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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Estefânia Portomeo Cançado Lemos
O corpo “antes e depois”: uma análise dos processos de
subjetivação através das narrativas testemunhais nas Redes de
Comunicação Digital
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2017
Estefânia Portomeo Cançado Lemos
O corpo “antes e depois”: uma análise dos processos de
subjetivação através das narrativas testemunhais nas Redes de
Comunicação Digital
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do Prof. Doutor Rogério da Costa.
São Paulo
2017
Estefânia Portomeo Cançado Lemos
O corpo “antes e depois”: uma análise dos processos de
subjetivação através das narrativas testemunhais nas Redes de
Comunicação Digital
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do Prof. Doutor Rogério da Costa.
Aprovada em: _____________________
Banca Examinadora:
Prof. Dr. ________________________________________________________
Instituição: __________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________
Instituição: __________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________
Instituição: __________________ Assinatura: __________________________
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura: ______________________________________________________ Data: 30/06/2017 E-mail: [email protected]
L48
Lemos, Estefânia Portomeo Cançado
O corpo “antes e depois”: uma análise dos processos de subjetivação através das narrativas testemunhais nas Redes de Comunicação Digital / Estefânia Portomeo Cançado Lemos. – São Paulo: [s.n.], 2017.
119 p. ; 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Rogério da Costa
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) -- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica, 2017.
1. Biopolítica. 2. Subjetividade. 3. Corpo. I. Lemos, Estefânia Portomeo Cançado. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. III. Título.
CDD 302.2
À memória de meu avô Manoel Beraldo Lemos.
Que partiu sem poder ver este trabalho concluído, e que uma de suas últimas ações
foi ler meu projeto de ingresso nesse programa.
Dedico não somente essa pesquisa, mas também as mais belas lembranças e
ensinamentos que tenho seus, meu avô, que sempre se orgulhava de cada passo meu, que
incentivava a busca pelo conhecimento e o gosto pela ciência.
A pessoa que mais celebrava a vida, o amor e a união da família.
A emoção e a saudade tomam-me diante das fotografias que ficaram.
Saudades eternas.
A imagem arde: inflama-se, consome-nos em retorno. O fogo com que arde a imagem abre sem dúvida buracos persistentes, mas é ele próprio passageiro, tão frágil e discreto como o fogo que queima a falena que se aproxima demasiado da sua vela. A imagem é muito mais do que um simples recorte praticado no mundo dos aspectos possíveis. É uma marca, um sulco, um rasto visual do tempo que ela quis tocar [...]. É cinza misturada, mais ou menos quente, de vários braseiros. Assim arde a imagem. Arde por causa do real de que ela, a um dado momento, se aproximou [...]. Arde por causa da dor de onde provém, e que transmite a quem quer que tome o tempo de ela se apagar. Enfim, a imagem arde por causa da memória, o que significa que ela arde ainda, mesmo quando já não é senão cinza (DIDI-HUBERMAN, 2004).
AGRADECIMENTOS
A Deus por me dar forças.
Agradeço aos meus pais, Eberth e Bianca, que acreditaram em mim e me
apoiaram sem medir esforços para a realização deste projeto.
Ao meu irmão Augusto e familiares pela compreensão e carinho de sempre
nessa fase.
Ao meu tio Dener pelo apoio durante esse período.
Aos professores doutores José Luiz Aidar Prado, Oscar Angel, Lúcia
Santaella, Ivo Ibri e Cristiane Greiner, pelos ensinamentos, reflexões e dedicação
nas aulas. Certamente foram grandes inspirações, e seus ensinamentos levarei para
o resto da vida.
À professora doutora Lúcia Leão, pela dedicação e ensinamentos em aula,
que foram de grande importância no desenvolvimento e evolução da minha
pesquisa.
Ao meu orientador Rogério da Costa, pelas orientações e grandes reflexões
em aula, por ter me ensinado que o mestrado é um momento de liberdade e que
devemos fazer aquilo que acreditamos.
Aos amigos da PUC, pela troca de experiências e aprendizados nos trabalhos
em grupo, que fizeram dessa jornada menos solitária. Obrigada pela amizade e
companhia: Sharine Machado, André Fogliano, Ana Catarina Holtz, Francisco
Trento, Jessica Oliveira, Viviana Coletty, Darlan Santos, Eliane Washington, Aline
Antunes, Rogério Murback, Marcia Fusaro, Alberto Cabral, Monica Allan, Pedro
Taam Caio D’Carvalho, Edu Fontes, Paula Guimarães, Valéria Aprobato, Mirian
Meliani, Patricia Assuf Nechar, Erika Almeida, Heron Ledon, Vanessa Lopes,
Vanessa Rozan, Alessandra Barros, Victor Sancassani, Janaina Oliveira, Rafael
Augusto, Victor Marques, Fabrício Franco, Osmar Guerra.
Para Gabriel Deggerone, pela grande amizade que ganhei durante essa
jornada, uma das pessoas mais incríveis que conheci. Muitas de nossas conversas e
reflexões se tornaram ideias nesse trabalho.
Para Fabrício Augusto, meu estagiário, pela paciência de ouvir e ler meu
projeto. Obrigada pela amizade e por me ajudar nos momentos que precisei de
você.
Para Thiago Silva, por todas as noites de conversa e apoio principalmente
nas últimas etapas dessa jornada, desde a indicação de playlists inspiradoras e por
tantas vezes ser consultor, revisor e conselheiro. Muitas das palavras neste trabalho
foram frutos de nossas conversas. Certamente, um dos melhores amigos que
ganhei, palavras não são suficientes para agradecer.
A todos os funcionários da PUC-SP, por toda atenção e atendimento nessa
jornada. Especialmente a Cida Bueno, secretária da Pós-graduação em
Comunicação e Semiótica pela paciência, que me auxiliou e direcionou com muito
carinho em todos os processos do mestrado.
Lemos, Estefânia Portomeo Cançado. O corpo “antes e depois”: uma análise dos processos de subjetivação através das narrativas testemunhais nas Redes de Comunicação Digital. 2017. 119 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.
RESUMO
O foco da nossa pesquisa é a análise crítica das dimensões que permeiam os processos de subjetivação e o mapeamento da produção de imagens do corpo, autenticadas através da narrativa testemunhal nas redes de comunicação digital. Partimos da ideia de que a produção de fotografias do corpo na condição de um “antes e depois”, vista nas redes de comunicação digital, sobretudo, representam a confissão pública de uma circunstância que envolve superação e conquista. Observa-se que o corpo, atualmente, tem sido objeto de discussão frequente no universo das mídias e que essas narrativas são baseadas em uma cultura de valores e discursos que assumem um caráter imperativo e pregam a conquista e o medo de perder a felicidade e a autoestima. Entretanto, nas mídias digitais, é possível identificar outras formas de subjetivação, um contradiscurso, que foge às normatizações que regem o corpo idealizado e defende a valoração do próprio corpo e sua subjetividade. Diante disso, buscamos compreender como se desenvolveram essas narrativas testemunhais na publicidade e seu impacto na cultura contemporânea, os imperativos e valores atuais que intimam a exibição das subjetividades e que podem levar a novos processos de subjetivação, como a transformação em produto midiático. Para tal, o material utilizado se constitui de imagens referentes a usuários comuns e de pessoas consideradas influencers digitais e também publicações em comunidades virtuais que tratam dos temas de saúde e fitness. A pesquisa tem como referencial teórico: a análise dos modos de subjetivação e as estratégias de controle na sociedade (Foucault e Deleuze); fases do consumo (Lipovetsky); dispositivos comunicacionais (Prado); redes sociais (Costa); política das imagens (Debord e Rancière), construção da subjetividade (Pelbart); imperativos contemporâneos e exibição midiática (Freire Filho e Sibilia). A metodologia é composta por revisão bibliográfica; coleta, seleção e análise de documentos das redes sociais. Fundamentada na ideia da imagem do corpo nos espaços de comunicação, a pesquisa demonstra a importância da construção de novas políticas de subjetivação. Concluímos nossa investigação constatando a criação de um imaginário heroico nas narrativas testemunhais como resultado dos processos que levam a um novo modelo antropológico social decorrente das forças contemporâneas do biopoder e dos imperativos do capitalismo atual, e que a subjetividade, mesmo transformada e desenraizada pelo capital, resiste às suas capturas, exibindo as mais diversas formas de ser e em direções mais inesperadas: em aspectos até inéditos de socialidade, de resistência e de implicação com o presente.
Palavras-chave: biopolítica; subjetividades; corpo.
Lemos, Estefânia Portomeo Cançado. O corpo “antes e depois”: uma análise dos processos de subjetivação através das narrativas testemunhais nas Redes de Comunicação Digital. 2017. 119 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.
ABSTRACT
The focus of our research is the critical analysis of the dimensions that permeate the processes of subjectivation and the mapping of the production of authenticated body images through the testimonial narrative in digital communication networks. We start from the idea that the production of photographs of the body in the condition of a "before and after", seen in the networks of digital communication, above all, represent the public confession of a circumstance that involves overcoming and conquest. It is observed that the body today has been the subject of frequent discussion in the universe of the media and that these narratives are based on a culture of values and discourses that assume an imperative character and preach conquest and fear of losing happiness and self-esteem . However, in digital media, it is possible to identify other forms of subjectivation, a counter-discourse, that evades the norms that govern the idealized body and defends the valuation of the body itself and its subjectivity. In the light of this, we seek to understand how these narrative witnesses in advertising and its impact on contemporary culture have developed, the imperatives and current values that intimate the exhibition of subjectivities and that can lead to new processes of subjectivation, such as the transformation into media product. To do this, the material used consists of images referring to ordinary users and people considered digital influencers and also publications in virtual communities dealing with health and fitness themes. The research has as theoretical reference: the analysis of modes of subjectivation o and control strategies in society (Foucault and Deleuze), consumption phases (Lipovetsky), communication devices (Prado); Social networks (Coast); Politics of images (Debord and Rancière), construction of subjectivity (Pelbart), contemporary imperatives and mediatic display (Freire Filho and Sibilia). The methodology is composed by bibliographic review; Collection, selection and analysis of social media documents. Based on the idea of the image of the body in the spaces of communication, research demonstrates the importance of the construction of new policies of subjectivation. We conclude our investigation by establishing a heroic imaginary in the witness narratives as a result of the processes that lead to a new social anthropological model resulting from the Contemporary forces of biopower and the imperatives of present-day capitalism and that subjectivity, even transformed and uprooted by capital, resists its captures by exhibiting the most diverse forms of being and in more unexpected directions: in unpublished aspects of sociality, resistance and implication as a gift. Keywords: biopolitics; subjectivities; body.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mestres de Cerimonias (2016) de Bárbara Wagner ................................... 18
Figura 2: TRUE TO SIZE - Fiel ao Tamanho (2015-2016), de Heather Phillipson .... 19
Figura 3: Foto de Gilbert Seehausen (1934), para a marca Lady Esther - pó facial
Face Powder. ............................................................................................................ 24
Figura 4: “Shering de Urotropina” o maior desinfectante das vias urinárias..............29 Figura 5: Super Depurativo Luetyl para “reumatismo” ............................................... 30
Figura 6: “Antes: fraco e desanimado, um imprestável. Hoje: cheio de saúde e vigor
graças ao Biotônico Fontoura” (1931) ....................................................................... 32
Figura 7: Cena primeiro episódio Mad Man - “Smoke Gets In Your Eyes”, fala 1 ..... 34
Figura 8: Cena primeiro episódio Mad Man - “Smoke Gets In Your Eyes”, fala 2 ..... 35
Figura 9: Cena Black Mirror: Episódio “Queda livre” – 1º episódio, 3º temporada .... 46
Figura 10: Exemplos de anúncios que circulam no facebook sobre saúde e beleza.
.................................................................................................................................. 55
Figura 11: Exemplos de anúncios que circulam no facebook sobre estilo de vida e
emagrecimento .......................................................................................................... 56
Figura 12: Resultado da busca pelas hashtags #minhamelhorversão e #bestself
realizada no dia 08 de maio de 2017, na rede social Instagram. .............................. 60
Figura 13: Resultado da busca pelas hashtags #minhamelhorversão e #bestself
realizada no dia 20 de maio de 2017, na rede social Instagram ............................... 61
Figura 14: Página do site Dicas de saúde ................................................................. 63
Figura 15: Pop-up Super Slim X .............................................................................. 64
Figura 16: Testemunho e história de emagrecimento com o uso do Super Slim X . 65
Figura 17: Vídeo atriz Monique Alfradique indicando Super Slim X ........................ 65
Figura 18: Mídias tradicionais que falam sobre o Super Slim X ................................ 66
Figura 19: Video youtube – Antes e depois da anorexia ........................................... 67
Figura 20: Publicações de Ronni Coleman em seu Instagram .................................. 68
Figura 21: Alerta do Instagram ao buscar pelo tema “anorexia”................................ 69
Figura 22: Blog Gabriela Pugliesi – “Tudo sobre mim” .............................................. 72
Figura 23: Página Inicial Facebook ........................................................................... 90
Figura 24: Página inicial Twitter ................................................................................ 91
Figura 25: Perfil e foto “antes e depois” Gabriela Pugliesi em seu Instagram ........... 93
Figura 26: Perfil e fotos Beatriz Romano em seu Instagram ..................................... 94
Figura 27: Perfil e Foto “antes e depois” Lorena D’Aguila em seu Instagram ........... 95
Figura 28: Perfil comunitário no Instagram de fotos de “antes e depois” .................. 97
Figura 29: Perfil e fotos Morgan Mikenas em seu Instagram .................................... 99
Figura 30: Perfil Instagram Priscila Sanches ........................................................... 100
Figura 31: Fotos “antes e depois” Priscila Sanches no Instagram .......................... 101
Figura 32: Busca pela tag #nopainnogain no Instagram.........................................102
Figura 33: Fotos Priscila Sanches mostrando “truque” ........................................... 103
Figura 34: Perfil e foto “antes e depois” Miriam Bottan ........................................... 104
Figura 35: Foto Mirian Bottan mostrando “truque” ................................................... 105
Figura 36: Foto “antes e depois” Miriam Bottam ..................................................... 106
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................14
CAPITULO 1 – O VÍNCULO DA COMUNICAÇÃO E BIOPOLÍTICA........................17
1.1 - A biopolítica e os meios de comunicação.........................................................17
1.2 - Sociedade de consumo em massa...................................................................23
1.3 - Sociedade do desejo.........................................................................................28
1.4 - Sociedade do hiperconsumo.............................................................................38
CAPITULO 2 – A CONSTRUÇÃO DO MODELO ANTROPOLÓGICO DA
SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA....................................................................51
2.1 – A construção da subjetividade...........................................................................51
2.2 - Subjetividade e capitalismo................................................................................58
2.3 - Imperativos da contemporaneidade...................................................................61
CAPITULO 3 – O CORPO “ANTES E DEPOIS”: A SUBJETIVAÇÃO NOS MEIOS
DE COMUNICAÇÃO DIGITAIS.................................................................................74
3.1 – A construção do “eu” virtual...............................................................................74
3.2 – Da confissão ao testemunho nos processos de subjetivação...........................86
3.3 – A narrativa heroica nas mídias digitais............................................................108
Discussão e considerações finais........................................................................112
Referências bibliográficas.....................................................................................115
14
INTRODUÇÃO
Nossa sociedade é marcada pelo consumo de marcas que envolvem
experiências emocionais, sobretudo relacionadas ao maior bem-estar, qualidade de
vida e de saúde. Vivemos em um contexto bem distinto da sociedade industrial. As
normas e valores que percorrem nossa sociedade contemporânea, assim como a
produção de sentidos, ideias e afetos são marcadas pela ideia da construção de
felicidade de vida, autoestima e autonomia.
O projeto de construção de felicidade começou a se caracterizar pelo culto do
indivíduo, no qual o sujeito é concebido segundo os eixos do corpo, despontando na
chamada sociedade do espetáculo. De fato, esse cenário é inseparável das
orientações do capitalismo, e o ciberespaço constitui um fator crucial no incremento
do capital social e cultural disponível (COSTA, 2004).
Acreditamos que as tecnologias são inventadas para desempenhar funções
que a sociedade de algum modo solicita, sendo assim, a causalidade é revertida e
os dispositivos são frutos de certas mudanças e não mais compreendidos como
causa: são criados e transformados pela população (SIBILIA, 2010, p. 25).
O presente trabalho apresenta nosso projeto de dissertação de mestrado, que
faz parte da linha de pesquisa: Dimensões Políticas na Comunicação. Procuramos
desenvolver reflexões críticas sobre a ordem comunicacional vigente, mediante as
apropriações sociais nos dispositivos midiáticos.
Sobre a proposta de uma análise das subjetividades e a narrativa
confessional com a construção da imagem do corpo em um “antes e depois”, é
apenas uma parte de um todo que se representa. Esse recorte de interesse implica
na investigação de tendências ligadas a diferentes dimensões de poderes e afetos
nas relações com os meios de comunicação digitais.
A questão tratada nesse trabalho tem como escopo indagar de que maneira a
narrativa confessional da subjetividade construída com produção de fotografias do
corpo, na condição de um antes e de um depois, nos espaços de comunicação
digital, se transforma em uma história autêntica e se torna um produto midiático.
Nossos objetivos buscam, em primeiro lugar, analisar como se
desenvolveram essas narrativas confessionais na publicidade e seu impacto na
cultura até chegarem aos espaços de comunicação digital; identificar os imperativos
15
e valores contemporâneos que produzem a exibição de subjetividades, que podem
levar a transformação em produto midiático e investigar alguns símbolos que
exemplificam os elementos das narrativas da confissão pública nas redes sociais.
Para isso, apresentaremos, no nosso primeiro capítulo, os conceitos que
fundamentam a pesquisa, assim como se desenvolveram os modos de subjetivação
e as estratégias de controle nas sociedades, nos apoiando nos conceitos de Michel
Foucault e Gilles Deleuze. A partir da leitura que fizemos do ensaio “A felicidade
paradoxal”, de Lipovestsky e da pesquisa de José Luiz Prado, faremos um resgate
histórico das fases da sociedade de consumo e o desenvolvimento dos meios de
comunicação, da imagem na publicidade, e traçaremos um paralelo entre as
discussões sobre a Sociedade do espetáculo de Guy Debord e a Política da imagem
de Jacques Ranciére.
No segundo capítulo, embasados nas teorias de Deleuze e nas análises de
Peter Pelbart, iremos discorrer como as transformações desse contexto afetam os
processos pelos quais o indivíduo se torna o que é e como se constitui a concepção
de subjetividade contemporânea. Para a elucidação dos valores que permeiam a
construção dessas subjetividades e sua relação com capitalismo contemporâneo, a
qual inclui a modulação dos corpos, iremos nos apoiar nos estudos de Paula Sibilia
e João Freire Filho.
No terceiro e último capítulo, nos propomos a examinar como se dá a
conexão entre visibilidade e os espaços de comunicação digital – os cenários em
que nosso objeto, as publicações de fotos de “antes e depois”, se manifestam. Para
tanto, iremos percorrer os estudos de Paula Sibilia sobre o desenvolvimento da
Internet até as redes sociais. Consideramos que a produção de imagens de uma
condição de um antes e de um depois é um mecanismo de autenticação através do
recurso de confissão pública. Para a análise desse quadro, utilizaremos a
genealogia de Foucault sobre como se desenvolveu o ritual da confissão e seus
significados.
A partir das reflexões de Paula Sibilia iremos investigar quais seriam os
desdobramentos e os dispositivos de poder atual, em que a prática do testemunho
se manifesta. Para analisar como a lógica da complexidade das tecnologias de
produção nas redes se relaciona com os aspectos da realidade do nosso fenômeno,
tomaremos como base os conceitos de Edgar Morin.
16
E, por fim, iremos refletir sobre a relação da construção do imaginário do
indivíduo na propagação da prática da confissão pública com a antropologia
estrutural do imaginário do mito e a jornada do herói de Joseph Campbell.
17
CAPITULO 1 – O VÍNCULO DA COMUNICAÇÃO E BIOPOLÍTICA
1.1 A biopolítica e os meios de comunicação
Quando nos propomos a estudar a narrativa confessional e/ou testemunhal
em suas diversas formas de subjetividades nos espaços de comunicação digital, por
meio da exibição de imagens de “antes e depois”, coube nos indagar como esse
modo de visibilidade, essa forma de “ser” e “estar” no mundo, foi constituído ao
longo da história contemporânea e qual o papel da autenticidade nesse quadro, uma
propriedade também questionável, que nos faz refletir sobre as contradições desse
fenômeno, a espetacularização do “Eu” e sua absorção pelo mercado.
Assim, o primeiro passo para examinar essas práticas midiáticas e como
iremos defini-las no contexto deste trabalho consiste em realizar um resgate
histórico e analisar como nasceu essa manifestação social nos meios de
comunicação digital.
A biopolítica e o biopoder são conceitos que abrem um campo fértil de ideias
e questionamentos para pensarmos o que somos e por que o somos, em quem
estamos nos tornando e sobre quem gostaríamos de nos tornar. Essas reflexões são
alimentadas por todas as áreas de pensamento, da filosofia às ciências, em geral,
inclusive na arte. Nesse ponto, gostaríamos de abrir um parêntese para comentar
sobre o tema da 32º Bienal de São Paulo, realizada em 2016, cuja missão primordial
foi apresentar e debater a arte contemporânea como elucidação aos ritmos do
presente.
Sob o título Incerteza viva, a 32a Bienal de São Paulo teve como eixo central a
noção de incerteza a fim de refletir sobre as atuais condições da vida em tempos de
mudança contínua e sobre as estratégias oferecidas pela arte contemporânea para
acolher ou habitar incertezas. A exposição se propôs a traçar pensamentos
cosmológicos, inteligência ambiental e coletiva, bem como ecologias naturais e
sistêmicas.
Na exposição, nos chamaram atenção as obras dos artistas Bárbara Wagner
e Heather Phillipson, posto que suas instalações revelaram uma investigação sobre
18
como é habitado o imaginário da sociedade de consumo contemporânea, ou seja,
como se dá a propagação imagética de subjetividades atuais.
Na instalação Mestres de Cerimônias (2016), de Bárbara Wagner, pode-se
observar a exposição de fotografias com um caráter documental, sobre a cena
cultural e a economia criativa das indústrias musicais do ‘Brega Funk’, em Recife, e
do ‘Funk Ostentação’ em São Paulo. A fim de documentar os gestos e as cenas que
constroem a cultura do MC nas duas capitais brasileiras, a artista registrou, por meio
da realização de videoclipes e fotografias, signos de uma economia de desejos por
visibilidade, consumo e celebridade nunca antes experimentada no país. Pode-se
observar que o brega se apropriou de símbolos de status e poder historicamente
pertencentes às classes dominantes, tornando-se voz e autoestima diante da
dominação dos parâmetros de identidade e de gosto, através do papel de
intermediado que propaga uma produção imagética no limiar entre o precário e a
ostentação.
Figura 1: Mestres de Cerimonias (2016) de Bárbara Wagner
Fonte: <http://www.bienal.org.br/>.
19
A instalação da obra TRUE TO SIZE - Fiel ao Tamanho (2015-2016), de
Heather Phillipson, consiste na composição de vídeos, áudios e esculturas em
escala humana. E uma mescla de cenas que tem como tema a devastação – clima
extremo, higiene extrema, sexo virtual, comunicação excessiva, guerras, extinção
iminente, sobrevida, enchentes e, em um sentido mais amplo, consumo e desejo. A
escala dos objetos e imagens representados faz com que eles momentaneamente
percam a banalidade com que são consumidos no cotidiano.
Suas instalações revelam uma investigação sobre como emoções, afetos e
desejos são construídos e manipulados no interior do conjunto heterogêneo de
referências culturais. Por meio de colagens, colisões, sobreposições e associações
inesperadas, o artista utilizou como matéria-prima objetos físicos e digitais que
habitam o imaginário da sociedade de consumo contemporânea, como imagens de
publicidade on-line, brinquedos de pelúcia e “emojis” de aplicativos de conversa
virtual.
Figura 2: TRUE TO SIZE - Fiel ao Tamanho (2015-2016), de Heather Phillipson
Fonte: <http://www.bienal.org.br/>.
20
A respeito do que observamos sobre as atuais condições de vida,
reconhecemos que nossa realidade tem sido transformada pelos avanços das
ciências, em especial pela tecnologia da informática e a inserção da internet no
nosso cotidiano, que não só transforma, mas cria novas realidades, não só no
âmbito da comunicação, mas na interação sobre o que entendemos por comunidade
e forja, além disso, novas políticas de vida e subjetividades.
