Vozleste 2015 digital

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DIREITOS HUMANOS Chega de genocídio da população negra, desmilitarização da PM já! Voz da Leste, edição 005 São Paulo, SP/ Zona Leste, Janeiro de 2015. Foto: Antonio Miotto. MANIFESTOS As periferias unidas AMÉRICA LATINA México, Argentina e Brasil, agente somos nós

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Edição especial do Voz da Leste Janeiro de 2015.

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DIREITOS HUMANOSChega de genocídio da população negra, desmilitarização da PM já!

Voz da Leste, edição 005 São Paulo, SP/ Zona Leste, Janeiro de 2015.

Foto: Antonio Miotto.

MANIFESTOSAs periferias unidas

AMéRICA LATINA México, Argentina e Brasil, agente somos nós

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Edição Especial 2015EDITORIAL

EXPEDIENTE• Editores: Marcel Cabral Couto e Luciara Ribeiro • Arte e Diagramação: Paloma Valéria dos Santos • Ilustrações: Ebbios Lima, Mônica Marques e Ruana Negri • Repórteres: Antonio Miotto, Escobar Franelas, Luciara Ribeiro, Marcel Couto, Roberto Maty e Victor Leme Balan, • Revisão: Marcel Cabral • Fotógrafos: Antonio Miotto, Escobar Franelas, Luciara Ribeiro e Marcel Cabral Couto • Colabora-dores: Antonio Miotto, Escobar Franelas, Everton Santana. Marcel Copola e Queila Rodrigues • Parceiros: ANEL-SP, Casa de Cultura do Itaim Paulista, Caritas – ACNUR, Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, Coletivo DAR, GRCS Escola de Samba Unidos de Santa Bárbara, Jornal Brasil de Fato, Portal Geledés, Portal Viomundo, Rede Brasil Atual, Rede Latina América, Revista Fórum, Sarau do Fórum, Sarau na Quebrada, Sarau Mauá Literal, Sarau o Que Dizem os Umbigos e S.R.B. Escola de Samba Lavapés • Administração: Marcel Cabral Couto • Contatos: e-mail: [email protected]; facebook: https://www.facebook.com/VozDaLeste; Blog: vozdaleste.blogspot.com; • Anúncios: [email protected]; Cel: 963811073 (Marcel) / 984649060 (Luciara) • Gráfica: Taiga Gráfica e Editora Ltda. Tiragem: 3.000 exemplares.

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• Realização:

Luciara Ribeiro e Marcel C. Couto - Editores São Paulo, Janeiro de 2015.

Foto: Fernanda Simionato

Ao nos reunirmos para pen-sar nesse editorial que encerra o ano de 2014 e inicia de 2015 fizemos um balanço do ano que se encerra e percebemos que seria impossível não falar de alguns assuntos que foram po-liticamente importantes. Ini-ciamos o ano com a volta dos blocos de rua em São Paulo. Foi incrível ver as pessoas ocupan-do as ruas durante o carnaval. Foi um dos belos sinais de que ocuparíamos as ruas com lutas

coloridas. E as festas, os protes-tos, as ciclovias, as ocupações foram o espetáculo de uma ci-dade viva e que recusa a priva-tização do nosso existir.

Apesar de termos aproxi-madamente 150 rios espalha-dos pela cidade, vivemos duran-te esse ano período de crise de água. O complexo Cantareira de abastecimento chegou a em média seus 15% de capacidade. O descaso com as nascentes

dos rios, com o tratamento da água, como o consumo desen-freado pelas indústrias, grupos empresariais e bairros elitistas são apenas alguns dos motivos que levaram a essa situação. A água virou negócio há muito tempo e nele também se busca lucro. Os lucros da Sabesp são divididos pelos acionistas na bolsa de valores, mas Alckmin quer que Dilma empreste 4 bi-lhões de reais, é pro cu cair da bunda mesmo!

E vemos que se a Copa trouxe o tão prometido au-mento de consumo financeiro no país, a periferia não teve uma fatia larga do bolo, ape-nas o aumento da especulação imobiliária, afastando as pes-soas para bairros cada vez mais longes do centro da cidade. Alguém já viu quanta custa um apê ou casa em Itaquera agora? Quem sempre morou lá não consegue mais comprar sua terra e continuar na comunida-de que nasceu e se criou.

E quando a gente achava que já poderíamos começar o ano, lembramos que ainda terí-amos as eleições presidenciais, governamentais e dos legisla-tivos em outubro. Até o che-

gado dia da votação, vivemos momentos de declarada divisão entre a classe dos privilegiados, e daqueles que nunca tiveram tais privilégios. A rearticulação da direita foi imensa e elege-mos o congresso e senado mais conservador desde a ditadura Civil-Militar de 1964. Ou seja, vamos apanhar muito mais da polícia em 2015 contra as atro-cidades que podem ser aprova-das na calada da noite.

Por falar em Policia Militar, os dados comprovam: a crimi-nalidade caiu e a PM matou mais pessoas em 2014?

A PM, que faz o genocídio negro, periférico e LGBT vai ganhar tanques blindados de Israel, esses são os direitos hu-manos praticados pelo PSDB paulista há 22 anos no poder. Pelo fim da Militarização da PM já.

E por falar em Militares, a Comissão Nacional da Verdade entregou o relatório final sobre aqueles anos sombrios. A lista de pessoas perseguidas, tortu-radas, abusadas e mortas pe-los militares aumentou, assim como as atrocidades e meios de tortura utilizados pelos mes-

mos. Ainda temos muito para lutar até que nossas vozes pos-sam ser realmente ouvidas. A memória é ato político, como já disse Walter Benjamin “quem mando no passado controla o futuro”, ou algo assim. Preci-samos resolver as cicatrizes da Ditadura e da Escravidão que ainda sangram e fazem milhões sangrar: milhões com classe, gênero, sexo e cor!

Com a vitória, Dilma pro-meteu realizar um plano de democratização dos meios de comunicação. Essa deve ser, ao nosso ver, aquilo que une to-das, todos e todxs, que querem mudar este país e o mundo: FIM DO MONOPÓLIO MI-DIÁTICO! PT pare de ser bur-ro, não da mais pra te defender amiga!

As periferias e todas as pes-soas que lutam por um mun-do justo e livre terão q eu se reinventar frentes aos antigos e novos desafios. Agora os con-servadores agora também saem às ruas!

Esta edição deseja a todxs um ótimo 2015, com muita luta e com a certeza de que es-

ESTUPRADORES NãO PASSARAM!

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3 AÇÃO SOCIAL

Por Luciara Ribeiro

Edição Especial 2015

A Copa dos refugiados ocorreu entre os dias 2 e 3 de agosto de 2014, na Comuni-dade Novo Glicério, na região central da cidade. Foram dois dias de jogos envolvendo jo-gadores de cerca de 16 países, sendo alguns deles: Angola, Nigéria, Paquistão, República Democrática do Congo, Costa do Marfim, Guiné, Serra Leoa, Burkina, Mali, Colômbia, Togo, Afeganistão, Bangladesh, Síria, Iraque e Camarões.

A Copa foi organizada de refugiados para refugiados. Segundo o malinês Adama Ko-nate, um dos organizadores, “a copa foi realizada com o intui-to de dar a oportunidade ao povo brasileiro de conhecer os refugiados que vivem em São Paulo. Aqui, há muitas pessoas estrangeiras, alguns refugiados e outros não. Pois, o povo está se misturando”.

A copa dos refugiados não foi apenas um evento de com-petição, algumas organizações sociais contribuíram para que o evento fosse também um es-paço de lazer e formação social-política. Entre as parcerias esta-belecidas destacamos a Agência de Refugiados da Organização das Nações Unidas (ACNUR), a Caritas Arquidiocesana São Paulo, a Organização Mulheres, o Programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), a Organização Internacional IKMR e a equipe do Pé do Mundo no Brasil.

DEPOIS DA COPA DO MUNDO,é A vEz DA COPA DOS REFUgIADOS!Refugiados que vivem em São Paulo uniram-se neste ano de copa no Brasil para fazerem sua própria competição.

De acordo com Konate, “a copa também é uma maneira de esquecermos as dificuldades que estamos passando. Pois, aqui muitas pessoas estão preo-cupadas. Mas, quando estamos juntos nós brincamos, canta-mos, dançamos, jogamos”.

O jogo final da Copa dos Refugiados ficou entre duas equipes africanas, a Nigéria e o Camarões. E, a Nigéria foi a grande vencedora da com-petição. Victor Silva (nome fictício), jogador da equipe da Nigéria, não conhecia seus colegas de time antes da or-ganização da copa: “Eu fiquei sabendo que ia ter um jogo entre países, eu não conhecia as pessoas que estavam orga-nizando, mas, logo que en-contrei com eles começamos a treinar um pouco. E foi bom para a gente se conhecer”. Já George Nouga, jogador da equipe do Camarões, teve um encontro diferente com a equipe formada: “Eu já co-nhecia o pessoal, pois já estou aqui no Brasil a um tempo”.

A Copa foi um momento de compartilhamento cul-tural e organização política entre os refugiados, além de demonstrar a necessidade de mais ações culturais e de lazer dedicadas a acolhida e integra-ção desses novos moradores na cidade.

ALgunS doS oRgAnizAdoReS

NoME: UChEN K.PAíS DE oRIGEM: NIGéRIAPRoFISSão: PRoFESSoR DE INGLêS E CANToR; é UM DoS CoMPoSIToRES Do hINo DACoPA (hTTPS://www.yoUTUBE.CoM/wATC h?V=0NF5CQ-RUF4).CoMo ESTá PARTICIPANDo: ATUA NA EQUIPE DE CooRDE-NAção E CANTAR á o hINo DA CoPA NA ABERTURA Do EVENTo.

NoMe: RoMeo G.PAíS DE oRIGEM: CAMARõES.PRoFISSão: CANToR; é UM DoS CoMPoSIToRES Do hINo DA CoPA(hTTPS://www.yoUTUBE.CoM/wATC h?V=0NF5CQ-RUF4).CoMo ESTá PARTICIPANDo: ALéM DE FAzER PARTE DA oRGANIzAção, SERá LoCUToR DoS JoGoS E CANTAR á o hINo DA CoPA NA ABERTURA.

NoME: SALMA K.PAíS DE oRIGEM: IRAQUE.PRoFISSão: ENGENhEIRA DE INFoRMáTICA.há QUANTo TEMPo ESTá No BRASIL: 5 ANoS.CoMo ESTá PARTICIPANDo: DESDE AS PRIMEIRAS REUNIõES, ESTá No GRUPo DE CooRDENAção; TAMBéM FoI ARTICULA-DoRA Do TIME Do IRAQUE.

NoME: JoSE PELEPAíS DE oRIGEM: ANGoLA.há QUANTo TEMPo ESTá No BRASIL: APRoxIMADAMENTE 1 ANo.PRoFISSão: VENDEDoR

NoME: JEAN K.PAíS DE oRIGEM: REPúBLICA DEMoCRáTICA Do CoNGo.PRoFISSão: EMPRESáRIo (ELE é DoNo DA SUA PRóPRIA LAN hoUSE, QUE o PERMITIU REUNIR RECURSoS PARA TRAzER SUA FAMíLIA PARA o BRASIL).CoMo ESTá PARTICIPANDo: TRABALhA NA ADMINISTRAção DE RECURSoS E No PLANEJAMENTo DA PRoGRAMAção Do EVENTo.

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4AMÉRICA LATINA

Em 26 de outubro, a presi-denta do Brasil Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi reeleita no segundo turno por uma estreita margem contra Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Apesar do nome do PSDB, esse foi um claro em-bate entre esquerda-direita, onde os eleitores votaram – de maneira genérica – de acordo com sua classe social, apesar de os programas de governo dos dois partidos serem, em muitas frentes, mais centristas do que de esquerda ou direita.

Para compreender o que isso significa, nós precisamos analisar as particularidades po-líticas do Brasil, que em mui-tos aspectos estão muito mais próximas da Europa Ocidental e da América do Norte do que qualquer outro país do Sul Glo-bal. Como os países do Norte, os confrontos eleitorais aca-bam, no fim, se tornando uma batalha entre um partido de centro-esquerda e um partido de centro-direita. As eleições são regulares e os eleitores ten-dem a votar de acordo com os interesses de sua classe, apesar das políticas de centro dos dois principais partidos que geral-mente se alternam no poder. O resultado é a constante insatis-fação dos eleitores com o “seus” partidos e constantes tentativas das verdadeiras esquerda ou di-reita para forçarem políticas em suas direções.

Como esses grupos de es-querda e direita perseguem seus objetivos dependem um pouco da estrutura formal das eleições. Muitos países têm um sistema de fato de dois turnos. Isso permite que a esquerda e a direita escolham seus próprios candidatos no primeiro turno e então votem no candidato dos principais partidos no segundo. A maior exceção a esse sistema de dois turnos são os EUA, que forçam a esquerda e a direita a entrarem nos principais parti-dos e depois passem a lutar de dentro (com as primárias).

