualquer cantor (menos

    de uma oitava), como pela ausncia de saltos complexos e pelo seu fraseado estvel,

    quase inteiro em notas repetidas. A cano de Barrozo Netto apresenta as mesmas

    caractersticas: tessitura curta (uma stima menor) fraseado estvel e livre de saltos

    complexos ausncia quase total de fonemas nasais em sua primeira estrofe, com

    baixa incidncia nas posteriores.

    O gnero da cano, uma modinha, tem vnculo notrio com a cano popular

    brasileira moderna, sendo que todo o estudo que permeia a abordagem desta cano

    pelo aluno brasileiro, seja de cunho histrico, vocabular, estilstico, formal, meldico

    ou harmnico, ter mais probabilidade de estar naturalmente ligado ao seu universo

    cultural que uma ria de pera do sculo XVI, geralmente utilizada em suas releituras

    realizadas no perodo romntico, e escrita num italiano de frases indiretas e rico em

    termos e expresses arcaicas.

    Conhecendo o compositor: Joaquim Antnio Barrozo Netto (Rio de Janeiro, 1881 - 1941)

    Barrozo Netto iniciou seus estudos musicais em tenra infncia e teve, antes de

    compor, uma bem sucedida carreira como pianista de concerto. Em 1906, ingressou no

    Instituto Nacional de Msica como professor de piano, e nas primeiras dcadas do

    sculo XX participou de um trio de piano, violino e violoncelo que realizou concertos

    divulgando o repertrio de msica de cmara de compositores brasileiros.

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    o autor dos versos de vrias de suas canes, algumas delas assinadas com o

    pseudnimo de William Gordon. A singeleza de suas melodias, a maior parte das

    vezes inspiradas em gneros populares, fizeram dele uma constante no repertrio de

    cantores de todos os estilos. (ENCICLOPDIA DA MSICA BRASILEIRA, 1998) (MARIZ,

    1980) (HEITOR, 1950)

    Catlogo: aproximadamente 32 canes. Publicadas por Bevilacqua & Cia.,

    Carlos Wehrs, Mangione, Arthur Napoleo, Castro Lima & Cia. e Sampaio Arajo & Cia.

    Edies esgotadas. Algumas em manuscrito. Disponveis na Biblioteca Nacional, ECA -

    USP e UFMG Grupo de estudos sobre cano brasileira, ligado UFMG

    (https://www.grude.ufmg.br/musica/cancaobrasileira.nsf/oguia?openform).

    Conhecendo o poeta: Nosor de Toledo Sanches (Iguape, 1902 Rio de Janeiro, 1978)

    Nosor Sanches foi para o Rio de Janeiro com apenas 3 meses de idade em 1903.

    Em 1915 foi internado no Colgio Marista So Jos, onde obteve prmios em literatura

    e msica. Em 1922, publicou o livro Sarabanda Musical. Em 1924, Iguape foi secretrio do jornal O Iguape, e de volta cidade do Rio de Janeiro, formou-se em

    Cincias Econmicas. Ainda, na dcada de 20, em Queluz de Minas, fundou o jornal O

    Foguete.

    Em 1926, casou com a professora e pianista, Emilia Lima de Toledo Sanches, e

    em 1937, publica Cano da Felicidade. Foi Chefe da Seo de Comunicao no Lloyd Brasileiro, mas manteve destaque na imprensa carioca como jornalista e poeta. Em

    1966, depois de publicar poemas e crnicas na impressa carioca, publicou O Jardim

    Sonoro (1966). (MALHANO, 1982)

    Tradues

    - Cano da Felicidade: Happiness Song - Lentamente: Slowly

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    1) Felicidade, para que vieste?

    Happiness, why did you come?

    2) Se aps partiste, no mais voltaste...

    If afterwards you left, no more came back

    3) A minha vida tornou-se agreste

    (The) my life became arid

    4) Pois a saudade tu me deixaste.

    Because (the) loneliness you me have left

    5) Felicidade, tu no conheces

    Happiness, you dont know

    6) A dor que mata, de uma saudade

    The pain that kills, of (a) loneliness

    7) Felicidade, nunca me viesses

    Happiness, never (to) me you should have come

    8) Porque te foste, felicidade?

    Why you have left, happiness?

    Literal translation: Happiness, why did you come, if you have left and have not come

    back? My life has become arid, because only loneliness have you left me. Happiness,

    you dont know the fatal pain of solitude. Happiness, you should never have come! Why

    have you left me, Happiness?

    9) Fiquei sozinho pois meu amor

    I became alone because my love

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    10) Quando partiste, partiu tambm.

    when you left, left too.

