Walter Benjamin. Passagens Arquivo M 2 1

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importa de que carnada temporal se origlnam, e assim surge uma rua. E mais adiante, do esta rua, digamos, da época de Goethe, desemboca em uma outra, por exemplo, da época guilhermina, forma-se 0 bairro... os pontos culminantes da cidade são suas onde desembocam não muitas ruas, mas também as correntes de sua história afluem e cercadas; as bordas da praça são as margens, de modo que a forma exterior da praça fornece informações sobre a história que nela se passa... Coisas que encontram uca ou nenhuma expressão nos acontecimentos políticos desenrolam-se nas cidades; elas constituem um instrumento muito preciso, apesar de seu peso de pedra, sensível como uma harpa eólica às vivas vibrações históricas do ar." Ferdinand Lion, Geschichte biologisch gesehen, Zurique-Leipzig, 1935, pp. 125-126, 128 ("Notiz tiber Städte" "Nota sobre cidades"). (M 9, 41 Delvau pretende reconhecer no flanar as camadas sociais da sociedade parisiense com a mesma facilidade que um geólogo identifica as camadas do solo. [M 9a, 1) O homem de letras: "As realidades mais pungentes não são para ele espetáculos: são estudos." Alfred Delvau, Les Dessous de Paris, Paris, 1860, p. 121. "Um homem que passeia não deveria ter de se preocupar com os riscos que corre ou com as regras de uma cidade. Se uma idéia divertida lhe vem ao espírito, se uma boutique curiosa se oferece à sua vista, é natural que, sem ter de afrontar perigos que nossos avós nem mesmo puderam supor, ele queira atravessar a rua. Ora, ele não pode fazê-lo hoje em dia sem tomar mil precauções, sem interrogar o horizonte, sem pedir conselho à Prefeitura da Polícia, sem se misturar a uma turba atordoada e acotovelada, cujo caminho está traçado de antemão por placas de metal brilhante. Se ele tenta reunir os pensamentos fantásticos que lhe ocorrem, e que as visões da rua devem excitar, é ensurdecido pelas buzinas, entontecido pelos alto-falantes... , desmoralizado pelos pedaços de conferências, de informações políticas e de jazz, que escapam furtivamente das janelas. Outrora, também seus irmãos, os badauds, que caminhavam gostosamente pelas calçadas e paravam um pouco em toda parte, davam ao fluxo humano uma doçura e uma tranqüilidade que ele perdeu. Agora, é uma torrente na qual você é jogado, acotovelado, rejeitado, levado ora para um lado, ora para o outro." Edmond Jaloux, "Le dernier flâneur", Le Temps, 22 maio 1936. [M 9a, 31 Sair, quando nada nos obriga a fazê-lo, e seguir nossa inspiração como se o simples fato de virar à direita ou à esquerda constituísse um ato essencialmente poético." Edmond Jaloux, "Le dernier flâneur", Le Temps, 22 maio 1936. Dickens ... não conseguia viver em Lausanne porque precisava, para compor seus romances do imenso labirinto das ruas de Londres, por onde rondava sem parar Thomas dc Quincey... Baudelaire nos diz que ele era 'uma espécie de peripatético, um filósofo da rua meditando sem cessar através do turbilhão da cidade grande'. " Edmond Jaloux, "Le dernie flåneur", Le Temps, 22 maio 1936.

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Passagens, Benjamin

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importa de que carnada temporal se origlnam, e assim surge uma rua. E mais adiante,do esta rua, digamos, da época de Goethe, desemboca em uma outra, por exemplo,da época guilhermina, forma-se 0 bairro... os pontos culminantes da cidade são suasonde desembocam não só muitas ruas, mas também as correntes de sua históriaafluem e já cercadas; as bordas da praça são as margens, de modo que a formaexterior da praça fornece informações sobre a história que nela se passa... Coisas que encontram

uca ou nenhuma expressão nos acontecimentos políticos desenrolam-se nas cidades; elasconstituem um instrumento muito preciso, apesar de seu peso de pedra, sensível comouma harpa eólica às vivas vibrações históricas do ar." Ferdinand Lion, Geschichte biologischgesehen, Zurique-Leipzig, 1935, pp. 125-126, 128 ("Notiz tiber Städte" "Nota sobrecidades").

(M 9, 41

Delvau pretende reconhecer no flanar as camadas sociais da sociedade parisiense com amesma facilidade que um geólogo identifica as camadas do solo.

[M 9a, 1)

O homem de letras: — "As realidades mais pungentes não são para ele espetáculos: sãoestudos." Alfred Delvau, Les Dessous de Paris, Paris, 1860, p. 121.

"Um homem que passeia não deveria ter de se preocupar com os riscos que corre ou com as

regras de uma cidade. Se uma idéia divertida lhe vem ao espírito, se uma boutique curiosa

se oferece à sua vista, é natural que, sem ter de afrontar perigos que nossos avós nem mesmo

puderam supor, ele queira atravessar a rua. Ora, ele não pode fazê-lo hoje em dia sem

tomar mil precauções, sem interrogar o horizonte, sem pedir conselho à Prefeitura da

Polícia, sem se misturar a uma turba atordoada e acotovelada, cujo caminho está traçado de

antemão por placas de metal brilhante. Se ele tenta reunir os pensamentos fantásticos que

lhe ocorrem, e que as visões da rua devem excitar, é ensurdecido pelas buzinas, entontecido

pelos alto-falantes..., desmoralizado pelos pedaços de conferências, de informações políticas

e de jazz, que escapam furtivamente das janelas. Outrora, também seus irmãos, os badauds,

que caminhavam gostosamente pelas calçadas e paravam um pouco em toda parte, davam

ao fluxo humano uma doçura e uma tranqüilidade que ele perdeu. Agora, é uma torrente

na qual você é jogado, acotovelado, rejeitado, levado ora para um lado, ora para o outro."

Edmond Jaloux, "Le dernier flâneur", Le Temps, 22 maio 1936.[M 9a, 31

Sair, quando nada nos obriga a fazê-lo, e seguir nossa inspiração como se o simples fato de

virar à direita ou à esquerda já constituísse um ato essencialmente poético." Edmond

Jaloux, "Le dernier flâneur", Le Temps, 22 maio 1936.

Dickens ... não conseguia viver em Lausanne porque precisava, para compor seus romances

do imenso labirinto das ruas de Londres, por onde rondava sem parar Thomas dc

Quincey... Baudelaire nos diz que ele era 'uma espécie de peripatético, um filósofo da rua

meditando sem cessar através do turbilhão da cidade grande'. " Edmond Jaloux, "Le dernie

flåneur", Le Temps, 22 maio 1936.