Warburg e Seus Intérpretes Contemporâneos

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Warburg e seus intérpretes contemporâneos Obra de Aby Warburg está no centro de um esforço atual para abrir os limites da história da arte, como mostram o lançamento no Brasil de seu clássico "A renovação da Antiguidade pagã" e de livros de Georges Didi-Huberman e Philippe-Alain Michaud Por Karl Erik Schøllhammer Três títulos importantes para os estudos de arte são agora lançados pela coleção ArteFíssil da Contraponto, em colaboração com o Museu de Arte do Rio (MAR), e essa publicação merece não passar despercebida. Apesar de distâncias geográficas e históricas, os livros têm sintonia significativa entre si. Um clássico da História da Arte, “A renovação da Antiguidade pagã: contribuições científico-culturais para a história do Renascimento europeu”, de Aby Warburg (1866-1929), foi editado em 1932 e está disponível agora pela primeira vez em português. Um dos mitos mais persistentes em torno de Warburg vincula-se às dificuldades de edição e ao desequilíbrio entre a parte publicada e visível de sua obra e o acervo enorme de palestras, anotações, diários, cartas, aforismos, arquivo de exposições e fichas bibliográficas. Somem-se a isso as lâminas com imagens para o projeto inacabado do “Atlas Mnemosyne”. Depois de sua morte, os responsáveis pelo instituto que leva seu nome projetaram uma edição da obra reunida em seis grandes grupos de textos. O livro agora acessível ao leitor brasileiro corresponde ao primeiro grupo desse plano editorial e abarca todos os escritos publicados em vida por ele, acrescidos de estudos e palestras relacionados a seus temas primordiais. Leia mais: A arte de Warburg Leia mais: A programação dos eventos em torno de Warburg no Rio Chegam ao Brasil também duas leituras fundamentais de sua obra: “Aby Warburg e a imagem em movimento”, de Philippe-Alain Michaud, e “A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg”, de Georges Didi-Huberman. O interesse crescente nos últimos anos por Warburg justifica plenamente esta aposta editorial. A obra de Warburg tem sido o centro de um esforço contemporâneo não só para redefinir os fundamentos tradicionais de uma História da Arte, mas para abrir seus limites disciplinares, colocá-la em movimento, na perspectiva de uma ciência da cultura, de uma compreensão complexa das possibilidades temporais de sua historicidade e de uma conceituação anacrônica da História. Hoje, Warburg é lido como um analítico contemporâneo de Freud, Benjamin e Einstein, mas também como uma inteligência criativa de composição e montagem que o alinha a Serguei Eisenstein, Bertold Brecht e John Heartfield.

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Sobre Warburg e os livros lançados acerva da sobrevivência das imagens.

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Warburg e seus intérpretes contemporâneos

Obra de Aby Warburg está no centro de um esforço atual para abrir os limites da história da arte, como mostram o

lançamento no Brasil de seu clássico "A renovação da Antiguidade pagã" e de livros de Georges Didi-Huberman e

Philippe-Alain Michaud

Por Karl Erik Schøllhammer

Três títulos importantes para os estudos de arte são agora lançados pela coleção ArteFíssil da Contraponto, em

colaboração com o Museu de Arte do Rio (MAR), e essa publicação merece não passar despercebida. Apesar de

distâncias geográficas e históricas, os livros têm sintonia significativa entre si.

Um clássico da História da Arte, “A renovação da Antiguidade pagã:

contribuições científico-culturais para a história do Renascimento europeu”, de Aby Warburg (1866-1929), foi editado

em 1932 e está disponível agora pela primeira vez em português. Um dos mitos mais persistentes em torno de

Warburg vincula-se às dificuldades de edição e ao desequilíbrio entre a parte publicada e visível de sua obra e o

acervo enorme de palestras, anotações, diários, cartas, aforismos, arquivo de exposições e fichas bibliográficas.

Somem-se a isso as lâminas com imagens para o projeto inacabado do “Atlas Mnemosyne”. Depois de sua morte,

os responsáveis pelo instituto que leva seu nome projetaram uma edição da obra reunida em seis grandes grupos

de textos. O livro agora acessível ao leitor brasileiro corresponde ao primeiro grupo desse plano editorial e abarca

todos os escritos publicados em vida por ele, acrescidos de estudos e palestras relacionados a seus temas

primordiais.