    11) Fiquei sozinho com a minha dor

    I became alone with (the) my pain

    12) Que nunca foge para ningum.

    that never hides from anybody.

    13) O meu martrio no tem mais fim

    (The) my martyrdom doesn t have anymore end

    14) Quando me lembro que te aspirei,

    when I remember that you I have wanted,

    15) E que brilhaste no meu jardim

    and that you have shone in my garden

    16) Como a coroa de luz de um rei.

    like the crown of light of a king.

    Literal translation: I was alone, because love left when you left me. I am alone

    with my pain, which never abandons me. My martyrdom is endless, when I think that I

    have wanted you, and that you have shone in my garden, as the shining crown of a

    king.

    17) Eu te quis tanto porque julgava

    I you have wanted so much because I believed

    18) Que se chegasses no mais te irias,

    that if you would come no more you would go,

    19) Que sempre fosses a minha escrava

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    that always you would be (the) my slave,

    20) Que te alongasses pelos meus dias.

    that you would stay for (all) my days.

    21) Felicidade, tu no conheces

    Happiness, you dont know

    22) A dor que mata, de uma saudade.

    The pain that kills, of a loneliness.

    23) Felicidade, nunca me viesses.

    Happiness, never to me you should have come.

    24) Porque te foste, felicidade?

    Why you have left, happiness?

    Literal translation: Ive only wanted you so much because I believed, that if you

    would come, you wouldnt leave me. That you would always be my slave, out through

    my days. Happiness, you dont know the fatal pain of solitude... Happiness, you

    shouldnt have come! Why did you leave, Happiness?

    Caractersticas interpretativas da cano

    - A graa particular das modinhas ter cada uma sua prosdia caracterstica, s

    vezes torta e desvirtuada, que sabe aos sales antigos para os quais era composta e

    interpretada, em geral por compositores e cantores amadores, com o primor de

    desleixo mtrico a que se referiu Mrio de Andrade5. Sua prosdia irregular e acentos em lugares inapropriados so, portanto, herdados de sua origem familiar e

    amadorstica, mas tornaram-se caracterstica estilstica, de modo que tentar consertar

    5 ANDRADE, 1964, p. 7

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    suas pronncias e prosdias geralmente incorre em descaracterizao e afastamento

    de seu estilo prprio.

    - O principal norteador de seu discurso musical da modinha em geral a

    melodia, sendo que o texto e a harmonia lhe ficam submetidos, ainda que em

    detrimento do entendimento das palavras. Em geral, nas canes estrficas, as

    irregularidades mtricas e de prosdicas so admitidas a partir das segundas e demais

    estrofes, enquanto na modinha tal distoro costuma ser assumida desde a primeira

    estrofe.

    - O poema Cano da Felicidade possui trs estrofes de oito versos, sempre

    com nove slabas rtmicas, acentuadas na quarta e nona slabas. Esta caracterstica

    mtrica foi aproveitada pelo compositor na construo meldica, resultando num

    ostinato rtmico que sugere a atmosfera de lamentao.

    - No primeiro verso, a pronncia das palavras vieste e viesses, em geral

    enunciadas como tri-slaba, com um hiato entre as duas primeiras slabas [v.s.t -

    v..ss], se transforma em di-slaba, com um ditongo crescente na primeira slaba, o i passando a funcionar como semi-vogal [vjs.t - vj.ss]. Este, como outros

    desvios da prosdia e pronncia natural das frases presentes nesta cano so, como

    citado acima, heranas histricas incorporadas ao estilo de composio e

    interpretao da modinha, criando uma idiossincrasia que, como dito acima, a

    distingue prosodicamente dos demais gneros de cano.

    - Sua caracterstica estrfica permite os caminhos interpretativos prprios

    deste gnero de cano, como contrastes de dinmica nas repeties, bem como leves

    variaes de andamento. O estudo e entendimento do texto poder facilitar ao cantor

    uma realizao e interpretao original da obra.

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    Informaes gerais sobre a obra

    - O poema Cano da Felicidade, de Nosor Sanches, foi publicado em seu

    livro de mesmo nome em 1937.

    - Vrios cantores populares e lricos tm gravado a Cano da Felicidade; dentre eles Vicente Celestino (1894-1968), Lenita Bruno (1926-1987), Inezita Barrozo

    (1925) e Bidu Sayo (1902-1999), que a divulgou em seus concertos na Europa e nos

    Estados Unidos da Amrica.

    - A cano integrou a trilha sonora da novela Redeno, exibida pela TV Excelsior, entre 1966 e 1968.

