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    v.2 n4maio > agosto | 2007SESC| Servio Social do ComrcioAdministrao Nacional

    SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.2 n4 | p. 1-192 | MAIO > AGOSTO 2007ISSN 1809-9815

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    COORDENAOGerencia de Estudos e Pesquisas / Diviso de Planejamento e Desenvolvimento

    CONSELHO EDITORIALlvaro de Melo SalmitoLuis Fernando de Mello CostaMauricio BlancoRaimundo Vssio Brgido FilhoSECRETRIOEXCUTIVO

    Sebastio Henriques ChavesASSESSORIAEDITORIAIL

    Andra Reza

    EDIOAssessoria de Divulgao e Promoo / Direo GeralChristiane CaetanoPROJETOGRFICO

    Vinicius BorgesREVISO

    Rosane Carneiro

    SESC| Servio Social do Comrcio | Administrao Nacional

    PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DO SESCAntonio Oliveira SantosDIRETOR GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO SESCMaron Emile Abi-Abib

    Sinais Sociais / Servio Social do Comrcio.

    Departamento Nacional - vol.2, n.4 (maio/

    agosto. 2007) - Rio de Janeiro, 2006 -v. ; 29,5x20,7 cm.

    Quadrimestral

    ISSN 1809-9815

    1. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil.

    I. Servio Social do Comrcio. Departamento Nacional

    As opinies expressas nesta revista so de inteira responsabilidade dos autores.

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    EDITORIAL5

    BIOGRAFIAS6

    COTAS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS8A CONTRIBUIO DAS TEORIAS DE JUSTIA DISTRIBUTIVA AO DEBATE

    Fbio D. Waltenberg

    DESENVOLVIMENTO LOCAL ERESPONSABILIDADE SOCIAL52AS AES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL COMO UM INSTRUMENTO DE INTERLOCUO ENTREAS EMPRESAS E A SOCIEDADE

    Ana Paula Fleury de Macedo SoaresLeonardo Marco Muls

    FILOSOFIA E DANA CONTEMPORNEA86DO MOVIMENTO ILUSRIO AO MOVIMENTO TOTAL

    Maria Cristina Franco Ferraz

    O POLTICO CONTRA A POLTICA106UMA AGENDA DE PESQUISA EM FORMA DE MANIFESTO

    Thamy Pogrebinschi

    UMA RELEITURA PRELIMINAR SOBRE A RELAOENTRE DEMOCRACIA, ESFERA PBLICA EDESIGUALDADE NA SEGUNDA METADE DOSCULO XX NA AMRICA LATINA142rica Pereira Amorim

    SUMRIO

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    EDITORIAL

    Decorrido um pouco mais de um ano de lanamento da revista Si-nais Sociais, pode-se armar que ela veio ocupar um nicho do mer-cado editorial que estava, em certa medida, a descoberto. Com elaampliou-se a possibilidade de acesso a estudos que, por falta de pu-blicaes em nmero suciente para acolh-los, poderiam car au-sentes do processo de debate e reexo em curso no pas.

    Orgulha, portanto, ao SESC esta iniciativa apresentar-se como um ve-culo de qualidade para aqueles desejosos de chancelar suas pesquisasem publicao de bom nvel editorial e pelo fato de estar tornando-seuma referncia para os que almejam qualicar suas leituras.

    Beneciam-se, assim, os autores, os leitores e o SESC.O quarto nmero da revista Sinais Sociaismantm o foco da sua

    proposta editorial ao se desdobrar em artigos que abordam questesque esto na ordem do dia e questes voltadas ao plano das ree-xes mais permanentes das cincias humanas. Desenvolvimento lo-

    cal e responsabilidade social, cotas nas universidades brasileiras, po-ltico contra poltica, democracia, esfera pblica e desigualdade sotemas candentes e controversos.

    Os estudos so enfocados, por conseguinte, pela necessidade demelhor compreenso dos signicados que a contemporaneidadelhes imprime e, assim, exigem uma releitura conceitual. Os juzosque os sustentam dizem respeito a ordens sociais esgotadas peranteas realidades e suas representaes surgidas nos tempos de hoje.

    Os temas dos artigos deste nmero da revista SinaisSociaissoproposies que dizem respeito aos nossos dias e que, pela agu-deza de que se revestem as anlises feitas, contribuem de formaexpressiva para o processo de discusso vigente na academia ena sociedade.

    Antonio Oliveira SantosPresidente do Conselho Nacional do SESC

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    BIOGRAFIASFbio D. Waltenberg

    Mestre em Economia pela Universidade de So Paulo e doutorando em Eco-nomia pela Universit Catholique de Louvain, Blgica. liado ao Depar-tamento de Economia e ao Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Educao(GIRSEF), e membro associado da Ctedra Hoover de tica econmicae social. Defender em breve tese intitulada Quantitative and normative

    analysis of educational inequalities, with reference to Brazil. Em sua pes-quisa, procura relacionar economia da educao, microeconometria e teo-rias de justia distributiva. Publicou artigos e captulos em revistas e livrosnacionais e internacionais.

    Ana Paula Fleury de Macedo Soares

    Bacharel em Cincias Sociais pela Faculdade de Filosoa, Letras e Cin-cias Humanas da Universidade de So Paulo (USP). Mestre em Administra-

    o Pblica e Governo pela Fundao Getlio Vargas (FGV-SP). Atualmente tcnica do Instituto de Tecnologia Social (ITS), trabalhando para o Progra-ma Osasco Solidria, voltado formao de uma rede de economia soli-dria municipal. Trabalhou em projetos de combate pobreza, mobiliza-o social e gerao de trabalho e renda, como na Prefeitura Municipal deSo Paulo, Instituto Votorantim, Instituto para o Desenvolvimento do Investi-mento Social (Idis), Politeuo/Fundao Santo Andr, entre outros. Na rea depesquisa, foi colaboradora do Programa Gesto Pblica e Cidadania, parti-cipando dos processos de avaliao de polticas pblicas sociais. No Institu-to Polis Assessoria, Formao e Estudo em Polticas Sociais elaborou edi-es do Boletim Dicas idias para a ao municipal.

    Leonardo Marco Muls

    Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde2004, Professor Adjunto do Departamento de Economia da UniversidadeFederal Fluminense. Atualmente exerce a funo de Coordenador do Cursode Cincias Econmicas desta Universidade.

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    Maria Cristina Franco Ferraz

    Maria Cristina Franco Ferraz Professora Titular de Teoria da Comunicaoda Universidade Federal Fluminense e pesquisadora do CNPq. Mestre em Le-tras pela PUC/RJ e Doutora em Filosoa pela Universidade de Paris 1-Sorbon-ne, realizou ps-doutoramento no Instituto Max-Planck de Histria da Cin-cia (Berlim). Foi professora visitante nas universidades de Paris 8-Saint-Denis(2000), Richmond (EUA, 2004), Perpignan (Frana, 2005), Nova de Lisboa(2005) e Saint Andrews (Esccia, 2005). Organiza a coleo Conexes, daeditora carioca Relume Dumar, e publicou, alm de dezenas de artigos e ca-ptulos de livros, as seguintes obras: Nietzsche, o bufo dos deuses(Rio de Ja-neiro: Relume Dumar, 1994 e Paris: Harmattan, 1998), Plato: as artimanhas

    do ngimento (Rio de Janeiro: Relume Dumar, 1999) e Nove variaes sobretemas nietzschianos(Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2002).

    Thamy Pogrebinschi

    Professora de Direito da Uerj, Doutora em Cincia Poltica pelo Iuperj, e au-tora dos livros Pragmatismo. Teoria social e poltica. Relume Dumar, Riode Janeiro, 2005; O problema da obedincia em Thomas Hobbes, Edusc,So Paulo, 2003; Onde est a democracia?, Editora UFMG, Belo Horizonte,2002 (em co-autoria com Jos Eisenberg), alm de diversos artigos publica-dos em peridicos cientcos.

    rica Amorim

    Nascida no Rio de Janeiro, mestre em Cincias Sociais com meno especialem Desigualdades Socioeconmicas e Polticas no Brasil Contemporneo pelaPontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. Foi assistente de

    pesquisa da Diretoria de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa EconmicaAplicada (Ipea) e, atualmente, pesquisadora do Instituto de Estudos do Traba-lho e Sociedade (Iets). Dentre as principais publicaes destacam-se: co-auto-ra da publicao Desigualdades socioeducacionais no Brasil 2002-2005, in:TELES, Jorge e FRANCO, Claudia Tereza Signori (2006).Educao na diversida-de: como indicar as diferenas?Braslia: Coleo Educao para Todos, SrieAvaliao n 8, Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversida-de (Secad/MEC); co-autora de Um retrato da presena da Educao Ambien-tal no Ensino Fundamental brasileiro: o percurso de um processo acelerado deexpanso. Srie Documental n 21. MEC/Inep. Braslia, 2005.

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    COTAS NAS UNIVERSIDADESBRASILEIRAS:A CONTRIBUIO DAS TEORIAS DEJUSTIA DISTRIBUTIVA AO DEBATE1*

    Fbio D. Waltenberg

    1 Agradeo um parecerista annimo desta revista por comentrios e sugestes ex-tremamente relevantes.

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    Este artigo aborda as cotas nas universidades brasileiras sob o ngulo dasteorias de justia distributiva, procurando assim oferecer uma perspectivaterico-conceitual e no ideolgica para se discutir o assunto. O artigo sedivide em quatro partes. Na primeira, defende-se uma reorganizao dodebate acerca das cotas em trs questes, que merecem investigaes se-paradas: (a) as cotas so justas?; (b) as cotas so oportunas? (benefciosde sua implementao superam custos?); (c) as cotas so implementveis?Na segunda parte, discutimos sucinta e criticamente de que maneira quatrograndes escolas de teorias de justia distributiva responderiam questo (a),mostrando as decincias de cada uma delas. Na terceira parte central noartigo defende-se que a questo (a) ganha em ser abordada a partir dateoria de igualdade de oportunidades de John Roemer (1998), combinadaa uma modulao da intensidade de redistribuio em diferentes etapas dosistema de ensino. No objetivo do artigo responder a questo (a), tare-fa que requer uma discusso tica e um conhecimento de especicidades

    contextuais que ultrapassam o alcance do artigo. Mais modestamente, pro-curamos oferecer um marco conceitual til para o debate sobre as cotas. Naquarta parte, esclarecemos brevemente a natureza das questes (b) e (c).

