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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA WAGNER WITT TEIXEIRA NASCIMENTO

ASSDIO MORAL NO TRABALHO: PRTICAS DE PREVENO E REABILITAO REALIZADAS POR PROFISSIONAIS DA REA DE RECURSOS HUMANOS DE EMPRESAS DA GRANDE FLORIANPOLIS

Palhoa 2011

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WAGNER WITT TEIXEIRA NASCIMENTO

ASSDIO MORAL NO TRABALHO: PRTICAS DE PREVENO E REABILITAO REALIZADAS POR PROFISSIONAIS DA REA DE RECURSOS HUMANOS DE EMPRESAS DA GRANDE FLORIANPOLIS

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Graduao em Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obteno do ttulo de Psiclogo.

Orientadora: Prof Carolina Bunn Bartilotti, Dr.

Palhoa 2011

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Dedico esta obra todos aqueles que reinventam a Psicologia a cada dia em suas prticas.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos aqueles que me ajudaram, direta ou indiretamente no s na construo deste trabalho, mas no decorrer da minha formao, independente de terem sido citados aqui ou no, que sabem de sua importncia e sou grato. Amigos, amores, mestres e parceiros, obrigado! A monografia um rito de passagem: no neste ano que se faz um profissional, mas neste ano que se consolida uma formao construda ao longo dos anos. Dada a importncia do momento, gostaria de dedicar algumas palavras a pessoas importantes neste percurso. Aos meus amigos de todas as horas, para alm dos limites da sala de aula, pelo companheirismo, que me acompanham h tanto tempo, Pedro, Lara, Il, Lene, Carol (Ana) e Hellen; queles que ao passar dos anos adentraram minha vida, como quem no quer nada, e hoje so to importantes, R, Fran, Nando, S e R; queles que em to pouco tempo deixaram suas marcas, Gustavo, Vitor, Raquel Favretto, Raquel Tambosi, Carol (Dal Maso), Luana e Paty Becker; aos professores que me ensinaram tanto e foram parceiros ao longo da academia, Dimas, ngela, Maurcio, Ana Lopes, Iuri, Vanderlei, Leandro, Zuleica, Maria do Rosrio e Fred; Ndia, Carol e Juliane, pelas orientaes e acompanhamento com carinho e cuidado; amigos que, margem da faculdade, me foram to importantes em tantos momentos, desde que me entendo por gente (em Floripa) queles mais recentes, como Dum, Djeo, Gui, Juaum, Louise, John, B, Lara (de novo), Aninha, Michel, Girol... so tantos e ao mesmo tempo to poucos. minha famlia, me Ed, irm J, avs Noca e Frontino, e Vera, que estiveram ali comigo o tempo todo, sempre. Obrigado! E aos meus amores. Simples e perfeitos.

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Nossa existncia deforma o universo. Isso responsabilidade. - Delrio, Sandman.

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RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo identificar as estratgias de preveno de assdio moral no trabalho e de reabilitao sobre assdio moral no trabalho, realizadas por profissionais da rea de recursos humanos de empresas da Grande Florianpolis, bem como a compreenso do fenmeno assdio moral no trabalho por esses profissionais. A pesquisa caracteriza-se como descritiva, de natureza qualitativa e delineamento de estudo de caso. Utilizou-se, como instrumento de coleta de dados, entrevistas semiestruturadas, que foram realizadas com profissionais da rea de recursos humanos de quatro diferentes empresas. Os dados coletados foram analisados mediante anlise de contedo. Foi possvel observar as poucas atuaes na rea de recursos humanos sobre assdio moral no trabalho, com intuito de preveni-lo, limitadas recorrentemente transmisso de informaes sobre o tema aos funcionrios; e a inexistncia de aes no que tange reabilitao de profissionais vtimas de assdio moral no trabalho. Observaram-se, ainda, compreenses parciais e equivocadas sobre o fenmeno, que se estendem s aes instrumentalizadas por esses profissionais nas empresas em que atuam. Concluindo-se, o fenmeno assdio moral no trabalho no compreendido em sua extenso e profundidade, por profissionais da rea de recursos humanos, e essa inexatido se repercute em atuaes limitadas quelas clssicas e pouco slidas, no que tange as diversas possibilidades de ocorrncia de assdio moral no trabalho. Palavras-chave: Assdio moral no trabalho. Preveno. Reabilitao.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Caracterizao dos sujeitos da pesquisa ........................................................... 32 Quadro 2 - Definio de assdio moral no trabalho (categoria comportamento) ............ 42 Quadro 3 - Definio de assdio moral no trabalho (categoria ao) ................................ 45 Quadro 4 - Definio de assdio moral no trabalho (categoria o que no assdio moral) .................................................................................................................................................. 48 Quadro 5 - Definio de assdio moral no trabalho (categoria contexto possvel do assediador)............................................................................................................................... 50 Quadro 6 - Definio de assdio moral no trabalho (categoria tipos de assdio moral) .. 52 Quadro 7 - Definio de assdio moral no trabalho (categoria frequncia) ..................... 55 Quadro 8 - Definio de assdio moral no trabalho (categoria situaes) ........................ 56 Quadro 9 - Definio de assdio moral no trabalho (categoria interpretao da vtima) 57 Quadro 10 - Consequncias do assdio moral no trabalho para o indivduo (categoria psicolgico) .............................................................................................................................. 59 Quadro 11 - Consequncias do assdio moral no trabalho para o indivduo (categoria relaes interpessoais) ............................................................................................................ 60 Quadro 12 - Consequncias do assdio moral no trabalho para o indivduo (categoria laboral)..................................................................................................................................... 62 Quadro 13 - Consequncias do assdio moral no trabalho para a organizao ............... 64 Quadro 14 - Estratgias de preveno de assdio moral no trabalho ............................... 65 Quadro 15 - Estratgias de interveno sobre assdio moral no trabalho (categoria interveno em situaes de assdio moral) ......................................................................... 72 Quadro 16 - Estratgias de interveno sobre assdio moral no trabalho (categoria reabilitao dos sujeitos envolvidos no assdio moral) ....................................................... 74 Quadro 17 - Dificuldades para a implementao de estratgias de preveno, interveno e/ou reabilitao ................................................................................................. 77

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LISTA DE ILUSTRAES

Figura I Assdio moral e categorias criadas a partir das falas dos entrevistados ......... 37 Figura II Unidade de registro - definio .......................................................................... 38 Figura III Unidade de registro consequncias individuais ........................................... 39 Figura IV Unidade de registro consequncias organizacionais ................................... 39 Figura V Unidade de registro estratgias de preveno ............................................... 40 Figura VI Unidade de registro estratgias de interveno/reabilitao ...................... 40 Figura VII Unidade de registro dificuldades para a implementao de estratgias sobre assdio moral.................................................................................................................41

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SUMRIO

1 APRESENTAO ................................................................................................................ 9 2 INTRODUO ................................................................................................................... 10 3 FUNDAMENTAO TERICA...................................................................................... 17 3.1 CARACTERIZAO DO ASSDIO MORAL NO TRABALHO ................................... 17 3.2 IMPLICAES DO CONCEITO DE ASSDIO MORAL NO TRABALHO .................. 20 3.3 CARACTERIZAO DO ASSEDIADOR ....................................................................... 22 3.4 CONSEQNCIAS DO ASSDIO MORAL.................................................................... 23 3.5 PAPEL DA ORGANIZAO NO ASSDIO MORAL NO TRABALHO ....................... 26 3.6 ASPECTOS JURDICOS DO ASSDIO MORAL............................................................ 28 4 MTODO ............................................................................................................................. 31 4.1 LOCAL E SUJEITOS DE PESQUISA ............................................................................... 31 4.2 INSTRUMENTO E PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS ................................. 33 4.3 PROCEDIMENTO DE ANLISE E INTERPRETAO DE DADOS ........................... 34 5 ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS ............................................................. 36 5.1 COMPREENSO DE ASSDIO MORAL NO TRABALHO .......................................... 41 5.2 ESTRATGIAS DE PREVENO AO ASSDIO MORAL ........................................... 67 5.3 ESTRATGIAS DE INTERVENO E REABILITAO SOBRE A OCORRNCIA DE ASSDIO MORAL ............................................................................................................ 71 5.4 DIFICULDADES PARA A IMPLEMENTAO DE ESTRATGIAS DE PREVENO, INTERVENO E/OU REABILITAO ................................................... 77 6 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 80 REFERNCIAS ..................................................................................................................... 83 APNDICE ............................................................................................................................. 88 APNDICE A ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADO ....................... 89 APNDICE B TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........... 90 APNDICE C DECLARAO DE CINCIA E CONCORDNCIA DAS INSTITUIES ENVOLVIDAS.......................................................................................... 92 ANEXO .................................................................................................................................... 93

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1 APRESENTAO

Esta pesquisa surge como articulao entre a disciplina Trabalho de Concluso de Curso (do curso de Psicologia) e o Projeto Sade do Trabalhador (reformulado como projeto Desenvolvimento Humano nas Organizaes, no semestre posterior 2011/1), vinculado ao Ncleo Orientado em Psicologia e Trabalho Humano, da Universidade do Sul de Santa Catarina. Dentre as diversas atividades dos estagirios do Projeto Sade do Trabalhador encontram-se aquelas que abordam o fenmeno assdio moral no trabalho. As prticas propostas pelos estagirios do Projeto abrangiam aes de preveno e de reintegrao em organizaes. Diante da possibilidade de se intervir, pelo Projeto, sobre assdio moral no trabalho, suscitaram-se as indagaes: o que profissionais da rea de recursos humanos de empresas entendem sobre assdio moral no trabalho e que aes desempenham sobre? Da disciplina Trabalho de Concluso de Curso tem-se a possibilidade de relacionar o interesse em pesquisar o fenmeno assdio moral no trabalho sobre o campo de atuao concernente rea de recursos humanos de empresas.

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2 INTRODUO

ASSDIO MORAL CONTRATO DE INAO INDENIZAO POR DANO MORAL A tortura psicolgica, destinada a golpear a autoestima do empregado, visando forar sua demisso ou apressar a sua dispensa atravs de mtodos em que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inteis, sonegar-lhe informaes e fingir que no o v, resultam em assdio moral, cujo efeito o direito indenizao por dano moral, porque ultrapassa o mbito profissional, eis que minam a sade fsica e mental da vtima e corri a sua auto-estima. No caso dos autos, o assdio foi alm, porque a empresa transformou o contrato de atividades em contrato de inao, quebrando o carter sinalagmtico do contrato de trabalho, e por conseqncia, descumprindo a sua principal que a de fornecer o trabalho, fonte de dignidade ao empregado. Recurso improvido.1

Para se compreender a jurisprudncia apresentada acima se faz necessrio partir do conceito de assdio moral. Nesse contexto, Rufino (2007) auxilia com a noo de que o abuso do usufruto de direitos de uma pessoa por meio de aes ofensivas, vexatrias, discriminatrias e humilhantes, que infrinjam os direitos de outrem, nomina-se assdio moral. Esse fenmeno se caracteriza pela existncia de uma relao de poder no necessariamente formal, em que uma parte detentora de poder sobre a outra parte o usa de forma exagerada, colocando intencionalmente a vtima (de forma recorrente) em condies indignas de vivncia (NAKAMURA e FERNANDZ, 2007). Pode-se ponderar diversas situaes nas vrias esferas da vida em que se perceba o assdio moral: seja inserido nos lares, nas relaes familiares; sejam nas atividades escolares2, acadmicas; sejam nas relaes afetivas; ou mesmo nas relaes de trabalho. Em cada mbito o fenmeno assdio moral adquire caractersticas particulares, adequando sua ocorrncia s contingncias desses espaos, sujeitos, situaes e possibilidades de ao. H a recorrncia de diversos aspectos quanto forma de causar sofrimento, quanto cincia (ou falta de cincia) do agressor acerca do sofrimento de outrem, das formas de dano fsico e mental desenvolvidos, partindo de aes e situaes peridicas em determinados aspectos, aplicadas em consonncia com as possibilidades de cada ambiente em que ocorra o assdio moral.