    Possibilidades de explorao pedaggica da cano

    - As seqncias de frases com notas repetidas facilita o trabalho com o cantor

    iniciante, sendo que a quase inexistncia de vogais nasais neste poema favorece a

    definio das vogais, permitindo ao professor desenvolver o tnus da musculatura

    intrnseca, enquanto acostuma o cantor manuteno da energia de emisso em

    todas as vogais, do incio ao fim da frase. O aluno deve se acostumar diferena entre

    a rpida produo dos fonemas, prpria da fala, e a emisso estendida

    temporalmente, caracterstica do canto, onde a constncia da definio da vogal deve

    ser alcanada durante o evento silbico, sem demora ou valorizao das transies. (MILLER, 1996, p. 52)

    - Num primeiro momento, com o aluno iniciante, a principal preocupao no

    deve ser com questes musicais de dinmica, variaes de andamento e interpretao,

    e sim com a correta definio das vogais e uma emisso livre e conectada com a

    presso subgltica (appoggio). Os principais elementos da tcnica vocal, uma produo

    de som consistente e livre, deve ter sido atingida, antes que se exija do aluno nveis

    sofisticados de interpretao e expresso artstica. (MILLER, 1996, p. 137)

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    - Com o aluno intermedirio se pode desenvolver uma certa liberdade de

    variaes no andamento, estabelecendo diferentes pontos de importncia dentro das

    frases e buscando flexibilidade vocal para mudanas de dinmica.

    - O aluno avanado pode ter nesta cano um laboratrio de interpretao de

    texto, buscando diferentes estados de esprito, timbres e matizes.

    Andamento sugerido6: Semnima = 72

    Tonalidade original: Mi Menor (propcia para mezzo-sopranos e bartonos)

    Transposies sugeridas: Soprano e tenor: Sol Menor; Baixo: Re Menor Concluso

    Pensar o Brasil, desvendando sua particular riqueza cultural e de que forma ela

    contribuir para a formao e o entendimento do mundo no futuro, um tema a que,

    acreditamos, todo professor brasileiro tem obrigao de se debruar. A atual projeo

    de nosso pas no cenrio internacional, no apenas na questo do desenvolvimento

    econmico, mas com significativos avanos nas reas tecnolgica e cientfica, deve ser

    acompanhado pela valorizao e divulgao de nossos valores culturais, acumulados desde nossa heterognea formao, h mais de 500 anos, e incessantemente

    desenvolvidos e afirmados pelas geraes contemporneas.

    Apesar de sua origem humilde e despretensiosa, a msica popular brasileira, e

    mais especificamente a cano popular brasileira, tem dado sucessivas mostras de

    como a arte pode ser o veculo de divulgao do nosso idioma, histria, tradies,

    diversidade cultural e, em ltima anlise, de nossa identidade idiossincrtica dentre as

    diversas culturas nacionais. Acreditamos que a cano clssica possui a mesma

    potencialidade, at o momento praticamente inexplorada, embora seu valor musical e

    potico venha sendo reiteradamente afirmado pelos mais importantes artistas e

    estudiosos nacionais e internacionais, atravs de nossa histria.

    6 Sugesto nossa. Metrnomo no sugerido pelo compositor.

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    Tal divulgao e afirmao devem ser iniciadas aqui mesmo em nosso pas,

    onde tal repertrio por vezes marginalizado, estando presente em uma nfima

    porcentagem dos programas de concerto, num ambiente j bastante precrio de

    produo de msica clssica. A pesquisa musicolgica, com o objetivo de

    levantamento, organizao, edio e posterior publicao, de extrema importncia

    no momento atual, sendo que um dos motivos principais de sua rara performance nos

    palcos o difcil acesso s suas partituras e seu registro fonogrfico raro. O principal

    campo de valorizao deste repertrio, portanto, acreditamos ser a sala de aula, onde

    o aluno brasileiro poder aprender a conhecer, respeitar e gostar da msica de seu

    pas, passando a divulg-la em seus recitais e a exigi-la nas programaes das salas de

    concerto.

    Assim como a Cano da Felicidade, que aqui utilizamos apenas para

    demonstrar suas possibilidades pedaggicas quando aplicadas como repertrio ao

    aluno iniciante, h uma quantidade prodigiosa de canes brasileiras, tanto populares

    quanto folclricas, semi-eruditas e eruditas, que podem ser utilizadas para o ensino de

    alunos dos mais diversos nveis de desenvolvimento. A busca, explorao e

    organizao deste repertrio o principal objetivo de nossa pesquisa atual.