    This article intends to be a theoretical/conceptual, and not ideological, con-tribution to the debate on afrmative action policies for access to highereducation in Brazil (quotas). It is divided in four parts. In the rst part, wedefend a reorganization of the debate in three questions, which deserve se-parate investigations: (a) are quotas fair?; (b) is their implementation worthit (i.e., are benets larger than costs?); (c) are they implementable? In the

    second part, we briey and critically discuss how four important theoriesof justice would answer question (a), highlighting the deciencies of eachtheory. In the third part, which is the core of the article, while we do nothave the ambition to answer question (a), since such task would require adeep ethical discussion and a knowledge of contextual specicities whichgo beyond the scope of the article, we more modestly claim that it can beadequately approached within the framework of John Roemers equality ofopportunity (1998), combined with a gradual variation of the intensity ofredistribution in different stages of the educational system. In the fourth part,we dene the nature of questions (b) and (c).

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    1. INTRODUO

    O debate sobre a pertinncia e a viabilidade das polticas de reser-va de vagas em universidades brasileiras para indivduos que apre-sentam certas caractersticas so negros ou estudaram em escolaspblicas se assemelha a questes debatidas em diversos pases eem diferentes contextos. O paralelo mais freqentemente estabele-cido com as polticas de ao armativa praticadas nos EstadosUnidos. Contudo, questes deste tipo no se restringem a Brasil eEstados Unidos. Um exemplo so polticas de reserva de vagas nauniversidade a alunos provenientes de escolas pblicas, implemen-

    tadas na Inglaterra h alguns anos, em meio a controvrsias (Eco-nomist, 2003). Outro exemplo so os complementos oramentriosconcedidos na Frana a escolas de certas zonas consideradas difceis(Zones dEducation Prioritaire ou ZEPs), ou a poltica de diferencia-o positiva praticada nas escolas belgas.

    As particularidades, os dilemas e os desaos associados a essaspolticas multiculturais variam de pas para pas. No Brasil, odebate sobre as cotas nas universidades tem fomentado calorosasdiscusses em diversas instncias e recebido grande destaque damdia nos ltimos anos, sobretudo desde que, em 2002, algumasuniversidades do Rio de Janeiro e da Bahia decidiram incorporaraos seus processos de admisso um sistema de reserva de vagaspara estudantes negros e/ou provenientes de escolas pblicas. Des-de ento, diversas outras universidades criaram ou esto em vias decriar procedimentos de acesso universidade semelhantes aos dasuniversidades pioneiras.

    Este artigo discute uma forma especca de ao armativa aces-

    so a instituies educacionais com nfase no acesso ao ensino su-perior. Para tanto, abordam-se as cotas nas universidades brasileirassob o ngulo das teorias de justia distributiva, procurando assimoferecer uma perspectiva terico-conceitual e no ideolgica parase discutir as cotas.

    Alm desta introduo e das consideraes nais (seo 6), o ar-tigo se divide em quatro sees. Na seo 2, defendemos uma re-organizao do debate acerca das cotas. No nosso entender, paraque possa ser bem conduzido e avance racional e coerentemente,

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    necessrio subdividir tal debate em trs questes, certamente inter-relacionadas, mas de natureza distinta, e que, portanto, merecem

    investigaes separadas. So elas:

    (a) As cotas so justas?(b) As cotas so oportunas? (Benefcios de sua implementaosuperam custos?)(c) As cotas so implementveis?

    Na seo 3, discute-se sucinta e criticamente de que maneira qua-tro importantes famlias de teorias de justia distributiva utilitaris-

    mo, igualitarismo, libertarismo e igualitarismo liberal responderiam questo (a). A viso normativa (isto , a concepo de sociedadeideal) e as implicaes concretas dessas quatro grandes escolas es-to por trs de muitos argumentos mobilizados no debate pblicobrasileiro, tanto para se defender, como para se atacar as cotas. Con-sideramos, todavia, que, quando se trata de julgar a pertinncia dascotas, cada uma delas apresenta decincias e por isso preciso iralm delas para se encontrar resposta satisfatria.

    A seo 4 contm uma discusso um pouco mais aprofundadasobre como a questo (a) pode ser abordada por uma teoria de jus-tia distributiva que nos parece oferecer um marco conceitual maispromissor. Trata-se da teoria de igualdade de oportunidades, de

    John Roemer (1998), que tem tido grande inuncia em diversasreas das cincias sociais nos ltimos anos. Em seguida, apontan-do certas lacunas na prpria abordagem de Roemer, no que tangeespecicamente avaliao normativa das cotas, procuramos darnossa prpria contribuio: um renamento da teoria de Roemer,

    adaptando-a esfera da educao. importante frisar que no te-mos a pretenso de efetivamente responder a questo (a), tarefaque requer uma discusso tica e um conhecimento de especici-dades contextuais que ultrapassam o alcance do artigo. Mais mo-destamente, a inteno oferecer um marco conceitual til para odebate sobre as cotas.

    Por m, na seo 5, tecemos breves consideraes sobre a nature-za das questes (b) e (c).

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    2. UMA PROPOSTA DE REORGANIZAO DO DEBATE SOBRE AS COTAS

    No nosso entender, para o debate sobre as cotas ser bem conduzidoe avanar racional e coerentemente, necessrio reorganiz-lo, sub-dividindo-o em trs questes, certamente inter-relacionadas, mas denatureza distinta, e que por isso merecem investigaes separadas:

    (a) As cotas so justas?(b) As cotas so oportunas? (Benefcios de sua implementaosuperam custos?)(c) As cotas so implementveis?

    Mesmo que algum tivesse boas razes para responder positiva-mente s questes (a) e (b), por exemplo, uma resposta negativa questo (c) poderia lev-lo a adotar uma posio contrria imple-mentao das cotas. Por outro lado, outra pessoa poderia responderpositivamente a (b) e (c) mas discordar rmemente de (a), que umaquesto fundamental. Em suma, para se defender coerentemente ascotas, seria preciso responder armativamente s trs questes, semdeixar que uma resposta positiva eventualmente efusiva a umadelas ofuscasse ou impedisse uma reexo serena e necessria sobre cada uma das outras duas.

    J h algum tempo, essa reorganizao do debate nos parecia serrecomendvel devido natureza distinta das trs questes. Nossaintuio encontrou eco sobretudo nas sees iniciais do excelentelivro de Fleurbaey (1996), em que procura determinar o raio deao do economista normativo. No que poderamos denominarlinha de produo de polticas sociais, o economista normativo

    ocuparia uma posio intermediria, cabendo-lhe traduzir os prin-cpios de justia relevantes (desenvolvidos pelo lsofo poltico),sistematizando-os em critrios e objetivos socioeconmicos, isto, em ideais normativos. J os desaos ligados implementaodos ideais normativos, estes so objeto de estudo do economista

    positivo. Assim sendo, as questes (b) e (c) recaem claramente den-tro da alada do economista positivo e acrescentamos ns deoutros cientistas sociais tambm. A questo (b), por exemplo, podeser abordada, tanto atravs de modelos tericos, quanto atravs

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    de estudos empricos. J a questo (c) est muito mais prxima docampo de ao do economista pblico, entendido aqui em sentido

    amplo2

    . A questo (a), por sua vez, faz parte do campo de estudo,tanto do lsofo poltico (discusso tica), quanto do economistanormativo (determinao do marco conceitual adequado). Este se-gundo subconjunto da questo (a) o principal objeto de anlisedeste artigo, nas sees 3 e 4 a seguir.

    3. AS COTAS SO JUSTAS? A VISO DE QUATRO GRANDES ESCOLAS

    Em nosso entender, a m de ir alm das formulaes do senso

    comum na anlise da questo (a), recomendvel recorrer s teo-rias de justia distributiva, as quais compem uma rea de pesquisaque se encontra na fronteira entre diferentes disciplinas, e especial-mente entre a losoa poltica e a economia normativa3. Tais teoriasprocuram fornecer subsdios tericos slidos e consistentes com ointuito de fundamentar a repartio de direitos e obrigaes entreos membros de uma sociedade, a partir de princpios ticos bsicos:igualdade, liberdade, solidariedade, eqidade, pluralismo, neutrali-dade, entre outros.

    Desde que bem fundamentados e integrados argumentao, nadaimpede que sejam levados em conta outros valores que no fazemparte do seleto grupo dos princpios ticos bsicos, tais como res-tries de ordem prtica (ex.: a ecincia, cara aos economistas), deordem poltica (ex.: viabilidade poltica) e de outras naturezas (ex.:respeito aos interesses das geraes futuras, preservao do meioambiente, diversidade cultural etc.), embora a incorporao dessesvalores complementares em geral requeira muito mais a expertise do

    cientista social positivo.

    2 A economia pblica em sentido amplo englobaria contribuies das seguintes sub-disciplinas: economia pblica clssica, teoria dos jogos, desenho de mecanismos,(nova) economia poltica etc.3 A economia normativa, com freqncia, denominada economia do bem-es-tar. Por uma srie de razes, irrelevantes no contexto deste artigo, a denominaoque utilizamos nos parece ser a mais apropriada, especialmente por no evocar umaassociao imediata com abordagens welfaristas (ver seo 3.1).

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    No se espera do pesquisador interessado em questes normativassua adeso a uma ou outra teoria. Seu trabalho consiste em pers-

    crutar os pressupostos e a argumentao em que se sustenta cada te-oria, bem como as conseqncias lgicas de sua aplicao, isto ,as polticas sociais que dela se podem inferir. Para Atkinson e Stiglitz(1980: 335), a anlise normativa consiste em explorar a estruturados argumentos. Como resultado, determinam-se critrios e obje-tivos socioeconmicos (ideais normativos) slidos que sirvam comobase para se julgar se uma sociedade (ou uma esfera da sociedade) justa ou no, ou o quo justa ela em comparao com outras, epara se determinarem diretrizes para o desenho de polticas sociais.