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TRT 17R, RO 1315.2000.00.17.00-1 (Mattos, 2008).

2 Podemos encontrar ampla literatura acerca do bullying fenmeno de violncia escolar que reflete as aes trias e exclusivas do assdio moral aplicada ao contexto estudantil. Para uma introduo ao tema sugere-se o artigo de Deborah Christina Antunes e Antnio lvaro Soares Zuin, Do bullying ao preconceito: os desafios da barbrie educao. Psicol. Soc. vol.20 no.1 Porto Alegre Jan./Apr. 2008 Disponvel em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822008000100004&script=sci_arttext>.

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Pela importncia que o trabalho adquire na vida do homem contemporneo (HIRIGOYEN, 2000), junto s transformaes nas relaes homem-trabalho que a contemporaneidade apresenta (exigindo cada vez mais do trabalhador: dedicao fsica e psicolgica ao trabalho, fazendo da organizao uma extenso de sua vida, implicando-o fsica e emocionalmente, segundo Caniato e Lima, 2008), o assdio moral se apresenta como um fenmeno recorrente na vida dos trabalhadores brasileiros. Segundo dados da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), apresentados por Caixeta (2005), 40% dos trabalhadores brasileiros estariam sofrendo assdio moral no trabalho e, em 2007, esse nmero passou a 42% de brasileiros vtimas desse tipo de assdio. Acerca da realidade brasileira, Terrin e Oliveira (2007) exploram os dados encontrados na dissertao de Margarida Barreto, em 2000, que identificou que de 42,2 mil trabalhadores (englobando tanto empresas pblicas quanto empresas privadas, organismos governamentais e no governamentais), dez mil haviam sofrido algum tipo de humilhao no trabalho. Na medida em que estudos sobre o assdio moral no trabalho problematizam as relaes de trabalho, apresentando dados alarmantes sobre essas condies, o fenmeno assdio moral no trabalho vem ganhando destaque na produo de conhecimento, bem como de possibilidades de intervenes organizacionais e polticas pblicas (SOBOLL, 2008; FREITAS, HELOANI E BARRETO, 2008). Diante dessa afirmao, surge a questo: como ocorre, precisamente, o assdio moral nas empresas? Ou melhor, o que o propicia especificamente? Freitas (2007) apresenta diversos fatores para o surgimento de assdio moral no ambiente de trabalho, no que tange s pessoas envolvidas e ao ambiente em que ocorre. Partindo do princpio de que se necessita de relaes de poder e do excesso de uma das partes, Frontzek (2009) corrobora com a autora apontando o carter organizacional do assdio moral na medida em que a falta de clareza dos limites (regras) no uso de poder na organizao permite que funcionrios abusem desses poderes, de modo a infligir sofrimento aos outros. Decorrente da inconsistncia do que cada trabalhador pode (e at onde pode) fazer dentro das relaes de trabalho, estendem-se as demandas intensas de produtividade, o aumento da competitividade, interferncia na comunicao entre trabalhadores,

desumanizao das relaes de trabalho, individualizao e isolamento, no que diz respeito s relaes entre trabalhadores, que facilitam um ambiente eminentemente assediador (SILVA, 2010). Freitas (2007) comenta que em uma esfera poltica, tm-se diversos facilitadores do surgimento de relaes de assdio no ambiente laboral; nas reestruturaes, replanejamentos obscuros, fuses, aquisies e terceirizaes. A autora ainda discorre que o assdio moral no

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trabalho pode surgir a partir das relaes cotidianas de trabalho, das aes da gerncia, como as citadas acima, e isso pode reforar sentimentos de rancor, ressentimento, revanches e luto dentre os funcionrios da empresa (em todos os nveis e direes do organograma), que por sua vez, facilitam o surgimento (e manuteno) de assdio moral no trabalho, decorrente do pssimo clima organizacional que propiciam tais aes. Carvalho (2004) e Terrin e Oliveira (2007) apontam culpa, medo, perda de autoconfiana, ressentimentos e crticas como mecanismos que favorecem uma baixa autoestima. Nessa questo, pode-se perceber a continuidade que as aes no mbito poltico organizacional podem repercutir sobre o mbito individual, psquico do trabalhador. Nakamura e Fernandz (2007) apontam o carter cclico do assdio moral, contextualizado-o nas relaes de trabalho pelas influncias de dimenses organizacionais diversas. As consequncias do assdio moral no trabalho tambm atingem de forma destrutiva variados nveis, desde o individual, do trabalhador vtima de assdio moral, at o social, perpassando pelo nvel organizacional. Jornadas intensas de trabalho, m diviso de tarefas e responsabilidades excessivas (MUSSI e OLIVEIRA, 2008), bem como atribuir erros que no existiram, ignorar funcionrios na presena de colegas e forar demisso (ZIMMERMANN, SANTOS e LIMA, 2002), so exemplos de aes que podem levar a sofrimentos psquicos como esgotamento, depresso, sentimento de impotncia, distrbio do sono, ansiedade generalizada, acidentes de trabalho, incapacidade precoce, bem como a diversos outros danos mentais (RUFINO, 2007; TERRIN e OLIVEIRA, 2009). Como prejuzos fsicos, Terrin e Oliveira (2009) apresentam, como autodefesa do organismo contra a hiperestimulao decorrente da investida do sujeito assediador, o surgimento e agravamento de enxaquecas, distrbios digestivos, dores na coluna ou mesmo cansao e nervosismo. Na dimenso social, o assdio moral repercute (a partir dos sofrimentos descritos acima) na forma de aumento de despesas mdicas e previdencirias, elevao de suicdios, aposentadoria precoce, desestruturao familiar, dentre os mais evidentes, como aponta Freitas (2007). Existem outras formas mais conhecidas de fenmenos associados aos sofrimentos decorrentes do assdio moral, tais como sndrome de burnout, estresse, conflitos familiares, alm de doenas orgnicas que atingem muitos trabalhadores, como lceras, distrbios sexuais e cefaleias (alm de outras, tambm descritas acima) e que atingem, em consequncia, aquelas pessoas que cercam os trabalhadores vtimas de assdio moral, mas que, no entanto, so de difcil relao causal com o assdio moral no trabalho (HELOANI, 2005). Frontzek (2009) refora a ntima ligao entre os sofrimentos decorrentes do assdio moral e o prejuzo da sade tanto no espao de trabalho quanto na vida pessoal.

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J no mbito organizacional, e aqui se deve deter um pouco mais, a ocorrncia de assdio moral tambm encontra repercusses: ausentismo, queda na produtividade, qualidade e rendimento grupal (NAKAMURA e FERNANDZ, 2007), afastamentos por doena, elevao do nmero de acidentes, absentesmo, perdas de equipamentos pela desconcentrao, decrscimo da adeso da equipe nas empreitadas da empresa, imagem ruim perante o pblico/clientela, eventual perda de valor da marca, bem como gastos judiciais (FREITAS, 2007). As afirmaes feitas nos pargrafos anteriores apresentam alguns aspectos nocivos, danosos do advento de assdio moral no ambiente de trabalho para o sujeito que passa pelo sofrimento suportado, para a organizao que custeia um gasto previsvel (e passvel de preveno) e para a sociedade pela desestruturao familiar, engrossamento das filas mdicas, dentre outros efeitos. A afirmao de que o assdio moral no trabalho um fenmeno previsvel abre discusso sobre o papel da organizao na ocorrncia de assdio moral no trabalho. Freitas (2007) aponta a falta de treinamento adequado, falta de clareza nas regras da organizao (s vezes de regras especficas de relacionamento, como um manual de conduta), plano de cargos e salrios mal elaborado (ou ausente), delimitao ambgua de funo e hipercompetitividade como facilitadores do assdio moral no ambiente laboral. Frontzek (2009) expe que o assdio moral no trabalho est alicerado em um cenrio econmico e poltico, subsidiado por estratgias corporativas e relaes de poder desiguais que o viabilizam no cotidiano das empresas. Ribeiro e Silva (2010) discutem que aes como as acima citadas, endossadas por um discurso humanista que no aparece na prtica (contradio entre o que a empresa preza enquanto misso/viso/valores e o modo como, de fato, ela atua para com seus funcionrios), permeado por aes dissimuladas, coercitivas e sedutoras, servem de esteio para o assdio moral. Uma vez que o assdio moral fenmeno em certa medida provocado pela gesto da organizao, ou seja, h um papel ativo da organizao na ocorrncia de assdio moral no trabalho, este no seria ento um fenmeno passivo de interveno; seja pela preveno, seja pela reabilitao? Muitas organizaes encontram os reflexos do assdio moral dentro de seus limites quando sofrem aes movidas pelo Ministrio Pblico do Trabalho (MATTOS, 2008), bem como em quedas de produtividade (FREITAS, 2007). Para suprimir contingncias como essas, diversas organizaes (com maior ou menor clareza desse fenmeno) promovem aes que visam coibi-lo, cercando possveis focos de disseminao (preveno) ou mesmo desenvolvendo atividades que restituam e reintegrem vtimas que o assdio moral produziu,