    Referncias Bibliogrficas:

    ANDRADE, Mrio de. Aspectos da msica brasileira. Belo 1965. ________________ . Ensaio sobre a msica brasileira. So Paulo: Martins, 1972. ________________. Modinhas Imperiais. So Paulo: Martins, 1930. DUARTE, Fernando J. C. Aplicao de uma transcrio fontica para o canto no Brasil. ArteUnesp, no. 10, p. 156 a 170. So Paulo: 1985. _____________________. A Fala e o Canto no Brasil: Dois modelos de Emisso Vocal. ArteUnesp, no. 16, p. 87-97, So Paulo: UNESP, 1994. KAYAMA, Adriana Giarola; CARVALHO, Flvio; CASTRO, Luciana Monteiro de; HERR, Martha; RUBIM, Mirna; PDUA, Mnica Pedrosa de; MATTOS, Wladimir. PB cantado:

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    normas para a pronncia do portugus brasileiro no canto erudito. In: Opus: Revista da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msica - ANPPOM. Goinia, v. 13, n. 2, p. 16-38, dez. 2007. MALHANO, Clara Emilia Sanches Monteiro de Barros. Biografia de Nosor de Toledo Sanches. (No publicada). Fornecido pela autora filha do poeta biografado. Rio de Janeiro, 1982. MARIZ, Vasco. A cano brasileira de cmara. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 2002. MILLER, Richard. National Schools of Singing: English, French, German, and Italian Techniques of Singing Revisited. Scarecrow Press. Oxford, 1997. _____________. On The Art of Singing. New York: Oxford University Press, 1996. _____________.The Structure of Singing System and Art in Vocal Technique. Boston: Schirmer, 1996. NIDA, Eugene & TABER, Charles R., The Theory and Practice of Translation. Leiden: Brill, 1969. TINHORO, Jos Ramos. Pequena histria da msica popular- Da modinha lambada. Rio de Janeiro: Art Editora Ltda, 1991. VACCAJ, Nicola. Metodo Pratico di Canto Italiano Per Cmera. Buenos Aires: Ricordi Americana, 1971.

    Referncia musicogrfica

    BARROZO NETO, Joaquim Antnio (1881-1941. Cano da Felicidade. Versos de Nosor de Toledo Sanches (1902-1978). Rio de Janeiro: Carlos Wehrs & CIA, s.d. 1 partitura (2p), canto e piano. PARISOTTI, Alessandro (Org.) Arie Antiche. (Livro de Partituras) Buenos Aires: Ricordi, 1984.

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    A evocao de sonoridades instrumentais na escrita para piano no ciclo Winterreise de Franz Schubert7

    Ticiano Biancolino

    Resumo: Os escritos estticos dos autores do Frhromantik (Primeiro Romantismo), surgidos a partir das duas ltimas dcadas do sculo XVIII, constituram a base do pensamento do Romantismo musical alemo. De vital importncia dentro desta nova concepo esttica foi o entendimento da msica instrumental como a manifestao mais nobre das artes, algo que ia contra o preceito que vigorara at ento, segundo o qual a msica sem voz possua pouco valor, por ser incapaz, apenas por meio de sons, de imitar o mundo fsico e despertar sentimentos nos ouvintes. Paralelamente a esse processo, o piano -cujos primeiros modelos bem sucedidos surgiram entre 1698 e 1730 -ganhou maior repertrio no ltimo quarto do sculo XVIII e, ao mesmo tempo, passou a ser utilizado como substituto de formaes instrumentais maiores, em redues de sinfonias e peras. Este trabalho trata da importncia que os fenmenos de valorizao da msica instrumental, da formao da linguagem do piano e da utilizao deste instrumento enquanto redutor da orquestra exerceram no aparecimento do Lied em princpios do sculo XIX, um gnero hbrido entre msica e poesia e entre msica vocal e msica instrumental, que se contraps tradio da cano estrfica setecentista. Mais especificamente, esta pesquisa investiga em qual medida a composio da parte do piano do ciclo de canes Winterreise (1827) de Franz Schubert foi realizada sobre a idia de evocao de sonoridades de outros instrumentos, tomando por base similaridades de escrita entre determinadas passagens da obra de Schubert e aquelas retiradas de obras sinfnicas e de cmara, do prprio Schubert e de outros compositores que representaram grandes influncias suas, especialmente Haydn, Mozart e Beethoven. Palavras-chave: Franz Schubert; Lied; Winterreise; escrita para piano; msica instrumental Abstract: The aesthetic writings by Frhromantik (Early Romantic) authors, which appeared during the last two decades of the eighteenth century, became the basis of German musical conception of Romanticism. Fundamentally important for that new aesthetic idea was the understanding of instrumental music as the noblest manifestation of arts, which was against the old precept that music without singing was worthless, as it was incapable of imitating the physical world and reviving the listeners sentiments. Simultaneously, the repertoire for piano which early successful models appeared between 1698 and 1730 was substantially increased during the last quarter of the eighteenth century and, at the same time, gradually started to be used as a substitute for larger instrumental groups, and reductions of symphonies and operas. The present work discusses how the phenomena of instrumental music valorization, piano idiom formation and its use as a substitute for an orchestra (piano reduction) influenced the advent of Lied at the beginning of the nineteenth century -a hybrid genre between music and poetry -and between vocal and instrumental music, in opposition to the eighteenth century strophic song tradition. More specifically, this research examines how 7 Este artigo derivado da dissertao de mestrado homnima defendida no ano de 2008 junto ao Programa de Ps-graduao em Msica do Instituto de Artes da UNESP, tendo sido realizada sob orientao do Prof. Dr. Marcos Pupo Nogueira.