    3.1 TEORIAS DE JUSTIA E O SISTEMA EDUCATIVO

    Utilitaristas defendem que uma sociedade procure maximizar onvel de satisfao dos seus membros. Igualitaristas defendem umarepartio a mais igualitria possvel de atributos relevantes (ex.:renda ou posies sociais). Utilitarismo e igualistarismo constituemdois pontos de vista normativos antagnicos, bastante difundidos,mas que no so nicos. Juntamente com libertarismo e igualitarismoliberal, so classicados por Arnsperger e Van Parijs (2000) comoas quatro principais correntes contemporneas de teorias de justiadistributiva, ou pontos cardeais, conforme a denominao dessesautores. Libertaristas tm como ideal uma sociedade que conceda amxima liberdade possvel aos indivduos. Igualitaristas liberais, porsua vez, advogam em prol de uma sociedade que combine eqida-de, liberdade e ecincia, garantindo o mximo montante possvelde atributos relevantes ao indivduo (ou grupo de indivduos) mais

    desfavorecido da sociedade.Portanto, j se nota claramente que cada uma dessas escolas ofe-rece uma resposta diferente questo o que uma sociedade jus-ta?. No que se refere educao, abordagens baseadas em cadaum desses pontos cardeais dariam respostas diferentes s seguintesperguntas: O que justia em educao? Como podemos avaliar seuma determinada distribuio de insumos ou resultados educativos justa ou no? Como a sociedade deveria distribuir seus recursoseducativos? Mais especicamente, em funo das respostas que da-

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    riam a essas amplas questes, essas quatro teorias ou variantes dariam respaldo slido ou levantariam objees considerveis a

    polticas de cotas, ou a outras polticas educativas com algum com-ponente multicultural ou redistributivo.Como prembulo a qualquer anlise normativa, preciso decidir

    qual o atributo de interesse, uma deciso muito menos trivial doque pode parecer primeira vista4. Na rea de educao, em par-ticular, fundamental fazer uma distino entre abordagens ditaswelfaristas, de abordagens educacionistas. Em abordagens wel-faristas5, o atributo relevante o nvel de bem-estar (ou utilidade)dos indivduos, de acordo com a denio usada em modelos eco-

    nmicos, segundo a qual o bem-estar de um indivduo correspondeao grau de satisfao de suas preferncias. Dois indivduos podemmuito bem atingir o mesmo nvel de bem-estar, assim denido, ten-do nveis de educao muito diferentes. Por exemplo, nada impedeque um indivduo altamente qualicado e outro quase sem instruopossam se encontrar igualmente satisfeitos, alcanando um nvelde bem-estar ou utilidade equivalente6. O nico atributo que interes-sa ao welfarista o nvel de bem-estar individual; quaisquer outrosatributos tm apenas um valor instrumental, sendo, ou promotoresde bem-estar, ou obstculos sua produo.

    Em abordagens educacionistas7, o foco deixa de ser esse atributo

    4 Veja-se, por exemplo: Cowell (1995), Fleurbaey (1996), Lambert (2001), Sen (1980;1992).5 Uma traduo literal do termo ingls welfaristseria bem-estarista, termo que po-deria soar ainda mais estranho do que welfarista aos ouvidos de alguns. O termoutilitarista no cabe aqui, porque traz embutido em si uma viso normativa parti-cular (maximizadora; agregacionista), enquanto welfarista pretende ser um termomais geral, compatvel com diferentes vises normativas. possvel, por exemplo,considerar um igualitarista welfarista, que nada mais seria do que um igualitaristaque tomasse o nvel de bem-estar individual como o atributo relevante. Assim, apesarde sua evidente estranheza, optamos por welfarista.6 Mesmo que, objetivamente, um indivduo (o altamente qualicado) seja considera-velmente rico e o outro (o quase sem instruo) seja extremamente pobre. O nvel desatisfao de preferncias depende, evidentemente, de quo ambiciosas ou modestasso as preferncias. Denimos o termo educacionismo em Waltenberg (200), adaptando-o de umtrabalho na rea de economia da sade (Schneider-Bunner, 199), em que se usahealthist para designar uma posio normativa que adota o estado de sade dos

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    inequivocamente subjetivo que o bem-estar tal como denidopelos economistas, e passa a ser algum atributo educacional objetivo

    como, por exemplo, os anos de estudo completados, o desempenhoem exames de avaliao de competncias ou habilidades, o maisalto diploma obtido etc. O termo usado em ingls para sintetizar estegrupo de atributos educational outcomes, que poderamos traduzircomo variveis nais educacionais. Dois indivduos com o mesmonvel de educao podem alcanar nveis de bem-estar diferentes,mas o educacionista ignora essa informao. Para um educacionista,os efeitos que variveis nais educacionais (atributo objetivo) ve-nham a ter sobre o bem-estar do indivduo (atributo subjetivo) no

    constituem questo normativa relevante.O debate acerca das vantagens e desvantagens de cada aborda-

    gem longo e controvertido, e no h uma resposta inconteste.Ao longo de dcadas, a viso welfarista tem sido alvo de muitosataques, dentro e fora da cincia econmica. Essa questo no relevante no contexto deste trabalho e, portanto, nos limitamosa dizer que h srios questionamentos quanto legitimidade daabordagem welfarista, especialmente em estudos de natureza nor-mativa8. Por essa razo, neste artigo adotaremos apenas a visoeducacionista, assumindo que a educao a nica esfera que nosinteressa, isolando-a tanto quanto possvel, para efeito de nossaanlise, das outras esferas.

    Este artigo no tem a ambio de expor e discutir aprofundada-mente cada uma das quatro grandes escolas de teorias de justiadistributiva mencionadas no incio desta seo.9Pretende-se apenasdescrever de modo extremamente sucinto as relaes entre essasteorias e o debate sobre as cotas nas universidades brasileiras, e ime-

    diatamente j expor as decincias mais marcantes de cada uma

    indivduos como atributo relevante.8 Em um trabalho anterior, defendemos a adoo de uma abordagem educacionista,e no welfarista, para situaes em que se busca analisar questes ligadas a justiaeducacional (Waltenberg, 200).9 O leitor encontra exposies e discusses mais profundas dessas teorias em VanParijs (1991), Roemer (1996) ou Fleurbaey (1996). Sen (2000) uma breve introduoao assunto. Arnsperger e Van Parijs (2004), apesar da m traduo, uma opo emportugus. Outra opo em portugus Van Parijs (199).

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    delas. Um dos objetivos dessa seo evidenciar como as posiesnormativas das quatro grandes escolas esto por trs de inmeros

    argumentos mobilizados no debate pblico brasileiro, tanto para de-fender, como para atacar as cotas. Por falta de espao, no daremosmuitos exemplos aqui. Acreditamos, porm, que ao terminar estaseo, bastar ao leitor deparar-se com qualquer artigo de jornal ouacompanhar qualquer discusso acerca das cotas para, rapidamen-te, identicar em qual (ou quais) das quatro escolas o interlocutorfoi buscar consciente ou inconscientemente seus argumentos.Ter mais elementos tambm assim esperamos para criticar taisargumentos com mais solidez. Para exemplos, remetemos o leitor a

    Brando (2005), um livro extremamente til porque, apesar de su-cinto, documenta fartamente o debate recente no Brasil, e tambmum pouco do debate nos EUA.

    3.2 QUATRO GRANDES ESCOLAS

    3.2.1 AGREGACIONISMO

    O utilitarismo seria o primeiro dos quatro pontos cardeais. Utili-taristas acreditam que uma sociedade justa aquela cujos indivduosesto to satisfeitos quanto possvel. Porm, sem welfarismo des-cartado na seo anterior , no h utilitarismo, uma vez que, comoo prprio nome indica, o atributo relevante a utilidade (isto , obem-estar denido pelos economistas, conforme descrito acima).Ao se tirar de cena esse atributo, o que resta apenas o objetivo nor-mativo dos utilitaristas maximizar, somar, agregar , no mais a uti-lidade, mas sim algum outro atributo (neste caso, variveis nais edu-

    cacionais). Por isso, adotamos aqui o rtulo de agregacionismo.Num universo educacionista, um agregacionista puro no sepreocuparia com possveis desigualdades, nem com o desempenhode cada aluno em particular, nem com qual grupo de alunos tem re-sultados mais ou menos destacados na escola ou no vestibular. Parao agregacionista, apenas a soma do desempenho de todos os indi-vduos interessa. Quando se trata de comparar duas classes ou duasescolas, a nota mdia da classe ou da escola a nica informaorelevante; para comparar dois municpios, o desempenho mdio de

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    cada municpio no Saeb, Prova Brasil, Enem ou Sinaes o que conta em quaisquer desses casos, quanto mais alta a mdia, mais bem

    avaliado o municpio, a classe, a escola ou a universidade. Quan-do se trata de classicar e selecionar, como no vestibular, deve-sealmejar escolher os melhores alunos.

    Em qualquer etapa do sistema escolar, seja no ensino fundamental,no mdio, no vestibular ou no superior, o agregacionista recomen-daria: (i) adoo de polticas seletivas e meritocrticas (picking thewinners); (ii) concentrao dos gastos nos insumos educativos maisecientes, isto , com mais potencial para proporcionarem maiordesempenho educacional agregado.

    Sen (2000, p. 6) critica o utilitarismo por ser este incapaz de dis-tinguir duas distribuies que apresentem a mesma utilidade total.Por extenso, um agregacionista poderia ser criticado por no seimportar com a existncia de desigualdades educacionais poten-cialmente injustas aos olhos de muitos. Um agregacionista purono teria razo para reetir muito sobre polticas de cotas, de discri-minao positiva, de ao armativa ou, em termos mais gerais, comqualquer poltica educacional que tivesse um carter eminentemen-te redistributivo. Salvo se fosse provado que investir em estudantesde fraco desempenho, ou em estudantes com aspiraes modestas,constitusse uma poltica eciente (sendo esta uma questo empri-ca cuja resposta no se conhece de antemo), o agregacionista, emprincpio, seria contrrio s cotas.

    As circunstncias pessoais, que certamente moldam e limitam oraio de ao e as oportunidades de cada indivduo, so ignoradaspelo agregacionista. Cada indivduo implcita ou explicitamente considerado totalmente responsvel pelo seu desempenho escolar.

    Uma decincia de tal viso puramente meritocrtica que ela cega s diculdades potencialmente enfrentadas pelos diferentes in-divduos em maior ou menor escala, tanto nas etapas iniciais, comoao longo de todo o percurso escolar. Nenhuma importncia atri-buda pelos agregacionistas a variveis processuais, intermedirias,causais, que conduzem a determinada distribuio de variveis naiseducativas. Ao tolerar cegamente grandes desigualdades, as quaisso potencialmente injustas, o agregacionismo encontra diculdadespara sustentar e dar legitimidade sua posio normativa.