Leia mais: A arte de Warburg

Leia mais: A programação dos eventos em torno de Warburg no Rio

Chegam ao Brasil também duas leituras fundamentais de sua obra: “Aby Warburg e a imagem em movimento”, de

Philippe-Alain Michaud, e “A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg”,

de Georges Didi-Huberman. O interesse crescente nos últimos anos por Warburg justifica plenamente esta aposta

editorial. A obra de Warburg tem sido o centro de um esforço contemporâneo não só para redefinir os fundamentos

tradicionais de uma História da Arte, mas para abrir seus limites disciplinares, colocá-la em movimento, na

perspectiva de uma ciência da cultura, de uma compreensão complexa das possibilidades temporais de sua

historicidade e de uma conceituação anacrônica da História. Hoje, Warburg é lido como um analítico contemporâneo

de Freud, Benjamin e Einstein, mas também como uma inteligência criativa de composição e montagem que o

alinha a Serguei Eisenstein, Bertold Brecht e John Heartfield.

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O estudo de Michaud foi o primeiro livro de fôlego dedicado em

francês à obra de Warburg. Editado em 1998, foi prefaciado por Didi-Huberman, que, quatro anos depois, lançou “A

imagem sobrevivente”, estudo monumental do historiador de arte que vem se afirmando como principal intérprete

contemporâneo das ideias de Warburg. Michaud é curador de cinema no Museu Nacional de Arte Moderna do

Centro Georges Pompidou, em Paris, e começou a escrita do livro por ocasião de um seminário organizado por Didi-

Huberman. Existe, assim, uma conexão íntima entre os três títulos, o que indica a atualidade recuperada da obra de

Warburg, considerada, depois da biografia escrita por Gombrich, uma excentricidade reminiscente do século XIX e

de interesse meramente histórico. Revela também a nova abrangência que ele ganhou na discussão estética

contemporânea, exemplificada aqui por sua relevância para a teoria do cinema.

Michaud explora sem ortodoxia o tema do movimento no trabalho de Warburg e, ao colocar a metodologia do “Atlas

Mnemosyne” em relação com a teoria da montagem de Eisenstein, abre um diálogo entre as intuições do pensador

alemão e a história do cinema. Michaud vai acentuar que o que justifica essa comparação é a intuição de que a obra

de Warburg “aperfeiçoou uma verdadeira metodologia do filme na História da Arte, desde que entendamos por filme

não o dispositivo técnico convencional de gravação e projeção, mas um conjunto de propriedades ou operações das

quais o cinema constitui tão somente a aplicação material e a configuração espetacular”.

Assim, o olhar de Michaud sobre a vida de Warburg, no percurso de seus primeiros estudos sobre o Renascimento

italiano, na década de 1890, até a palestra “Entre os Hopis”, proferida em 1923, sobre a viagem realizada em 1895

ao território dos índios Hopis, uma das tribos Pueblo dos EUA, revela um método e estilo inteiramente novos.

Michaud encontra na abordagem de Warburg uma metodologia de montagem, cujo estado final seria o projeto do

“Atlas Mnemosyne”, em que a “ficção teórica” altera a própria ideia de “representação”, já não entendida como forma

de pensar, mas como comparecimento e produção de efeitos. A ideia principal de Michaud sobre a centralidade da

viagem ao Novo México e Arizona na obra de Warburg resume-se na percepção de que o projeto “Atlas” seria o

estágio experimental mais original de uma compreensão das imagens que se baseia no princípio ativo do

deslocamento, isto é, “no movimento e na ação, não na imobilidade a na contemplação”. A viagem torna-se assim o

dispositivo oculto de uma vida de pesquisa dedicada a dinamizar a História da Arte em prol de uma compreensão

vital da imagem.