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    much of the piano accompaniment of Franz Schuberts song cycle Winterreise (1827) was based on the idea of the evocation of the sonorities of other instruments, using as evidence stylistic similarities between some of the passages from Schuberts works and those extracted from symphonic and chamber pieces -by both Schubert himself and other composers, notably his major influences: Haydn, Mozart and Beethoven. Keywords: Franz Schubert; Lied; Winterreise; piano writing; instrumental music.

    Beethoven fez mais pelo desenvolvimento dos Lieder de Schubert com sua msica instrumental do que fizeram juntos todos os compositores de canes do sculo XVIII.

    Walter Vetter

    Que pretendem os racionalistas timoratos e desconfiados, que exigem a explicao por palavras de cada uma das centenas de obras musicais e no conseguem entender que nem todas tm um significado especfico, como acontece na pintura? Pretendero eles aferir a linguagem mais rica pela mais pobre e reduzi-la a palavras, a ela, que despreza

    as palavras?

    Wilhelm Heinrich Wackenroder

    Quando nos propomos a pesquisar qualquer perodo, estilo ou gnero da

    histria ocidental da msica, apenas com certo esforo imaginativo, amparados pelo

    mximo de informao confivel e disponvel, que podemos construir um cenrio

    mental que sirva de fundo para o melhor entendimento de nosso objeto de estudo. Se

    nos propomos a discutir sobre Lied, Schubert e piano precisamos, antes de mais nada,

    situar e revisitar nossos conceitos e, antes de tudo, precisamos entender o contexto de

    pensamento em vigor entre intelectuais do sculo XVIII acerca da cano daquele

    perodo, para ento nos debruarmos sobre nosso objeto principal. Johann Wolfgang

    von Goethe (17491832), um dos maiores autores literrios de todos os tempos, tinha

    um gosto particular pela simples cano acompanhada, gosto este, na verdade,

    revelador de toda uma poca:

    Para ele [Goethe], a cano ideal era basicamente silbica e em forma estrfica, para se ajustar dos poemas. A melodia devia guiar-

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    se pelos versos, sem aspirar independncia, e no cabia ao acompanhamento chamar a ateno ou sequer ilustrar as palavras, seno de maneira mais geral. [...] Goethe teria considerado excessivamente musicais as canes compostas no sculo XIX sobre poemas seus, a comear por Schubert e Loewe. (RUSHTON, 1991, p. 146).

    Mesmo os grandes compositores setecentistas, Mozart inclusive8, abordavam a

    cano como um gnero secundrio, destinado mais utilizao em eventos sociais

    (saraus, reunies, festas etc.) do que a propsitos musicais propriamente. Mesmo que

    muitas das canes do ltimo quarto de sculo tenham sido musicalmente melhor

    elaboradas do que a simples cano estrfica ao gosto de Goethe, ainda assim a

    essncia expressiva permanecia na poesia, com a parte instrumental restringindo-se

    ao acompanhamento e a ilustraes bastante comedidas do texto. Curiosamente, no

    foi um processo linear que levou a cano setecentista a desenbocar no Lied9, como

    veremos a seguir.