O Brasil possui um traço excepcional: enquanto em to-dos esses países os políticos mudam de partido de tempos em tempos, na maioria dos pa-íses estes formam um pequeno grupo. No Brasil, tal mudan-ça de partido é virtualmente uma ocorrência cotidiana na legislatura nacional, isso força os principais partidos a gastar enormes quantidades de ener-gia em reestruturar alianças constantemente e corresponde a uma maior visibilidade em corrupção.

Nessa eleição, o PT estava sofrendo de grande desilusão de seus eleitores. A candidata Marina Silva tentou oferecer uma terceira via. Ela era co-nhecida por três característi-cas: ambientalista, evangélica e uma “não-branca” de origem muito pobre. No começo, ela pareceu decolar. Mas enquanto

começava a propor um progra-ma muito neoliberal, sua popu-laridade entrou em colapso e os eleitores se voltaram para Aécio Neves, um direitista mais tradi-cional.

As desilusões com o PT eram principalmente sobre sua falha em cortar relações estru-turais com a ortodoxia eco-nômica, além do fracasso em cumprir suas promessas sobre reforma agrária, preocupações ambientais e a defesa dos di-reitos dos povos indígenas. Ele também reprimiu demonstra-ções populares de movimentos de esquerda, notoriamente os de junho de 2013. Apesar dis-so, os movimentos sociais da esquerda uniram forças de ma-neira muito forte com o parti-do no segundo turno.

Por que? Por conta das mu-danças positivas de 12 anos de governos do PT. Primeiramen-te, havia a grande expansão do programa Bolsa Família, que paga subsídios mensais ao mais pobres da população brasileira – que tiveram melhoras sig-nificativas em suas vidas. Em seguida, e pouco mencionado na imprensa ocidental, havia o enorme sucesso do Brasil em sua política externa – seu enorme papel na construção de instituições latino e sul-americanas que manteve longe o poder dos EUA na região. A esquerda tinha certeza que Ne-ves iria reduzir as políticas de bem estar social do PT e se aliar novamente aos EUA no cenário internacional. A esquerda do Brasil votou por esses dois pon-tos positivos, apesar de todos os pontos negativos.

No mesmo final de semana, ocorreram três grandes eleições no mundo: Uruguai, Ucrânia e Tunísia. A eleição no Uruguai foi bem similar à brasileira. Era o primeiro turno e o partido de situação no poder desde 2004, a Frente Ampla, tem como candidato Tabaré Vázquez. Esse partido é bem amplo – indo de centro-esquerdistas para comu-nistas a ex-guerrilheiros. Vás-quez encarou um clássico can-didato de direita, Luis Lacalle Pou do Partido Nacional, mas também Pedro Bordaberry do Partido Colorado, um dos dois partidos que governaram o país de maneira repressiva por mais de meio século.

No primeiro turno, Váz-quez conseguiu 46,5%, en-quanto Lacalle contou com 31%, ou seja, não o suficiente para não haver o segundo tur-no. Bordaberry, que teve cerca de 13%, anunciou seu apoio a Lacalle, mas é provável que Vázquez vença por conta, mais ou menos, das mesmas razões que levaram Dilma Rousseff à vitória. Além disso, ao con-trário do Brasil, seu partido possui o controle do Legisla-tivo uruguaio, assim sendo, o Uruguai também reafirmará o esforço para construir uma es-trutura geopolítica autônoma

IMMANUEL WALLERSTEIN: AS CONSEqUêN-CIAS MUNDIAIS DA vITóRIA DE DILMA ROUSSEFF

Intelectual ressalta o papel do Brasil na construção de instituições latino e sul-americanas, o que manteve os EUA e seu poder mais distantes da região

na América Latina.O caso da Ucrânia é total-

mente diferente. Longe de estar estruturada em um embate de esquerda-direita com dois par-tidos centrais tentando vencer as eleições, a política na Ucrâ-nia tem agora como base uma divisão regional etnico-linguís-tica. Nessas eleições, o governo pró-Ocidente realizou eleições excluindo qualquer participa-ção dos supostos movimentos separatistas do leste da Ucrâ-nia. Estes, então, boicotaram as eleições e anunciaram que manteriam suas administrações regionais autônomas. Na capital Kiev, parece que aqueles que agora governam: o presidente Petro Poroshenko aliado a seu rival, o primeiro-ministro Ar-seniy Yatsenyuk, irão se manter no poder, excluindo o verda-deiro ultranacionalista Setor Direito de qualquer papel.

Finalmente, na Tunísia o que ocorreu foi bem diferente. A Tunísia foi vista como a pro-pulsora da chamada Primavera Árabe e hoje, parece ser sua única remanescente. Ennahda, o partido islâmico que venceu as primeiras eleições, perdeu consideravelmente sua força ao correr atrás de um programa de islamização da política tunisia-na. Acabaram forçados, alguns meses atrás, a dar lugar a um governo interino tecnocrata e perdeu muitos eleitores (até mesmo de islamitas) na segun-da eleição.

O partido vencedor foi Na-daa Tunis (O Chamado da Tuní-sia). Suas políticas são de certa maneira claras: é um partido secular. Seu líder é venerado político de 88 anos chamado Beji Caid Essebsi, que serviu nos governos Destourian que governou o país após a inde-pendência até que por fim se tornou um grande dissidente. Seu problema é manter uni-do a coalizão que conta com enormes variedades de forças secularistas – principalmente os jovens que lideraram o le-vante contra o presidente Zine el Abidine Bem Ali, em 2011, e diversos membros daquele go-verno que agora retornaram à arena política.

De qualquer maneira, Na-daa Tunis conta com 85 assen-tos parlamentares dos 217, enquanto o Ennahda foi redu-zido a 69, sendo que os outros estão espalhados entre parti-dos menores. Será necessário um governo de coalizão, en-volvendo praticamente todos os partidos. Então, enquanto os jovens revolucionários da Tunísia estão celebrando a vi-tória contra o Ennahda, nin-guém sabe ao certo aonde isso terminará.

Eu digo “urra!” para o Bra-sil, onde aconteceu a mais importante dessas quatro elei-ções. Mas lá, assim em como em outros lugares, o jogo ain-da não terminou. Não mesmo!

originalmente publicado no site revista Forum de NovembroPor Immanuel wallersteinTradução: Vinicius Gomes

Edição Especial 2015

América Invertida - 1943 - Joaquín Torres García (1878-1949) - Uruguay

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AMÉRICA LATINA5

Mais de 300 manifestantes tentaram derrubar a porta prin-cipal do palácio nacional da Ci-dade do México na madrugada deste domingo (9) para protestar contra o anúncio feito de que os 43 estudantes desaparecidos fo-ram chacinados. Eles chegaram a atear fogo, mas não conseguiram entrar no palácio, que o presi-dente Enrique Peña Nieto usa apenas para cerimônias oficiais.

Os manifestantes também picharam mensagens como “Nós os queremos vivos”, em referên-cia aos estudantes desaparecidos.

O protesto ocorreu após a Procuradoria Geral mexicana divulgar a chocante declaração de três membros do cartel de drogas Guerreros Unidos, que confessaram o assassinato dos jovens. Segundo o relato, os cor-pos queimaram por 14 horas até serem jogados em um rio.

Com base nas confissões, o procurador-geral do México, Jesús Murillo Karam, contou que os estudantes foram leva-dos para um lixão da localidade vizinha de Cocula, na noite de setembro. Alguns já chegaram ao local mortos por asfixia, e os demais foram assassinados lá mesmo.

Ainda de acordo com as con-fissões, os corpos calcinados fo-ram fraturados, colocados em sa-cos de lixo e jogados em um rio próximo de Cocula. No lixão, peritos encontraram cinzas e al-guns vestígios de ossos humanos.

Protestos em massa varrem o país, e a expectativa é que au-mentem após as últimas notícias sobre os estudantes.

Entenda o casoNo dia 26 de setembro pas-

sado, um grupo de estudantes da escola do Magistério de Ayotzi-napa, cidade rural de Guerrero, se apoderaram de vários ônibus para viajar à vizinha Iguala, onde arrecadariam fundos para seus estudos.

A polícia de Iguala, com o apoio de pistoleiros de um cartel local, agiu contra o grupo, dei-xando seis mortos, 25 feridos e 43 estudantes de magistério de-saparecidos.

As autoridades prenderam 34 pessoas relacionadas com a matança dos alunos: 26 são po-liciais municipais e quatro estão vinculadas ao cartel Guerreros Unidos.

Texto: Brasil de FatoPublicado em 10/11/2014

APóS ANúNCIO DO MASSACRE, MANIFESTANTES TENTAM INvADIR SEDE PRESIDENCIAL NO MéXICO Protesto ocorreu após a declaração de três membros do cartel de drogas guerreros Unidos que confessaram o assassinato dos 43 jovens

La semana pasada los invi-té a entrar en la Villa 1.11.14, una de las más conocidas villas miserias de Buenos Aires. Donde viven aproximada-mente 40 mil personas, según datos del diagnostico institu-cional. Vamos a seguir recor-riendo la villa, para conocer otros contextos. Por más que la violencia policial sea una constante, la población local lucha para combatir los este-reotipos y las arbitrariedades. Además, en esa villa hay un escenario amplio, cada uno actúa con autonomía.

Como una locomotora, así, las partes se juntan y la in-tervención social nasce. Para enfrentar los problemas so-cioeconómicos los miembros de la comunidad y de organi-zaciones de apoyo trabajan de manera articulada. Hay insti-tuciones educacionales, reli-giosas, las cuales no son ori-ginadas por la población de la villa y sí por quien comparte de los mismos valores: ayudar quien está en situación de ex-clusión.

La única escuela de en-señanza de nivel medio del bajo flores, ENEM nº3 em-pezó a funcionar en 1996, cuando algunos profesores/militantes tomaron la edifica-ción abandonada, mismo que no tenían muchos recursos,

vILLA 1.11.14: UN ESPACIO DE CONSTRUCCIóN COLECTIvA

El recorrido no se restrin-gió a tan solamente conocer los trabajos sociales hechos en la escuela. Fui yendo. Pasé por una comisaría de la poli-cía y fui llegando en calles de barrio, con viviendas más sen-cillas. Uno habitante chiquito, con manera tímida, nos acom-pañaba en ese recorrido.

En medio a una partida de fútbol y casas coloridas que se acercaban de la cancha, surgió una conversación acerca de un estupefaciente que masacra las villas: pasta base “el paco”. He-cho con residuos de cocaína y mesclado con otros productos químicos, como bicarbonato de sodio, querosene. Conside-rado el peor, pues puede ma-tar en poco tiempo de uso.

Con eso, más un proyecto social es desarrollado, aho-ra, por la iglesia católica. Los ‘curas villeros’ como son co-nocidos, integrantes de la corriente MSTMU (Movi-miento de Sacerdotes para el Tercer Mundo), empezaron la trayectoria en las décadas de 60 y 70, salieron de la iglesia formal. Viniendo a los barrios marginales ayudar las familias en la construcción de hogares.

Cerca de la iglesia “Madre del pueblo”, hay un local don-de los curas que pertenecen a ese movimiento dan vivien-da, comida, y trabajan junto con los chicos usuarios de “el paco”. El uso ha aumentado mucho desde meados de los años 90.

Padre Mugica, uno de los que empezó con esa corriente de resistencia, no llegó a ver la dictadura militar y todos los crímenes contra la huma-nidad, pues fuera asesinado en 1974, por la llamada Alian-za Anticomunista Argentina, grupo paramilitar de ultrade-recha.

Ya Padre Richardelli fue defensor de la dignidad de esa populación de vulnerabilidad social y protector de los per-seguidos en la dictadura, por eso sofrió atentados y llevó tiros. Él también era contra quien lucra con la pobreza.

El cura llegó a esa villa en 1964 y fue quien hizo la iglesia “Madre del Pueblo”, en 1975, donde estuvo por más de 30 años. Al convertirse en amigo de Mugica, Richardelli, atri-buyo fuerza a la lucha por la justicia y igualdad en local de opresión. Él traduce el alma de la Villa 1.11.14.

Ambos los curas fueran combatidos por la elite. Sin embargo, esas ideias no fueran enterradas, y sí prosiguieron.

Para ler o texto na integra acesse o site da Rede América Latina

http://redelatinamerica.cartacapital.com.br/espa-nol/1075/

Edição Especial 2015

Ilustração: Mônica Marques

empezaron a hacerla. Antes, el barrio supervivía sin un local de enseñanza abierto para la población. Juan Manuel Mau-ro, coordinador y militante de ENEM nº 3, tenía el papá y el tío presentes en la toma, incluso el colegio público lleva el nombre del tío Carlos Ge-niso, que fuera decisivo para la construcción de ese ambiente democrático y colorido.

El colegio fue resistiendo. En 2001, cuando Argentina pasaba por una fuerte cri-ses económica, en la cual el desempleo llegara hasta más de 20% y más de 55% de la populación se sumergió en la miseria La realidad alarmante era la falta de comida en las mesas, primer gran problema que afectó la escuela. Por eso, la construcción de un refecto-rio fue la primera prioridad. Las necesidades hablaban por si solas.