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    3.2.2. IGUALITARISMO

    Para um igualitarista, uma sociedade justa se nela no h ex-plorao, isto , se no se vericam desigualdades na propriedadede ativos econmicos relevantes10. Ao contrrio do agregacionista, oigualitarista est ciente de que as circunstncias delimitam o poten-cial de cada indivduo e que, portanto, muitas desigualdades so po-tencialmente injustas. Dada sua forte averso s desigualdades, umigualitarista puro gostaria de minimizar, ou idealmente eliminar, adisperso de desempenho escolar, sem dar importncia ao desempe-nho agregado, contrariamente aos agregacionistas.

    Para reduzir determinada disperso de desempenho escolar veri-cada (ex.: diferencial de taxa de aprovao no vestibular segundo acor da pele ou o gnero), um igualitarista recomendaria implemen-tar polticas generosamente redistributivas, no intuito de reequilibrar,por meio da atribuio diferenciada de recursos educativos, porexemplo, as desigualdades de desempenho observadas nas diver-sas etapas do processo educacional. Caso casse provado que taispolticas redistributivas (ex ante) fossem insucientes para corrigir

    as injustias observadas em etapas anteriores do processo escolar,ento seriam necessrias medidas compensatrias (ex post). Assimsendo, um igualitarista seria favorvel a uma poltica de cotas, pro-vavelmente bastante abrangente, a m de compensar uma srie deinjustias anteriormente no corrigidas.

    Igualitaristas poderiam levar ainda mais longe o argumento e defen-der que todos os indivduos tivessem assegurada uma vaga na univer-sidade. As cotas poderiam at ser um bom instrumento para reduzir aexplorao de um grupo por outro (ex.: negros por brancos, ou mu-

    lheres por homens), mas no seriam sucientes para eliminar toda aexplorao. Concretamente, mesmo com as cotas, ainda haveria ricos

    10 Arnsperger e Van Parijs (2000) tambm mencionam uma interpretao alternativade igualitarismo, mais distante do marxismo analtico (que a base do igualitarismodiscutido aqui) e mais prxima do marxismo clssico, segundo a qual uma sociedade

    justa aquela desprovida de alienao. mais difcil, contudo, relacionar esta segun-da interpretao com a discusso sobre as polticas de cotas dentro dos marcos daeconomia normativa, razo pela qual se optou por ignorar questes relacionadas alienao neste artigo.

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    e pobres e, portanto, ainda haveria explorao. Logo, o ideal de umasociedade justa no teria sido atingido. Se, por qualquer razo, no

    fosse possvel atribuir uma vaga na universidade a cada indivduo, asociedade deveria pr em funcionamento um sistema de compensa-es nanceiras, a serem pagas pelos egressos das universidades aosque no tivessem acesso a esse privilgio social11.

    Uma decincia comum a qualquer verso de igualitarismo resi-de na possibilidade de que fosse muito salgado o preo que algunsindivduos e a prpria sociedade como um todo teriam de pagar am de que o ideal igualitarista fosse alcanado. Por exemplo, algunsindivduos no-benecirios das cotas veriam cerradas as portas da

    universidade depois de muitos anos de estudo e esforo e, primeiravista, difcil ver alguma justia nisso12. No nvel coletivo, o pro-blema emergiria sempre que o ideal igualitarista fosse atingvel to-somente garantindo-se um nvel mdio muito baixo do atributo emquesto a cada indivduo. A m de satisfazer as exigncias norma-tivas igualitaristas, o nvel mdio de conhecimento dos ingressantesna universidade, por exemplo, poderia tornar-se baixo demais, comeventuais implicaes indesejveis posteriormente (ex.: a faculdadede Medicina formaria mdicos menos capazes do que os que teriaformado na ausncia de cotas). A objeo freqente, como se notana passagem a seguir, que critica uma poltica implementada na In-glaterra: Discriminar contra estudantes ricos inteligentes em prol deestudantes pobres menos brilhantes injusto e passvel de prejudicara educao superior sem melhorar a sociedade (Economist, 2003).

    Contudo, a decincia mais grave do igualitarismo, curiosamen-te, comum posio supostamente antagnica a ela, discutidaacima (agregacionismo). Ambas assumem um conseqencialismo

    demasiado simples, pelo fato de atriburem papel preponderante svariveis nais, tais como o desempenho escolar ou o resultado novestibular, sem dar a devida ateno ao processo ou s causas quelevam os alunos a apresentarem este ou aquele desempenho edu-cacional. Como dissemos acima, por um lado, o igualitarista no

    11 A cobrana progressiva do imposto de renda combinada a poltica de transfern-cia de renda uma das diferentes formas de se fazer esse tipo de compensao.12 Voltaremos a tratar do dilema entre justia individual e justia coletiva na seo 4.

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    to ingnuo quanto o agregacionista por estar ciente de que ascircunstncias delimitam o potencial de cada indivduo e que, por

    isso, muitas desigualdades so injustas. Por outro lado, o igualitaristamostra-se ingnuo de outra forma, ao atribuir toda a desigualdade scircunstncias. Evidentemente, o desempenho de um aluno (ex.: novestibular) depende em grande medida do seu perl socioeconmi-co, e do volume de recursos tangveis e intangveis que lhe foramoferecidos ao longo do percurso escolar (isto , de suas circunstn-cias). Porm, o hiato de desempenho entre dois alunos tambm podeser parcialmente explicado por diferenas em insumos que depen-dem exclusivamente dos prprios alunos, como o seu talento inato

    e o seu esforo. Seria justo punir um aluno, por exemplo, negando-lhe o direito de acesso universidade, por ter feito bom uso de seutalento para passar no vestibular, enquanto outro aluno no passoupor no ter sido capaz de fazer o mesmo? Seria justo punir aquelepor ter feito mais esforos ao longo do percurso escolar do que este?Por que um aluno menos brilhante ou mais preguioso teria direito aser (re)compensado, em detrimento de outro mais brilhante ou maisestudioso? Embora talento e esforo sejam de naturezas diferentes, primeira vista parece difcil condenar alunos que faam uso de umou de outro. Em conseqncia, caso se acredite que as desigualda-des nas taxas de acesso entre diferentes grupos se devem primordial-mente a diferenas no uso desses insumos pessoais, torna-se maisdifcil defender uma poltica como a de cotas.

    Assim como o agregacionismo pode ser contestado porque inge-nuamente atribui todo mrito ao estudante, o igualitarismo pode sercriticado por adotar uma viso de mundo demasiado determinista,em que nenhum mrito atribudo ao aluno, nenhuma parcela do

    seu desempenho parece depender de esforo pessoal, e tudo pareceser socialmente predeterminado.

    3.2.3 LIBERTARISMO

    Para libertaristas, uma sociedade justa aquela em que os indiv-duos desfrutam da maior liberdade possvel. Em oposio ao agre-gacionismo e ao igualitarismo, que s se preocupam com variveisnais, o libertarismo no uma teoria conseqencialista, mas sim

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    processual13, reservando, portanto, grande importncia a direitosindividuais e a procedimentos. s liberdades dos indivduos e ao

    respeito propriedade, atribuem-se prioridades mximas. Libertaris-tas acreditam que, uma vez que um processo histrico tenha sidoposto em funcionamento, com condies iniciais estabelecidas deforma justa, qualquer interveno pelo Estado, ou por qualquer ter-ceira parte, constituir uma violao de liberdades individuais, umaafronta a direitos legais, ou at mesmo um roubo se ela envolver aconscao compulsria de ativos econmicos (ex.: por meio da co-brana de impostos). Logo, a interferncia do Estado nas transaesdeve se restringir ao mnimo necessrio.

    Para um libertarista puro, a educao um bem ordinrio, seme-lhante a qualquer outro. Assim sendo, sua produo e sua distribuiono devem ser atribuio do Estado, nem devem por ele ser regula-mentadas. Os pais devem ter liberdade para escolher o tipo de instru-o que querem proporcionar a seus lhos. Professores, diretores deescola, reitores e gestores de universidades devem ser livres para deci-dir que tipo de ensino preferem oferecer aos alunos e a quais alunos.Racismo no processo de admisso seria tolerado, visto que combat-loseria uma afronta liberdade desses prossionais. O Estado no de-veria desempenhar nenhum papel particular no mercado desse bemordinrio. Assim como em qualquer setor, tambm na educao suaao se limitaria a evitar violncia, roubo e violao de direitos; e aassegurar o cumprimento de contratos (Atkinson e Stiglitz, 1980).

    Dentro deste libertarismo estrito, restaria espao para caridadeprivada para pobres e decientes (Williams e Cookson, 2000), que,no caso da educao, poderia tomar a forma de escolas e universi-dades privadas, cujo objetivo seria ensinar alunos pobres e/ou aque-

    les que, por qualquer razo, apresentassem dcits de aprendizado(ex.: no obtivessem pontuao mnima no vestibular). Tais escolasexistiriam apenas se o mercado espontaneamente permitisse ou esti-mulasse sua criao. Isto aconteceria, por exemplo, se os ricos sen-tissem pena ou remorso com relao aos indivduos pouco instru-dos, ou se, por mero auto-interesse, os ricos considerassem valer apena prover um nvel de educao mnima a todos os indivduos.

    13 Em ingls:procedural justice(Williams e Cookson, 2000).

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    Polticas de cotas seriam toleradas por libertaristas, porque umdireito de cada universidade determinar os critrios de admisso de

    alunos. Porm, no h nenhuma razo intrnseca e fundamental paraque libertaristas fomentem polticas de cotas. Quanto opo deque o Estado as imponha s universidades, a posio libertarista clara: seria uma violao ao direito inalienvel dos ofertantes deeducao de denir seus prprios critrios de admisso. Impor ascotas tambm violaria, de certa forma, os direitos dos indivduosprejudicados por elas, isto , aqueles que teriam sido admitidos nauniversidade na ausncia de um sistema de cotas.