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Quando Warburg morreu, o “Atlas” tinha mais ou menos 1.300

imagens em 70 lâminas. Ele pode ser entendido como o diagrama de uma nova história da arte, já não concebida

como discurso e sim como ciência, uma estruturação dinâmica e plural ou uma montagem espacial e temporal de

atrações, como diria Eisenstein, que interagem por encadeamentos afetivos, ao mesmo tempo em que se

desdobram e se projetam sensivelmente ou vertiginosamente sobre o espectador. É a História da Arte em

movimento que, ao romper seu próprio quadro epistemológico, projeta-se na obra de Warburg numa constelação

espacial de “coisas que são, ao mesmo tempo, arqueológicas (fósseis, sobrevivências) e atuais (gestos,

experiências)”, observa Didi-Huberman.

“A imagem sobrevivente” é o principal estudo monográfico de Didi-Huberman dedicado à obra de Warburg. É o

aprofundamento mais completo que conheço dos três tópicos centrais para entender a originalidade e importância

da abordagem warburguiana. Primeiro, a sobrevivência fantasmagórica (Nachleben) de imagens e tópicos da

Antiguidade em obras de outros tempos e contextos, alheia a qualquer hipótese de influência e tradição. Segundo, o

registro das relações anacrônicas e dinâmicas da História que se estabelecem em função da fórmula do pathos

(Pathosformeln) por uma relação afetiva. E, finalmente, a imagem vista como um sintoma, o que Freud chamaria de

um “fóssil em movimento”, que convida a uma compreensão da memória como montagem psicológica e expressiva.

Karl Erik Schøllhammer é professor de Letras da PUC-Rio, autor de “Além do visível”, entre outros

http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/05/18/warburg-seus-interpretes-contemporaneos-497079.asp

A arte de Warburg

Exposição no Museu de Arte do Rio (MAR), novos livros e conferências impulsionam no Brasil a obra do historiador

alemão Aby Warburg (1866-1929), que tem clássico publicado em português pela primeira vez. Filho de banqueiros

que abriu mão da herança em troca de livros, construiu imensa biblioteca regida por ‘lei da boa vizinhança’ e deixou

inacabado atlas que apresentava olhar inovador sobre a História da Arte.

Por Guilherme Freitas

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Na biblioteca

de Aby Warburg, os livros não eram dispostos por idioma, gênero ou ordem alfabética. Seus milhares de volumes

eram organizados por afinidade, obedecendo ao que o historiador alemão chamava de “lei da boa vizinhança”. Os

temas de uma obra se desdobravam na obra ao lado, que por sua vez era aprofundada ou contestada pela

seguinte, e assim por diante, criando uma rede idiossincrática e virtualmente infinita de conhecimento espalhada

pelas prateleiras. Na entrada do edifício que construiu em 1926, em Hamburgo, sua cidade natal, para abrigar o

acervo sempre crescente, descrito por visitantes ora como lugar de sonho ora como labirinto desnorteante, mandou

gravar o nome de Mnemosyne, deusa grega da memória.

A expressão aparece também no título de seu projeto mais ambicioso, “Atlas Mnemosyne”. Regido por princípio

semelhante ao da biblioteca, era um conjunto de painéis onde o historiador afixava reproduções de pinturas, marcos

arquitetônicos, retratos, diagramas, mapas. Ao morrer, em 1929, Warburg deixou o “Atlas” inacabado (ou era

inacabável por definição), com 70 painéis e cerca de 1.300 imagens que contam uma versão alternativa da História

da Arte, determinada não por estilos ou períodos, e sim por aproximações entre formas e temas de diferentes

épocas.

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Esquecida

durante parte do século XX, a obra de Warburg voltou a ser debatida nos últimos anos por pensadores que buscam

novos olhares sobre a História da Arte e a filosofia da imagem. O Brasil, onde o nome do alemão é cada vez mais

frequente em departamentos de Belas Artes, Literatura, História e Comunicação, recebe esse mês uma série de

eventos e lançamentos que reforçam a atualidade de suas reflexões.

