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R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 23, n. 1, p. 43-59, jan./jun. 2006 Vulnerabilidade socioambiental na metrópole paulistana: uma análise sociodemográfica das situações de sobreposição espacial de problemas e riscos sociais e ambientais * Introdução Este trabalho procura operacionalizar empiricamente a categoria vulnerabilidade socioambiental, com o objetivo de identificar e caracterizar populações nesta situação, no município de São Paulo, por meio da construção de indicadores ambientais na unidade espacial de análise mais desa- gregada possível (setores censitários do censo demográfico do IBGE). Para fins me- todológicos e analíticos, a vulnerabilidade socioambiental está sendo definida como a coexistência ou sobreposição espacial entre grupos populacionais muito pobres e com alta privação (vulnerabilidade social) e áreas de risco ou degradação ambiental (vulnerabilidade ambiental). Neste sentido, é justamente a combinação destas duas dimensões que está sendo considerada * Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no XI Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), realizado em Salvador (BA), de 23 a 27 de maio de 2005. Esta versão foi revisada e ampliada. ** Economista, doutor em Ciências Sociais (Unicamp) e pós-doutorando e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM- Cebrap). Humberto Prates da Fonseca Alves ** Este trabalho procura identificar e caracterizar populações em situação de vulnerabilidade socioambiental em São Paulo, através da construção de indicadores ambientais, em escala desagregada (setores censitários do IBGE). A vulnerabilidade socioambiental está sendo definida como a coexistência ou sobreposição espacial entre grupos populacionais muito pobres e com alta privação (vulnerabilidade social) e áreas de risco ou degradação ambiental (vulnerabilidade ambiental). A metodologia baseia-se na construção de um Sistema de Informação Geográfica (SIG), em que se sobrepõe a cartografia da rede hidrográfica à malha dos setores censitários do município de São Paulo (censo 2000). Inicialmente, identificam-se os setores classificados como de alta vulnerabilidade social pelo Mapa da vulnerabilidade social da população da cidade de São Paulo (CEM-CEBRAP/SAS-PMSP, 2004). Posteriormente, os setores localizados às margens de cursos d´água e com baixa cobertura de esgoto são considerados proxy de áreas com alta vulnerabilidade ambiental. Os resultados mostram que, no interior do grupo de setores censitários de alta vulnerabilidade social, existem grandes diferenças nas condições socioeconômicas e demográficas, relacionadas às diversas categorias de vulnerabilidade ambiental. Palavras-chave: Vulnerabilidade socioambiental. Risco ambiental. Indicadores socioambientais. Vulnerabilidade social. Metrópole de São Paulo. Populações em situação de risco. Geoprocessamento.

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Vulnerabilidade socioambiental na metrópolepaulistana: uma análise sociodemográfica das

situações de sobreposição espacial deproblemas e riscos sociais e ambientais*

Introdução

Este trabalho procura operacionalizarempiricamente a categoria vulnerabilidadesocioambiental, com o objetivo de identificare caracterizar populações nesta situação,no município de São Paulo, por meio daconstrução de indicadores ambientais naunidade espacial de análise mais desa-gregada possível (setores censitários do

censo demográfico do IBGE). Para fins me-todológicos e analíticos, a vulnerabilidadesocioambiental está sendo definida comoa coexistência ou sobreposição espacialentre grupos populacionais muito pobres ecom alta privação (vulnerabilidade social)e áreas de risco ou degradação ambiental(vulnerabilidade ambiental). Neste sentido,é justamente a combinação destas duasdimensões que está sendo considerada

* Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no XI Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa emPlanejamento Urbano e Regional (Anpur), realizado em Salvador (BA), de 23 a 27 de maio de 2005. Esta versão foi revisada eampliada.** Economista, doutor em Ciências Sociais (Unicamp) e pós-doutorando e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cebrap).

Humberto Prates da Fonseca Alves**

Este trabalho procura identificar e caracterizar populações em situação devulnerabilidade socioambiental em São Paulo, através da construção deindicadores ambientais, em escala desagregada (setores censitários do IBGE). Avulnerabilidade socioambiental está sendo definida como a coexistência ousobreposição espacial entre grupos populacionais muito pobres e com altaprivação (vulnerabilidade social) e áreas de risco ou degradação ambiental(vulnerabilidade ambiental). A metodologia baseia-se na construção de umSistema de Informação Geográfica (SIG), em que se sobrepõe a cartografia darede hidrográfica à malha dos setores censitários do município de São Paulo(censo 2000). Inicialmente, identificam-se os setores classificados como de altavulnerabilidade social pelo Mapa da vulnerabilidade social da população dacidade de São Paulo (CEM-CEBRAP/SAS-PMSP, 2004). Posteriormente, os setoreslocalizados às margens de cursos d´água e com baixa cobertura de esgoto sãoconsiderados proxy de áreas com alta vulnerabilidade ambiental. Os resultadosmostram que, no interior do grupo de setores censitários de alta vulnerabilidadesocial, existem grandes diferenças nas condições socioeconômicas edemográficas, relacionadas às diversas categorias de vulnerabilidade ambiental.

Palavras-chave: Vulnerabilidade socioambiental. Risco ambiental. Indicadoressocioambientais. Vulnerabilidade social. Metrópole de São Paulo. Populaçõesem situação de risco. Geoprocessamento.

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uma situação de vulnerabilidade socioam-biental.

Entendemos que não é por acaso queas áreas de risco e degradação ambientaltambém são, na maioria das vezes, áreasde pobreza e privação social. Assim, nossahipótese é de que a vulnerabilidade ambien-tal é um fator relevante na configuração dadistribuição espacial das situações depobreza e privação social na metrópolepaulistana. Nesse sentido, a categoriavulnerabilidade socioambiental pode captare traduzir os fenômenos de sobreposiçãoespacial e interação entre os problemassociais e ambientais, sendo adequada parauma análise da dimensão socioambiental(e espacial) da pobreza.

A metodologia geral do trabalho con-siste na construção de um sistema deinformação geográfica, através do qual éfeita a sobreposição da cartografia digitalda rede hidrográfica à malha digital dossetores censitários do município de SãoPaulo (censo 2000). Inicialmente, sãoidentificados os setores classificados comode alta vulnerabilidade social, pelo Mapada vulnerabilidade social da população dacidade de São Paulo (CEM-CEBRAP/SAS-PMSP, 2004). Posteriormente, aplica-seuma tipologia para medir o grau de vulnera-bilidade ambiental destas áreas, sendo queos setores censitários localizados àsmargens de cursos d´água e com baixacobertura de esgoto são classificados comoproxy de áreas com alta vulnerabilidadeambiental.

Os resultados da análise mostram queas áreas com alta vulnerabilidade ambientalapresentam condições socioeconômicassignificativamente piores, além de maiorconcentração de crianças e jovens, do queaquelas com menor grau de vulnerabilidadeambiental, o que revela a existência deáreas críticas, onde ocorre forte concen-tração de problemas e riscos sociais eambientais.