    Uma variante de libertarista, que concebesse o processo histri-

    co como sendo sinnimo de processo educativo, recomendariaque eventuais reformas educativas se ativessem s etapas iniciais(ensino fundamental), mas no aceitaria uma interveno em umaetapa avanada como o caso do acesso universidade. Intervir aessa altura tardia do processo histrico/educativo seria interpreta-do como um erro, qui como um roubo.

    Num mundo regido pelo libertarismo, seria possvel que a socie-dade tendesse a se encontrar estvel e imutavelmente dividida entreinstrudos e no-instrudos, sem nenhuma perspectiva de mudana.Ainda assim, tal sociedade seria avaliada como justa pelo liberta-rista. De certa forma, ao tentar oferecer soluo a uma decinciacomum s duas escolas anteriores (conseqencialismo simples), oslibertaristas acabam indo longe demais. Mesmo admitindo que a li-berdade um valor importante, Sen (2000) acertadamente critica olibertarismo por seu descaso com relao s conseqncias sociaisdas restries e condies que sua teoria impe, especialmente aimutvel prioridade atribuda a direitos e liberdades.14

    No entanto, no se pode ignorar inocentemente o alarme soa-do pelos libertaristas, a saber, sua insistncia em que variveis pro-cessuais so importantes. Isso implica, por exemplo, que desapro-var as cotas apenas porque levariam a uma distribuio indesejvel

    14 It is hard to argue that a libertarian theory with its extremely narrow informationalfocus, and its neglect of human welfare and misery, can provide an adequate theoryof justice in general, and in particular a sufcient theory for analyzing inequality andinequity (Sen, 2000: 69).

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    de variveis nais (ex.: baixo desempenho mdio dos aprovados novestibular, menor crescimento econmico futuro etc.) no uma

    crtica totalmente aceitvel, pois essas variveis nais so inuen-ciadas por variveis processuais que tambm devem ser examina-das. Esse ponto ser retomado no restante do artigo.

    3.2.4 O IGUALITARISMO LIBERAL DE JOHN RAWLS

    At aqui, tratamos de posies normativas puras: agregacio-nismo (ecincia como valor primordial), igualitarismo (igualda-de) e libertarismo (liberdade). As prescries decorrentes de tais

    posies possivelmente tm grandes chances de se chocarem comuma srie de intuies morais prprias a cada um de ns. Pare-ce haver algo errado com cada uma das teorias; nenhuma pareceampla e equilibrada o suciente para oferecer resposta adequada questo (a).

    O quarto ponto cardeal das teorias de justia, conforme a classi-cao de Arnsperger e Van Parijs (2000), , de certa forma, o maissosticado deles, pois, mesmo em sua forma pura, j procura com-binar preocupaes centrais das outras trs correntes, repartindo aimportncia social atribuda igualdade, liberdade e ecincia.A obra fundadora desta escola A theory of justice, de John Rawls foi publicada em 191, tendo como principal alvo de ataque atradio utilitarista, que era o mainstream para trabalhos normativos.O livro suscitou reaes de todas as outras correntes, tornando-sereferncia obrigatria em anlises normativas. Pela sua importncia,vamos dedicar algumas pginas a Rawls a seguir. Cabe frisar, porm,que, dentro da corrente liberal-igualitria, h uma srie de teorias

    que procurou aperfeioar a viso de Rawls. Uma delas a de Roe-mer ser abordada mais a seguir.Rawls infere um contrato social a partir de uma suposta experi-

    ncia mental, realizada sob a proteo de um vu de ignorncia,ou seja, numa situao de neutralidade, em que cada indivduo ti-vesse que escolher a sociedade em que gostaria de viver, conhecen-do apenas certos resultados econmicos de cada uma delas (ex.:parmetros da distribuio de renda), sem conhecer a posio socialque efetivamente ocuparia nessas sociedades hipotticas. Segundo

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    Rawls, tal experimento induziria os indivduos a formular dois prin-cpios, o segundo dos quais dividido em duas partes15:

    (1) Princpio de igual liberdade16;(2) Eventuais desigualdades socioeconmicas devem respeitar:

    a. O princpio de diferena1; eb. O princpio de justa igualdade de oportunidades18.

    A partir desses princpios, infere-se que uma sociedade liberal-igualitria justa aquela que confere o mais alto grau de bens pri-mrios19ao indivduo (ou grupo de indivduos) mais desfavorecido

    da sociedade, congurando um objetivo conhecido como maxi-min (maximizar o mnimo).

    Partindo-se do pressuposto de que as liberdades fundamentais es-to asseguradas, cabe observar de que forma os dois componentesdo segundo princpio orientariam a tomada de decises no campodas polticas da esfera educativa.

    15 Os princpios devem ser observados de acordo com um ordenamento lexicogr-co: o princpio 1 prioritrio ao 2b, que, por sua vez, prioritrio ao 2a. Isto signica,por exemplo, que as liberdades fundamentais no podem ser oferecidas em troca debenefcios aos indivduos mais desfavorecidos: esses benefcios tm que ser maximi-zados respeitando-se a restrio imposta pelo princpio de igual liberdade.16 Certas liberdades fundamentais devem ser asseguradas a todas as pessoas, no nvelmais alto possvel compatvel com um conjunto semelhante de liberdades para todos. Asseguintes liberdades so ditas fundamentais: polticas (direito de votar e de ser elegvel);de expresso e de associao; de conscincia e de pensamento; pessoal (incluindo odireito de possuir propriedade privada), liberdade de no ser detido. (Rawls, 1999: 53)1 O princpio de diferena determina que vantagens socioeconmicas s podem existirse as desigualdades favorecerem os membros menos afortunados da sociedade. Por exem-plo, Rawls preferiria uma distribuio de renda desigual que proporcionasse um conjuntomais amplo de bens primrios ao indivduo (ou grupo) mais desfavorecido da socieda-de, a uma distribuio igualitria que lhe proporcionasse um conjunto mais restrito.18 A talentos dados, todos os indivduos devem ter as mesmas oportunidades. In-divduos de mesma capacidade devem ter as mesmas possibilidades de alcanaremdeterminadas posies sociais.19 Bens primrios so bens supostamente desejados por toda pessoa racional, qual-quer que seja sua concepo de justia e seu projeto de vida. So eles: (a) liberdadesfundamentais, (b) oportunidades oferecidas aos indivduos, (c) poderes e prerrogativasligados a cargos e posies de responsabilidade, (d) renda e riqueza, (e) bases sociaisdo auto-respeito. Educao no faz parteda lista de bens primrios de Rawls.

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    Desde uma perspectiva mais ampla, pode-se dizer que uma pol-tica inspirada em Rawls procuraria formas de se elevar o desempe-

    nho educacional de alunos menos aptos tanto quanto possvel, semprejudicar alunos mais talentosos. Poderiam defender, por exemplo,que os recursos educativos da sociedade fossem distribudos demodo a assegurar que todos os alunos, independente de seu perlsocioeconmico, tivessem condies de atingir um patamar mnimode educao (portanto, maximizando o mnimo). Simultaneamente,tentariam garantir que os alunos mais talentosos, mais esforados oumais produtivos no fossem impedidos de galgar nveis elevados nosistema de educao, pois poderiam, com isso, proporcionar benef-

    cios aos indivduos menos favorecidos.Apesar de a teoria de Rawls ser cuidadosa e convincentemente

    justicada a partir do vu de ignorncia, e apesar de o ideal nor-mativo dela derivado no ignorar completamente a ecincia (noabraaria as cotas a qualquer custo), a regra do maximin tem sidocriticada por ser extremista, uma vez que apenas a situao do indi-vduo (ou grupo de indivduos) menos favorecido levada em con-ta. Respeitar risca o maximin implica realocar cada montante derecursos disponvel em benefcio do indivduo (ou grupo) mais des-favorecido. Na perspectiva educacionista, implicaria realocar cadareal do oramento destinado educao ao m de elevar o desem-penho do pior aluno (ou grupo), independentemente do quo gran-de seja o volume e de quantas pessoas deixem de usufruir dessesreais em razo da realocao (Fleurbaey, 1996; Sen, 2000)20.

    Alm disso, essa prioridade social absoluta, total, que concedidaa um nico indivduo (ou grupo), no , nem ao menos minimamen-te, afetada pelo grau de responsabilidade exercido por tal indiv-

    duo, uma decincia j levantada anteriormente neste artigo, e que,como se v, tambm acomete o igualitarismo liberal.Por m, outra crtica importante dirigida teoria de Rawls refere-

    se ao atributo que privilegia. A opinio emitida por diversos autores

    20 Sen (2000: 1), the maximin form (even when modied by its lexicographicextension) can be extremist in giving complete priority to the worst-offs gain (nomatter how small) over the better-offs loss (no matter how great), and there is someindifference here to considerations of aggregative efciency.

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    (Sen, vrios; Fleurbaey, 1995), e por ns compartilhada, a de que,ao se escolher o conjunto de bens primrios como foco, se atribui

    demasiada importncia a meios para se atingir uma boa vida, e pou-ca importncia a indicadores da boa vida em si. O nvel de educaode uma pessoa um atributo apropriado, porque no apenas ummeio para se alcanar uma boa vida (vista sua enorme inuncia,empiricamente evidenciada, sobre renda e posies sociais), mas tambm passvel de contribuir para aumentar a capacidade de umindivduo de se sentir livre e de usufruir dessa liberdade, e, por m, tambm uma varivel nal importante, valiosa intrinsecamente (ex.: componente do ndice de Desenvolvimento Humano calculado

    pela ONU).

    3.3. BALANO: DEFICINCIAS EM CADA ESCOLA

    As teorias de justia tm o mrito de oferecer uma viso sistemati-zada, organizada, de argumentos que, no debate pblico, aparecemem forma fragmentada e dispersa. Ao se analisar essas teorias sistema-tizadas, torna-se mais fcil compreender os pontos fortes e fracos de

    certos argumentos. Por exemplo, quando um jornal brasileiro noticiaque um pai (ex.: branco) diz que fez esforos durante anos para pa-gar escola particular a seu lho, e que no justo que uma vaga nauniversidade lhe seja negada ex post, por se reservar a um negro, essepai est se queixando de uma mudana repentina nas regras do jogo(noprocesso). Tal argumentao ecoa claramente na teoria libertaris-ta. Isto no quer dizer que o tal pai seja um libertarista, nem que eleseja contrrio a toda e qualquer redistribuio ele apenas tem umaviso pessoal e parcial da questo, e reclama seus direitos. Porm,

    entender os pontos fortes e fracos da teoria libertarista discutidos naseo 3.2.3 til para dar subsdios ao debate sobre as cotas, sejapara justicar a tal pai (e, de modo geral, perante a sociedade civil)porque e como, em certos casos, uma mudana no processo no necessariamente injusticada, seja para se atacarem as cotas por feri-rem liberdade e direitos (variveis processuais) em nome de uma novacomposio do alunado do ensino superior (varivel nal).

