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    Vozes femininas

    da poesia

    latinoamericanaCeClia e as poetisas uruguaiasJACICARLA SOUZA DA SILVA

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    poesialatinoamericana

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    JACICARLA SOUZA DA SILVA

    Vozesfemininas

    dapoesia

    latinoamericanaCeCliaeaspoetisasuruguaias

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    2009 Editora UNESP

    Cultura Acadmica

    Praa da S, 10801001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) [email protected]

    Asociacin de Editoriales Universitrias

    de Amrica Latina y el CaribeAssociao Brasileira das

    Editoras Universitrias

    CIP Brasil. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    S58v

    Silva, Jacicarla Souza daVozes femininas da poesia latino-americana : Ceclia e as poetisas

    uruguaias / Jacicarla Souza da Silva. - So Paulo : Cultura Acadmica,

    2009.224p.

    Inclui bibliogafiaISBN 978-85-7983-032-7

    1. Meireles, Ceclia, 1901-1964 - Crtica e interpretao. 2. Poetisasuruguaias. 3. Crtica feminista. 4. Poesia latino-americana - Histria ecrtica. I. Ttulo.

    09-62356 CDD: 868.992109

    CDU: 821.134.2(7/8)-1.09

    Este livro publicado pelo Programa de Publicaes Digitais da Pr-Reitoria dePs-Graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP)

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    Ao dono do olhar maisdoce, orte e inesquecvel

    que pude conhecer, meu pai.

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    AgrAdecimentos

    O que dizer neste momento silencioso e abrasivo de contem-plao? Em que j estou exaurida, pois uma parte se encerra e outrase encontra desorientada?

    nesse simples gesto de reconhecimento, bastante desconcer-tado, que tento escrever essas breves palavras. Concisas na sua ex-tenso, porm verdadeiras. Ocasio esperada por uns; negligenciadapor outros. No importa. O que importa o ato, as lembranas, ogesto; a sensao de regio, de abrigo, quando recordo, porexemplo, da sabedoria inata do meu pai, do acolhedor abrao daminha me, do carinho da minha irm, do riso e do choro dos meusamigos, da coniana e da sensatez dos meus proessores, do calor eda intensidade das minhas paixes.

    E oi durante essa trajetria como pesquisadora e diante do di-cil processo de escrita, no qual me perdi, me encontrei e me inscrevi,que tive a convico de que tudo isso s oi possvel com o amparoda minha amlia, com o ombro dos meus amigos e com o apoio daminha orientadora. impossvel no reconhecer a contribuioque eles tiveram no decorrer desse trajeto. Que oi, sem dvida,

    gratiicante, ao permitir o contato com pessoas que, assim como eu,acreditam que o mundo ainda poesia.

    Gostaria tambm de agradecer o carinho da amlia Vitureira,em especial a Julieta e Santiago, como tambm s poetisas Amanda

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    Berenguer e Ida Vitale; aos uncionrios do ICUB (Instituto Cultu-ral Uruguayo-Brasileo), da Biblioteca Nacional de Montevideo e

    da Biblioteca de la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Edu-cacin de la Universidad de la Repblica.Agradeo a minha orientadora, dra. Ana Maria Domingues de

    Oliveira.Agradeo tambm CAPES.

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    Ceclia no jardim da sua casa no bairro do Cosme Velho, no Rio de Ja-neiro. (Fotograia do Arquivo Manchete in Flores e canes, 1979)

    Eu no pude conhecla,sua histria est mal contada,

    mas seu nome, de barca e estrela,oi: SERENA DESESPERADA.

    Ceclia Meireles

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    Sumrio

    Introduo 13

    Parte I

    Panorama da crtica eminista 17

    A crtica eminista em questo:perspectivas e representantes 19

    Crtica eminista na Amrica Latina 35

    Crtica eminista no Brasil 41

    Parte IICeclia e o eminino 51

    A crtica cristalizada 53

    Representaes do eminino na poesia ceciliana 63

    Ao redor das crnicas cecilianas 73

    Um breve recorte das tradues cecilianas 79

    Apreciaes sobre a prtica do ensaio ceciliano 93

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    Parte IIISobre o ensaio Expresso eminina da poesia

    na Amrica 97

    Ceclia como estudiosa e conhecedorada Amrica Latina 123

    O dilogo com as uruguaias 133

    Em torno de um invisible college 201

    Palavras inais 209

    Reerncias bibliogricas 213

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    introduo

    diante do quadro de desigualdade de status e poder geradopela supremacia da cultura masculina que o movimento eminista,

    em linhas gerais, questionar a ordem estabelecida pela organiza-o patriarcal, esse modelo nico que nega a pluralidade represen-tada pela voz eminina. Nesse sentido, no de se estranhar que asreivindicaes do movimento, inicialmente, iro enocar as ques-tes igualitrias. Isto, por sua vez, produzir uma situao de im-passe, j que as mulheres, ao mesmo tempo em que tentam rompercom a representao que limita seu espao, tm que dar conta tanto

    da esera pblica como privada: as mulheres descobrem que oacesso s unes masculinas no basta para assentar a igualdade eque a igualdade, compreendida como integrao unilateral no mun-do dos homens, no a liberdade (Oliveira, 1999, p.47).

    Esse mesmo embate proporcionar relexes sobre o eminismoda dierena que sero latentes a partir da dcada de 1980:

    Redeinir o eminino no ter mais um passado nostlgico, j re-pudiado, ao qual se reerir, nem tampouco um modelo masculino aoqual aderir. Reconstruir o eminino o destino do movimento das mu-lheres. [...] porque a verdadeira igualdade a aceitao da dierenasem hierarquias. (Ibidem, p.74)

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    Com base nessas questes que giram em torno da dierena, acrtica eminista na Amrica Latina ir enatizar as particularida-

    des das mulheres inseridas nesse contexto, atentando para a impor-tncia de olhar as especiicidades existentes na produo de autoriaeminina latino-americana, propondo, dessa orma, uma releituradas teorias vindas de outros pases, em especial as discusses apre-sentadas pelas eministas rancesas e anglo-americanas.

    nessa perspectiva de dupla reviso que esta pesquisa secircunscreve. Assim, por meio do ensaio Expresso eminina da

    poesia na Amrica, de Ceclia Meireles, pretende-se mostrar aimportncia desse texto ceciliano no que se reere aos estudos emi-nistas na Amrica Latina, enatizando o dilogo que se estabeleceentre a autora brasileira e as poetisas hispano-americanas, maisespeciicamente as uruguaias. Cabe dizer que a escolha de realizaresse recorte a partir das escritoras do Uruguai undamentou-se, aprincpio, em um dado quantitativo presente no prprio ensaio, j

    que, das 28 autoras elencadas por Ceclia, dez so uruguaias. importante esclarecer que Expresso eminina da poesia na

    Amrica, escrito em 1956, apresenta, de maneira bastante anteci-pada, consideraes de grande valia no que tange s questes abor-dadas pela crtica literria latino-americana. Sob esse aspecto,torna-se undamental analisar os enoques e as interpretaes reali-zadas por Ceclia no reerido ensaio, pelo vis que aponta para a

    maneira singular pela qual os textos produzidos por mulheres reve-lam as relaes de gnero socialmente constitudas.

    Diante dessas observaes, este trabalho, inicialmente, apre-senta um panorama da crtica literria eminista, pontuando seusprincipais objetivos, bem como sua contribuio para os estudosliterrios. Alm disso, ressaltam-se as especiicidades dessa crticana Amrica Latina, como orma de situar a atuao de Ceclia Mei-

    reles nesse contexto. Assim, na tentativa de reexaminar essa prti-ca, bem como o termo eminista, pensou-se em trazer luz atrajetria desse grupo, uma vez que ainda notvel uma certa ojeri-za por parte de alguns pesquisadores que, por no conhecerem o

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    surgimento ou, at mesmo, o que pretende essa vertente terica,acabam, muitas vezes, desprestigiando esse discurso.

    Num segundo momento, em contraponto a uma parte da crticaceciliana, que insiste em cunh-la como a pastora de nuvens, quesempre transita pelo campo do etreo, do emero e que no se en-volve com assuntos relacionados ao contexto social da sua poca,busca-se observar o comprometimento da escritora brasileira dian-te das questes do eminismo. Dessa orma, a partir de um breverecorte do que representa a obra de Ceclia Meireles, mostra-se,

    por meio de alguns poemas, crnicas e tradues, como o emi-nino se maniesta em sua produo. Nesse sentido, tenta-se desta-car que o ensaio Expresso eminina da poesia na Amrica no sereere a um texto que discute isoladamente essa questo. Alm dis-so, essas outras expresses textuais de Ceclia ajudam a percebermelhor o que ela entende por expresso eminina.

    Salienta-se, em seguida, a sua atividade como ensasta, atravs

    do reerido texto, enatizando como as consideraes tecidas pelaautora vo ao encontro da perspectiva da crtica eminista atual.Destaca-se tambm a leitura que Ceclia Meireles az em relao produo das poetisas hispano-americanas, em especial as uru-guaias, ato que revela mais um peril ceciliano: a de estudiosa econhecedora da Amrica Latina. Procura-se, desse modo, destacaro dilogo existente entre essas vozes emininas da lrica latino-

    -americana.Ao levar em conta que grande parte dos estudos sobre a autora

    de Vaga msica tende a explorar mais sua obra potica, pode-se di-zer que este trabalho surge da necessidade de abordar outros aspec-tos da vasta produo ceciliana. Acredita-se, portanto, que, aoacentuar essa postura de Ceclia Meireles diante das questes quepermeiam a crtica literria eminista, seja possvel ampliar a viso

    acerca da multiplicidade que representa a produo da escritorabrasileira, reverberando outros peris da poetisa que dierem do r-tulo de poeta do inevel.

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    Parte I

    Panoramada crtIca femInISta

    rase una vez...De la historia que sigue an no puede decirse: slo es una historia.

    Este cuento sigue siendo real hoy enda. La mayora de las mujeres quehan despertado recuerdan haber dormido, haber sido dormidas.