Nesse sentido, a identificação e acaracterização de alguns padrões especí-ficos de sobreposição espacial de situaçõesde pobreza e risco/degradação ambiental,existentes na metrópole paulistana, re-querem o desenvolvimento de análises

muito detalhadas, tais como aquelaspossibilitadas pelos sistemas de infor-mações geográficas, utilizando unidadesespaciais de análise extremamentedesagregadas, como os setores censitários.Portanto, uma possível contribuição destetrabalho é dar visibilidade às áreas iden-tificadas como de alta vulnerabilidadesocioambiental, podendo trazer subsídiosrelevantes para o planejamento de políticaspúblicas sociais e ambientais, tais comohabitação e saneamento.

Breve revisão da literatura

Na Região Metropolitana de São Paulo,a despeito da melhora dos indicadoressociais médios das periferias, nas duasúltimas décadas, constata-se a existênciade grandes diferenciais de condições devida e de acesso a serviços públicos, com apresença de áreas extremamente pobres ecarentes de equipamentos e serviços, espa-lhadas por toda a periferia metropolitana.Assim, sob padrões médios de atendimentomuito melhorados, existiriam situações deextrema pauperização e péssimas condi-ções sociais e exposição cumulativa a diver-sos tipos de risco (TORRES e MARQUES,2001).

Segundo dados da PNAD-IBGE de1998, existe um grande contingente popu-lacional, de cerca de 1,7 milhão de pessoas(10% da população da RMSP), com rendafamiliar inferior a dois salários mínimos, quenão têm acesso à moradia nas áreasperiféricas mais tradicionais e mesmo emfavelas consolidadas, sendo obrigadas aresidirem nas franjas e interstícios urbanosmais precários, geralmente em áreas derisco ambiental, com péssimos indicadoressociais e sanitários (TORRES e MARQUES,2001).

O nível dos problemas sociais e am-bientais de determinadas áreas é impres-sionante, superpondo, em termos espaciais(e sociais), os piores indicadores socioeco-nômicos com riscos de enchentes e desliza-mentos de terra, um ambiente intensamentepoluído e serviços sociais (quando os há)extremamente ineficientes (TORRES et al.,2003, p. 5).

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Assim, em alguns espaços da periferia,verifica-se intensa concentração de indi-cadores negativos, que sugerem a presençade “pontos críticos” de vulnerabilidadesocial (e ambiental), revelando a existênciade uma espécie de periferia da periferia(TORRES e MARQUES, 2001).

Na Zona Leste de São Paulo, as áreasde risco ambiental (definidas como ossetores censitários localizados a até 100metros dos cursos d’água) apresentammaiores concentrações de população pobree de domicílios em precárias condiçõessanitárias (principalmente o acesso à redede esgoto), bem como proporções maiselevadas de crianças e adolescentes e defavelas. De fato, as condições precárias deurbanização e saneamento, vigentes naperiferia, fazem com que a residência emlocais próximos de cursos d’água impliqueexposição real a diversos riscos am-bientais, pois, além das enchentes (sazo-nais e com menor abrangência geográfica),há um contato direto com a água contami-nada e exposição a vetores de doenças deveiculação hídrica. Assim, no caso da ZonaLeste, constatou-se a existência de signi-ficativa correlação positiva entre exposiçãoa risco ambiental e pobreza (TORRES,1997).

Para Jacobi (1995), há uma relaçãodireta entre exposição a riscos ambientaise precariedade de acesso a serviçospúblicos. A própria ausência de infra-estrutura urbana (água, esgoto, coleta delixo, canalização de córregos, etc.) expõeas populações residentes nestas áreas ariscos ambientais, como as doenças deveiculação hídrica.

Portanto, há uma tendência de osgrupos de baixa renda residirem em áreascom más condições urbanísticas e sani-tárias e em situações de risco e degradaçãoambiental (como, por exemplo, terrenospróximos de cursos d’água e de lixões oucom alta declividade). A explicação maisgeral é que estas constituem as únicas áreasacessíveis à população mais pobre, sejaporque são áreas públicas e/ou depreservação (invadidas), seja porque trata-se de áreas muito desvalorizadas nomercado de terras, por serem pouco

propícias à ocupação, devido às caracte-rísticas de risco e à falta de infra-estruturaurbana (TORRES, 1997).

Nas duas últimas décadas, tambémtem ocorrido um forte processo de expansãoe periferização das favelas da RMSP,particularmente no município de São Paulo.As favelas em geral ocupam áreas públicasque, muitas vezes, localizam-se em fundosde vale e beiras de córregos, com risco deenchentes, ou em encostas com declivi-dades acentuadas, com alta propensão àerosão. Como a maioria dos domicílioslocalizados em favelas não possui rede deesgoto, em geral os dejetos têm comodestino o córrego mais próximo ou fossasrudimentares, que contaminam o lençolfreático, gerando alto risco sanitário epoluição dos mananciais hídricos (TORRESe MARQUES, 2002; TASCHNER, 2000).

A categoria vulnerabilidade

A noção de vulnerabilidade geralmenteé definida como uma situação em que estãopresentes três elementos (ou componen-tes): exposição ao risco; incapacidade dereação; e dificuldade de adaptação dianteda materialização do risco (MOSER, 1998).

Nos últimos anos, o termo vulnerabi-lidade social tem sido utilizado com certafreqüência por grupos acadêmicos eentidades governamentais da AméricaLatina. Esta incorporação da noção devulnerabilidade teve forte influência deorganismos internacionais, como as NaçõesUnidas, o Banco Mundial e o Bird. Parte davisibilidade dos estudos sobre vulnerabili-dade social deve-se a uma certa insatis-fação com os enfoques tradicionais sobrepobreza e com seus métodos de men-suração, baseados exclusivamente no nívelde renda monetária e em medidas fixas,como a linha de pobreza. Neste sentido, anoção de vulnerabilidade social, ao con-siderar a insegurança e a exposição a riscose perturbações provocadas por eventos oumudanças econômicas, daria uma visãomais ampla sobre as condições de vida dosgrupos sociais mais pobres e, ao mesmotempo, consideraria a disponibilidade derecursos e estratégias das próprias famílias

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para enfrentarem os impactos que as afetam(CEPAL, 2002; KAZTMAN et al., 1999).

Uma outra linha de análise sobrevulnerabilidade, desenvolvida principal-mente dentro da geografia, tem origem nosestudos sobre desastres naturais (naturalhazards) e avaliação de risco (riskassessment). Nesta perspectiva, avulnerabilidade pode ser vista como a inte-ração entre o risco existente em umdeterminado lugar (hazard of place) e ascaracterísticas e o grau de exposição dapopulação lá residente (CUTTER, 1994).Nas palavras de Cutter (1996, p. 533),“vulnerability is conceived as both abiophysical risk as well as a socialresponse, but within a specific area orgeographic domain”.