    Durante a breve incurso que zemos por essas quatro escolas deteorias de justia distributiva, relacionando-as com o debate sobre as

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    cotas, pudemos notar srias decincias em cada uma delas. Resu-mindo, temos fortes razes para criticar qualquer teoria:

    cujo atributo relevante seja subjetivo, como as teorias welfa-ristas em suas diversas formas; essas foram descartas j de incioem prol de abordagens educacionistas, que tm a vantagem detrabalharem com um atributo objetivo; cuja preocupao com questes relacionadas distribuiodevariveis nais seja, no mximo, instrumental (isto , no-intrn-seca), como o agregacionismo; que ignore completamente o papel do exerccio da responsabi-

    lidade individual (ex.: esforo pessoal, disciplina, diligncia etc.)na obteno de variveis nais, como o igualitarismo; que no atribua nenhum valor a variveis finais, como olibertarismo; cuja prioridade atribuda aos indivduos (ou grupos) mais defa-vorecidos da sociedade seja grande demais a ponto de ofuscar asdemandas indubitavelmente legtimas de outros membros (ougrupos) da sociedade, como ocorre com o maximin concebidopor Rawls; que conra demasiada importncia a meios para se atingir cer-tos ns relevantes, e pouca importncia aos prprios ns, como,por exemplo, os bens primrios escolhidos por Rawls como atri-butos (que, por sinal, no incluem a educao).

    O que fazer se nenhum dos pontos cardeais, nem mesmo o maissosticado deles (o igualitarismo liberal de Rawls), parecem nos in-dicar corretamente o norte? primeira vista, poderamos pensar em

    recorrer a possveis posies intermedirias, ou seja, a combinaesde teorias que pudessem expressar posies normativas mais mati-zadas, menos caricaturais, com conseqncias menos extremistas,e mais conformes s nossas intuies morais. Como j dissemos, aposio liberal-igualitria de Rawls, mesmo em sua forma pura, j mais complexa e nuanada do que as demais, por combinar ele-mentos caractersticos das outras correntes. Portanto, um caminhopromissor consiste justamente em aprimorar a viso de Rawls. Defato, nas duas ltimas dcadas, vm ganhando importncia outras

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    teorias de justia, classicadas como ps-rawlsianas, que reser-vam papel preponderante responsabilidade individual (Maguain,

    2002), e que procuram suprir tambm outras carncias da teoria deRawls. Uma dessas teorias a de igualdade de oportunidades, deJohn Roemer, abordada a seguir.

    4. IGUALDADE DE OPORTUNIDADES JOHN ROEMER E AS COTAS

    Nesta seo 4, defende-se que a questo (a) ganha em ser abor-dada pelo marco conceitual denido pela teoria de igualdade deoportunidades de Roemer, combinado a uma modulao do grau

    de redistribuio em diferentes etapas do sistema de ensino. im-portante frisar que no temos a pretenso de efetivamente responder questo (a), tarefa que requer uma discusso tica e um conhe-cimento de especicidades contextuais que fogem ao alcance doartigo. Mais modestamente, nossa inteno oferecer um marcoconceitual til para o debate sobre as cotas.

    4.1. A TEORIA DE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES DE JOHN ROEMER

    Evidentemente, o debate sobre as teorias de justia distributivacontinua ativo e nos parece ingnuo acreditar que algum dia poder-se- estabelecer algo que se assemelhe a uma teoria consensual.Mas alguma convergncia existe entre a evoluo das teorias a par-tir das crticas recebidas por cada uma delas e, tendo em conta oestado-da-arte atual, o trabalho de John Roemer (1998) mostra-separticularmente interessante. Roemer prope um marco terico quepretende ser losocamente slido (importantes objees s con-

    tribuies anteriores foram devidamente levadas em conta), mastambmpragmtico e aplicvel compreenso de problemas con-cretos. Assim como outros autores, Roemer parte da idia de que asvantagens sociais (ex.: renda, posio social, nvel de educaoetc.) que os indivduos possuem no deveriam depender inteira-mente de suas circunstncias relevantes, isto , daquilo que nopodem controlar e que tem algum impacto na determinao de suaschances futuras (ex.: terem nascido numa famlia carente). A parce-la da desigualdade que explicada pelas circunstncias relevantes

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    considerada ilegtima. Ao mesmo tempo, vantagens (e desvanta-gens) sociais devem ser sensveis a variaes no nvel de exerccio

    de responsabilidadepor parte dos indivduos (ex.: assegurar que, acircunstncias dadas, receba uma renda maior aquele que trabalharmais duro ou que for mais produtivo). A parcela da desigualdadeque explicada pelo exerccio da responsabilidade consideradalegtima, e no requer compensao.

    Resumindo, no interior de cada tipo, a meritocracia reina. Porm,entre tipos, h espao para redistribuio/compensao. Portanto, oatributo de Roemer so variveis nais condicionadas por variveis

    processuais, escapando assim da crtica dos libertaristas ao conse-

    qencialismo, mas sem chegar ao extremo libertarista de desprezaras variveis nais.

    Ciente de que a fronteira entre o que causado por circunstnciase o que o por responsabilidade ou mrito nunca poder ser traadade forma inequvoca, Roemer prope uma soluo pragmticaqueconsiste, em primeiro lugar, em dividir a populao em tipos rele-vantes, identicveis a baixo custo e no facilmente manipulveispelo prprio indivduo (ex.: gnero, cor da pele, renda etc.). A partirdessa diviso, as polticas devem ser desenhadas de forma a retribuirde forma semelhante o esforo feito por indivduos que se encontramna mesma posio (relativa) dentro da distribuio de resultados decada tipo21. Por exemplo, se poderia determinar que pelo menos os5% ou 10% melhores alunos de cada tipo tivessem vagas asseguradasna universidade. Dessa forma, certos tipos (ex.: mulheres negras po-bres) seriam beneciados pela redistribuio da probabilidade de al-canarem essa vantagem social que estudar na universidade. Essaespcie de presente que receberiam na forma dessa redistribuio

    de probabilidades se justicaria pelo fato de que, anteriormente, fo-ram outros tipos os que receberam outros presentes, arbitrariamentedeterminados: por exemplo, nasceram ricos e receberam mais apoioda famlia em atividades escolares durante anos.

    O caso geral consiste em se escolher um nmero nito de tipos,situado entre 1 e n (o nmero total de indivduos). Porm, vale

    21 O objetivo normativo de Roemer um maximin complexo, entre tipos de indiv-duos, e no um maximin simples como o de Rawls, entre indivduos.

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    mencionar dois casos extremos. O primeiro ocorre quando, emum dado contexto, as diferenas de circunstncias entre indivdu-

    os no so consideradas sucientemente relevantes. Conclui-seque h apenas um tipo na sociedade (ex.: brasileiros), que todaa desigualdade legtima, e, logo, que no deve haver compen-sao alguma. Quando o nmero de tipos denido assim (t=1),o objetivo de Roemer converge para o caso agregacionista, me-ritocrtico. O outro extremo consiste em assumir que as circuns-tncias determinam, em 100%, o acesso a determinada vantagemsocial. Neste caso, cada indivduo considerado como sendo umtipo diferente, a totalidade da desigualdade ilegtima, e a regra

    de alocao de recursos consiste numa compensao mxima.Quando o nmero de tipos denido como sendo igual ao nme-ro de indivduos (t=n), o objetivo de Roemer converge assim paraum maximin simples (rawlsiano).

    Roemer no defende esta ou aquela denio de tipos. Ele apre-senta um algoritmo que se quer geral, e diz que em cada socie-dade e para cada problema de alocao de recursos escassos, adenio de tipos poder ser diferente. O que pertinente em umpas pode no ser em outro (ex.: o gnero pode ser importante nadenio de tipos na Sucia, onde questes de gnero tm impor-tncia substancial, enquanto nos EUA a questo racial tem maiordestaque). Determinada denio de tipos pode ser pertinente paraa denio de alocao de recursos na rea da sade, mas podeno fazer sentido em educao (ex.: incluir a categoria idosos nadenio dos tipos). Alm disso, apesar de reconhecer que certasvantagens sociais decorrem de diferenas em termos de circuns-tncias, determinada sociedade pode preferir no compensar total-

    mente as conseqncias dessas circunstncias, pelas mais diversasrazes (ex.: para evitar efeitos colaterais tais como uma queda bru-tal da ecincia).

    Antes de se optar por uma ou outra denio de tipos, porm, preciso ressaltar uma questo que no discutida por Roemer, porno ser relevante no caso geral discutido por ele, mas que funda-mental no caso de uma aplicao de igualdade de oportunidades esfera educativa: h alguma boa razo para se compensar os tiposdesfavorecidos, quaisquer que sejam eles, no exato momento do

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    vestibular, e no antes (ao longo do processo educativo) ou depois(no mercado de trabalho)? Na seo seguinte, expomos nosso ponto

    de vista a este respeito.

    4.2. IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NO SISTEMA DE ENSINO

    Roemer apresenta um sistema de avaliao e correo de desi-gualdades de oportunidades, que feito em um nico momento(one-shot algorithm). Em um trabalho anterior (Waltenberg, 200),argumentamos que, para cada indivduo, o sistema escolar umprocesso longo, contnuo, em que conhecimentos e habilidadesso adquiridos de forma seqencial e cumulativa. Assim, por maisinjustas as desigualdades observadas, se o algoritmo de avaliao/correo proposto por Roemer fosse aplicado quando os indivdu-os j tivessem uma certa idade, provavelmente seria inecaz e teriade ser demasiado ambicioso (ex.: transformar um jovem semi-anal-fabeto em jornalista teria um custo alto, possivelmente tendendoao innito), o que, de acordo com vrias teorias de justia, seriacontraproducente. nas sries iniciais que se aprendem as habili-

    dades e competncias essenciais, que so pr-requisitos para qual-quer aprendizado posterior (Masterov e Heckman, 200). Portanto,h razes para se favorecer intervenes mais precoces do que nomomento do vestibular.