    Hlne Cixous

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    Sabe-se que na Grcia antiga, por exemplo, a mulher possua omesmo status de um escravo, sendo excluda das ontes de conhe-

    cimento, como ressaltam Alves e Pitanguy:

    Estando assim limitado o horizonte da mulher, era ela excluda domundo do pensamento, do conhecimento, to valorizado pela civiliza-o grega. Exceo eita das hetairas, cortess cujo cultivo das artes ti-nha como objetivo torn-las agradveis companheiras dos homens emseus momentos de lazer, a mulher grega no tinha acesso educaointelectual. O nico registro histrico de um centro para ormao in-

    telectual da mulher oi a escola undada por Sao, poetisa nascida emLesbos no ano de 625 a.C. (Alves & Pitanguy, 2003, p.12-4)

    Na Idade Mdia, esse quadro no se altera muito, apesar daconsidervel participao eminina na vida social e econmica. Re-gistros revelam que durante esse perodo havia uma disparidadena distribuio da populao por sexo, com predominncia do con-

    tingente adulto eminino (Alves & Pitanguy, 2003, p.16). A au-sncia da igura masculina explicada pelas constantes guerras,viagens e at mesmo a dedicao vida monacal. Assim, a mulherse v obrigada a executar as tareas realizadas anteriormente peloshomens. Nesse perodo, entretanto, a igura eminina continuasendo bastante hostilizada; prova disso a Inquisio, que teve in-cio na Idade Mdia e se estendeu durante o sculo XVII, com suas

    perseguies inundadas s bruxas. Vale lembrar que estas noeram condenadas somente pela Igreja Catlica, mas tambm pelasreligies protestantes, que se demonstraram grandes extermina-doras de mulheres, como destaca o ragmento abaixo:

    O advento do protestantismo no signiicou uma queda nesta per-seguio. Ao contrrio, tanto Lutero quanto Calvino aderiram mes-

    ma, apoiados na Bblia. Segundo alguns autores chegouse mesmo a seestabelecer uma competio entre as duas religies no que se reere caas bruxas. Jules Michelet, em Sobre as eiticeiras, transcreve nmerosestarrecedores: por ordem de seu bispo, a cidade de Genebra queimou,no ano de 1515, em apenas 3 meses, nada menos que 500 mulheres; na

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    Alemanha, o bispado Bamberg queima de uma s vez 600, e o deWurtzburgo, 900. (Ibidem, p.25, grio meu)

    No sculo XIV, momento de transio entre a Idade Mdia e aRenascena, ainda possvel observar de modo eetivo a atuao dotrabalho eminino, porm sem a mesma remunerao concedidaaos homens. Contudo, a partir do Renascimento que se nota umasuperexplorao e desvalorizao da mo de obra eminina, em vir-tude da grande concorrncia com a masculina.

    Por outro lado, a diuso dos ideais iluministas no perodo daRevoluo Francesa permitir que as mulheres se organizem emprol de seus interesses. o caso de Marie Olympe Gouges(1748-1793), que apresenta Assembleia Nacional da Frana, em1791, sua Dclaration des droits de la emme et de la citoyenne, docu-mento no qual reivindica direitos igualitrios de expresso paraambos os sexos. Ainda no sculo XVIII, alm de Wollstonecrat, notvel a presena de Mary Astell (1666-1731), com o escrito Somerelections upon marriage, de 1730, que ironiza a sabedoria mascu-lina e despoetiza as relaes existentes na sociedade amiliar (Zo-lin, 2005, p.184). Entretanto, a mulher entra no cenrio poltico,nos Estados Unidos e na Inglaterra, somente na segunda metade dosculo XIX, quando so realizadas as campanhas pela igualdadelegislativa e pelo surgio eminino. Como orma de legitimar omovimento, criam-se algumas associaes, conorme aponta o tre-

    cho a seguir:

    Em 1840, as americanas Elizabeth Cady Stanton, Susan B. An-thony e Lucy Stone passaram a liderar um slido movimento pelosdireitos das mulheres. As duas primeiras criaram a National WomanSurage Association (Associao Nacional para o Voto da Mulher),que, alm de reivindicar o voto eminino, lutava pela igualdade legisla-

    tiva, enquanto Stone criava a American Womans Surage Association(Associao Americana para o Voto das Mulheres), que somava s rei-vindicaes suragistas outras ligadas reorma das leis do divrcio.Essas duas organizaes oram undidas em 1890 para ormar a Natio-nal American Womans Surage Association (NAWSA) (Associao

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    Nacional Americana para o Voto das Mulheres), que, contando com oapoio de outras ativistas, conseguiu o direito de voto s mulheres ame-ricanas em 1920. (Ibidem, p.184)

    Desse modo, percebe-se que a nase das exigncias incidir, aprincpio, sobre aquelas mais primrias, como condies igualit-rias no trabalho, o direito ao voto, ao acesso educao. Pode-seairmar que, ainda no incio do sculo XX, as maniestaes emi-ninas estavam ligadas s lutas operrias. A partir dos anos 1930

    que se notam intervenes direcionadas estreitamente s reivindi-caes das mulheres. importante risar que por meio do movimento eminista que

    as mulheres comeam eetivamente a se conscientizar e se questio-nar acerca da sua condio. Os estudos literrios, diante dessa situa-o, entram nas discusses que permeiam a contestao do discursopatriarcal em relao s produes de autoria eminina.

    A nase do enoque sobre a mulher nas diversas reas de estudo resultado direto do movimento eminista das dcadas de 60 e 70, pre-tendeu/pretende principalmente, destruir os mitos da inerioridadenatural, resgatar a histria das mulheres, reivindicar a condiode sujeito na investigao da prpria histria, alm de rever, critica-mente, o que os homens at ento, tinham escrito a respeito. (Duarte,1990, p.15)

    Ainda no que se reere representatividade do movimento emi-nista, Rosiska Darcy Oliveira (1999) salienta que atravs dele queas mulheres iro problematizar, de maneira geral, as condies squais oram submetidas em nome de uma hegemonia masculina:

    Ao questionar o corte hierrquico do mundo, ao airmar que o pessoal o poltico e que a poltica se enraza na vida cotidiana e nos sentimen-tos privados, ao opor ao modelo nico a ser imitado uma pluralidade deprojetos e identidades a serem inventadas, essas novas protagonistassociais atacam princpios sagrados da ordem estabelecida.A expresso

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    coletiva desse questionamento de normas valores e modos de organizao icou conhecida como movimento eminista. (Oliveira, 1999, p.48,grios meus)

    Costuma-se situar a crtica eminista em trs grandes momen-tos. O incio da primeira ase corresponderia dcada de 1960, emque se procurou veriicar a representao eminina em obras de au-tores masculinos. J o segundo perodo oi marcado pela relaoentre a escrita de autoria eminina e o posicionamento de suas res-pectivas escritoras, mais precisamente, o que Showalter (1979 apudMacedo & Amaral, 2005, p.88) denominou deginocrtica, e o ter-ceiro momento (no incio dos anos 1980) enatizou as questes ree-rentes ao gnero, bem como as relaes de poder e represso.

    Beth Miller, segundo Constncia Lima Duarte, ao comentar oposicionamento das escritoras, designa tais ases como ondas lite-rrias; estas seriam, primeiramente, a andrgina; em seguida, a

    eminina; e a terceira, eminista:

    Na andrgina as mulheres tentavam escrever como os homens ecorresponderia s primeiras maniestaes literrias. A segunda posi-o deinia-se a partir da conscincia de que a vivncia dierenciada damulher implicaria num discurso prprio. E a terceira, marcada peloAno Internacional da Mulher, as escritoras j expressariam conscien-temente coisas de mulher em seus textos e pressupe a existncia de

    uma gerao de escritoras eministas. (Duarte, 1990, p.22)

    Esses momentos apontados por Miller equivalem ao que Sho-walter chama de escrita eminina (eminine), eminista (eminist) emea (emale): a primeira de imitao e internalizao das normasmasculinas, [...] a segunda, aase de protesto [...] e a terceira, a deautorrealizao... (ibidem, p.22, grio do original).

    Durante os anos 1960 e 1970, perodo de eervescncia do movi-mento eminista, os estudos relacionados crtica, como oi men-cionado anteriormente, procuram discutir, em linhas gerais, arepresentao eminina nas obras de autores masculinos. Procura-

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    -se resgatar e reavaliar o papel da escrita eminina, mostrando a re-lao de poder exercida pela produo dominante. Kate Millet, por

    exemplo, em Sexual politics (1970) parte das ideias de VirginiaWool para destacar o domnio do poder patriarcal. Nesse livro,Millet analisa, em sntese, a representao estereotipada da iguraeminina em obras de iccionistas como D. H. Lawrence, NormanMailer, Henry Miller. Conorme observou Funck (1999, p.18),trata-se da primeira obra importante da crtica eminista norte--americana. Seguindo essa mesma perspectiva de Sexual politics,

    o livro Woman in sexist society: studies in power and powerless (1971)apresenta textos das crticas eministas Elaine Showalter, CatherineStimpson e tambm de Kate Millet.

    Ainda no que se reere aos trabalhos signiicativos nesse pero-do, conorme aponta Humm (1994, p.9), vale ressaltar o ensaio dapoetisa Adrienne Rich intitulado When we dead awaken: writingas re-vision (1971), bem como o estudo Thinking about women

    (1968), de Mary Ellmann; alm dos trabalhos de Betty Friedan,Germaine Greer, Carolyn Heilbrun, Judith Fetterley, Eva Figes,Alice Walker, Annete Kolodny.

    No resta dvida de que a contribuio de Virginia Wool e deSimone de Beauvoir oi decisiva para a crtica eminista do sculoXX. As relexes levantadas por essas autoras serviro de esteioaos trabalhos posteriores. A escritora inglesa ressalta a importn-

    cia das questes sociais e de gnero, chamando a ateno para aperspectiva da mulher e seu olhar diante do mundo, enatizandoa ruptura da escrita eminina diante da linguagem da escrita tradi-cional/dominante.

    EmA room o ones own (Um quarto que seja seu), publicado pelaprimeira vez em 1929, Wool aborda a condio da mulher comoescritora, bem como a sujeio intelectual eminina. Trata-se de

    um estudo sobre a mulher e a literatura que teve origem nas anota-es eitas por ela para duas conerncias realizadas em estabeleci-mentos de ensino para mulheres em Cambridge no ano de 1928.Ainda no tocante relao entre mulher e ico, ela questiona:

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    Qual o eeito da pobreza na ico? Quais as condies neces-srias para a criao de obras de arte? (Wool, 1978, p.39). Em

    outras palavras, qual o relexo dessas condies emininas na ic-o produzida por elas? At que ponto isso interere na produoartstica?

    A importncia de um espao (a room) prprio a que alude a au-tora de Orlando tambm retomada por Beauvoir em O segundosexo (1949). Assim como Wool, ela reconhece que apenas pela in-dependncia eminina torna-se possvel chegar a um caminho de

    libertao:

    Foi pelo trabalho que a mulher cobriu em grande parte a distnciaque a separava do homem; s o trabalho pode assegurar-lhe uma liber-dade concreta. [...] entre o universo e ela no h mais necessidade de ummediador masculino. [...] produtora, ativa, ela reconquista sua transcen-dncia; em seus projetos airma-se concretamente como sujeito, pelarelao com o im que visa, com o dinheiro e os direitos de que se apro-

    pria, pe prova sua responsabilidade. (Beauvoir, 1960, v.2, p.449)

    Simone de Beauvoir tambm ir discutir os motivos pelos quaisa mulher se submete opresso. Segundo ela, ao aceitar essa condi-o repressora, o sexo eminino estaria sendo cmplice da domina-o masculina, cabendo, portanto, mulher reverter essa situao.

