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APRESENTAÇÃO
Esta obra é fruto de pesquisa iniciado no segundo semestre de 1999,
atendendo a um chamado de então Prefeito Municipal de Castelo, Paulo Lombra
Galvão, que sentia a necessidade de resgatar a história do município de Castelo.
Os trabalhos de pesquisasse estenderam até o primeiro semestre de 2002,
quando atual administração, com o Prefeito Municipal, Abílio Corrêa de Lima, e sua
equipe, imbuídos do mesmo propósito de resgatar nossa história, deu continuidade
ao projeto já iniciado.
Nossa pesquisa abrange um longo espaço de tempo, que vai da pré-história
ao início do Século XX. E, ainda temos a pretensão de darmos continuidade e
chegar aos dias de hoje. Nesta segunda futura fase, poderemos contar com alguns
elementos que foram pouco ou nada utilizados na fase atual, como as entrevistas
realizadas com pessoas que vivenciaram o que analisaremos, além de uma maior
número de documentos históricos.
Mas, é importante lembrar, que a falta desses documentos não
comprometeram o resultado do presente trabalho, pois assuntos importantíssimos
foram abordados através de muito esforço, dedicação e seriedade.
Este trabalho vem preencher uma lacuna, até então latente em nosso
município, que era a falta de informações sobre nossa história. não estamos, no
entanto, desmerecendo tudo que já foi escrito anteriormente sobre o tema. O que
queremos expressar a respeito do nosso estudo, é a facilidade de se encontrar, em
um só livro e deforma cronológica, a história de Castelo, de sua pré-história até o
início do século XX.
A história é uma ciência que objetiva estudar o passado, posi através de
fundamentos do passado, é que podemos compreender o presente, que é nossa
maior preocupação. A compreensão sustentada em fundamentos históricos e de
maneira holística, proporciona um conhecimento alargado e bastante consistente.
Somente levantando fatos sobre a história de Castelo é que teremos
condições de analisarmos nossas problemáticas, para tentar solucioná-las.
O que será visto a seguir é o resultado de algumas viagens e de horas de
pesquisa grampando informações e formulando conceitos que possam ajudá-lo,
nosso caro leitor, a conhecer um pouco da história de nosso município.
Esperamos que gostem de nosso trabalho. E, no mais, só podemos desejar
uma boa leitura a todos.
Os autores
PREFÁCIO
Ao Receber a “boneca” do livro de André Dell’Orto Casagrande e Maria
Helena Mion Barbieiro, sobre a história de Castelo, com o pedido de fazer o prefácio,
desanimei. Apesar de conhecer a inteligência de André e de Maria Helena, pensei
que iria enfrentar mais uma História contando onde o Imperador fez xixi, onde o
cavalo do marquês empacou ou a rua onde a duquesa quebrou o salto do sapato.
Para minha surprese – agradável surpresa – enfrento um livro diferente e novo, bem
pesquisado e bem escrito, em estilo simples e moderno, uma agradável surpresa –
repito – brotada e florescente na cidade de Castelo.
O pior é que eu não sei fazer prefácio, sei, e muito pelas pontas, fazer uns
poemas, uns romances e trechos da Histórias da minha cidade, Campos dos
Goytacazes, mas prefácio a coisa muda.
Pois bem, os dois jovens historiadores começam pelo começo, como se diz,
trazendo a História da bela cidade de Castelo, no Espírito Santo, mostrando como
os europeus chegaram ao Brasil, como alcançaram o interior capixaba, como
descobriram florestas, rios, bichos, soldados, riquezas minerais, montanhas ouriças
e colonizadores terríveis, que escravizaram índios e mataram de fome e chicote os
escravos negros. Tudo isso contaram os dois moços, num estilo simples e bonito,
enxuto, de tal forma que se chega ao final do livro rapidamente e com pena,
querendo ler mais sobre Castelo.
Osório Peixoto Silva
André e Maria Helena pesquisaram antigas igrejas, visitaram sítios históricos,
levaram velhos livros, andaram por toda a parte em busca de dados da História de
Castelo e aí está este livro lindo, cheio de fatos, documentos e lances que
atravessarão os tempos e permanecerão mostrando os primórdios de Castelo.
Graça Maria Moreira
I – O PRIMEIROS HABITANTES DE NOSSA TERRA
1.1 – Pré-história em CasteloDe acordo com as pesquisas arqueológicas mais recentes, já sabemos que o
mais antigo homem da América viveu em solo brasileiro há cerca de 60 mil anos,
nas cavernas, onde hoje se encontra o Parque Nacional da Capivara, no Piauí,
administrado por órgãos como o Ibama e a Fundham (Fundação do Homem
Americano). Foi possível a comprovação de sua idade através do carbono 14.