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procurando amenizar prejuzos aos funcionrios e reordenar as atividades da organizao (reabilitao). A compreenso desse fenmeno recentemente estudado (pelas ltimas trs dcadas no exterior, sendo discutido no Brasil a partir da ltima dcada) desponta como possibilidade de melhoria na qualidade de vida de trabalhadores e no crescimento e desenvolvimento de organizaes de diversos portes (micro, pequenas, mdias e grandes empresas), como apontam Martiningo e Siqueira (2008). E o que os profissionais da rea de recursos humanos, gesto de pessoas de empresas esto fazendo nesse sentido? Que aes, estratgias, esto sendo pensadas e apresentadas na prtica? Que fundamento esses profissionais detm para pensarem tais aes? Muito material se encontra sobre o que o assdio moral no trabalho (FREITAS, 2007; GLCKNER, 2004, MUSSI e OLIVEIRA, 2008; NETO, 2010; RUFINO, 2007; ZIMMERMANN, SANTOS e LIMA, 2002). Existem estudos e polticas organizacionais sobre esse fenmeno, sobre as caractersticas mais recorrentes do assediador, dos efeitos nocivos s pessoas vtimas de assdio moral. Tambm se encontram diversas pesquisas analisando o assdio moral pelas consequncias jurdicas e pelas implicaes administrativas (CANIATO e LIMA, 2008; Martiningo e Siqueira, 2008; MUSSI e OLIVEIRA, 2008). Entretanto, enquanto algumas abordagens so beneficiadas, outros pontos de vista acerca do mesmo fenmeno se mostram insipientes ou pouco explorados, como na questo do que est se fazendo, na realidade organizacional das empresas, para coibir e restituir situaes propiciadas pelo assdio moral e em que compreenso os profissionais dessas empresas esto embasando suas aes no que tange o assdio moral no trabalho. Soboll (2008) discorre sobre a concepo original acerca do assdio moral no trabalho, a partir dos estudos de Leymann na Sucia e de Hirigoyen na Frana, e da apropriao do fenmeno por parte dos diversos atores sociais brasileiros. Soboll articula que pelos termos assdio moral no trabalho pesquisadores brasileiros compreendem no somente o uso desregrado de poder na dimenso do trabalho a fim de ferir outra pessoa (ou grupo), mas tambm o que a autora chama de violncia organizacional ou gesto por injria. Essa forma de violncia se caracteriza pela gesto em que, por falha no processo, ocorrem situaes de sofrimento dos funcionrios, ainda que sem inteno de causar tal sentimento, uma vez que o foco obter (mesmo que de forma precipitada) mais produtividade no processo organizacional. Mattos (2008) explora outro ponto dessa discusso, apresentando como assdio moral, no mbito jurdico, situaes que no necessariamente se enquadram pelas definies clssicas de assdio moral no trabalho (no que concerne ao tempo necessrio para

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caracteriz-lo, necessidade de inteno de causar sofrimento como discutido por Soboll, acima ou mesmo vivncia do sofrimento psquico/fsico). Diversos artigos sobre o tema corroboram essa compreenso no campo de produo de conhecimento cientfico (Martiningo e Siqueira, 2008; MATTOS, 2008; SOBOLL, 2008). As diferentes noes que Soboll (2008) aponta levam compreenso de diferentes modos de proceder e, consequentemente, indicam resultados possveis (e previsveis). E na realidade organizacional contempornea, como esses profissionais, gestores, embasam suas aes? Que orientao esses profissionais detm para justificar suas aes e visualizar um horizonte para suas atividades? Como se pode caracterizar essa atuao? Partindo dessas consideraes, a presente pesquisa tem como objetivo geral: identificar as estratgias de preveno e reabilitao do assdio moral no trabalho que vem sendo utilizadas por profissionais da rea de recursos humanos de empresas da Grande Florianpolis. Para tanto, tem-se como objetivos intermedirios (especficos): Verificar a compreenso dos profissionais da rea de recursos humanos de empresas da Grande Florianpolis sobre o fenmeno assdio moral no trabalho; Verificar as estratgias de preveno ao assdio moral no trabalho que vem sendo utilizadas por profissionais da rea de recursos humanos de empresas da Grande Florianpolis; Verificar as estratgias de reabilitao decorrentes do assdio moral no trabalho que vem sendo utilizadas por profissionais da rea de recursos humanos de empresas da Grande Florianpolis. A identificao desse contexto organizacional permite um acrscimo no campo da cincia acerca do fenmeno do assdio moral e no campo social pela possibilidade de intervenes mais assertivas de profissionais da rea de recursos humanos dentro das organizaes, no que tange as relaes pessoais (tanto na preveno quanto em outras formas de interveno de situaes nocivas para os profissionais). A compreenso desse ngulo do fenmeno assdio moral no trabalho (das aes de profissionais da rea de recursos humanos sobre o assdio moral nas organizaes) pode, junto a outros estudos na rea, abrir possibilidades de aperfeioamento da atuao profissional de profissionais da rea de recursos humanos que melhor podem subsidiar suas aes; auxiliar aos demais trabalhadores, que podero, atravs da atuao de profissionais da rea de recursos humanos que interceda sobre o assdio moral, no serem mais colocados em condies de

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vtimas. Com relao s organizaes, este estudo (complementado por outros na temtica) pode favorec-las na medida em que profissionais da rea de recursos humanos dessas organizaes possam fazer melhor uso do potencial de seus funcionrios no mais acometidos por uma srie de limitadores provenientes do assdio moral no trabalho. Ainda, esta pesquisa visa, juntamente com outras que se dediquem ao estudo do tema, subsidiar consultorias em aes sobre assdio moral tema to pouco estudado no que tange as aes em gesto de pessoas.

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3 FUNDAMENTAO TERICA

3.1 CARACTERIZAO DO ASSDIO MORAL NO TRABALHO

Antes de se estudar sobre assdio moral nas relaes de trabalho, j se desenvolviam estudos sobre movimentos semelhantes. Soares (2008) remete a primeira publicao oficial sobre assdio moral em 1976, com Brodsky, em sua obra The Harassed Worken (publicada nos Estados Unidos). J na dcada de 1980, na Sucia, Heinz Leymann estudava mobbing, assdio moral j sendo trabalhado como psicoterror, fazendo a relao do movimento de grupos contra sujeitos, causando sofrimento psquico (SCANFONE e TEODSIO, 2004) pela forma de comunicao eminentemente hostil, sistematicamente repetida sobre um alvo (SOARES, 2008). Este autor utiliza como ponto de referncia Leymann, pelos estudos em grande escala que desenvolveu, apontando que os estudos que realizou foram amplamente utilizados por estudiosos acerca do assdio moral posteriores a ele. Segundo Soares (2008), Hirigoyen e Leymann j citavam tambm Heinemann (dcada de 1970) que estudava movimentos hostis de grupos de crianas contra outras (e j utilizava o termo mobbing, sobre esse processo envolvendo relaes humanas, especificamente no contexto escolar). Acerca do uso do termo mobbing, Soares (2008) cita Konrad Lorenz, renomado especialista em Etiologia, em seus estudos com animais (isso em 1963). Esses estudos abordavam o contra-ataque de grupos de animais a ameaas, que visando preservao da espcie, mantinham o predador distante tornando a vida do inimigo impossvel. Desses estudos inter-espcies Heinemann e Leymann deslocam as discusses para aquelas relaes num contexto intra-espcie (com seres humanos). Como uma forma de violncia no trabalho, o assdio moral adquiriu visibilidade a partir dos estudos da vitimloga, psicanalista e psiquiatra francesa France-Marie Hirigoyen, que problematizou o fenmeno como a noo de violncia perversa nas relaes de trabalho (SOBOLL, 2008). Hirigoyen (2000) percebeu uma recorrente demanda de pacientes que sofriam em suas relaes de trabalho, diante de chefes e colegas que lhes causavam constrangimentos e humilhaes cotidianamente. Dessas violncias cotidianas os sujeitos

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desenvolviam grande sofrimento psquico e fsico, sem se perceberem violentados pelos agentes dessas situaes vexatrias. Havia uma constante nos relatos que Hirigoyen encontrava em sua clnica: sofrimento que se mostrava no presente apresentava-se como reflexo de um longo tempo de relaes de trabalho desgastantes, permeadas de humilhaes e discriminaes. Das vivncias de abusos recorrentes, a psicanalista pde caracterizar os aspectos que cercavam esses sofrimentos descritos: dos aspectos comuns s relaes que lhes causavam tamanha dor, das caractersticas de personalidade dos assediadores, das consequncias para os assediados, tanto na vivncia cotidiana quanto em longo prazo (HIRIGOYEN, 2000). No Brasil tem-se Margarida Barreto, como expoente na rea, que trouxe a discusso do assdio moral para o Brasil atravs de sua dissertao de mestrado (SCANFONDE e TEODSIO, 2004), na qual abordou o tema sobre um contexto de relaes de trabalho brasileiro. Dissertao que constituiu a primeira matria publicada sobre o assunto no Brasil, na Folha de So Paulo, de 25 de novembro de 2000 (TERRIN e OLIVEIRA, 2007). Sobre o conceito de assdio moral, podemos partir de uma noo apresentada por Hirigoyen:

Por assdio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano personalidade, dignidade ou integridade fsica ou psquica de uma pessoa, pr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho (HIRIGOYEN, 2000, p. 65).

A partir da produo de autores anteriormente citados se tm os primeiros estudos sobre assdio moral, que posteriormente se aplicariam aos fenmenos encontrados nas organizaes. Por assdio moral no trabalho, compreendem-se os recorrentes comportamentos agressivos, abusivos e antiticos que visam humilhar e ridicularizar profissionais de um mesmo ambiente de trabalho, a fim de faz-los sofrer (fsica, psquica e socialmente) e se demitirem (NASCIMENTO, 2004). Segundo Hirigoyen (2000), a nomenclatura assdio moral apresenta o carter psicolgico da agresso (assdio) e o aspecto tico dessa ao, a intencionalidade envolvida no ato de agredir outrem (moral). Tem-se o carter intencional de agredir pessoas no que tange a sua dignidade. Freitas, Heloani e Barreto (2008) definem assdio moral no trabalho como:

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(...) uma conduta abusiva, intencional, freqente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho e que visa diminuir, humilhar, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivduo ou um grupo, degradando as suas condies de trabalho, atingindo sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional (p.37).

Diversos autores (ZIMMERMANN, SANTOS, e LIMA, 2002; HELOANI, 2005; FREITAS, 2007) descrevem assdio moral no trabalho de forma similar, apontando que esse fenmeno se caracteriza pela intencionalidade do assediador, pela sua conduta abusiva e vexatria, pelas humilhaes que a vtima vivncia, pelo sofrimento exacerbado que a vtima pode desenvolver, tanto fsico como emocional, como citado pelos autores acima. Em contrapartida, ainda que haja um consenso entre os pontos j apresentados, existem outros aspectos que se mantm em discusso, como a referncia ao tempo necessrio para se caracterizar assdio moral no trabalho, a necessidade (ou no) de sofrimento da vtima e se uma gesto por maus-tratos pode se enquadrar por assdio moral 3 (SOBOLL, 2008). Acerca das diferenas de conceitos encontradas na bibliografia, Nascimento (2004) aponta a discrepncia entre os estudos de Leymann - que indicavam a frequncia com que acontecia o assdio moral, de no mnimo uma vez por semana, ao longo de seis meses, para a compreenso contempornea (segundo a autora) de que o assdio moral levaria de um a trs anos para que se caracterize como tal. A jurisprudncia apresentada na introduo desta pesquisa expe a possibilidade de enquadramento jurdico de assdio moral sem uma delimitao de tempo e de frequncia. Mattos (2008) argumenta que as leis que protegem sujeitos vtimas de assdio moral (como a Constituio Federal e Cdigo Civil, alm da CLT) no delimitam um tempo mnimo ou necessrio para que haja infrao, ato ilcito, e sejam aplicadas as sanes devidas. Por outro lado, no que tange discusso da caracterizao do assdio moral, Nascimento (2004) afirma que o assdio moral no trabalho no deve ser caracterizado a partir do sofrimento da vtima, tambm chamado dano psicoemocional (como ponto de referncia dos estudos iniciais sobre assdio moral), mas sim pela ao do assediador. A autora defende que utilizar como referencial o sofrimento infligido vtima dificulta a caracterizao do assdio moral, e se estar permitindo que pessoas emocionalmente mais resistentes (que no desenvolvam sofrimento ou tardem a desenvolv-lo, em decorrncia do assdio moral) no estejam protegidas dos maus tratos sofridos.