Foi na década de 1970, que Michel Foucault denominou no campo do
pensamento político um dos fenômenos fundamentais do século XIX, a assunção da
vida pelo poder, apontando para um “fazer viver” em vez de “fazer morrer”, como
tinha sido o caso até o século XVI, no qual vigorou o poder soberano, que tinha
direito sobre a vida e a morte dos súditos. A partir dos séculos XVII e XVIII, surge
um novo tipo de poder, centrado no corpo individual, com técnicas cada vez mais
especificas, que Foucault chamou de poder disciplinar, cuja função não é mais a de
matar, mas de investir na vida:
Eram todos aqueles procedimentos pelos quais se asseguravam a distribuição espacial dos corpos individuais (sua separação, seu alinhamento, sua colocação em série e em vigilância) e a organização, em torno desses corpos individuais, de todo um campo de visibilidade. Eram também as técnicas pelas quais se incumbiam desses corpos, tentavam aumentar-lhes a força útil através do exercício, do treinamento etc. Eram igualmente técnicas de racionalização e de economia estrita de um poder que devia se exercer, da maneira menos onerosa possível, mediante um sistema de vigilância, de hierarquias, de inspeções, de escriturações, de relatórios: toda essa tecnologia, que podemos chamar de tecnologia disciplinar do trabalho. (FOUCAULT, 1999, p. 203)
A partir da segunda metade do século XVIII, surge um outro tipo de poder,
agora não disciplinar, mas um poder que integra, embute e modifica as tecnologias
disciplinares, que se dirige agora não mais ao corpo individual, ao homem-corpo,
mas ao homem vivo em sua multiplicidade, em sua massa na medida em que esta
se vê “afetada por processos de conjunto que são da própria vida, que são
processos como o nascimento, a produção, a doença. Etc.” (FOUCAULT, 1999, p.
204). Hoje, o poder se dirige ao homem vivo, ao homem ser vivo.
Depois da anátomo-política do corpo humano, instaurada no decorrer do século XVIII, vemos aparecer, no fim desse mesmo século, algo que já não é uma anátomo-política do corpo humano, mas que eu
21
chamaria de uma biopolítica da espécie humana. (FOUCAULT, 1999, p.204)
Mas, do que se trata essa nova estratégia de poder? Trata-se de uma rede de
processos que envolvem tanto as instituições médicas e sanitárias, abarcando
problemas de controle da reprodução, natalidade e de morbidade, como também as
instituições de educação, justiça e de moralidade vinculadas não mais somente à
Igreja. Por meio desse conjunto, o indivíduo e seu corpo não são mais tratados
como indivíduo-corpo, mas, como corpo-populacional. Com o aparecimento desse
elemento, que é a população, são implantados mecanismos a fim de potencializar a
vida dos sujeitos, maximizar suas forças e extraí-las no que tange à produtividade
necessária para o funcionamento da sociedade industrial e assegurar um estágio de
equilíbrio, de regulamentação sobre eles (FOUCAULT, 1999, p. 204-207).
Com a era dos biopoderes, portanto, dá-se uma passagem do poder
soberano sobre a vida e a morte, para o investimento na vida, havendo um conjunto
de políticas de gestão da vida a partir das regulações sobre o corpo individual e,
posteriormente, do corpo populacional. Há, nesse sentido, a construção de corpos
“dóceis e úteis” para o que em breve veríamos nos séculos XIX e XX – a concepção
do capitalismo – graças ao desdobramento desse projeto em que:
A velha potência da morte em que simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida. Desenvolvimento rápido, no decorrer da época clássica, das disciplinas diversas – escolas, colégios, casernas, ateliês, aparecimento, também, no terreno das práticas políticas e observações econômicas, dos problemas de natalidade, longevidade, saúde pública, habitação e migração; explosão, portanto, de técnicas diversas e numerosas para obterem a sujeição dos corpos e o controle das populações. Abre-se, assim, a era de um biopoder. (FOUCAULT, 2003, p.131)
Devido às contínuas alterações desse quadro estratégico, ao longo das
décadas, percebe-se que as transformações econômicas, políticas e socioculturais
ocorridas nos últimos anos acabaram intensificando as ramificações biopolíticas.
Gilles Deleuze foi um dos primeiros exploradores dessa corrente com sua teoria
sobre as “sociedades de controle”. Após a Segunda Guerra Mundial, ocorre, como
afirma Deleuze, “a crise generalizada de todos os meios de confinamento”, da prisão
e da fábrica à escola e à família.
22
Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação de novas forças que se anunciam. São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. ” São novas formas de controle ‘ao ar livre’, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado” (DELEUZE, 1992, p.224)
Segundo Deleuze, os confinamentos das sociedades disciplinares são
moldes, enquanto “os controles são uma modulação, como uma moldagem
autodeformante que mudasse continuamente, a cada instante, ou como uma peneira
cujas malhas mudassem de um ponto a outro” (DELEUZE, 1992, p. 224). O trabalho
muda de sentido na alteração da fábrica, cujo princípio era disciplinar, para a
empresa, a qual estabelecia o controle contínuo. Agora, cria-se um jogo de
rivalidade entre os indivíduos na empresa que atravessa cada um por meio de
excelente motivação para sua autoconstrução, ao mesmo tempo em que aumentam
a produtividade para a empresa crescer.
Por outro lado, a educação também passa por esse princípio modulador,
sendo substituída pela formação permanente, para um controle contínuo de
automelhoria e desenvolvimento de indivíduos, de empresas e da família. Os
espaços de relativo confinamento coexistem em um sistema de mesma modulação.
Os signos do dinheiro talvez sejam o que melhor exprime a distinção entre as duas
sociedades, visto que as moedas cunhadas em ouro serviam de medida padrão,
passando para um material flexível: “a velha toupeira monetária é o animal dos
meios de confinamento, mas a serpente o é das sociedades de controle” (DELEUZE,
1992, p. 227) e, assim, passamos a mudar nossa maneira de viver e as relações
com outrem. O surf, sugere Deleuze, é o que melhor substitui a figura dos corpos
rígidos disciplinares, posto que o homem do controle tem de ser ondulatório, plástico
e flexível. Da mesma forma, em cada regime, as máquinas fazem correspondência à
sociedade, uma vez que são determinadas pelas formas sociais capazes de criar e
utilizá-las, todavia, uma evolução tecnológica não é concebida sem antes haver,
mais profundamente, uma mutação do capitalismo (DELEUZE, 1992, p. 227).
23
1.2 Sociedade de consumo em massa
Gilles Lipovetsky elucida três eras do capitalismo de consumo. O primeiro
ciclo começa por volta de 1800 e termina com a Segunda Guerra Mundial, é a
chamada “era de consumo de massa”. Constituída pela transformação do mercado e
expansão da produção em grande escala graças ao desenvolvimento das
infraestruturas de transporte e de comunicação e reestruturação das fábricas em
função dos princípios da “organização científica do trabalho”. A elevação da
velocidade e da quantidade dos fluxos ocasionou o aumento da produtividade em
baixo custo. (LIPOVETSKY, 2007, p. 27)
Entretanto, não se pode dizer que esse fenômeno nasceu “mecanicamente de
técnicas industriais capazes de produzir em grandes séries mercadorias
padronizadas. Ele também é uma construção cultural e social que requisitou a
“educação” dos consumidores”, que ocorreu com o desenvolvimento da produção de
massa, surgindo um consumo de massa predominantemente burguês
(LIPOVETSKY, 2007, p. 28). Foi nessa fase que se inventou o marketing de massa,
fazendo-se publicidade em escala nacional, transformando o cliente tradicional em
um consumidor moderno, um consumidor de marcas a ser educado e seduzido
especialmente pela publicidade (LIPOVETSKY, 2007, p. 29-30).
Ao final de 1800, depois do aperfeiçoamento do processo de impressão que
permitiu que imagens fossem impressas junto ao lado do texto, foi que a fotografia
se estabeleceu na publicidade. Imagens de produtos de consumo encheram as
páginas traseiras das revistas. Todavia, a fotografia de estúdio era um
empreendimento caro e, antes da Primeira Guerra Mundial, editores de jornais e
revistas tendiam a favorecer ilustrações desenhadas sobre fotografias. Na década
de 1920, conforme observa Elspeth Brown em The Corporate Eye: Photography and
the Rationalization of American Commercial Culture 1884-1929, o enorme aumento
da produção industrial e a crescente demanda de consumo levaram os executivos a
procurar maneiras de destacar os produtos de suas empresas entre a vasta gama
de produtos manufaturados. A influência da psicologia aplicada reorientou os
gestores no sentido de uma atenção maior da mente como elemento crítico
fundamental para consumo racional. (HARVARD BAKER LIBRARY, 2010. Tradução
nossa).
24
De acordo com a Photographers Association of Americ (1985 apud
HARVARD, 2010. Tradução nossa), os consumidores acreditam que nada diz a
verdade tão bem quanto a câmera. E que o uso das fotografias de “antes-e-depois”
comprovam os benefícios do produto oferecido de forma mais persuasiva e realista,
devido ao apelo em nível emocional. Assim, a partir da década de 1930, a fotografia
se tornou a escolha para a maioria dos anúncios impressos. Como a fotografia de
Gilbert Seehausen, de 1934, para a marca Lady Esther, que tinha como finalidade
atestar os benefícios do pó facial Face Powder (HARVARD BAKER LIBRARY,
2010).
Figura 3: Foto de Gilbert Seehausen (1934), para a marca Lady Esther - pó facial Face Powder
Fonte: Art and Industry Exhibition Photograph Collection, Baker Library Historical Collections
Disponível em: <https://goo.gl/5tySD>. Acesso em: 31 mar. 2017
O primeiro gênero fotográfico a ser incorporado de maneira mais sistemática
à propaganda foi o retrato. A princípio, era utilizada a imagem de uma personalidade
famosa para recomendar o uso do produto, fazendo com que a imagem fotográfica
cumprisse o papel de um mero registro “realista” da aparência mais genérica de
produtos e estabelecimentos comerciais, a chamada publicidade testemunhal. As
25
imagens, para a publicidade testemunhal, seguiam os padrões dos retratos
praticados desde o século XIX, feitos nos ateliês dos centros urbanos por retratistas
desde os primeiros portraits na pintura a óleo. Os retratos não eram pensados para
uma linguagem publicitaria, eram realizados por retratistas experientes, com grande
qualidade técnica, em estúdios modernos, e seguiam a lógica dos retratos
particulares (PALMA, 2007, p. 5).
Conforme as definições vigentes no Código Brasileiro de Auto-
Regulamentação Publicitária, instituídas pelo Conselho Nacional de Auto-
Regulamentação Publicitária (CONAR) no Capítulo II – Seção 5 – Artigo 27 - §9º e
no Anexo Q: “Testemunhal é o depoimento, endosso ou atestado através do qual
pessoa ou entidade diferente do Anunciante exprime opinião, ou reflete observação
e experiência própria a respeito de um produto”. De acordo com esta definição, o
testemunhal pode ser classificado como:
1. Testemunhal de especialista/perito: é o prestado por depoente
que domina conhecimento específico ou possui formação profissional
ou experiência superior ao da média das pessoas. 2. Testemunhal
de pessoa famosa: é o prestado por pessoa cuja imagem, voz ou
qualquer outra peculiaridade a torne facilmente reconhecida pelo
público. 3. Testemunhal de pessoa comum ou Consumidor: é o
prestado por quem não possua conhecimentos especiais ou técnicos
a respeito do produto anunciado.
Conforme as regulamentações do CONAR: “o anúncio deve conter uma
apresentação verdadeira do produto oferecido” e reforça a necessidade do anúncio
testemunhal que deve conter “depoimentos personalizados e genuínos, ligados à
experiência passada ou presente de quem presta o depoimento, ou daquele a quem
o depoente personificar”. Além disso, o testemunho deve ser comprovável e não
deve induzir o consumidor ao erro. Caso o anúncio use modelos sem personificação
(onde o depoente não represente uma testemunha real), este deve ser considerado
como licença publicitária e não propaganda testemunhal. De qualquer maneira,
ambos os casos não devem promover confusões no consumidor, inclusive evitando
usar a mesma testemunha em anúncios de produtos similares (CONAR, 1980).
26
No início século XX, começam a chegar ao mercado equipamentos e
materiais voltados à prática amadora da fotografia. A Eastman Kodak Companym foi
pioneira com suas câmeras portáteis que trabalhavam com filme em rolo e
prometiam em sua campanha de divulgação rapidez e facilidade de operação,
fotografar era um simples apertar de botão. Assim, desenvolveu-se a chamada
fotografia instantânea, as imagens eram obtidas através de câmeras de fácil
manuseio e com a preocupação central de registrar o momento efêmero,
principalmente da vida familiar, desobrigada de cumprir as questões de composição,
arranjo e nitidez. A imprensa passou a explorar também os anúncios publicitários.
Um anúncio pode apresentar várias estratégias de persuasão, dentre as quais se
enquadra o testemunhal. Entende-se testemunhal a propaganda que usa uma
pessoa para testemunhar em favor de um produto e mostra sua eficiência. “Ao
público interessa muito mais a satisfação que pode obter com o produto do que o
próprio produto” (SANT'ANNA, ROCHA JÚNIOR e DABUL GARCIA, 2009), sendo
possível que os retratos fossem realizados por qualquer ajudante da redação dos
jornais e revistas e não mais por um fotógrafo profissional.
Dessa maneira, “o que podemos observar nesse primeiro período de
assimilação da fotografia pela publicidade é a inserção do retrato, objeto de uso
particular, num contexto de circulação de massa” (PALMA, 2007, p. 5).
Com a difusão das fotografias acentuou-se a importância da aparência física,
apurando-se o apreço e também o desgosto pela própria silhueta. “A imprensa
divulgava artigos sobre “a belleza”, contribuindo para que as pessoas pensassem a
respeito de seus dotes físicos e aprendessem a valorizá-los” (SANT’ANNA, 2014,
p.19-20).
O fim da Primeira Guerra Mundial contribuiu para aumentar o poder político,
econômico e, principalmente, cultural dos Estados Unidos, país em que os meios de
comunicação alcançaram maior desenvolvimento (MARTIN-BARBERO, 2003).
Nesse período de grande avanço econômico, combinado com o progresso
tecnológico, aumentou-se a produção massiva de utensílios e fortaleceu-se o
“consumo de massa” devido ao barateamento do custo (MARTIN-BARBERO, 2003,
p. 198). No entanto, em função dos hábitos de uma população recentemente
urbanizada e para a qual a tendência era poupar, ainda seria necessário educar as
pessoas para uma cultura de consumo.
27
Considerando que a lógica do consumo vai além da troca monetária por uma
mercadoria, pois engloba uma relação de signos de valor intangível de necessidades
e desejos, que são motivados por todos os instrumentos moduladores que se
ocupam do controle dos indivíduos, concordamos com Martin Barbero, que é
também uma forma de cultura, tomando esse termo em seu sentido mais amplo,
como “algo que escapa a toda compartimentalização, irrigando a vida social por
inteiro” (MARTIN-BARBERO, 2003, p. 14).
A expressão "sociedade de consumo" aparece pela primeira vez nos anos
1920, mas só se populariza nos anos 1950-60, e seu êxito permanece absoluto em
nossos dias (LIPOVETSKY, 2007, p.23). A economia de consumo se tornou
inseparável do marketing: a busca do lucro pelo volume e pela prática dos preços
baixos criou uma infinidade de marcas célebres democratizando o acesso aos bens
materiais, colocando os produtos ao alcance das massas. (LIPOVETSKY, 2007, p.
28). Esse processo de transformação do povo em consumidores ganha força
principalmente a partir do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa
(MARTIN-BARBERO, 2003, p. 13), que passaram a ser vistos como “instrumentos
indispensáveis para a gestão governamental das opiniões”; e a propaganda,
entendida como mero instrumento, constituiu-se em meio de suscitar a adesão das
massas, pois é democrática e mais econômica que a violência, a corrupção e outros
controles do governo. A audiência é visada como um alvo disforme apto a obedecer
cegamente ao esquema estímulo-resposta. “Supõe-se que a mídia aja segundo o
modelo da agulha hipodérmica [...] para designar o efeito ou impacto direto e
indiferenciado sobre indivíduos atomizados”. (MATTELART; MATTELART, 2001, p.
37). O que mais tarde, Deleuze, ao analisar os instrumentos de controle e poder,
prognosticou:
As conquistas de mercado se fazem por tomada de controle e não mais por formação de disciplina [...]. A corrupção ganha aí uma nova potência. O serviço de vendas tornou-se o centro ou a “alma”, o que é efetivamente a notícia mais terrificante do mundo. O marketing é agora o instrumento de controle social, e forma a raça impudente de nossos senhores. (DELEUZE, 1991, p. 228)
Dessa maneira, as invenções tecnológicas comunicacionais acharam sua
forma como mediadores, ou como assegura Martin Barbero, ocorreu “a mutação da
materialidade técnica em potencialidade socialmente comunicativa”, sendo assim, foi
28
nesse contexto que a imagem do indivíduo se consolidou como a de consumidor
(MARTIN-BARBERO, 2003, p. 198).
1.3 - Sociedade do desejo
O “consumo-sedução/consumo-distração”, do qual somos herdeiros e fiéis,
discorre Lipovetsky, nasceu através dos grandes magazines. Baseados em políticas
de venda agressivas e sedutoras, esses locais de venda constituíram a primeira
revolução comercial moderna, inaugurando a era da distribuição de massa. Por
intermédio de suas publicidades, alavancaram um processo de “democratização do
desejo”, estimulando a necessidade de consumir, excitando o gosto pelas novidades
e pela moda por meio de estratégias de sedução e técnicas de marketing. Além de
se ocuparam em preparar todo um cenário propício à sedução e ao desejo de
comprar, serviram ao mesmo tempo para desculpabilizar o ato da compra
(LIPOVETSKY, 2007, p. 30-31).
Contudo, foi por volta de 1950 que o mundo ocidental viu florescer uma nova
fase da sociedade de consumo de massa ou sua real edificação. Ela se constrói ao
longo das três décadas do pós-guerra. Nessa segunda fase, o consumo se espalha
pelas diferentes camadas da sociedade, produtos tidos como emblemáticos
(automóvel, televisão, aparelhos eletrodomésticos, entre outros) “entram nas
possibilidades financeiras de cada vez mais pessoas, permitindo que muitos
pudessem se libertar da urgência da necessidade estrita”. (LIPOVETSKY, 2007, p.
32-33). O consumo consolidou-se como “ingrediente-chave do estilo de vida e da
cultura de massa norte-americanos” (MARTIN-BARBERO, 2003, p. 205). A
publicidade deixou de informar somente sobre os benefícios dos produtos,
transformando, definitivamente, a comunicação em persuasão (MARTIN-BARBERO,
2003, p. 205).
Esse ciclo se caracteriza pela combinação da lógica de produção fordista e a
“lógica-moda” que ganha terreno através da possibilidade de resolver os problemas
da alta produtividade. Ao mesmo tempo em que muitos produtos são ofertados pelo
mercado, outros muitos saem de uso, há uma redução do “tempo de vida” das
mercadorias. Ao longo dessa fase edifica-se o projeto de uma nova sociedade
ocidental, na qual o crescimento, a melhoria das condições de vida, os objetos-guias
29
do consumo têm a obrigação de tornar o cotidiano mais fácil e confortável, sinônimo
de felicidade. Todo ambiente gera uma estimulação dos desejos, e a excitação
publicitária é fomentada por imagens luxuosas de férias, elevando-se a sexualização
dos signos e dos corpos.
Eis um tipo de sociedade que substitui a coerção pela sedução, o dever pelo
hedonismo, a poupança pelo dispêndio, a solenidade pelo humor, o recalque pela
liberação. Ocorre uma oscilação do tempo, fazendo passar da orientação futurista
para a 'vida no presente' e suas satisfações imediatas: delivery de comida, a
abundância de entretenimento, vídeo games, TV, bebida, tudo o que quisermos a
hora que quisermos. Essa fase se mostra como "sociedade do desejo", banhada
pelo imaginário de felicidade em forma de consumo (LIPOVETSKY, 2007, p. 34-35).
Figura 4: “Shering de Urotropina” o maior desinfectante das vias urinarias
Fonte: <https://goo.gl/LoU9My>. Acesso em: 31 mar. 2017
30
Figura 5: Super Depurativo Luetyl para “reumatismo”
Fonte: <https://goo.gl/sqCd2h>. Acesso em: 31 mar. 2017
Porém, as mudanças em prol da felicidade e bem-estar foram lentas e
descontínuas, e até a década de 1920, a maior parte dos anúncios de remédios
costumava ter a forma de desenhos em preto e branco, acompanhados por
discursos imperativos e dramáticos (FILHO, 2010, p. 182). Era comum e útil à
propaganda a figura da caveira e outras alusões à morte. Faziam parte do cotidiano
impresso desenhos de feridas horripilantes, semblantes transtornados por dores e
padecimentos insuportáveis. “Preferiam listar os males do que a apresentação de
seus supostos resultados positivos, exibir a sensação de alívio ou uma simples
alegria” (FILHO, 2010, p. 183).
Diferentemente da tendência da publicidade atual, naqueles anos, as imagens
sobre morte e doença é que chamavam atenção. A concorrência entre os
fabricantes de remédios fez com que surgisse a necessidade de se recorrer a
testemunhas ilustres e exibir o nome do médico. Numerosos remédios para saúde e
31
beleza possuíam uma vocação universal e serviam tanto para a higiene da pele
quanto para a do cabelo. “Quanto mais os anúncios revelassem os males a serem
tratados, mais eficientes pareciam os remédios divulgados” (SANTA’NNA, 2014, p.
36).
Foi a partir da década de 1930 que os anúncios ganharam um otimismo,
substituindo os semblantes tristonhos por rostos sorridentes, reforçando as
vantagens dos produtos. Com o avanço da medicina, o sofrimento dos doentes
durante as cirurgias foi modificado com a invenção da anestesia no século
XIX, sendo assim, a dor dos pacientes deixou de ser um obstáculo no espaço
cirúrgico. Logo, a presença das figuras que retratavam a dor e o sofrimento nas
propagandas se transformou em “algo que vende mal”. A direção do olhar do leitor
saiu do passado e inclinou-se definitivamente para o futuro (SANTA’NNA, 2014,
p.82-83). Foi nessa época que a alegria e o bem-estar iniciaram uma carreira de
sucesso na propaganda. Os anunciantes passaram a trabalhar diretamente com os
desejos humanos e a psicologia do consumidor. Ao divulgarem o valor da satisfação
de viver, criavam uma aura de felicidade em tono do consumo bem maior do que no
passado (SANT’ANNA, 2014, p. 87). Vários anúncios foram bastante didáticos nesse
aspecto, na medida em que apareciam divididos em duas partes: ‘antes’ e ‘depois’
da ingestão do produto anunciado. “‘Antes’ havia apenas tristeza, e ‘depois’ a alegria
reinava” (FILHO, 2010, p.187)
32
Figura 6: “Antes: fraco e desanimado, um imprestável. Hoje: cheio de saúde e vigor graças ao Biotônico Fontoura” (1931)
Fonte: <https://goo.gl/jF9NT7>. Acesso em: 07 jun. 2017
Pelo enfoque dos aparelhos de comunicação, Marcondes Filho alude que o
jornalismo pode ser dividido em quatro fases: a primeira ocorreu a partir da
Revolução Francesa até meados do século XIX, denominando-se aquele tempo de
época da “iluminação”. Nesse tempo, os jornalistas colaboram com a atividade de
fazer circular os saberes que antes eram fechados e restritos à igreja e à
universidade. Após essa época, ocorre o desenvolvimento nos processos de
produção de jornal, acarretando o nascimento de uma imprensa de massa,
configurando a segunda fase. O terceiro jornalismo é o dos monopólios, efetivado a
partir da metade do século XIX, com a criação da indústria da publicidade e das
33
relações públicas, como outras formas de comunicação, paralelas ao jornalismo.
Esse ciclo prepara os indivíduos para uma nova fase, que será descrita mais
detalhadamente abaixo (FILHO, 2010, p.11).
Os enunciadores das máquinas comunicacionais, teóricos e atores do
marketing se engajam nos processos que permitem fazer com que os consumidores
vivam experiências afetivas, imaginárias e sensoriais. A publicidade passou de uma
comunicação construída em torno de um produto e de sua funcionalidade para
campanhas ligadas à emoção, de sentido não literal, de todo modo, significantes e
que ultrapassam a realidade objetiva, assim, instaura-se uma visão que enfatiza o
espetacular (FILHO, 2010, p. 46). Nessa fase, o imperativo de imagem se desloca
do campo social para a oferta de marketing:
Nome, logotipo, design, slogan, patrocínio, loja, tudo deve ser mobilizado, redefinido, receber novo visual a fim de rejuvenescer o perfil de imagem, dar uma alma ou um estilo à marca. Não se vende mais um produto, mas uma visão, um "conceito", um estilo de vida associado à marca: daí em diante, a construção da identidade de marca encontra-se no centro do trabalho da comunicação das empresas. Não são mais tanto a imagem social e sua visibilidade que importam, é o imaginário da marca; quanto menos há valor de status no consumo, mais cresce o poder de orientação, paixão pelas marcas e consumo democrático do valor imaterial das marcas. (FILHO, 2010, p. 47)
Desse modo, podemos ver tal contexto retratado na antologia televisiva Mad
Man. A série mostra partes da cultura e da sociedade americana nos anos 1960,
cuja fidelidade de reconstituição de fatos históricos ganhou quase um valor
documental. Mad Man passa-se na década de 1960, inicialmente na agência de
publicidade fictícia Sterling Cooper, localizada na Madison Avenue, em Nova York. O
foco da série é o personagem Don Draper, diretor de criação da Sterling Cooper,
bem como as pessoas que fazem parte de seu círculo social. A trama tem como foco
a parte profissional das agências de publicidade e as vidas pessoais das
personagens que trabalham nelas, à luz das mudanças sociais ocorridas nos
Estados Unidos da época.