Ese sería no solamente para los alumnos. Una gran mesa fue hecha para que se pu-diera compartir, siendo toda la comunidad contemplada. Los estudiantes traían las familias. El refectorio fue hecho para 1.500 niños. Pero compar-tiendo en vueltas distintas, mucho más gente podría co-mer. El refectorio se llenaba de voces y caras distintas.

La comunidad

by Rede Latina on *Por Larissa Valença

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DIREITOS HUMANOS 6 Edição Especial 2015

A Comissão Nacional da Verdade está a um mês de entregar o seu relatório final, depois de dois anos e meio de trabalhos, em meio a pressões tanto de ativistas dos direitos humanos como de setores fa-voráveis ao golpe de 1964. Em meados de outubro, um dos grupos que compõem a CNV, o dos trabalhadores, entregou recomendações para o relató-rio, incluindo desmilitarização das polícias militares, revisão da Lei da Anistia e punição para empresários e empresas, públicas e privadas, que cola-boraram com a ditadura. Além disso, o grupo – formado por centrais sindicais e outras en-tidades – quer que sejam apu-radas responsabilidades em episódios que resultaram em mortes de trabalhadores. Ci-tam, entre outros, casos ocor-ridos em Serra Pelada (PA), Volta Redonda (RJ), Ipatinga (MG), Morro Velho (MG) e Sampaio (TO). Outra reco-mendação é pela revogação de artigos do Código Penal que interferem no direito de gre-ve. No total, são 43 recomen-dações, divididas em cinco temas: crimes contra a huma-nidade, legislação, segurança pública, memória e direitos.

O secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito So-

laney, representante da central no grupo de trabalho, avalia que a apresentação do rela-tório da CNV à presidenta Dilma Rousseff, em dezem-bro, está longe de significar o encerramento das atividades. “Não é para ficar na gaveta do Arquivo Nacional. A nossa dis-puta começa agora”, afirma.

Os representantes dos tra-balhadores propõem a criação de um organismo, após a ex-tinção da CNV, para monito-rar e pressionar para que as propostas sejam atendidas. “Agora é que vem a parte mais difícil. O relatório tem de re-fletir as recomendações.”

A punição a empresas é par-te importante do documento, considerando que várias de-las colaboraram permitindo a entrada de agentes infiltrados nos locais de trabalho e entre-garam listas de funcionários ao Dops. O documento fala em “investigar, denunciar e punir empresários, bem como em-presas privadas e estatais, que participaram material, finan-ceira e ideologicamente para a estruturação e consolidação do golpe e do regime militar”. Essas empresas deveriam ser punidas financeiramente, in-clusive.

No primeiro dos 43 itens, o grupo dos trabalhadores de-fende que o Estado brasileiro acate as normas do direito in-

ternacional sobre crimes con-tra a humanidade e ratifique convenção das Nações Unidas sobre a imprescritibilidade de tais crimes. Também propõe suprimir artigo da Lei da Anis-tia de forma a permitir puni-ção de agentes públicos, além da revogação da Lei de Segu-rança Nacional.

Ainda no campo legal, o grupo pede revisão da lei que criou a Comissão Especial so-bre Mortos e Desaparecidos (9.140, de 1995) e duas re-lacionadas, “com reabertura de prazo indeterminado para a entrada de requerimentos com pedidos de reconheci-mento e reparação”. Os tra-balhadores querem ainda a formação de um grupo de trabalho interministerial para identificar e suprimir leis in-compatíveis com o estado de-mocrático de direito.

Uma reivindicação cons-tante das centrais, a ratifi-cação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi incluída no texto. A norma trata de proteção contra demissões imotivadas – Solaney lembra que o golpe de 1964 acabou com a estabilidade no empre-go prevista em lei. Além disso, os trabalhadores querem que enfim se regulamente a Con-venção 151, sobre organização sindical e negociação coletiva no setor público. Solaney tam-

TRABALHADORES LEvAM SUgESTõES à COMISSãO NACIONAL DA vERDADERepresentantes esperam que punição de empresas que colaboraram com a ditadura, sigam adiante

Por Vitor NuzziDa Rede Brasil Atual

A deputada federal reelei-ta Jandira Feghali mais uma vez se apresenta como uma parlamentar progressista e visionária. Relatora na Câma-ra da Lei Maria da Penha, em 2006, que combate a violência doméstica, Jandira agora quer incluir no rol de proteção da legislação transexuais e trans-gêneros. Ela apresentou na terça-feira o Projeto de Lei 8032/2014 que prevê esses mecanismos.

Segundo Jandira, os avan-ços contra a violência domésti-ca ocorreram, como a criação de instrumentos de combate e punição (delegacias, fóruns e juizados especiais) por esta-dos e municípios, mas haviam demandas sociais, como a de transexuais: “Ampliar a co-bertura de proteção é também fazer com que o Estado reco-nheça a identidade de milha-res de cidadãos brasileiros”, adianta.

A parlamentar ainda apon-ta que a visão machista de parte da sociedade pesa so-bre mulheres e transexuais da mesma forma: “É preciso que o Estado garanta equidade e igualdade no combate à vio-lência, sem discriminar”, diz, acrescentando que deseja ur-gência no trâmite do PL para este ano: “A próxima legisla-tura será muito conservadora e reacionária, o que dificulta avanços progressistas”, avalia.

Para Keila Simpson, vi-ce-presidenta da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Tran-sexuais (ABGLT), travestis e transexuais são discriminadas em razão de um estereótipo de inferioridade e são alvo de agressões, preconceito e constantemente relegadas à inviabilidade estatal. “Hoje são mais de 1 milhão e 500 mil que estão vulneráveis e sofrem violência”.

JANDIRA qUER

AMPLIAR PROTEçãO

DA LEI MARIA DA PENHA

A TRANSEXUAISPublicado em Viomundo em 3 de

novembro de 2014 - Da assessoria de imprensa da deputada federal

Jandira Feghali, via e-mail

Ilustração: Monica Marques

bém enfatiza a necessidade de acabar com o “manual“ da Es-cola Superior de Guerra e in-troduzir elementos de direitos humanos na formação militar. A proposta tem alcance além do trabalhista, observa o sin-dicalista, e busca “quebrar a doutrina de que todo civil é um suspeito”.

UniversidadesEm outubro, a Rede Na-

cional de Comissões da Verda-de Universitárias (RNCVU), que reúne 13 colegiados, tam-bém entregou um conjunto de sugestões à Comissão Nacio-nal da Verdade. Segundo seus representantes, o documento contém 12 recomendações específicas sobre universida-des e educação e 16 propostas gerais. Uma trata de tipificar crimes contra a humanidade e outra, a exemplo dos traba-lhadores, é relativa à criação de um organismo permanente que dê continuidade ao traba-lho da CNV. Leia mais em: bit.ly/sugestoes_cnv

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7 DIREITOS HUMANOSEdição Especial 2015

Ainda não consegui me esquecer do depoimento de Vera Lucia dos Santos no docu-mentário À Queima Roupa, de Thereza Jessouron, que estreia na quinta-feira, dia 13, nos ci-nemas de São Paulo. Para falar a verdade, não vou me esquecer nunca mais. Vera está toda ves-tida de preto e sua figura tem a sobriedade das matriarcas evangélicas dos bairros pobres brasileiros. Ela tem uma mis-tura de negra e índia. Morava em Vigário Geral quando, em agosto de 1993, 21 moradores foram assassinados por poli-ciais. Oito vítimas eram de sua família.

à qUEIMA ROUPA: A PROvA IRREFUTávEL DE qUE O BRASIL TOLERA O ASSASSINATO DE POBRES E NEgROS. vEJA E ASSUMA

Seu pai, sua mãe, cinco ir-mãos e a cunhada haviam aca-bado de chegar em casa depois do culto. Foram executados a sangue frio pelos policiais. Apenas três crianças de menos de cinco anos foram poupadas. Com seus pijaminhas de ur-sinhos e palhacinhos, eles vão pedir socorro na casa vizinha da tia. No filme, Vera conta como encontrou os corpos de seus parentes depois da chacina. A mãe estava com a bíblia na mão. O irmão morreu de joelhos, segurando os documentos que tentou mostrar para a polícia. Uma das irmãs iria se casar em dias. Outra, lançaria um CD evangélico. Teve os dedos que-brados pelos policiais a irmã que tentou defender os pais.

VigáRio

Peço ao leitor, com todo o respeito, um esforço de abs-tração. Imagine uma vingança com tal crueldade praticada pela polícia contra moradores de Pinheiros, em São Paulo, do Leblon, no Rio, ou Stella Ma-ris, em Salvador. Pais forma-dos em universidades públicas, com seus filhos em colégios privados, todos brancos, sete corpos estendidos na sala de jantar para saciar a vingança e o ódio dos policiais marginais. Não sejamos hipócritas. Isso seria inconcebível. É inimagi-nável. O Estado não toleraria as consequências.

Só toleramos as cenas do documentário À Queima Rou-pa, que se repetem com absur-da frequência no Brasil, porque as vítimas são negras e pobres das periferias brasileiras. As-sista o documentário e assuma para si mesmo. É a prova irre-futável. Apenas um cínico ou mentiroso seria capaz de negar.

Ainda na cena de Vigário Geral, conforme Vera descre-ve detalhadamente a posição dos corpos de seus familiares, o documentário mostra as fo-tografias feitas na época pela perícia policial. A sobreposição de imagens e narrativa é um soco no estômago: por onde escorria o sangue da irmã, qual parte do irmão estava ferida, etc, as cenas ficaram intactas na memória de Vera. Também a maneira como estava o céu, o período da lua, as últimas palavras ditas ao pai. Vera foi condenada pelo sistema a car-regar nos ombros por toda a

Por BRUNo PAES MANSo - Formado em economia (USP) e jornalismo (PUC-SP)originalmente públicado no site Geledes em 10 de novembro de 2014Ilustração por Ebbios Lima vida uma cruz maciça que pesa

toneladas. Só conseguiu aliviar o peso graças à grandeza de seu espírito, que perdoou os assas-sinos.

As 21 pessoas foram assas-sinadas em Vigário Geral em vingança pela morte de quatro soldados que tinham sido exe-cutados por traficantes na noite anterior. Homens, mulheres e crianças foram mortos em Vigário Geral apenas por vive-rem no mesmo bairro onde o policial foi atacado. Na época, houve indignação. O Rio era governado por Leonel Brizola e Nilo Batista era o Secretário de Segurança. Ambos reagiram com firmeza.

Só que os anos se passaram. E as vinganças e assassinatos aleatórios de pobres voltaram a ocorrer. Em janeiro de 2005, 30 pessoas foram assassinadas por policiais na Baixada Fluminense. No ano anterior, cinco adoles-centes tinham sido mortos no Caju. Em 2007, subi o mor-ro no Complexo do Alemão e testemunhei o dia seguinte da execução de 19 moradores lo-cais. Casas de mulheres e idosos invadidas pela polícia para servir de trincheira. Rádios de carros roubados, comerciantes extor-quidos, crimes rasteiros pratica-dos contra os pobres do Alemão por policiais com carta branca da sociedade para matar.

Em São Paulo, houve o Ca-randiru, em 1992, com 111 mortos. Mais recentemente, depois dos ataques do PCC em 2006, 493 pessoas morreram por disparos de arma de fogo no começo de maio. Trabalha-dores, pegos no meio das ruas de bairros pobres. Policiais jo-gando roleta russa com o des-tino para assassinar aqueles que por infelicidade estavam nas ruas das periferias. As Mães de Maio são o resultado da mobili-zação contra essa covardia, que continua se repetindo.

Assistir ao filme foi espe-cialmente cruel porque no dia anterior nove pessoas haviam sido assassinadas em bairros pobres do Belém do Pará.

À Queima Roupa deveria ser debatido em todas as facul-dades de direito e academias de polícia do Brasil. Nossos pro-motores, policiais e juízes estão sendo formados em uma bolha de plástico. Precisamos conver-sar com eles sobre a realidade das chagas brasileiras.

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CULTURA 8 Edição Especial 2015

UM CAMPINHO DE FUTEBOL E OUTRAS IDEIASTerreno abandonado em bairro na zona leste de São Paulo se torna espaço de lazer, cultura e tema de filme a partir da iniciativa de moradores da região Por Roberto Maty

“Doc. Cine Campinho” é o nome da primeira produção cinematográfica do Lentes Pe-riféricas - um coletivo cultural composto por moradores do distrito de Lajeado e de outras quebradas. Durante este ano, o grupo reuniu depoimentos e resgatou imagens de uma das ações culturais mais im-portantes que aconteceu no bairro Jardim Bandeirantes: o “Cine Campinho”.

Em meados de 2007, al-guns moradores insatisfeitos com a realidade violenta da região usaram a sétima arte como ferramenta de trans-formação social e política, os encontros eram feitos em diferentes casas do bairro no formato de cine-debate, onde abordavam questões como violência, políticas públicas, convívio comunitário, entre outros assuntos do dia a dia da comunidade.