Coletânea de todos os textos publicados em vida por Warburg, “A renovação da Antiguidade pagã” tem a primeira

tradução em português, pela coleção ArteFíssil, da editora Contraponto, que lança também duas obras recentes

sobre ele: “A imagem sobrevivente”, de Georges Didi-Huberman, e “Aby Warburg e a imagem em movimento”, de

Philippe-Alain Michaud. Os autores lançarão os livros dia 25, às 19h, no Museu de Arte do Rio (MAR), base do

evento “Histórias de fantasmas para gente grande”, organizado por Tadeu Capistrano, professor da Escola de Belas

Artes da UFRJ e coordenador da coleção ArteFíssil. A partir do dia 24, sexta-feira, o evento terá duas conferências

de Didi-Huberman, um simpósio internacional e a exposição “Atlas, suíte”, inspirada na obra de Warburg. Em outro

evento, promovido pela UFF, o historiador alemão Uwe Fleckner, diretor da Casa Warburg, de Hamburgo, fará

palestra em Niterói em 3 de junho.

— Nos últimos anos, sobretudo a partir das leituras de Didi-Huberman e Giorgio Agamben, há um grande interesse

pela obra de Warburg no Brasil, particularmente em campos como a estética, os estudos da imagem e na própria

História da Arte, uma arena na qual ele ainda era muito ignorado — diz Capistrano, que acredita que a primeira

edição brasileira de “A renovação da Antiguidade pagã” será “uma fonte direta aos interessados em um autor hoje

muito comentado e ainda pouco lido”.

Leia mais: A programação dos eventos em torno de Warburg no Rio

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Em mais de 700 páginas, “A renovação da Antiguidade pagã” reúne ensaios e conferências onde Warburg

desenvolve a preocupação central de sua obra, que descreveu como “a vida póstuma das formas antigas”. Em

alguns textos, identifica no trabalho de artistas do Renascimento, como Botticelli e Dürer, a irrupção de motivos da

Antiguidade. Em outros, discute desde a influência da corte de Medici sobre a arte de Florença a indícios de

profecias pagãs e da astrologia na Europa renascentista.

Didi-Huberman: Warburg "desorienta a História"

O olhar que Warburg lançava ao passado pode ser aplicado ao mundo contemporâneo, defende Georges Didi-

Huberman. Para o autor de “A imagem sobrevivente", a obra do alemão deve ser lida hoje sobretudo por sua

capacidade de “desorientar a História”:

— A visão que Warburg tem da História é mais nuançada e sutil, mas também mais violenta e conflituosa, do que

uma simples linha evolutiva. Um historiador que pensa só em termos de “evolução”, ao dizer por exemplo que o

Renascimento é um “progresso” em relação à Idade Média, é um pensador limitado, idealista e simplificador — diz

Didi-Huberman, que teve mais títulos lançados no Brasil recentemente, como “Imagens apesar de tudo” (Projeto

Ymago), “Cascas” (incluído na revista “serrote” nº 13), “Sobrevivência dos vaga-lumes” (Editora UFMG) e “O que

vemos, o que nos olha” (Editora 34, que lança em breve “Diante da imagem”).

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Ele foi

curador da exposição “Atlas”, realizada em 2010 no Museu Reina Sofía, em Madri. Guiada pelo método associativo

do “Atlas Mnemosyne”, a mostra reunia cerca de 400 obras de autores distintos como Goya, Malévitch, Brecht, Le

Corbusier, Duchamp, Chris Marker, Georges Bataille e Beckett. “Atlas, suíte” traz ao MAR um ensaio do fotógrafo

austríaco Arno Gisinger feito a partir daquela exposição. Ambas trabalham com “o pensamento teórico —

epistemológico, estético, antropológico, político — da imagem” delineado por Warburg, diz Didi-Huberman:

— Ele compreendeu, assim como (o cineasta russo Sergei) Eisenstein na mesma época, que uma imagem é

sempre resultado de uma montagem de espaços e tempos heterogêneos — diz o historiador, que fará no Rio

conferências sobre Pasolini e Malraux.

Curador da coleção de filmes no Museu Nacional de Arte Moderna do Centro Georges Pompidou, em Paris,

Philippe-Alain Michaud discute esse conceito de “montagem” em “Aby Warburg e a imagem em movimento”. Além

de Eisenstein, compara Warburg a Walter Benjamin, outro pensador da época que refletiu sobre o impacto das

técnicas de reprodução na arte. No “Atlas”, enxerga o uso inventivo da reprodução fotográfica, em tempos de

ascensão do cinema, para criar “encadeamentos de sequências, não em sucessão temporal, mas na simultaneidade

do plano”.