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Este terceiro tpico ser tratado no subtpico 3.6 PAPEL DA ORGANIZAO NO ASSDIO MORAL NO TRABALHO.

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3.2 IMPLICAES DO CONCEITO DE ASSDIO MORAL NO TRABALHO

O acontecimento do assdio moral advm de comportamentos abusivos nas relaes interpessoais mantidas no ambiente de trabalho. Esses abusos denotam a necessidade de relaes de poder (sejam formais ou informais), uma vez que eles ocorrem a partir da condio de controle que um sujeito (ou mais) mantenha sobre outros, tendo como implicao a agresso da vtima na sua dignidade e comprometendo a sua integridade pessoal e profissional (RUFINO, 2007, p.2). O abuso de poder no ocorre somente na relao de chefe-subordinado, na qual o superior abusa de seu poder, por exemplo, exigindo atividades que o empregado no tem como dar conta ou ridiculariza um empregado diante dos demais, a fim de faz-lo se demitir, mas tambm atravs de grupos que excluem um membro da organizao por uma questo identitria, ideolgica ou religiosa, por exemplo. A forma de poder pode ser outorgada pela organizao ou/e adquirida nas relaes cotidianas. As relaes de poder permeadas pelo assdio moral foram apresentadas na bibliografia inicialmente pelo excesso que os chefes cometiam sobre seus empregados - em uma direo vertical descendente, ou seja, de cima para baixo, hierarquicamente falando, do chefe ao subordinado (MUSSI e OLIVEIRA, 2008). Entretanto, com os estudos posteriores, percebeu-se que no somente entre chefe e subordinado ocorriam aes assediadoras, mas tambm entre os prprios empregados (assdio moral horizontal, entre trabalhadores de um mesmo nvel de funo, de poder formal e de responsabilidade) e de funcionrios para chefes (assdio moral vertical ascendente, de baixo para cima, quando trabalhadores - isoladamente ou em grupos se articulam para prejudicar um superior). Nakamura e Fernandz (2007) relacionam essas formas de assdio como simtricos (entre trabalhadores de cargos equivalentes) e assimtricos (entre trabalhadores de nveis hierrquicos diferentes). Hirigoyen (2000) ainda aponta a possibilidade de assdio misto, quando se mesclam duas formas de assdio, tendo, por exemplo, a possibilidade de um chefe e um grupo pequeno de funcionrios assediarem outro funcionrio. Nascimento (2004) nomeia esse modo de assdio moral de combinado. Nas relaes de trabalho em que advm assdio moral, Mussi e Oliveira (2008) afirmam que o assdio comumente se faz de forma dissimulada. Heloani (2005) destaca que o assdio moral geralmente nasce com aes de pouca intensidade e aparentemente inofensivas. H uma cincia (por parte do agressor) do limite que esses atos abusivos podem acontecer

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sem se tornarem expressivos a ponto de levarem a punies, ento, baseando-se nessa limitao, o assdio moral acontece em algumas situaes de forma sutil, perspicaz; em outras situaes, quando surge de forma mais aguda, busca respaldo na legitimao da ao que o cargo oferece h uma referncia aos abusos cometidos no trabalho como naturais relao entre chefe e trabalhador. O trabalho tem como caracterstica socialmente relacionada o sofrimento o termo trabalho tem origem no termo latim tripalium, que um instrumento de tortura, de sofrimento que, por conseguinte faz da vivncia de situaes desagradveis e dolorosas caractersticas do mesmo em graus elevados como de assdio moral (CANIATO e LIMA, 2008). Junto ao carter comumente dissimulado que faz o trabalhador demorar mais a reconhecer a violncia que vive o longo tempo de relaes de trabalho agressivas e degradantes agrava o dano que as experincias dirias fornecem a esses trabalhadores vtimas de assdio moral (HIRIGOYEN, 2000). O desrepeito no ambiente de trabalho oferece dor e sofrimento ao trabalhador que o vive, e na repetio de tais situaes dia aps dia, semana aps semana, o trabalhador desenvolve doenas mais graves e intensas (NASCIMENTO, 2005): a dissimulao de aes assediadoras mascara o imenso sofrimento decorrente dessas aes. Caniato e Lima (2008) ainda articulam um ponto pouco aprofundado na literatura sobre assdio moral a questo da discriminao. Segundo os autores, toda ao assediadora tem por base a recusa de uma diferena, de uma particularidade que o outro (vtima do assdio moral) possui, detm ou representa. O assdio moral no trabalho pode acontecer por questes funcionais, como um cargo que a vtima de assdio ocupa, uma posio da rede de relaes informais, ou mesmo pelo seu desempenho nas suas atividades. Entretanto, a religio da vtima ou sua orientao sexual, nacionalidade ou gnero podem servir de mote para o assediador agredi-la. Em todos os casos h algo que diferencia o assediador da vtima, e pelo qual o assediador a vitimiza. Nesse ponto, a intencionalidade se faz fator importante para alguns autores para caracterizar o assdio moral; pela intencionalidade que se elege uma (ou mais) pessoa(s), atravs de uma caracterstica que a diferencia e pelo qual agredida. As relaes de assdio moral no trabalho acontecem nas situaes em que um trabalhador (enquanto singular ou em grupos) privilegia seu interesse particular (mediante sofrimento alheio), desligado dos interesses da organizao (e comumente em detrimento da organizao). Nesse ponto, Soboll (2008) demarca a diferena entre o assdio moral e a gesto por violncia (tambm chamada gesto por injria); na primeira h a inteno de causar dano a um terceiro pelo benefcio particular, j a segunda visa o crescimento

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organizacional, ignorando os danos aos trabalhadores (enquanto totalidade) que essa gesto pode causar. Scanfone e Teodsio (2004) apontam ainda a diferena entre assdio moral e ms condies de trabalho, e imposies profissionais com agresso, reforando o carter intencional do assdio moral (de destruir o trabalhador, no favorecer o crescimento da organizao). Silva (2008), em resenha sobre o livro Assdio Moral no Trabalho (FREITAS, HELOANI e BARRETO, 2008), aponta que o foco sobre o assdio moral deva se manter sobre as organizaes, que mantm modelos de gesto por maus-tratos.

3.3 CARACTERIZAO DO ASSEDIADOR

O desrespeito que os trabalhadores vtimas de assdio relatavam Hirigoyen em sua clnica (e que forneceram os primeiros dados sobre o fenmeno assdio moral no trabalho e sobre os assediadores) permitiram estudos preliminares que caracterizassem os sujeitos assediadores, bem como estudos posteriores que confirmassem as aes e os perfis desses sujeitos (HIRIGOYEN, 2000). Apesar de Hirigoyen (2000) ter estudado o assdio moral prioritariamente pela posio da vtima (enquanto vitimloga), esta produziu conhecimento sobre o assediador, associando as relaes de assdio moral (embasada pela psicanlise) com os estudos sobre perverso. No sentido psicanaltico, os assediadores utilizavam-se de manipulaes e mentiras para agredir e se beneficiarem dos outros, indiferentes aos sofrimentos que causavam. 4 Considerando o aporte terico da autora, os sujeitos que assediavam colegas, chefes ou subordinados nas relaes de trabalho estariam, nessas relaes, refletindo um modo comum de se relacionar com pessoas, que se repetiriam nas diversas facetas de suas vidas. Como modo de compreender o mundo e agir sobre ele, o sujeito assediador pode ser caracterizado como aquele que, diante de situaes em que pode adquirir benefcios ou afastar prejuzos, atravs de aes que prejudiquem terceiros, o faz aproveitando das brechas que a organizao lhe propicia (MARTININGO e SIQUEIRA, 2008).

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Em Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano Hirigoyen, foca mais a relao do assediador e da vtima. J no Mal-Estar no Trabalho, a autora relativiza esta questo sobre a responsabilidade da organizao na ocorrncia do assdio moral no prioritariamente do assediador, como se tem impresso no primeiro livro (HELOANI, 2005).

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Heloani (2005) apresenta como caracterstica comum aos assediadores a dificuldade de aceitarem crticas, e comum insegurana na funo que executam (associados a traos narcisistas e paranicos, referentes competitividade), que os levam a procurarem outros trabalhadores que costumam reagir, responder, no se deixar dominar. O assediador se v em situao de risco, de insegurana frente a colegas de trabalho competentes e pr-ativos, levando-o a desqualific-los, coisific-los (trat-los como coisas, no como pessoas), como tentativa de compensao dessa insegurana, com o intuito de causar-lhe sofrimento ou mesmo lev-los a se demitirem.

3.4 CONSEQNCIAS DO ASSDIO MORAL

Das aes perpetradas atravs do assdio moral, como j apontado anteriormente, decorrem diversas consequncias para o assediador e para a vtima de assdio moral. Da parte do agressor, Nascimento (2004) e Martiningo Filho e Siqueira (2008) apontam alguns benefcios particulares que esses sujeitos adquirem com a ocorrncia de assdio moral no ambiente de trabalho (tais como possvel ascenso de cargo e demisso de pessoas com quem o assediador no se identifica). O assdio moral no trabalho comumente acontece pelo ganho ou pela suspenso de uma perda, factual ou eminente, que o assediador possa vislumbrar. O benefcio que este adquire sempre se faz a frente dos interesses da organizao quando no, e nesse aspecto os autores acima apontam, em detrimento da organizao. Com relao s consequncias do assdio moral no trabalho aos trabalhadores assediados, decorrem diversos sofrimentos nas relaes de trabalho, por elas e alm delas. A ansiedade exacerbada vivenciada diariamente antes de ir trabalhar, tanto quanto a culpabilizao que responsabiliza o trabalhador da dor que vive, so exemplos dos efeitos nocivos que se precipitam das e nas relaes de trabalho. O isolamento e a autoexcluso refletem os prejuzos externos a organizao, e dos quais o trabalhador assediado sofre. Caniato e Lima (2008) colocam como possibilidades de sofrimentos eliciados pelo assdio moral no trabalho: estado depressivo crnico, desvitalizao, dificuldade de pensar, sensao de vazio na cabea, sensao de confuso sucedida por estresse. Nakamura e Fernandz (2007) acrescentam que a vtima de assdio moral acaba desenvolvendo ansiedade diante do agressor, agindo de forma desorientada profissionalmente. Pelo assdio moral ela