Após faltar espaço para abrigar todos os interessados, que aumentavam a cada ses-são, o grupo se articulou em uma grande ação que revita-lizou um terreno abandonado que era utilizado como depó-sito de lixo e ponto de venda de drogas. A iniciativa tinha a

intenção de suprir a ausência de praças, quadras esportivas, parques e alternativas socio-culturais que trabalhassem a perspectiva de futuro de crianças e jovens.

Por isso, a intervenção dos moradores transformou o lugar em um campo de fu-tebol, de convivência e, com o tempo, cinema a céu aber-to. As sessões começaram a ser programadas nos moldes dos cines-debate que aconte-ciam nas casas, e como a sala de cinema mais próxima esta-va a 18 km e alguns reais de distância o público invadiu o campo para aproveitar a no-vidade. Não demorou muito para que o lugar ficasse conhe-cido como “Cine Campinho” e virasse ponto de referência cultural no bairro.

Anos depois, alguns fre-quentadores dessas sessões resolveram produzir seus pró-prios filmes e formaram o co-letivo Lentes Periféricas, que em 2014 apresenta sua primei-ra produção - um documentá-rio sobre o acesso à cultura e ao lazer na periferia da cidade sob o olhar do que foi e significou a ação do Cine Campinho para a realidade do bairro.

Em meio a uma grande emoção, o filme foi lançado em 29 de novembro no mes-mo local onde são exibidos mensalmente as obras que os frequentadores do Cine Cam-pinho assistem às exibições. A pré-estreia do documentário no lugar que é palco de toda essa história, no campo locali-zado na rua Alessio Prati, pró-ximo a escola municipal Dias Gomes, Jardim Bandeirantes, Lajeado, foi um ato carrega-do de simbolismos, resistên-cia e afirmação. Ver filmes no “terrão” do campinho já tinha lá seu ineditismo, o públi-co reconhecendo-se entre as imagens que rolavam na tela ampliaram a idéia e o sentido de protagonismo e de perten-cimento.

Nessa perspectiva, todos lucram: a comunidade eterni-zada na tela, o coletivo que dá nome ao filme, que perpetuou seu histórico peculiar e o Len-tes, que nasceu para formatar este roteiro mas dá mostras de que pode arriscar-se em voos ainda mais altos.

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CULTURA9Edição Especial 2015

SARAU SOBRENOME LIBERDADE COMEMORA SEUS 2 ANOS

O movimento de saraus nas periferias brasileiras tem tido significativo crescimen-to nos últimos anos, fato que possibilitou que no mês de abril deste ano alguns coleti-vos e saraus de São Paulo in-tegrassem a comitiva brasilei-ra de saraus de poesia da 40ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires.

Os saraus se multiplicam e a poesia ganha espaço num cotidiano antes marcado pelo

bares para transformar eles em centro culturais, já que, o que mais tem na periferia são bares.”

Além disso, o Sarau na Quebrada incentiva e apoia a criação de novos saraus na região, como o Sarau Mauá Literal, lançado em julho, na cidade de Mauá. Esse é o pri-meiro sarau periférico da cida-de e busca ampliar os espaços de encontro e debates da cena cultural da cidade. De acordo com os organizadores Paulo Uzander, Danilo Ramos, Már-cio Oliveira e Kitty Meira: “a proposta consiste em possibi-litar encontros entre a velha e a nova geração de poetas, escritores e artistas em geral, culminando com a difusão da produção literária atual. Ou-tro objetivo do Sarau é contri-buir com a construção de no-vos públicos dos arredores do Centro Cultural Dona Leonor, bem como dar visibilidade a assuntos de acontecimentos atuais e propondo debates”.

Apesar de recente, já fo-ram realizadas duas edições do Sarau Mauá Literal durante esse ano e pretendem para o próximo ano criar um circuito cultural entre os saraus na re-gião do ABC, de forma a for-talecer os laços culturais entre as cidades da região. NO ABC TAMBéMTEM SARAUS!

CONHEçA ALgUNS DELES.

distanciamento educacional, falta de acesso e exclusão so-cial. Em busca de transforma-ção, os saraus são promovidos em diferentes espaços, como bares, praças, faculdades e pontos de cultura; e, na maio-ria das vezes unindo dança, poesia, leitura de livros, mú-sica, pintura e teatro.

Na periferia de São Pau-lo movimentos culturais tem sido destaque, assim como na região do ABC Paulista. Co-

nhecida pelos movimentos operários e sindicalistas que ocorreu no final do período de ditadura militar, o ABC é hoje uma das regiões cultu-rais que apresentam um for-te cenário na construção dos saraus nas periferias da região metropolitana.

Para conhecer mais esses movimentos, a equipe do Voz da Leste visitou três saraus das cidades do ABC Paulista: Sarau do Fórum, em São Bernardo

do Campo; Sarau na quebrada, em Santo André e Sarau Mauá Literal, em Mauá.

O projeto Sarau do Fó-rum do Hip Hop é uma ati-vidade desenvolvida pelo co-letivo Fórum de Hip Hop de São Bernardo do Campo. O evento acontece toda última quinta-feira do mês com o in-tuito de promover o encontro de poetas, poetizas e público. Tais ações contribuem para o aperfeiçoamento das relações humanas e da emancipação dos indivíduos da região. Feli-pe Choco, um dos organizado-res do Sarau do Fórum, afir-ma que “o objetivo do sarau é divulgar a cena cultural da região. Começamos com o in-teresse de reunir e conhecer o trabalho cultural realizado em São Bernardo e região. Agora, já alcançamos outras cidades, até mesmo São Paulo”. O Sa-rau do Fórum apresenta uma junção de linguagens artísti-cas, que de acordo com Cho-co, ocorre “sem separação, apenas somando”.

Pensamento semelhante pode ser encontrado também no Sarau na quebrada, em Santo André. O Sarau que já ocorre a três anos, tem como organizadores um coletivo de moradores da região, entre eles, Neri Silvestre, Gláucia Adriane, Mc Márcia e Nego Dabes. Glaucia Adriane, con-ta que: “o Sarau na Quebrada é um coletivo de pessoas que buscam transformação cultu-ral. Em constante evolução, a produção cultural na periferia colhe novos frutos a cada dia; e por isso, seguimos com nos-sas atividades.”

Mc Márcia é cantora no co-letivo musical RimAção e uma das organizadoras do Sarau na Quebrada, para ela: “o Sarau é um espaço de luta periférica. A juventude da periferia não tem equipamento cultural, de forma que o espaço do sarau se torna um espaço cultural de envolvimento e apropriação. Esse envolvimento me fez vol-tar a acreditar o potencial da minha voz como mulher Mc.”

O projeto também explo-ra outras linguagens além da poesia, como debates, mú-sica, apresentação de dança, exibição de documentários, sorteios de livros, protestos, microfone aberto e outras for-mas de manifestação. Os or-ganizadores do sarau buscam espaços da cidade que possam acolher o sarau, variando estes desde salas de aula em univer-sidade, bares, praças, casa de moradores, etc. Os espaços de bares na periferia foram escolhidos para sediar muitas das sessões do sarau na que-brada, pois, em geral, esses lugares conseguem reunir jo-vens, artistas e moradores lo-cais em uma celebração à po-esia. Gláucia Adriane, diz que: “utilizamos os espaços dos

O Sarau Sobrenome Liber-dade, comemorou[12/09/14] seu 2º Aniversário no Relicá-rio Rock Bar [ zona zul]; Com a Intervenção sonora do DJ Roger; Varal e projeção de fotografias de diversos artis-tas; Show das bandas: Além da Ponte e Apologia Groove; Distribuição gratuita de car-tões postais do Projeto Praga.

O grande lema da come-moração foi “Nosso tempo é agora. Vamos juntos! Além de toda POESIA, viveremos”

2º Aniversário Sobrenome Liberdade. São PAULo/SP, Brasil – 24/09/2014 (Foto: An-tonio Miotto)

Sarau do Fórum QUANDo: ToDA úLTIMA QUINTA-FEIRA Do MêS.hoRáRIo: 19:00 hSENTRADA GRATUITAoNDE: PRoJETo MENINoS E MENINAS DE RUA – RUA JURUBATUBA, 1610 - CENTRo / São BERNARDo Do CAMPo

Sarau na Quebrada QUANDo: ToDA úLTIMA SExTA Do MêS.hoRáRIo: 19:00 hSENTRADA GRATUITAoNDE: JAMAICA’S BAR – ESTRADA Do PEDRoSo, 541 JARDIM SANTo ANDRé / SANTo ANDRé

Sarau Mauá LiteralQUANDo: BIMESTRALMENTE No PENúLTIMo SáBADo Do MêS.hoRáRIo: 19:00 hSENTRADA GRATUITA.oNDE: CENTRo CULTURAL DoNA LEoNoR - RUA SAN JUAN, 121 PARQUE DAS AMéRICAS / MAUá

Foto: Amanda Lopes / Divulgação Sarau do Fórum

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CULTURA 10 Edição Especial 2015

Ao longo de 10 anos as Ca-sas de Cultura passaram por um processo de sucateamen-to e abandono generalizado. Com a mudança de gestão na Prefeitura, alimentamos a es-perança de que este processo fosse revertido. É unanimida-de nos quatro cantos da cida-de, entre todas as coletivida-des, grupos, agentes culturais e comunidades que as Casas devem retornar para a gestão da Secretaria Municipal de Cultura (SMC).

As Casas de Cultura até o momento estão vinculadas às subprefeituras, que por sua vez, estão loteadas para os ve-readores, os quais distribuem os cargos de coordenação das Casas ao seu bel prazer, sem qualquer compromisso com a qualificação profissional das pessoas indicadas para exer-cer a função. O orçamento para cultura nas subprefei-turas é escasso, quase inexis-tente. Falta vontade política para melhorar a situação e, a comunidade que deveria ser beneficiada com este equipa-mento cultural público, acaba pagando o preço.

É VERGONHOSO ver as Casas de Cultura no bal-cão de negócios de distribui-ção de cargos, enquanto as comunidades agonizam com pouquíssimas opções de lazer e cultura, principalmente nas periferias do município de SP.

O Secretário de Cultura, Juca Ferreira, assumiu pu-blicamente o compromisso, desde o primeiro encontro #EXISTEDIÁLOGOEMSP

(em 05/02/2013) e em di-versas reuniões, encontros e seminários posteriores, de que as Casas de Cultura retor-nariam à SMC, faltando para isso apenas “resolver alguns trâmites burocráticos” para que fosse publicado o decreto. Porém, até o momento (com mais de 1 ano e 5 meses), o que vemos é uma inércia e ne-nhum empenho em resolver logo este problema que tanto aflige as periferias da Cidade.

É triste ter que defender o óbvio, mas é necessário dizer: as Casas de Cultura são o ber-ço de diversas coletividades e grupos, e em muitos casos são o primeiro contato de muitas crianças, adolescentes e jovens com a arte e a cultura. Não podemos deixar que em nome da “governabilidade” as casas permaneçam sucateadas e ain-da com a velha política.

Portanto, EXIGIMOS: • RETORNO IME-

DIATO DAS CASAS E SU-PERVISÕES DE CULTURA PARA A GESTÃO DA SMC! • 2%PRACULTURA

JÁ (de forma descentralizada de acordo com a densidade demográfica)!• REGULARIZAÇÃO

DOSESPAÇOSCULTURAISQUE OCUPAM ESPAÇOSPÚBLICOS!• T R AN S PA R ÊN -

CIANOORÇAMENTODACULTURA!

CHEGA DE SERMÃO! QUEREMOS VER AÇÃO!CHEGA DE FROUXURA! QUEREMOS MAIS CULTU-RA!