No primeiro episódio da primeira temporada, representantes da empresa
tabagista Lucky Strike vão a Sterling Cooper procurando por uma nova campanha de
publicidade às vésperas de um artigo da Reader's Digest dizendo que Ministério da
34
saúde alega que o consumo de cigarro é prejudicial à saúde, podendo causar vários
problemas de saúde, incluindo câncer de pulmão.
Diante o desafio, o diretor da agência publicitária compreende que o caminho
não é pensar sobre o motivo pelo qual as pessoas fumam, mas sim pensar sobre o
porquê as pessoas fumariam Lucky Strike. Desse modo, conclui-se que a
propaganda tem a ver com a felicidade. Felicidade de se ter um carro novo, de se
sentir bem fumando um cigarro Luck Strike, de deter algo que outros não têm
condições de comprar. Desse modo, o diretor convence o cliente vendendo-lhe o
sonho americano, um negócio rentável que poderia lhe dar a satisfação que todos
procuram na vida. Como podemos verificar nas cenas selecionadas a seguir:
Figura 7: Cena primeiro episódio Mad Man - “Smoke Gets In Your Eyes”, fala 1
Fonte: <www.netflix.com.br>.
35
Figura 8: Cena primeiro episódio Mad Man - “Smoke Gets In Your Eyes”, fala 2
Fonte: <www.netflix.com.br>.
Sendo assim, esse novo período, Debord chamou de a “sociedade do
espetáculo”. Em sua concepção, o espetáculo é uma “relação social entre pessoas,
mediada por imagens” (DEBORD, 1997, p.14), isto é, a teatralidade e a
representação tomaram completamente a sociedade e as relações sociais não são
autênticas, mas de aparência. O que foi descrito pelo cineasta e ativista francês, em
1967, vislumbrava a configuração do que vive atualmente as sociedades conectadas
pelos mercados globais.
As redes sociais da internet com seus dispositivos comunicacionais -
Facebook, Twitter, Instagram, Youtube e Snapchat - estimulam cada vez mais a
construção de si sob os olhares alheios, com novas atualizações que permitem
postagens online e ao vivo, para contar uma “história real” e diária do seu “eu”.
Essas novas práticas geram mudanças na sociabilidade e nas formas de
subjetividades, assim, cabe indagar: qual é o papel da autenticidade nesse quadro?
Embora essa seja uma característica questionável e que também pareça
contraditória às ações espetaculares.
36
O pensamento do autor se concentra na crítica radical ao fetichismo da
mercadoria, na presença da imagem na sociedade e como ela se apresenta no seu
modo de produção. Do seu ponto de vista, as imagens podem induzir à passividade
e à aceitação do capitalismo. Na tese 6, Debord expõe essa crítica e deixa claro que
o espetáculo é um meio de dominação:
Considerado em sua totalidade, o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente. Não é um suplemento do mundo real, uma decoração que lhe é acrescentada. É o âmago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos -, o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade. É a afirmação onipresente da escolha feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha (DEBORD, 1997, p.15).
Os emissores dos instrumentos de comunicação estipulam uma
especialização estética da mercadoria, visto que todos os enunciadores, do jornal ao
rádio e à televisão, convocam o receptor a ter experiências multissensoriais e uma
vida desejável. Segundo José Luiz Prado, os emissores midiáticos, do marketing da
publicidade, para que funcionem de modo performativo, ocupam o papel de
“sujeitos-supostos-sabedores”; convocam o receptor a construir uma vida desejável
e ter uma experiência voltada ao gozo. Respaldadas por especialistas, criam mapas
e receitas moduladoras para as ações, semelhantes aos livros de autoajuda.
“Modalizar significa motivar o destinatário da comunicação a ser alguém ou a fazer
algo a partir de um querer, fornecendo a ele um saber e indicando o dever fazer”
(PRADO, 2013, p. 30). Como disse Lipovetsky:
Enquanto se acelera "a obsolescência dirigida" dos produtos, a publicidade e as mídias exaltam os gozos instantâneos, exibindo um pouco por toda parte os sonhos do Eros, do conforto e dos lazeres. Sob um dilúvio de signos leves, frívolos, hedonistas, a fase II se empenhou em deslegitimar as normas vitorianas, os ideais sacrificiais, os imperativos rigoristas em benefício dos gozos privados. Ela pode ser considerada como o primeiro momento do desvanecimento da antiga modernidade disciplinar e autoritária, dominada pelas confrontações e ideologias de classe. (LIPOVETSKY, 2007, p. 36)
O sistema “media-marketing-publicidade” constrói seus textos
audioverbovisuais a partir de uma racionalidade “semiótica-estratégica”, bombeando
37
as formas semânticas e pragmáticas da cultura. Construindo regimes discursivos de
visibilidade, fortemente sensorializados, trazendo receitas de vida boa. Sucesso, na
sociedade de controle, não é apenas aquisição de muito dinheiro, mas conquista de
espaço simbólico, de visibilidade e prestígio (PRADO, 2013, p. 30). Conforme
Eagleton:
Cultura e capitalismo dificilmente fazem uma dupla tão familiar quanto Corneille e Racine ou o Gordo e o Magro. Na verdade, cultura tinha tradicionalmente significado quase que o oposto de capitalismo. O conceito de cultura cresceu como uma crítica à sociedade de classe média, não como um aliado seu. Cultura tinha a ver com valores, em vez de preços: com o moral, ao invés de material; com o elevado, em vez do filisteu. Tais poderes formavam uma totalidade harmônica: não eram apenas um amontoado de ferramentas especializadas, e “cultura” significava essa esplêndida síntese. Era o abrigo precário onde podiam se refugiar os valores e as energias para os quais o capitalismo não tinha nenhum uso. Era o lugar onde o erótico e o simbólico, o ético e o mitológico, o sensorial e o emocional podiam fazer sua morada dentro de uma ordem social que dispunha de cada vez menos tempo para qualquer um deles (EAGLETON, 2003, p. 24-25, tradução nossa).
As discussões de Santaella sobre os meios de comunicação, o mercado e a
cultura, do ponto de vista produtivo, são complementares ao pensamento de Prado e
Egland. A autora saliente que até o século XIX ficava claro a diferença dos códigos,
das formas e dos gêneros que estruturavam a cultura, porém, a partir da revolução
industrial, com o aparecimento dos meios de reprodução técnico-industriais–jornal,
fotografia e cinema, seguida dos meios eletrônicos – rádio e especialmente a
televisão, que é capaz de captar qualquer forma e gênero de cultura e romper
qualquer limite geográfico e histórico, “unindo milhares de telespectadores sob um
único olhar, somado à crise dos sistemas artísticos – a dança, a pintura, a música e
o teatro - na arte moderna, foram se dissolvendo os limites que definiam o que era
arte” (SANTAELLA, 2004, p. 56).
Isso, em razão de que a dinâmica midiática é inseparável do mercado e que
esses meios de produção se submetem apenas à captura de leitores e ao índice de
audiência, ou seja, daquilo que o consumo dita e exige. Como consequência,
também foi dissolvida a polaridade entre a cultura erudita das elites e a cultura
popular produzida pelas classes menos favorecidas, que provocaram recomposições
nos papéis, cenários sociais e maneiras de produção das culturas tradicionais, por
meio da diluição de distinções geográficas e históricas e da adaptação dos
38
conteúdos aos padrões médios de compreensão e absorção. (SANTAELLA, 2004, p.
56)
Isso mudou principalmente a partir dos anos 1960-70, e a cultura passa agora
para o lado da dissidência. “A ideia de revolução cultural migrou do chamado
Terceiro Mundo para o próspero Ocidente, em uma estonteante mélange de Faron,
Marcuse, Reich, Beauvoir, Gramsci e Godard” (EAGLETON, 2003, p. 24-25.
Tradução nossa).
As resistências culturais entregam-se às banalidades da vida material
mercantil dos desejos, e a sociedade se volta para um imaginário de felicidade
depositado no ato do consumo. Esse ciclo “provocou uma oscilação do tempo,
fazendo passar da orientação futurista para a 'vida no presente' e suas satisfações
imediatas” (LIPOVETSKY, 2007, p. 36). Desse modo, “espalha-se toda uma cultura
que convida a apreciar os prazeres do instante, a gozar a felicidade aqui e agora, a
viver para si mesmo” (LIPOVETSKY, 2007, p. 102). Portanto, esse ciclo prepara os
indivíduos para uma nova fase que entra em vigor em fins dos anos 1970. Nesse
contexto, segundo Marcondes Filho, é que se configura a quarta fase do jornalismo
que, com a tecnologia da cibercultura e da época pós-moderna, “se amplia para
além do noticiar, transformando-se em dos tipos de convocação, em pacotes
identitários, de autoajuda, baseados em novos programas criados pela psicologia
positiva e pela administração neoliberal das consciências” (FILHO, 2010, p.30).
1.4 - Sociedade do hiperconsumo
O acesso aos bens de mercado banalizou-se, as regulações de classe se
desagregaram, novos comportamentos surgiram. O processo de redução das
despesas tomou tal amplitude que podemos afirmar a “emergência de uma nova
fase histórica do consumo”. Os consumidores desprenderam-se dos habitus de
classe e, por isso mesmo, tornaram-se imprevisíveis. “O consumo ordena-se cada
dia um pouco mais em função de fins, de gostos e de critérios individuais”.
(LIPOVETSKY, 2007, p. 41). Eis chegada a época do hiperconsumo, a chamada
fase III, segundo Lipovetsky, que traz consigo o consumo experiencial, alterando os
gêneros de vida e os costumes, sobre a lógica de diferenciação social.
(LIPOVETSKY, 2007). “O consumo 'para si' suplantou o consumo 'para o outro'”, ou
39
seja, cresce a demanda de objetos “para viver” mais do que para exibir
(LIPOVETSKY, 2007, p. 42). A obtenção unicamente de bens materiais deixa de ser
satisfatória para que se busquem motivos sensoriais e estéticos de satisfação,
centrados em uma lógica de maior bem-estar subjetivo, emocional e corporal.
De outro ponto de vista, corroboramos a proposição de José Luiz Prado de
chamar esse novo período de a “era das convocações”, posto que observamos que
esse curioso poder que “faz viver”, fez despertar padrões de comportamento e
“modos de ser” vistos principalmente nos meios de comunicação digital que
seduzem e mobilizam toda e qualquer ação pública ou privada dos indivíduos
interconectados, desde a mais triviais às mais extravagantes. Tais comportamentos
estão associados a novos valores do biopoder contemporâneo. Esse
comportamento em rede será detalhado no segundo capítulo desta dissertação.
Surge um novo imaginário associado ao poder sobre si, enquanto o ato de
consumir tende a libertar-se dos enfrentamentos simbólicos, eleva-se o desejo de
controle individual das condições de vida. Os gozos ligados à aquisição das coisas
se relacionam a um "mais-poder" sobre a organização da própria vida, a um domínio
maior sobre o tempo, o espaço e o corpo, a fim de aumentar as capacidades de
estabelecer relações, alongar a duração da vida e corrigir as imperfeições do corpo.
Uma "vontade de poder" individualista e seu gozo de exercer uma dominação sobre
o mundo e sobre si alojam-se na fase de hiperconsumo. (LIPOVETSKY, 2007, p. 51-
52).
A sociedade de controle do capitalismo globalizado fornece programas
midiáticos, regados pelo imaginário da publicidade e do marketing, como aponta
Prado (2013), para guiar os indivíduos aos objetos de gozo. Sucesso não é apenas
o ganho de muito dinheiro, é a conquista de espaço simbólico, de visibilidade,
prestígio e poder relacionados ao saberes do cultivo do corpo e da mente (PRADO,
2013, p. 31).
Além disso, não há nada mais sedutor nos novos objetos de consumo-
comunicação, como os aparelhos individuais móveis (notbooks, tablets e celulares)
do que sua capacidade de abrir novos espaços de independência pessoal, de
diminuir o espaço-tempo. Na fase III, o consumo funciona como alavanca de
"potência máxima” das condutas individuais e de apropriação pessoal do cotidiano.
O indivíduo se vê livre em relação às obrigações de grupo e aos múltiplos
40
constrangimentos naturais, podendo exercer uma soberania individual
(LIPOVETSKY, 2007, p. 52).
E, notoriamente, nada concretiza melhor o declínio do comportamento do
consumo pelo prestígio do que o crescimento das demandas e dos comportamentos
relacionados à saúde. Não se consomem mais apenas medicamentos, todo
consumo está vinculado às transmissões, artigos de imprensa para o grande
público, páginas da Web, obras de divulgação, guias e enciclopédias médicas. “A
sociedade de hiperconsumo é aquela na qual as despesas de saúde se
desenvolvem por todos os meios, progredindo mais que o conjunto do consumo”
(LIPOVETSKY, 2007, p. 53).
Com as novas funções subjetivas do consumo exaltam-se a busca das
felicidades privadas, a otimização de nossos recursos corporais, relacionadas à
saúde ilimitada; a conquista de espaços-tempos personalizados é que servem de
base à dinâmica consumista, “eleva-se a obsessão com a saúde [...], o corpo é
considerado como uma matéria a ser corrigida ou transformada soberanamente,
como um objeto entregue à livre disposição do sujeito” (LIPOVETSKY, 2007, p. 55-
56).
O neoconsumidor já não procura tanto a visibilidade social quanto o controle e
o cuidado sobre seu próprio corpo; multiplica-se a busca por tecnologias médicas na
luta contra o destino da natureza e na corrida contra os sinais da idade, banalizam-
se as cirurgias plásticas estéticas e fomentam-se as práticas de manutenção da boa
forma, tornando o consumo um antidestino. As novas preocupações relativas à
saúde, ao corpo e à aparência são as aspirações do hiperconsumidor. Dos modelos
arquétipos, nada se enquadra melhor que a emblemática figura mitológica de
Narciso para descrever a cultura da cena contemporânea.
Houve também uma libertação “espaço-temporal” (LIPOVETSKY, 2007, p.
107), decorrente principalmente com os serviços de compra da internet. Tendo em
vista essas transformações dos indivíduos em relação à aquisição de bens, fez-se
necessário um novo tipo de publicidade (com estratégias de segmentação, ou
melhor, hipersegmentação), ou seja, atualmente toda a construção do marketing não
se liga mais à funcionalidade dos produtos, mas preocupa-se em criar uma alma, um
“estilo de vida” associado àqueles nomes, muitas vezes falando de tudo, menos do
produto que está sendo vendido. O Marketing passa a estabelecer cada vez mais
41
uma relação emocional com o consumidor, já que o que se busca hoje são emoções
intangíveis, mas que produzam reações sensoriais. “O que se pretende [...] é a
permanente desconstrução e reconstrução de um “mundo real” que não consegue
ter uma forma permanente, à maneira de seus habitantes “proteus”” (FONTENELLE,
2004, p. 196 apud PRADO, 2010, p. 39).
Segundo as discussões debordianas, é através do espetáculo que se dá a
construção das necessidades de consumo na sociedade. A necessidade de
consumo é criada pela publicidade, na concepção de Debord, o público é passivo e
acrítico – é assim que se dá a alienação. A Tese 21 demonstra a concepção do
autor sobre o poder de alienação do espetáculo: “À medida que a necessidade se
encontra socialmente sonhada, o sonho se torna necessário. O espetáculo é o
sonho mau da sociedade moderna aprisionada, que só expressa afinal o seu desejo
de dormir. O espetáculo é o guarda desse sono” (DEBORD, 1997, p. 19). E ele
reforça a perspectivas de seu pensamento de que o espetáculo tem completas
vinculações com o capitalismo, ressaltando na Tese 34, que “o espetáculo é o
capital em tal grau de acumulação a ponto de se tornar imagem” (DEBORD, 1997, p.
25).
Em outro momento, Debord (1997) destaca o fetichismo da mercadoria e sua
alienação como dominação sobre a vida social. Para o autor, o mundo que o
espetáculo mostra aos homens é o mundo da mercadoria que domina tudo o que é
vivido. Assim, salienta na Tese 36:
O princípio do fetichismo da mercadoria, a dominação da sociedade por “coisas supra-sensíveis embora sensíveis”, se realiza completamente no espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens que existe acima dele, e que ao mesmo tempo se faz reconhecer como o sensível por excelência. (DEBORD,1997, p. 28)
A alienação do espectador é um ponto consistentemente reforçado na obra de
Debord. Sua crítica se baseia no fato de que o espectador é alienado e passivo
frente às investidas do espetáculo e que só lhe resta consumir as imagens e os
produtos que lhe são oferecidos. Como na Tese 30:
A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta da sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que
42
age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por ele. É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois o espetáculo está em toda parte. (DEBORD, 1997, p. 24)
A biopolítica, nessa fase midiática, orienta os indivíduos a construir sua vida a
partir dessas convocações discursivas e visuais. Há uma convocação, que busca
totalizar uma comunicação que se assemelha a um contrato, buscando capturar a
atenção, motivar a felicidade, a resposta ativa do consumidor, seguindo os valores
de consumo. Ao ser interpelada, a pessoa tem de sentir o chamado no corpo, tem
de responder com o corpo. Por isso, “o enunciador, para se fazer ouvir, trabalha o
texto em sua força de apelo, de interpelação, de narrativa carregada de sentidos
ligados ao mundo cotidiano a partir de sua autoridade de sabedor”. (PADRO, 2010,
p. 58).
Sobre a crítica de Debord e sua preocupação com a alienação que as
imagens espetaculares inserem na sociedade, levantamos uma reflexão: de que
maneira as imagens e os enunciados midiáticos são absorvidos pelo consumidor, e
por que os indivíduos são afetados por essas convocações midiáticas com seus
enunciadores visuais a ponto de influenciar suas ações e suas escolhas?
Spinoza esclarece esse tipo de afeto em que “o homem é afetado pela
imagem de uma coisa passada ou de uma coisa futura do mesmo afeto de alegria
ou de tristeza de que é afetado pela imagem de uma coisa presente” (ÉTICA, III,
proposição 18). Pois demonstra que:
Durante todo o tempo em que o homem é afetado pela imagem de uma coisa, ele a considerará como presente, mesmo que ela não exista, e não a imagina como passada ou como futura a não ser à medida que sua imagem está ligada à imagem de um tempo passado ou de um tempo futuro (Ética, III, proposição 18, demonstração).
[...] o corpo é afetado pela imagem dessa coisa da mesma maneira que se ela estivesse presente. Como, entretanto, ocorre, geralmente, que aqueles que experimentaram muitas coisas, ao considerarem uma coisa como futura ou como passada, ficam indecisos e têm, muitas vezes, dúvidas sobre sua realização [...] (Ética, III, proposição 18, escólio 1).
Olliver Pourriol (2008), em Cinefilô, esclarece que “basta ver uma coisa
‘semelhante a nós’, desejar alguma coisa para desejarmos a mesma coisa. Esse é o
43
princípio da vitrine”. Sobre a imitação dos sentimentos, Spinoza quando se refere ao
Desejo, “chama-se emulação a qual não é, assim, nada mais do que o desejo de
alguma coisa, o qual se produz em nós por imaginarmos que outros, semelhantes a
nós, têm esse mesmo desejo” (Ética, III, preposição 27, escólio, o desejo). Portanto,
é assim que nasce o desejo de seguir as convocações midiáticas espetaculares.
Do ponto vista de Debord, devido à presença das imagens que transformam
tudo em espetáculo, as sociedades modernas são caracterizadas pela alienação
generalizada. O público é passivo e acrítico perante o fetichismo da mercadoria em
seu cotidiano. E as pessoas perderam a autenticidade nas suas formas de viver – a
vida tornou-se representação e pura ilusão; as relações sociais passaram a ser
mediadas por imagens. No entanto, por outro viés teórico, temos as colocações de
Jacques Racière, cujo fundamento consiste em mostrar a relação entre estética e
política. Em a Partilha do sensível propõe definir um regime de identificação e
pensamento das artes sobre seus modos de transformação e de articulação entre as
maneiras de fazer, as formas de visibilidade dessas maneiras de fazer e os modos
de pensabilidade de suas relações. Nessa direção, a estética encontra uma
dimensão política à medida que define novos modos de ver e sentir, orientada em
torno das imagens. O autor renuncia à tendência de um determinismo apocalíptico e
levanta uma reflexão sobre o que são as imagens da arte e suas transformações
contemporâneas no terreno estético e critica o que se considera a imagem como
idolatria e faz do espectador alguém passivo.
Em seu texto, O destino das imagens, Ranciére evidencia “que se trata de
uma tautologia do discurso dizer que não há mais realidade, apenas imagens, e que
é o mesmo que dizer que não há imagens, mas apenas a realidade” (RANCIÈRE,
2009, p. 9). Isso nos leva a refletir sobre imagens midiáticas que circulam nos
dispositivos de comunicação social, como Facebook, Instagram, Snapchat entre
outros que disponibilizam recursos para publicar fotos e vídeos em tempo real –
online. O que se pode observar da natureza dessas imagens é uma repetição de
padrão sobre seu conteúdo: imagens sobre a vida cotidiana, atividades sociais, “a
vida sendo postada enquanto vivida”, cada ação banal transformada em
“espetáculo”. Será que ela realmente está sendo vivida? De que forma? Ou só
postada, mediada por imagens? Seria esta uma forma política de resistência? Nessa
perspectiva, é possível estabelecer uma oposição com a teoria debordiana, uma vez
44
que, a proposta político-estética de Debord tende a considerar a própria imagem
como alienante a toda ação humana, produzindo uma passividade à medida que se
configura como inversão da vida. Assim, sua crítica não estaria relacionada ao
problema de conteúdo ideológico presente nas imagens, mas na própria imagem
espetacular.
Já Ranciére, não consente com a ideia de que toda imagem seria alienante e
que deveria ser substituída pela “ação”. Tal raciocínio conduz a um paradoxo, a
montagem de imagens do filme A sociedade do espetáculo contrasta com as teses
do narrador em seu livro, pois são colocadas imagens de diferentes temas lado a
lado, mostrando que no fundo todas se equivalem. Dessa forma, pretende-se
mostrar a passividade do espectador como um eterno consumidor sem poder de
ação. Porém, nesse ponto, “se o consumidor não olhasse a imagem ele não seria
culpado de sua passividade?” (RAMOS, 2012, p. 100).
Para compreender essas considerações, Rancière propõe olhar a natureza
intrínseca das imagens e seu caráter de alteridade. “Pois ela não se reduz à sua
visualidade, ela opera em relações entre o todo e as partes, entre o não visível, o
dizível e o não-dizível. Exerce uma potência de significação e afeto no expectador”
(RANCIÈRE, 2009, p. 11-12).
Em A partilha do sensível, são definidos três regimes das artes: o regime
ético, o regime representativo e o regime estético (RANCIÈRE, 2009, p. 27).
Interessa-nos, para o objetivo desse trabalho, entender a passagem do regime
representativo para o regime estético. O regime representativo das artes aparece
com o restabelecimento da mímeses aristotélica contra o ataque platônico. Ele se
desenvolve e se define pela separação do que pode ser representável ou ir-
representável, como maneiras de fazer, ver e julgar. “Estabelecendo uma hierarquia
de gêneros artísticos em analogia a uma visão de hierarquia da comunidade”
(RANCIÈRE, 2009, p. 30-32).
A passagem para o regime estético das artes contrapõe-se ao representativo
principalmente em relação às hierarquias de temas, produzindo uma nova ideia de
revolução política. Se em um momento a pintura cumpriu um papel ideológico
definindo “grandes temas” a serem representados, relacionados e direcionados à
burguesia, pintar pessoas, objetos e situações comuns no século XIX,
horizontalizaram-se esses temas colocando em questão a hierarquia dos próprios
45
elementos internos de uma obra. “Assim, qualquer tema passou a ser merecedor de
representação” (RAMOS, 2012, p. 103).
O regime estético das artes desfaz a correlação entre o tema e o modo de
representação, “tratando da ruína do sistema de representação comandado por uma
hierarquia dos gêneros de representação e que traz visibilidade às massas”.
(RANCIÈRE, 2009, p. 47)
O conhecimento histórico e os modos de reprodução mecânica também se
inseriam nessa lógica da revolução estética.
O conhecimento histórico integrou a oposição quando contrapôs à velha história dos príncipes, batalhas e tratados, fundada na crônica das cortes e relatórios diplomáticos, a história dos modos de vida das massas e dos ciclos da vida material, fundada na leitura e interpretação das “testemunhas mudas”. O surgimento das massas na cena da história ou nas “novas” imagens não significa o vínculo entre a era das massas e a era da ciência e da técnica. Mas sim a lógica estética de um modo de visibilidade que, por outro lado, revoga as escalas de grandeza da tradição representativa e, por outro, revoga o modelo oratório da palavra em proveito da leitura dos signos sobre os corpos das coisas, dos homens e das sociedades (RANCIÈRE, 2009, p. 49).
“O banal torna-se belo como rastro do verdadeiro” (RANCIÈRE, 2009, p. 50).
Na cultura midiática entre a gama de produção de montagem de imagens e a
palavra narrativa de testemunho dos dispositivos comunicacionais, devemos duvidar
do que seja verdadeiro, porém, há o que se questionar: o que estaria por trás e até
mesmo qual seria o papel da banalização dessas subjetividades imagéticas?