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tem diminuda sua autoestima e pode chegar, em nveis mais elevados, depresso e at ao suicdio. Alm do desenvolvimento da sndrome de burnout, Heloani (2005) ainda articula como possibilidade de consequncia do assdio moral o desenvolvimento de caractersticas pelas quais a pessoa assediada; de tanto ganhar a eleio empregado tartaruga 5, a pessoa comea a desempenhar com lentido suas atividades e a chegar com frequncia atrasado ao trabalho. Freitas (2007) ainda complementa como consequncia da vivncia de assdio moral no trabalho, por parte dos trabalhadores, tambm, o desenvolvimento de pensamentos destrutivos (relacionado s tentativas de suicdio). Diante da coao de um assediador e da cumplicidade dos demais colegas de trabalho (que comumente se mantm em silncio pelo temor de serem os prximos a sofrerem tal qual o sujeito assediado), o trabalhador assediado julga, muitas vezes, as arbitrariedades de que sofre prprias s relaes de trabalho (HIRIGOYEN, 2000). Como apontado anteriormente, a culpabilizao tanto permeia as relaes (assediadoras) de trabalho como favorece a manuteno do assdio moral, na medida em que o trabalhador assediado se submete ao tratamento degradante por consider-lo merecedor e, por sua vez, o assediador mantm sua postura agressiva, porquanto sua vtima nem abandona a organizao nem denuncia o agressor para um rgo competente. A culpabilizao que o sujeito assediado sofre se reflete em sua vida como um sofrimento alm daqueles que j foram expostos, como estresse e depresso. A responsabilidade pelo declnio da qualidade das relaes de trabalho, do baixo desempenho na organizao que a culpabilizao incumbe ao trabalhador vtima de assdio moral (junto aos demais sofrimentos que esse trabalhador vivncia) lhe inibe procura de ajuda; afinal, o sujeito se v merecedor daquilo que vive e, mesmo sofrendo com o que vive, no percebe outra forma de ser (HIRIGOYEN, 2000). Pela culpabilizao (e investida gradativa do assediador sobre a vtima), cotidianamente o trabalhador assediado cronifica o sofrimento vivenciado pelas ofensas, pelas humilhaes, pelo apelido ridicularizador, pelo tom grosseiro que lhe dirigida a palavra, pelas funes ambguas 2007). e degradantes angstia que so demandadas diariamente (NAKAMURA transforma-se e em

FERNDANDZ,

Aquela

provada

consequncias para a relao do trabalhador assediado com o seu trabalho: pela desmotivao pelo trabalho, queda na realizao das funes que ocupava, gerando tanto desnimo quanto averso pela organizao que trabalha.5

Eleio Empregado Tartaruga um caso real, pelo qual a empresa utilizava-se deste mecanismo para inibir os trabalhadores de chegarem atrasados. Este caso foi julgado pela TRT15 Regio, em 2001 (MATTOS, 2008).

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Da relao que o trabalhador estabelece com o seu trabalho, o assdio moral aliena esse trabalhador de sua ao. Caniato e Lima (2008) afirmam que com o assdio moral o trabalhador se distancia da funo que exerce, num sentido aristotlico, ele perde o elo entre pensamento e ao, que daria sentido ao trabalho. Assim, o trabalhador aproximar-se-ia mais do trabalho escravo, no qual o trabalhador ordenado por outro, atua como objeto, como mero instrumento, no como sujeito. Nakamura e Fernandz (2007) ainda articulam que a relao do assediador com a vtima pode desumaniz-la, tratando-a como objeto, como coisa. Heloani (2005) comenta sobre a possibilidade de o assdio despersonalizar a vtima. Nesse sentido, o assediador se veria sem o dilema moral da ao hostil que emprega, na medida em que no a uma pessoa que ele est endereando suas agresses, mas a algum desprovido de sentimento, de sofrimento. A ao do assediador destitui da vtima seu desejo (CANIATO e LIMA, 2008). Fazendo referncia ao carter social (e no somente emocional ou psquico) que o sofrimento decorrente do assdio moral apresenta, Scanfone e Teodsio (2004) complementam que esse sofrimento infligido pelo assdio moral pode ser tanto de natureza fsica quanto psicolgica, afetando diretamente o sujeito que sofre o assdio moral e indiretamente aqueles que mantm relaes prximas com o sujeito vtima de assdio (FREITAS, 2007). A extenso do assdio moral pode ir alm das emoes vividas nas relaes de trabalho, podendo chegar a prejuzos psicolgicos e fsicos, repercutindo no corpo do trabalhador. Esses efeitos, por sua vez influem na relao desse sujeito com aqueles que fazem parte do seu crculo de relaes, atingindo-os indiretamente. A implicao ao trabalho que diversos ramos de atividades demandam de seus trabalhadores, mais que sua fora braal, sua dedicao afetiva e intelectual, como aponta Ribeiro e Silva (2010), levam a um grande investimento do trabalhador na atividade que exerce. Quando essa atividade lhe causa desgaste, sofrimento, ele pode se apresentar de forma exacerbada, atingindo com maior grau outras dimenses da vida do trabalhador, to maior o investimento do trabalhador na organizao. O assdio moral, quando vivenciado nas relaes de trabalho, no s implica a humilhao no ambiente de trabalho, mas a negao do sujeito enquanto ser humano. As organizaes atualmente falam de capital intelectual, fator humano nas organizaes, e a forma como a organizao adentra a constituio identitria desses sujeitos repercute tanto na significao positiva do trabalho, quanto no sofrimento vivenciado.

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3.5 PAPEL DA ORGANIZAO NO ASSDIO MORAL NO TRABALHO

O assdio moral nas relaes de trabalho perpassa mais que a contingncia de um sujeito que dispe de determinado poder sobre outro e o utiliza a fim de beneficiar a si prprio com a degradao fsica e psicolgica de outrem. Martiningo Filho e Siqueira (2008) apontam que a organizao tambm desempenha um papel importante na ocorrncia do assdio moral. Caniato e Lima (2008) corroboram os autores citados acima quando dizem que a origem do assdio moral est na organizao, e no na vtima. As pesquisas precursoras do assdio moral no trabalho estudavam a relao assediador/assediado, nas contingncias de humilhaes e constrangimentos. Entretanto, ainda que na relao dual assediador/vtima ocorram as agresses e dessa relao decorram diversos sofrimentos, justamente das contingncias que assediador e assediado encontram na organizao que o assdio moral se torna possvel. Freitas (2007) diz que, pelo espao em que ocorre o assdio moral, essa uma questo organizacional, no individual. Disso implicam diversas questes referentes gesto (e suas intervenes) e as sanes legais que preveem responsabilidade da organizao quilo que acontece pela ao do empresrio ou por algum empregado por ele a outro empregado (MATTOS, 2008). Martiningo Filho e Siqueira (2008) discutem que aes comumente possibilitam, de forma direta ou indireta, o surgimento do assdio moral nas organizaes. A terceirizao de processos, o estmulo de competitividade entre os trabalhadores da organizao (visando cada vez mais resultados), polticas e aes que tenham por objetivo acirrarem as relaes de trabalho, que alienam os trabalhadores de suas funes e do significado do trabalho que executam, bem como das aes gestoras na organizao, propiciam o assdio moral. Essa facilitao se d, segundo os autores, paralelo falta de canais de comunicao adequados para a compreenso e expresso dos trabalhadores a respeito dos conflitos que vivenciam. Se existem conflitos e problemas e no se oferecem mecanismos adequados que permitam solucionar esses entraves, h uma possibilidade cada vez maior de que tais conflitos se tornem mais complexos e adquiram, com o tempo, o agravamento de sentimentos de rancor, de revanche, de luto e de ressentimento que (potencializados) levam a intrigas e agresses no ambiente de trabalho (FREITAS, 2007). Essas agresses podem ser caracterizadas, pela forma que aparecem, de assdio moral no trabalho.

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Pelas formas de atuao da organizao diante da ocorrncia do assdio moral, Mussi e Oliveira (2008) e Freitas (2007) descrevem as polticas de gesto de pessoas que age como facilitador do assdio moral no trabalho pela sua inao, pela cumplicidade que a organizao estabelece sobre os maus tratos dos sujeitos assediadores. Dentre as polticas e aes que essas gestes aplicam, encontra-se, como exemplo, a m diviso de tarefas, estabelecimento de regras obscuras, oferecendo desse modo uma conjuntura que permite ao sujeito assediador atuar e se manter impune. Ainda h os espaos de atuao profissional que tem, pela natureza das atividades que seus trabalhadores desempenham, maior facilidade desses trabalhadores se encontrarem em condio de assdio moral. Freitas (2007) comenta sobre os servios de call center e telemarketing em que os atendentes tem um empobrecimento das relaes sociais, o que, por sua vez, facilita a esses trabalhadores se verem vtimas de ofensas tanto por parte de chefes quanto de clientes. H de se considerar fatores intrnsecos s atividades no diagnstico de assdio moral no trabalho. Soboll (2008) discute sobre a caracterizao do assdio moral outra situao: a gesto por violncia, como exemplo de uma situao que difere daquela que se caracterizaria por assdio moral no trabalho. Aqui a autora discorre sobre o papel das organizaes que, visando o seu pleno desenvolvimento, estabelece aes junto aos seus trabalhadores que, seja por ignorncia, seja por descaso, infligem sofrimento a eles. Diferente da caracterizao tradicional do assdio moral (pela inteno explcita de causar sofrimento a outrem), essas formas de conduo organizacional por si, segundo a autora, no se caracterizam por assdio moral no trabalho, entretanto, pelas contingncias que recaem sobre seus trabalhadores, propicia o assdio moral no trabalho. A partir da anlise dos aspectos que favorecem o surgimento do assdio moral no ambiente de trabalho, a gesto de pessoas desempenha, de acordo com Martiningo e Siqueira (2008), um papel importante na identificao e no gerenciamento daqueles fatores que cerceiam o surgimento e a manuteno de assdio moral. A avaliao da cultura organizacional, das contingncias do mercado em que a organizao est inserida, da forma como a alta gerncia estabelece contato com seus empregados, como as regras se estabelecem no cotidiano organizacional e as vias de comunicao direta entre funcionrios e organizao, so apresentadas pelos autores acima como indicadores inerentes observao e interveno da gesto de pessoas dentro da organizao. Mussi e Oliveira (2008) apontam como possibilidade de preveno o investimento na formao de lderes e gerentes, treinando-os para identificarem conflitos e solucion-los,

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logo no seu incio. Alm disso, os autores retomam ainda a questo da clareza e transparncia da organizao nas aes que desempenha e na relao que tem com seus empregados. Nakamura e Fernandz (2007) corroboram a questo da liderana, falando sobre a possibilidade de mudana de estilo de liderana, treinamento de habilidades sociais, bem como, sugerem a dessensibilizao sistemtica e o bio-feedback como alternativas para a inibio de assdio moral no trabalho, atravs da postura ativa da gesto de pessoas.