    Dir-me-o que todas estas consideraes so bem utpicas, postoque ora necessrio para reazer a mulher que a sociedade j a tivesseeito realmente igual ao homem: os conservadores nunca deixaram emtodas as circunstncias anlogas de denunciar este crculo vicioso; en-tretanto a histria no para. [...] Sem dvida se colocarmos uma castaem estado de inerioridade, ela permanece inerior: mas a liberdadepode quebrar o crculo. Deixem os negros votar, eles se tornaro dig-nos do voto; deem responsabilidades mulher, ela as saber assumir[...] parece mais ou menos certo que atingiro dentro de um tempomais ou menos longo a pereita igualdade econmica e social, o queacarretar uma metamorose interior. (Beauvoir, 1960, v.2, p.497, gri-o do original)

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    Essa ideia de igualdade e semelhana, em que se alicera o emi-nismo existencialista da ilsoa rancesa, ser posteriormente

    questionada pelas tericas ps-Beauvoir, que iro destacar a die-rena, ou melhor, exaltar o direito de a mulher proteger os valoresespeciicamente emininos e rejeitar a reerida igualdade, enten-dida como disarce para orar as mulheres a se tornarem como ho-mens (Zolin, 2005, p.189).

    importante lembrar que na dcada de 1970 h uma crescentepreocupao em veriicar as leituras que as mulheres aziam acerca

    da prpria escrita. Trata-se de uma ase de redescoberta, a qualShowalter caracterizou como ginocrtica. Ela, conorme destacouCastro, sugere dois tipos de crtica:

    crtica eminista, que se dedicaria a mulheres como leitoras e gino-crtica, que se dedicaria a mulheres como escritoras, sendo que estaltima modalidade visaria a psicodinmica da criatividade eminina,

    atravs de sua literatura, ou seja, a pesquisa, sob a luz da Psicanlise,do universo imaginrio da mulher. (Castro, 1992, p.228)

    Showalter desempenha um importante papel nas relexes acer-ca desse assunto. Em A crtica eminista no territrio selvagem, aautora discute algumas teorias relacionadas produo eminina,

    centradas nos modelos biolgico, lingustico, psicanaltico e cul-tural. Ela conclui que os estudos eministas que azem uso do mo-delo cultural so aqueles que realizam de maneira mais satisatriaa discusso sobre o tema, por levarem em conta o ambiente hist-rico-cultural no qual se insere cada obra literria executada pormulheres.

    No incio de 1980, observa-se uma crescente preocupao em

    analisar a maneira como as ideologias sociais/sexuais estavam re-presentadas nos textos literrios. Outro aspecto bastante discutidonessa ase reere-se construo da linguagem. Questiona-se, des-se modo, at que ponto a produo de autoria eminina se dieren-

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    p.228) coloca-se contra a existncia dessa essncia eminina e argu-menta que qualquer padro comum que se encontrar do eminino

    ser apenas resultado de uma longa histria de opresso. Sobreessa questo, lembra Lcia Osana Zolin:

    O eminino, para Kristeva, como para Cixous, no implica a mu-lher real, pois, no que diz respeito escrita, sujeitos biologicamentemasculinos podem ocupar uma posio de sujeito eminino na ordemsimblica, conorme ela observa nas obras de artistas de vanguardacomo Joyce e Mallarm, entre outros. Ela v no eminino a negao do

    lico e, mais especiicamente, na escritura eminina, uma ora capazde quebrar a ordem simblica restritiva. (Zolin, 2005, p.196)

    Ainda no que tange inluncia da escola rancesa, vale ressal-tar a obra The madwoman in the attic (1979), de Sandra Gilbert eSusan Gubar. As autoras chamam a ateno para o ato de as escri-toras colocarem em evidncia suas experincias, assim como a pers-

    pectiva eminina. Por se apresentarem de maneira camulada, taisaspectos (emininos) seriam ignorados pelos crticos tradicionais,que acabam realizando uma leitura supericial (Pinto, 1990, p.19).Esse livro ir inluenciar outros trabalhos posteriores, tambm vol-tados para o vis psicanaltico, como Writing and sexual dierence(1982) e The voyage in (1983), ambos de Elizabeth Abel, bem comoos estudos de Mary Jacobus e Juliet Mitchell.

    J em meados dos anos 1980, interessante observar a presenade discusses que giram em torno da dierena racial, em que sedestacam nomes como Barbara Smith, Audre Lorde, Alice Walker,Barbara Christian e o das crticas eministas aricanas e caribenhas.Nesse perodo tambm h representativos trabalhos relacionadosao lesbian criticism. Em outras palavras, enatizam-se questes liga-das a outras categorias minoritrias.

    Nesse perodo, sob o olhar desconstrutivista e ps-estruturalistadestacam-se os estudos de Gayatri Spivak, que revelam um outrovis da crtica eminista. Spivak, pensadora indiana radicada nosEUA, tambm chama a ateno para a mulher nas sociedades peri-ricas, propondo uma reintroduo da dimenso histrica que, segun-

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    Mediante essas distintas direes, mas que se entrelaam, a cr-tica eminista atual tem como principais objetivos: ocalizar o modo

    como as mulheres so representadas nas normas sociais e culturaispredominantes, resgatar textos de autoria eminina negligenciadospela crtica tradicional, conrontar as leituras e mtodos susten-tados por essa crtica, destacar o posicionamento dessas mulherescomo leitoras que, por sua vez, representam um novo olhar rente produo da escrita eminina.

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    crticAfeministAnA AmricA LAtinA

    Al buscar nuestra palabra y exponerla en orma de escritura estamos estableciendo nuestroorden smblico. Al abrir nuestra palabra estamos concurriendo con una visin ms en las

    diversas visiones del imaginario colectivo que esla cultura. Al atrevernos a exponer nuestro deseo en la palabra, no estamos ya hablando desde la carencia. Pero al escribirnos, sobre todo,nos estamos constituyendo como raza, inventndonos, creando nuestra identidad realidad sujeto mujer y mestiza.

    Soledad Farina

    A prtica do eminismo em pases do Terceiro Mundo apresen-ta um trao bastante peculiar, maniestando-se nas atividades pol-ticas. Estudiosas como Beatriz Sarlo e Jean Franco chamam aateno para a importncia que as mulheres tiveram no processopoltico latino-americano.

    Na Amrica Latina, dois eventos contriburam para o ressurgi-mento dos movimentos de mulheres os regimes autoritrios dos anos70 e a diiculdade extrema provocada pela crise das dvidas externas epelas polticas neoconservadoras postas em prtica sem o escudo pro-tetor do Estado de bem-estar social. (Franco, 1992, p.11)

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    Convm ainda lembrar que, apesar da presena de estudos te-ricos nas dcadas de 1970 e 1980, a partir da segunda metade dos

    anos 1980 que aparecem notveis relexes que permeiam a crticaeminista na Amrica Latina. Jorgelina Corbata (2002, p.15) citacomo marco a obra La sartn por el mango (1985),organizada porPatricia Elena Gonzlez e Eliana Ortega, em que se notam traba-lhos pioneiros, como La crtica literaria eminista y la escritora enAmrica Latina, de Sara Castro Klaren, e Las tretas del dbil,de Joseina Ludmer. Corbata tambm destaca a atuao de Sylvia

    Molloy e Beatriz Sarlo no livro Womens writing in Latin American(1991). Essas autoras, em sntese, iro propor uma releitura daseministas rancesas e anglo-americanas, pensando nas particulari-dades tnico-poltico-sociais do Terceiro Mundo.

    Sob esse aspecto, os estudos de Gloria Anzalda, Tey DianaRebolledo e Norma Aracn vo ao encontro das discusses queproblematizam o poder e o discurso autoritrio exercido pelas teo-rias vindas de ora da Amrica Latina.

    Com nase na relao entre Norte/Sul, Francine Masiello(1996), no artigo Trico de identidades: mujeres, cultura y pol-tica de representacin en la era neoliberal, resgata as relexes deJean Franco para alertar sobre os riscos do discurso dominante di-undido pelas metrpoles. Acerca disso, Corbata comenta:

    En su anlisis del poder de la mediacin como discurso cultural, aMasiello le interesa sobre todo su examen en relacin con la identidademenina. Y es all donde encuentra que las autoras norteamericanasque estudian mujeres latinoamericanas practican a menudo ormas derescate y conversin en el proceso de lo que llama antasear al otro,acentuando en especial las dierencias entre el sistema del norte y delsur. (Corbata, 2002, p.31)(Corbata, 2002, p.31)

    J Nelly Richard, sob inluncia da escola rancesa, analisa asespeciicidades do eminino dentro do contexto latino-americano,observando:

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    Esta concepcin interactiva de la dierencia-mujer es sin duda laque mejor sirve de relexin del emenismo latinoamericano ya quepermite pluralizar el anlisis de las muchas gramticas de la violencia,de la imposicin y de la segregacin, de la colonizacin y de la domina-cin, que se intersecta en la experiencia de la subartenidad. (Richard(Richardapud Corbata, op.cit., p.35)

    Ainda em relao s questes que permeiam os possveis aspec-tos caractersticos da escrita de autoria eminina, tem-se o notvelensaio de Cristina Pia, Las mujeres y la escritura: el gato deCheshire. Nesse texto, com base nas ideias de Kristeva, a autoraala de certos temas e ormas recorrentes na produo de algumasescritoras.

    No que se reere ao posicionamento da crtica tradicional, valedestacar as consideraes de Sylvia Molloy (1991), que mostracomo a imagem de muitas escritoras construda de maneira este-reotipada:

    la visin de Delmira Agustini como la virgen licenciosa; Alonsina Stor-ni como una ridcula virago; Victoria Ocampo como la anitriona conveleidades intelectuales; Gabriela Mistral como la madre espiritual; No-rah Lange como la dadasta extravagante y Silvina Ocampo como laexcntrica perversa. (Molloy apud Corbata, 2002, p.20-1, grios do ori-(Molloy apud Corbata, 2002, p.20-1, grios do ori-ginal)

    Outro nome de grande representatividade no que diz respeitoaos estudos da crtica eminista na Amrica Latina o de RosarioCastellanos; segundo apontou Beth Miller (1987, p.94), Castella-nos viu desde cedo os problemas da mulher dentro de um contextosocial, econmico e histrico. Ela relaciona a luta da mulher comoutras lutas. Miller ainda considera a atuao da escritora mexi-

    cana como um ponto de partida do movimento eminista contem-porneo no Mxico (ibidem, p.98).

    Sob inluncia das obras de Wool e Beauvoir, Castellanos tam-bm ir problematizar o desnvel socioeconmico existente entre a

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    Amrica Latina e os Estados Unidos, questionando a alta de ini-ciativa das mulheres mexicanas. Ser que no h mulheres entre

    ns? Ser que os rituais de abnegao as atarantou de tal maneiraque no se do conta de quais so as suas condies de vida? (Cas-(Cas-tellanos apud Miller, op.cit., p.97)

    Ainda no Mxico, destaca-se o nome de Eliana Poniatowska,como os de Luisa Valenzuela e Tununa Mercado, na Argentina;Cristina Peri Rossi, no Uruguai; Diameda Eltit e Gabriela Mora,no Chile. Esta ltima v a crtica eminista como aquela capaz de

    realizar uma leitura que questione os cnones estabelecedoresde hierarquias de qualidade, obrigando o reexame dos princpios eos mtodos que tm contribudo para ormar nossos juzos (Duar-te, 1990, p.21).