    Alm disso, h razes para se acreditar que a repartio entre cir-cunstncia e responsabilidade no possa ser considerada a mesmapara um aluno de pouca idade (ex.: uma criana 5 anos) e para umestudante mais velho (ex.: um jovem de 20 anos). Em geral, em nos-sa sociedade, espera-se que os indivduos se tornem gradualmente

    mais responsveis conforme cam mais velhos (ex.: direito de votoaos 16 anos; maioridade legal aos 18 anos etc.). Portanto, quando setrata de alunos muito novos, seria apropriado optar por um grandenmero de tipos (tendendo para o caso extremo do maximin sim-ples, t=n), porm, lidando com alunos mais velhos, quase adultos,seramos levados a escolher um nmero menor de tipos (tendendopara o caso extremo da meritocracia, t=1).

    Fleurbaey (1995) acredita que deva haver uma diviso do trabalhoentre a sociedade e os indivduos. A sociedade seria responsvel por

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    garantir que as crianas adquirissem certo nvel mnimo de conheci-mentos bsicos. Contudo, a partir de certa idade/srie, os indivduos

    passariam a ser responsveis por seu prprio desempenho, e j nocaberia sociedade desempenhar um papel paternalista.Nem a viso de Roemer (avaliao/correo feita num nico mo-

    mento, possivelmente tardio) nem a de Fleurbaey (individuo 0%responsvel pelos seus resultados at certa idade e passa a ser 100%responsvel no dia seguinte) nos parecem adequadas. Assim sendo,acreditamos que igualdade de oportunidades educacionais consistaem aplicar o algoritmo de Roemer em diversas etapas do sistema deensino, com um nmero gradualmente decrescente de tipos con-

    forme a idade/srie dos indivduos22. No caso brasileiro, tais etapaspoderiam ser as seguintes:

    Por volta de 9/10 anos (4 srie do ensino fundamental): assu-me-se que, at essa idade, circunstncias explicam 100% da de-sigualdade entre alunos; compensao mxima requerida (t=n,maximin simples); Por volta de 14 anos (8 srie do ensino fundamental): assume-se que, a essa altura, as circunstncias determinam parcela im-portante da desigualdade, mas no total; nmero intermediriode tipos requerido (ex.: t = 16, denidos por 2 categorias degnero x 2 categorias de cor da pele x 2 categorias de educaodos pais x 2 categorias de renda); Por volta de 1/18 anos (vestibular): assume-se que as cir-cunstncias determinam uma frao ainda menor da desigual-dade; um menor nmero de tipos requerido (ex.: t = 4, de-nidos por 2 categorias de cor da pele x 2 categorias de escola,

    pblica ou privada); Vida adulta: assume-se que desigualdades educacionais soparcialmente aceitveis (uma vez que a responsabilidade alcana100%) e parcialmente inevitveis ( tarde demais para se com-pensarem dcits de conhecimento); nenhuma compensao requerida (t=1, meritocracia):

    22 Os leitores economistas podem fazer uma analogia entre a proposta de reduodo nmero de tipos e uma reduo da averso desigualdade.

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    - Por exemplo, os melhores alunos so selecionados paraprogramas de ps-graduao ou para empregos, sem que seja

    necessrio aplicar polticas compensatrias23;- A esfera educacional cessa de ser pertinente para corrigirdesigualdades de oportunidades que permaneam; custos ebenefcios de outros atributos e procedimentos tm que seravaliados para se determinar o mais recomendado: programasde transferncia de renda, de educao para adultos, rendabsica universal etc.

    De acordo com a proposta acima, ca claro que compartilhamos

    a idia, amplamente consensual no Brasil, de que o ideal investirem educao bsica de qualidade24. Porm, tambm abraamoso argumento segundo o qual, enquanto no houver igualdade deoportunidades nos primeiros estgios escolares, e enquanto a pers-pectiva de que tal igualdade seja atingida no curto prazo for mnima,as cotas so necessrias, ao menos durante alguns anos25. De acordocom o ideal normativo apresentado acima, nota-se que no h ne-cessariamente contradio em se defender ambas as posies. De-pendendo dos valores atribudos aos diferentes parmetros, poss-vel, simultaneamente, defender o ideal de se investir em educaobsica igualitria para todos (para alunos da 4 srie do ensino fun-damental, somos muito pouco tolerantes com desigualdades), e de-fender a aplicao de uma poltica de cotas (o nmero de tipos no igual a 1 no momento do vestibular, isto , noestamos assumindoque todos os indivduos so iguais; h espao para compensaes,tais como as cotas).

    23 Contrariamos, portanto, Brando (2005, p. 3), que entende que, por uma ques-to de coerncia, se o presidente do Fapesp defende polticas de cotas para gradua-o, ele deveria, necessariamente, defender polticas anlogas para bolsas e auxliosna ps-graduao e no fomento pesquisa.24 Veja-se, por exemplo, a opinio de diversos autores resenhados em Brando(2005), bem como a do prprio autor do livro, nas pginas: 1-3, 5, 8, 98.25 Sobre o carter transitrio das cotas, veja-se seo 4.4.

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    4.3. CONSIDERAES SOBRE A ESCOLHA DOS TIPOS RELEVANTES

    Como dito na seo 4.1, polticas pblicas inspiradas em Roemerprocurariam retribuir de forma semelhante o esforo feito por indi-vduos que se encontram na mesma posio dentro da distribuiode resultados de cada tipo. Por exemplo, se poderia determinar quepelo menos os 5% ou 10% melhores alunos de cada tipo tivessemvagas asseguradas na universidade26. Dessa forma, os melhores alu-nos de certos tipos (ex.: mulheres pobres de melhor desempenho;homens pobres de melhor desempenho) seriam beneciados por talpoltica de cotas, em detrimento de alunos medianos de outros tipos

    (ex.: ricos de ambos os gneros com desempenho mediano). Porm,evitando se aventurar num terreno tortuoso, em que no especia-lista, Roemer no tenta sistematizar um procedimento para a escolhados tipos relevantes. Ele trabalha com uma formulao matemticageral no incio do seu livro, e quando passa s aplicaes, no pro-cura explicar longamente porque escolhe esta ou aquela diviso dasociedade em tipos: ora usa gnero, ora educao dos pais, ora corda pele. Defende sua atitude dizendo que, como nunca ser possvelse chegar a um acordo quanto maneira de se dividir a sociedadeem tipos, o melhor utilizar os dados disponveis, fazendo escolhasad hoc, e justicando-as tanto quanto possvel. Portanto, no quese refere s cotas no Brasil, no se pode extrair da obra de Roemernenhum procedimento para a denio de tipos; no se presta, porexemplo, para se comparar, no caso brasileiro, a pertinncia de umcritrio racial contra um critrio social.

    A exemplo de Roemer, tampouco temos a ambio de refutar ou de-fender com grande rigor os critrios racial ou social, ou qualquer

    outro critrio, no caso das cotas nas universidades brasileiras. Preferi-mos deixar tal tarefa a cargo de outros observadores, possivelmente: (i)lsofos polticos, mais bem treinados para comparar os fundamentosticos desta ou daquela denio de tipos, e (ii) outros cientistas so-ciais que conheam bem as especicidades de cada local, mais bem

    26 Os valores 5% ou 10% indicados neste pargrafo, e em outros, so arbitrrios.Num caso concreto de desenho de poltica, deveriam ser levadas em conta criteriosa-mente as conseqncias do uso de algum valor determinado.

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    treinados para identicar grupos material ou simbolicamente prejudi-cados, e tambm para compreender diferentes percepes de justia

    e concepes normativas em cada comunidade. por essa razoque armamos, reiteradamente, que o objetivo deste artigo no efetivamente responder questo (a), mas sim oferecer um marcoconceitual til para o debate sobre as cotas. Nos trs pargrafos queseguem, comentamos brevemente alguns aspectos relacionados discusso sobre tipos no Brasil, sem, no entanto aderir a um ououtro critrio.27

    Para se responder questo (a), isto , para se avaliar a legitimidadeda poltica de reserva de vagas nas universidades brasileiras, preci-

    so, nos termos da teoria de Roemer, determinar qual a denio detipos adequada. Trata-se, portanto, de responder se legtimo retribuiro esforo dos melhores alunos negros e/ou dos melhores alunos pro-venientes de escola pblica, reservando-lhes vagas nas universidadespblicas, sendo necessrio, para isso, negar o acesso a no-negrose/ou a egressos da escola privada de desempenho mediano.

    Em qualquer pas do mundo, a cor da pele certamente uma cir-cunstncia (no est ao alcance do indivduo escolh-la). Mas a corda pele uma circunstncia relevanteno problema em questo, isto, ela inuencia o desempenho dos alunos no vestibular? O negro noBrasil enfrenta diculdades de diversas naturezas (ex.: discriminaoem diversas instncias; indicadores sociais piores do que no-negros,mesmo em nvel de renda constante28), o que justicaria, para algunsmas no para outros, o uso da cor da pele na denio de tipos29.Quanto a estudar em escola pblica, embora formalmente seja umaescolha, no Brasil freqentemente uma circunstncia (no est aoalcance de pais de alunos pobres escolher outra coisa). A correlao

    entre freqentar escola pblica e ter baixa probabilidade de passarno vestibular um fato bem-documentado. Alm disso, freqentar aescola pblica tambm est associado a uma srie de desvantagenssociais, o que justicaria, para alguns mas no para outros, o uso dotipo de escola de origem para a denio de tipos.

    2 A este respeito, veja-se o terceiro pargrafo da seo 3.28 Ver, por exemplo, Arias et al. (2002), Henriques (2001).29 Ambas as posies so mencionadas em Brando (2005, pp. 40-41).

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    Alm disso, nada impede que os critrios de denio de poten-ciais benecirios das cotas se estendam a outras categorias fragi-

    lizadas (ex.: ndios, mulheres, estrangeiros, pessoas cujos pais sopouco instrudos30etc.), potencialmente pertinentes em determina-dos contextos locais.