Fórum de Cultura da zona LesteBloco de ocupação Cultural de espaços PúblicosiMCiTAColetivos Culturais de Cidade Ademar e PedreiraSarau o que dizem os umbigosBrava CompanhiaReação Arte e CulturaColetivo PerifatividadeSucatas AmbulantesTrupe Kuaracï-abá (cabelos do sol).grupo musical Forró di MuiéSede móvel Pq. BelémCineclube KinopheriaMovimento Cultural de itaqueraSarau da QuebradaSarau dos Loucosgraffiz FestaBanda gricerinaParábolaiPJ - instituto Paulista de JuventudeJornal José BonifácioFórum Permanente de Cultura de Taboão da SerraMuros que gritamManulo Silva Sauro grafiteSarau CandeeiroMarcelo Ribeiro - prod. cultural/M’boi MirimSociedade Samba dá Cultura Mestre Arakunrin (capoeira)espaço Cultural CiTAgrupo Teatral Cavalo de PauHugo PazColetivo da AlbertinaCia Porto de Luandaitaquera na CenaPastoral da Juventude São MateusAssociação de Moradores Jardim Helian itaqueraJongo dos guainásedvaldo SantanaCia osloCasa das CrioulasComunidade Cultural QuilombaqueRua de LazerFórum Popular de Saúde itaqueraCedeCA SapopembaJuntas na LutaM.A.P. Movimento Aliança pela PraçaTenda Literária

DENúNCIA SOBRE AS CASAS DE CULTURA DO MUNICÍPIO DE SP

Rede Popular de Cultura M’Boi Campo LimpoFórum de Cultura de São MateusCultura zLMovimento Cultural da PenhaColetivo ALMAgrupo doBalaioJornal Voz da Lestegrupo TransformarCia. MapinguaryColetivo Fora de FrequênciaBloco do BecoCenário PeriféricoTrupé na RuaSacolão das ArtesColetivo Fora de FrequenciaJaçarauPrá,çarauCia de Artes decalogo JALCKiwi Companhia de TeatroSarau A Voz do PovoBanda nego VeioBloco das CoresVelha guarda do HelgaTV doc FundãoTv doc CapãoAgencia Solano TrindadeCasa de Cultura de M’Boigrupo espírito de zumbiBloco Afro É di Santogrupo da Melhor idade Flor de LisConselho gestor da CeCCo Pq. Raul Seixasno Batentenhocuné SoulPelaArtePelazueraengrenagem urbanaobservatório da Juventudedolores Boca Aberta Mecatrônica de ArtesCordão Carnavalesco Boca de Sere-besqueCine CampinhoPula o Muro - BlogAgendeSViela CulturalCultura Leste - BlogCentro de direitos Humanos de SapopembaPombas urbanasBanda zabah Bush

Assinam este documento: cidadãos, artistas e diversas coletividades da cidade, dentre elas:

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ação

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11 CULTURAEdição Especial 2015

DENúNCIA SOBRE AS CASAS DE CULTURA DO MUNICÍPIO DE SP

E A HISTóRIA SE REPETE... MAIS UMA vEz UMBIgOS

NO OLHO DA RUA!!!

Neste sábado, 29 de No-vembro, deveria acontecer mais uma edição da “Ocupa-ção Cultural O que dizem os Umbigos?! , ação que faz parte do Projeto Sarau e Ocupação O que dizem os Umbigos?!, contemplada pelo VAI II.

A ação AGENDADA NA CASA DE CULTURA DESDE O INÍCIO DO ANO teve que acontecer e receber o grupo convidado “Porto de Luanda” no “Bar do Michel “e na Praça, espaços ao lado e em frente a Casa de Cultura que mais uma vez fechou as portas para um Coletivo Cultural do Itaim Paulista.

Curiosamente na sema-na passada em reunião com o Secretário de Cultura, Juca Ferreira, ouvimos do mesmo que nossas pautas foram 90% plenamente atendidas e que temos desrespeitado as ações e “boas intenções” da SMC. Pois bem, aqui está mais uma prova de que a retórica não condiz com a prática, pois se quer temos o básico e que falta de respeito quem sofre somos nós, coletivos e comunidade que mais uma vez levaram a

“nin Jitsu, oxalá, capoeira, jiu jitsuShiva, ganesh, zé Pilin dai equilíbrio

Ao trabalhador que corre atras do pãoÉ humilhação demais que não cabe nesse refrão

e se não resistir e desocuparentregar tudo pra ele então, o que será?” (Criolo)

porta na cara.Semana passada foi o Batu-

cAfro, nessa semana os Umbi-gos, coletivos com histórico de atuação nesta comunidade e que novamente são impedi-dos de utlizar a Casa de Cultu-ra-ESPAÇOPÚBLICO-pararealizar ações, contraditória-mente, contempladas pela mesma SMC via VAIs.

Enquanto existe uma preo-cupação em que conheçamos a história do novo coordenador, não há a mesma preocupação que o mesmo conheça as nos-sas histórias e ações no bairro e neste espaço dito público. Após a mudança de gestão da Casa em nenhum momento os coletivos foram convida-dos para uma reunião que tivesse o interesse em saber em que pé estão os projetos lá dentro ou como podería-mos juntos somar forças pela Casa. O que houve até agora foram apenas cobranças de ofícios’relâmpago para rea-lização de ações que já tinha sido préviamente agendadas e autorizadas, falta de respei-to pelo nosso trabalho, pelos coletivos e comunidade con-vidada.

Não somos nós os respon-sáveis pela falta de estrutura da Casa e nem pela falta de segurança local! Aliás, essa casa só está de pé, assim como em outras quebradas, graças aos coletivos da região e isso precisa ser considerado. Esta-mos fazendo o nosso trabalho, façam o de vocês e não nos responsabilizem pela incom-petência que não é nossa!!!

E que fique desenhado, não estamos aqui para defen-der ou acusar este ou aquele coordenador, mas há tempos seguimos na luta por políticas públicas estruturais de alcance coletivo e exigimos respeito pela nossa luta e militância somada à de outros artistas/coletivos da região.

Finalizamos agradecendo ao Bar do Michel mais uma vez pela acolhida, ao Grupo Porto de Luanda por somar conoso independente do ocorrido, à todxs xs parças que resistem junto com a gente e ao povo da rua, que faça chuva ou faça sol, nunca nos deixa na mão. LAROIÊ!!!

COLETIVO O QUE DI-ZEM OS UMBIGOS?!

A feira literária Miolo(s) marcou a chegada das publi-cações independentes à Bi-blioteca Mário de Andrade. O evento aconteceu dia 1º de novembro, das 10h às 18h, e contou com mais de cinquenta editoras, coletivos e artistas. As obras serão doadas para biblioteca e poderão ser con-sultadas pelo público poste-riormente.

Uma característica dos trabalhos independentes é a vontade dos realizadores de estudar diferentes formatos e acabamentos. Isso resulta em uma imensa variedade nas abordagens do livro como ob-jeto. Diferente das bienais e feiras tradicionais, neste tipo de evento, existe a possibili-dade de conhecer e conversar diretamente com editores e autores para compreender os processos criativos, a dinâmica da edição e a formas de produ-ção gráfica.

Durante a Miolo(s), os vi-sitantes encontraram livros de diferentes gêneros, feitos em pequenas tiragens. Também puderam conhecer uma gran-de seleção de fanzines, quadri-nhos, trabalhos com fotogra-fia, cadernos de artista e obras com produção artesanal.

FEIRA MIOLOS

Arte: Ivan Leandro Ferreira

Feira Miolo/Fotos por George Leoni/ www.flickr.com/georgeleoni

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12CONSCIÊNCIA NEGRA Edição Especial 2015

Abdias do Nascimento certamente figura entre as personagens de grande im-portância na luta histórica dos negros no Brasil, tal qual Luiz Gama, José do Patrocínio, Manuel Querino, José Cor-reia Leite, Carolina de Jesus, Clóvis Moura, Wilson Nasci-mento Barbosa, Cuti, Beatriz Nascimento, Milton Barbosa, Ney Lopes, Sueli Carneiro, Kabengele Munanga, citando apenas alguns nomes.

No ano de seu centenário podemos fazer um balanço de sua atuação militante e de seu legado em nossa história. Sua trajetória acompanha os dife-rentes períodos da luta dos ne-gros no Brasil, tendo ele mar-cado presença em momentos decisivos, atuando em enti-dades que se destacaram na história do movimento negro nacional como a Frente Negra Brasileira (FNB) na década de 1930 – onde teve seus primei-ros anos de militância, ainda na retaguarda – e o Teatro Ex-perimental do Negro (TEN) entre 1944 e 1968, o qual fun-dou e esteve sempre a frente de suas atividades projetando-se como artista, intelectual e liderança política.

Desde o final dos anos 1940 manteve contato com militantes negros, ou simpati-zantes da luta antirracista dos EUA, França, países caribe-nhos e africanos, contato que se estreitou e se intensificou a partir de 1968 quando iniciou seu (auto)exílio nos EUA e sua militância pan-africanista. Em 1978, numa de suas visitas ao Brasil participou do ato de fundação do Movimento Ne-gro Unificado (MNU)[1].

Nos anos 1980 quando retornou definitivamente ao país participou da fundação do PDT junto com Leonel Brizo-la, partido pelo qual foi Depu-tado Federal nos anos 1980 e Senador da República nos anos 1990. Em sua longa trajetória de militância dedicou-se pro-fundamente no combate ao preconceito e a discriminação racial, e na luta por igualdade social entre negros e brancos.

A atuação política de Ab-dias do Nascimento nos dife-rentes períodos históricos em que viveu pode ser entendida como um percurso não linear

de um sujeito se relacionando com seu espaço e seu tempo, fazendo leituras do mundo em que viveu (deixando também suas impressões neste mun-do), buscando respostas para questões pertinentes a sua re-alidade que também foi – e de certo modo continua sendo – a realidade de muitos brasilei-ros descendentes da gente que aqui fora escravizada e fora mantida marginalizada no pe-ríodo que sucedeu a abolição.

Neste percurso aprecia-mos sua adesão e ruptura com idéias e movimentos políticos, marcando posições que aos olhos do observador do pre-sente podem emergir como contradições. Considerando que trata-se de um ser huma-no – demasiadamente humano – e não um mito, as contradi-ções surgem, o que de manei-ra alguma reduz sua importân-cia para nossa história.

O envolvimento na década de 1930 com a Ação Integralis-ta Brasileira, quando também freqüentava a FNB não apenas alimentou posteriormente, nos anos 1950, situações de indisposição entre Abdias e setores da esquerda como a UNE, como ainda hoje pode ser apontado por algumas pes-soas enquanto um desvio em sua trajetória evidentemente progressista.

É impossível olharmos para o Integralismo e não sen-tirmos os tons fascistas que dele saltam. Mas para enten-dermos a adesão a tal movi-mento ultraconservador por personalidades incontestavel-mente progressistas como D. Helder Câmara, José Celso Martinez, o próprio Abdias e outros intelectuais negros e brancos que futuramente vie-ram a cooperar com o TEN e com a esquerda política, seria necessário outro artigo dedi-cado à este tema.

O TEN além de atividades dramatúrgicas, exercia o pa-pel de instituição de ensino oferecendo alfabetização para pessoas que aspiravam entrar para o teatro mas não eram alfabetizadas. Promoveu con-cursos de beleza e de arte ne-gra, publicou livros e o jornal Quilombo, promoveu Fóruns de discussão e reflexão sobre a situação do negro brasileiro.

Boa parte de seus atores eram de origem pobre, em-pregadas domésticas e traba-lhadores braçais. Foi o marco inicial para a carreira das atri-zes Ruth de Souza, Léa Garcia e do ator e dramaturgo Harol-do Costa, e teve importante papel pedagógico ao usar a imagem cênica para combater a ideologia do racismo, colo-cando os negros como prota-gonistas nos palcos, retirando as representações de inferio-rização do negro que era co-mum no teatro brasileiro.

Nos anos 1950 a produ-ção de Abdias se afasta gra-dativamente até romper de-finitivamente com ideias que remetiam à democracia racial como uma realidade entre os brasileiros. Nos anos 1960 denuncia radicalmente a de-mocracia racial enquanto mito mascarador da realidade e ins-trumento de dominação das elites brancas.

Quando esteve exilado Ab-dias atuou como professor na Universidade de Buffalo em NY, viajou por África e Cari-be, sendo ele o primeiro negro brasileiro a participar de con-gressos pan-africanistas, con-tinuando sua luta antirracismo em âmbito internacional.

De volta ao Brasil nos anos 1980, eleito deputado federal, foi o primeiro parlamentar negro a dedicar seu mandato à luta contra o racismo, pro-pondo projetos de lei que o enquadram como crime de lesa-humanidade, e propondo mecanismos de ação compen-satória para negros no Brasil. Atuou na desapropriação da Serra da Barriga e na transfor-mação desta em patrimônio histórico nacional, na questão das comunidades quilombolas, no questionamento do 13 de maio e na definição do 20 de novembro como dia da Cons-ciência Negra.

Abdias incluiu questões de interesse para a população negra nas grandes discussões nacionais. Seguiu sua atuação política como senador da re-pública entre 1991 e 1994, assumindo posteriormente a mesma função entre 1996 e 1999, com a morte de Darcy Ribeiro, de quem era suplente. Seu legado permanece vivo ali-mentando nossa luta.

A IMPORTâNCIA DE ABDIAS DO NASCIMENTO PARA A HISTóRIA DO BRASILAbdias incluiu questões de interesse para a população negra nas grandes discussões nacionais. Seu legado permanece vivo alimentando nossa luta.Por Gabriel Rochaoriginalmente publicado em Jornal Brasil de Fato em 10/11/2014

[1]Abdias participou do ato de fundação do MNU e cooperou com esta organização sem ser filiado a ela. Gabriel Rocha é bacharel e licenciado em história pela USP, atualmente é bolsista na FAPESP, onde cursa o mestrado em história Social, desenvolvendo uma pesquisa sobre a produção intelectual de Abdias do Nascimento no período do Teatro Experimental do Negro (1944-1968).

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CONSCIÊNCIA NEGRA13Edição Especial 2015

II MARCHA INTERNACIONAL CONTRA O gENOCÍDIO DO POvO NEgROA II Marcha Internacional contra o genocídio do povo negro ocorreu em 22 de agosto de 2014. Segue abaixo o Manifesto escrito pelas organizadoras e organizadores.