3.6 ASPECTOS JURDICOS DO ASSDIO MORAL

Quanto s questes jurdicas do assdio moral, Mattos (2008) aborda os diferentes aspectos legais que dizem respeito, isso, enquanto no se configura uma legislao especfica para o assdio moral6 (ainda que j exista legislao para o assdio sexual, uma das formas de assdio moral). Em relao Constituio Federal, h o artigo V, que versa sobre o respeito dignidade humana (BRASIL, 1988). Em relao Consolidao das Leis Trabalhistas (CLT), o Art. 483 defende a vtima de assdio moral na medida em que prev a demisso indireta a que o trabalhador pode ser levado a fazer em detrimento de aes perpetradas pelos seus empregadores (NASCIMENTO, 2004; MATTOS, 2008). Nesse mesmo aparato legal, o Art.482 responsabiliza o empregador de demitir empregado que esteja assediando moralmente outrem, ainda que isso no implique em iseno de responsabilidade por parte da empresa sobre a agresso efetuada. J no que diz respeito aos aspectos cveis, de reparao civil, considera-se a forma de sofrimento que o assdio moral efetua, sobre a intimidade da vtima (ainda que um dano impagvel), passvel judicialmente de ressarcimento do dano causado atravs de uma compensao financeira (MATTOS, 2008). A reparao financeira se justifica pela Constituio Federal que prev reparao a danos morais e matrias, que agridam a intimidade, honra e imagem. Acerca da questo do ressarcimento, Mattos (2008), bem como6

No se tem legislao sobre assdio moral em nvel de constituio nacional, entretanto diversos municpios j apresentam legislao especfica sobre assdio moral, tais como de Iracempolis (Lei 1.163 de 24/04/2000 e Decreto Regulamentador 1134/2001), Cascavel (Lei 3.243 de 15/05/2001), Guarulhos (Lei 358 de 19/07/2001), Sidrolndia (Lei 1.078 de 05/11/2001), Jaboticabal (Lei 2.982 de 17/11/2001), So Paulo (Lei 13.288 de 10/01/2002), Natal (Lei 189 de 23/02/2002), Americana (Lei 3.671 de 07/06/2002), Campinas (Lei 11.409 de 04/11/2002) e So Gabriel do Oeste (Lei 511 de 04/04/2003), segundo Nascimento (2004).

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Scanfone e Teodsio (2004), comentam sobre os riscos de o assdio moral ser utilizado como discurso para se adquirir impropriamente bens (alm de outros ganhos secundrios da acusao de assdio moral). 7 Mattos (2008) traz como exemplo a rede de supermercados internacional WalMart que pagou 50 milhes de dlares em decorrncia do assdio moral e a Chevron que desembolsou 2 milhes de dlares em detrimento de aes assediadoras de um gerente sobre diversos empregados (ambas nos Estados Unidos). No Brasil, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT 24R) condenou um banco a indenizar um funcionrio em 40.000 reais. O Cdigo Civil brasileiro, atravs do art.402, prevendo o princpio da razoabilidade, condiciona o valor da indenizao (por danos morais) aos seguintes indicadores: intensidade do sofrimento imposto vtima pelo dano moral, gravidade dos danos infligidos, repercusso emocional e fsica, situao econmica daquele que agrediu e extenso dos prejuzos e sequelas decorrentes (MATTOS, 2008). Ainda, o Cdigo Civil brasileiro prev como ato ilcito o dano que se cause inclusive moral, independente da ao ser feita pela omisso, intencionalidade, negligncia ou imprudncia (Art. 186). O uso exacerbado de direitos que transbordam os limites permitidos por esses direitos tambm se enquadra como ato ilcito (Art. 187), segundo Mattos (2008). O uso abusivo de poder por um funcionrio dentro de uma organizao, ou da organizao pela omisso da situao em que um trabalhador seu esteja sendo assediado, implicam em atos ilcitos. O Cdigo Civil (de 2002) ainda prev que qualquer um que cause dano a outrem, atravs de um ato ilcito, deve reparar tal dano. Da decorre as responsabilidades do empregador. Alm do Cdigo Civil, Caniato e Lima (2008) e Heloani (2005) ainda citam o Cdigo Penal na questo do assdio moral, na medida em que prev crimes contra a honra, seja por calnia, difamao ou injria, seja pelo constrangimento ilegal que um sujeito sofra na relao com outro, atravs dos artigos 138, 139, 140 e 146. Esses artigos so aplicveis s diversas formas que o assdio moral se apresenta, em consonncia com os demais dispositivos legais. Mussi e Oliveira (2008) comentam sobre a Emenda Constitucional n45, de 2004, que dispe no seu Art. 114, inciso VI, que compete Justia do Trabalho realizar processos e julgamentos litigiosos, no que concerne a danos morais que envolvam relaes empregatcias. Alm disso, os Tribunais Regionais do Trabalho tm eliciado empregadores a indenizarem7

Outros ganhos secundrios como demisso de um possvel desafeto ou vingana sobre algum que se tenha algum conflito (SCAFONDE e TEODSIO, 2004).

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funcionrios que tenham sofrido danos morais em decorrncia das relaes de trabalho. Nesse ponto procura-se considerar no campo da responsabilidade civil a responsabilizao pelos atos realizados pelo empregador e por aqueles que se encontram seus empregados, no exerccio de suas funes, independente da forma de ao (por negligncia ou omisso), de acordo com a Constituio Federal (1988), art. 932, inciso III. No que tange s sanes impostas ao assediador, no mbito trabalhista pode haver a demisso por justa causa; no mbito cvel, responsabilidade pelo dano material (junto responsabilidade do empregador, quando o assediador no tiver condies de custear o dano infringido); e no mbito penal (dispositivo comumente no utilizado) h a previso de condenao criminal (MATTOS, 2008). Ainda que o empregador responda pelos atos ilcitos de seus empregados (no que concerne ao assdio moral no trabalho), o assediador no est impune de sanes legais. J no que diz respeito s sanes impostas ao empregador, Mattos (2008) expe que a ao (ou inao) que o empregador viabiliza para o assdio moral dentro de sua organizao de responsabilidade civil objetiva dele. O empregador tocado materialmente pelo assdio moral por meio de condenaes referentes a danos materiais e morais, nisso implica sua responsabilidade por manter uma gesto que permita que o assdio moral se instale dentro de seus limites e que se mantenha, sem aes de preveno na organizao.

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4 MTODO

A pesquisa cientfica uma forma de estudo planejada, que encontra em seu mtodo de abordar o problema o carter cientfico de seu empreendimento (SOARES, 2011). Com a formulao de um problema e o estabelecimento de um referencial terico adequado abordagem do problema, o mtodo cientfico permite que a realidade social seja reconstruda enquanto objeto de conhecimento (DESLANDES, 2000). A estruturao de uma pesquisa cientfica tem no mtodo o conjunto de etapas e processos a serem vencidos ordenadamente na investigao dos fatos ou na procura da verdade (RUIZ, 1985, p. 131). Essa ordenao engloba diversos aspectos, recortes que delimitaram o caminho por onde aproximou-se do fenmeno pesquisado. Para a resoluo do problema aqui levantado, o tipo de pesquisa qualitativa mostrou-se mais apropriada, pois permitiu uma aproximao mais detalhada, aprofundada do fenmeno a ser pesquisado, naquilo que o compe em suas diversas facetas (RICHARDSON, 1999). Com isso, tm-se maior descrio do fenmeno, pela observao mais exaustiva dos elementos que o constituem. Minayo (2000) refere ao tipo de pesquisa qualitativa a abordagem de significados, aspiraes, valores e atitudes que envolvem os sujeitos participantes da pesquisa. Enquanto proposta de aproximao mais pontual, minuciosa e detalhada sobre as caratersticas que formam o fenmeno pesquisado, limitada a poucos sujeitos, procurando explorar sua complexidade, como aponta Soares (2011), utilizou-se do delineamento estudo de caso. Gil (2002) diz que tal delineamento viabiliza uma maior nfase sobre a situao problema, englobando tanto os fatores constituintes do fenmeno, quanto queles a ele relacionados.

4.1 LOCAL E SUJEITOS DE PESQUISA

No que tange aos sujeitos de pesquisa, os critrios para a participao deles foram que deveriam ser profissionais inseridos em empresas da Grande Florianpolis, que desenvolvam atividades na rea de Recursos Humanos. Considerando que o presente estudo

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tem como interesse pesquisar quais embasamentos esses profissionais, nessas empresas, tm sobre o que caracteriza assdio moral no trabalho, alm das prticas que so realizadas sobre esse fenmeno, foram entrevistados quatro profissionais atuantes de quatro empresas (um profissional de cada empresa) da Grande Florianpolis. Os dados de caracterizao dos sujeitos da pesquisa podem ser observados no quadro a seguir:

Sujeito Formao Tempo de formao Cargo que ocupa Tempo de empresa Ramo da empresa Membros componentes do setor

CARACTERIZAO DOS SUJEITOS DA PESQUISA S1 S2 S3 Psicologia Economia Psicologia 3 anos 14 anos 2 anos Psicloga 1 ms Segurana terceirizada 2 psiclogas Presidente do Comit de tica 33 anos Transmisso de energia eltrica 70 profissionais na Gesto de pessoas e 6 no Comit de tica (2 advogados, 2 contadores, 1 auditor e 1 economista) Psicloga 3 anos e 4 meses Varejista 11 profissionais (entre administradores e psiclogos)

S4 Psicologia 3 anos Psicloga 2 meses Varejista 1 psicloga e 1 administrador (analista de RH)

Quadro 1: Caracterizao dos sujeitos da pesquisa (n=4). Fonte: Elaborao o autor (2011).

H um predomnio de profissionais formados em Psicologia, com pouco tempo de trabalho na instituio (um ms e dois meses, respectivamente). Desses, dois profissionais j trabalhavam na empresa em que atuam hoje antes de sua formao. Dos setores em que esses profissionais trabalham, dois deles contam com dois profissionais apenas. Ainda sobre os setores dos entrevistados, trs empresas contam com profissionais de reas diferentes (como psiclogo, administrador, advogado, economista), compondo o setor de recursos humanos/gesto de pessoas. Para o procedimento de entrevista, optou-se pela deliberao do profissional entrevistado pelo local a se realizar a entrevista. Trs sujeitos (S2, S3 e S4) optaram pelo espao de trabalho em uma sala dentro da empresa, porm reservada dos demais colegas de trabalho em atividade. Um profissional (S1) optou por fazer a entrevista em um lugar externo empresa, porm reservado, pela indisponibilidade de conceder a entrevista em um local no seu ambiente de trabalho.

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4.2 INSTRUMENTO E PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS

O mtodo desta pesquisa foi alterado devido ao fechamento do campo inicialmente previsto para coleta de dados. Com essa vicissitude, reformulou-se o mtodo de pesquisa, alm dos objetivos, e props-se realizar entrevistas com gestores de empresas. Em um primeiro momento visou-se entrevistar profissionais da rea de gesto de pessoas e recursos humanos de um ramo de atividade, a princpio, empresas privadas do ramo de supermercados. Com isto se iniciaram os contatos com profissionais desta rea, na regio da Grande Florianpolis. Das cinco empresas acessadas apenas com quatro se pde estabelecer contato com os profissionais da rea de gesto de pessoas. Dessas quatro empresas, profissionais de trs empresas relataram impossibilidade de participar da pesquisa, naquele momento, e uma consentiu em participar da pesquisa. Diante dessa situao, estendeu-se a possibilidade de pesquisar profissionais de gesto de pessoas de empresas que consentissem em participar da pesquisa, independente do ramo de atividade. A princpio, pode-se entrevistar profissionais de empresas dos seguintes ramos: supermercados, servios de segurana terceirizados, energia eltrica e calado, entre empresas privadas e pblicas. Desse modo, do jeito que se configurou ao fim esta pesquisa, utilizou-se a tcnica de entrevista, pois permite captar melhor o que os pesquisados sabem e pensam, permitem tambm ao pesquisador, observar a postura corporal, a tonalidade da voz, os silncios (MARSIGLIA, 2011, p.9). Com a finalidade de proceder s entrevistas, utilizou-se de um roteiro semiestruturado, modalidade apresentada pela autora acima como uma forma de entrevista que favorece que o entrevistado apresente o que pensa sobre determinados tpicos, podendo ser explorado pelo entrevistador no decurso da entrevista aquilo que convir (sobre os objetivos da pesquisa). Sobre as questes abordadas no roteiro utilizado para esta pesquisa (APNDICE A), encontram-se os tpicos: Conceito de assdio moral no trabalho: H uma questo abordando o que constitui assdio moral no trabalho, explorando o que o caracteriza, ao que leva, que consequncias gera, que aspectos envolve assediador e assediado, sujeitos envolvidos e organizao.