A noção de vulnerabilidade também temse tornado, nos últimos anos, um fococentral para as comunidades científicas demudança ambiental e sustentabilidade(IHDP, IGBP, IPCC1) e uma categoria analíticaimportante para instituições internacionais,como algumas agências das NaçõesUnidas (Pnud, Pnuma, FAO2) e o BancoMundial (KASPERSON e KASPERSON,2001). Uma questão bastante mencionada,por exemplo, é a vulnerabilidade emrelação aos recursos hídricos: escassez deágua potável; falta de saneamento; econtato com doenças de veiculação hídrica.A população pobre geralmente não temacesso a saneamento adequado (água eesgoto) e, muitas vezes, é forçada a residirem áreas expostas a altos níveis de poluiçãohídrica. Estima-se que 20% da populaçãomundial não tem acesso a água potável e50% não dispõe de saneamento adequado.Doenças de veiculação hídrica representamséria ameaça à saúde humana, princi-palmente para as crianças, que são as maisvulneráveis a estas doenças (IHDP, 2001).

Com relação à literatura brasileirasobre o tema, alguns autores desenvolvemuma discussão sistemática sobre o conceitode vulnerabilidade, procurando analisar a

utilização deste conceito em diferentesdisciplinas, principalmente na geografia ena demografia (MARANDOLA e HOGAN,2005; HOGAN e MARANDOLA, 2005).

O interesse dos geógrafos e dosdemógrafos tem confluído, principalmente,com preocupações mais recentes destesúltimos sobre as populações em situaçõesde risco. Ambos passam a ocupar-se deestudos sobre enchentes e deslizamentos,entre outras situações em que o ambiente,conjugado a fatores socioeconômicos,expõe as populações a riscos, sobretudonas cidades (MARANDOLA e HOGAN, 2005,p. 30).

Segundo esses autores, a demografia,à semelhança da geografia, tem trazido avulnerabilidade como conceito comple-mentar ao de risco. Neste sentido, o Grupode Trabalho sobre População e MeioAmbiente, da Associação Brasileira deEstudos Populacionais (ABEP), tem tidopapel fundamental no avanço conceitual emetodológico, no contexto da demografia,nos estudos sobre risco e vulnerabilidade.Um dos conceitos centrais abordados pelospesquisadores deste grupo foi o depopulações em situação de risco.

Torres (2000) discute teoricamente oconceito de risco ambiental, debatendosobre os problemas e as dificuldades parasua operacionalização. Para o autor, umdos aspectos mais relevantes diz respeitoà questão da cumulatividade de riscos dediferentes origens. Nesse sentido, as áreasde risco ambiental (próximas de lixões,sujeitas a inundações e desmoronamen-tos), muitas vezes, são as únicas acessíveisàs populações de mais baixa renda, queacabam construindo nesses locais do-micílios em condições precárias, além deenfrentarem outros problemas sanitários enutricionais.

Finalmente, também não se pode deixarde destacar as diferenças de abordagementre os estudos sobre vulnerabilidadesocial e aqueles a respeito da vulnerabi-

1 IHDP (International Human Dimensions Programme on Global Environmental Change); IGBP (International Geosphere-BiosphereProgramme); IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change).2 Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento); Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente);FAO (Food and Agriculture Organization).

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lidade ambiental. Na literatura maissociológica sobre o tema (MOSER, 1998;KAZTMAN et al., 1999), a vulnerabilidadesocial é analisada em relação a indivíduos,famílias ou grupos sociais. Já na geografiae nos estudos sobre riscos e desastresnaturais (CUTTER, 1994; 1996), a vulnerabi-lidade ambiental tem sido discutida emtermos territoriais (regiões, ecossistemas).Portanto, esta disparidade entre as duastradições de estudos sobre vulnerabilidade,em termos de escala e de tipo de objeto deanálise, deve ser considerada na constru-ção da noção de vulnerabilidade socioam-biental, a qual pretende integrar as duasdimensões – a social e a ambiental.

Assim, como decorrência destasdiferenças de escala e unidade de análise,utilizadas para medir a vulnerabilidade,colocam-se limitações importantes para aoperacionalização empírica da categoriavulnerabilidade socioambiental. No pre-sente trabalho, por exemplo, esta limitaçãodeve-se ao fato de que a informaçãoutilizada para medir a vulnerabilidadesocioambiental, cuja fonte são os resultadosdo universo do censo demográfico, estáagregada por área (setor censitário). Estaagregação impede que a análise davulnerabilidade seja feita na escala dasfamílias e domicílios, na tradição da sociolo-gia. Ou seja, na realidade, está sendoconsiderada a vulnerabilidade de áreas,onde se localizam estas famílias edomicílios. Porém, cabe enfatizar que nãoestamos medindo a vulnerabilidade doterritório, mas sim a da população residentenaquele território.

Tendo em vista esta breve revisão daliteratura, consideramos que a vulnerabi-lidade socioambiental é uma categoriaanalítica que pode expressar os fenômenos

de interação e cumulatividade entre situa-ções de risco e degradação ambiental(vulnerabilidade ambiental) e situações depobreza e privação social (vulnerabilidadesocial), apesar das limitações empíricaspara operacionalização destas categoriasanalíticas, conforme destacado acima.

Metodologia

Como já mencionado, o objetivo destetrabalho é operacionalizar a categoriavulnerabilidade socioambiental. Para tanto,foram construídos indicadores que repre-sentassem as dimensões dessa vulnera-bilidade: risco ambiental; degradaçãoambiental; e pobreza/vulnerabilidadesocial. Por razões metodológicas, ligadasà divulgação dos dados censitários agrega-dos por área (setor censitário), as unidadesde análise da vulnerabilidade socioam-biental são áreas, no caso os 13 mil setorescensitários do município de São Paulo.

Como foi dito, a metodologia geral dotrabalho é a construção de um sistema deinformação geográfica, através do qual sefaz a sobreposição da cartografia digital darede hidrográfica3 à malha digital dossetores censitários do município de SãoPaulo (Censo Demográfico 2000).4

Assim, para construir metodologica-mente o objeto de análise – as situações devulnerabilidade socioambiental –, sãorealizados alguns procedimentos, descritosa seguir. Em primeiro lugar, operacionaliza-se a categoria vulnerabilidade social,através da utilização dos dados do Mapa davulnerabilidade social da população dacidade de São Paulo (CEM-CEBRAP/SAS-PMSP, 2004).5

Esse Mapa classificou os mais de 13mil setores censitários do município de São

3 A cartografia da rede hidrográfica do município de São Paulo foi desenvolvida pelo CEM-Cebrap e possui uma escala bastantedetalhada (1:10.000), abrangendo todos os rios e represas de médio e grande portes e a maioria dos córregos do município. Atravésdesta cartografia, podemos identificar as áreas localizadas muito próximas e/ou às margens dos cursos d´água (rios, represas ecórregos), que estamos considerando como áreas de risco ambiental, ou seja, que apresentam risco de enchentes e/ou de contatocom doenças de veiculação hídrica.4 À malha dos setores censitários estão associadas todas as variáveis do Censo Demográfico de 2000, relativas ao questionário douniverso.5 Na operacionalização da categoria vulnerabilidade social, estamos cientes das limitações empíricas impostas pela agregaçãopor áreas dos dados do Censo 2000, utilizados para medir a vulnerabilidade social. Ou seja, no Mapa da vulnerabilidade social, asunidades espaciais de análise foram áreas (setores censitários) e não famílias e domicílios.