“Esta Marcha é sobre a dor da mãe que perdeu o filho, que segura a barra na família, que enfrenta o trânsito para pegar o trampo pesado, edu-car e alimentar suas crias, com a tristeza da pouca comida na mesa, devido ao salário min-guado, trabalhando muito para o sustento e luxo do patrão.

Esta Marcha é para o ir-mão cansado de ser enquadra-do voltando da escola, do rolê ou do trabalho, devido ao fato de ser sempre visto como sus-peito, precisando provar que é trabalhador, muitas vezes para não ser morto. É também para a irmã, que tentando se pro-fissionalizar, enfrenta a falta de grana pra comprar livros ou até mesmo se alimentar; é para os irmãos e irmãs presos na cela fria, sem advogado, hu-milhados pela justiça e tortu-rados pelos agentes penitenci-ários; é para todas as crianças que são discriminadas na es-cola, pela cor de sua pele, seu nariz e cabelo...é para tod@s guerreir@s: indígenas, do Hip-hop, da capoeira, das es-colas de samba, dos times de várzea, das organizações polí-ticas e culturais, de todos os terreiros (umbanda e candom-blé), mesquitas e igrejas. Essa Marcha é por nós e para nós mesmos!

Por todas essas pessoas, que enfrentam a violência do racismo em seu dia a dia. Sa-bendo que esse movimento não acabou na noite do dia 22 de agosto, mas deve continu-ar até o dia em que o “negro” alcance sua condição humana, que historicamente nos foi roubada!”

CoNTATo:SITE: 2MARChACoNTRAGENoCIDIo.BATEMA-CUMBA.NET FACEBooK: MARChA NACIoNAL CoNTRA o GENoCíDIo Do PoVo NEGRo SP CoNTRA o GENoCíDIo Do PoVo NEGRo, NENhUM PASSo ATRáS!!

Ilustração: Mônica Marques

Dia 6 e 7 de dezembro o 1º Festival de Cidadania Cultural, que levou ao Parque do Ibira-puera o melhor da produção artística das periferias da cida-de. Foram dois dias cheios de atrações, que se dividiram em cinco espaços, a tenda Estrela, o Palco, a tenda de Artes Cê-nicas, a tenda do Audiovisual e o espaço Aberto.

Fui cobrir uma parte do evento e entrevistou alguns grupos. No início da tarde o grupo de Taiko, tambor tradi-cional japonês, de São Miguel Paulista se apresentou perto do Portão 3 encantando quem passava pelo local, entre eles muitos/as ciclitas que paravam para apreciar a milenar arte oriental. Uma das integrantes explicou os significados maio-res da dança e como ela, no Brasil, servia como estímulo à cultura, educação e sociabili-dade para jovens. Da SP japo-nesa para a São Paulo africana foi a vez do Batucafro, grupo do Itaim Paulista, apresentar um cortejo tecendo um ca-minhar ritmado até o portão 10. Com roupas exuberantes, turbantes bem montados e ao som dos percussionistas essa grande família foi colorindo o caminho até o portão 10 onde ocorreram rodas de danças tra-dicionais como Coco e Cacuriá (dança típica do Maranhão).

ra como forma de resistência cultural com a comunidade.

A mostra ainda teve apre-sentações de dança, circo, per-formances, shows, bate-papos num misto de sons, cores e gestos que deram o tom de parte das produções culturais de SP.

Este Jornal também faz parte deste rolê e agradece-mos ao VAI e sua equipe que nos auxiliar com pepinos e alegrias como esta de cobrir este evento importante e aju-dar a dar visibilidade aos pro-jetos que ocorrem na cidade, notadamente nas bordas de SP.

Para saber mais esses pro-jetos culturais da Secretaria de Cultura acesse o site progra-mavai.blogspot.com.

1º MOSTRA DE CIDADANIA CULTURAL ACONTECEU

NO IBIRAPUERA

Por Marcel Cabral Couto Neste local ocorreram ainda rodas de capoeira, shows, tea-tros e apresentação de vídeos.

Na tenda do Audiovisual acompanhei a apresentação e debate de alguns documen-tários financiados pelo VAI e Agente Comunitário que es-tão em construção. Quem tem medo de Cris Negão do cole-tivo Preta Porter Filmes fala-va sobre Crist Negão, famosa travesti-empresaria-cafetina figura carimbada da cena lgbt em São Paulo. Figuras da noite paulistana como a Drag Tha-lia Bombinha e a atriz cubana relatam casos de amor e ódio que rondam esse mito pouco conhecido da noite paulista-na. O coletivo Na Rego falou ainda um pouco sobre o pro-cesso e sobre a performance que fizeram na Rego Freitas famosa rua do cenário tra-vesti da capital paulista. Majé Bassan – terreiro das vilas, documentário que está sendo produzido por Fernando de Bellis, agente comunitário, onde denuncia o processo de higienização religioso que o bairro de Pirituba vem sofren-do nas últimas décadas desde que o governo Erundina (PT) legalizou os terrenos. O docu-mentário mostra o processo de perseguição e fechamento que vieram passando os ter-reiros de candomblé ao longo de duas décadas e se propõe a fazer um resgate dessa cultu-

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MANIFESTO 1414 Edição Especial 2015

Nós, movimentos e cole-tivos artísticos, culturais, so-ciais, políticos e religiosos, or-ganizados que subscrevem este texto, atuantes nas periferias de São Paulo, vimos por meio deste declarar nosso voto con-tra a direita autoritária, pre-conceituosa e excludente re-presentada na candidatura de Aécio Neves do PSDB. Diante do atual cenário político, acre-ditamos que a oposição a esta ideia se representa na candida-tura de Dilma Rousself.

Como trabalhadores e trabalhadoras, moradores de favelas e periferias da cidade de São Paulo, temos presente na memória a barbárie que se instalou nestas regiões quando o PSDB governou o país en-tre os anos de 1995 e 2002. Também sentimos na pele a política deste partido à frente do governo do estado de São Paulo.

Os governos do PSDB têm representado a criminali-zação dos movimentos sociais; a repressão contra a população pobre, preta e periférica e o preconceito contra os dife-rentes setores marginalizados da sociedade como os negros, índios, diferentes orientações sexuais e religiosas, nordesti-nos e pobres em geral.

Preocupados com o re-trocesso político e social pro-posto pela classe social que o PSDB representa, afirmamos nossa opção pela vida e con-tra a barbárie, ao apoiarmos a candidatura de Dilma Roussef para a presidência do Brasil.

No entanto, gostaríamos de pontuar algumas pautas muito importantes para a po-pulação moradora da periferia de São Paulo e da periferia dos grandes centros urbanos do país. Estas pautas incidem di-retamente em nossas vidas, e devem ter uma atenção maior por parte daqueles que ocu-pam os principais cargos pú-blicos.

Reivindicamos que o Go-verno Federal assuma o com-promisso de priorizar Políticas Públicas de Estado para a popu-lação pobre, preta e periférica, assim como o fortalecimento dos movimentos sociais e dos setores historicamente margi-nalizados como os índios, ne-gros e o combate a homofobia.

Destacamos e exigimos prioridade nos pontos elenca-dos a seguir: •Demarcação de todas as

terras indígenas e quilombolas (observa-se que as da cidade de São Paulo estão na mesa do Ministro José Eduardo Cardo-zo – Assina Cardozo);•Reformaurbana;•De maneira imediata,

exigimos multas e desapro-priações de terrenos e imóveis que não cumprem sua função social;•Pelofimdosdespejos;•Reformaagrária;•Demaneiraimediata,exi-

gimos a desapropriação das fazendas que se utilizam de trabalho escravo, com punição aos responsáveis; •Combateaousodeagro-

tóxicos na produção alimen-tar;•Investimentonaprodução

agrícola realizada pelo peque-no agricultor;•10% PIB pra Educação

Pública, Gratuita e de Quali-dade;•Saúde 100% Pública,

Gratuita e de Qualidade;•Pela legalização do abor-

to; •Ampliação de ações de

combate a violência doméstica e da mulher;•Pelacriminalizaçãodaho-

mofobia;•Democratizar os meios

de comunicação e suas con-cessões (abertura das rádios e TVs comunitárias);•Pela instituição de uma

constituinte exclusiva e sobe-rana para a reforma do sistema político;•Redução da jornada de

trabalho de todas e todos tra-balhadores para 40 horas se-manais. Mais tempo livre para familia, estudos, lutas e ócio já!•Criação de uma agenda

permanente de encontros re-gulares com os movimentos sociais;•Criaçãoeaprofundamen-

to de mecanismos de partici-pação popular;•Pela taxação das grandes

fortunas;•Fimimediatodaviolência

policial; e desmilitarização das polícias;•Porumapolíticanacional

de desencarceramento;

COLETIvOS CULTURAIS PERIFéRICOS LANçAM MANIFESTO CONTRA A DIREITA AUTORITáRIA

Manifesto dos coletivos culturais de sp em apoio a reeleição de Dilma

•Puniçãoimediatadosres-ponsáveis pelo genocídio da população preta, pobre e pe-riférica;•Consolidação da Defen-

soria Pública e de sua interlo-cução popular;•Punição imediata dos

responsáveis pelos crimes co-metidos na Ditadura Militar (1964-1985);•Criar Comissão da Ver-

dade para punir os crimes na Democracia; •PelaaberturadeumaCPI

para investigar e punir os res-ponsáveis pelos mais de 500 incêndios em favelas ocorri-dos entre 2008 e 2012 no mu-nicípio de São Paulo; •ConstruçãodoMemorial

da Memória e da Verdade nas Periferias no período Ditato-rial e no pós-ditatorial; •Transporte 100% públi-

co, gratuito e de qualidade;•Aumentodosinvestimen-

tos em infraestrutura nas pe-riferias urbanas, com melhora da qualidade dos transportes e construção de mais linhas de metrô nessas regiões, com re-cursos federais;•Peloaprofundamentodos

processos de integração com países latinoamericanos;•Garantiade internetgra-

tuita de qualidade para todo território brasileiro;

No âmbito cultural, reco-

nhecemos avanços em pro-gramas como o Cultura Viva e os Pontos de Cultura, dentre outros. No entanto, seguem abaixo pautas importantes que julgamos serem necessárias para produzirmos mais arte e cultura e de melhor qualida-de, fundamentalmente aquela produzida pela população mo-radora da periferia:

•1%doPIBparaacultura

pública (ou seja, financiamen-to direto);•FimdasLeisde renúncia

fiscal;•CriaçãodePolíticasCul-

turais Públicas de Estado es-truturadas em Lei priorizando as áreas com alto índice de vulnerabilidade social;•Defesa e Promoção das

culturas tradicionais (indíge-nas, terreiros, ciganos, imi-grantes) para o combate a in-tolerância cultural e religiosa;

•Ampliação dos equipa-mentos para produção e pro-moção de cultura nas perife-rias urbanas e rurais (casas de cultura, bibliotecas, teatros, cinemas, etc.);•Atendimento e fortaleci-

mento das propostas levanta-das nas conferências de cul-tura municipais, estaduais e federal;•Ampliação do Plano Ju-

ventude Viva no combate ao racismo institucional que pro-move o genocídio da juventu-de pobre, preta e periférica;•Avançar na promoção da

cultura voltada para a primei-ra infância, terceira idade e pessoas com deficiência;•Criação conferencia de

cultura para infância;•Aprovação imediata da

PEC 150 (garantia de recursos para a cultura);•Votação Imediata da Lei

PNLL e a implementação dos PMLLs (Plano Nacional do Li-vro e Leitura);•Garantirquepelomenos

10% dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal sejam desti-nados à Cultura;•AprovaçãodaleiGriôt;•Ampliar os programas

VAI e Agentes Comunitários de Cultura para todo Territó-rio;•Criaçãode leideapoioa

ocupação de espaços públicos ociosos e/ou abandonados, por coletivos culturais locais;•Ampliar a ações interse-

toriais entre Cultura, Educa-ção, Esporte e Economia Soli-dária e Direitos Humanos; •IncluiroFuteboldeVár-

zea dentro das políticas de cul-tura do MINC;

Cremos que somente am-plas mobilizações populares podem de fato fazer avançar estas pautas. Nos comprome-temos a construí-las. Conta-mos com o apoio do governo Dilma Rousseff.

Cabe ressaltar que temos plena consciência dos limites da via eleitoral. No entanto, segue sendo uma trincheira de luta, dentre outras. Abandonar esta trincheira por completo, neste momento, pode decor-rer em graves consequências para o país, principalmente para as classes populares.

Um pé no voto, uma vida na luta!

O Manifesto já conta com mais de 150 assinaturas Assinam este documento: cidadãos e coletividades artístico-culturais periféricas de São Paulo e Brasil

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15 MANIFESTOEdição Especial 2015

Ilustrações: Ruana Negri

20 de julho de 1955 Deixei o leito as 4

horas para escrever. Abri a porta e contemplei o céu estrelado. Quando o astro-rei começou des-pontar eu fui buscar água. Tive sorte! As mulheres não estavam na torneira. Enchi minha lata e zarpei. (...) Fui no Arnaldo bus-car o leite e o pão. Quan-do retornava encontrei o senhor Ismael com uma faca de 30 centimetros mais ou menos. Disse-me que estava a espera do Bi-nidito e do Miguel para matá-los, que êles lhe ex-pancaram quando êle esta-va embriagado.