Por meio dessas “banalidades”, podemos constatar como as múltiplas formas
de convocações, por meio dos dispositivos midiáticos digitais, estimulam
comportamentos, trazem à tona novos agenciamentos e modulam de distintas
formas a produção de desejos, afetos e modos de ser nos indivíduos. Tal cenário
tem sido tema de discutição no campo audiovisual (cinema e televisão), nas artes
cênicas, performance e literatura. Através da antologia televisiva Black Mirror
(NETFLIX, 2016), podemos identificar essa construção de subjetividades em prol do
olhar alheio, e a exposição do banal e cotidiano que Rancière aponta em sua crítica,
explicitamente em uma cena do episódio nº1, da terceira temporada, que retrata a
protagonista desesperada em ser notada nas mídias sociais para aumentar sua
nota, postando uma foto em que estava tomado café com biscoito com a legenda
46
“Café camurça com biscoito. Maravilhoso!”. Mas o que vemos na cena, é a
expressão de dissabor da garota em contrariedade com o comentário da foto
publicada em sua rede.
Figura 9: Cena Black Mirror: Episódio “Queda livre” – 1º episódio, 3º temporada
Fonte: <www.netflix.com.br>.
Em um sentido deleuziano, os controles são uma modulação que oferecem
infinitas formas de automelhoria nos indivíduos, nas famílias e nas empresas. Hoje,
a relação entre capital e trabalho mudou, pois, consumimos mais do que bens,
consumimos formas de vida (PERLBART, 2011). A conexão com o “mundo-rede” do
capital-cultural é resultante da superprodução semiótica originária dos discursos
midiáticos que criam cada vez mais valor-signo e como sequela, há décadas, a
cultura deixou de ser refúgio de revolta contra o capitalismo (PRADO, 2013, p. 163)
Nessa lógica, as convocações biopolíticas do sistema midiático chamam os
espectadores para ensiná-los como viver, como ter sucesso, juventude eterna,
inclusive, consumir imagens e programas de realidade de vida, ou seja, como ler
signos. Essas figuras das imagens são, em geral, sem voz, “sem história” (PRADO,
2013, p. 169). Contra esse emprego, Rancière propõe transformar a lógica
47
dominante, “que faz do visual o quinhão das multidões e do verbal o privilégio de
alguns” (RANCIÈRE, 2010, p. 143). Em suas palavras:
Não estão em vez das imagens. São imagens, ou seja, são formas de redistribuição dos elementos de representação. São figuras que substituem uma imagem por outra, formas visuais por palavras ou palavras por formas visuais. Estas figuras redistribuem simultaneamente as relações entre o único e o múltiplo, entre o pequeno número e o grande número. É nisto que elas são políticas, supondo que política consiste antes de mais em mudar os lugares e o cálculo dos corpos. (RANCIÈRE, 2010, p. 143)
É imprescindível encarar a política da imagem e da palavra, sem os
dispositivos de visibilidade, as posições, a relação entre a palavra e imagem, entre
arquivo e testemunho. Nesse sentido, Rancière adverte que:
Aquilo a que se chama imagem é um elemento dentro de um dispositivo que cria um certo sentido de realidade, um certo senso comum. Um “senso comum” é antes de mais uma comunidade de dados sensíveis: coisas cuja visibilidade supostamente é partilhada por todos, modos de percepção dessas coisas e significações igualmente partilháveis que lhes são conferidas. É depois a forma de estar em comum que liga entre si indivíduos ou grupos na base dessa comunidade primeira entre as palavras e as coisas. O sistema de informação é um “senso comum” desse gênero: um dispositivo espaço-temporal no seio do qual palavras e formas visíveis estão reunidas em dados comuns, em maneiras comuns de perceber, de ser afetado e de atribuir sentido. O problema não é opor a realidade a suas aparências. É, sim, construir outras realidades, outras formas de senso comum, ou seja, outros dispositivos espaço-temporais, outras comunidades das palavras e das coisas, das formas e das significações (RANCIÈRE, 2010, p. 149-150)
Não é possível alterar a política e estabelecer uma crítica às imagens sem
alterar as percepções, a divisão ou a partilha do sensível, mudar o senso comum
estabelecido que nos torna insensíveis aos modos de ver, de dizer e fazer. “A busca
pela imagem crítica visa transformar o modo pelo qual nos engajamos no mundo do
senso comum e, em especial, no do consumo” (PRADO, 2013, p. 171).
Prado (2013) nos incita a pensar não só sobre as convocações midiáticas,
mas sobre as resistências a elas e o lugar que tais resistências podem e devem
ocupar no espaço-temporal nos contratos de comunicação e seus regimes de
visibilidade dos media, voltados às formas de ser e de fazer o corpo e com o corpo,
sustentando-se em valores simbólicos conectados ao mundo do consumo. E nos faz
48
lembrar a imagem dialética de Benjamin que fala Didi-Huberman (1998): em busca
de uma imagem crítica, “o que vemos só vale pelo que nos olha”, porém, o ato de
ver não é “o ato de uma máquina de perceber o real enquanto composto de
evidências tautológicas” (DIDI-HUBERMAN 2010, p. 77). Os enunciadores
predominantes buscam no princípio da objetividade serem detentores da verdade
unívoca evidenciada no mundo, mostrando a evidência visível do que se vê. A
imagem dialética, ao contrário, visa provocar a inquietude e mostrar que não há
evidências a não ser no movimento que cimenta o real com a objetivação dessa
tautologia, através dos regimes de visibilidade.
Dar a ver é sempre inquietar o ver, em seu ato, em seu sujeito. Ver é sempre uma operação de sujeito, portanto, uma operação fendida, inquieta, aberta. Todo olho traz consigo sua névoa, além das informações de que poderia num certo momento julgar-se detentor. Essa cisão, a crença quer ignorá-la, ela que se inventa o mito de um olho perfeito (perfeito na transcendência e no “retardamento” teleológico); a tautologia a ignora também, ela que se inventa um mito equivalente de perfeição (uma perfeição inversa, imanente e imediata em seu fechamento). (DIDI-HUBERMAN 2010, p. 77)
Portanto, o que fazer? Para evitar o pensamento binário, de dilema, “não há
que escolher entre o que vemos”, uma vez que na rede os algoritmos detêm o
controle sobre o que vemos sobre aquilo que eles supõem que desejamos ver, como
consequência exclusiva do discurso que o fixa segundo nossa quantidade de
curtidas e buscas de pesquisas, convertendo-se em uma tautologia, e o que nos
olha, aqueles que nos seguem, que nos examinam através das lentes dos
dispositivos de comunicação social, tendo como crença o mito da perfeição, suposto
pela crença que aquelas imagens representam o todo de uma vida, e não somente
uma faceta. É preciso dialética, diz Huberman (2010), sem se opor nos extremos
desse dilema, de um lado a tautologia, de outro, a crença. Nesse momento dialético,
o que vemos é atingido e transformado pelo que nos olha, evitando um excesso de
sentido, que estaria dado na crença, que impõe a leitura da imagem desde a
transcendência. E de outro lado, evitando a ausência cínica de sentido, glorificada
na tautologia.
Nesse sentido, para nós, pensar a política da imagem que os dispositivos
comunicacionais oferecem, é pensar em uma crítica à superficialidade que o sistema
49
de marketing e publicidade apela com a montagem de imagens e discursos em
forma de testemunhos ao consumo de modos de viver. Uma política que enfrente a
multiplicidade de convocações biopolíticas na cultura-rede através de “fenômenos”
midiáticos, as chamadas blogueiras, que tomam como capital as potências da vida e
a promoção dos “eus” das massas, que o regime estético tornou possível. E, além
disso, refletir sobre as imagens como sintomas da cultura.
As imagens da publicidade, sobretudo as imagens de antes e depois do
corpo, fazem parte do processo pelo qual a sociedade do espetáculo cria valores e,
convoca o enunciatário a participar desse discurso, trazendo uma realidade mais
próxima de sua vida e, portanto, um encontro de identificação, ou seja:
[...] as biopolíticas contemporâneas foram absorvidas pelo “espírito empresarial” e pelas doutrinas mercadológicas que o insuflam: um modo de funcionamento que permeia todas as instituições e recobre todos os âmbitos, é apenas uma das sutis amarras que orquestram a sujeição pós-disciplinar. (SIBILIA, 2010, p.7)
Do ponto de vista de Paula Sibilia, as aparências acompanham a
espetacularização do mundo e o deslocamento dos eixos “em torno dos quais os
sujeitos contemporâneos constroem o que são — de “dentro” para “fora”, do âmago
interiorizado para a visibilidade da pele, das telas e dos olhares alheios” (SIBILA,
2010, p. 7).
Cada vez mais, todos nós conhecemos tanto o prazer como a asfixia de
estarmos sempre conectados e disponíveis, sendo levados a nos manter sempre
atualizados quanto a tudo o que ocorre na virtualidade das redes, “respondendo e
alimentando os suaves mandatos da interação permanente com uma infinidade de
contatos, o tempo todo e em todo lugar” (SIBILIA, 2010, p. 7). Conforme disse
Deleuze, todas as formas de confinamento perderam preeminência com o
mecanismo fundamental de poder. Assim, observamos que a conexão se instaura
como o dispositivo de poder mais eficaz do momento. Em cada época da história se
estabeleceu um regime de poder e saber que modulava certos tipos de corpos e
“modos de ser”, “estimulando o desenvolvimento de determinadas disposições
corporais e subjetivas, tanto no plano individual como no coletivo, enquanto inibe
outras características e habilidades” (SIBILIA, 2010, p. 7).
50
Portanto, é por tais motivos que procuramos analisar os vínculos das
biopolíticas na sociedade de controle com a comunicação, e com base na questão
que Deleuze levanta sobre as formas de resistência “capazes de combater as
alegrias do marketing”, indagar a que “estamos sendo levados a servir”.
51
CAPITULO 2 – A CONSTRUÇÃO DO MODELO ANTROPOLÓGICO DA
SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA
2.1 A construção da subjetividade
É evidente que a sociedade ocidental vem passando por um grande conjunto
de mudanças, um processo que atinge todos os âmbitos, desde as estruturas
político, sociocultural e econômico até as áreas que permeiam a vida individual e em
sociedade, potencializadas pelo advento da internet e suas plataformas virtuais
destinadas à interação social. São inúmeros os sintomas dessa transição, como foi
apresentado no primeiro capítulo, a passagem de um certo “regime de poder”
ancorado no capitalismo industrial, que vigorou até a passagem do século XVIII e
meados do XX - e que foi analisada por Michel Foucault sob o domínio de
“sociedade disciplinar” para designar uma das formas de exercício do poder sobre a
vida, centradas nos mecanismos do ser vivo e nos processos biológicos. Foucault
situa a biopolítica em uma estratégia mais ampla, que denomina biopoder, a qual
historicamente ele sucede, com a diferenciação do biopoder e do poder de
soberania na relação de vida e morte: enquanto o poder soberano faz morrer e deixa
viver, o biopoder faz viver e deixa morrer.
A essa transferência de lógica nos regimes disciplinares, Deleuze nominou as
novas forças de “sociedade de controle”, que agem como uma modulação do corpo
e da vida, fazendo do poder-saber agentes de transformação da vida humana. E
explica que o poder sobre a vida (biopoder) deveria responder o poder da vida
(biopotência). Peter Pelbart (2011), em seu livro “Vida Capital: ensaios de
biopolítica”, percorre essas duas vias do exercício de poder sobre vida e nos relata a
proposta de um grupo de teóricos majoritariamente italianos tais como Negri e
Lazaratto que discorrem sobre o contexto do capitalismo contemporâneo. Os
autores propõem uma inversão semântica, conceitual e também política. Com ela, a
biopolítica deixa de ser vista por uma perspectiva do poder e da sua racionalidade
sobre o corpo como objeto passivo, e suas condições de reprodução, sua vida.
Assim, conforme Lazzarato, “a vida deixa de ser reduzida em sua definição biológica
e aos seus processos que afetam a população”. No conceito do autor, a vida inclui a
52
sinergia coletiva, a cooperação social e subjetiva no contexto material e imaterial da
contemporaneidade, ou seja, o intelecto em geral – inteligência, afeto, cooperação e
desejo (PELBART, 2011, p.24).
Ao deslocar-se de seu sentido predominantemente biológico, o bios se
redefine constantemente em um núcleo semiótico e maquínico, molecular e coletivo,
afetivo e econômico, aquém da dicotomia corpo/mente, individual/coletivo,
humano/inumano, a vida ao mesmo tempo se pulveriza e se hibridiza, sendo
disseminada em sua totalidade. De modo a ganhar uma amplitude inusitada, em um
sentido espinozano, passa a ser redefinida como poder de afetar e ser afetado. “Eis
a inversão, em parte inspirada em Deleuze, do sentido do termo forjado por
Foucault: biopolítica não mais como poder sobre a vida, mas como a potência da
vida” (PELBART, 2011, p. 25).
Para ir além desse diagnóstico, concordamos com as reflexões de Paula
Sibilia em questionar: como todas essas mutações influenciam na criação dos
modos de ser? De que maneira elas acabam nutrindo a construção de si? Ou
melhor, como as transformações desse contexto afetam os processos pelos quais o
indivíduo se torna o que é? Sem dúvida, tais forças históricas conferem uma
influência na conformação dos corpos e das subjetividades: “todos esses vetores
socioculturais, econômicos e políticos exercem uma pressão sobre os sujeitos dos
diversos tempos e espaços, estimulando a coagulação de certos modos de ser e
inibindo as demais alternativas” (SIBILIA, 2010, p. 26).
Mas afinal, o que são exatamente as subjetividades? Como e por que alguém
se torna o que é, aqui e agora? O que nos constitui como sujeitos singulares, com
uma história única, ao mesmo tempo, inevitavelmente, representantes de nossa
época, que compartilham importantes traços com nossos contemporâneos? Do
ponto de vista de Paula Sibilia, as subjetividades são modos de ser e estar no
mundo, que se afasta de toda essência fixa e estável; que se refere ao ser humano
como uma criatura não-histórica, de relevos metafísicos, cuja figura é flexível e muda
conforme as variadas tradições culturais. Portanto, de acordo com a autora,
“subjetividade não é algo vagamente imaterial que reside ‘dentro’ de cada um. Por
um lado, ela só pode existir se for embodied, encarnada num corpo, mas também
está sempre embedded inserida em uma cultura intersubjetiva” (SIBILIA, 2010, p.
26).
53
Maurice Blanchot, em seu ensaio “A escritura do desastre” (L’écriture du
désatre) olha o tema através de um prisma contestando o valor da subjetividade e a
descreve como:
[...] uma designação escolhida como que para salvar nossa parte de espiritualidade. Por que subjetividade, senão para descer ao fundo do sujeito sem perder o privilégio que este encarna, essa presença provada que o corpo, meu corpo sensível, me faz viver como minha? Mas se a pretendia “subjetividade” é o outro no lugar de mim, ela não é subjetiva nem objetiva, o outro é interioridade, o anônimo é seu nome. O fora seu pensamento [...]. (BLANCHOT, 2016, p.47)
Sob esse panorama, Gilles Deleuze abordou a questão da subjetividade a
partir do conceito de Dobra do Fora. Constituída a partir das obras dedicadas ao
próprio Foucault, indica a partir da natureza de sua complexidade semântica que a
dobra é uma envergadura, uma flexão do lado de fora (poder) para a constituição de
“uma relação da força consigo, um poder de se afetar a si mesmo, um afeto de si por
si”, (DELEUZE, 2005, p. 108). Baseado nessa perspectiva, Pelbart (1989, p.135)
explica:
A subjetividade pode então ser definida como uma modalidade de inflexão das forças do Fora, através da qual cria-se um interior. Interior que encerra dentro de si nada mais que o Fora, com suas partículas desaceleradas segundo um ritmo próprio e uma velocidade específica. A subjetividade não será uma interioridade fechada sobre si mesma e contraposta à margem que lhe é exterior, feito uma cápsula hermética flutuando num Fora indeterminado. Ela será uma inflexão do próprio Fora, uma Dobra do Fora. (PELBART, 1989, p.135)
Quer dizer que não existe lado de dentro? Contesta Deleuze (2005, p. 103-
104). Fundamentado na análise crítica de Foucault, concebe que o fora "não é um
limite fixo, mas uma matéria móvel animada de movimentos peristálticos, de dobras
e pregas que constituem um dentro, não outra coisa que o fora, mas exatamente o
dentro do fora". Por exemplo, como diz Pelbart (2000, p.16): “um campo de forças e
velocidades infinitas que fluem de informações, signos, imagens, sons, palavras e
coisas, etc. – e uma inflexão subjetiva, tal como uma dobra de um lençol estendido,
a subjetividade como uma ondulação do campo, [...] como uma dobra das forças do
Fora uma invaginação da qual se cria um interior”.
Para entender em que a Dobra se diferencia do Fora, Deleuze recorre à
análise histórica de Foucault sobre como os gregos operaram a “dobra”. Como
constituíram a “relação consigo” e a “constituição de si”, no nível da alimentação, da
54
relação com família, com a política, o poder que se exerce em relação aos outros.
Os gregos vergaram as forças do lado de fora, sem que a deixassem de ser força;
eles as relacionaram consigo mesmo, de modo que inventaram o sujeito pela
“subjetivação” e descobriram a “existência estética” e o cuidado de si.
Fundamentalmente, a ideia de Foucault é a dimensão de uma subjetividade que
deriva do poder e do saber, mas que não depende deles. Tudo isso trata da mesma
questão: da relação da força consigo, do poder de se afetar a si mesmo, do afeto de
si para si - no sentido espinozano (DELEUZE, 2005, p.107-108).
A relação consigo entra nas relações de poder e nas relações de saber, diz
Deleuze (2005, p.110). O meio ambiente da tecnologia ciberespacial, os meios de
informação e comunicação, no campo das redes sociais digitais, passaram a operar
como mediadores entre o poder, o saber, a relação consigo e o social. De modo que
“o indivíduo interior acha-se codificado, recodificado num saber "moral" e, acima de
tudo, torna-se o que está em jogo no poder - é diagramatizado” (DELEUZE, 2005,
p.110).
Deluze, quando usou a expressão “sociedade de controle” para designar o
novo regime e as novas formas de poder, descreveu isso como um regime apoiado
nas tecnologias eletrônicas e digitais, capazes de potencializar o capitalismo, que se
caracteriza pela superprodução e pelo consumo exacerbado. Um sistema regido
pelo marketing e pela publicidade como instrumento de controle social. No caso dos
media, a comunicação coloca em relação a instância de produção e de recepção; a
primeira tem “um duplo papel: de fornecedor de informação, pois deve fazer saber, e
de propulsor do desejo de consumir as informações, pois deve captar seu público”,
não se trata apenas de informar, mas de construir um certo saber sobre o mundo
(CHARAUDEAU, 2006, p. 72). Na medida em que o discurso propagandista
compreende parte da atividade informativa, tendo esse uma posição central,
considera-se que:
O discurso informativo não tem uma relação estreita somente com o imaginário do saber, mas igualmente com o imaginário do poder, quanto mais não seja, pela autoridade que o saber lhe confere. Informar é possuir um saber que o outro ignora ("saber"), ter a aptidão que permite transmitir esse outro ("poder dizer"), ser legitimado nessa atividade de transmissão ("poder de dizer"). Além disso, basta que se saiba que alguém ou uma instância qualquer tenha a posse de um saber para que se crie um dever de saber que nos torna dependentes dessa fonte de informação. Toda instância de
55
informação, quer queira, quer não, exerce um poder de fato sobre o outro. Considerando a escala coletiva das mídias, isso nos leva a dizer que as mídias constituem uma instância que detém uma parte do poder social. (CHARAUDEAU, 2006, p. 63),
A biopolítica orienta cada um para construir sua vida a partir de convocações
discursivas que encarnam; o dispositivo busca capturar a atenção, motivar a
fidelidade, a resposta ativa do consumidor, para seguir os valores de consumo.
Como diz José Luiz Prado, há uma convocação, uma palavra de ordem, é preciso
que o discurso encarne. Ao ser abordada a pessoa tem de sentir o chamado no
corpo, tem de responder com o corpo. Para ser fazer ouvir, ou melhor, ler, o
enunciador trabalha o texto em sua força de apelo, constrói uma narrativa repleta de
sentidos ligados ao mundo cotidiano. E para ser seguido, constrói enquadramentos
a partir de sua força de “autoridade de sabedor” (PRADO, 2010, p. 58). Como
podemos observar nos anúncios institucionais a seguir, publicados nas páginas do
Facebook:
Figura 10: Exemplos de anúncios que circulam no facebook
sobre saúde e beleza
Fonte: <www.facebook.com>.
56
Figura 11: Exemplos de anúncios que circulam no facebook sobre estilo de vida e emagrecimento
Fonte: <www.facebook.com.br>.
Nas palavras de Deleuze, o poder se instaura na vida cotidiana dos sujeitos e
forma um saber por meio de todas as técnicas das ciências morais e do homem, “a
dobra parece então ser desdobrada, a subjetivação do homem livre se transforma
em sujeição”, por um lado o sujeito se submete ao controle por tornar-se dependente
dos procedimentos de modulação e de individualização instaurados, por outro lado é
"o apego (de cada um) à sua própria identidade mediante a consciência e o
conhecimento de si". Então poderia se concluir que não há formas livres de
individualidade? “Evidentemente que não, pois haverá sempre uma relação consigo
que resiste às normas e aos poderes, a relação consigo é inclusive um dos pontos
de resistência e que está sempre se metamorfoseando”. (DELEUZE, 2005, p. 110-
111).
Sendo assim, “a fórmula mais geral da relação consigo é: o afeto de si para
consigo, ou a força dobrada, vergada. A subjetivação se faz por dobra. Mas há
quatro dobras, quatro pregas de subjetivação” (DELEUZE, 2005, p.111). Quais
seriam as nossas quatro dobras, nos nossos próprios modos atuais e biopolíticos, da
moderna relação consigo? De um modo geral, a primeira dobra refere-se à parte
material de nós mesmos, nosso corpo, que para os gregos, era o corpo e seus
prazeres, já para os cristãos, a carne e seus desejos, conforme Deleuze (2005,
57
p.111). Em nossos termos atuais, nosso corpo continua sendo a materialidade da
relação de si e a primeira conexão para com os afetos, mas pode-se dizer que nosso
corpo tem recebido padrões estéticos e obrigado a se modular mediante as novas
formas de se alimentar, dietas e regimes e esculpido nas academias, para compor o
tal corpo desejável, corpo magro e malhado. Da mesma forma, o prazer e o desejo
se remetem aos mesmos padrões desse corpo.
A segunda dobra, explica o autor, “é a da relação de forças, no seu sentido
mais exato; pois é sempre segundo uma regra singular que a relação de forças é
vergada para tornar-se relação consigo” (DELEUZE, 2005, p.111). Para nós,
fundamentados na descrição de Foucault, em que toda relação de força é uma
relação de poder, temos a segunda dobra como estratégia de poder, um conjunto de
regras normalizadoras relacionadas ao modo de ser como sujeito e em sociedade,
veiculadas pelos medias como mapas modalizadores, por exemplo, os discursos de
“aprenda em 4 passos como ter alta performance”; “conheça os truques/segredos
das pessoas de sucesso”, que quando entram num plano de composição, são
difundidos, compartilhados instantaneamente nas redes virtuais sociais.
A terceira dobra é a do saber, diz Deleuze (2005, p.111) é “a dobra da
verdade, por constituir uma ligação do que é verdadeiro com o nosso ser [...], que
servirá de condição formal para todo saber, para todo conhecimento”. Assim, como
já comentamos anteriormente, trata-se dos enunciadores informativos, assinados
por especialistas e autoridades do conhecimento, do bombardeio de informações
dos que fazem saber por meio dos dispositivos midiáticos, há também a busca ativa,
em que nunca foi tão fácil o acesso, em um clique se pode “jogar” no Google e ter
em mãos o saber sobre qualquer que seja a dúvida.
A quarta dobra “é a do próprio lado de fora, a última: é ela que constitui o que
Blanchot chamava de uma ‘interioridade de espera’, é dela que o sujeito espera, [...]
a imortalidade, ou a eternidade, a salvação, a liberdade, a morte, o desprendimento”
(DELEUZE, 2005, p.111) que, em nosso contexto, podemos considerar como a
expectativa de como gerir as próprias agonias, à espera do desenvolvimento das
tecnologias e ciência capazes de estender a vida, imortalizar a juventude, e todo
arsenal tecno-cultural, de entretenimento e formas de gozo que o capital pode
produzir. Portanto, “as quatro dobras são como a causa final, a causa formal, a
causa eficiente, a causa material da subjetividade” (DELEUZE, 2005, p.112).
58
2.2 Subjetividade e Capitalismo
Então, o que é que sobra para a nossa subjetividade? Se for verdade, que o
poder, principalmente proveniente do capitalismo, investe cada vez mais em nossa
vida cotidiana, determinando nossa interioridade, nossa individualidade, nossos to
be ourselves – modos de ser e estar no mundo e se for verdade que cada vez mais
o próprio saber se faz cada vez mais individualizado ao sujeito desejante: “nunca
"sobra" nada para o sujeito, pois, a cada vez, ele está por se fazer, como um foco de
resistência, segundo a orientação das dobras que subjetivam o saber e recurvam o
poder” (DELEUZE, 2005, p.112-113).