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Paulo em oito grupos de vulnerabilidadesocial, com base na combinação de umindicador de privação social com indica-dores demográficos, especialmente estru-tura etária.6

No presente trabalho, decidiu-se agre-gar os oito grupos de vulnerabilidade socialem três grandes grupos, denominados dealta, média e baixa vulnerabilidade social,reunindo aqueles com patamar semelhantede vulnerabilidade social. Se esta agrega-ção, por um lado, reduz a diversidade e ariqueza de situações de vulnerabilidadesocial, por outro, facilita muito a comparaçãoentre os grupos, além de simplificar ocruzamento posterior com as categorias devulnerabilidade ambiental.

Para operacionalizar a categoria vulne-rabilidade ambiental, foram construídos eanalisados indicadores ambientais, rela-tivos à proximidade de cursos d’água e àcobertura de esgoto. Assim, estão sendolevadas em conta duas dimensões davulnerabilidade ambiental: a exposição aorisco ambiental, que corresponde à resi-dência em áreas muito próximas de cursosd’água (a menos de 50 metros), repre-sentando risco de enchentes e doenças deveiculação hídrica;7 e a exposição àdegradação ambiental (ou má qualidadeambiental), que se refere à residência emáreas com baixa cobertura da rede de es-goto.8 Portanto, considera-se que a combi-nação destas duas dimensões compõe umasituação de vulnerabilidade ambiental.

Para efeitos metodológicos e analíticos,propõe-se uma tipologia bastante simples,

em que os setores censitários do municípiode São Paulo são classificados em quatrocategorias de vulnerabilidade ambiental,resultantes da combinação das duasdimensões – risco ambiental (proximidadedos cursos d’água) e degradação ambiental(baixa cobertura de esgoto).

Assim, foram definidas duas faixas derisco ambiental: alto, para as áreas (setorescensitários) localizadas a menos de 50metros dos cursos d’água; e baixo, paraaquelas situadas fora deste limite.9 Damesma forma, foram definidas duas faixasde degradação ambiental: alta, para asáreas (setores) com cobertura de esgotoabaixo de 50% dos domicílios; e baixa, paraaquelas com cobertura superior a 50% dosdomicílios.

A partir da combinação das variáveisproximidade de cursos d´água e coberturade esgoto, foram construídas quatrocategorias (ou faixas) de vulnerabilidadeambiental, ao nível do setor censitário:

• baixa vulnerabilidade ambiental(categoria 1 – baixo risco e baixa de-gradação ambiental) – mais de 50%da área do setor censitário fora damargem de 50 metros de cursod’água e cobertura de rede de esgotosuperior a 50% dos domicílios;

• média vulnerabilidade ambiental(categoria 2 – alto risco e baixa de-gradação ambiental) – mais de 50%da área do setor censitário dentro damargem de 50 metros de cursod’água e cobertura de rede de esgotosuperior a 50% dos domicílios;

6 De maneira muito resumida, descreve-se a seguir a metodologia de construção do Mapa da vulnerabilidade social. Inicialmente,foram selecionadas variáveis relevantes para a caracterização das múltiplas dimensões da vulnerabilidade social, tais como renda,escolaridade, condições de habitação e estrutura etária. Todas as variáveis foram selecionadas a partir dos resultados do universodo Censo Demográfico 2000. O conjunto inicial de variáveis selecionadas foi reduzido, através de análise fatorial (componentesprincipais), visando a construção de indicadores sintéticos que captassem a heterogeneidade de situações (de vulnerabilidadesocial) existentes no município de São Paulo. A análise fatorial produziu duas dimensões explicativas de vulnerabilidade – asocioeconômica e a demográfica. Para a construção do Mapa da vulnerabilidade social, os cerca de 13 mil setores censitários domunicípio de São Paulo foram classificados em oito grupos, através de uma análise de agrupamentos (cluster), a partir decombinações entre as dimensões demográfica e socioeconômica (CEM-CEBRAP/SAS-PMSP, 2004).7 Apesar de ser uma abordagem parcial, na qual está sendo considerado apenas um tipo de risco ambiental, acredita-se que aproximidade em relação a cursos d’água, principalmente quando analisada em conjunto com a cobertura de esgoto, pode trazerelementos importantes para a análise da vulnerabilidade ambiental na metrópole paulistana.8 Nestas áreas, as precárias condições sanitárias fazem com que o esgoto seja lançado diretamente nos cursos d’água ou emfossas, que poderão contaminar o lençol freático e posteriormente os cursos d’água.9 Mais especificamente, consideram-se de alto risco os setores censitários com mais de 50% de sua área dentro das margens de50 metros de cursos d’água, e de baixo risco aqueles com menos de 50% de sua área dentro destas margens de cursos d’água.

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• média vulnerabilidade ambiental(categoria 3 – baixo risco e altadegradação ambiental) – mais de50% da área do setor censitário forada margem de 50 metros de cursod’água e cobertura de rede de esgotoinferior a 50% dos domicílios;

• alta vulnerabilidade ambiental(categoria 4 – alto risco e alta de-gradação ambiental) – mais de 50%da área do setor censitário dentro damargem de 50 metros de cursod’água e cobertura de rede de esgotoinferior a 50% dos domicílios.

O método utilizado para classificar aexposição ao risco ambiental (ou seja, aproximidade e contigüidade dos setorescensitários aos cursos d’água) foi o cálculoda porcentagem da área do setor sobre-posta às margens de 50 metros dos cursosd’água.10 Para tanto, foram gerados buffers(faixas) de 50 metros nas duas margens detodos os cursos d’água e sobrepostos aossetores censitários do município de SãoPaulo. Com isso, pôde-se calcular o ta-manho e a porcentagem da área de cadasetor que estava (ou não) sobreposta àsmargens dos cursos d’água.11

A escolha da proximidade inferior a 50metros dos cursos d’água como parâmetropara definição de alto risco ambiental foifeita com base em dois critérios principais.Primeiro, procurou-se identificar as po-pulações residentes em áreas realmentepróximas de cursos d’água e que estão, defato, expostas aos riscos de enchentes e decontato direto com doenças de veiculaçãohídrica. De acordo com a literatura sobre otema, esta situação é típica de grande partedas favelas de São Paulo, que ocupam asvárzeas dos rios e córregos (fundos devale), por serem áreas com restrições à

ocupação por motivos geotécnicos ouambientais (TASCHNER, 2000).

