Waly Salom o Entre o v Deo e a Vida

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 Waly S al omã o: entre a vi da e o vídeo Proposta: Rimas visuais Buscaremos estudar o fenômeno do hibridismo situado entre a palavra, o rito, a vida e o vídeo na poética de Waly Salomão, tomando por base os livros Lábia e Tarifa de embarque, ambos publicados nos anos de 1998 e 2000, bem como o documentário Pan-Cinema Permanente, de Carlos Nader (Brasil, 2008). Interpretamos o hibridismo como uma das formas de transgressão dos gêneros e campos artísticos sobre os quais se imprime, como articula Bourdieu (1996), com alguma disciplina, a regulação das ciências e das artes a partir da construção de um princípio mediador denominado pelo sociólogo como habitus,  ou seja, uma delimitação dos limites de apropriação e das regras de cada atividade estética. Igualmente, propomos explicitar as estratégias poéticas operadas nesses dois livros e no documentário, na tentativa de expor o entrecruzamento promovido pelo cantor e pelo documentarista no bojo do signo (linguístico, poético, visual) com vistas a mobilizar os objetos do mundo real e os da f icção poética, cinematográfica. Tomaremos como direção os estudos promovidos por Gilles Deleuze em A Imagem-Movimento e A Imagem-Movimento, Ismail Xavier em A Experiência do Cinema; igualmente nos serviremos de trabalhos como o dos críticos Octávio Paz em Signos em Rotação, O Arco e a Lira, Guy Debord em Sociedade do Espetáculo, Michel de Certeau em A invenção do Cotidiano; Nietzsche em A gaia ciência. Importa tencionar, através dos pressupostos teóricos, a releitura da noção de espetáculo para experiência comum. No documentário, Waly reflete que era seduzido a ver as coisas do mundo como um grande teatro, um território de grandes ficções. Notamos esta pulsão quando, no filme, uma cena patética nos é exibida quando Waly e uma viajante, estão atravessando a fronteira entre Brasil e Equador e avistam uma placa que demarca os limites entre os dois países. O poeta, animado, incita a parceira para que esta discorra da incrível experiência de estar pisando a Linha do Equador. A senhora, constrangida e em risos, refreia a exposição e diz-se envergonhada. O baiano não perde a oportunidade e articula que não há razões para vergonhas, afinal, desde a colonização se sabe que “não existe pecado abaixo da Linha do Equador”. Recitando o famoso verso da peça de Calderón de La Barca, La vida es sueño, o articulista repete inúmeras vezes, “A Vida é sonho”, “A Vida é sonho”, expressão que está em consonância com outras de suas afirmações, nas quais se coloca do lado da opacidade e não da limpidez; o poeta, segundo ele, deve manter- se coeso à busca da mentira em vez de buscar, obstinadamente, a verdade. Vivemos no território da performance, das potências do falso, das máscaras e de toda sorte de artifícios, no solo de tudo o que Nietzsche preconiza como aparência. O que importa eh aparecer, diz. Em razão dIsso, notamos a intensidade Universidade Federal da Bahia  UFBA Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura Instituto de Letras

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Waly Salomão: en tre a vi da e o vídeo

Proposta: Rimas visuais 

Buscaremos estudar o fenômeno do hibridismo situado entre a palavra, o rito, avida e o vídeo na poética de Waly Salomão, tomando por base os livros Lábia  eTarifa de embarque, ambos publicados nos anos de 1998 e 2000, bem como o

documentário Pan-Cinema Permanente, de Carlos Nader (Brasil, 2008).Interpretamos o hibridismo como uma das formas de transgressão dos gêneros

e campos artísticos sobre os quais se imprime, como articula Bourdieu (1996), comalguma disciplina, a regulação das ciências e das artes a partir da construção de umprincípio mediador denominado pelo sociólogo como habitus,  ou seja, umadelimitação dos limites de apropriação e das regras de cada atividade estética.

Igualmente, propomos explicitar as estratégias poéticas operadas nesses doislivros e no documentário, na tentativa de expor o entrecruzamento promovido pelocantor e pelo documentarista no bojo do signo (linguístico, poético, visual) comvistas a mobilizar os objetos do mundo real e os da ficção poética, cinematográfica.