Das inúmeras consequências dessa investida maciça por parte do capitalismo
sobre a subjetividade, Pelbart (2000, p.12) aponta duas que são incontestáveis, a
primeira se trata do fato de que “a subjetividade ganhou visibilidade como um
domínio próprio, relevante, capital.” É a luta contra as formas de sujeição, de
submissão da subjetividade que consiste em nos individualizar e ligar cada indivíduo
a uma identidade determinada (DELEUZE, 2005, p.113). Pertinente a isso, Foucault
(apud DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 239) concluiu: “o objetivo principal hoje não é
descobrir o que somos, mas recusá-lo”.
A segunda diz respeito ao fato de que se a violência do capitalismo na sua
gana de moldar estritamente a subjetividade se revelou de modo tão escancarado
nos últimos tempos, ao menos isso tem a vantagem de nos desfazer do “mito de
uma subjetividade dada”. Assim, podemos compreendê-la como globalmente
“fabricada, produzida, moldada, modulada e também, a partir daí, automodulável”.
Talvez, como diz o autor, originem-se daí os discursos modernos que se preocupam
mais em reinventar a subjetividade do que em decifrá-la. O que Foucault (apud
DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 239) expressou da seguinte maneira: “Temos que
promover novas formas de subjetividade através da recusa desse tipo de
individualidade que nos foi imposta há vários séculos”.
Mais do que criticar a ideia da construção da subjetividade e da noção de
sujeito a que se remete, cabe-nos examinar quais as forças hoje que estão dando
novos sentidos ao termo subjetividade, que tem novos poderes de afetar e ser
afetado, que novos modos de vida essas forças instauram em nossos territórios,
59
existências, onde a tecnologia, a internet, as redes de relacionamento virtuais são o
meio ambiente. Nesses moldes, tomemos como evidência o cenário a seguir:
“Seja sua melhor versão”, eis a nova máxima subjetiva contemporânea da
sociedade narcisista, o mantra das selfies e da exibição dos corpos inseridos na
dicotomia cartesiana das fotografias de “antes e depois”. Seria preciso perguntar a
que esse “melhor” se fundamenta? Que valores constituem tal imperativo? Se a
convocação é para você, nós, referente à versão de mim mesmo, podemos admitir
não mais uma modulação segundo a lógica capitalista e cultural de consumo, do
qual o inconsciente foi absorvido pela ascensão da mídia e da indústria de
propaganda, mas à criação de um imaginário subjetivo a partir de uma
“automodulação” caracterizada pela promoção da autonomia do indivíduo, sua
autoestima e a exaltação do “eu”.
No dia 08 de maio de 2017, fizemos uma busca pelo termo “seja sua melhor
versão” e algumas formas derivadas dessa expressão em seu modo imperativo e
“auto-imperativo”, tanto na escrita em língua portuguesa, quanto em sua tradução na
língua inglesa na rede social Instagram, utilizadas as hashtags1 foram encontradas:
#minhamelhorversao (106.649 citações), #sejasuamelhorversao (26.685 citações),
#minhamelhorversão (22.880 citações), #melhorversao (13.691 citações),
#sejasuamelhorversão (9.845 citações), #sejaoseumelhor (5.180 citações),
#sejaseumelhor (2.379 citações), #bestself (822.671 citações), #beyourbest
(333.838 citações), #beyourbestself (124.052 citações), #beyourbestyou (46.753
citações), #beyourbestversion (13.870 citações), #mybestversion (2.416 citações) e
encontramos cerca de 1.530.909 citações públicas.
Observamos, também, que as expressões estão vinculadas
predominantemente a fotos retratando pessoas exercendo algum tipo de atividade
física ou esporte, fotos de pratos contendo alimentos que compõem uma dieta
saudável e a montagem de fotos mostrando como era o corpo antes de iniciar os
exercícios físicos, a nova dieta e o resultado do corpo depois de mudar os hábitos
1 Hashtag é uma expressão bastante comum entre os usuários das redes sociais, na internet. Consiste de uma palavra-chave antecedida pelo símbolo #, conhecido popularmente no Brasil por "jogo da velha" ou "quadrado". As hashtags são utilizadas para categorizar os conteúdos publicados nas redes sociais, ou seja, cria uma interação dinâmica do conteúdo com os outros integrantes da rede social, que estão ou são interessados no respectivo assunto publicado. A hashtag é transformada em um hiperlink, que também pode se indexado por motores de busca na internet, na própria rede social ou em sites de busca como o Google.
60
físicos e de alimentação, ou seja, após aderir a um estilo de vida visto como
saudável. Conforme podemos verificar nos exemplos a seguir das hashtags que
tiveram maior incidência (#minhamelhoversao; #bestself):
Figura 12: Resultado da busca pelas hashtags #minhamelhorversão e #bestself realizada no dia 08 de maio de 2017, na rede social Instagram.
Fonte: <www.instagram.com>.
No dia 20 de maio de 2017, fizemos uma nova busca nas hashtags (#) de
maior publicação (#minhamelhoversao; #bestself) e identificamos um crescimento de
2,30% no número de publicações para a tag #minhamelhorversao, o que representa
2.508 novas publicações. Para a tag #bestself, identificamos um aumento de 1,32%
que representa 11.033 novas publicações num espaço de tempo de 12 dias. Como
podemos averiguar a seguir:
61
Figura 13: Resultado da busca pelas hashtags #minhamelhorversão e #bestself realizada no dia 20 de maio de 2017, na rede social Instagram
Fonte: <www.instagram.com>.
2.3 - Imperativos da contemporaneidade
Diante desse prisma, cabe-nos investigar quais os valores que traspõem as
alegrias do marketing e do mercado, a cultura e as novas políticas de vida que
levam essa crescente massa de sujeitos contemporâneos a renderem o culto ao
corpo. O que acreditam todos aqueles que buscam a perfeição do corpo? Ou,
parafraseando Gilles Deleuze, a que estão sendo levados a servir? Ao que parece,
do ponto de vista de Paula Sibilia (em FREIRE FILHO, 2010, p.205), esses sujeitos
acreditam, acima de tudo, no valor da imagem que eles projetam nos espelhos e nos
olhares alheios, uma imagem – que vem afetando progressivamente a subjetividade
ao longo da história – capaz de revelar o que se é. Se a forma dessa imagem se
enquadra dentro das regras da boa forma, então há o privilégio de ostentá-la e será
sinônimo de felicidade em todos os campos da vida, do sucesso profissional, ao
prazer sexual, o amor, a beleza estética e o bem-estar.
62
Poderiamos dizer que se trata de uma nova busca pela felicidade? O que
curiosamente é impulsionada por uma indústria poderosa: a da insatisfação – o
mercado também vende o problema. Tudo isso faz parte de uma complexa rede de
valores e crenças, apoiada na imagem de que ser velho, feio e/ou gordo, ou
simplesmente o fato de se ter um corpo considerado imperfeito relacionado a
qualquer sentido, é impróprio. E tais caracteristicas atribuidas ao corpo constituem
uma falha de caráter individual. Pois, não ser fitness implica uma inadequeação
problemática, um erro de programação, que impede de alcançar o ideal de
felicidade. Mas que, apesar de tudo, pode e dever ser resolvido tecnicamente,
comenta Paula Sibilia ( apud FREIRE FILHO, 2010, p. 206).
Podemos observar que o mercado oferece um amplo catálogo de soluções
que prometem adequar o corpo ao modelo ideal propagado em imagens midiáticas.
Estamos rodeados de informações e convocações sobre o desequilíbrio entre a falta
e excessos sobre alimentação, obesidade, riscos e prazeres. Pelas “maravilhas do
marketing costumamos comprar no mesmo pacote tanto o problema quanto a
solução”. Mas nunca é suficiente, é necessário atualizar-se constantemente, seguir o
que falam tanto os médicos e especialistas da tecnociência em geral, quanto dos
profissionais midiáticos, da publicidade e do marketing. É preciso permanecer atento
e alerta a qualquer mudança, por menor e mais insignificante que pareça, viver em
constante autovigilância e autocontrole, a fim de evitar o risco de ficar obsoleto e
perder a alta performance (SIBILIA apud FREIRE FILHO, 2010, p. 206).
Dietas, musculação, treinos dos mais diversos, cirurgias, pílulas, massagens
modeladoras, cosméticos: o mercado de beleza e saúde coloca à disposição uma
infinita gama de produtos e serviços para tratar, emagrecer, enrijecer, alongar,
rejuvenescer, esticar, definir, drenar, sarar, bombar e turbinar os corpos sempre com
um catálogo renovado a fim de aperfeiçoar o aspecto físico. “Em nome dos valores
bem contemporâneos, como autoestima e a felicidade, a carne humana é
obstinadamente submetida a um conjunto de técnicas de modelagem corporal”, que
no caso, demandam grandes esforços, tempo e dinheiro com o intuito de atingir a
meta do momento: possuir um corpo perfeito (SIBILIA apud FREIRE FILHO, 2010,
p.197).
Para demonstrar como funciona esse quadro de teorias até aqui, tomemos
como exemplo o site Dicas de saúde (http://www.saudedica.com.br), um entre
63
inúmeros sites e blogs disponíveis na web que oferece diversas dicas voltadas à
saúde, alimentação e cuidados com o corpo. Mas o que nos chama atenção é o
banner no cabeçalho do site que convoca o leitor a experimentar: “como emagrecer
definitivamente de uma forma rápida e saudável, sem sofrimento e sem suar em
academias” inserindo o e-mail ao lado ou clicando no outro banner logo abaixo, que
chama mais atenção por estar atrelado a uma montagem de fotos de um corpo
antes gordo e depois o mesmo corpo magro.
Figura 14: Página do site Dicas de saúde
Fonte: <https://goo.gl/OG0XBH>. Acesso em: 22 mar. 2017
Após clicar no botão “Experimente hoje mesmo” do banner verde, somos
levados para uma outra página, mas que antes que possamos visualizar seu
conteúdo, um pop-up “pula” na frente da página com os dizeres “Emagreça sem
sofrimento & Conquiste o seu PESO IDEAL e RECUPERE a sua autoestima PARA
SEMPRE!”, seguido de que a pessoa não vai precisar “sofrer” e o que vai
“conquistar” tomando o produto SUPER SLIM X.
64
Figura 15: Pop-up Super Slim X
Fonte: <https://goo.gl/uHyvV3>. Acesso em: 22 maio 2017
Ao fechar o pop-up, conseguimos visualizar o conteúdo, do qual se trata de
uma história exclusiva de uma esposa que consegue emagrecer 32kg tomando as
capsulas de emagrecimento e surpreende o marido que estava no Haiti. E relata
que, como muitas mulheres, Suzana começou a ter problemas de peso após a
gravidez e que apesar de ter um casamento feliz, Suzana percebia que o marido já
não a olhava com os mesmos olhos, o que diz ela, afetou sua autoestima.
Observamos que além da história de cunho emocional, o qual faz com que muitas
mulheres possam se identificar com a história de vida de Suzana, o site chama o
leitor a “conferir” o resultado de outras pessoas que também fizeram uso do produto,
e coloca abaixo e ao lado da história vários testemunhos vinculados às fotos de
“antes e depois” mostrando seu resultado.
65
Figura 16: Testemunho e história de emagrecimento com o uso do SuperSlim X
Fonte: https://goo.gl/uHyvV3. – acesso em 22 de maio de 2017
Após clicar no botão que indica a oferta do produto, somos direcionados para
outra página, em que pode se assistir o vídeo de uma atriz recomendando o uso do
Super Slim X, comprovando sua eficácia.
Figura 17: Vídeo atriz Monique Alfradique indicando Super Slim X
Fonte: <https://goo.gl/VAJEfN>. – acesso em 22 de maio de 2017
66
E logo abaixo do vídeo, o site apresenta o que estão dizendo na mídia, nos
veículos tradicionais - os sujeitos-supostos-sabedores que comentamos no primeiro
capítulo - como a revista Boa Forma, Vogue, Corpo a Corpo e o canal de televisão
Record.
Figura 18: Mídias tradicionais que falam sobre o Super Slim X
Fonte: <https://goo.gl/VAJEfN>. – acesso em 22 de maio de 2017
Em vista disso, cabe admitir que a era do “culto ao corpo” penetrou nos
modos de ser da civilização, porém, nem todos os corpos são igualmente
idolatrados. Essa veneração se dá apenas a um tipo de corpo, que tem suas
próprias regras, somente os corpos sarados e malhados são alvo de especulações e
conseguem projetar seu esplendor pelas câmeras e olhares nas mídias e inspiram
um desejo de mimética. Não se trata somente de admirar e consumir com os olhos
as silhuetas esguias e os contornos exemplares dessas figuras, mas também de
produzir em si o próprio corpo que seja merecedor de celebrações e olhares alheios
(SIBILIA apud FREIRE FILHO, 2010, p.198).
Vale comentarmos, que mesmo que pareça paradoxal, o culto ao corpo não
trouxe somente prazeres e sensações ligadas ao gozo e felicidade. Existe também o
lado sombrio dessa tendência, e se trata dos extremos de transformação do próprio
corpo. Não são raros os casos que o corpo sofre e é punido em virtude das
transgressões de sua natureza, algo que pode se manifestar em diversas
modalidades, do aprimoramento atlético à compulsão por cirurgias estéticas.
Podemos citar práticas que ao se tornar um comportamento obsessivo e compulsivo,
67
já se tornaram patologias como, por exemplo, o fisiculturismo para além dos limites
abalizados pela estrutura anatômica a fim de obter um corpo musculoso, catalogado
como vigorexia. Até mesmo a fixação pelo consumo estritamente de alimentos
saudáveis para não engordar e adoecer, foi considerado como novo distúrbio
chamado de ortorexia. Todas essas perturbações fazem parte das expressões mais
conhecidas desse tipo de comportamento que levam a transtornos alimentares: a
anorexia e a bulimia, uma perseguição pela magreza e o medo de engordar (SIBILIA
apud FREIRE FILHO, 2010, p.200). Como podemos constatar nas seguintes
imagens vinculadas no Youtube sobre a transformação das pessoas que tiveram
anorexia:
Figura 19: Video youtube – Antes e depois da anorexia
Fonte: https://goo.gl/V0kb1p – acesso em 20 de maio de 2017
E como no caso de Ronnie Coleman, o recordista de títulos de fisiculturismo,
campeão oito vezes Mr. Olympia, considerado o maior bodybuilding da história. Mas
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como consequência dos treinos que ultrapassaram os limites do seu corpo, teve que
fazer duas cirurgias no quadril e cinco cirurgias na coluna. Como ele próprio revela
em sua conta oficial do Instagram. Em 9 de fevereiro de 2016, publicou um vídeo em
que se mostrava na cadeira de rodas e declarou chamando a atenção dos fãs: “Olá
pessoal, vocês querem ser como eu? Eu sou oito vezes campeão Mr. Olympia e eu
não posso andar” (tradução nossa). Como podemos observar a seguir:
Figura 20: Publicações de Ronni Coleman em seu Instagram
Fonte: <https://goo.gl/FHiK4f>.
Fonte: <https://goo.gl/HWrMbw>. Fonte: <https://goo.gl/xu7esC>.
Cabe ainda citar nesse conjunto de mal-estares da nossa época, as
síndromes e fobias sociais desenvolvidas pela temível exposição ao olhar alheio,
pelo medo do julgamento do próprio aspecto corporal, como a síndrome do pânico e
69
depressão. Essa breve exposição nos serve de reflexão para as consequências da
“desgraça de ser ter um corpo inadequado numa sociedade – em nome do bem-
estar – que respeita as boas formas, mas como uma devoção inusitada”. A
gravidade desse mal-estar social e no próprio corpo adquiriu uma proporção de
perversidade tão insensata “que já ganhou o estatuto de um mal-estar psiquiátrico
chamado de lipofobia” um tipo de aversão que censura os aspectos físicos e de
comportamento humano e aponta tanto para o próprio organismo quanto para os
corpos alheios (SIBILIA apud FREIRE FILHO, 2010, p.200). É tão grave a esfera
que paira sobre os corpos e subjetividades que, fazendo uma busca livre pela
hashtag (#) anorexia, na rede social Instagram, nos deparamos com um curioso
alerta e oferecimento de ajuda: o dispositivo fazendo o papel social, acolhedor e de
alerta, como resultado do filtro das publicações mais recorrentes e tags de assuntos
mais buscados. Papel esse que nos parece negligente às faces de carne e osso.
Como se pode observar a seguir:
Figura 21: Alerta do Instagram ao buscar pelo tema “anorexia”
Fonte: <www.instagram.com>.
De fato, percebe-se um evidente enaltecimento do corpo e um estímulo aos
gozos corporais aos quais consideramos que são um imperativo de felicidade a todo
70
custo, urgente, privada e imediata. Nesse sentido, concordamos com Paula Sibilia
(apud FREIRE FILHO, 2010, p. 202) que na confluência desses dois impulsos, e na
condição que sustenta a ideia para subjetividade contemporânea, o “corpo é objeto
de um design epidérmico que recomenda o cultivo da própria imagem, numa era na
qual a visibilidade e o reconhecimento alheio são essenciais para definir o que se é.”
O que se almeja é atingir uma “virtualidade imagética tão descarnada como
descarnante”. A moral da boa forma submete os indivíduos a todas as pressões do
desencantado e deleitoso mundo contemporâneo.
Além disso, se trata de um “empreendimento que implica uma boa gestão de
si, capaz de envolver o indispensável autocontrole e a cotidiana adesão aos modos
de vida considerados certos e saudáveis”. Interpelados e repreendidos pelos
discursos midiáticos e pela enxurrada de imagens que ensinam como viver, “o que
comer, quanto pesar, o que vestir para delinear um corpo perfeito, ao mesmo tempo
que informa e adverte sobre todos os riscos inerentes que podem afastá-los do
modelo ideal e as consequências de não o alcançar” (SIBILIA eapud FREIRE
FILHO, 2010, p.204).
Não compete ao nosso objetivo discutir os padrões de corpos socialmente
aceitos tampouco criticar os novos modelos estéticos olhando o corpo humano como
matéria. Entretanto, é necessário fazer esse percurso para averiguar quais as linhas
de forças históricas, culturais, econômicas, sociais e os afetos que impulsionam as
configurações das subjetividades atuais. Assim, pretende-se, sob as luzes dos
valores contemporâneos, examinar os modos de ser que se desenvolvem junto a
uma série de novas práticas de expressão e comunicação hoje em alta, a fim de
compreender os sentidos desse curioso fenômeno: a exibição do próprio corpo a
partir das fotos de “antes e depois”.
Nessa perspectiva, Joel Birman (apud FREIRE FILHO, 2010, p. 39) nos diz
que o imperativo de qualidade de vida procura colocar em foco as práticas que
devem ser realizadas por meio das boas condições de saúde, da boa alimentação,
somando a prática regular de atividades físicas, esportes e de lazer como condição
para que o sujeito mantenha sua autoestima e a sua autonomia. Como comentamos
anteriormente, os jornais e revistas colocam sistematicamente pautas sobre temas
que compõem uma agenda da qualidade de vida, ao lado disso, diferentes
programas de televisão promovem receitas de alimentação saudável até os
71
benefícios e importância de se praticar atividades físicas. Como exemplo disso,
podemos citar o programa recente da Rede Globo chamado de Bem Estar, que traz
cada a cada manhã uma matéria nova relacionada à saúde e bem-estar. “Dito de
outra maneira, a vida saudável se transformou, então, num estilo de vida”.
Além disso, o autor ainda concebe que a conjunção entre a ideia de saúde e
de beleza passou a ser unida, pois, ter uma boa saúde seria a condição para que o
sujeito se sentisse efetivamente belo e, assim, pudesse manter em alta sua
autoestima. Ou seja, “não existem mais demarcações bem estabelecidas entre os
registros do que se considera saúde com o que está no campo da beleza, mas
apenas bordas, pelas quais os dois ramos podem se sobrepor e frequentemente se
confundir” (BIRMAN em FREIRE FILHO, 2010, p. 41).
Diante desse contexto, também concordamos com Birman, quando considera
que o maior medo da atualidade seria a perda de autoestima, a qual obceca tanto os
sujeitos da pós-modernidade. Isso porque, o incremento, a manutenção, ou melhor,
o gerenciamento da autoestima estaria vinculado diretamente à condição do
indivíduo ser vencedor ou perdedor. Com efeito, “os vencedores são todos aqueles
indivíduos que conseguem manter sua autoestima em alta, assim como os
perdedores se trata daqueles que a mantêm em baixa” (apud FREIRE FILHO, 2010,
p.41).
Entretanto, é importante destacarmos, ainda, que a ideia de performance
estabelece um critério distintivo para a individualidade, e que é evidenciado pelo
imperativo de autonomia. Assim, pela performance, o sujeito poderia colocar em
evidência a sua autonomia ao mesmo tempo que gerencia sua autoestima – “signos
indiscutíveis de felicidade e da condição de vencedor”. Porém, “a dita performance
também implica sempre a administração narcísica do eu ideal, o qual ocupa o centro
da cena psíquica do sujeito” (BIRMAN em FREIRE FILHO, 2010, p. 41).
O que anteriormente Debord (1992) anteviu e antecipou brilhantemente, ou
seja, a transformação do cenário social na contemporaneidade quando anunciou a
constituição da Sociedade do espetáculo, como vimos no primeiro capítulo deste
trabalho. E que para Birman, a performance e a autonomia seriam as condições
perfeitas de possibilidade para que o indivíduo se promovesse e criasse o
espetáculo na cena social. Portanto, consentimos com o autor que “para promover o
espetáculo e estar à altura dele, é necessário, como condição, o sujeito sustentar
72
performaticamente a sua autonomia, o que faz parte da constituição da felicidade do
sujeito contemporâneo” (BIRMAN apud FREIRE FILHO, 2010, p. 41).
Para ilustrar esse encadeamento de ideias das teorias apresentadas e
mostrar como esse fenômeno se manifesta, encontramos na primeira página do blog
em “Tudo sobre mim”, de Gabriela Pugliesse, uma das blogueiras fitness mais
famosas em questão de seguidores nas redes sociais (com 3,4 milhões em 20 de
maio de 2017), sua foto de antes quando era criança e gordinha, com uma
expressão de tristeza e sua foto de depois mostrando um corpo esbelto, malhado e
transmitindo um semblante de autoconfiança. Também, julgamos importante
destacar a eloquência dos dizerem que acompanham as fotos: “Oi gente, tudo bem?
Meu nome é Gabriela. Mas poderia ser Fernanda, Janaína ou Pedro. E assim como
muita gente, eu também tive meus problemas com peso e autoestima. Desde
pequena, na verdade”:
Figura 22: Blog Gabriela Pugliesi – “Tudo sobre mim”
Fonte: <https://goo.gl/GqJV92>.
Diante disso, podemos depreender como se constitui a concepção e o novo
modelo antropológico da subjetividade contemporânea, convergente com a
promoção do eu e da felicidade que se dissemina ativamente na atualidade através
dos diversos dispositivos de comunicação, especialmente nas redes sociais digitais.
De acordo com Birman (apud FREIRE FILHO, 2010, p. 43), neste modelo
antropológico, o sujeito é concebido segundo os eixos do corpo, da ação e da
73
intensidade, segundo os quais são a performance e a autonomia que sustentam a
autoestima do indivíduo.
Pois, como alerta Souza Couto (apud RIBEIRO; SILVA; GOELLNER, 2009, p.
52) “não adianta preservar quimicamente a felicidade se essa sensação não for
espetacularizada, vista e, sobretudo, admirada – às vezes fortemente invejada –
pelos outros.” Também corroboramos com o autor quando diz que, de fato, não é por
acaso que a publicidade e os meios de comunicação, tradicionais e recentes, não
cessam de promover a superexposição e a hiperprodução de imagens de pessoas
que aparentam ser as mais felizes dentre as mais felizes, já que a felicidade artificial
deve ser sempre fora do comum, excessivamente demais.
Complementar a isso, “o eu alegre” não cessa de publicar e dizer ao mundo
sua felicidade, ao mesmo tempo que também testemunha a felicidade artificial dos
outros. E quando a felicidade do outro parecer superior à nossa, nada de interiorizar
sentimentos negativos e de inferioridade. Basta recorrer imediatamente às soluções
farmacológicas, as pílulas da felicidade e sejamos todos infinitamente melhores
(SOUZA COUTO apud RIBEIRO; SILVA; GOELLNER, 2009, p. 52). Assim, na difícil
construção de si mesmo, o pódio estético atual inclui a doutrina dos corpos
modulados conforme as forças dos biopoderes atuais e a impressão de felicidade
sincronicamente aos valores de autoestima e autonomia.