Em segundo lugar, tomou-se comoreferência a regulamentação das Áreas dePreservação Permanente (APPs) do CódigoFlorestal (leis 4771/65, 7803/89 e 7875/89),que estabelece faixas de proteção ambientalao longo dos rios e de qualquer curso d’água.Conforme estas leis, não são permitidas asupressão de vegetação e a ocupaçãohumana ao longo de qualquer curso d’ água,em faixa marginal cuja largura mínima sejade trinta metros para os cursos d’água demenos de dez metros de largura e decinqüenta metros para os cursos d´água quetenham de dez a cinqüenta metros delargura. Assim, como a maioria dos cursosd’água existentes no município de São Paulopossui largura inferior a 50 metros,considerou-se que a proximidade de 50metros é adequada para expressar as áreascom restrições am-bientais à ocupação.

Por último, cabe ressaltar que estamosadotando critérios bastantes rígidos, naconstrução do indicador de vulnerabilidadeambiental (risco e degradação ambiental),ao considerarmos como critério de alto riscoa localização do setor censitário às margensde 50 metros dos cursos d’água e mais dametade da área do setor sobreposta a estasmargens, além da cobertura de esgotoinferior a 50% dos domicílios do setor, comocritério de alta degradação. Se tivéssemosadotado outros critérios (ou outras metodo-logias), provavelmente teríamos encontradoum maior volume populacional com altavulnerabilidade ambiental. Porém, comofoi dito, nosso objetivo neste trabalho éidentificar as áreas realmente críticas, comforte concentração de problemas e riscossociais e ambientais, e que devem ser alvoprioritário de políticas públicas sociais eambientais.

10 Poderiam ser utilizados outros métodos para estimar a população residente em áreas próximas de cursos d’água, tais como ométodo overlayer, que permite atribuir às áreas localizadas às margens de cursos d’água os dados dos setores censitários sobrepostosa elas, na proporção em que as áreas dos setores participam das áreas à beira dos cursos d’água. Porém, neste trabalho, optou-se por utilizar o setor censitário como unidade espacial de análise, o que permite localizar com mais facilidade e precisão as áreascríticas, com alta vulnerabilidade socioambiental, espalhadas pela malha urbana da metrópole paulistana.11 Para calcular as áreas dos setores censitários sobrepostas às margens dos cursos d´água, utilizou-se o software ESRIArcView 3.2.

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Os três grandes grupos de vulnerabili-dade social do município de São Paulo:análise comparativa dos indicadoressocioeconômicos e demográficos

No Mapa da vulnerabilidade social, osgrupos 1 e 2 (que aqui foram agregados nogrupo de baixa vulnerabilidade social)possuem as melhores condições de vidado município de São Paulo, englobandofamílias não-vulneráveis, ou seja, não-expostas à dimensão da privação socioeco-nômica e com baixa presença de criançase adolescentes. Os grupos 3, 4 e 6 (reunidosno grupo de média vulnerabilidade social)apresentam situações de baixa a médiaprivação social (CEM-CEBRAP/SAS-PMSP,2004).12

Os grupos 5, 7 e 8 do Mapa da vulnera-bilidade social foram agregados no grupode alta vulnerabilidade social. Os grupos 5e 8 possuem os piores indicadores so-cioeconômicos do município, além deconcentrarem os chefes de domicílio maisjovens e a maior presença de crianças. Ogrupo 7 apresenta indicadores socioeco-nômicos um pouco melhores do que osoutros dois, mas possui quase um terço de

chefes de domicílio mulheres com baixaescolaridade, além de grande presença deadolescentes (CEM-CEBRAP/SAS-PMSP,2004).

A agregação dos oito grupos do Mapada vulnerabilidade social, em três grandesgrupos de vulnerabilidade social (Tabela 1),resultou nos volumes populacionais apre-sentados a seguir. Nas áreas (setorescensitários) com alta vulnerabilidade social,residem mais de 3 milhões de pessoas, oque corresponde a 29,2% da população domunicípio de São Paulo, em 2000. Já na-quelas com média vulnerabilidade socialmoram 5,1 milhões de pessoas (48,4% dapopulação municipal), enquanto nas áreascom baixa vulnerabilidade social vivem 2,3milhões de pessoas, que representam22,1% dos habitantes do município, em200013 (ver Mapa 1 e Tabelas 1 e 2).

A comparação dos indicadores so-cioeconômicos e demográficos dos trêsgrandes grupos de vulnerabilidade socialmostrou as expressivas diferenças entreeles (Tabela 2).

Inicialmente, analisou-se o acesso aserviços públicos, no caso as condições desaneamento básico, para os três grandes

TABELA 1Correspondência entre os oito grupos do Mapa da vulnerabilidade social e os

três grandes grupos de vulnerabilidade social

Fonte: CEM-Cebrap, SAS-PMSP (2004).

12 No grupo 3, destacam-se presença de famílias idosas, baixa participação de crianças e adolescentes e indicadores razoáveis derenda e escolaridade. No grupo 6, com média-baixa privação social e famílias adultas, destaca-se a significativa presença demulheres responsáveis pelo domicílio pouco escolarizadas. Já o grupo 4 apresenta níveis médios de privação e alta concentraçãode jovens chefes de domicílio com baixa escolaridade (CEM-CEBRAP /SAS-PMSP, 2004).13 É importante reafirmar que os grupos de vulnerabilidade social referem-se a áreas e não a indivíduos ou domicílios. Assim, umdeterminado grupo de vulnerabilidade social corresponde a um conjunto de áreas (setores censitários) com característicassociodemográficas consideradas de alta, média ou baixa vulnerabilidade social. Ou seja, são áreas cujas característicassociodemográficas da população predominantemente ali residente são de alta, média ou baixa vulnerabilidade social.

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grupos (agregados de setores) de vulnera-bilidade social. Como mostram os indica-dores da Tabela 2, as diferenças entre ostrês grupos são muito pequenas em relaçãoàs coberturas da rede de abastecimento deágua e da coleta de lixo, mas o mesmo nãopode ser dito no que se refere à coberturade esgoto. Enquanto nas áreas de baixa emédia vulnerabilidade social, os porcen-tuais médios de domicílios ligados à redede esgoto são de, respectivamente, 95,3%e 93,6%, no grupo de alta vulnerabilidadesocial este porcentual é de apenas 67,4%,o que aponta para uma baixa cobertura deesgoto em muitos setores censitários desteúltimo grupo.