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Preveno: h uma questo que aborda o que se faz, o que se pensa que se pode fazer, o que se intenciona fazer e o que ainda no est operacionalizado ou em processo de operacionalizao. Reabilitao/Interveno: Existem trs questes que abordam a ocorrncia de assdio moral na organizao, as medidas tomadas (ou aplicveis, no caso de ocorrncia, tanto sobre o agressor quanto sobre a vtima de assdio moral no trabalho). Os profissionais da rea de gesto de pessoas foram contatados via telefone ou e-mail, para participar da pesquisa. Nesse contato foram explicitados os objetivos da pesquisa, que a mesma no traria nenhum dano empresa nem ao entrevistado, que os dados seriam mantidos em sigilo, que no geraria nus empresa e que a mesma poderia desistir a qualquer momento. Os profissionais foram convidados a participar de uma entrevista semiestruturada, contendo seis itens de caracterizao da empresa e do entrevistado e cinco perguntas com tempo previsto para 30 minutos. As entrevistas foram realizadas em locais convenientes aos sujeitos da pesquisa, como descrito acima, onde pde ser realizada a entrevista com sigilo e livre de interrupes. As entrevistas foram gravadas, perante consentimento dos sujeitos da pesquisa por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concernentes organizao e ao sujeito participante da pesquisa (APNDICE B e APNDICE C).

4.3 PROCEDIMENTO DE ANLISE E INTERPRETAO DE DADOS

Ainda que se possa compreender a anlise de dados diferente da interpretao de dados, sendo a primeira mais prxima de uma descrio e a segunda, de uma articulao dos dados antes descritos, como critica Gomes (2000), o processo de anlise e de interpretao de dados pode ser compreendido como um olhar atento para os dados levantados, a serem abordados, como um movimento nico, processual, focado no trabalho interligado dos processos (de descrio e articulao). Para fim de anlise de dados utilizou-se a anlise de contedos, tcnica que tem por funo tanto confirmar questes levantadas, previstas perante o pareamento com as respostas apresentadas pelos sujeitos da pesquisa, como explorar contedos latentes sob os

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contedos manifestos pelos entrevistados (GOMES, 2000). Com essa base, procedeu-se a anlise e interpretao de dados descrita a seguir. A anlise de dados utilizou-se do modelo apresentado no exemplo a seguir:

CONSEQUNCIAS DO ASSDIO MORAL NO TRABALHO PARA INDIVDUO (unidade de registro) Cat. Subcategoria Isolamento social Unidade de contexto elementar "Doenas de excluso da sociedade, de falta de convvio, enfim, doenas sociais." (S2) Oc. 1

"Eu acho que perde muito na prpria qualidade de vida porque 'que 1 pssimo que , a gente passa oito horas por dia, doze, dez horas do seu dia vinculadas ao trabalho, se dedicando a isto e muito pouco famlia, ento aquelas dez horas do dia so horas que no tem prazer nenhum, e ai chega em casa e no tem prazer em nada, est chateado com aquilo, no outro dia tem que ir pra trabalhar'." (S3) Ex: Quadro 4: Definio de assdio moral no trabalho (categoria o que no assdio moral) a partir das falas dos entrevistados (n=4). Fonte: Elaborao o autor (2011).

Relaes interpessoais

Alterao na qualidade de vida

No ttulo do quadro ser apresentada a unidade de registro a ser analisada. Na primeira coluna, esquerda, ser disposta a categoria (ou categorias). Na coluna a seguir sero apresentadas as subcategorias (quando existir). Ao lado direito de cada categoria/subcategoria ser exposta uma fala de um dos entrevistados que caracteriza a categoria/subcategoria exposta anteriormente, complementada pela ocorrncia dessa categoria com os sujeitos entrevistados.

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5 ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS

Os dados sero apresentados e discutidos em quatro subtpicos, de acordo com os elementos constituintes da entrevista, visando responder aos objetivos especficos da pesquisa, seguindo a seguinte ordem: Compreenso de assdio moral no trabalho de profissionais da rea de recursos humanos, bem como das consequncias deste para trabalhadores e organizaes; Estratgias de preveno sobre assdio moral no trabalho propostas por profissionais da rea de recursos humanos; Estratgias de reabilitao e interveno diante de situaes de assdio moral no trabalho propostas por profissionais da rea de recursos humanos; Obstculos para a implementao de prticas relacionadas preveno e interveno de assdio moral percebidas por profissionais da rea de recursos humanos; O primeiro subtpico concerne ao primeiro objetivo especfico da pesquisa (compreenso de profissionais da rea de recursos humanos sobre assdio moral no trabalho). O segundo subtpico diz respeito ao segundo objetivo especfico, a saber, sobre as prticas de preveno sobre assdio moral realizadas nas organizaes desses profissionais. O terceiro subtpico engloba as prticas de reabilitao sobre assdio moral realizadas, objetivo especfico terceiro, alm das aes que tanto servem de interveno quanto visam preveno (de ocorrncia de assdio moral no trabalho). E o quarto subtpico surgiu a partir das entrevistas, permeando a ao dos profissionais da rea de recursos humanos, e merece ateno. As subcategorias sero apresentadas e exploradas conforme forem apresentadas as categorias integrantes dos subtpicos (enquanto unidades de registro). A partir do questionamento de como os entrevistados definem assdio moral, criou-se 16 quadros que se referem s categorias de definio de assdio moral (Quadros 2 9), consequncias de assdio moral para o individuo (Quadro 10 12), consequncias de assdio moral para a organizao (Quadro 13), estratgias de preveno de assdio moral (Quadro 14), estratgias de interveno sobre situaes de assdio moral (Quadro 15), estratgias de reabilitao sobre assdio moral (Quadro 16) e obstculos para a implementao de estratgias sobre preveno, interveno e/ou reabilitao sobre assdio moral no trabalho (Quadro 17).

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Consequncias individuais

Definio

Consequncias organizacionais

Assdio Moral no TrabalhoDificuldades para a implementao de estratgias sobre assdio moral

Estratgias de prevenoEstratgias de interveno/ reabilitao

Figura I Assdio moral e categorias criadas a partir das falas dos entrevistados. Fonte: Elaborao do autor (2011).

Fonte: Elaborao do autor (2011). um ponto interessante. Voc pode posicionar a caixa de texto em qualquer lugar do documento. Use a guia Ferramentas de Desenho para alterar a formatao da caixa de texto de citao.]

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DefinioComportamento Autoritarismo Falta de respeito Forma de comunicao inadequada Ao Ameaa Discriminar Expor O que no assdio moral Xingamento Cobrana Contexto possvel do assediador Alto nvel de presso No se perceber assediandoDificuldade de relacionamento com equipe

Discriminao Humilhao

Cobrar exageradamente Elevar a voz Ser grosseiro

Divergncia

Desequilbrio emocionalDesprazer com a atividade que exerce

Tipos de assdio Vertical ascendente Horizontal Frequncia Contnuo Situaes Implcito Implcito e explcito Interpretao da vtima Figura II Unidade de registro Definio.Fonte: Elaborao do autor (2011).

Vertical descendente

Isolado

Explcito

Consequncias individuaisPsicolgico Intensificao de sintomas Depresso Tentativa de suicdio Relacionamento interpessoal Isolamento social Laboral Medo de demisso Desmoralizao Sentimento de sufocamentoFigura III Unidade de registro Consequncias individuais. Fonte: Elaborao do autor (2011).

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Baixa autoestima Transtorno de pnico

Alterao da qualidade de vida

Desinteresse pela atividade que exerce Sentimento de incapacidade

Fonte: Elaborao do autor (2011). um ponto interessante. Voc pode posicionar a caixa de texto em Consequncias organizacionais qualquer lugar do documento. Use a guia Ferramentas de Desenho para alterar a formatao da caixa de texto de citao.] Produtividade

Comprometimento

Imagem pblica

Desempenho

Clima organizacional

Sanes jurdicas

Rotatividade

Figura VI Unidade de registro Consequncias organizacionais. Fonte: Elaborao do autor (2011).

Fonte: Elaborao do autor (2011). um ponto interessante. Voc pode posicionar a caixa de texto em qualquer lugar do documento. Use a guia Ferramentas de Desenho para alterar a formatao da caixa de texto de citao.]

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Estratgias de prevenoEsclarecimento sobre o tema Capacitao Palestras Burocracia Clareza na comunicao Humanizao do RH Valorizao do colaboradorFigura V Unidade de registro Estratgias de preveno. Fonte: Elaborao do autor (2011).

Material informativo

Fonte: Elabonar a caixa de texto em qualquer lugar do de Estratgiasdocumento. Use a guia Ferramentas de Desenho interveno/reabilitao alterar a formatao da caixa de texto de citao.] para

Interveno sobre situaes de assdio moral Orientao do assediador

Conversa com ambas as partes, isoladamente Processo administrativo

Punio

Reabilitao de profissionais envolvidos pelo assdio moral Realocao dos trabalhadores

Terapia individual (externa a organizao)

AcolhimentoFigura VI Unidade de registro Estratgias de interveno/reabilitao. Fonte: Elaborao do autor (2011).

Fonte: Elaborao do autor (2011).

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Dificuldade para a implementao de estratgias sobre assdio moralEstar numa filial

Porte da empresa

Estruturao de setor

Cultura da empresa

Figura VII Unidade de registro Dificuldades para a implementao de estratgias sobre assdio moral. Fonte: Elaborao do autor (2011).

5.1 COMPREENSO DE ASSDIO MORAL NO TRABALHO

Sobre a definio de assdio moral no trabalho, como unidade de registro, podemse englobar diversas categorias. A primeira concerne aos comportamentos que caracterizam assdio moral no trabalho. Esse primeiro elemento abarca comportamentos mais complexos, que englobam diversas aes e determinadas situaes, com vistas a proporcionar os efeitos caracterizantes de assdio moral no trabalho. Por denotarem fenmenos mais complexos (no que tange as atuaes e contextos), no h de se considerar esses comportamentos enquanto cadeias um sucedendo o outro, mas relaes em que um est intrinsecamente ligado ao outro, separados por determinadas caractersticas que, pela nfase apresentada, o distingue dos demais. O quadro abaixo explora essa primeira categoria (comportamento) nas subcategorias que foram derivadas daquela categoria, utilizando-se de frases dos entrevistados para ilustrar as subcategorias construdas.