    Os primeiros modelos bem sucedidos de pianofortes datam dos anos entre

    1698 e 1730, mas foi apenas a partir da segunda metade dos setecentos que o piano

    passou a tomar espao e a ganhar repertrio original. Desde cedo em sua histria o

    instrumento foi utilizado como um funcional substituto aos grupos instrumentais

    maiores, e mesmo s orquestras, sempre difceis de serem organizadas e patrocinadas

    pelos excludos das castas nobres ou das organizaes religiosas: obras sinfnicas, por

    exemplo, eram divulgadas comumente por meio de redues para piano, a duas ou

    quatro mos, em reunies privadas de msicos e apreciadores. Ao longo das ltimas

    dcadas do sculo XVIII tornaram-se cada vez mais comuns, por exemplo, as edies

    de peras em redues para piano. O controle das dinmicas, acima de tudo nas 8 Das trinta e trs canes com acompanhamento de teclado compostas por W. A. Mozart (1756-1791), vinte e cinco seguem o velho modelo estrfico, onde, a despeito do significado das palavras do poema, o compositor emprega a mesma msica, o que, por vezes, acaba resultando em um efeito cmico no intencional. (WITTHON, 1999, p. 31). 9 A palavra alem Lied (plural Lieder), em princpio, significa simplesmente cano ou canto. Entretanto, hoje, quando nos referimos ao Lied romntico, nos referimos ao gnero de msica vocal cristalizado nas primeiras dcadas do sculo XIX por compositores de lngua alem, e que tem por principal caracterstica a interao entre a poesia, expressa na linha vocal, e a parte do piano, que deixa de funcionar como mero acompanhador da voz

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    gradaes de intensidade, e sonoridades em forte mais plenas, especialmente nos

    instrumentos construdos a partir do incio do sculo XIX, fizeram do piano um

    instrumento . extremamente popular entre profissionais e diletantes da msica. Com o

    aumento de sua utilizao como redutor da orquestra, o piano desenvolveu,

    paralelamente sua linguagem particular e original conseguida sobretudo no

    repertrio solo, uma linguagem de imitao de outros instrumentos, de efeitos

    orquestrais e de intenes musicais extrapiansticas, as quais tornaram-se a matria-

    prima dos compositores para piano. A literatura para teclas, desde o princpio do

    sculo XVIII, j trazia diversos exemplos de como os compositores referiam-se, pela

    escrita, a sonoridades de outros instrumentos. Referncias a sonoridades de

    instrumentos de metal, por exemplo, eram bastante comuns entre os compositores

    para cravo nas primeiras dcadas do sculo, como vemos no tema do Preldio em re

    maior do segundo livro de O Cravo Bem Temperado de J. S. Bach, ou mesmo em toda a

    estrutura motvica da Sonata em sol menor K. 450 de D. Scarlatti. Mesmo com o

    assentamento do estilo clssico nas ltimas dcadas dos 1700, esse pensamento de

    referencialismo de timbres continua impregnando o imaginrio dos compositores para

    piano, e definindo muito da sonoridade de suas composies. Referncias constantes a

    cordas (Haydn, Sonata Hob. XVI:49, 1o

    . movimento, c. 13 a 24) e mesmo a

    instrumentos percussivos, como no Rondo alla Turca da Sonata K. 331 de Mozart, so

    recorrentes em todo o repertrio para teclas ao longo do sculo XVIII. Os compositores

    valiam-se da escrita idiomtica dos instrumentos diversos, reproduzindo-os no teclado,

    como ritmos e arpejos relacionados s fanfarras e escrita clara a quatro vozes, de

    carter mais homofnico, em referncia ao quarteto de cordas, por exemplo. Tais

    possibilidades evocativas10

    do teclado, potencializadas pelos recursos de dinmica do

    piano, fizeram deste um instrumento central em toda construo do pensamento

    composicional clssico-romntico, ao mesmo tempo que tornava-se mais e mais

    10 Da maneira que a utilizamos aqui, a idia de evocao no foge de um de seus significados originais, qual seja, trazer algo lembrana. No caso particular do objeto de estudo desta pesquisa, a evocao de sonoridades pelo piano significa a escrita do instrumento trazendo lembrana do ouvinte sonoridades de outros instrumentos, atravs de um processo dado sobretudo pelas similaridades de escritas.

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    popular a partir da dcada de 1790. Como conseqncia natural deste processo,

    encontramos na produo para piano de Beethoven o pice do pensamento

    instrumental ou mesmo orquestral aplicado escrita para teclado. O conjunto de suas

    trinta e duas sonatas para piano, particularmente, apresenta todo um universo de

    referncias a sonoridades alheias ao instrumento, embora evocadas a partir dele.

    Toques de trompas (incio da Sonata Op. 81a.), fanfarras (primeiro tema da Sonata Op.