As diferenças nos indicadores de esco-laridade também são bastante expressivasentre os três grandes grupos de vulnera-bilidade social. Enquanto a porcentagemmédia de responsáveis pelo domicílio com

baixa escolaridade (até três anos de estudo,inclusive os sem instrução) é de apenas5,8% no grupo de baixa vulnerabilidadesocial, nas áreas de média vulnerabilidadesocial esta porcentagem é de 16,9%, atin-gindo expressivos 30,9% naquelas de altavulnerabilidade.

As diferenças de escolaridade entre ostrês grandes grupos podem ser sintetizadasno número médio de anos de estudo dochefe de domicílio. Se no grupo de baixavulnerabilidade social esse número chegaa 11,3 anos, e no de média vulnerabilidadesocial é de 7,2 anos, no grupo de altavulnerabilidade social é de apenas 5,2 anosde estudo (Tabela 2).

Se os indicadores de escolaridade sãobastante contrastantes entre os três grandesgrupos de vulnerabilidade social, os indica-dores de renda são ainda mais contras-tantes. No grupo de baixa vulnerabilidade

MAPA 1Setores censitários classificados segundo três grandes grupos de vulnerabilidade social

Município de São Paulo – 2000

Fonte: CEM-Cebrap, SAS-PMSP (2004); IBGE, Malha digital dos setores censitários do município de São Paulo (censo 2000).

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social, apenas 16,2% dos chefes de domi-cílio possuem baixa renda (até três saláriosmínimos mensais, inclusive os sem renda),contra 39,4% no grupo de média vulnera-bilidade social e 64,2% no de alta.14

Estas diferenças na distribuição dasfaixas de rendimento refletem-se na rendamédia do chefe por grupo de vulnera-bilidade social. Enquanto a renda médiamensal dos chefes de domicílio residentesem áreas de baixa vulnerabilidade social éde 2.979 reais (19,7 salários mínimos em

2000), naquelas de média vulnerabilidadesocial corresponde a 937 reais (6,2 saláriosmínimos) e nas de alta vulnerabilidadesocial equivale a apenas 450 reais (menosde três salários mínimos). Ou seja, a rendamédia de um chefe de domicílio residenteem um setor censitário do grupo de baixavulnerabilidade social é mais de seis vezessuperior àquela de um chefe de domicíliodo grupo de alta vulnerabilidade social.

Com relação à estrutura etária dapopulação, a proporção de crianças de zero

TABELA 2Indicadores socioeconômicos e demográficos, por grupo de vulnerabilidade social

Município de São Paulo – 2000

14 Por outro lado, a proporção de chefes ganhando acima de cinco salários mínimos (755 reais em 2000) é de 73,8% no grupo debaixa vulnerabilidade social, 39,9% no de média e apenas 15,6% no grupo de alta vulnerabilidade social.

Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000; CEM-Cebrap, SAS-PMSP (2004).

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a quatro anos de idade varia bastanteentre os três grandes grupos: 5,9% no debaixa vulnerabilidade social; 7,3% no demédia; e 11,5% no de alta vulnerabilidadesocial.15

Por outro lado, a participação de idosos(65 anos ou mais) na população apresentapadrão inverso: nos grupos de baixa e demédia vulnerabilidade social, eles corres-pondem a, respectivamente, 10,1% e 7,8%dos habitantes; e, no de alta vulnerabilidadesocial, são apenas 2,6% da população.

Em síntese, cabe enfatizar que a agre-gação em três grandes grupos de vulnerabi-lidade social explicitou a existência de umexpressivo contingente populacional, demais de 3 milhões de pessoas (29% dapopulação do município de São Paulo),vivendo em áreas com alta vulnerabilidadesocial. A análise comparativa mostrou queeste grupo apresenta condições socioeco-nômicas muito piores, além de uma estrutu-ra etária bem mais jovem, do que os demaisgrupos de vulnerabilidade social.

As quatro categorias de vulnerabilida-de ambiental: análise comparativa dosindicadores socioeconômicos edemográficos

Nesta parte do trabalho, os setorescensitários do grupo de alta vulnerabilidadesocial são classificados, de acordo com asquatro categorias de vulnerabilidadeambiental apresentadas na metodologia, asquais foram construídas com base em in-

dicadores de risco e degradação ambiental,mais precisamente da combinação dasvariáveis relativas a proximidade de cursosd’água e cobertura de esgoto.

Portanto, neste trabalho, analisa-se avulnerabilidade ambiental apenas no âm-bito do grupo de alta vulnerabilidade social.Como dito anteriormente, o objetivo é iden-tificar e caracterizar as situações (áreas) desobreposição ou coexistência espacialentre vulnerabilidade social e risco/degra-dação ambiental, denominadas aqui de si-tuações de vulnerabilidade socioambiental.16

A população residente em áreas (seto-res censitários) de alta vulnerabilidadesocial distribui-se da seguinte maneira entreas quatro categorias de vulnerabilidadeambiental: 60,1% (1,8 milhão de pessoas)residem em áreas com baixa vulnerabilidadeambiental (categoria 1 – alta cobertura deesgoto e fora da margem de curso d’água);8,9% (272 mil pessoas) vivem em áreas commédia vulnerabilidade ambiental (categoria2 – alta cobertura de esgoto e à margem decurso d’água); 20,1% (611 mil pessoas) re-sidem em áreas com média vulnerabilidadeambiental (categoria 3 – baixa cobertura deesgoto e fora da margem de curso d’água);e 10,9% (331 mil pessoas) moram em áreascom alta vulnerabilidade ambiental (categoria4 – baixa cobertura de esgoto e à margemde curso d’água)17 (Tabela 3 e Mapa 2).18

A seguir, comparam-se os indicadoressocioeconômicos e demográficos das qua-tro categorias de vulnerabilidade ambiental(Tabela 3).

15 Já a proporção de crianças e jovens de zero a dezenove anos de idade é de 25,2% no grupo de baixa vulnerabilidade social, 32,1%no de média, atingindo expressivos 43,2% no de alta vulnerabilidade social.16 Além disso, a vulnerabilidade ambiental (em relação à proximidade de cursos d’água e à cobertura de esgoto) é pouco presentenos grupos de baixa e de média vulnerabilidade social. Ou seja, outro motivo para centrar a análise apenas no grupo de altavulnerabilidade social é o fato de a vulnerabilidade ambiental (conforme definimos) estar muito mais presente neste grupo do quenaqueles de média e de baixa vulnerabilidade social. Assim, no grupo de alta vulnerabilidade social, 40% da população reside emáreas com média ou alta vulnerabilidade ambiental. Já nos grupos de média e de baixa vulnerabilidade social, essas proporçõessão de, respectivamente, 7,9% e 10%.17 Cabe ressaltar que estes valores referem-se a 2000, sendo que provavelmente ocorreram mudanças na distribuição porcentualda população entre os grupos de vulnerabilidade ambiental. As situações de vulnerabilidade (social e ambiental) são extremamentedinâmicas, sendo importante uma perspectiva temporal na análise das áreas ou grupos sociais mais vulneráveis, para efeito deformulação e implementação de políticas públicas. Porém, devido a limitações decorrentes da fonte de dados utilizada (censodemográfico), a análise aqui empreendida é estática, pois se refere a um único ponto no tempo (ano 2000).18 O Mapa 2 mostra apenas um “zoom” da porção nordeste da Zona Leste, para que as áreas de alta vulnerabilidade socioambientalpossam ser visíveis, pois são setores com dimensões territoriais reduzidas. Se fosse apresentado um mapa com todo o municípiode São Paulo, estas áreas não seriam visíveis. Porém, cabe reafirmar que os dados referem-se a todo o município de São Paulo,e não apenas à Zona Leste.