74
CAPÍTULO 3 – O CORPO “ANTES E DEPOIS”: A SUBJETIVAÇÃO
NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DIGITAIS
3.1 A construção do “eu” virtual
Ao longo das últimas duas décadas, os computadores interconectados
através das redes digitais de alcance global, os meios de comunicação de massa,
baseados em tecnologias eletrônicas, o surgimento das mídias online e a criação
das redes sociais digitais foram se apresentando como plataformas para a criação
de novas práticas de expressão e comunicação, dando visibilidade às subjetividades
e à construção da imagem em torno de si, através das práticas exercidas no meio
ambiente do ciberespaço que, acordo com Leão (2004), é:
[...] um território em constante ebulição. Camaleônico, elástico, ubíquo e irreversível, o ciberespaço não se reduz a definições rápidas. Partindo de um olhar tríplice, percebemos que o ciberespaço engloba: as redes de computadores, integradas no planeta (incluindo seus documentos, programas e dados); as pessoas, grupos e instituições que participam dessa interconectividade e, finalmente, o espaço (virtual, social, informacional, cultural e comunitário) que emerge das inter-relações homem-documentos-máquinas. (LEÂO, 2004, p. 9)
Paula Sibilia (2016) nos fala do trajeto histórico percorrido desses canais de
interação. A comunicação mediada por computadores no ambiente do ciberespaço
começou pelo e-mail, o correio eletrônico, uma condensação entre o telefone fixo e a
correspondência física em papel e envelope, que rapidamente se espalhou nos
últimos anos do século XX, promovendo um aumento e uma agilidade dos contatos
e da forma de se comunicar. Logo depois, os canais de bate-papo ou chats como do
site da UOL se popularizaram, seguidos pelo emblemático ICQ, que logo evoluíram
para os sistemas de mensagens instantâneas como o famoso MSN e do Hangout e
das redes de comunicação social como Orkut, MySpace, Facebook, Twitter,
Linkedin, Instagram, Pinterest e Snapchat. Acompanhados de sites que facilitariam o
compartilhamento de vídeos caseiros, no qual o Youtube se destacou na categoria.
75
Há ainda outra linha de aplicativos móveis, os que acabaram tornando as
chamadas telefônicas e as mensagens de SMS raras e quase obsoletas,
substituindo-as por um diálogo permanente por meio do aparelho celular,
acompanhado da possibilidade de troca de fotos e sons, e a interação por vídeo ao
vivo, como o pioneiro Skype, Viber e Whatsapp, que permitem ligações com áudio e
imagem em movimento entre uma ou mais pessoas, sem custo algum, além do uso
dos dados da internet, algo que até pouco tempo atrás era o sonho de muitas
pessoas que tinham um alto custo para falar com parentes que morassem há longas
distâncias e até mesmo em outro país.
Continuando esta revisão sobre a evolução dos meios de comunicação até
aqui, logo surgiram serviços mais específicos como os aplicativos de relacionamento
Tinder, Grindr, Happn e Kickoff, voltados a contatar possíveis parceiros sexuais, com
busca por localização de proximidade com a possibilidade de visualizar se há
amigos em comuns no Faceboook. Essa sucessão de invenções foi transformando a
tela do computador e, posteriormente, as dos aparelhos móveis como smartphones
e tablets, afirma Sibilia (2016, p. 20), em janelas que driblam quase todos os limites
de tempo e espaço, conectadas a um crescente número de usuários.
Outro elemento importante nesse percurso elucidado por Sibilia (2016, p.20),
foram os blogs, surgidos nos primeiros anos do século XXI, os quais eram
chamados de “diários íntimos que se publicam na internet”, lembra a autora. Eles
também possuem outras modalidades, como os fotologs, ou videlogs ou vlogs.
Ainda hoje, existe uma diversidade gigantesca de blogs dos mais variados assuntos
na internet, apesar de que boa parte da atividade esteja vinculada às redes sociais
como Facebook, Instagram e Twitter, que foram criadas posteriormente. Nessa
categoria, na junção entre blogs e redes sociais há ideias de conteúdo bem
variadas, incluindo novas formas estéticas. Contudo, nota-se, ainda, que quase
todos os blogs costumam seguir o modelo do testemunho confessional pessoal.
Além de todos esses produtos midiáticos citados, as câmeras digitais, que
permitem tirar fotos e fazer vídeos sem necessidade do processo de revelação
analógico, de forma instantânea e ilimitada, têm sido incorporadas por quase todos
os dispositivos de informação e comunicação, de laptops – desde o surgimento das
webcams, as pequenas filmadoras de baixo custo – aos tablets e smartphones. Nos
últimos anos, tornou-se praticamente uma raridade conseguir um telefone móvel ou
76
um computador sem uma câmera embutida, o que parece um sintoma das práticas
atuais, comenta Sibilia (2016).
Conforme o dicionário Oxford, em 2013, “a palavra do ano” eleita foi Selfie -
termo usado para descrever fotos que as pessoas tiram delas mesmas - e que até
2012 quase ninguém tinha ouvido falar. Os responsáveis pelo dicionário foram em
busca de traçar as origens do termo, o qual teria sido usado pela primeira vez em
2002, para descrever uma foto que uma pessoa tirou de si mesma e postou nas
redes sociais durante um fórum australiano. Hoje, o termo é usado por pessoas do
mundo inteiro. Judy Pearsall, diretora editorial dos dicionários, declarou que:
Os sites de mídias sociais ajudaram a popularizar o termo com a hashtag #selfie aparecendo no site de compartilhamento de fotos Flickr em 2004, mas o uso não se espalhou até 2012, quando o termo estava sendo usado de forma geral em fontes de mídia mais tradicionais (tradução nossa). (ORFORD DICTIONARY, 2017)
Simultaneamente, com essa expansão do novo modo de se tirar uma
fotografia, foram surgindo aplicativos com recursos de edições de imagens com
diversos filtros para parecer mais bonito e “tirar a selfie perfeita”, como Candy
Camera, YouCam Perfect, FrontBack, Selfie Câmera HD e Selfshot, que dispõem de
vários filtros que podem ser escolhidos antes mesmo de se tirar a foto, o que evita
retoques posteriores, além de funções que ajudam no embelezamento de suas
fotos, como clareamento da pele, remoção de espinhas, maquiagem e
emagrecimento, indica o site de tecnologia TechTudo, da Globo.com (TECHTUDO,
2017).
Percebemos essas funções nos próprios telefones móveis, que têm a
capacidade de sua câmera fotográfica como prioridade em seu desenvolvimento, a
cada versão nova, com tecnologias cada vez mais aprimoradas para tirar uma foto
de si mesmo, como podemos ver nas publicidades dos últimos lançamentos de
smartphones da empresa sul-coreana Samsung: “Repense o que é sair bem na foto.
Com o Spotlight no Beauty Mode você pode destacar seu rosto e realçar algumas
partes”, referente à câmera dos aparelhos Galaxy S7 e S7 Edge, lançados no ano
de 2016 e; “acione a câmera de selfies e tire fotos que todos vão querer
compartilhar”, referente à câmera dos Galaxy S8 e S8+, lançados em 2017
(SAMSUNG, 2017).
77
Esse fenômeno, diz Paula Sibilia (2016, p. 21), “é capaz de dar conta do
triunfo da união entre visibilidade e conexão, recursos que compõem, de forma
exemplar, a inteligência artificial desses dispositivos”, e que levaram a fazer tanto
sucesso na atualidade, passando a ser um bem indispensável de quase toda a
população mundial: “eles conseguiram dar vazão às peculiares demandas e
ambições que articulam as subjetividades contemporâneas, bem como ao tipo de
sociabilidade por elas alicerçada” (SIBILIA, 2016, p.21). De acordo com a autora, “a
visibilidade e a conexão constituem os vetores fundamentais para os modos de ser e
estar no mundo, atuando em sintonia com os ritmos, prazeres e desejos da
atualidade, trançando as formas de se relacionar conosco e com os outros, e com o
mundo” (SIBILIA, 2016, p.21).
Um fator importante nesse percurso de atualizações e desenvolvimento
tecnológico, assevera Paula Sibilia (2016, p.23), “são as áreas da internet onde os
usuários não são apenas protagonistas, mas também são os principais produtores
de conteúdo”. A chamada “revolução da Web 2.0”, que converteu os usuários nas
“personalidades do momento”. Apesar de ainda estar em expansão, essa expressão
já se tornou velha: ela foi inventada em 2004, no Silicon Valley por especialistas em
cibercultura, executivos e empresários. O objetivo era batizar a nova etapa de
desenvolvimento da internet, após o estouro das empresas ponto.com no ano 2000.
Ao passo que as empresas da primeira geração da Web tinham o objetivo,
sobretudo, de vender a versão 2.0, diferentemente, propôs confiar na iniciativa de
fazer com que os usuários se tornassem “co-desenvolvedores” das mais diversas
ações comerciais.
Como expressou a revista Time, em 2006, ícone midiático tradicional, ao
escolher a personalidade do ano, como repete há quase um século com o intuito de
apontar “as pessoas que mais afetaram o noticiário e nossas vidas, para o bem ou
para o mal, incorporando o que foi importante no ano”, como recorda Sibilia (2016),
as escolhas de alguns anos anteriores foram: ninguém menos que Adolf Hitler em
1938, Mahatma Gadhi em 1920, o Ayatollah Khomeini em 1979, Mikhail Gorbachev
em 1989, George Bush em 2004, Barack Obama em 2008, Mark Zuckerberg em
2010, e como vimos no ano de 2016, a escolha foi Donald Trump (MICHAEL S.,
2017). No ano de 2006, a personalidade do ano, de acordo com a revista Time, foi:
“Você! Sim, Você - É a Pessoa do Ano do TIME Em 2006”. Na capa, brilhava um
78
espelho e convidava seus leitores a se comtemplar nele, como Narcisos satisfeitos
por se verem no mais alto pódio da mídia, suas personalidades cintilando, lembra
Sibilia (2016).
Como justificativa dessa escolha, a revista propôs olhar o ano de 2006
através de uma lente diferente, e perceber uma história não sobre conflitos ou
grandes homens, mas uma história sobre comunidade e colaboração jamais vista.
Em que a World Wide Web tornou-se uma ferramenta para reunir as pequenas
contribuições de milhões de pessoas e torná-las importantes, diferente daquela
internet da década de 1990. Os editores ressaltaram a explosão de conteúdo
produzido pelos milhares de usuários desde os mais estúpidos às criações mais
incríveis, tanto nos blogs e sites, quanto no YouTube e nas redes de relacionamento
tais como MySpace e Facebook, além da criação de avatares do Second Life, e o
ressurgimento de livros na Amazon. Em função disso, a conclusão foi que a Web 2.0
é uma experiência social maciça, que está modificando o entendimento
internacional, não político, mas, social, de pessoa (GROSSMAN; LEV, 2006).
Dessa forma, conforme Sibilia (2016, p. 23), pode-se assumir que novas
táticas de capitalização da criatividade alheia se dão pela meta de “ajudar as
pessoas a criarem e compartilharem ideias de informação”, e que, em outras
palavras, segundo fontes oficiais, “equilibrando a grande demanda com o
autosserviço” que, segundo Lipovetsky (2010, p. 101), “por meio desse processo, se
iniciou a despersonalização da relação comercial”, tornando o contato entre a oferta
e a procura, direto e livre da mediação do vendedor, um meio de autonomização do
consumidor, posto que, pelo autosserviço, ganha-se um imaginário de liberdade
individual, que funcionou não apenas “como um agente de democratização do
consumo, mas também contribuiu, para a individualização das práticas de compra,
dos gostos e das exigências” (LIPOVETSKY, 2010, p. 101).
Diante disso, tem-se uma “junção do velho slogan faça você mesmo com a
nova dinâmica mostre-se como for”. Tal tendência, embora se manifeste mais
ativamente no meio ambiente da internet, tem contagiado também os meios de
comunicação tradicionais, e outras zonas da vida atual. Por toda parte, os
indivíduos, então usuários, clientes, leitores ou espectadores “são convocados a
participar, compartilhar, opinar e se exibir de um modo considerado ‘proativo’”
(SIBILIA, 2016, p. 24).
79
Parece-nos evidente que novas formas de expressão e comunicação
comparadas com as antigas formas analógicas de interação são apenas versões
atualizadas que se instalaram. Como por exemplo, os e-mails comparados às trocas
de cartas, aquelas que se escreviam à mão com todo o cuidado caligráfico e
atravessavam distancias geográficas por meio de envelopes lacrados e que
demoraram uma eternidade até seu destino. Os blogs fazem nos remeter aos
antigos diários íntimos. As populares redes sociais, como Facebook e Instagram,
lembram os antigos álbuns de retrato de família, só que ao invés de ficarem nas
gavetas ou nas prateleiras do lar, já podem ser vistos por qualquer um que esteja na
rede online. “Os vídeos caseiros, que eram gravados nas fitas cassetes, guardados
nos armários, passaram a ter um canal próprio e serem veiculados nas redes”
(SIBILIA, 2016, p.24).
De fato, existem muitas afinidades entre as velhas tecnologias e o arsenal de
dispositivos e mídias que fazem parte do nosso cotidiano atualmente. No entanto,
concordamos com Sibilia (2006, p. 25), quando alude que suas diferenças e
especificidades são grandes, e que talvez, sejam significativas para entender
questões em que se desenvolveram as subjetividades e os modos de sociabilidade
no mundo atual. Pois, ao contrário do que se afirma, sem muita reflexão, não são os
aparelhos que geram mudanças nos modos de ser. Ao que parece, os dispositivos
tecnológicos são resultado de um processo histórico bem complexo, que envolve
fatores socioculturais, políticos e econômicos. Em vista disso, “as tecnologias são
inventadas para desempenhar funções que a sociedade de algum modo solicita e
para as quais carece de ferramentas adequadas” (SIBILIA, 2006, p. 25). Podemos
citar como exemplo, a capacidade de administrar múltiplos contatos de forma veloz,
dentro de um único dispositivo, ou como já mencionado, a demanda por visibilidade
e conexão constante, que se tornaram necessidades desenvolvidas nos últimos
tempos, e para que fossem atendidas, foram se desenvolvendo instrumentos
específicos. Portanto, no lugar de “serem compreendidos como a sua causa, os
dispositivos tecnológicos são consequência de certas mudanças históricas”, que
acabam reforçando essas modificações e promovendo outros efeitos no mundo.
Como já analisamos nos capítulos anteriores, esse quadro de transformações
atinge os modos de ser e estar no mundo, mas não se trata apenas da internet e de
suas plataformas de interação, mas de um novo regime que, conforme Deleuze, se
80
organiza alicerçado nas tecnologias eletrônicas e digitais e se consagra em um
órgão social capaz de potencializar o capitalismo. É o capitalismo de superprodução
e efetivado pelo consumo exacerbado. Um sistema em que o Marketing e a
publicidade se tornam instrumentos de controle social, e se articulam também, como
diz Sibilia (2016, p.28), “pela criação excitada e, muitas vezes, recompensada
financeiramente, no qual o espirito empresarial suscita todas as instituições e
percorre tanto os corpos como as subjetividades”.
Diante desse exame, cabe ainda detectarmos quais são os movimentos que
constituíram os cenários desse novo regime de poder em que nosso objeto - a
publicação de fotos de “antes e depois” - se manifesta. Vejamos alguns exemplos:
em 2007, no encontro do Fórum Econômico Mundial, estava presente um dos
fundadores do YouTube, pouco depois do lançamento do site, informou que a
empresa pretendia dividir suas receitas com os autores dos vídeos exibidos nele.
Da mesma forma que, aqueles que disponibilizassem com sucesso um filme de sua
autoria, nesse canal, passariam a receber parte das receitas publicitárias que
conseguissem com a exibição, ao mesmo tempo que o serviço do site fosse gratuito
para os espectadores e para os emissores. Ou seja, compensavam monetariamente
seus “colaboradores”, para estimular a produção de conteúdos atraentes com a
finalidade de conquistar mais usuários (SIBILIA, 2016, p. 29). No ano de 2006, conta
Paula Sibilia (2016), o MetaCafe – o primeiro e único site destinado ao
entretenimento, exclusivamente dedicado a exibir os melhores vídeos de curto
formato do mundo dos filmes, jogos de vídeo, TV, música e esportes - programados
para hoje jovens Drivers de entretenimento masculinos (METACAFE, 2017) - foi um
dos pioneiros a oferecer um montante a cada mil visualizaçõesde de videos
postados em seus domínios. Como resultado dessa iniciativa, um dos primeiros
beneficiádos foi um especialista em artes marciais, que faturou milhares de dólares
como o vídeo Matrix For Real, que exibia o protagonista fazendo acrobacias.
Poucos anos mais tarde, relata a autora (SIBILIA, 2016), essa dinâmica se
consagraria em vários campos da internet. O que hoje reconhecemos, e talvez seja
sua manifestão mais óbvia, é o fenômeno dos youtubers, também chamados de
webcelebridades, pois passaram a ganhar muito dinheiro postando vídeos capazes
de atrair inúmeros views e fãs seguidores dos canais. De acordo com uma pesquisa
levantada pela Sanck Intelligence, plataforma de network brasileira, em 2016, o
81
youtuber considerado mais influente do mundo era o sueco Feliz Kyellberg, mais
conhecido como PewDiePie com cerca de 46,7 milhões de seguidores. Dentre os
dez mais atuantes, quatro eram brasileiros (BARBOSA, 2016).
Podemos compreender essa lógica de mercado, através do potencial de
relação dos individuos, o chamado “capital social”, seja mensurado de forma
quantitativa (númedo de seguidores) ou qualitiativa (impacto de influência) (COSTA,
2004, p. 66). Conforme Costa (2005, p. 239), “capital social significaria a capacidade
de os indivíduos produzirem suas próprias redes, suas comunidades pessoais”.
De tal forma, que quando o processo de desenvolvimento econômico passa a
ser definido não somente pelos recursos naturais, pela infraestrutura, pelos bens de
consumo e pelo capital financeiro, mas também pela forma como os atores que
pertencem a essa economia se interagem, e se organizam, no caso dentro de uma
rede de usuários dentro da internet, gerando crescimento e desenvolvimento,
passam a ser considerados como riqueza a ser explorada, e tornam-se um capital
(COSTA, 2005, p. 240).
Esse esquema, diz Paula Sibilia (2016, p.31), costuma combinar dois
elementos, que juntos, fazem a alma do negócio. De um lado, é necessária uma
convocação informal e espontânea por parte dos usuários, para compartilhar nos
meios midiáticos suas criações, porém, na maioria dos casos, trata-se de performar
suas subjetividades e criar um cenário de suas vidas na exposição das telas
interconectadas. E, de outro lado, está a remuneração por parte das empresas.
Nessa lógica capitalista, em conjunto com os novos códigos do espetáculo
midiático, em meados de 2008, anunciava-se o lançamento do que conhecemos
hoje como publicidade direcionada. A rede social MySpace, uma das primeiras
empresas nesse campo, revelou que além de usar os dados pessoais que
configuravam os perfis de seus usuários, também recorreria às eventuais
informações encontradas entre as conversas sobre gostos e hábitos de consumo
que cada um manifestasse. Nessa primeira fase, a empresa classificou em dez
categorias os milhões de usuários, classificando-os em assuntos tal como carros,
moda, finanças e música. À época, era uma estratégia bastante inovadora, ou seja,
oferecer aos anunciantes mais do que os simples dados demográficos. Apesar de as
críticas alegarem que se tratava de um projeto invasivo, os idealizadores justificaram
que não era, na medida em que cada usuário poderia optar por tornar-se “amigo”
82
das empresas, e a partir daí a publicidade seria ou não direcionada para ele. O
nascente behavioral targeting, isto é, a publicidade baseada no comportamento de
cada um dentro da rede, desenvolveu-se potencialmente nos anos seguintes, devido
às novas formas de comunicação instantânea e à imensa quantidade de dados
compartilhados pelos próprios usuários (SIBILIA, 2016, p. 35).
Devido à visualização do grande potencial dessa nova estratégia de
marketing, três anos depois da sua criação, a rede social Facebook ganhou um
investimento milionário da Microsoft, ao comprar uma parcela do capital da rede
social. O que levou pouco tempo depois à criação de um projeto denominado “o
Santo Graal da publicidade”, descrito como “uma ferramenta capaz de converter
cada membro da rede num eficaz instrumento de marketing para dezenas de
empresas que vendem produtos e serviços na internet”. Esse sistema permitia o
monitoramento das transações comerciais feitas pelos usuários sobre qual produto
compraram ou comentaram. Ou seja, todo movimento como consumidor e
comportamento online, de modo geral, estava em foco. O objetivo era fornecer
novas formas de conexão e compartilhar informações com os amigos, mantendo-os
informados sobre seus próprios interesses, além de servir como referências
confiáveis no momento de comprar algum produto. Pois, como explicou o diretor e
fundador da rede, Mark Zuckerberg: “nada influi mais nossas decisões do que a
recomendação de um amigo confiável”. Ao contrário do que fazem as mídias
tradicionais, como televisão e jornal, que empurram a mensagem para cima das
pessoas, “é preciso conseguir que a mensagem se instale nas conversas”,
acrescentou Mark. De fato, e como admitiu o fundador, o principal ativo da empresa
são os diálogos, as conversas mais ou menos privadas (SIBILIA, 2016, p. 36).
Em vista disso, corroboramos as reflexões de Costa (2008, p. 63), sobre a
importância do uso da noção de rede social que as empresas fazem para alavancar
seu crescimento, pois:
O capital de conhecimento e informação passou a estruturar as iniciativas econômicas nas suas mais diversas instâncias. Portanto, fazer rede, atualmente, é sinônimo de produção de valor econômico pela atividade colaborativa das inteligências dos indivíduos. E essa produção, é preciso assinalar, não está restrita ao universo das organizações econômicas, mas estende-se sobre toda a sociedade, na medida em que toda atividade humana pode ser vista como produtora de alguma forma de riqueza imaterial. (COSTA, 2008, p. 63).
83
A mesma tendência acabou sendo incorporada por outros fenômenos que
surgiram nos últimos anos. Como alguns autores de blogs, por exemplo, que devido
a sua notoriedade conquistada na internet foram descobertos e promovidos pelos
meios de comunicação tradicionais (SIBILIA, 2016, p 32). Já no começo dos anos
2000, alguns escritores de blogs foram convidados a participar de campanhas
publicitárias. No Brasil, um dos primeiros casos foi o da linha de sandálias da marca
Melissa, mas que não chamou a ação de publicidade, preferindo nomear de um
projeto de comunicação e branding. Seguindo uma tendência que já estava
acontecendo em âmbito internacional, o projeto consistia em escolher quatro garotas
que cujos fotologs faziam grande sucesso entre as adolescentes brasileiras para
divulgarem a marca em seus respectivos espaços na internet. A empresa as
nomeou de suas “embaixadoras”, além da divulgação, as meninas participaram do
processo de criação do calçado, com suas ideias e opiniões trocadas com as fãs. O
objetivo dessa estratégia era atrair a nova geração de jovens que estava crescendo
no mesmo ritmo da rede da internet. A estratégia foi um sucesso, as quatro jovens
se tornaram celebridades na internet, aumentando potencialmente as visitas em
seus fotologs, e expressaram sua satisfação por participar de um projeto que
valorizou a escolha de pessoas reais ao invés de modelos (SIBILIA, 2016, p.37).
Uma das participantes desse projeto, realizado em 2007, Mariana de Souza Alves
Lima, conhecida pelo nickname MariMoon (nome inspirado no Anime Sailor Moon), é
considerada uma das primeiras blogueiras do Brasil, em uma entrevista recente,
comenta como foi esse começo das redes sociais:
Era mal visto se exibir na internet. Perguntavam se você achava que era famosa, ou uma celebridade. “Essa galera que faz selfie, eles são muito egocêntricos, se acham”. “Não era bem visto se gostar, a sociedade meio que dizia você não deve se amar, não deve ter orgulho de suas conquistas, não deve se achar bonito”, relatou a blogueira. (MEIO&MENSAGEM, 2017)
Em poucos anos, ser blogueira de moda já tinha se convertido em uma
profissão notável e muito cobiçada. Outro termo usado para nomear esse tipo de
ocupação é egoblog, em referência a um canal na internet usado para falar de si,
onde o autor ou autores publicam fotografias com diferentes looks, usando
diferentes roupas. Mas o que procuram as empresas que querem esse tipo de
personalidade? Usar o tipo de comunicação que eles têm para apresentar as novas
84
tendências de moda na linguagem comum, que pareça espontâneo e
desinteressado para atingir o público alvo. Atualmente, a palavra influencer ou
“influenciadores” é usada para descrever essas pessoas, que têm tanto valor para o
mercado (SIBILIA, 2016, p. 38). Como apontou a revista Vogue, baseada no número
de seguidores no Instagram, Twitter, Facebook, YouTube e Pinterest, além do
tráfego do site; número de colaborações com marcas; que tipo de marcas a
blogueira se relaciona (das populares às de luxo) e também o volume de procura no
google, a lista de blogueiros mais influentes no universo Fashion e seus respectivos
canais: Chiara Ferragni (The Blond Salad), Aimee Song (Song of Style), Kristina
Bazan (Kayture), Julia Engel (Gal Meets Glam), Wendy Nguyen (Wendy's
Lookbook), Julie Sariñana (Sincerely Jules), Blair Eadie (Atlantic-Pacific), Chriselle
Lim (The Chriselle Factor), Gala Gonzalez (Amlul by Gala Gonzalez), Nicole Warne
(Gary Pepper Girl), Bryan Grey Yambao (Bryanboy), o único homem da lista e da
brasilera Helena Bordon (Helena Bordon) (VOGUE, 2016).