    7), quartetos de cordas (movimento lento da Sonata Op. 13) so algumas das

    sonoridades evocadas incessantemente ao longo de suas obras.

    No que se referia cano, os fenmenos de ganhos tcnicos na construo e

    na escrita do piano, bem como o de sua popularizao na medida em que o sculo

    findava, acabaram por gerar uma nova concepo na escrita instrumental:

    Apenas muito lentamente, em parte, talvez, como um efeito colateral da ascenso popularidade dos primeiros pianos, um estilo mais livre de escrita para teclado no acompanhamento de canes tornou-se disseminado. Certamente at 1770, o acompanhamento, normalmente executado ao cravo ou clavicrdio, desempenhou um papel secundrio: no apenas ele dobrava a linha vocal, como havia comparativamente menos preldios, interldios e posldios. [...] Nas dcadas sob discusso [1740-80], o cantor e o instrumentista eram, muito freqentemente, a mesma pessoa; o desenvolvimento histrico, pelo qual a parte do teclado tornou-se ao mesmo tempo mais independente da voz e gradualmente mais difcil tecnicamente, foi o principal fator a transformar a cano em um esforo de conjunto. (SMEED, 1987, p. 13)

    Mas no eram apenas as conquistas tcnicas que guiavam a cano

    setecentista rumo a uma profunda transmutao em um gnero que, em essncia,

    estava prestes a surgir. Para este processo, to importante quanto elas foram as

    mudanas no pensamento artstico como um todo, que tambm ocorriam cada vez

    mais intensamente ao longo do ltimo tero do sculo XVIII, e que promoveriam uma

    das maiores mudanas na histria da esttica.

    A valorizao da palavra sobre a msica remonta s origens do pensamento

    ocidental. De maneira geral, a Grcia clssica j entendia que a harmonia e o ritmo

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    deveriam obedecer palavra, sendo estes os trs elementos formadores da melodia

    (harmonia, rhythmos e logos). Tal concepo no foi contestada por muitos sculos;

    pelo contrrio, foi por vezes retomada, servindo de base, por exemplo, para o

    surgimento da pera em princpios do sculo XVII -gnero derivado das

    experimentaes dramticas de compositores e literatos fiorentinos do fim do sculo

    anterior, que viam na declamao grega a base da expresso artstica. Ironicamente,

    entretanto, a pera, incorporando a tradio das primeiras manifestaes puramente

    instrumentais do Renascimento, passa a permitir maiores experimentaes neste

    campo, primeiramente pensadas como nfases aos poemas cantados, mas que,

    gradualmente, tornam-se cada vez mais audaciosas, desprendendo-se de sua origem e

    dando forma aos primeiros gneros de msica instrumental no sculo XVII, como a

    primitiva sinfonia, advinda das aberturas.

    A valorizao da palavra pelos iluministas vincula-se, da mesma forma, ao

    pensamento grego, e ao mesmo tempo, ocorre graas concepo ento vigente da

    palavra como expresso mxima da razo. Valorizando o racionalismo, a cincia e a

    viso objetiva da realidade, o Homem do sculo XVIII entende a verbalizao como

    ferramenta de molde e organizao do pensamento e como conseqente meio ideal

    de exteriorizao das descobertas e concluses advindas de investigaes intelectuais.

    Assim, a literatura era entendida como a manifestao artstica mais nobre, tendo

    como matria prima justamente a palavra, a essncia maior da manifestao

    racionalista, e o recurso por cujo intermdio ocorria a imitao e descrio da

    Natureza11. Nesse contexto, a msica s era entendida como plena manifestao

    artstica se acompanhada de texto. A msica com voz era a nica considerada capaz da

    expresso direta dos sentimentos e conflitos humanos, uma vez que possua o vnculo

    com a sintaxe da lngua. A despeito do ganho de importncia da msica instrumental

    ao longo do sculo XVII, seria apenas em fins do sculo seguinte que a msica pura

    11 O conceito de natureza para o pensamento iluminista deve ser entendido como o conjunto de tudo o que est presente no mundo fsico, incluindo o Homem e suas particularidades, e no como a concepo do senso comum da natureza entendida essencialmente como o conjunto dos reinos vegetal, mineral e animal, em certa medida distante da realidade humana cotidiana.