Haviam encontrado no sul do continente inúmeros artefatos de pedra, de
ossos, pedaços de cristais de quartzo e de conchas, que datavam de mais de 8.000
mil anos a.C. em várias regiões como Minas Gerais e no Piauí.
Quanto mais a pesquisa se intensificava, mais remoto no tempo os achados
surgem.
No Espírito Sando, as pesquisas arqueológicas são liberadas pelo Museu
Histórico Nacional e pela Universidade Federal do Espírito Santo e muito já se
conseguiu detectar sobre a presença de grupos pré-históricos como os mais antigos,
que datam de 7,5 mil anos atrás, na região de Gironda, através de artefatos e
fósseis encontrados ao longo do Rio Fruteiras em Cachoeiro de Itapemirim.
O ambiente em que esses homens pré-históricos viviam era bastante hostil,
clima frio, vegetação rasteira, era o Período Terciário, 35 milhões a 7 mil anos a.C.,
tinham que disputar com animais gigantes que também buscavam sua
sobrevivência, como as preguiças que chegavam até a 6 metros.
Se compararmos ao primitivo, vemos uma desproporção muito grande. Esses
grupos humanos aqui encontrados apresentavam a altura entre 1,65 e 1,70 metros,
crânio arredondado e pouco pelo no corpo, andava nu e vivia da caça, da pesca e
da coleta de frutos, raízes, o que lhe dava a condição de nômade. Viviam em grupos
de mais ou menos 60 pessoas, não havia propriedade privada, sendo uma
sociedade igualitária. Usavam como instrumento de trabalho a pedra lascada e
depois polida, além de osso que também ajudava na manutenção da sua
sobrevivência. Eram hábeis caçadores e não desenvolviam nenhuma cultura a não
ser a língua em comum, provavelmente de origem asiática.
E é essas mesmas características e condições que viveram vários grupos
pré-históricos no sul do Espírito Santo.
Aqui encontramos 2 formações geológicas, o complexo cristalino terciário que
forma o Forno Grande e toda a Serra Geral Brasileira e na região de Castelo e
Cachoeiro aparece a formação de afloramento calcário onde se encontram várias
grutas que serviam de habitações pré-históricas a grupos que aqui viveram.
Grande parte dessa história, em Castelo, tem como ponto de referência as
pesquisas científicas arqueológicas do professor Celso Perota, uma das maiores
autoridades em cultura indígena, que vêm desde muitos anos num trabalho
incansável de busca por fósseis e vestígios de passagem desses grupos humanos
no Espírito Santo e em especial, em Castelo.
O professor Celso Perota esteve em Castelo, em 1969 e com suas
observações e pesquisas, encontrou na Gruta do Limoeiro indícios as presença
desses grupos. Ali começou os primeiros trabalhos pela descoberta de vestígios e
fósseis. Em 1979 foram feitas escavações arqueológicas na área da entrada da
gruta sendo recolhidos uma série de elementos arqueológicos, como, pontas de
flechas, colares e a mais ou menos 60 a 80 cm do solo, oito sepultamentos em
posição fletida, tradição indígena comum nos sepultamentos, posição fetal, o
indivíduo enterrado era colocado na mesma posição que o feto no ventre da mãe.
Outra característica interessante e bastante peculiar dos índios da gruta do Limoeiro
é a utilização de ocre vermelho sobre o cadáver.
Através da radiometria obtida pelo carbono 14, comprovou-se que se tratava
de fósseis de 4,5 mil anos a.C.. Esses fósseis têm traços idênticos aos encontrados
em Gironda, de 7,5 mil anos a.C.. Encontra-se na entrada da gruta também, pedras
que apresentam áreas polidas, utilizadas ao longo do tempo pelos habitantes do
local para alisamento de instrumentos utilizados por esses grupos, como machados,
pontas de flechas e lanças.
Esses mesmos grupos que habitavam boa parte do sul do Estado, há
milênios, são os que antecedem geneticamente os índios puris-coroados que se
encontravam notadamente no Vale do Itapemirim e na região montanhosa dos
municípios de Castelo, Conceição de Castelo, Muniz Freire, Iúna, Alegre, Guaçuí e
toda a Serra do Caparaó.
Além da Gruta do Limoeiro, o professor Celso Perota também desenvolveu
escavações na Comunidade de Estrela do Norte, em Castelo, uma região de vales
com abundância no passado de peixes e animais para caça, local de uma antiga
aldeia de puris-coroados que datam de mais ou menos 1200, 300 anos antes da
chegada dos portugueses ao Brasil.