    De acordo com o que oi mencionado at o momento, percebe--se que as ideias diundidas por rancesas e anglo-americanas o-ram cruciais para a tomada de conscincia das eministas nos pasessubdesenvolvidos. Ao tratar, entretanto, de crtica eminista latino--americana, as preocupaes atuais consistem em no perder devista as particularidades evidentes na Amrica Latina.

    importante mencionar que o enoque ps-colonialista, combase nas ideias de Foucault sobre poder, ir despertar na crticaeminista desta regio um olhar mais atento s questes que nor-teiam a condio de marginalizados quanto lngua, ao discurso e identidade em relao Europa.

    Conorme destaca Heloisa Buarque de Hollanda, analisar asquestes relacionadas aos diversos contextos sociais na AmricaLatina essencial,j que apontam um caminho interessante paraa prpria ampliao e para o desenvolvimento da relexo eministacontempornea (Hollanda, 1992, p.9).

    Compartilhando dessa ideia, em Como e porque somos emi-nistas, Simone Pereira Schmidt (2004) atenta para a importnciade olhar as especiicidades da Amrica Latina, sem deixar de lado acontribuio das matriarcas, como ela denomina, ou mesmo asteorias vindas de outros pases.

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    se pode ugir. Esse imperativo social no aparece s nos encuentros eministas, mas tambm, de orma mais perturbadora e controvertida,nos textos de mulheres. (Franco,1992, p.12)

    Diante dessa perspectiva, pode-se airmar que a principal pro-posta da crtica eminista na Amrica Latina hoje azer outra lei-tura das teorias europeias e norte-americanas, com a inalidade deestabelecer um corpus terico, undamentado em suas respectivascircunstncias, que apresente, portanto, as especiicidades cultu-rais latino-americanas.

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    crticAfeministAno BrAsiL

    As mulheres da minha gerao perambulam pelo casteloemrunas do casamento. E se possuem a chave da liberdadeconerida pela plula, nada podem azercom ela. Deramnos a chave, mas esque-

    ceram de construir a porta.Mrcia Denser

    Sabe-se que a presena da mulher brasileira na vida pblica co-mea de maneira eetiva no incio do sculo XX. No Brasil, at 1916o Cdigo Civil considerava as mulheres como menores perptuossob Lei (apud Pinto, 1990, p.34). Em outras palavras, elas ica-vam sujeitas vontade dos homens (marido ou pai).

    Tal realidade tambm era comum em outros pases da AmricaLatina, como a Argentina, que se valer de leis parecidas com essapara manter a autoridade masculina. Aps a segundametade do s-culo XIX, entretanto, surgem no Brasil, assim como no Chile e emoutros pases latino-americanos, movimentos de mulheres descon-tentes com a situao qual estavam condicionadas.

    Ao tratar da histria do eminismo brasileiro, Constncia LimaDuarte (2003), em Feminismo e literatura no Brasil, designa asdcadas de 1830, 1870, 1920 e 1970 como momentos-onda, emque o movimento eminista adquire maior destaque.

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    A primeira onda corresponderia ao perodo em que a mulherluta pelos direitos primrios, como o acesso educao. Busca-se a

    construo de uma identidade eminina. Alm da presena das es-critoras Beatriz Francisca de Assis Brando (1779-1860), Clarindada Costa Siqueira (1818-1867), Delina Benigna da Cunha(1791-1857), destaca-se a atuao de Nsia Floresta (1809-1885),em especial o trabalho intitulado Direito das mulheres e injustia doshomens, publicado em 1832. Trata-se de uma adaptao do livroVindication o the rights o woman,da inglesa Mary Wollstonecrat.

    Segundo Duarte, essa traduo livre representa um marco para oeminismo brasileiro:

    Nsia Floresta no realiza, insisto, uma traduo no sentido conven-cional do texto eminista, ou de outros escritores europeus, como mui-tos acreditaram. Na verdade, ela empreende uma espcie de antropoagialibertria: assimila as concepes estrangeiras e devolve um produtopessoal, em que cada palavra vivida e os conceitos surgem extrados

    da prpria experincia. (Duarte, 2003, p.154, grio do original)

    Convm ainda mencionar a representatividade de Teresa Mar-garida da Silva e Orta (1711 ou 1712-1793) apontada como precur-sora do romance brasileiro com a obraAventura de Dianes. Nesseperodo, conorme destaca Rita Terezinha Schmidt (1995, p.183),nota-se a presena de outras vozes signiicativas, dentre elas: Al-bertina Berta, Ana Lusa Berta, Maria Firmina dos Reis, Maria Be-nedita Bormann, Carmen Dolores, Ana Lusa de Azevedo e Castro,Ana Eurdice Eurosina de Barandas.

    J o segundo momento-onda apontado por Constncia Duar-te apresenta um cunho mais eminista. Uma das principais reivin-dicaes, nessa ase, ser o direito ao voto. A imprensa ser umveculo de suma importncia. A autora tambm ressalta o carter

    bastante reivindicativo do jornal A Famlia, de Joseina lvaresAzevedo (1851-?); alm de O Corimbo, das irms Revocata Helosade Melo (1862-1944) e Julieta de Melo Monteiro (1855-1928), pu-blicado na cidade de Porto Alegre durante os anos de 1884 a 1944.

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    Nota-se, portanto, no incio do sculo XX, um notvel aumentode publicaes em jornais e revistas, desde ensaios, crnicas, poe-

    sias, contos de autoria eminina. Dentro desse periodismo emi-nino, segundo Dulclia S. Buitoni (apud Gotlib, 2003, p.32), oprimeiro jornal que possibilitou a divulgao de textos, tanto decunho poltico quanto literrio, escritos por mulheres oi, prova-velmente, O Espelho Diamantino, lanado em 1827 na cidade doRio de Janeiro. Observam-se tambm outros peridicos pioneiros,como o Correio das Modas (1839-1841) e o Jornal das Senhoras

    (1852-1855).Em 1873 aparece, de ato, o primeiro jornal eminista: O SexoFeminino, com a colaborao de Maria Amlia de Queiroz (sc.XIX-?). Nesse mesmo perodo, destaca-se a revista literriaAMensageira,publicada em So Paulo de 1897 a 1900, dirigida por Pres-ciliana Duarte de Almeida (1867-1944). Autoras como NarcisaAmlia (1852-1924) e Jlia Lopes de Almeida (1862-1934) contri-buram eetivamente com seus textos para a revista. A importn-cia dessa revista deve-se, sobretudo, preocupao com a ormaode um grupo ativo de intelectuais e artistas preocupado com a cons-truo de um contexto de cultura literria (Gotlib, 2003, p.34).

    Vale mencionar que, no campo literrio, destacam-se as escri-toras Jlia Lopes de Almeida (1862-1934) e Francisca Jlia(1871-1920), consideradas marcos no que tange produo liter-ria de autoria eminina no Brasil. possvel dizer, mesmo, quecom essas duas escritoras inicia-se realmente uma tradio da lite-ratura brasileira eminina no Brasil (Pinto, 1990, p.43). Percebe--se que grande parte da crtica da poca contribuiu para disseminarque elas supostamente representavam a imagem de mulher per-eita, pois, alm de atuar como escritoras, trabalhavam em seu lar,o que corroborou a ideia de que a produo eminina era uma esp-cie de hobby e, portanto, uma atividade menor comparada mascu-lina. Tal aspecto ser explorado pelo discurso crtico que, por suavez, diundir o conceito de que a literatura eita por mulheres cor-responde somente representao de suas respectivas emoes esentimentos. o que Sylvia Paixo (1990, p.54) designou como o

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    olhar condescendente da crtica: A atmosera de ragilidade seracentuada por meio de uma atitude paternalista do crtico em rela-

    o mulher que escreve, azendo sobressair, muitas vezes, mais asqualidades sicas da mesma do que os seus dotes literrios.No que se reere terceira onda, deinida por Constncia

    Duarte, as exigncias pelo direto ao voto continuam juntamentecom as reivindicaes de insero da mulher no campo de trabalho,bem como no ensino superior. Destacam-se nomes como BerthaLutz (1894-1976), Maria Lacerda de Moura (1887-1945), Leolin-

    da Daltro (1860-1935), Erclia Nogueira Cobra (1891-1938), Adal-zira Bittencourt (1904-1976), Mariana Coelho (1880-1953), DivaNol Nazrio (sc. XX), entre outras.

    interessante observar que, a princpio, a ideia do desenvolvi-mento intelectual eminino estava vinculada melhoria do desem-penho da mulher como esposa e me, conorme aponta CristinaFerreira Pinto:

    a imprensa eminina brasileira, desde os seus primrdios, enatiza anecessidade de melhorar-se a educao dada mulher, como meio deelev-la social e moralmente. As primeiras eministas brasileiras, noentanto, assim como polticos e educadores liberais, deendiam a me-lhora do ensino para as mulheres porque entendiam que assim elas po-deriam desempenhar melhor seus deveres para com a amlia e a casa.[...]A partir da dcada de 1870, no entanto, observase que vrios jor

    nais e revistas eministas e uns raros homens pblicos assumem uma atitude dierente em relao educao eminina. Deendia-se ento a ideiade que a mulher deveria ser instruda e emancipada, no s para poderservir melhor amlia e sociedade, mas principalmente por um de-sejo de realizar-se pessoalmente. (Pinto, 1990, passim, grio meu)

    Aos poucos, as reivindicaes de acesso educao assumemum carter estritamente relacionado emancipao eminina.

    Dessa maneira, o oco desse movimento vai mudando progressi-vamente, e logo a questo central passa a ser o direito da mulher aoensino superior (ibidem, p.38). somente a partir da dcada de1930, entretanto, que possvel notar um nmero signiicativo de

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    mulheres nas escolas superiores. Ainda no que se reere ao movi-mento eminista no Brasil, Cristina Ferreira Pinto menciona:

    Embora no tivesse conseguido transormar radicalmente a atitudeda sociedade brasileira em relao mulher, o movimento eministaque se inicia em meados do sculo XIX consegue avanos consider-veis. O acesso da mulher educao integral oi, sem dvida, o primei-ro passo para sua emancipao. A luta pelo surgio eminino tambmconsegue uma vitria em 1932 [...]. (Ibidem, p.40)

    Ainda acerca desse momento, no mbito literrio, cabe destacara atuao de Rosalina Coelho Lisboa (1900-1975), com a obra Rito

    pago, e Gilka Machado (1893-1980), que, dierentemente de Fran-cisca Jlia, apresenta uma outra tendncia potica, renovando comseus poemas de cunho ertico: a poesia de Gilka Machado vaimais alm: acusa os agentes opressores os homens; e proclama arejeio dessa orma reprimida de ser mulher (Gotlib, 2003, p.41,grio do original).