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    passaria a causar interesse, em princpio devido ao desenvolvimento da forma-sonata

    e, logo, principalmente graas aos movimentos literrios pr-romnticos que

    rapidamente influenciaram a msica com seus ideais de busca pelo inefvel, isto , a

    necessidade de expresso pelos sons do que estaria alm da capacidade das palavras

    traduzir. A msica instrumental seria a nica realmente capaz de revelar o contedo e

    a sintaxe puramente musicais. Deixando definitivamente de ser usada como um

    simples meio de valorizao da palavra, ela se elevaria acima de todos os outros tipos

    de msica e acima de todas as artes, no como mero espelho de algo ulterior ao

    mundo fsico, mas como a prpria encarnao de tal imaterialidade:

    A sugesto de que a msica carregava um significado transcendente logo conduziu viso de que a msica instrumental fazia mais do que mostrar tal transcendncia. Ela tambm a incorporava. Tal pretenso fazia sentido precisamente pelas razes que haviam sido usadas anteriormente para rejeitar a msica instrumental. A falta de contedo intermedirio, concreto, literrio ou visual tornou possvel msica instrumental erguer-se acima do status de meio para, de fato, incorporar e tornar-se uma verdade maior. (GOEHR, 1994, p. 154).

    O disseminar de tal pensamento entre literatos e msicos na virada para o

    sculo XIX, especialmente pelos escritos de Wackenroder, Tieck e Hoffmann, culminou

    no processo de valorizao da msica instrumental, elevando-a categoria de mais

    nobre manifestao musical, dotando a msica de um status de realce perante as

    outras artes, pela primeira vez na Histria do pensamento ocidental.

    Foi neste ambiente esttico-musical que Franz Schubert (1797-1828) cresceu e

    deu seus primeiros passos como compositor. Inicialmente educado sob parmetros da

    tradio musical setecentista, tendo sido discpulo de Salieri e Haydn, Schubert tinha

    Mozart como exemplo mximo de suas aspiraes como msico. Ainda assim, e sendo

    apenas momentaneamente influenciado por compositores tradicionais de canes

    como Reichardt e Zumsteeg, foi capaz de, aos dezessete anos, escrever uma cano

    sem precedentes, desvinculada de qualquer tradio do repertrio de canes do

    sculo anterior, que, por assim dizer, inaugura o gnero Lied tal como o entendemos

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    hoje: Gretchen am Spinnrade (Margarida Roca), sobre uma cena do Fausto de

    Goethe. Em Gretchen... o piano assume um papel nunca antes imaginado para uma

    cano, sendo descritivo em diversas camadas (a roca, o corao, o estado psicolgico

    de Margarida) e estabelecendo um continuum rtmico-condutor que inunda a obra

    com uma perturbadora unidade. A partir dali a cano acompanhada tradicional entra

    em colapso, e uma nova era da relao piano e voz iniciada. Por volta de 1820 o

    imaginrio de Schubert voltase para a msica de Beethoven, que passa a ser seu heri

    at o fim de seus dias. As sinfonias e sonatas para piano do velho compositor

    encontram constante eco na produo do jovem, mas no apenas em seus pares:

    acima de tudo nos Lieder que o piano de Schubert revela seu poder mximo de

    evocaes de sonoridades, de orquestralidade e de busca pelo inefvel. exatamente

    em suas canes, paradoxalmente, que o compositor se apresenta como grande,

    talvez o maior, representante dos ideais puramente romnticos na msica, exprimindo

    e realando as palavras dos poemas, mas indo para alm delas. Nessa dualidade

    potica, e esttica, residem a beleza, a grandeza e a importncia do gnero Lied para o

    esprito romntico alemo.

    Das primeiras canes de Schubert, no muito anteriores a Gretchen..., at suas

    ltimas, postumamente reunidas sob a alcunha de Schwanengesang (Canto do Cisne),

    somam-se mais de seis centenas delas, sendo diversas da maior importncia para o

    perodo (impossvel no citar ao menos Erlknig e Der Wanderer), e constituintes do

    repertrio universal de cantores. Foi Beethoven o primeiro compositor de enlevo a

    reunir canes em um conjunto, intitulando-o de ciclo (An die ferne Geliebte, 1816),

    mas foram os dois grandes conjuntos originais de Schubert que tornaram o ciclo de

    canes um fenmeno parte dentro do repertrio do gnero. Die schne Mllerin (A

    Bela Moleira) de 1823 foi o primeiro dos ciclos, escritos sobre versos de Wilhelm

    Mller (1794-1827), um conjunto de vinte canes que falam do sofrimento amoroso

    do andarilho feito moleiro, rejeitado pela jovem filha do mestre do moinho. No ciclo,

    importantes temticas romnticas so trazidas pelos poemas como a prpria figura

    do andarilho, a solido, o contato com a natureza, o pessimismo e o pressentimento

    de morte e tratadas musicalmente por Schubert com sonoridades ricas, grande

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