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Cat.

Comportamento

DEFINIO DE ASSDIO MORAL NO TRABALHO (unidade de registro) Subcategoria Unidade de contexto elementar Oc. Autoritarismo ""Na verdade uma pessoa que tem um histrico j de 2 comportamento assim. Ento, com pessoas do mesmo nvel e pessoas acima, no age assim. Ento quando tem um poder nas mos, que age sobre as pessoas." (S3)" Discriminao "Uma pessoa que tem um comportamento que no 1 considerado padro, ele no homem nem mulher, uma pessoa do terceiro sexo. Como tal, tem que ser respeitado como cidado, como trabalhador, como empregado. Se o grupo no aceita esta situao, dele, isto vai gerar desconforto, que pode levar segregao, pode levar a uma discriminao no tipo de trabalho que ele vai fazer. " (S2) Falta de respeito "O no respeito, a falta de respeito individualidade de 2 cada um, de cada ser humano." (S2) Forma comunicao inadequada de "A partir do momento que voc vai pedir uma atividade e 3 eu vou cobrar 'E, voc j fez esta atividade?', a voc diz 'no, [pesquisador], ainda no consegui', 'mas como que tu no conseguiu fazer?' na frente dos seus colegas de trabalho, tambm caracterizado como assdio moral. " (S1) "Na minha opinio assdio quando acontece fatos 3 geralmente hierrquicos, eu creio, dentro da empresa, onde acontece humilhaes." (S3)

Humilhao

Quadro 2: Definio de assdio moral no trabalho (categoria comportamento) a partir das falas dos entrevistados (n=4). Fonte: Elaborao o autor (2011).

Dentre os comportamentos que apareceram nas falas dos sujeitos entrevistados, encontram-se aqueles que denotam assdio moral, pelo uso exacerbado de poder (autoritarismo). Pressionar exageradamente, exigir comportamentos que no concernem s atividades de seus subordinados, cobrar resultados impossveis de alcanar, gritar com os funcionrios, esse "[...] acha[r] que na presso funciona, acha[r] que usando o poder, diferente da liderana, vai funcionar" (S3), esto entre as aes possveis em que, se utilizando dos poderes que o cargo oferece, assediadores causam sofrimento s vtimas. Esse abuso das atribuies que o cargo concede ao trabalhador que o ocupa denota o carter hierrquico dessa forma de assdio moral. H um excesso e esse excesso possvel pelas caractersticas das funes que o cargo possui estar em condies de exercer controle sobre outra pessoa permite que, no usufruto desse poder, se exceda e tenha por decorrncia desse excesso, o sofrimento de outrem, como apontam Silva e Ribeiro (2010). "Voc tem que acuar as pessoas, elas tm que estar oprimidas para, sabe, fazer por medo." (S4). Essa opresso, esse abuso de poder que aparece na fala do S4 pode se aproximar daquilo que Soboll (2008) discute como gesto por violncia. Pode ser que essa

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presso que o sujeito assediador utiliza contra sua vtima no tenha como inteno causar-lhe sofrimento, mas causa. Essa precipitao, inconsequncia dos prejuzos que tal ao, tal estratgia, diferenciada na literatura de assdio moral pelo aspecto intencional da ao. Nas entrevistas surge essa forma de atuao dentro das organizaes, insensveis aos danos psicolgicos (e fsicos) de tais aes, no objetivo de alcanar maior produtividade, melhor desempenho de seus funcionrios. Scanfone e Teodsio (2008) chamam gesto por injria, aquela gesto em que todos os funcionrios so tratados mal. Nela utiliza-se do medo como estratgia para alcanar objetivos, metas, que termina por levar trabalhadores a desenvolverem as consequncias do assdio moral no trabalho. Considerando o aspecto intencional do assdio moral autores como Hirigoyen (2000) e Heloani (2005) argumentam que o assdio moral tem como caracterstica intrnseca a inteno de causar sofrimento, de um sujeito sobre outro. Nesse sentido, Caniato e Lima (2008) descreve o carter eminentemente discriminatrio do assdio moral (discriminao). Pela dificuldade de lidar com diferenas, no que tange a aspectos fsicos, de personalidade, comportamentais, ocorre o assdio moral. Essa dificuldade de desenvolvimento de alteridade seria, segundo os autores acima, o esteio para que um sujeito assedie outro, coloque em ato a dificuldade de aceitar, de tolerar outro sujeito que percebe como diferente em determinados aspectos. Nesse sentido surge a questo dos valores e ideologias compartilhados. Em sua fala, S2 expe que o assdio moral no trabalho pode ser protagonizado por mais de um sujeito que, por compartilhar de uma mesma concepo de moral, valores, encontram em outro(s) sujeito(s) que se apresentam com uma moral diferenciada uma agresso a eles e, em detrimento desse ultraje, justifiquem o ataque. A diferena nesse caso se apresenta com uma conotao negativa, nociva quele(s) que assedia(m). Estar em grupo, compartilhar com o grupo uma mesma noo do normal, possivelmente legitima, perante esse grupo, a viabilizao de aes agressivas contra aqueles que se apresentam como desviantes. Essa discriminao, intolerncia com a diferena, em relao quele sujeito com quem se relaciona no espao de trabalho, denota na ao discriminatria a falta de respeito para com o sujeito vtima de assdio. "E a, se algum tem l um problema seu ou um tipo de pensamento, de comportamento que no aceito pelos demais [leva ao assdio moral]" (S2) esse comportamento ou pensamento no aceito pelos demais veiculado enquanto assdio moral pela ao que desrespeita essa singularidade, na medida em que um sujeito (que no aceita o comportamento alheio) agride outro trabalhador, causando-lhe sofrimento, como articulada por Nascimento (2005).

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Fazendo paralelo falta de respeito, os sujeitos entrevistados entendem que o assdio moral no trabalho viabilizado por formas de comunicao inadequadas nas relaes de trabalho. "[Assdio moral ] Voc no conseguir fornecer o feedback de maneira adequada [...]" (S1), cobrar de forma rspida determinada atividade, se dirigir a colegas de trabalho utilizando-se de brincadeiras de mau gosto ou mesmo no ser claro naquilo que deve ser informado so formas de comunicao inadequadas. Inadequadas, por qu? O sujeito que se comunica dessa forma desconsidera os efeitos prejudiciais de sua fala, de seu comportamento (da informao que transmite, de fato, para alm da informao que intenta transmitir) e quando atua dessa forma, proporciona sofrimento desnecessrio quele com quem se comunica. Mesmo considerando a indiferena aos prejuzos acrescidos de sua ao, esses sujeitos que se comunicam de forma equivocada so considerados assediadores, pelos profissionais entrevistados. Essa explanao apresenta um segundo ponto a se considerar como caracterizante do assdio moral os prejuzos que ele causa queles que vitimiza. Quando acima se apresentou a discusso sobre o que caracterizaria assdio moral, diversos autores como Hirigoyen (2000), Heloani (2005), Freitas (2007) e Caniato e Lima (2008) expuseram a intencionalidade do assediador de causar sofrimento vtima como caracterstica primordial. Quando Soboll (2008) discute a gesto por violncia, abre um paralelo empresas se utilizam de estratgias de gesto que causam sofrimentos similares aos decorrentes do assdio moral, pela concepo dos autores acima. Ou seja, independente da inteno do sujeito que assedia outro sujeito, o seu ato pode causar-lhe sofrimento fsico, psquico, levando-o a danos possivelmente tambm decorrentes do assdio moral. Aqui se abre uma problematizao importante, pois Mattos (2008) apresenta jurisprudncias em que se caracterizaram como assdio moral casos pelas consequncias que as aes assediadoras proporcionaram a trabalhadores, dentro de empresas independente da relao ser especfica de determinados sujeitos ou estratgias utilizadas generalizadamente, atingindo a todos de determinado cargo, funo ou setor. Para se caracterizar assdio moral no trabalho deve-se deter sobre a inteno que subjaz a ao assediadora ou as decorrncias possveis da ao assediadora? Nesse sentido, das consequncias que o assdio moral proporciona como elementos caracterizantes de tal fenmeno, os profissionais entrevistados apresentaram humilhao como a vivncia sine qua non de assdio moral. Isso no consenso entre os autores. Freitas (2007) aponta possibilidade de assdio moral pela obscuridade das regras dentro da organizao, corroborado por Martiningo Filho e Siqueira (2008), ou mesmo a imposio de sobrecarga de trabalho, como aponta Mattos (2008), situaes essas que no

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apresentam humilhao, mas que se caracterizam por assdio moral no trabalho. Entretanto, a compreenso de humilhao como caracterizante de assdio moral, ainda que considere a vtima com aquela que sofre a humilhao, coloca sobre a ao do assediador a viabilizao de tal situao. Ou seja, h um carter ativo do sujeito que assedia; aquele que assedia o faz na medida em que desempenha aes que causem ou visem humilhao. A inteno no considerada aqui como elemento unnime, mas a finalidade sim. S1 fala que um sujeito pode assediar moralmente outro por "[realizar um feedback inadequado] e acabe humilhando". Nesse caso, pode-se considerar que a humilhao foco, a consequncia e no causa, situao que a gerou. Os comportamentos descritos acima consideram o aspecto contextual do assdio moral, no s a ao especificamente, mas o ambiente em que ela ocorre (sujeitos e espao fsico), bem como, a decorrncia da ao empenhada. Outra possibilidade de considerar o assdio moral, que surge na fala dos entrevistados, diz respeito s aes pontuais que caracterizariam assdio moral. O Quadro 3 apresenta aquelas aes que, dentro de contextos como os anteriormente descritos, podem ser caracterizantes de assdio moral.

Cat.

DEFINIO DE ASSDIO MORAL NO TRABALHO (unidade de registro) Subcategoria Unidade de contexto elementar Ameaa " [...] as pessoas acabam sendo ameaadas, tipo 'olha, se voc falar alguma coisa, voc perde o emprego [...' ] (S1) Cobrar exageradamente Discriminar "Ento, eles tm uma ideia louca, tu tens que te matar para fazer aquilo, no teu trabalho e se tu no faz, tu incompetente." (S4) "[...] pra um determinado grupo eu dou um trabalho, para aquele que no considerado normal eu dou outro trabalho." (S2) "Ento ele vai em determinada loja e ele v algo como errado e que tenha sido recorrente, e assedia, de humilhar, de berrar, dele levantar a voz [...]" (S3) "Tm assuntos sigilosos que so tratados na frente de todo mundo, que acabam causando constrangimento. Isto pra mim um clssico assdio moral. Este tipo de exposio, pra mim assdio moral isto." (S4) "No sabe lidar com pessoas, operacional, aquele trato mais grosseiro [...]" (S3)

Oc. 1 1 1 2

Ao

Elevar a voz

Expor

2

Ser grosseiro

3

Quadro 3: Definio de assdio moral no trabalho (categoria ao) a partir das falas dos entrevistados (n=4). Fonte: Elaborao o autor (2011).

Dentre as aes expostas nas falas dos profissionais ent