    Costuma-se enatizar a dcada de 1930 como um perodo de ma-turidade da produo de autoria eminina, tanto pela qualidadedessa produo quanto pelo nmero de mulheres que atuam comoescritoras. Desse perodo azem parte as poetisas Ceclia Meireles,Henriqueta Lisboa, bem como as prosadoras Patrcia Galvo(Pagu) e Raquel de Queiroz, entre outras. No mbito da crtica lite-rria, porm, nota-se ainda uma certa lacuna, com exceo de L-cia Miguel Pereira que, alm de se dedicar prosa literria, tambmexerce notavelmente a atividade de ensasta e crtica, apesar de al-guns estudiosos questionarem o ato da sua obraA histria da literatura brasileira, publicada em 1950, s azer reerncia a umaescritora, Jlia Lopes de Almeida. Para Lcia Osana Zolin (2004,p.276), o motivo da nica escolha eminina explicado, certamen-

    te por no considerar que as demais escritoras da poca tenhamparticipao na ormao da identidade nacional ou, simplesmente,por considerar suas obras ineriores em relao quelas modelaresdos homens letrados. A atuao de Lcia Miguel Pereira, entre-

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    Hilst, Ana Cristina Csar, Adlia Prado, Cora Coralina; na prosa,Clarice Lispector, Nlida Pion, Mrcia Denser, Lygia Fagundes

    Telles, Lya Lut, entre outras.

    Conscincia que ora de tentar se posicionar, no s em relao alncia do modelo-de-comportamento eminino herdado da socie-dade tradicional (a sociedade crist/burguesa/liberal/patriarcal/capi-talista que vem sendo questionada e abalada em seus alicerces desde oincio do sculo), como tambm interdependncia existente entre asmltiplas ormas de criao literria e os estmulos ou imposies do

    contexto sociocultural em que essa criao surge. (Coelho, 1993, p.16,grio do original)

    De acordo com as consideraes tecidas por Constncia Duarteem Feminismo e literatura no Brasil, ainda no possvel airmara existncia de uma quinta onda a partir dos anos de 1990. Elaconclui:

    Com certeza vivemos outros e novos tempos, e o movimento emi-nista parece atravessar um necessrio e importante perodo de amadu-recimento e relexo. O que no se sabe como retornar na prximaonda, que ormato e dimenses poderia ter. (Duarte, 2003, p.168)

    Ao levar em conta a airmao de Miriam Pillar Grossi (2004,p.212) que indica a deesa de tese de livre-docncia de HeleiethSaioti em 1967 na USP como marco dos estudos sobre a mulherno Brasil, pode-se dizer que esse campo de pesquisa tem apenasquarenta anos no Brasil.

    Em relao aos estudos de crtica literria, percebe-se que ape-nas por volta dos meados da dcada de 1980 comeam a aparecertrabalhos que tentam se libertar dos conceitos importados das esco-las rancesa e anglo-americana (Funck, 1999, p.21). Nesse sentido,

    pode-se dizer que a crtica eminista no Brasil, consciente dainluncia exercida por essas tendncias, volta-se para anlisesacerca da representao eminina na literatura, como tambm paradiscusses que giram em torno de uma possvel linguagem da escri

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    tura eminina. Alm disso, a historiograia eminista tem instau-rado importantes debates que permeiam a questo da prpria

    ormao do cnone, uma vez que se prope a resgatar obras esque-cidas pela tradio cannica, contestando, dessa maneira, a ausn-cia da literatura produzida por mulheres.

    Outro aspecto que tem sido examinado cuidadosamente por al-gumas estudiosas do eminismo reere-se noo de sororidadeou de irmandade, como intitula Suely Gomes Costa (2004, p.25).Trata-se de uma concepo que oi embutida de que as mulheres,

    sendo todas iguais, deveriam lutar contra a desigualdade em rela-o aos homens:

    Essa orma de pensar a identidade biolgica ganha revises a partirdos anos 80, do sculo XX. Na noo de sororidade, conormam-sea homogeneizao e a ocultao das dierenas e desigualdades entre asmulheres. Essas revises decorrem da crescente tomada de conscinciadas dierenas e desigualdades no que concerne ao enquadramento po-

    ltico; posio de classe; s circunstncias raciais/tnicas; s distn-cias de gerao ideolgicas. No Brasil, esse debate, restrito a algunscrculos, mantmse lacunarno que tange avaliao de impasses doseminismos, organizaes sempre imaginadas como de deesa de dou-trinas igualitrias. (Costa, loc. cit., grio meu)

    Miriam Pillar Grossi (2004, p.218) ainda atenta para a questo

    do atual objeto dos estudos eministas no Brasil, o qual ela preerechamar de estudos eministas, de mulheres e de gnero. Em umapesquisa realizada juntamente com Snia Malheiros Miguel emmais de mil instituies brasileiras em 1995, revelou-se que muitaspesquisadoras no se reconhecem dentro do rtulo eminista, oupor acharem que este est estritamente ligado militncia ou porconsiderarem que seus trabalhos se enquadram dentro dos estudos

    de cincias sociais, pois avaliam suas pesquisas como parte da teo-ria social contempornea. Grossi considera esses resultados comoum relexo de um espao permeado de pluralidades:

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    constatamos que no podamos denominar de movimento eminista,grupos que se auto-denominavam como de mulheres, ora se consi-deravam eministas, ora se diziam trabalhar com questes ou pol-ticas de gnero. Partindo desses dados e analisando os trabalhosapresentados em dierentes eventos da rea considero que h vrios ti-pos de pesquisas sendo realizadas atualmente no Brasil: pesquisas so-bre mulheres, pesquisa sobre homens, pesquisas que analisam asrelaes de gnero, pesquisas preocupadas com questes tericas, pes-quisas sobre o movimento eminista e de mulheres, etc... (Grossi,2004, p.218)

    Diante desse contexto, importante risar algumas pesquisado-ras que tm desempenhado um papel undamental no que tange sprincipais relexes dos estudos sobre mulher e literatura, a saber:Suzana Funck, Marlyse Meyer, Ndia Gotlib, Heloisa Buarque deHollanda, Constncia Lima Duarte, Rosiska Darcy de Oliveira,Rita Schmidt, entre outras.

    Ainda no que se reere s perspectivas do pensamento crticoeminista no Brasil, vale mencionar as consideraes eitas por He-loisa Buarque de Hollanda:

    inegvel que o pensamento crtico eminista no Brasil, em ase deexpanso e ormao de um corpus terico prprio, pelo menos na readas letras, j mostra quantitativa e qualitativamente sinais de seu po-tencial crtico e poltico. inegvel tambm [...] que a atual voga dos

    estudos eministas no apenas mais uma moda acadmica, mas umentre os muitos resultados da longa trajetria das mulheres, com idas evindas, estratgias e lutas, em busca no s de seus direitos civis, mastambm de seu inalienvel direito de interpretao. (Hollanda, 1993,p.34)

    Como orma de destacar a importncia dos estudos relaciona-dos escrita de autoria eminina, espera-se que este conciso pano-

    rama tenha servido para situar os propsitos sustentados poralgumas de suas representantes, embora se saiba que pontuar al-guns nomes sempre uma tarea rdua, pois se corre o risco de ex-cluir outros signiicativos.

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    Ao alar sobre a poesia de Ceclia Meireles, o crtico AgrippinoGrieco, no texto Quatro poetisas, presente no livro Evoluo da

    poesia brasileira, publicado em 1932, destaca:

    Mas a sra. Ceclia Meireles pouco original, por isso que imitadorados que aqui imitam Leopardi e Antero de Quental: uma cpiade cpia [...] uma artista que parece ter abdicado de toda a alegria, detoda esperana de elicidade. [...] No possue o dom de inlamar osassuntos em que toca: a alta de sinceridade verbal paralisa-lhe qual-quer tentativa de lirismo. (Grieco, 1932, p.202)

    Ainda nesse mesmo texto, Grieco comenta sobre a escritoraAuta de Souza que, segundo ele, se tivesse vivido mais, seria umCasimiro de saias, cujas orgias romnticas no iam alm de res-pirar, numa noite de lua, o incenso agreste da jurema em lor(Grieco, 1932, p.201). Diante dessas observaes, percebe-se que,para o crtico, a orma adequada da escrita potica desenvolvidapelas mulheres deve se vincular imagens suaves e agradveis.Quando compara, por exemplo, Ceclia Meireles e Lia Corra Du-tra, ele diz: Menos guindada que a sra. Ceclia Meireles a senho-rinha Lia Corra Dutra, autora simptica at na puerilidade dosadjetivos antiquados de que abusa (ibidem, p.203) Em outras pa-lavras, sua poesia se destaca pois pueril, embora ela cometa ex-cessos. Alm disso, o tom irnico de Grieco, ao se reerir poetisacomo senhorinha parece evidente, uma vez que a escritora Ra-chel de Queiroz mencionada de maneira dierenciada aqui comoa romancista: Mas o ano de 1930, mais generoso que Labo,deu-nos a romancista Rachel de Queiroz (ibidem, p.204).

    Mais complacente com a produo eminina, mas ainda marca-do de esteretipos, apresenta-se o texto Ceclia Meireles, deAmadeu Amaral, publicado pela primeira vez na Gazeta de Notcias (Rio de Janeiro, 6 de setembro de 1923), sendo reproduzidotambm um ano depois na Ilustrao Brasileira (Rio de Janeiro, ou-tubro de 1934) e ainda no livro Elogio mediocridade (1976). Cabelembrar que, at o ano de publicao do artigo, Ceclia havia publi-

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    cho corrobora-se a noo de que a obra da autora de Romanceiro daInconidncia transita pelo universo de elementos menos palpveis,

    em que predomina o sublime, o etreo, o inevel. Essa concepo,inclusive, reorada pelo uso do verbo pairar, contrapondo-se anavegar e agitar que representam ormas executveis, ou me-lhor, termos que indicam aes que requerem esoros para seremeetuadas. Amaral segue o seu texto enatizando o carter emeroda potica de Ceclia Meireles e, dierentemente de Grieco, v ori-ginalidade na poesia da autora brasileira:

    possvel que o leitor no goste. to desataviado e cho! Parans, delicioso: a poesia, despojada de aeites e roupagens, reduzida sua essncia de emoo e de ideia. Imagens simples e claras comograndes lrios. [...]A sua originalidade consiste no seu poder organizadore transormador da matria adquirida, to intimamente apropriada peloesprito com as substncias assimiladas pelo corpo. [...] D. Ceclia Meireles um poeta. Traz em si a massa deque azem os grandes poetas.(Ibidem, p.164, grios meus)

    Essa originalidade, conorme apontou Amadeu Amaral, serquestionada por Ana Cristina Csar em um artigo intitulado Lite-ratura e mulher: essa palavra de luxo, publicado em 1979 noAlmanaque, no 10. Ao alar sobre a produo ceciliana, elaobserva:

    Ceclia levita, como um puro esprito... Por isso ela se move, via-ja, sonha com navios, com nuvens, com coisas errantes e etreas, mveise espectrais, transormando em pura poesia essa caminhada. [...] Cec-lia boa escritora no sentido de quem tem tcnica literria e sabe azerpoesia, mas, como se sabe, no tem nenhuma interveno renovadora naproduo potica brasileira. [...] Ceclia e Henriqueta continuaram a a-lar sempre nobres, elevadas, pereitas. (Csar, 1993, passim, grios

    meus)

    importante mencionar que a expresso Ceclia levita, comoum puro esprito, bem como outros termos utilizados nesse texto

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    oram retirados, na ntegra, do artigo Vaga msica,1 de Menottidel Picchia, ao qual Ana Cristina no az aluso. Como percept-

    vel no ragmento acima, para a autora de Escritos no Rio, CecliaMeireles no apresenta nenhuma interveno renovadora. En-tretanto, diante da trajetria da produo de autoria eminina noBrasil, como airmar que uma mulher que escreve em meados dosculo XX no representa um ato de renovao?