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Como a cobertura de esgoto do setorcensitário (porcentagem de domicílios li-gados à rede) foi um dos critérios para a defi-nição das quatro categorias de vulnerabi-lidade ambiental, é possível observar umapolarização entre, de um lado, as faixas de

média (categoria 2) e baixa vulnerabilidadeambiental e, de outro lado, as faixas de média(categoria 3) e de alta vulnerabilidadeambiental. Enquanto nas duas primeirascategorias citadas as coberturas de esgotosão de, respectivamente, 88,6% e 92,5%, nas

MAPA 2Setores classificados segundo quatro categorias de vulnerabilidade ambiental

Parte da Zona Leste do Município de São Paulo – 2000

Fonte: CEM-Cebrap. Cartografia digital da rede hidrográfica de São Paulo; IBGE. Malha digital dos setores censitários do municípiode São Paulo; CEM-Cebrap, SAS-PMSP (2004).

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duas últimas categorias as coberturas sãode 14,1% e 12,6%, respectivamente.

Com relação aos indicadores de rendae escolaridade, como já visto anteriormente,os níveis são bastante baixos no grupo dealta vulnerabilidade social. Porém, nestegrupo, há uma significativa variação entreas categorias de vulnerabilidade ambiental,principalmente entre os dois extremos (altae baixa).

Assim, enquanto nas áreas clas-sificadas na categoria de baixa vulne-rabilidade ambiental (alta cobertura deesgoto e fora da margem de curso d’água),em média, 28,3% dos chefes de domicíliopossuem baixa escolaridade (até três anosde estudo), naquelas de alta vulnera-bilidade ambiental (baixa cobertura deesgoto e à margem de curso d’água) estaproporção chega a 37,7% (Tabela 3).19

TABELA 3Indicadores socioeconômicos e demográficos, por categoria de vulnerabilidade ambiental

Município de São Paulo – 2000

Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000; CEM-Cebrap, Cartografia digital da rede hidrográfica de São Paulo.(1) Distribuição relativa apenas ao conjunto de setores censitários do grupo de alta vulnerabilidade social.

19 Já nas faixas intermediárias de vulnerabilidade ambiental, o porcentual médio de chefes com baixa escolaridade é de 31,7%(categoria 2 – alto risco e baixa degradação ambiental) e 34,6% (categoria 3 – baixo risco e alta degradação ambiental).

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Nos indicadores de renda, tambémobserva-se considerável variação entre asfaixas de vulnerabilidade ambiental. Aconcentração de chefes de domicílio combaixa renda (até três salários mínimos,inclusive os sem renda) é significativa-mente mais elevada nas áreas de altavulnerabilidade ambiental (73,4%) do quenaquelas com baixa vulnerabilidadeambiental (60,7%).

Estas diferenças se refletem numasignificativa variação da renda média doresponsável pelo domicílio entre as cate-gorias de vulnerabilidade ambiental.Enquanto nos setores censitários de baixavulnerabilidade ambiental a renda médiamensal do chefe de domicílio chega a 486reais (3,2 salários mínimos em 2000), nossetores de alta vulnerabilidade ambientalalcança apenas 355 reais (2,3 saláriosmínimos) (Tabela 3).

Com relação à estrutura etária da popu-lação, as diferenças entre as faixas devulnerabilidade ambiental também sãosignificativas. Nas áreas de alta vulnera-bilidade ambiental, a concentração decrianças de zero a quatro anos de idadechega a 13,2% da população, enquanto nasáreas de baixa vulnerabilidade ambientalé de 10,8%.20 Como se sabe, as criançasde zero a quatro anos são as mais vulne-ráveis a doenças de veiculação hídrica, oque reforça a situação de vulnerabilidadesocioambiental das áreas à beira doscursos d’água e com baixa cobertura deesgoto.

A proporção de idosos (65 anos oumais) também varia significativamente entreas categorias de vulnerabilidade ambiental,correspondendo a 3% da população nasáreas de baixa vulnerabilidade ambiental

e a apenas 1,8% naquelas de alta vulne-rabilidade (Tabela 3).

Em resumo, os resultados mostram queas áreas (setores censitários) com altavulnerabilidade ambiental possuem condi-ções socioeconômicas significativamentepiores, além de maior concentração decrianças e jovens, do que aquelas com baixae mesmo com média vulnerabilidadeambiental. Algumas possíveis explicaçõespara esta elevada concentração deproblemas e riscos sociais e ambientais,nestas áreas de alta vulnerabilidadeambiental, são discutidas a seguir.

Uma primeira explicação está ligada aofato de que as áreas de risco e degradaçãoambiental, muitas vezes, são as únicasacessíveis à população de mais baixarenda, por serem muito desvalorizadas nomercado de terras, devido às característicasde risco e falta de infra-estrutura urbana.

Outra possível explicação é que estasáreas são consideradas impróprias, pelaslegislações urbanística e ambiental, paraocupação urbana, seja por ofereceremrisco ambiental, seja porque são Áreas dePreservação Permanente (Código Florestal,leis 4771/65, 7803/89 e 7875/89). Nestecaso, na maioria das vezes, são áreas(públicas ou privadas) invadidas, em geralpor assentamentos precários, que seconfiguram como áreas de favela.21

Para verificar a “hipótese” de que asáreas com alta vulnerabilidade ambientalcorrespondem, muitas vezes, a favelas,vamos comparar os porcentuais de po-pulação residente em setores subnormais(áreas de favela segundo definição doIBGE22), por categoria de vulnerabilidadeambiental. Nas áreas (conjunto de setorescensitários) de baixa vulnerabilidade

20 Já o porcentual de crianças e jovens de zero a 19 anos varia de 41,8% nas áreas de baixa vulnerabilidade ambiental a 46,6%naquelas de alta vulnerabilidade ambiental.21 Assim, por um lado, as legislações urbanística e ambiental limitam o acesso a algumas áreas do ponto de vista de sua utilizaçãoprivada, induzindo inadvertidamente à ocupação das áreas à beira de cursos d’água por parte dos grupos de baixa renda. Por outrolado, o mercado de terras faz com que as áreas de risco ambiental (como as à beira de cursos d’água), muitas vezes, sejam asúnicas acessíveis às populações de mais baixa renda (TORRES, 1997; 2000).22 Setores especiais de aglomerado subnormal é a denominação do IBGE para áreas de favela, sendo definidos como “conjuntoconstituído por um mínimo de 51 domicílios, ocupando ou tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade alheia(pública ou particular), dispostos, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria, de serviços públicosessenciais” (CEM-CEBRAP/SAS-PMSP, 2004, p. 32).