Lhe aconselhei a não brigar, que o crime não trás vantagens a ninguem, apenas deturpa a vida. Senti o cheiro do alcool, disisti. Sei que os ébrios não atende. O senhor Is-mael quando não está al-coolizado demonstra sua sapiencia. Já foi telegra-fista. E do Circulo Exote-rico. Tem conhecimentos bíblicos, gosta de dar con-selhos. Mas não tem valor. Deixou o alcool lhe do-

Segue um trecho do Diario de Carolina de Jesus, escritora negra, catadora, que nos anos 50 escreveu o celebre Quarto de despejo. O ano de 2014 é o do centenário de seu nascimento.

minar, embora seus conselho seja util para os que gostam de levar vida decente.

Preparei a refeição mati-nal. Cada filho prefere uma coisa. A Vera, mingau de fari-nha de trigo torrada. O João José, café puro. O José Car-los, leite branco. E eu, min-gau de aveia.

Já que não posso dar aos meus filhos uma casa decente para residir, procuro lhe dar uma refeição condigna.

Terminaram a refeição. Lavei os utensílios. Depois fui lavar roupas. Eu não tenho homem em casa. É só eu e meus filhos. Mas eu não pre-tendo relaxar. O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de alto preço, residir numa casa confortável, mas não é possivel. Eu não estou descontente com a profissão que exerço. Já habituei-me andar suja. Já faz oito anos que cato papel. O desgosto que tenho é residir em favela.

... Durante o dia, os jo-vens de 15 e 18 anos sentam na grama e falam de roubo. E já tentaram assaltar o em-pório do senhor Raymundo Guello. E um ficou carimbado com uma bala. O assalto teve

inicio as 4 horas. Quando o dia clareou as crianças catava dinheiro na rua e no capinzal. Teve criança que catou vinte cruzeiros em moeda. E sorria exibindo o dinheiro. Mas o juiz foi severo. Castigou im-piedosamente.

Fui no rio lavar as roupas e encontrei D. Mariana. Uma mulher agradavel e decente. Tem 9 filhos e um lar modelo. Ela e o espôso tratam-se com iducação. Visam apenas viver em paz. E criar filhos. Ela tambem ia lavar roupas. Ela disse-me que o Binidito da D. Geralda todos os dias ia prê-so. Que a Radio Patrulha can-çou de vir buscá-lo. Arranjou serviço para êle na cadêia. Achei graça. Dei risada!... Estendi as roupas rapidamen-te e fui catar papel. Que su-plicio catar papel atualmente! Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos, e não gosta de fi-car em casa. Eu ponho o saco na cabeça e levo-a nos braços. Suporto o pêso do saco na ca-beça e suporto o pêso da Vera Eunice nos braços. Tem hora que revolto-me. Depois do-mino-me. Ela não tem culpa de estar no mundo.

Refleti: preciso ser tole-rantecomosmeusfilhos.Êlesnão tem ninguem no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.

Aqui, todas impricam co-migo. Dizem que falo muito bem. Que sei atrair os ho-mens. (...) Quando fico ner-vosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo.

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POESIAS 16 Edição Especial 2015

se é beatles que te fascinabeatles-me, forte fortíssi-mosem esse lenga lengade cabelo compridoroupa arrumadasem beatsem Beatles

Gerson Oliveira

i

doze linhasarrebento devagar & calça de moletonnão interessadoze linhasde correra mocidade caina terceira estação sequenteeu vieu vitemores na palma da mãoeu vieu visuor na palma das mães

ii

linguagem é estarmudo perante a palavrae existir em palavrapara lavrar-mee livrar-meda dobra da palavra

iii

olhar olhar exercitar olho nuolhar olhar exercitar luzes ao altoolho olho esticoreticências pois excrê-ver não arrebentalinhas dos dedos

Gerson Oliveira

ConSuMiSMo

o mundo se consomede grão em póde gota em botade carro em luz

é mais que sabido o preço;do petróleo, do feijãodo bigmac, da águado sapato, da carneda coca e da soja em grão

- ô campeão, quanto custa meia dúzia dessa virtude aqui!?

o mundo se consomede lucro em latifúndiode ganância em desigualdadede burrice em capitalde rancor em prazer banalde ilusão em falsos valoressó não vê quem não quero saldo negativo do progressoe a esperança? será o retrocesso ou o recomeço?não sei.Mas não há ideologia que salve a pobreza de espírito...

eu acho que deus já virou a ampulheta!....

e nós consumimos o mundocom a esperança de preenchero vazio que a alma deixou.

Arthur Vital

o negRo não TeM FiM

destino negado,Vida trocada,Religião amaldiçoada,dança mal tratada.

Convés lotados,Almas atormentadas,Pensamentos perdidos,Choro engolido,dor aparente.

Correntes ensurdecidas,Vidas malditas.

grita, agonizauma vida sem rima.Sem rima?Sinto a brisa.

Sobreviva, acredita.Sobreviva.

A vida do negro sempre foi assim:- Agonizar, sobreviver.Agonizar, lutar, persistir e existir.

da dor, faz a dança.dos maus tratos, sua segu-rança.Força que vem de zumbi,de dandara,de ogum.

Somos assim.existimos, persistimos.gritamos; - nós negros não temos fim.

Joice Azizi de Mendonça

Se eu diSSeR

que não quero nada sério, um “compromisso” in-certoSem dia marcados, sem horas contadas,sem finais de semana prolongadosSem lençol desarrumado.digas o que o pensa?Sem me namorar Sem me descompassar Chega de me beijar....

Joice Azizi de Mendonça

CoR dA PeLe

Afro begeCor da pele,Cor da pele?da pele de quem?da minha não.

Sou Preta,Sou negra,

não sou mulataSargentelle? ele não sabe de nada.

Morena?Me respeita

Sou negRA

Joice Azizi de Mendonça

A FALA

Falo, penso com a cabeça e FaloTodo falo que se preze falhaTodo Feliz que não presta FalaFalo, mas não penso com a cabeça do meu faloFato, todo ato não pensado é falhoFeliz se ando pensando com o falo?Feliz o anus contemplado pelo falo. Falo mano e falho.direito mano? Falsodireito humano? FalhoÉ direito humano usar o faloMesmo com a cabeça de outro falo.não, não vou me calar, eu FaloMesmo o Feliz não querendo eu FaloMesmo o Feliz querendo falo, eu Falo.Falo dos deuses da fertilidade,Príapo, exu, Frey, osiris, deuses que o (in)Feliz não crê.deuses do gozo e do prazerdireito humano, fato.Mano a mano, Falo.Se deus é humano é falhoSer feliz é humano, é fato.Todo prazer vem da cabeçanem sempre vem do faloHomem pra ser homem não precisa do seu falonem mulher pra ser mulher usa o falo com regaloAbaixo o reinado do falo,Viva o reinado da Fala,de falar o que se pensa,Mesmo que seja sobre o falo, eu Falo.Feliz o anus contemplado pelo falo.

Vandei Oliveira Zé

Ilustrações: Ruana Negri

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17 TIRINHASEdição Especial 2015

Por will oliveira

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ENTREVISTA 18 Edição Especial 2015

Foi na região central da cidade, entre os bairros da Li-berdade, Cambuci, Aclimação e Glicério, que surgiu a mais antiga escola de samba em ati-vidade da cidade de São Paulo, a S. R. B. E. Lavapés. Na dé-cada de 1930 a região do Gli-cério, ou Várzea do Glicério como era conhecida, carac-terizava-se por ser uma área abandonada da cidade, reduto de boa parte da população po-bre, formada por ex-escravos.

Nesse lugar, a margem do que era considerado centro urbano de São Paulo, ocor-riam manifestações do samba paulistano. Foi nesse ambiente que nasceu a Escola de Samba Lavapés, fundada em 1937 por Deolinda Madre (1909-1995), juntamente com seu marido Francisco Papa, o “Chico Pin-ga”, e seu irmão, José Madre, o “Zé da Caixa” (1918 - 2003). Deolinda mais conhecida por “Madrinha Eunice” foi a pri-meira diretora da Escola, car-go que ocupou até sua morte. Ela era filha de ex-escravos da região de Piracicaba, local onde vigorava o batuque de umbigada, o jongo e o samba rural.

Até meados dos anos de 1950 o carnaval era diferen-te do que entendemos nos dias de hoje. Se hoje estamos acostumados a ver na televisão desfiles de escolas de samba formadas por alas e carros ale-

góricos, na época este ocorria de uma maneira mais simples, composto por foliões que can-tavam as marchinhas nas ruas, com suas balizas e estandartes, era conhecido como cordão. Perpassando esses dois mo-mentos, a Lavapés foi durante muito tempo uma das mais prestigiadas escolas do samba paulistano, tendo conquistado 19 títulos. Contudo na déca-da de 1970, a escola teve seu primeiro rebaixamento e não conseguiu mais retornar ao grupo especial, estando hoje no grupo três de acesso.

Contudo, se a escola atu-almente não ocupa posição de destaque entre as escolas do grupo especial, ao menos o reconhecimento de sua im-portância ao samba paulistano está garantido. No mês de ou-tubro do ano de 2013, o sam-ba paulistano foi reconhecido como patrimônio imaterial pelos órgãos municipais. Na cerimônia de solenidade, rea-lizada no dia 02 de dezembro (Dia Nacional do Samba), não faltaram menções à Lavapés pelo seu samba de resistência. No mês de novembro do mes-mo ano a Escola foi vencedora do concurso do V repinique de ouro e da I bateria nota dez, am-bos organizados da União das Escolas de Samba Paulistanas (UESP).

Disto, nos resta uma per-gunta: o que faz uma escola

de samba que está a margem do grupo especial permanecer por tanto tempo em atividade? A resposta o grande sambista Geraldo Filme nós dá: “É tra-dição e o samba continua...”, pois, mesmo longe dos holo-fotes e do glamour das gran-des escolas, a Lavapés continua pela força, amor, dedicação e garra de seus diretores, asso-ciados e membros, que passam de geração a geração a tradi-ção do samba. Assim, ao di-zer: Lavapés, estamos falando de passado, presente e, sobre-tudo, do futuro, pois, como dizia Madrinha Eunice: “A La-vapés teve começo, mas nunca terá fim”.

ConFiRA ABAixo A enTReViSTA CoM RoSe-MeiRe MARCondeS, ATuAL diReToRA dA eSCoLA.

Voz da Leste: o que é o carnaval pra você?

Rose: (risos) ...Carna-val é minha vida, eu acho. Eu vivo cada momento. O samba é alegria, é emoção, é aquele momento, ali, naquela hora. Eu acho que vale muito a pena viver o carnaval. Apesar do carnaval não ser nosso, total-mente, e ser de outro país. Mas, a gente acabou adaptan-do ele no nosso país. E, eu acho que é melhor coisa que tem pra nós.

Voz da Leste: como você vê e caracteriza o carna-val de São Paulo?

Rose: o carnaval de são Paulo hoje é um carnaval de indústrias e empresas. Não é mais um carnaval como era antigamente, como eu cresci no carnaval. Hoje é um car-naval de visual, de grandes artistas dentro da escola. Hoje é totalmente diferente do que eu vivi quando a minha avó era presidente. Hoje é bem empresa mesmo. Não tem nada de diferente no visual. Eu acho que é o maior evento que temos na cidade é o carnaval hoje. Ele tem uma visibilida-de muito grande, tanto para trabalhador, ou para o grande empresário. O carnaval é mui-to bom.Voz da Leste: Como que a Lavapés se insere no car-naval de São Paulo?

Rose: A Lavapés hoje está aprendendo tudo de novo. O carnaval, pra esse grandioso carnaval que está ai hoje. A gente já tem mudado algumas estratégias, tem acompanhado mais, os outros carnavais das entidades grandes que tão por ai. A gente já tem acompanha-do o mesmo ritmo que tem as grandes escolas.Voz da Leste: e a sua dire-ção na escola? Como está?

Rose: eu trato a escola como se fosse parte da minha família, como se ele fosse mi-

TRADIçãO E RESISTêNCIA NO SAMBA Por Victor Leme Balan e Luciara Ribeiro

nha avó ou meu avô mais ve-lho, aquela pessoa mais velha. E, eu cuido dele com muito carinho, com muita atenção, e por sinal eu me dedico mui-to mais a escola de samba do que propriamente pra mi-nha família. Quando chega o carnaval, eu abandono toda a minha família e só vivo para a Lavapés, entendeu? Eu acho que ela faz parte da minha família, um filho mais velho, coisa desse jeito.Voz da Leste: Quais as suas expectativas para o car-naval de 2015?