    Nota-se tambm nos comentrios de Ana Cristina Csar que,assim como grande parte da crtica sobre Ceclia, ela designa a poe-

    tisa como a pastora de nuvens, aquela que canta o etreo, queala da transitoriedade da vida, enim, a poeta do inevel. Essaconcepo acerca da obra ceciliana, conorme aponta Maria LciaDal Farra (2006), corrobora a ideia de que a produo da escritorabrasileira seja isenta de sexo, reorando a noo do neutro poe-ta. Com base em tal premissa, ela enumera:

    Observem os exemplos: sua poesia contm uma graa area,sustentando-se como uma potica das alturas, como o quer ManuelBandeira (s/d); sua poesia requenta a regio das terras altas, maisperto das nuvens que da cidade dos homens l em baixo, como o quer

    Jos Paulo Paes (Paes, 1997); sua poesia levanta uma obra intempo-ral, paradoxalmente atual e inatual, como o quer Carpeaux (1960,p.203-9); sua poesia cultua a beleza imaterial e preere a abstrao e odesapego pelo ambiente real, como o quer Paulo Rnai (s/d); sua poe-

    sia exala uma veemente austeridade, como o quer Darcy Damasceno(1983); a temtica da ausncia (metora da sombra) enquanto airma-o de uma presena que se oi constante em Solombra, ltimo li-vro de Ceclia na abordagem de Alredo Bosi. (Dal Farra, 2006, p.8)

    O texto Literatura e mulher: essa palavra de luxo prosseguecom comparaes entre Ceclia e Henriqueta Lisboa, contrapondo-

    -as a Adlia Prado:

    1 Publicado inicialmente no jornalA manh. Rio de Janeiro, 1o de agosto de 1942,p.4. In: Meireles, Ceclia. Obra potica. Organizao Darcy Damasceno. Rio deJaneiro: Nova Aguilar,1958. p.LV-LVIII.

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    O que interessa que Ceclia, e Henriqueta atrs, acabaram deinindo a poesia de mulher no Brasil. [...] As duas so iguras consagradase que nunca inquietaram ningum. Mas no consagrao que critico,nem a marca nobre.Apenas acho importante pensar a marca emininaque elas deixaram, sem no entanto jamais se colocarem como mulheres.[...] Adlia bom, raro exemplo de outra via, de uma produo alternativa de mulher em relao via Ceclia/Henriqueta. Dentre as que noso de nova gerao, Adlia das poucas que no se iliam IrmMaior. Hiptese: Adlia supera a eminizao do universo imagticopela eminizao temtica. (Csar, 1993, no paginado, grios meus)

    Ana Cristina Csar ainda chama a ateno para o ato de a crti-ca construir um iderio tradicional ligado mulher. Sob esse as-pecto, o ensaio levanta questes de grande valia, no que concerne escrita produzida por mulheres, j que o mesmo prope uma dis-cusso em relao existncia de uma poesia eminina. Ao airmar,entretanto, que Ceclia Meireles e Henriqueta Lisboa no se colo-

    cam como mulheres, a autora maniesta uma viso restrita sobreambas.

    Em vez de tentar reler a obra de Ceclia e de Henriqueta de ou-tro ponto de vista, como orma de identiicar o interesse da crticaem conerir mulher valores ligados parte inerior, passiva (nosentido utilizado por Cixous) da sociedade, Ana Cristina acabaanalisando a produo dessas poetisas pelo vis do mesmo iderio

    tradicional que ela questiona; endossando esse discurso crtico di-recionado, sem olhar para as dierentes maneiras como oemininose incorpora potica dessas autoras.

    Pode-se dizer, assim, que Ana Cristina estabelece um conceitoideal de escrita eminina que, consequentemente, exclui outrasormas de representao do eminino. Ainda sobre essa questo, elaressalva:

    Uma nova produo e um eminismo militante se do as mos,propondo-se a despoetizar, a desmontar o cdigo marcado de emini-no e do potico. Ceclia e Henriqueta nada mais seriam do que exem-

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    plos tpicos de uma velha e conhecida retrao e recalque da posio damulher. Mas as boas moas j no esto na ordem do dia. [...] Onde selia lor, luar, delicadeza e luidez, leia-se secura, rispidez, violnciasem papas na lngua. Sobe cena a moa livre de maus costumes, a prostituta, a lsbica, a masturbao, a trepada, o protesto, a marginalidade.[...]A escrita de mulher agora aquela que desralda a bandeira eminista, depois de costurar o velho cdigo pelo avesso? A poesia eminina agora aquela que berra na sua cara tudo que voc jamais poderia esperarda senhora sua tia?A produo de mulher ica novamente problemti-ca. Marcada pela ideologia do desrecalque e pela alio hiteana de di

    zer tudo, sem deixar escapar os detalhes mais chocantes. (Csar,1993, no paginado, grios meus)

    Como observou Cixous, deinir ou teorizar uma prtica emi-nina na escritura, trata-se de uma tarea impossvel:

    Imposible, actualmente, deinir una prctica emenina de la escritura, se trata de una imposibilidad que perdurar, pues esa prctica nuncase podr teorizar, encerrar, codiicar, lo que no signiica que no exista.Pero siempre exceder al discurso regido por el sistema alocntrico; tieney tendr lugar en mbitos ajenos a los territorios subordinados al dominioilosicoterico. (Cixous, 1995, p.54, grios do original)(Cixous, 1995, p.54, grios do original)

    diante dessa perspectiva que Sylvia Paixo ressalta a impor-tncia em analisar a produo literria das mulheres, o que, segun-

    do ela, uma orma de romper com os preconceitos sociais, poisdestaca a presena eminina num meio dominado pelo homem(Paixo, 1990, p.55). No que diz respeito imagem que se criouacerca da poesia eminina de Ceclia Meireles, Mario de Andra-de, em Ceclia e a poesia,2comenta que, por ter sido a primeiramulher na histria intelectual do Brasil premiada pela AcademiaBrasileira de Letras, em 1939, ela estaria sacriicando-se ao aceitar

    essa premiao, uma vez que esse reconhecimento por parte da

    2 Texto datado de 16 de junho de 1939. In: Andrade, Mario. O empalhador depassarinhos. 3.ed. So Paulo: Martins, 1972. p.71-5.

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    Academia ir situ-la como uma espcie de modelo a ser seguidoe reverenciado que, por conseguinte, no escapar de rtulos.

    Alm disso, o ato de Ceclia ter colaborado para a revista Festacooperou para que a crtica sobre a poetisa vinculasse a ideia de serela alheia ao modernismo, bem como ao contexto social da sua po-ca. Acerca disso, comenta um dos grandes estudiosos de literaturabrasileira no Uruguai, o crtico Cipriano Vitureira:

    Ceclia actu junto a Tasso da Silveira, Murilo Arajo y AndradeMurici en torno de la revista Festa principalmente, constituyendo el sector ms espiritualista de aquel muy ruidoso movimiento nacional. Entanto ste proclamaba una mayor popularizacin a travs de una temtica nativa y de una libertad ormal absoluta, ese sector, de raz catlica,de mesura en la pasin potica y de gracia universalizadora, sin discre-par sobre la enorme importancia de los principios sustentados por lamayora, (raciales, polticos y sociales en buena dosis). (Vitureira,1965, p.25, grio meu)

    Ainda sobre essa questo destaca Jos de Souza Rodrigues:

    creemos poder decir que el cosmos potico de Ceclia Meireles cubretoda una rea de donde no estn excluidas ni la tradicin ni la contemporaneidad. Incorpora ibericidad muchos crticos la acusan de lusitanismo exagerado y brasilidad. Pero ante todo corresponde a una actitud

    seria y exigente rente a la poesa, como acto de responsabilidad social,acto de indagacin existencial y acto de creacin verbal. (Rodrigues,1983, p.19, grios do original)

    Gastn Figueira, que tambm oi um grande admirador da poe-sia ceciliana e tradutor de muitos de seus poemas para a lngua es-panhola, no precio daAntologa potica (1923-1945), preparadapor ele e publicada em 1947, enatiza:

    Creemos que es Cecilia Meireles quien mejor representa la sutilespiritualidad de la mujer brasilea, expresndola con la magniicacinde su lenguaje lrico. Aclaremos: no se trata de una poesa de carcter

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    nacionalista. Su obra se destaca por la universidad de su inspiracin. Yello, lejos de constituir una ausencia de brasilidad, viene a dar unacomo nueva expresin de ese sentimiento. Hay muchos Brasiles. Yjunto a quel opulento, telrico, de lujo tropical, podemos ubicar otro,muy autntico, de espiritualidad delicada, de austera y sobria cultura,en que la maravillosa luz del trpico toma un cromatismo insimo y enque la selva y el mar aparecen como estilizados, el lneas clariicadas,depuradas, esenciales. (Figueira apud Meireles, 1947, p.5, grios meus)

    Em vista dos primeiros textos crticos aqui destacados, percebe-

    -se que essas ltimas consideraes sobre a obra da autora de Vagamsica azem uma leitura dierenciada acerca da mesma, chamandoateno para o comprometimento ceciliano rente s questes queenvolvem a sociedade de sua poca. interessante observar nessecomentrio de Gastn Figueira que, apesar de reconhecer um de-terminado sentimento de brasilidade na poesia de Ceclia Meireles,o poeta uruguaio acaba indicando elementos que azem parte dosenso comum em relao potica eminina, como sutil, delica-da, ina, pura. Por outro lado, ao airmar que hay muchos Brasiles, ele consegue identiicar a multiplicidade que as vozes emininaspodem assumir em um mesmo contexto social. Sendo assim, o e-minino pode ser representado de diversas ormas; dierentementede Ana Cristina, Figueira v Ceclia colocar-se como mulher den-tro da literatura brasileira.