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ambiental, apenas 15,9% da populaçãoreside em setores subnormais. Nas áreasde média vulnerabilidade ambiental, asporcentagens de pessoas residentes emsetores subnormais são ligeiramentesuperiores a um terço da população (34,9%na categoria 2 e 35,9% na categoria 3). Jánas áreas de alta vulnera-bilidade ambiental,a proporção de popula-ção residente emsetores subnormais é de nada menos que70,1% (Tabela 3).

Assim, a maioria das áreas de altavulnerabilidade ambiental (e social) domunicípio de São Paulo corresponde aáreas de favela (definição do IBGE).23

Portanto, acreditamos que grande parte doesforço de planejamento e de formulaçãode políticas públicas para redução davulnerabilidade socioambiental deveriaestar concentrada na política habitacional,principalmente nas políticas de urbanizaçãode favelas (TASCHNER, 2000).24

Considerações finais

Neste trabalho, procurou-se operacio-nalizar a categoria vulnerabilidade socio-ambiental, através da construção deindicadores ambientais, na escala maisdesagregada possível (setores censitários),utilizando métodos e técnicas de geopro-cessamento. Assim, identificando-sepreviamente as áreas com alta vulnerabi-lidade social, foi utilizada uma metodologiapara construir um indicador de vulnerabilida-de ambiental para estas áreas, formado pelacombinação de variáveis de exposição aorisco e à degradação ambiental.

Neste sentido, a metodologia aquiutilizada está mais próxima da tradição dageografia (CUTTER, 1994; 1996), poranalisar a vulnerabilidade socioambientalao nível de áreas. Por outro lado, estetrabalho também procura dialogar com osestudos dos sociólogos sobre vulnera-bilidade social (MOSER, 1998; KAZTMAN

et al., 1999), apesar das limitaçõesempíricas decorrentes da utilização deáreas como unidades de análise. Alémdisso, este trabalho dialoga bastante com atradição do Grupo de Trabalho de Po-pulação e Meio Ambiente da ABEP, quedesenvolveu e operacionalizou o conceitode populações em situação de risco, o qualrepresentou um avanço conceitual nosestudos de risco, no contexto da demografia(TORRES, 2000; MARANDOLA e HOGAN,2005).

Com relação aos resultados do pre-sente trabalho, verificou-se que, no interiordo grupo de alta vulnerabilidade social,existem diferenças significativas nascondições socioeconômicas e demográ-ficas, relacionadas às diversas categoriasde vulnerabilidade ambiental. Assim, emalgumas áreas, a vulnerabilidade social éagravada por situações de risco e degra-dação ambiental. Além disso, as áreas comalta vulnerabilidade ambiental apresentamcondições socioeconômicas significativa-mente piores, além de maior concentraçãode crianças e jovens, do que aquelas commenor grau de vulnerabilidade ambiental,o que revela a existência de áreas críticas,onde ocorre uma forte concentração deproblemas e riscos sociais e ambientais.Criam-se assim situações em que justa-mente os grupos sociais com maiores níveisde pobreza e privação social (e portantocom menor capacidade de reação àssituações de risco) vão residir nas áreascom maior exposição ao risco e à degrada-ção ambiental, configurando-se situaçõesde alta vulnerabilidade socioambiental.

Esta sobreposição ou cumulatividade deriscos e problemas sociais e ambientaisrepresenta um grande desafio para aspolíticas públicas, que, na maioria das vezes,são compartimentalizadas segundo áreas deintervenção setorial. Neste sentido, estetrabalho pode trazer subsídios relevantespara o planejamento de políticas públicas,

23 Assim, apesar de a população residente em áreas de alta vulnerabilidade ambiental representar apenas 11% da população dogrupo de alta vulnerabilidade social, ela corresponde a quase 30% da população favelada deste grupo.24 Porém, cabe destacar que a mera remoção desta população favelada não resolve o problema, pois, em geral, apenas deslocaesta população para áreas periféricas distantes e muitas vezes sem serviços e infra-estrutura urbana, gerando assim novas situaçõesde vulnerabilidade socioambiental.

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ao identificar e caracterizar as áreas críticas,com alta vulnerabilidade social e ambiental,as quais poderiam ser alvo de políticasfocalizadas, obtendo-se resultados bastantesignificativos na redução da vulnerabilidade,tendo em vista que o número de famíliasresidentes nas áreas de maior vulnerabi-lidade socioambiental não é tão grande.

Como mencionado anteriormente, apolítica habitacional e, principalmente, aspolíticas de urbanização de favelas pode-riam ter grande eficácia na redução das

situações de alta vulnerabilidade socioam-biental, no município de São Paulo, umavez que a maioria das áreas nesta situaçãoé de favelas. Além disso, seria muitoimportante que as diversas políticas públi-cas que lidam com as situações de vulne-rabilidade socioambiental (políticas dehabitação, saneamento e meio ambiente)fossem formuladas (e implementadas)conjuntamente e de maneira integrada,levando em conta a distribuição desigualdestas situações no espaço urbano.

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Abstract

Socio-environmental vulnerability in the Metropolis of São Paulo, Brazil: a socio-demographicanalysis of spatial coexistence of social and environmental risks and problems

The objective of this article is to identify and analyze population groups living in situations ofsocio-environmental vulnerability in São Paulo, by constructing environmental indicators on adisaggregated scale. We define socio-environmental vulnerability as the spatial coexistenceof high social vulnerability together with areas of environmental risk and deterioration. Themethodology is based on a Geographical Information System (GIS) that provides informationon the network of waterways and the layers of the census tracts in the municipality of SãoPaulo. We first identify the census tracts that show high social vulnerability, using a SocialVulnerability Map (CEM-CEBRAP / SAS-PMSP, 2004). Next we select the census tracts thatare near watercourses, have low sewage treatment, and are near areas with high environmentalvulnerability. The results show significant differences in socioeconomic and demographicconditions among the various categories of environmental vulnerability.

Key words: Socio-environmental vulnerability. Environmental risk. Socio-environmentalindicators. Social vulnerability. Metropolis of São Paulo. Population groups at risk. Geographicinformation systems.

Recebido para publicação em 16/12/2005.Aceito para publicação em 17/03/2006.