Rose: 2015 eu preciso ganhar, ganhar e ganhar. Por-que, senão vai ficar muito di-fícil a gente sair desse grupo. Até porque eu ando um pou-co cansada, né? Hoje, se não melhorar, se as pessoas não ajudarem, não tem como. Nós precisamos de pessoas que agregam com a gente para que o samba viva. Agora, se não ti-ver essas pessoas, eu acho que fica muito difícil pra mim con-tinuar só com a minha família. Então, eu preciso de muita gente, muitos parceiros para colocar o samba na rua.Voz da Leste: o que moti-vou escolher o enredo do ano que vem?

Rose: o que motivou foi a grana. Não temos grana pra esse ano, vamos reaproveitar coisas. Eu não gosto de fazer, nunca gostei. Tem dois aqui que sabem que eu não gosto de reaproveitar nada do car-naval anterior, mas como eu não tenho grana, eu vou rea-proveitar tudo pra por nesse enredo. Esse enredo a gente já fez e deu muito certo, foi mui-to bonito e legal falar de todas as feiras que tem por aqui.

A Lavapés tem “Feiras” como tema do samba enredo do carnaval 2015, os ensaios ocorrem nos meses de No-vembro/Dezembro e Janeiro, aos sábados das 17h às 21h em frente a lanchonete Flôr da Lavapés, localizada na rua Junqueira Freire 163 - Glicé-rio - São Paulo. Mais informa-ções em www.facebook.com/lavapes.

Foto: Divulgação S.R.B. Escola de Samba Lavapés

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ENTREVISTA19Edição Especial 2015

Em algum dia da década de 1990 recebi em minha casa a vi-sita principesca do cantor e com-positor Cacá Lopes. Ele, cortês, deu-me de presente um exem-plar do livro Zona Leste Meu Amor, de Cida Santos. Eu não a conhecia, mas a partir da leitu-ra dessa obra essencial, comecei a “acompanhá-la”, segui-la em suas andanças públicas. Mas ela não sabia de minha existência. O tempo passou e surgiram então essas novas tecnologias maravi-lhosas que permitem uma apro-ximação mais sutil entre as pes-soas. Ficamos, estamos, somos, amigos desde então. Na sinceri-dade mais genuína que se possa construir - ou permitir.

1) Quem é Cida Santos?R: Assistente Social por op-

ção, formada na Faculdade da Zona Leste (hoje, UNICID) e escritora por acaso. Descobri, desde criança, que queria ser Assistente Social, sem saber ao menos o verdadeiro significado da profissão.

Quando iniciei meu estágio, no primeiro ano de faculdade, estava numa das muitas favelas que conheci e entrei num bar-raco pra conversar com a mora-dora e percebi que sua filha não parava de chorar. Aí perguntei pra aquela senhora, por que sua filha chorava tanto e ela, “ela está com fome e eu não tenho nada para dar a ela”.

Saí correndo, fui num da-queles botecos de favela que costumam ter de tudo, pedi dois pacotes de macarrão, um litro de óleo e um quilo de sal; paguei, retornei e entreguei para aque-la senhora. Saí de alma lavada, “achando” que salvei o mundo! Ledo engano, ao entrar no se-gundo, no terceiro, no quarto barraco, a situação era a mesma e eu só tinha dinheiro para chegar até a minha casa, pois havia ne-cessidade de tomar dois ônibus. Sentei-me numa pedra que havia naquela comunidade e comecei a chorar e aí, a minha orientadora

sentou-se ao meu lado, pergun-tando o que havia acontecido? Relatei o ocorrido e então ela me disse, “se você acredita que ser Assistente Social é isso, então é melhor você parar por aqui e rever os seus conceitos”.

Naquele momento, senti uma tristeza tão grande, mas ao mesmo tempo descobri que ser-viço social significava algo muito mais nobre que promover o ser humano, era muito mais im-portante do que “dar esmolas”. Cresci muito a partir daquele momento e optei por continuar meus estudos. Eu e outras cole-gas passamos a promover ações de geração de renda, criar víncu-los com todas as famílias e a vida delas começou a mudar.

A partir do momento em que você cria vínculos com uma comunidade, é incrível, as pesso-as passam a ter consciência dos seus valores e automaticamente elas mudam de vida. Passei a en-tender a profissão que eu havia escolhido e me entreguei de cor-po e alma. Ser Assistente Social, hoje é minha Missão.

(Nasce a escritora)A escritora nasceu por acaso.

Andando pelos caminhos tortu-osos da minha querida Zona Les-te, descobri “pequenos mundos” que me fascinaram! Conheci “líderes de comunidades”, como José MESSIAS da Silva, ELGI-TO Boaventura, Santo, Amaury Joaquim da Silva, Seu Luiz, Vera Lucia Alves da Silva, Luzia Mon-teiro, Padre Ticão, Dalva Paixão, Seu Espíndola, Luizão, Seu Elias, Chico Terra, João Lucas, Honó-rio Arce, Socorro, Dona Lola, Jorge do Carmo, Tauá, Ana Ma-ria Martins, etc... e tantos ou-tros, líderes no sentido exato da palavra, que me davam lição de vida a cada momento. Um deles, o MESSIAS da Favela Jardim Ro-bru, passou a ser o meu “herói”, tamanha era a admiração que eu tinha por ele!

Em nome de fascínio pelas

lideranças, decidi escrever um livro e o título nasceu primeiro: ZONA LESTE MEU AMOR. Fui colhendo depoimentos de todos eles e o primeiro livro fi-cou pronto rapidinho. Lembro-me do lançamento, na Casa de Cultura Chico Mendes, que o meu querido amigo Cacá de Oliveira era o Diretor. O even-to teve início às 8 da manhã e só terminou às 18 horas. Foi um evento e tanto, porque tratava-se do primeiro livro sobre a Zona Leste e que contava a história de heróis anônimos que as pessoas “achavam” que conheciam mas, que na realidade, por trás deles havia uma riqueza cultural muito grande.

Acredito que em toda a his-tória da ZL, nunca alguém con-seguiu reunir tanta gente impor-tante num só lugar e num só dia! Tinha gente de todas as classes sociais e políticos de todos os partidos, todos ali, debaixo do mesmo teto! Foi realmente um dia inesquecível! Pra mim e para todos aqueles líderes, que se transformaram em “amigos” de verdade!

2) Baseada nessas experiên-cias tão ricas, como você sente o mundo hoje? As coisas realmente melhoraram? Ou há uma ilusão de ótica na interpretação do so-cial?

R: O mundo hoje, meu caro Escobar, penso que está havendo uma grande inversão de valo-res... As pessoas perderam mui-to de sensibilidade, tornaram-se “práticas” demais; o essencial, o simples, perdeu o valor! O ser humano está valendo muito pou-co. Não estou sendo pessimista não; sei que ainda existem pes-soas “que pensam”, que “fazem” a diferença, graças a Deus!

Quanto ao social, sim, há uma ilusão de ótica na interpre-tação de muitos, principalmente para grande parcela da população pobre e também dentro da classe política! O social tem sido inter-pretado como uma “muleta”... Poucos buscam a “promoção” do ser humano e muitos desejam que o ser humano não cresça, não desperte para a vida; para eles, é melhor que o ser huma-no continue sendo “coitadinho”, porque o “coitadinho” precisa de esmolas, o “coitadinho” será sem-pre “dependente” de tudo!

Mas vejo uma luz no fim do túnel, pois percebo em alguns lugares, muitos jovens desper-tando para a verdadeira vida, pensando como “gente grande”, fazendo arte com consciência, preocupando-se com os graves problemas que o País enfrenta. Tudo isso traz a esperança e a gente passa a acreditar que ainda é possível vivermos num mundo melhor.

3) Você citou grandes nomes que contribuíram para o cresci-mento da zona leste. Eles deixa-ram “herdeiros” de suas militân-cias?

R: Sim, nomes importan-

tíssimos que misturam-se com a própria história da Zona Les-te! Contribuíram muito para o crescimento dessa região, mas fico procurando outros líderes, iguais ou semelhantes e não con-sigo visualizar nenhum! Talvez, no momento atual, eu esteja um pouco distante da ZL, por estar morando aqui em Laranjal Pau-lista! Mas, nunca mais ouvi falar de líderes como o Messias, por exemplo! Ele era capaz de dar a vida pela sua comunidade! Será que hoje existe alguém na ZL, que seja capaz disso? Não sei, penso que é muito difícil! Mas a essência desses grandes líderes ficou em nós, para que possamos perpetuá-los pela eternidade! Hoje, dentro de comunidades, eu só vejo um líder, capaz de coi-sas excepcionais! Esse Homem chama-se Padre Ticão!

4) O que a faz acreditar que não há mais líderes como estes que você citou? Estamos real-mente vivendo o fim das utopias?

R: Você fala em utopia! Pen-so que eles viveram, realmente, a maior das utopias!!! Por ou-tro lado, eles foram capazes de transformar a Comunidade em que viviam, mudaram planos de governo, foram presos muitas vezes, enfrentaram tempestades, mas mudaram muita coisa, en-tão não foi um sonho? Foi tudo real...

Penso que o mundo mudou e os líderes também mudaram! Talvez estejamos mesmo, viven-do o fim das utopias e isso me causa certa nostalgia...

5) Quais livros você publi-cou?

R: Publiquei dois livros, Zona Leste Meu Amor – Perso-nagens de uma história de lutas (1994) e Zona Leste Fazendo História (1997).

6) Tem intenção de publicar mais algum?

R: Sim, eu gostaria de publi-car mais um livro, creio que no início do próximo ano! Estou fa-zendo uma pesquisa sobre a his-tória de minha família materna “os Ferrari”! São muitos e muitos anos, que meus “nonnos” ma-ternos vieram de Verona/Itália. Desde 1892, já se passaram 120 anos, que essa família foi se for-mando aqui no Brasil! Essa pes-quisa envolve muitas viagens e, neste momento, não estou con-seguindo viajar devido à doença de meu pai. Mesmo assim, tenho obtido muitas informações atra-vés da internet. Já tenho pelo menos 200 páginas escritas e cerca de 2000 fotografias! Creio que até o início de 2013, vou conseguir. A história dos Ferrari é fascinante!

9) Quais obras (cinema, li-vro, teatro, música etc) que são referência para você?

R: Minhas preferências? Ci-nema gosto, mas não sou faná-tica! Literatura, amo de paixão, todos os grandes escritores bra-

sileiros, apaixonada por Guima-rães Rosa, Jorge Amado, Ma-chado de Assis, Ferreira Gullar e muitos e muitos outros! Amo o Poeta Chileno Pablo Neruda, o seu livro “Confesso que Vivi” é o meu livro de cabeceira, junto com “Água Viva” de Clarice Lis-pector! Enfim, tudo o que é bom eu gosto de ler.

Sou apaixonada pela poesia de Escobar Franelas, Francis-co Xavier, Alvaro Posselt, Akira Yamasaki, Gilberto Braz, Paulo Alvarenga, José Vicente de Lima, Cecília Fidelli, Yohana Sanfer, esse povo mais novo que me en-canta com seus poemas todos os dias! O teatro eu amo de paixão, lembro-me da Escola Dom Pe-dro em São Miguel, lá pelos idos de 67, 68 e 69, quando eu tive aulas de Artes Dramáticas com o Professor Luiz! Lembro-me de encenar o Auto da Compadecida de Gil Vicente.

Morro de saudade de tudo isso! Penso que o Teatro tem um poder transformador na vida das pessoas! Quanto à Música, sou apaixonada por Música Popular Brasileira de qualidade, sou fã de Chico Buarque, Milton Nas-cimento e Caetano Veloso! Sou apaixonada pela música regional, que passa por Almir Sater, Rena-to Teixeira, Vidal França, João Bá, Dércio Marques, Vital Faria, Ge-raldo Azevedo, Elomar Figueira, etc. Amo a música chilena, tenho três discos de Victor Jara que são os maiores tesouros que guardo comigo. Amo, ainda, a música cubana de Silvio Rodriguez e Pa-blo Milanés! Amo esses meninos todos que fazem arte na ZL, Ed-valdo Santana, Cacá Lopes, Ro-naldo Ferro, Sacha Arcanjo, Zulú de Arrebatá, Ceciro Cordeiro, enfim, todos esses que fazem parte desse rol de amigos...

Outra coisa que eu também sou apaixonada, são algumas cantoras maravilhosas, como: Maria Martha (ela cantava no Boca da Noite do Bixiga e, hoje, canta e encanta Paraty), Mirian Mirah que fazia parte do Grupo Tarancón e também Mônica Al-buquerque, que são pessoas que não estão na mídia televisiva, mas que lotam teatros e encan-tam plateias inteiras. Gosto tam-bém do cururu da minha região; conheci, desde criança todos os monstros sagrados do cururu, como: Parafuso, Pedro Chiquito, Zico Moreira, Nhô Serra, Horá-cio Neto e Luizinho Rosa. Amo o folclore, as festas religiosas, prin-cipalmente, as festas do Divino Espírito Santo e do Reizado, que acontecem aqui na minha região.

CIDA SANTOS HISTORIADORA E ASSISTENTE SOCIAL

Texto e fotos Escobar Franelas

Page 20: Vozleste 2015 digital

CULTURA

Dandara dos Palmares (1664 – 1694). Mulher, negra e guerreira

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