    No de se estranhar que esse breve recorte eito sobre a crticaceciliana apresente algumas limitaes diante da produo de auto-ria eminina. Ainal, so textos escritos entre as dcadas de 1930 e1980. Como se sabe, os estudos relacionados crtica eminista,que tem se dedicado com ainco a essas discusses, so recentes.Seria imprudente exigir uma postura condizente com a viso atual.Isso no implica, entretanto, que esses textos no sejam analisados,uma vez que se torna undamental observar as marcas que deixa-ram e o modo como se reletem na apreciao da obra de Ceclia.

    No que concerne aos estudos crticos recentes sobre Ceclia,cabe dizer que eles tendem a explorar mais acerca da sua produo

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    potica. So poucos os trabalhos que, de ato, contribuem para umaanlise mais aproundada acerca da sua vasta produo. Tais consi-

    deraes so destacadas em Estudo crtico da bibliograia sobre Ceclia Meireles que, ao examinar mais de novecentos ttulos sobre apoetisa, airma:

    os textos da ortuna crtica que de ato contribuem com ideias originaispara o aproundamento dos estudos sobre a poetisa resumem-se a pou-cos ttulos. De certo modo, volta-se, ento, constatao inicial: a bi-bliograia eetiva da crtica acerca de Ceclia Meireles pequena, a

    despeito do nmero elevado de ttulos disponveis e do renome da au-tora. (Oliveira, 2001, p.37)

    Eliot, em A uno da crtica, enatiza o direcionamento quemuitos comentrios proporcionam sobre uma determinada obraque, por sua vez, acabam conduzindo o estudioso a certos juzos devalores. Isso para o poeta ingls inadmissvel, j que o olhar crti-

    co no aquele que se prende ao que alam da obra, mas sim aqueleque tem como principal oco o seu prprio objeto, portanto, a obraem si. Pode-se dizer que h uma tendncia da crtica ceciliana emcristalizar o discurso crtico sobre a sua produo, em vez de proporoutras leituras acerca da mesma. Torna-se undamental, portanto,ressaltar outros aspectos relevantes na sua obra que permitam res-saltar outros peris da escritora brasileira.

    Considerando que a leitura no descobre o que a obra contm,em sua verdade essencial, mas literalmente recria a obra, atribuindo--lhe sentido(s), como apontou Leyla Perrone-Moiss (1998, p.13),cabe agora, em contrapartida linhagem da crtica tradicional ceci-liana, azer uma sucinta apreciao acerca de alguns textos da escri-tora brasileira de outro prisma, pontuando a maneira como CecliaMeireles vai ao encontro das discusses que giram em torno da

    condio eminina.

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    representAesdofemininonApoesiAceciLiAnA

    Priso

    Nesta cidade

    quatro mulheres esto no crcere.Apenas quatro.Uma na cela que d para o rio,outra na cela que d para o monte,outra na cela que d para a igrejae a ltima na do cemitrioali embaixo.Apenas quatro.

    Quarenta mulheres noutra cidade,quarenta, ao menos,esto no crcere.Dez voltadas para as espumas,dez para a lua movedia,dez para pedras sem resposta,dez para espelhos enganosos.Em celas de ar, de gua, de vidroesto presas quarenta mulheres,quarenta ao menos, naquela cidade.

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    Quatrocentas mulheres,quatrocentas, digo, esto presas:cem por dio, cem por amor,cem por orgulho, cem por desprezoem celas de erro, em celas de ogo,em celas sem erro nem ogo, somentede dor e silncio,quatrocentas mulheres, numa outra cidade,quatrocentas, digo, esto presas.

    Quatro mil mulheres, no crcere,e quatro milhes e j nem sei a conta,em lugares que ningum sabe,esto presas, esto para sempre

    sem janela e sem esperana,umas voltadas para o presente,outras para o passado, e as outraspara o uturo, e o resto o resto,

    sem uturo, passado ou presente,presas em priso giratria,presas em delrio, na sombra,presas por outros e por si mesmas,to presas que ningum as solta,e nem o rubro galo do solnem a andorinha azul da lua

    podem levar qualquer recado priso por onde as mulheresse convertem em sal e muro.

    1956(Meireles, 2001, v.2, p.1759-60)

    Priso, que integra os Dispersos de Ceclia, oi publicado pelaprimeira vez, em 1973, em Poesias completasde Ceclia Meireles,organizada por Darcy Damasceno (Meireles, 1973, v.7, p.149-50).Tal edio, composta por oito volumes, oi lanada durante os anosde 1973 e 1974.

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    O poema descreve o aprisionamento de mulheres cujo nmeroaumenta gradativamente a cada estroe. Primeiro, so quatro; de-

    pois, quarenta; em seguida, quatrocentas; quatro mil; quatro mi-lhes; e o nmero de prisioneiras torna-se ininito.Nota-se, ao longo do texto potico, uma perda da materialidade

    dos elementos descritos. Estes vo se tornando, tambm de manei-ra progressiva, menos palpveis. como se eles se dissipassem namesma proporo que a quantidade de prisioneiras crescesse. Noincio, as celas do para o rio, para o monte, para a igreja, para o

    cemitrio. J na segunda estroe, as mulheres esto voltadas parao incerto: espumas, luas movedias, pedras sem respostas, espelhosenganosos. As celas que so de erro, passam a ser de ogo; em se-guida, nem de erro e nem de ogo, tornam-se celas constitudas dedor e silncio. Ao inal, as mulheres esto presas em priso girat-ria, presas em delrio, na sombra. Incomunicveis, elas so conde-nadas ao mesmo destino trgico da mulher de L, converter-se em

    esttua de sal, smbolo da esterilidade. Esta ideia de coninamentoaqui retomada pelos termos sal e muro (Oliveira, 2007, p.125).

    Parece evidente no poema a aluso que ele az opresso emi-nina. interessante observar que apresenta a data de 1956 ao inal,provavelmente o perodo em que oi escrito. Vale lembrar que nesse ano que Ceclia proere a conerncia Expresso eminina dapoesia na Amrica, objeto de estudo deste trabalho, que revela o

    cunho precursor ceciliano rente s questes do eminismo. OutroOutrotexto potico que tambm merece ser destacado, no que concerne representao do universo eminino, Uma pequena aldeia, quetambm oi publicado inicialmente em Poesias completas, organi-zada por Darcy Damasceno (Meireles, 1973, v.8, p.60-1).

    Uma pequena aldeia

    No canto do galo h uma pequena aldeiade mulheres risonhas e pobresque trabalham em casas de pedra

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    com belos braos brancose olhos cor de lgrima

    So umas corajosas mulheresque tecem em teares antigos,so Penlopes obscurasem suas casas de pedracom oges de pedranestes tempos de pedra.

    Elas, porm, cantam com rescura,a leveza, a graa, a alegria generosada gua das cascatas,que corre de dentro do mundopelo mundopara ora do mundo.

    No canto do galo h, de repente,essa pequena aldeia,com essas belas mulheres,essas boas mulheres escondidas,essas criaturas lendriasque trabalham e cantame morrem.

    O amor uma roseira sua porta,o sonho um barco no mara vida uma brasa na lareiraum pano que nasce, io a io.

    A morte um dia santopara sempre no cu.

    1961 (Meireles, 2001, v.2, p.1893-4)

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    Escrito provavelmente em 1961, data apontada ao inal do tex-to, Uma pequena aldeia apresenta uma igura eminina de mu-

    lheres lendrias que cumprem seu destino, o qual se resume emtrabalhar, cantar e morrer. Apesar dos tempos de pedra, essasmulheres no perdem a alegria e cantam a vida. Esse canto encontra--se representado aqui pela gua das cascatas que corre de dentrodo mundo/ pelo mundo/ para ora do mundo. Ainda sobre essesversos possvel observar a dimenso que essas mulheres, mesmomorando em uma pequena aldeia, vo ganhando dentro do univer-

    so do poema. interessante observar que a expresso no canto do galo as-sume um sentido ambguo, podendo remeter ao espao sico emque o masculino predomina ou ainda pode estar relacionado aoamanhecer do dia. Cabe lembrar que em Priso aparece umaexpresso bem parecida rubro galo do sol que se contrape representao eminina de a andorinha azul da lua.

    Ao enocar essas belas e boas mulheres escondidas, pode-se di-zer que o texto coloca em discusso a prpria condio eminina quese centra nessa igura lendria de Penlopes obscuras que, coni-nadas em um ambiente rduo, tendem a cumprir o seu destino.

    Assim, a pequena aldeia acaba ganhando propores maiores aosimbolizar a situao eminina compartilhada em outros espaos etempos. Esse mesmo questionamento em relao ao lugar que amulher ocupa no mundo abordado em Mulher de leque; po-rm, nesse ltimo texto, a igura eminina apresenta-se silenciadaem comparao a Uma pequena aldeia, j que nem sequer ocantar aqui permitido; no importa o que ela ala, pensa ou so-nha, como pode ser observado logo na primeira estroe:

    Mulher de leque

    Para longe o que alo:o que sonho, o que penso.Para o reino do vento.

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    Para longe o que calo:para o nico momentoque se h de ver imenso.

    Entre o que alo e calo,h um leque em movimento.Mas eu, a quem perteno?

    Setembro, 1962(Meireles, 2001, v.2, p.1915)

    O poema, tambm publicado pela primeira vez na edio de1973, organizada por Darcy Damasceno, traz anotada a data de se-tembro, 1962 ao inal do texto.

    No resta dvida de que o leque remete a algum pertencente classe burguesa. interessante notar que o movimento de ir e virdesse objeto assume nos verbos opostos alar e calar um con-

    traponto essencial que revela o conlito desse eulrico. Apesar daoposio entre esses verbos, eles se aproximam no poema, atingin-do uma dimenso subjetiva que proporciona uma equivalncia se-mntica entre os mesmos.

    Tal deslocamento de ir e vir do leque tambm reitera a ideiade que nada que essa mulher ala importa. Pode-se inerir, ento,que a alta de importncia atribuda a essa voz eminina alude aomito de Cassandra, proetisa troiana na mitologia grega e romanaem quem ningum acreditava, embora tivesse a capacidade de pre-ver o uturo. Simbolicamente, ela representa uma recusa patriar-cal em coniar nas palavras das mulheres (Macedo & Amaral,2005, p.15).

    Alm disso, a pergunta que encerra o poema Mas eu, a quemperteno? retoma o estado de impasse em que se encontra o eulrico. Como no consegue ser dona de si mesma e identiicar o seuprprio espao, essa mulher de leque cujas aes so neutralizadasquestiona-se sobre sua situao de pertena, mostrando, portanto,a relao de propriedade qual ela est sujeita.

    No que tange representao do eminino na potica ceciliana,

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    ela ainda seguir suas respectivas exigncias. Nesse sentido, o poe-ma resvala numa questo que, principalmente para as mulheres,

    um grande problema. Trata-se da imposio social de um padrode beleza, em que parecer ou ingir mais importante do queser. Essa voz do texto ainda aponta essa supericialidade exteriorcomo algo muito pequeno perante o ingimento do mundo, davida, do contentamento, do desgosto.