Pesquisa entre os índios

Michaud analisa no livro uma passagem decisiva da vida de Warburg. Em 1895, aos 29 anos, o historiador fez uma

viagem a territórios dos índios Pueblo nos estados norte-americanos de Arizona e Novo México. Suas anotações

indicam que buscava novos rumos para as pesquisas: “Eu estava sinceramente farto da história estetizante da arte”,

escreveu, criticando os “falatórios estéreis” produzidos pela mera “contemplação formal da imagem”. Nos rituais

indígenas, viu-se diante de uma demonstração vibrante da sobrevivência de elementos “pagãos” como os que

buscava nas obras do Renascimento.

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De volta a

Hamburgo, continuou a alimentar sua biblioteca, impulsionado pela ideia de que suas pesquisas deviam “funcionar

como um sismógrafo da alma na linha divisória entre as culturas”. Primogênito de uma tradicional família de

banqueiros alemães, ele havia abdicado da herança aos 13 anos, sob uma condição: seu irmão mais novo poderia

assumir o banco desde que fornecesse a Warburg todos os livros que desejasse até o fim da vida. Em 1911, já tinha

15 mil volumes.

Durante a Primeira Guerra Mundial, colocou a biblioteca a serviço da documentação do conflito. Chegou a reunir em

um ano 25 mil recortes da imprensa alemã e estrangeira. Um colapso nervoso ao fim da guerra levou-o a se internar

em um sanatório na Suíça. Retomou os trabalhos em 1924 e, dois anos depois, inaugurou um grande edifício para

abrigar seu acervo, que já chegava a 46 mil volumes. Nascia a Biblioteca Warburg de Ciência da Cultura.

Para Michaud, a constituição desse arquivo foi a grande atividade intelectual do autor, mais até do que outras

formas tradicionais de transmissão do saber, como publicação e ensino:

— Com Warburg, a biblioteca é concebida não só como lugar de conhecimento, mas como cenário no qual se

desenrolam os fenômenos que ele investigava no campo da História da Arte.

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Depois de

sua morte, em 1929, o círculo de pesquisadores que havia se formado em torno de Warburg organizou a edição dos

textos publicados em vida por ele, lançada em 1932. No ano seguinte, diante do avanço nazista na Alemanha, a

biblioteca (já com 60 mil obras) foi transferida para Londres, onde serviu de base para a criação do Instituto

Warburg, que nas últimas décadas recebeu gerações de pensadores como Ernst Gombrich, Erwin Panofsky, Carlo

Ginzburg e Giorgio Agamben. Hoje integrado à Universidade de Londres, o instituto tem uma biblioteca de mais de

300 mil títulos, onde permanece em vigor a “lei da boa vizinhança”: seus quatro andares correspondem a seções

batizadas apenas como Imagem, Palavra, Orientação e Ação.

Retórica visual

Os livros se foram de Hamburgo, mas a cidade abriga até hoje a Casa Warburg, centro de estudos dedicado a,

entre outras atividades, coordenar a edição das obras completas do autor em alemão. Diretor da instituição e um

dos responsáveis pelas publicações, o historiador Uwe Fleckner vem ao Brasil em junho para o evento Coleções

Literárias, na UFSC, e para a conferência no Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói, na qual falará sobre

a “retórica visual” de Warburg.

Fleckner cita como exemplo desse método o último livro editado pela Casa, em 2012, dedicado às séries

fotográficas e exposições preparadas pelo autor ao longo da vida. Nas conferências, Warburg costumava falar

diante de painéis semelhantes aos do “Atlas”, preparados especialmente para a ocasião. Os textos dessas

apresentações, muitas vezes improvisadas, se perderam, mas restaram as fotos dos painéis.

Parte importante do trabalho editorial de Fleckner foi interpretar essas composições. Nelas, vê o trabalho de um

pensador que recusava distinções entre obras de arte e imagens do cotidiano, entre História e “atualidade”, entre

arte ocidental e “não ocidental”.

— Warburg oferece um modelo para repensarmos nossos métodos. Não devemos transformar sua obra em

monumento. Podemos pensar nele como um contemporâneo, um colega com quem continuamos a trabalhar.

http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/05/18/a-arte-de-warburg-497082.asp