    Por m, cabe destacar tambm a possibilidade de se combinaremdiferentes critrios na escolha dos tipos relevantes. Por exemplo, oargumento favorvel ao uso da caracterstica negros na deniode tipos poderia repousar sobre a idia de que uma poltica de cotasdecorrente de uma denio de tipos meramente baseada no fatorescola pblica no seria suciente para dar a alguns dos melhores

    alunos negros a oportunidade de chegar universidade. Isso seriaverdadeiro se, dentro da distribuio de desempenho no vestibulardo tipo alunos provenientes da escola pblica, os negros se po-sicionassem mal, de forma tal que poucos chegassem a fazer partedos 5% ou 10% melhores em outras palavras, se os negros fossemos mais desfavorecidos entre os desfavorecidos. O mesmo poderiaocorrer no caso inverso: se somente o critrio racial fosse observa-do, possivelmente haveria muitos egressos da escola privada entre osnegros mais bem-posicionados, negando oportunidades aos negrosegressos da escola pblica. Assim sendo, uma denio de tipos quelevasse em conta ambas as caractersticas cor da pele e escola p-blica seria mais recomendvel na viso daqueles que consideramambas as caractersticas como sendo circunstncias relevantes.

    4.4. BALANO: UM MARCO TERICO ADEQUADO;NO UMA RESPOSTA DEFINITIVA

    O objetivo desta seo 4 era essencialmente de se apresentar ummarco terico-conceitual mais prximo das intuies morais quenos parecem mais razoveis; mais adequado, portanto, para se guiara busca de resposta questo (a), sem entrar no terreno da escolhados tipos.

    30 O critrio da escolaridade dos pais usado na denio de tipos em um estudosobre igualdade de oportunidades no ensino fundamental no Brasil (Waltenberg eVandenberghe, 200).

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    preciso ressaltar que no est denido de antemo o alcance dacompensao perseguida com determinada poltica de cotas, nem,

    portanto, o desenho preciso de tal poltica. Concretamente, men-cionamos ao longo da seo os valores arbitrrios 5% ou 10%, masnada impede que se opte por solues extremas, tais como: (i) dividira sociedade em 10 tipos e reservar 10% das vagas para os melhoresvestibulandos de cada tipo (poltica extremamente redistributiva); ou(ii) denir os mesmos 10 tipos, mas reservar apenas 3% das vagaspara os melhores vestibulandos de cada tipo, deixando, assim, 0%das vagas livres das cotas (poltica pouco ambiciosa). A proporode indivduos de cada tipo a ser admitida com as cotas depender do

    objetivo que se queira atingir, e as possveis conseqncias poderoser antecipadas via simulaes.

    Uma opinio comum no debate brasileiro que as polticas de co-tas teriam de ser transitrias.31Entendemos que, dentro dos marcosda teoria de Roemer, caberia, na verdade, reavaliar periodicamentecada um dos parmetros relevantes: os critrios de denio de ti-pos, o nmero de tipos, o grau de generosidade das redistribuiesde oportunidades praticadas via cotas, o grau de averso desigual-dade entre tipos em cada etapa do sistema educativo. Por exemplo, bem possvel que, dentro de alguns anos, o grande contingente deimigrantes bolivianos que vive na cidade de So Paulo se organizepara reivindicar cotas tambm para seus integrantes. Se isso ocorrer,ser necessrio discutir qual o grau de compensao que a socieda-de paulistana considerar legtimo para esse grupo, qual o grau decompensao que estar disposta a conceder de fato, de que forma aintegrao desse grupo afetar outros grupos, se a compensao de-ver ser feita no ensino fundamental, no mdio ou no superior etc.

    Por m, bom ressaltar que, atravs de um sistema de cotas talcomo o denimos aqui, apenas os melhores alunos de cada tipotero acesso universidade. Esta constatao pode ser lida de pelomenos duas maneiras. Uma leitura pessimista concluir que ascotas so uma poltica elitista, que favorece apenas quem estariade qualquer forma muito perto de ser aprovado, mas no beneciaos mais desfavorecidos da sociedade, e que, portanto, injusta ou

    31 Veja-se, por exemplo, Brando (2005): pp. 21, 48-49.

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    insuciente32. um equvoco, porm, acreditar que o objetivo deuma poltica de cotas seja o de levar universidade os indivduos

    mais desfavorecidos da sociedade, salvo, claro, no caso de se ado-tar a posio igualitarista mais extrema segundo a qual justia seriafeita apenas no dia em que todos os indivduos tivessem asseguradauma vaga na universidade. As crticas dirigidas ao igualitarismo noslevam a nos posicionar contra tal posio, e privilegiar uma leituramais otimista do suposto elitismo das cotas, e que toma comoponto de partida a constatao de que no uma mazela prpriaao Brasil a existncia de elitismo na universidade, uma vez que osistema de ensino superior de nenhum pas do mundo acolhe 100%

    da populao. Por isso, vemos com bons olhos uma poltica de cotasque mantenha em grande medida o carter meritocrtico da univer-sidade, abrindo, porm, algum espao para compensaes.

    Em suma, no nosso entender, cotas podem aumentar as oportuni-dades de certos grupos sociais substancialmente prejudicados, sematentar mortalmente contra a meritocracia, nem ferir gravemente aecincia; sem vilipendiar sobremaneira as liberdades individuais,nem negligenciar legtimas preocupaes igualitrias.

    5. AS COTAS SO OPORTUNAS? SO IMPLEMENTVEIS?

    Relembramos que, ao lado da questo (a), sobre a justia das co-tas, havamos listado outras duas questes: (b) se as cotas so opor-tunas, isto , se os benefcios de sua implementao superam oscustos; e (c) se as cotas so implementveis. Essas duas questes noso o foco central deste artigo, porque na linha de produo depolticas sociais mencionada na seo 2, tal tarefa no est a cargo

    do economista normativo, papel que assumimos nas sees 3 e 4. Oque oferecemos a seguir so apenas algumas consideraes visandocaracterizar melhor a natureza dessas questes, esboando assimum convite pesquisa terica e emprica.

    32 Essa crtica s cotas recorrente, mencionada muitas vezes em Brando (2005);pp. 21-23; -9; 96-9.

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    5.1. AS COTAS SO OPORTUNAS? BENEFCIOS SUPERAM CUSTOS?

    Podemos abordar as questes (b) ou (c) como questes relevantesem si mesmas, independentemente da resposta que cada um de nsqueira dar questo (a). A questo (b) as cotas so oportunas? pode ser entendida como uma comparao entre os potenciaiscustos e potenciais benefcios decorrentes da introduo de uma po-ltica de cotas, para os diversos agentes envolvidos. Tal questo podeser abordada atravs da elaborao de modelos matemticos teri-cos (como costumam fazer os economistas; ex.: Andrade, 2004) oupor meio de raciocnio hipottico-dedutivo (outros cientistas sociais)

    ou por outros mtodos. Alm disso, tambm relevante analisar evi-dncias economtricas (o que funcionou bem em outros pases?; oque no teve grande xito?33), procurar fazer simulaes (qual seriao impacto desta ou daquela poltica de cotas, sobre o desempenhomdio dos vestibulandos?; e sobre a composio racial e socioeco-nmica dos universitrios?; e sobre as taxas de evaso da universida-de?) e fazer pesquisas qualitativas (o que os potenciais contempladospensam das cotas? e os potenciais prejudicados por elas? quais soos critrios de justia aceitos na comunidade em questo?).

    O debate sobre as cotas no Brasil est repleto de anlises des-sa natureza, por vezes fragmentrias. Tm sido ressaltados pontosimportantes, como os possveis entraves jurdicos enfrentados naimplementao e execuo da poltica de cotas (ex.: a introduona Constituio da distino entre raas). Outro custo importante o possvel estigmaque os negros podem ter que carregar, isto ,os custos psicolgicos das cotas (ex.: beneciados feridos em seuamor-prprio), com eventuaisprejuzos materiais (ex.: se o merca-

    do de trabalho, que vai continuar existindo com ou sem poltica decotas, passasse a considerar que um diplomado negro vale menosdo que um diplomado no-negro). Tambm seria possvel levar emconta os interesses dos prejudicados pelas cotas ao se mudaremradicalmente as regras do jogo depois de iniciado o jogo. Porm, questes de ecincia no merecem ser desprezadas: uma

    33 A este respeito, veja-se a coleo de artigos recentemente organizada por FeresJr. e Zoninsein (2006).

  • 8/13/2019 WALTENBERG, Fabio et al. Cotas nas Universidades Brasileiras. A Contribuio das Teorias de Justia Distributiva a

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    compensao ambiciosa demais poderia levar a uma reduo naqualidade mdia dos estudantes e, conseqentemente, a uma piora

    na qualidade dos prossionais formados.34Todos esses custos devem ser comparados com os potenciais be-nefcios proporcionados aos contemplados pelas cotas, bem como sociedade como um todo, tais como os benefcios imediatos (as-pecto consumo da educao) e futuros (aspecto investimento daeducao) usufrudos pelos cotistas. Outro potencial benefcio, esseno nvel coletivo, seria a revelao de talentos que no oresceriamna ausncia das cotas, um argumento utilitarista usado pelo econo-mista clssico Alfred Marshall quando defendia que se instrussem

    as massas na Inglaterra do sculo XIX: Todas as despesas feitas, du-rante muitos anos, para dar s massas uma oportunidade de se instru-rem melhor, cariam perfeitamente compensadas se zessem surgirum novo Newton, um Darwin, um Shakespeare ou um Beethoven.(Marshall, 1890 [1982]:191-2)35. Tambm poderiam ser avaliados osbenefcios para geraes futuras (lhos e netos dos cotistas) e efeitosde incentivo positivos para grupos da sociedade que nem mesmoremotamente cogitariam da possibilidade de chegar universidadee que, com o advento das cotas, passam a sonhar com isso. Por m,o valor simblico da medida tambm poderia ser visto como umbenefcio: a implementao de medidas compensatrias reetiria oreconhecimento explcito de desvantagens enfrentadas por certosgrupos na sociedade brasileira e da vontade de corrigi-las.

    A resposta pergunta (b) depende, portanto, de avaliaes de po-lticas j implementadas, de lies extradas de evidncias interna-cionais, e de pesquisas futuras de diferentes naturezas, mas tambmdo desenho institucional especco das polticas de cotas, o que nos

    leva questo (c).

    34 claro que tambm possvel que esse efeito no se verique. Trata-se, porm,de uma questo emprica para a qual no temos uma resposta clara.