    De acordo com essas observaes eitas em um pequeno recortedo que representa a potica ceciliana, possvel notar a ausncia de

    questionamentos diante da condio eminina? A prpria perguntalanada pelo eulrico do poema Mulher de leque Mas eu, aquem perteno? estaria isenta de uma postura de se colocarcomo mulher?

    Ao comentar sobre a presena do eminino em Ceclia Meireles,Maria Lcia Dal Farra (2006) ressalta:

    h um olhar eminino em muitos poemas da autora, em que ela prpriase identiica como mulher; h tambm poemas em que ela trata de mu-lheres; e h tambm outros poemas em que ela serve do masculino paraazer uma viso universal. [...] Contrariamente poesia de Florbela, deGilka e de Adalgisa, a de Ceclia Meireles nunca teve a pretenso deerguer bandeira da mulher como sua causa [...] Mas isso no quer dizerque o olhar sobre a condio eminina esteja ausente em seus versos.(Dal Farra, 2006, passim)

    A preocupao da autora de Viagem em trazer luz questesrelacionadas condio eminina no se restringe somente a suaobra potica; ela tambm est presente em algumas das dierentesmaniestaes da prosa ceciliana, como o ensaio, as tradues e ascrnicas. Vale, nesse momento, comentar brevemente sobre a atua-o de Ceclia como cronista.

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    aoredordAscrnicAsceciLiAnAs

    Sabe-se que Ceclia Meireles tambm se dedicou escrita decrnicas, publicadas em diversos jornais, como Dirio de Notcias,

    A Manh, Correio Paulistano, entre outros. No de se estranharque, diante do prprio gnero, os temas tratados nesses textos se-jam os mais diversos. No que concerne s crnicas que indicam oengajamento ceciliano diante das questes do eminismo, cabe des-tacar Toda Amrica unida para vitria, publicada pela primeiravez em 24 de maro de 1943 emA Manh;e Precursoras brasilei-ras, editada inicialmente na Folha Carioca de 19 de junho de

    1945.Toda Amrica unida para vitria comea com Ceclia rela-

    tando o recebimento do Emblema da Vitria que lhe oi enviadodos Estados Unidos por Evangelina A. de Vaughan. Esta, conor-me destaca a poetisa brasileira, uma senhora peruana, radicadaem Nova York, antiga presidente da Unin de Mujeres America-nas,grande animadora do movimento eminino dos Estados Uni-

    dos e em todas as Amricas (Meireles, 1998, p.35). O emblema, deacordo com as palavras de Vaughan, simboliza todos os anelos damulher americana, deensora dos ideais democrticos (ibidem,p.35)

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    O texto segue comentando a importncia da igura emininanos Estados Unidos. A mulher americana apontada aqui como

    um elemento de equilbrio a essa sociedade:

    A mulher americana um elemento suavizador [...] Na Amrica, ohomem ganha dinheiro, mas a mulher estuda maneiras de us-lo embenecio social. E, como a ao eminina , na verdade, eiciente, osdois resultados se equilibram, causando, em tempos normais, o bem--estar dos grupos em que inluem. (Ibidem, 1998, p.36)

    Ceclia ainda esclarece que o emblema tem como inalidadeprincipal proporcionar melhores condies de estudos s mulheresde pases sul-americanos:

    a campanha do Emblema da Vitria se destina a estabelecer, com oproduto da sua venda, undos para bolsas de estudo a serem oerecidass mulheres das repblicas sul-americanas que desejarem estudar nos

    Estados Unidos, preparando-se para a deense work. (Ibidem, p.38)

    Cabe lembrar que essa crnica oi escrita durante a SegundaGuerra Mundial. Diante desse contexto, chama-se a ateno para aconscincia eminina que apesar de vivenciar momentos conturba-dos, consegue pensar e agir em prol de um mundo menos desigual:

    Multiplicam-se os avies, submarinos, bombas, tanques de guerrae o nmero de mortos. Mas as mulheres americanas pensam na resis-tncia, na deesa, na unio de todas as mulheres de boa vontade o quesigniica uma educao melhor da humanidade utura, uma outracompreenso das coisas, uma estrutura dierente do mundo. Sem d-vida os homens querem o mesmo: mas querem-no aos berros, berrosde canho, de altos explosivos, berros de desespero, de sorimento, demaldio. (Meireles, 1998, p.38)

    Por meio desses comentrios realizados por Ceclia Meireles, possvel notar o seu comprometimento com as questes que englo-bam o eminismo; prova disso o recebimento do Emblema da Vi-

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    tria, destinado a pessoas que se distinguem na causa da unio entreos pases americanos, como tambm aquelas que se preocupam

    com os interesses da mulher.Em relao crnica Precursoras brasileiras, Ceclia mencionauma entrevista cedida por ela em Washington a uma jovem jornalis-ta. A cronista ala do entusiasmo da entrevistadora em querer saberalgo que osse primeiro: E nunca mais me esqueci do interessedaquela jovem por essa deinio de pioneira, que parecia signiicartanto, aos seus olhos (ibidem, p.227). Partindo dessa observao,

    a autora chama a ateno para o trabalho de Barros Vidal, a quem elaaponta como grande precursor, uma vez que ele publica um livro arespeito de mulheres brasileiras que se destacaram em diversos m-bitos sociais. Ainda sobre Barros Vidal, a poetisa salienta:

    ele um precursor, rente de suas precursoras; tambm ele realiza oque no ora realizado, vencendo com longa perseverana os abismos de

    silncio e as lorestas de enredos que se abrem e se echam diante dospassos de todos que querem, na verdade caminhar. (Ibidem, p.228)

    O trabalho de Vidal, para Ceclia, representa um estudo notvelque resgata a histria dessas mulheres pioneiras, mostrando, porconseguinte, a diiculdade que elas enrentaram por terem sido asprimeiras:

    azer pela primeira vez alguma coisa que no est prevista na rotina dostempos, enrentar os preconceitos, sobretudo quando se pobre mulher, criatura a quem nem todos ainda conerem o masculino privilgio (ai,to mal empregado!) de ter alma...? [...] no aasto a da gratido que oautor merece, da parte de toda mulher que se tenha esorado em reali-zar obra de utilidade quando neste mundo, segundo opinies abalizadas, e seguidas, uma mulher j az muito quando consegue ser bonita.

    (Meireles, 1998, p.228, grios meus)

    Nesse ltimo ragmento, toca-se nitidamente na questo dopreconceito sorido pelas mulheres e dos rtulos que lhes so empre-

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    Depois de transitar pelos textos poticos e pelas crnicas de Ce-clia Meireles, cabe, agora, destacar a atuao de Ceclia como tra-

    dutora, atividade que tambm revela uma preocupao da autorabrasileira em tratar de assuntos relacionados ao universo eminino

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    UmBreverecortedAstrAduesceciLiAnAs

    Ceclia Meireles, como se sabe, apresenta um considervel n-mero de textos traduzidos para lngua portuguesa. Vale ressaltarAcano de Amor e de Morte do portaestandarte Cristvo Rilke(1947), de Rainer Maria Rilke, eito a partir da verso rancesa deSuzanne Kra, com a assistncia de Paulo Rnai; Orlando (1948),de Virginia Wool, publicado pela Editora Globo, de Porto Alegre;Bodas de sangue (1960) e Yerma (1963),de Federico Garca Lorca,publicados pela Agir, do Rio de Janeiro; os poemas Sete poemasde Puravi, Minha bela vizinha, Conto, Mashi e O cartei-ro do rei, de Tagore, publicados em edio comemorativa do cen-tenrio do autor (1961), bem como aturanga (1962), tambm dopoeta indiano, publicado pela editora Delta, no Rio de Janeiro;alm de alguns poemas israelenses, reunidos em Poesia de Israel(1962), com ilustraes de Portinari, em edio da Civilizao Bra-sileira, do Rio de Janeiro. Acerca da sua atividade como tradutora,lembra Maria Lcia Dal Farra:

    Para tanto muito lhe vale a sua aplicao nas lnguas que conheciato bem, a ponto de ter sido, pela vida aora, excelente tradutora deRilke, Virginia Wool, Lorca, Tagore, Maeterlinck, Anouilh, Ibsen,Pushkin, assim como antologias da literatura hebraica e de poetas de

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    Israel, conhecedora que era Ceclia da lngua inglesa, rancesa, italia-na, espanhola, alem, russa, hebraica e dos dialetos do grupo indo--irnico. (Dal Farra, 2006, p.3)

    Essa notvel quantidade de tradues1 realizadas pela poetisanos mais diversos idiomas revela a preocupao da autora de Vagamsica em divulgar a cultura de outros pases atravs da literatura.Por outro lado, por necessidade inanceira, elatambm ir traduziralgumas obras de cunho comercial, como Os caminhos de Deus

    (1958), de Kathryn Hulme, Amado e glorioso mdico (1960), deTaylor Caldwell, ambas publicadas por Selees do Readers Digest,alm de outros livros. Como lembra Paulo Rnai, as diiculdadesencontradas pelos tradutores no se limitam somente aos proble-mas com o texto: Na prtica, porm, a traduo se apresenta comouma operao de muitas aces, que envolvem aspectos comerciais,tcnicos, psicolgicos etc. (Rnai, 1976, p.56). Entretanto, o que

    se pretende aqui matizar as verses que mostram o seu desempe-nho como divulgadora de outras culturas, principalmente as obrasque tratam da condio eminina.

    No que tange temtica das tradues realizadas por CecliaMeireles, em que o universo eminino o oco da obra, destacoOrlando, de Virginia Wool, e Yerma, de Federico Garca Lorca.Sobre este ltimo livro, trata-se de uma pea teatral escrita por

    Lorca em 1934, dividida em trs atos, que tem como personagemprotagonista Yerma. Esta vive em constante conlito com seu mari-

    1 Ainda sobre a atuao de Ceclia Meireles como tradutora, cabe elucidar umcomentrio realizado por Lia Wyler em seu livro Lnguas, poetas e bacharis:uma crnica da traduo no Brasil (2003, p.116), em que a autora aponta Cec-lia como tradutora de Tom Sawyer. Alm disso, ela tambm inorma que a poe-tisa teria sido presa, por conta dessa traduo, que oi considerada subversiva.Na verdade, Ceclia teve sua biblioteca inantil, no Pavilho Mourisco, echadaem 1937 pelo governo de Getlio Vargas, sob a acusao de conter obras ina-dequadas ormao inantil. Sendo assim, importante esclarecer que elanunca traduziuAs aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, nem oi presa emvirtude disso.

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    do e consigo mesma, uma vez que no tem ilhos e sente-se naobrigao de t-los.

    Assistimos a esse triste caminhar de Yerma, dos seus desejos emi-ninos, simples e naturais, para esse cho sem esperana onde se pros-trar criminosa. Em meio a um mundo natural onde tudo parece estarem seu lugar certo, onde a vida se desenvolve com um ritmo que pare-ceria de coerncia entre o cu e a terra