Outra categoria que tem se destacado, inclusive no Brasil, é das blogueiras
fitness, que estão ganhando fortunas mostrando suas dietas, seus treinos e exibindo
seu estilo de vida saudável nas mídias sociais com frases de motivação, o intuito é
servir de inspiração e ajudar as pessoas a mudar de vida, seja perdendo peso, ou
melhorando a saúde por meio de um estilo de vida mais saudável. Como é o caso
da australiana Kayla Itsines, considerada a maior influente no mundo Fitness pela
revista Forbes (FORBES 2017), com cerca de 6,6 milhões de seguidores no
Instagram, que com seu aplicativo com treinos e receitas para ajudar mulheres a
melhorarem suas vidas em relação à saúde e ser fitness, movimentou 17 milhões de
dólares em 2016. No Brasil, Bella Falconi, Gabriela Pugliesi, Carol Buffara, Carol
Magalhães e Michelle Franzoni são algumas das blogueiras com mais seguidores
que dão dicas diárias de exercícios, dietas e vida saudável (CARAS, 2017). No
entanto, como tem se tornado comum esses perfis postarem fotos e vídeos
promovendo produtos, de acordo o Código de Autorregulamentação Publicitária -
CONAR, tais ações devem ser sinalizadas como conteúdo publicitário, mas apesar
das regras, ocorrem vários problemas acerca da publicidade velada. Como foi o
caso, em 2014, em que o CONAR julgou o blog de Gabriela, Tips4Life, por esconder
o teor publicitário na divulgação de alguns produtos (EXAME, 2016).
85
Apesar dos riscos implícitos nessas novas estratégias de “publicidade social”,
ainda parece prevalecer as célebres palavras de Mark Zuckerberg a respeito do
valor monetário do “amigo confiável”, e parece valer a pena o investimento nas
mídias sociais, pois envolve a possibilidade de influenciar e impactar um grande
número de pessoas com menos obviedade comercial do que as propagandas de
televisão ou anúncios de revistas. As empresas sabem das limitações dessa
dinâmica, uma vez que como se sabe, ou dever-se-ia saber, toda publicidade é
enganosa por definição. Portanto, trabalhar com influencers como estratégia de
marketing requer um certo cuidado para construir credibilidade com os usuários das
redes e fazer com que a promoção se pareça com uma conversa com uma
personalidade autêntica. “A base está aí, no verbo parecer que apesar de ambíguo,
há a necessidade de dissimular para passar credibilidade, autenticidade e confiança
para vender” (SIBILIA, 2016, p. 44-45).
Os exemplos são inúmeros e diversos, além de terem se multiplicado de
forma rápida e progressiva nos últimos anos. Como resultado desse convite ao
empreendedorismo digital, a criação de blogs ligada às redes sociais se transformou
em atividade econômica tão oportuna que chegou a motivar a abertura de cursos
específicos em instituições renomadas, tanto no exterior quanto no Brasil, como a
faculdade de Belas Artes em São Paulo, que criou o primeiro curso de graduação
para garotas interessadas em escrever sobre beleza e moda. A idealização da
graduação partiu de Alice Ferraz, assessora e empresária que criou a F*Hits,
plataforma digital que administra e agencia mais de vinte blogs. Segundo Alice, a
carreira ainda é vista com preconceito. “Mas, se alguém paga as contas com seus
posts, então ser blogueira é uma profissão de fato”, afirma. E agora, como mostra o
exemplo da Belas Artes, com direito até a diploma. Na prática, o objetivo da
instituição é formar blogueiras de moda e de beleza. “Queremos fazer com que elas
ganhem dinheiro como empreendedoras da internet”, diz a coordenadora Carol
Garcia à Veja. Dentre as disciplinas previstas estão os temas: styling e estética e
felicidade (VEJA, 2016).
Os exemplos até aqui comentados são a expressão das diversas formas com
que as tecnologias digitais de comunicação e informação, conectadas às redes
sociais virtuais, em conjunto com os princípios do espetáculo midiático, viabilizaram
o avanço do novo regime de poder que Deleuze, na década de 1990, antes mesmo
86
da criação da Word Wide Web, intitulou como as novas formas de controle e ao que
os “jovens seriam levados a servir”.
Dado que, o neocapitalismo, segundo os conceitos de Costa (2011, p. 6),
significa “a convergência dos conceitos de capital humano e capital social”, em que a
Internet é usada como ferramenta de comunicação e, portanto, se configura como
“meio ideal de investimento, para cada indivíduo, simultaneamente de seu capital
humano e como possibilidade de expansão de suas redes sociais” (COSTA, 2011, p.
6).
Os jovens, inseridos na dinâmica da cibercultura e impulsionados pelos
imperativos desse capitalismo atual, parecem buscar cada vez mais tal esquema. E
anseiam ser descobertos pelas empresas para usufruir de reconhecimento público e
se tornarem famosos. Os mesmos imperativos que “converteu você, eu e todos nós
nas personalidades do momento” (SIBILIA, 2016, p. 47).
3.2 – Confissão e subjetividade
Para responder às demandas socioculturais e mercadológicas, observamos
que os indivíduos usam de práticas comunicacionais que poderíamos denominar
como “testemunhais” com palavras e imagens na qualidade de mecanismo de
autenticação pública. E um dos recursos que tem se sobressaído para reiterar o
discurso testemunhal para autenticar tais personalidades, são as fotos de “antes e
depois”, publicadas nos blogs, nas redes sociais digitas, nas mídias de comunicação
e informação atuais ou tradicionais, o que elegemos como objeto de estudo nesta
dissertação pela sua complexidade e com a intenção de delinear certas tendências
que se formam em nossa sociedade e sua expansão pelos meios de comunicação,
construídos em cima de certos valores, desejos, ideais, afetos e crenças que
penetram nos imaginários dos indivíduos.
Podemos afirmar que a produção de imagem de uma condição de “um antes
e um depois” é resultado da emergência de um novo modelo antropológico social,
decorrente do processo da construção das subjetividades a partir das forças
contemporâneas do biopoder e dos imperativos do capitalismo atual, tal qual o
sujeito é concebido segundo os eixos do corpo e é sustentado pelos valores de
autoestima e autonomia. De acordo com Morin:
87
O sujeito emerge ao mesmo tempo que o mundo. Ele emerge desde o ponto de partida sistêmico e cibernético, lá onde certo número de traços próprios aos sujeitos humanos (finalidade, programa, comunicação, etc.) são incluídos no objeto máquina. Ele emerge, sobretudo, a partir da auto-organização, onde autonomia, individualidade, complexidade, incerteza, ambiguidade tornam-se carácteres próprios ao objeto. Onde, sobretudo, o termo “auto” traz em si a raiz da subjetividade. (MORIN, 2005, p. 38)
Diante disso, observamos na complexidade do fenômeno que há uma espécie
de intimação para que a subjetividade se apresente por meio das narrativas
imagéticas do antes e depois. Partindo da premissa de que a autoestima está
vinculada à condição do indivíduo de ser perdedor ou vencedor, para atingir o pódio
estético atual dos corpos modulados, conforme as forças dos biopoderes, o sujeito
precisa superar sua condição atual e autenticá-la publicamente. Ou seja, o sujeito se
vê compelido voluntariamente a se expor midiaticamente como protagonista de uma
história de superação na qual a conquista da autoestima está ao lado do
reconhecimento dele como modelo social de "herói de uma história". Dessa forma,
vemos que os processos lógicos das redes de comunicação na internet atuam na
propagação dessas histórias de um sujeito para outro; de uma intimação pessoal
para uma intimação social em uma espécie de ação retroativa que compõe um
sistema complexo das imagens do antes e depois.
A definição de complexidade está relacionada com os conceitos de Edgar
Morin (2005, p. 35), que nos fala que, à primeira vista, parece tratar de “um
fenômeno quantitativo, a extrema quantidade de interações e de interferências entre
um número muito grande de unidades”. De fato, todo sistema no qual está inserido
nosso objeto de pesquisa, pode-se dizer que tem propriedade de auto-organização,
o ambiente do ciberespaço, mesmo o mais simples, como uma comunidade virtual,
“combina um número muito grande de unidades capaz de chegar à ordem de
bilhões”, dentro do nosso ambiente, abordamos bilhões de perfis nas redes sociais
digitais, inúmeros blogs, aos mais diversos tipos de narrativas e incontáveis
publicações de imagens.
Contudo, diz o autor “a complexidade não compreende apenas quantidades
de unidade e interações” que deixa impossibilitada a tarefa de contagem: “ela
compreende também incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios” (MORIN,
2005, p. 35). Nesses moldes, em acordo com Pelbart (2000, p.14), observamos que
onde a tecnologia é o meio ambiente, podemos admitir a emergência de novos tipos
88
de subjetividades, pois o sujeito nesse contexto aparece em um processo de
individuação incessante e inacabado, que realimenta constantemente seu campo de
possíveis, uma subjetividade cuja extensão é igual ao número de indeterminações e
às metamorfoses daí advindas.
Dessa forma, “a complexidade coincide com uma parte de incerteza”, seja
provinda dos limites de nosso entendimento, das novas potências, das novas formas
de afetar, seja pela manifestação dos fenômenos midiáticos. Entretanto, “a
complexidade não se reduz à incerteza, é a incerteza no seio de sistemas ricamente
organizados”. “Ela diz respeito a sistemas semialeatórios cuja ordem é inseparável
dos acasos que os concernem” (MORIN, 2005, p. 35). Portanto, diz Morin (2005), “a
complexidade se encontra em uma mistura profunda de ordem e de desordem,
contrário da ordem/desordem estatística”.
Após a análise reflexiva sobre como a lógica da complexidade se relaciona
com os aspectos da realidade do nosso fenômeno, é possível percebermos um
deslocamento daquela subjetividade “interiorizada” em direção a novas formas de
autoconstrução. Assim, para detectar como a complexidade das tecnologias de
produção de imagem se revela, recorreremos a uma cartografia de como essas
subjetividades se apresentam por meio das narrativas imagéticas do antes e depois.
Para compreender esse mecanismo de expressão, primeiramente partimos da
genealogia traçada por Michel Foucault (2015) em seu livro A História da
sexualidade. No primeiro volume da série A vontade de saber, o autor nega a
“hipótese repressiva” que diferentemente do que se enxerga sobre os últimos
séculos da sociedade ocidental, a sexualidade não foi reprimida com o advento do
capitalismo, o qual se acredita ter se tornado um tabu nesse período.
Paradoxalmente, o sexo foi incitado a se confessar, a se manifestar – processo que
se iniciou em meados do século XVI nas escolas, nos hospitais, na família, no
consultório médico e nos tratados científicos, e que se intensificou a partir do século
XIX com o nascimento das ciências humanas, sobretudo, da psicanálise. Esse
conjunto de instituições supostamente repressivo falava e incitava a falar de sexo, as
confissões, nesse sentido, tornaram-se fundamentais como produção de verdade:
O importante nessa história não está no fato de terem tapado os próprios olhos ou os ouvidos, ou enganado a si mesmos; é, primeiro, que tenha sido construído em torno do sexo e a propósito dele um imenso aparelho para produzir a verdade, mesmo que para mascará-
89
la no último momento. O importante é que o sexo não tenha sido somente objeto de sensação e de prazer, de lei ou interdição, mas também de verdade e falsidade, que a verdade do sexo tenha se tornado essencial, útil ou perigosa, preciosa ou temida; em suma, que o sexo tenha sido construído em objeto de verdade”. (FOUCAULT, 2015, p. 63)
Assim, os sujeitos ao invés de calarem-se e silenciar tal assunto, falavam
quando menos queria que se falasse. Foi assim que se constituiu “uma sociedade
singularmente confessada”, dirigida pelos pudores das relações disciplinares de
poder, também chamado por Foucault como “animais confidentes” (FOUCAULT,
2015, p. 66-67).
Outrora, durante muito tempo, o sujeito era autenticado pela referência dos
outros e pelos seus vínculos sociais ou familiares; posteriormente, passou a ser
autenticado pelo discurso obrigatório ou não de verdade sobre si próprio, assim, “a
confissão da verdade se inscreveu no cerne dos procedimentos de individualização
pelo poder”. Além disso, tal prática se incorporou tão profundamente na vida
cotidiana, “que não a percebemos mais como efeito de um poder que nos coage”
(FOUCAULT, 2015. p. 66-67).
Diante disso, seria pertinente a reflexão: quais seriam os desdobramentos
atuais dessa prática da confissão? Como nos dias de hoje se apresenta essa
sujeição ao “confessionário”?
Segundo Foucault (2015, p. 69), a confissão é uma prática onde o sujeito que
fala é o mesmo que o sujeito do enunciado, nesse sentido, se desenvolve também
uma relação de poder, pois para se confessar se faz necessário a presença ao
menos virtual de um outro, que não é simplesmente um interlocutor, mas aquele que
requer a confissão, de modo que a impõe, avalia-a e pode intervir com julgamento,
punição, perdão, consolação ou reconciliação. Trata-se de uma prática onde a
verdade é autenticada pelos obstáculos e resistências que teve de superar para
poder manifestar-se. Em suma, um ritual onde a enunciação de si,
independentemente de suas consequências, produz no enunciador modificações tais
como: trazendo-o a inocência, a remição, a purificação, o perdão de suas faltas, a
libertação e a promessa de salvação.
Desde a Idade Média, a sociedade tem se apropriado do ritual da confissão
para produzir verdades sobre os sujeitos. Na justiça, na medicina, na pedagogia, nas
relações familiares e afetivas, a confissão se difundiu por toda a parte. Do protocolo
90
público mais formal a mais íntima relação, conforme constatou Foucault: “tanto a
ternura mais desarmada quanto os mais sangrentos poderes têm necessidade de
confissão” (FOUCAULT, 2015, p. 65-66). Ainda hoje, diz Sibilia (2016, p.107), esses
protocolos se encontram tão enraizados em nossos hábitos e costumes, que nem os
percebemos como manifestações de um dispositivo de poder. Todavia, trata-se de
uma prática endossada como dispositivo de poder e sujeição sobre os indivíduos,
propensos à sua constituição como “sujeitos compatíveis com um determinado
projeto histórico de sociedade”.
A técnica da confissão foi sendo transferida dos âmbitos eclesiásticos e
jurídicos para penetrar também os campos médicos e pedagógicos; e agora, ela se
apresenta em forma digital, nas telas midiáticas, fala Sibilia (2016, p.107). Diante
dessa trajetória histórica, podemos ilustrar como atualmente se apresenta essa
forma de sujeição que leva milhares de indivíduos a despejar diariamente uma
infinidade de testemunhos, ou seja, confissões públicas em primeira pessoa, através
das redes sociais como o Facebook que fomenta o discurso testemunhal
perguntando aos usuários “No que você está pensando?”, oferecendo a escolha de
dar o testemunho entre um sentimento ou atividade; ou o Twitter que incita a relatar
“O que está acontecendo?” naquele momento, como podemos averiguar a seguir
nas imagens das telas de ambas as redes:
Figura 23: Página Inicial Facebook
Fonte: <https://www.facebook.com>.
91
Figura 24: Página inicial Twitter
Fonte: <https://twitter.com/>.
Diante disso, vemos que os processos lógicos das redes de comunicação na
internet, sobretudo, as redes sociais, apresentam-se como plataformas para exibição
e confissão pública voluntária, no qual é possível abrir as “dobras” da intimidade.
Portanto, acreditamos que dentro da complexidade das tecnologias, as redes sociais
digitais são os dispositivos de poder que intimam a produção da espetacularização
do indivíduo.
Diante desse contexto, corroboramos com a ideia de Machado (2015), ao
dizer que, através das mídias online, quando damos o testemunho, confessamos
publicamente nossos desejos e tentamos seduzir o público, estamos compondo uma
forma de produção da verdade individual e sua autenticação pública, e que tal
prática se estabelece pelos discursivos verbais e pela produção de imagens do
corpo. Para isso, a confissão se vale da memória e da reconstituição das
experiências, seja ao referir-se ao passado distante ou imediato, o que situa o relato
verbal e visual junto à necessidade de demonstrarmos “o que somos, o que
fazemos, o que recordamos e o que foi esquecido” (FOUCAULT, 2013, p. 69).
Durante nossa pesquisa, percebemos que a produção de imagens de um
antes e um depois manifesta-se principalmente em blogs/vlogs, comunidades e
páginas pessoais nas redes sociais como Facebook, Instagram e Youtube que
92
abordam temas, sobretudo relacionados à saúde, a um estilo de vida
saudável/fitness.
Nosso objeto está inserido nas mídias sociais e é referente a usuários
comuns, em comunidades virtuais que tratam dos temas de saúde/fitness ou beleza,
também está relacionado a pessoas consideradas influencers digitais, ou seja, que
conquistaram certa notoriedade na internet pelo número de seguidores. Não
consideramos mídias pertencentes a empresas, celebridades, modelos famosas,
nem a pessoas relacionadas explicitamente a uma marca, ou que trabalham com a
prestação de serviço ou produtos nesses campos, que usam a propaganda
testemunhal como estratégia de comprovação de resultado de seu negócio.
Dentro do contexto das mídias que expõem os discursos e imagens
relacionados a um estilo de vida saudável e fitness, observamos que na qualidade
de mecanismo de autenticação pública, o testemunho do indivíduo manifesta
sentimentos, muitas vezes, de vergonha e de baixa autoestima, revelando as
frustrações e dificuldades que tinham relacionadas aos hábitos alimentares e a
prática de atividades físicas, e prosseguem com o discurso de superação, força de
vontade, de motivação e amor próprio.
Tais relatos são ilustrados com a exposição comparativa de imagens de um
antes e um depois: de um lado, a fotografia do corpo antes considerado gordo, fora
de forma ou doente, do outro lado, uma fotografia que apresenta o mesmo corpo,
porémm com uma nova estética, construído por meio de uma dieta baseada em
alimentos saudáveis e exercícios físicos. Como podemos averiguar nas amostras
selecionadas na rede social Instagram, seguindo as categorias de: webcelebridade,
influencier, comunidade e pessoa normal – do cotidiano.
Abaixom podemos observar o testemunho de Gabriela Pugliesi, considerada
uma webcelebridade, a qual possui 3,5 milhões de seguidores. Na publicação de 13
de abril de 2016, ela dá o testemunho que foi “uma criança gordinha até uns 14
anos. MUITO preguiçosa e só comia besteira”, e que se frustrava pelas dificuldades
de seguir dietas, tendo sofrido com o “efeito sanfona”, pois sempre voltava a comer
“tudo que via pela frente”.
93
Figura 25: Perfil e foto “antes e depois” Gabriela Pugliesi em seu Instagram
Fonte: <https://goo.gl/Jd3d57>.
Fonte: <https://goo.gl/DFUIs5>.
A seguir, podemos observar o perfil da jovem a influencer Beatriz Romano,
com 60,7 mil seguidores, “patrocinada” pela marca NIKE, como é possível ver ao
longo de suas publicações. Beatriz dá o testemunho de que em virtude dos valores
de saúde e bem-estar é preciso “deixar algumas coisas para trás”. E que olhando
sua foto de antes como inspiração, promove uma mensagem de motivação dizendo
que “todo mundo pode chegar ao corpo que quiser, basta ter muita dedicação,
comprometimento e foco”.
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Figura 26: Perfil e fotos Beatriz Romano em seu Instagram
Fonte: <https://goo.gl/r2JziM>.
Fonte: <https://goo.gl/4KK89y>. Fonte: <https://goo.gl/U72RwE>.
Seguindo essa linha, nos deparamos com o perfil da jovem Lorena D’Aguila,
de apenas 17 anos, com 36,4mil seguidores. Observamos que no seu perfil ela
declara aceitar fazer parcerias com empresas “Parcerias no direct com site”. Na sua
publicação de “antes e depois”, dá o testemunho de que sempre foi gordinha e que
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sua fraqueza era por doces, e que acabou engordando, mas, devido ao falecimento
de sua mãe, pois na época ela e seu pai saiam muito para comer fora. Também diz
que se sentia feia e com baixa autoestima, mas que resolveu fazer uma mudança de
vida e de seus hábitos para se preparar para sua festa de 15 anos.
Figura 67: Perfil e Foto “antes e depois” Lorena D’Aguila em seu Instagram
Fonte: <https://goo.gl/XVqM1m>.
Fonte: <https://goo.gl/fn09PA>.
Concordamos com Machado (2014), que em tais espaços midiáticos, os
indivíduos revelam ao público o que acreditam constituí-los como autênticos, ou
seja, manifestam peculiaridades de sua persona que, para ser legitimadas na arena
pública, devem confirmar socialmente sua autenticidade, este movimento pode
conduzir à transformação do “eu” virtual em mercadoria e, como vimos
anteriormente, à constituição de web-celebridades, e também como diz Sibilia
96
(2015), promover gestos performáticos na tentativa de se tornar visível para poder
ser “alguém”.
Observando os poucos exemplos acima, podemos dizer que o perfil e os
testemunhos dessas garotas ilustram a complexa dinâmica mercadológica das redes
sociais digitais, talvez a configuração que Gilles Deleuze (2010) esboçou que
estranhamente os jovens pediriam para serem “motivados”, sem saber a que seriam
levados a servir. Ou será de fato, que saberiam?
Nesta direção, as práticas destas blogueiras corroboram as observações de
Bauman (2008, p. 9) acerca do “pendor para a confissão pública” que, nas mídias
online, denota que tais espaços de sociabilidade tornaram-se um mercado das
subjetividades, no qual indivíduos são, ao mesmo tempo, os promotores e as
mercadorias que promovem (2008, p. 13). Deste ângulo, visualizamos a
subjetividade como produto midiático que aponta para o processo de “comprar e
vender os símbolos empregados na construção da identidade — a expressão
supostamente pública do self” (2008, p. 23) no cenário contemporâneo.
Adicionalmente, durante nossa investigação, encontramos dentro das redes
sociais inúmeras comunidades voltadas para a troca de experiências, para o
compartilhamento de testemunhos e, sobretudo, para o reconhecimento social de
suas conquistas e superações do corpo. Como podemos observar a seguir nesse
perfil comunitário do Instagram, com 27,2 mil seguidores e 1.352 publicações de
diferentes pessoas:
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Figura 28: Perfil comunitário no Instagram de fotos de “antes e depois”
Fonte: <https://goo.gl/36nj5z>.
Diante desse contexto, vemos que a exibição do “eu” virtual, através da
prática do discurso confessional ou da exibição de imagens, envolve neces-
sariamente a admiração, a avaliação e o julgamento do público, ou seja, o conteúdo
dirige-se a uma audiência, da qual se espera reconhecimento e legitimação. Deseja-
se um vasto angariamento de likes, pois, “os adeptos das mídias sociais costumam
pensar que seu presunçoso eu tem o direito de possuir uma audiência, e a ela se
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dirigem como autores, narradores e protagonistas de todos esses relatos, fotos e
vídeos autobiográficos” (SIBILIA, 2016, p.109).
Por outro lado, foi possível identificarmos outras formas de exibição da
subjetividade a partir de nosso fenômeno. Por exemplo, como pudemos identificar
no perfil da norte-americana Morgan Mikenas, que possui 78,8 mil seguidores no
Instagram e que também publica fotos fazendo exercícios, de comidas saudáveis e
principalmente exibindo um corpo construído aos “padrões” fitness. Porém,
compartilha imagens onde mostra os pelos do corpo, que deixou sem depilar há um
ano. De acordo com Morgan, “os padrões de beleza feminina não
são estigmatizados somente sobre peso e medidas, mas também sobre os pelos do
corpo”.
Em seu canal no YouTube, publicou um vídeo explicando os motivos pelos
quais está há um ano sem se depilar, a garota diz que não quer que todo mundo
deixe de se depilar e que se trata de uma opção. “Só quero inspirar outras para que
façam o que acreditam que é mais cômodo para elas”. Morgan confessa que deixou
de fazê-lo, principalmente, pelo tempo que perdia, mas também pela sensação que
lhe causava. “Quando me depilo tudo espeta, pinica e é incômodo”, afirma. E
acrescenta que “se eu tivesse deixado de me depilar no passado, aposto que teria
me sentido suja e com vergonha”; “Mas, nunca mais: adoro meu cabelo”. Adoro os
pelos do meu corpo. “Adoro ser a versão mais natural e mais humana de mim
mesma” (MIKENAS, 2017).
Podemos dizer que se trata de uma versão aleatória dentro da complexidade
de nosso fenômeno. Porém, em acordo com Pelbart (2000, p. 19), talvez, “não seria
uma maneira, entre muitíssimas outras, de evitar que a subjetividade seja moldada à
imagem e semelhança do capital, [...], de suas estereotipias seriais, de suas
capturas, grudes e lamúrias”? Uma forma de resistência, o que teria a ver com o que
Chaim Katz (apud PELBART, 2000, p.19), chamou de “a solidão positiva”? “A
solidão positiva, afirmativa, consistiria em uma maneira de resistir a um
socialitarismo despótico, de desafiar a tirania das trocas produtivas e da circulação
social”. Como podemos observar:
99
Figura 29: Perfil e fotos Morgan Mikenas em seu Instagram
Fonte: <https://goo.gl/BABLga>. Fonte: <https://goo.gl/XhkJqy>. Fonte: <https://goo.gl/36nj5z>.
100
A partir desse caso, corroboramos o pensamento de Pelbart (2000), quando
diz que possivelmente:
Ai se esboça, às vezes, uma espécie de comunidade dos desiguais, máquinas celibatárias, subjetividades parciais, onde o excesso e a dispersão inumana não se apagam por uma reinscrição social obrigatória. É algo difuso, ás vezes se encontra os loucos, ás vezes num personagem de Melville, aquele escrevente que incompreensivelmente responde a cada a cada instrução de seu patrão com a fórmula I would prefer no to, eu preferiria não (PELBART, 2000, p.20).