Tomaremos como direção os estudos promovidos por Gilles Deleuze em AImagem-Movimento e A Imagem-Movimento, Ismail Xavier em A Experiência doCinema; igualmente nos serviremos de trabalhos como o dos críticos Octávio Pazem Signos em Rotação, O Arco e a Lira,  Guy Debord em Sociedade doEspetáculo, Michel de Certeau em A invenção do Cotidiano; Nietzsche em A gaiaciência.

Importa tencionar, através dos pressupostos teóricos, a releitura da noção deespetáculo para experiência comum. No documentário, Waly reflete que eraseduzido a ver as coisas do mundo como um grande teatro, um território de grandesficções. Notamos esta pulsão quando, no filme, uma cena patética nos é exibidaquando Waly e uma viajante, estão atravessando a fronteira entre Brasil e Equador e

avistam uma placa que demarca os limites entre os dois países. O poeta, animado,incita a parceira para que esta discorra da incrível experiência de estar pisando aLinha do Equador. A senhora, constrangida e em risos, refreia a exposição e diz-seenvergonhada. O baiano não perde a oportunidade e articula que não há razõespara vergonhas, afinal, desde a colonização se sabe que “não existe pecado abaixoda Linha do Equador”. 

Recitando o famoso verso da peça de Calderón de La Barca, La vida essueño, o articulista repete inúmeras vezes, “A Vida é sonho”, “A Vida é sonho”,expressão que está em consonância com outras de suas afirmações, nas quais secoloca do lado da opacidade e não da limpidez; o poeta, segundo ele, deve manter-se coeso à busca da mentira em vez de buscar, obstinadamente, a verdade.

Vivemos no território da performance, das potências do falso, das máscaras ede toda sorte de artifícios, no solo de tudo o que Nietzsche preconiza comoaparência. O que importa eh aparecer, diz. Em razão dIsso, notamos a intensidade

Universidade Federal da Bahia – UFBAPrograma de Pós-Graduação em Literatura e Cultura

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com que o pensamento desse filósofo harmonizou, no escritor, uma vivência com ochão, com a rua, com o que ele chama de “a sola e a tela”, como “um lugar deimpressão das pegadas, dos rastros, da experiência da vida cotidiana”. A vida aspiraser compreendida como em um vídeo, um lugar não só de experiências, como de

experimentos: “Então, que o sapateiro desça até a sola,/ quando a sola se torna umatela, onde se/ exibe e se cola a vida do asfalto embaixo/ e em volta”. 

Portanto, entendemos que esse compasso de vida e vídeo associa-se comoum componente de recriação da poesia e do cinema, não como produção de umaarte de espectador, cuja distância simula o exercício de duas atividades diferentes, arealidade e o sonho. Ao aproximar-se, em primeiro plano, da tela e do espectador,Waly Salomão mobiliza o jogo da linguagem. Já que não é possível, como articulaDerrida (2002), fugir das armadilhas da língua e do excesso de significações, opoeta descompõe a semiose através da simbiose, apresentando-nos aestruturalidade dos dispositivos cinematográficos em “rimas visuais” bastanteincômodas e instigantes.

Referências

 AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Trad. Vinicius N.Honesko. Chapecó: Argos, 2012.

BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário.São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Riode Janeiro, Contraponto, 1997. 

DELEUZE, Gilles. A Imagem-movimento: Cinema I. Trad. Stella Senra. São Paulo:Brasiliense, 1983.

 ______. A Imagem-tempo: Cinema II. Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo:Brasiliense, 1990.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Trad. Ephraim Ferreira Alves.Petrópolis: Vozes, 1994.

DERRIDA, Jacques. Kolaphos/Kolapto. In___. A Farmácia de Platão. Trad. Rogério

da Costa. São Paulo: Iluminuras, 2005.

 ______. A estrutura, o signo e o jogo no discurso das ciências humanas. In:__. Aescritura e a Diferença. Col. Debates. São Paulo: perspectiva, 2002.

NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. trad. Paulo César de Souza. São Paulo:Companhia das Letras, 2001.

PAZ, Octavio. Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva S.A, 1972.

 ______. O Arco e a Lira. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1982

XAVIER, Ismail (Org.). A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1991.