Para dar continuidade a essa questão, destacamos, sobretudo, um outro tipo
de construção de subjetividade e confissão pública nos meios de comunicação
digital, ou como diz Pelbart (2000, p. 20), “um desligamento que reclama, talvez,
outros tipos de ligação, de composição, de solidariedade, [...], outras maneiras de
associar-se, agenciar-se e de subjetivar-se, longe dos assujeitamentos instituídos”.
Selecionamos durante nossa investigação o perfil de Priscila Sanches, com 13,3 mil
seguidores em sua conta no Instagram dedicada a dar dicas para um estilo de vida
saudável e também administradora do grupo no Facebook: “Desafio saúde
#desafiodaPri #DesafioBrasileirasFit” (SANCHES, 2017). Entretanto, Priscila se
considera apenas “uma pessoa normal tentando ser saudável”.
Figura 30: Perfil Instagram Priscila Sanches
Fonte: <https://goo.gl/ZEspVj>.
A autora do perfil também segue a linha de testemunho em sua produção
imagética de fotos de antes e depois, expondo sentimentos de frustração que teve
durante o processo de mudança, quais são suas fraquezas e quais erros cometeu, e
confessa como sua autoestima e autoconfiança melhoraram com a construção de
101
um novo corpo e a mudança de hábitos. Ao mesmo tempo que usa a página para se
auto motivar, direciona o discurso para seus seguidores para motivá-los.
Figura 31: Fotos “antes e depois” Priscila Sanches no Instagram
Fonte: <https://goo.gl/8fVGu0>.
Fonte: <https://goo.gl/L7Otda>.
Além disso, em seu discurso também conta seus aprendizados, que ao
contrário da máxima “no pain no gain”, ser dor sem ganhos, o qual foi possível
encontrar em uma busca livre no Instagram, no dia 04 de junho de 2017, pela
hashtag #nopainnogain, cerca de 12.397.492 publicações públicas, informando “que
102
não há nada de errado em ser gordinha se não afetar a minha saúde e que a nossa
aparência deveria ser o fator menos importante nessa jornada, porque se a gente
respeitar a própria saúde FÍSICA E MENTAL o resultado vem sem sofrimento!”
Figura 32: Busca pela tag #nopainnogain no Instagram
Fonte: <www.instagram.com>.
Também achamos importante destacar que Sanches costuma revelar em sua
página pessoal os “truques” mais usuais para aparecer mais magra, mais atraente
na internet. Com o intuito de ajudar outras pessoas, usuários das redes sociais a
não se enganarem com a hiperexposição de imagens de “corpos perfeitos” e
amarem seus próprios corpos, denuncia as estratégias midiáticas dando o
testemunho que “ambas as fotos foram tiradas no mesmo dia e na mesma hora. A
diferença é que em uma delas eu murchei e forcei a minha barriga e na outra deixei
aparecer aquela barriguinha saliente e NORMAL de quando a gnt senta e que eu
vejo 99.9% do tempo. Não se deixe enganar, ngm tem um corpo perfeito, mas todo
mundo pode amar a perfeição do próprio corpo e a diversidade que existe entre uma
pessoa e outra”, como é possível vermos a seguir:
103
Figura 33: Fotos Priscila Sanches mostrando “truque”
Fonte: <https://goo.gl/6XPzok>.
Ainda nesses moldes, para elucidar outra faceta desse fenômeno,
selecionamos o perfil de Mirian Bottan, que com 96,8mil seguidores apresenta um
outro tipo de “antes e depois”, e se intitula como “Uma mina dando um pau na
bulimia “ pois, através de sua página pessoal no Instagram e em seu canal no
YouTube, exibe suas fotografias de “antes e depois” e dá o testemunho sobre os
transtornos alimentares que sofreu durante quase 15 anos, e quais foram as
consequências em seu corpo pela bulimia e pela anorexia a fim de ajudar outras
pessoas.
104
Figura 74: Perfil e foto “antes e depois” Miriam Bottan
Fonte: <https://goo.gl/5vzwv6>.
Fonte: <https://goo.gl/ryZXXv>.
Mirian, ao longo de suas postagens, dá seu testemunho público dizendo que
para conquistar seu objetivo de emagrecer, vomitava, tomava laxantes e diuréticos e
ficava sem comer pelo maior tempo que conseguisse, relata que chegou a pesar por
volta de 41 quilos, mas como consequência, também tinha perdido quase metade do
cabelo, o rosto vivia inchado pelas glândulas de saliva inflamadas, unhas e pele
destruídas, sua menstruação parou, e na época o corpo regrediu seu
desenvolvimento, ficando infantilizado, além de ter perdido um ano na escola, pois
não conseguia ter foco pela falta de alimento e que não tinha vontade de viajar,
passear ou sair com os meus amigos, só queria ficar em casa sozinha comendo e
vomitando. Com esse testemunho e a exibição de fotos antes na condição de
pessoa doente, que sofria de bulimia e anorexia, e depois com o ganho de peso e
saúde, a jovem levanta a questão: um corpo mais magro significa um corpo mais
bonito e mais feliz?
105
Assim como Priscila, Mirian também denuncia os truques imagéticos de
corpos construídos com programas de edição, com poses ou artefatos para parecer
com uma silhueta mais fina, alertando seus seguidores sobre o ideal de perfeição
que tanto a mídia tradicional quanto nos perfis que circulam na internet, usando a
imagem de seu próprio corpo na imagem de fotos de “antes e depois”. Como
podemos observar nas fotos a seguir junto com o discurso: “Lembre-se disso
quando você estiver rolando a timeline e aparecer aquela foto do corpo perfeito que
faz você se sentir mal com o seu próprio corpo: muitas vezes é um conjunto de
truques (posa, contrai, esconde o que sobra, corta no lugar certo, mete filtro) e existe
uma outra versão mais real daquela "perfeição".
Figura 35: Foto Mirian Bottan mostrando “truque”
Fonte: <https://goo.gl/5BJVM9>.
Em outras postagens, ela rebate os comentários de dúvidas e de deboches
do tipo "você não sabe o que é ser gorda de verdade" e "duvido que vc realmente
seja feliz assim", dizendo: “Eu não sei mesmo o que é ser obesa de verdade numa
sociedade como a nossa. Mas eu só não sei porque sei bem o que é vomitar dentro
de um balde escondida no quarto, no mato, numa sacola plástica, vomitar sangue,
correr o risco de o meu coração parar a qualquer momento. Minha vida alternava
entre engolir e botar pra fora uma montanha de comida ou fechar a boca e sentir o
estômago roncar até quase desmaiar. Até me cortava pra provar que era eu que
106
mandava. Aquele corpo tinha que me obedecer, ele ia ficar magro.” Como podemos
verificar a seguir:
Figura 36: Foto “antes e depois” Miriam Bottam
Fonte: <https://goo.gl/rkJIYS>.
E declara: “Então o meu corpo, que pra uns é absurdo de desleixado e pra
outros é muito pouco pra reclamar, está apenas sendo perdoado e cuidado com
amor. Está livre da obrigação de ser perfeito e é isso que quero passar aqui. Me
alimento de forma saudável na maior parte do tempo, não me privo do que sinto
vontade e desisti de fazer exercício só pra moldar minha forma [...]”
Diante desse quadro, em acordo com Pelbart (2000), colocamos a reflexão:
como atentar para os indícios de que por trás de uma imagem, que é um pouco do
total que nos concebe como sujeitos, manifestem-se subjetividades extemporâneas
que experimentam futuros ainda incertos, que reatam com virtualidades ainda
inexistentes, ensejando pelas mais diversas singularizações? Uma vez que, quem é
cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de
leituras, de imaginação? “Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, uma
amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado”,
diz Pelbart citando Calvino (2000, p. 20).
Vimos que o testemunho nos meios de comunicação digitais pode ser
direcionado à busca pelo corpo “perfeito”, magro e musculoso, ou a exibição de um
corpo “imperfeito”, de verdade, real. Em ambos os casos é confessada a verdade
107
que se acredita ser capaz de autenticar publicamente a subjetividade, rompendo “os
lacres da reminiscência ou do esquecimento” (FOUCAULT, 2013, p. 70). E nos dois
casos, há o desejo de sedução do público, seja pelo progresso da construção do
corpo “perfeito”, seja pela exibição das “imperfeições” do corpo. Ao passo que se der
o testemunho, acredita-se que se confessa publicamente uma suposta verdade
individual sobre como mudar a condição do corpo e o desejo em busca da perfeição
ou como aceita-lo e respeitá-lo, como signo de autenticidade. Essa revelação da
verdade constitui, talvez, uma nova invenção de prazer: “o prazer da verdade do
prazer, prazer de sabê-la, exibi-la, descobri-la, de fascinar-se ao vê-la, dizê-la,
cativar e capturar os outros através dela” (FOUCAULT, 2013, p. 80).
Nos primeiros exemplos, o prazer da confissão pública se dá principalmente
pela conquista do modelo do corpo “perfeito”, pode-se até passar pelo relato das
faltas e dificuldades para atingir o objetivo, e dizer que a “luta” é em favor dos
valores de saúde, mas o que importa é a superação estética daquele corpo. Já no
segundo, o prazer da confissão pública se dá pela transgressão das regras “da boa
forma”, na resistência ao modelo imposto pelo capital e aceitação do próprio corpo e
de suas falhas. Porém, em ambos se busca o reconhecimento social através do
testemunho ao público, seja provocando fascínio ou rejeição.
Assim, podemos dizer que as confissões públicas e imagéticas continuam a
assumir “funções [...] psicológicas, de melhor conhecimento de si [...] de
esclarecimento de suas próprias tendências” (FOUCAULT, 2003, p. 237). De modo
que, em acordo com Machado (2014), o esclarecimento sobre como o indivíduo se
constitui e autentica sua subjetividade já não se dá como outrora, sob a aprovação
do padre ou médico, ou pela verificação em segredo das narrativas dos diários
íntimos. As práticas de exibição do ‘eu’ virtual necessariamente contêm a apreciação
e julgamento do público, ou seja, “o conteúdo dirige-se a uma audiência, da qual
espera-se reconhecimento e legitimação”. Como diz Sibilia:
O aspecto corporal assume um valor fundamental: (...) o corpo se torna uma espécie de objeto de design que deve ser constantemente cuidado e renovado. É preciso exibir na pele a personalidade de cada um. As telas – seja do computador, televisão, do celular, do tablet, da câmera de fotos ou da mídia que for – expandem o campo de visualidade, esse espaço propício à projeção de selfies onde cada um deve se performar ao se construir como uma subjetividade alterdirigida (SIBILIA, 2016, p.151).
108
3.3 A narrativa heroica nas mídias digitais.
Foucault (2015, p.67), ao analisar como a confissão foi se difundindo e seus
efeitos na sociedade, salientou a metamorfose na literatura que em lugar “de um
prazer de contar e ouvir, dantes centrado na narrativa heroica ou maravilhosa das
‘provas’ de bravura ou de santidade” passou a preferir os relatos de “uma literatura
ordenada em função da tarefa infinita de buscar, no fundo de si mesmo, entre as
palavras, uma verdade”. Nessa perspectiva, Paula Sibilia nos fala que já não se trata
apenas da narrativa de fatos e atos. No lugar disso, se constrói uma complexa rede
de “pensamentos, emoções e sentimentos que envolvem as peripécias do herói do
romance” fazendo nascer uma narrativa que “além de descrever o que se fez
pretende, sobretudo, exprimir quem se é” (SIBILIA, 2016, p.137).
Apesar do contraste presente entre as narrativas dos blogs pessoais, ambos
enfatizam o aspecto da superação. As narrativas giram em torno da construção da
boa imagem de si, que inclui um saber sobre o corpo e um conhecimento estético
acerca da composição da autoimagem. As confissões públicas, ou melhor, o
testemunho em tela, tanto da busca pelo ideal de corpo “perfeito” quanto pela
aceitação do próprio corpo trazem a superfície um tipo de autenticidade subjetiva
constituída a partir da imagem e do relato sobre a conquista de autoestima, ambos
são celebrados como um tipo de “herói do cotidiano”, com a qual um grande número
de pessoas se identifica e se torna seguidor.
Tal enredo dialoga com a teoria da jornada do herói, ou o chamado monomito,
de Joseph Campbell, que foi apresentada em um de seus trabalhos mais famosos, o
clássico: “O herói de mil faces”.
Tomaremos por mito uma narrativa organizada em arquétipos e símbolos,
responsável por fundamentar as atividades humanas e ser uma das bases da nossa
cultura pela qual diferentes áreas do conhecimento emergem; narrativa simbólica
responsável pelos diferentes produtos da fantasia humana e que está sujeita à
perenidade, derivação e desgaste2 (SILVA, 2017).
Campbell, em sua obra, compara personagens de diferentes épocas, culturas,
2 Essa interpretação nos foi demonstrada em conversa com Thiago T. R. Silva, com base na síntese de diversos autores sobre o mito herói que fez, no dia 05 de junho de 2017.; T. T. R. Silva é autor da dissertação O imaginário do herói na triologia Mass Effect: Estudo sobre o mito e o imaginário no processo criativo do herói em jogos digitais, em que se dedicou a pesquisar o mito do herói.
109
crenças e mitologias tais como Jesus Cristo, Moisés, Buda e Maomé, no qual ele
apresenta o que há em comum na narrativa de cada um desses personagens. E que
são usadas para mostrar os três momentos da jornada do herói, que podem ser
subdivididos em fases ao longo do desenvolvimento da jornada. Os três momentos
típicos do monomito são: a partida, a iniciação e o retorno.
A jornada do herói representa um ciclo de uma ida e volta, o tema básico é
abandonar uma condição, encontrar a fonte de vida e volta em uma condição
diferente, mais rica ou mais madura, a qual estabelece uma nova consciência em
função do que descobriu e faz discípulos.
O herói, afirma Campbell (JOSEPH, 1988) é alguém que deu sua vida por
algo maior ou diferente dele mesmo. Alguém que realizou uma coisa excepcional
que ultrapassa a esfera comum da experiência. Há dois tipos de proeza: uma é a
ação física, o herói que consegue realizar um ato de guerra ou um ato físico de
heroísmo, salvar uma vida, por exemplo, sacrificar-se por outra pessoa. E o outro
tipo é o herói espiritual que aprende uma forma de experimentar um nível
supranormal da vida espiritual humana e depois volta e comunica aos outros. Em
nossas análises, observamos a experiência da conquista física do corpo nos moldes
estéticos contemporâneos e a apreensão do valor de sua interioridade acima do
corpo físico, e pelos meios de comunicação digitais o testemunho de tais proezas.
Em acordo com a interpretação de Silva (2015), sobre os estudos da mitologia
de Campbell, o mito vem sendo a fonte responsável por produzir símbolos que
elevam o espírito humano em uma jornada ascensional, uma fonte para motivações
e de conduta para as atividades humanas, pelas quais se desenvolveram as bases
da cultura e do pensamento e forneceram o meio para o desenvolvimento da
potência do espírito e da vida humana. Uma vez que, para Campbell, “as religiões,
filosofias, artes, formas sociais do homem primitivo e histórico, descobertas
fundamentais da ciência e da tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o
sono surgem do círculo básico e mágico do mito” (CAMPBELL, 1991, p.15).
O mito é responsável por fornecer os símbolos que inspiram os mais
profundos centros criativos e se manifestam na mais despretensiosa forma de
conduta, como afirma Campbell (1992, p.15) “esses símbolos são produções
espontâneas da psique e cada um deles traz em si, intacto, o poder criador de sua
fonte”, tal como vimos nas criações imagéticas e discursivas em forma de
110
testemunho nas mídias digitais sobre os relatos de fraquezas e superação da
condição de um antes e de um depois.
Em uma entrevista concedida a Bill Moyers para um documentário sobre usas
obras (CAMPBELL, 1988), o autor foi questionado se mesmo não sendo heróis no
sentido grandioso de redimir a sociedade teríamos que empreender nessa jornada
espiritual, psicológica dentro de nós mesmos. Em resposta, Joseph Campbell
afirmou que somos heróis desde que nascemos, desde que deixamos a condição de
um ser aquático que vivia no líquido amniótico do útero de nossas mães para sair ao
mundo e tornamos um mamífero que respira independentemente, assim, essa seria
a forma primaria de herói. De acordo com as palavras de Campbell, pensamos que o
ser humano tende naturalmente a se portar de forma heroica, pois, por meio do seu
trajeto vital e da forma como aceita as provações ele manifesta essa natureza
heroica no modo de agir, sentir, demonstrar e no nosso caso, se espetacularizar.
Ao ser perguntado se o heroísmo tem um objetivo moral, Campbell respondeu
que o objetivo moral é salvar um povo, uma pessoa, uma ideia. O herói se sacrifica
por algo, essa é a moralidade. De outro ponto de vista, se aquilo não devia ser feito,
é uma outra opinião. Mas não anula o heroísmo daquilo que foi feito (CAMPBELL,
1988). Diante da proposição de Campbell, pensamos que quando o sujeito se expõe
publicamente nas redes sociais, apresentando os “defeitos” do seu corpo, do corpo
real, como vimos o caso de Mirian, ele está sacrificando a reputação de sua imagem
para salvar a essência de sua subjetividade, salvar os valores da moral da
autoestima e amor próprio dele mesmo e do povo que o segue.
Ao longo do documentário, o entrevistador levanta a reflexão se às vezes não
deveríamos ter pena do herói, e não admiração, pois são tantos heróis que se
sacrificam e tantas vezes suas realizações são destruídas pela incapacidade de
seus seguidores a verem. A esse ponto Campbell afirma que todos os heróis se
sacrificam, e que isso se trata de outro tema recorrente nos mitos, o herói sai da
floresta com ouro, mas vira cinzas (JCAMPBELL, 1988). Em face dessa reflexão,
pensamos que o papel das redes de comunicação na internet vai além da simples
espetacularização, ao propagar as histórias de um sujeito para outro; o “herói social”
lança uma projeção do seu “eu” para o mundo, tal projeção é provocada de uma
intimação pessoal para uma intimação social, seja causando inspiração ou rejeição,
111
causando um impacto de positivo ou negativo, mas suas ações rompem os lacres do
esquecimento.
Não há recompensa sem renúncia, sem um preço, diz Campbell. O problema
real é a perda de algo primário. Perde-se a si mesmo ao entregar-se a outro, isso já
é uma prova, uma grande transformação. E os mitos tratam disso, da transformação
da consciência. Na nossa sociedade quem está fazendo mitos heroicos?
(CAMPBELL, 1988).
Diante disso, de acordo com Campbell, todos nós agimos na nossa sociedade
em relação a um sistema, ou seja, em relação às forças do biopoder. Em uma
reflexão sobre o papel do imaginário do herói em relação às forças do sistema, o
autor é questionado sobre como conseguir usar o sistema para realizar objetivos
humanos e como mudar o sistema de forma a não servirmos a ele. A resposta não
aparece de forma simples, Campbell não crê que os signos da jornada do herói nos
ajudem a mudar o sistema, mas crê que podem nos ajudar a viver nele como ser
humano não cedendo às exigências impessoais do sistema (CAMPBELL, 1988).
Desse modo, em acordo com as reflexões de Campbell (CAMPBELL, 1988),
consideramos que o espírito criativo dentro dos processos lógicos das redes de
comunicação na internet tem sua vida própria, e age como um sistema auto-
organizador. Talvez, há algo de heroico nisso, talvez, como diz Campbell, haja um
herói dentro de cada um de nós sem sabermos. Porém, conforme o tempo passa, a
vida desperta o caráter do imaginário que buscamos construir, o qual vai sendo
descoberto na medida que vão se abrindo as dobras das subjetividades e isso
exerce certa influência.
Diante disso, concordamos com as reflexões de Pelbart (2000), em dizer que
mesmo em meio às visões mais apocalípticas sobre a atualidade, é preciso
reconhecer que “a desterritorialização violenta que o capitalismo impõe à
subjetividade” (mesmo que isso esteja implícito como sua característica) ultrapassa
infindavelmente os limites que ele próprio teria interesse em encontrar respeitados,
obrigando-o a desprender-se. Dito de outro modo, a subjetividade é
desterritorializada pelo capital, resiste às suas capturas com as mais diversas formas
e em direções mais inesperadas: em aspectos até inéditos de sociabilidade, de
resistência e de implicação com o presente.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando nos propomos a estudar as práticas confessionais com o uso da
produção de fotografias de “antes e depois”, disseminadas nos meios de
comunicação digitais, coube nos indagar como esse modo de visibilidade, essa
forma de “ser” e “estar” no mundo, foi constituída ao longo da história
contemporânea.
Apesar de termos delimitado um objeto em específico para a pesquisa,
durante nossa investigação, procuramos delinear certas tendências que se formam
em nossa sociedade e sua expansão pelos meios de comunicação.
Buscamos apresentar quais os valores, desejos, ideais, afetos e crenças que
penetram no imaginário dos indivíduos e como se constroem as subjetividades
contemporâneas.
Para isso, apresentamos, no primeiro capítulo dessa dissertação, um resgate
histórico das fases da sociedade de consumo, o desenvolvimento dos meios de
comunicação, da imagem na publicidade e o como se desenvolveram as forças
biopolíticas, às quais as sociedades estavam sujeitas.
Reconhecemos que nossa realidade tem sido transformada pelos avanços
das ciências, em especial pela tecnologia da informática e a inserção da internet no
nosso cotidiano. E que as convocações biopolíticas do sistema midiático não só
criam novas realidades, como alteram as formas de interação sobre o que
entendemos por comunidade e criam, além disso, novas políticas de vida e
subjetividades. As imagens da publicidade, sobretudo o recurso de produção
imagética de uma condição antes e de depois do corpo, fazem parte do processo da
criação de valores da sociedade do espetáculo e convocam o enunciatário a
participar desse discurso trazendo uma realidade mais próxima de sua vida e,
portanto, um encontro de identificação.
No segundo capítulo, procuramos explorar o que acontece dentro e fora do
ciberespaço, tentando desvendar quais as linhas de forças históricas, culturais,
econômicas, sociais e os afetos que impulsionam as configurações das
subjetividades atuais, junto a uma série de novas práticas de expressão e
comunicação, hoje, em alta, a fim de compreender os sentidos desse curioso
fenômeno: a exibição do próprio corpo a partir das fotos de “antes e depois”.
113
Pudemos depreender a constituição de um novo modelo antropológico de
subjetividade, em que o sujeito é concebido segundo os eixos do corpo, da ação e
da intensidade. E que a performance individual e a autonomia são os pilares que
sustentam a autoestima do sujeito, as quais se convergem na promoção do seu eu e
de sua felicidade, fazendo-se necessária uma difusão ativa através dos diversos
dispositivos de comunicação, especialmente nas redes sociais digitais.
Entre essas novas modalidades de expressão em torno do eu, possível
graças ao incremento das ferramentas da internet, as quais permitem que qualquer
usuário possa publicar o que quiser para uma potencial audiência de milhões de
pessoas de todo o mundo, através dos blogs, Youtube ou em suas páginas pessoais
das redes sociais digitais, percebemos que se destacam, como eficaz instrumento
de produção de verdades e autenticidade, os testemunhos em primeira pessoa que,
de algum modo, se remetem à antiga prática da “técnica de confissão”.
Diante disso, observamos que há uma espécie de intimação para que a
subjetividade se apresente por meio das narrativas imagéticas do antes e depois.
Pois, estando a autoestima relacionada com a ideia da condição do indivíduo de ser
perdedor ou vencedor, o sujeito, ao superar a condição do próprio corpo, conforme
as forças dos biopoderes atuais, precisa autenticá-la publicamente.
Evidenciamos que a produção de imagem de uma condição de um antes e
um depois é resultado da emergência de um novo modelo antropológico social,
decorrente do processo da construção das subjetividades a partir das forças
contemporâneas do biopoder e dos imperativos do capitalismo atual.
E que o sujeito ao ver-se compelido a se expor midiaticamente, torna-se o
protagonista de uma história de superação na qual a conquista da autoestima está
ao lado do reconhecimento dele como modelo social de "herói de uma história",
Reconhecemos em nossa pesquisa que os processos lógicos das redes de
comunicação na internet atuam na propagação dessas histórias, compondo um
sistema complexo de imagens de antes e depois. E, que o espírito criativo dentro
dos processos lógicos das redes de comunicação na internet tem sua vida própria,
como sistema auto-organizador. Em acordo com a perspectiva de Campbell,
consideramos que talvez haja algo de heroico nisso, como se houvesse um herói
dentro de cada um de nós e sem que o saibamos. Mas, conforme o tempo passa, a
vida pode despertar o caráter do imaginário que buscamos construir, o qual vai
114
sendo descoberto na medida em que vão se abrindo as dobras das subjetividades, e
isso exerce certa influência.
Concluímos nossa pesquisa com o entendimento de que a subjetividade
mesmo transformada, modificada e até mesmo desenraizada pelo capital, resiste às
suas capturas, exibindo as mais diversas formas de ser e em direções mais
inesperadas: em aspectos até inéditos de sociabilidade, de resistência e de
implicação com o presente. O que realizamos em nossa pesquisa foi apenas uma
parte do todo. Portanto, cabe a nós cartografar, sem cessar, as novas políticas de
subjetividade.
115
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