Neste vale encontrou-se e ainda é possível encontrar cacos de cerâmica, que
era a tecnologia básica desses povos, utilizadas para guardar alimentos e água,
recipientes dos mais diversos tipos. Quando houve a construção da Igreja local é
que veio à tona toda essa riqueza arqueológicas, que além de restos de cerâmica,
também, colares de dentes de animais, como o de onça, troféu do caçador que
havia abatido aquela onça, como também algumas pontas de flechas danificadas
pelo uso, outras não, encontravam-se ainda intactas.
Outro local de pesquisas arqueológicas em Castelo, que também serviu da
habitação de tribos puris-coroadas, a mais de 1.000 anos atrás, foi no Vale da
Sombra da Tarde, nome bastante sugestivo, dado em função da presença de uma
grande pedra que se torna obstáculo à luz do sol, no vale, a partir das duas horas da
tarde. Próximo à pedra, na encosta da montanha, os puris-coroados fizeram os
enterramentos de seus mortos.
Como na Gruta do Limoeiro, neste vale também, os cadáveres eram
enterrados na posição fletida, sendo que nestes foram encontrados junto ao corpo
destes indivíduos, alguns pertences como machado de pedra polida, conchas que
serviriam para a alimentação do morto, principalmente os estropoqueiros, uma
lesma terrestre bastante apreciada pelos nativos.
Os puris-coroados foram os habitantes que os padres jesuítas encontraram
em suas incursões no interior da Capitania do Espírito Santo e que os aldearam em
missões tanto com fins religiosos quanto, posteriormente para o trabalho de
mineração.
Todos esses achados arqueológicos se encontram em local apropriado que
em Castelo se organize um espaço adequado para que eles possam voltar e serem
utilizados para o estudo e o turismo na região.
foto
II – CONTEXTO EUROPEU À ÉPOCA DAS GRANDES DESOBERTAS
Para se entender a presença dos europeus na América, dos portugueses,
mais especificamente, no Brasil, é necessário entender o ambiente em que os
europeus viviam na época das grades navegações.
Os séculos XIV e XV foram marcados por profundas crises, principalmente
econômicas, o que levará os europeus à necessidade de encontrar caminhos para a
superação de seus problemas. Encontrar novas terras de onde pudessem extrair
metais preciosos, tão necessários ao mercantilismo que vigorava na época para o
fortalecimento político e econômico das recém-criadas monarquias europeias, era
uma forma de se resolver a situação vigente, além de ser também a saída para fugir
da concorrência e do protecionismo que mito dificultavam o comércio entre países
europeus. Todos queriam suas balanças comerciais favoráveis. Por isso, evitar a
saída de matéria-prima e a exportação de produtos já manufaturados era o lema da
época.
Como então resolver este impasse? Obviamente impondo o Pacto Colonial e
o monopólio comercia. Assim, a colônia seria responsável pela complementação da
economia da metrópole. Mas o que produzir nessas colônias? Matéria-prima,
produtos tropicais, mercadorias de alto valor econômico no mercado europeu?
E foi nesse ambiente que partiram as caravelas portuguesas em 1500,
compondo a maior frota jamais vista na época. O objetivo dessa expedição não era
somente confirmar a existência de novas terras, mas também tomas posse das
mesmas que já haviam sido determinadas a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas,
em 1494, porém, um projeto para ser desenvolvido somente após a descoberta do
caminho para as Índias Orientais, o que ocorreu em 1498 com Vasco da Gama.
Agora bastava a Portugal somente vir tomar posse de sua terra.
Chegar ao Brasil não significou colonizá-lo. Ser uma colônia era obedecer a
objetivos bem definidos: ser uma fonte geradora de lucros e ser uma fonte de
complementos à economia da metrópole. E o tínhamos nesse momento para suprir
esses objetivos? Nada, pois pau-brasil era muito pouco, tanto que foi arrendado a
Fernando de Noronha.
O monopólio do comércio com as Índias Orientais era um negócio muito mais
rentável, e desviar nesse momento não seria inteligente.
E assim ficamos: Brasil a ver portugueses que iam e vinham carregando
caravelas e mais caravelas da madeira tintória. E lá se foram basicamente trinta
anos da nossa história, período conhecido como Pré-Colonial.
Na terceira década do século XVI, Portugal sentiu necessidade de vir
colonizar sua terrinha. No aspecto político, para garantir sua posse sobre a terra, e
no aspecto econômico, as Índias já não representavam o que já haviam
representado um dia para os portugueses. Mas, surge aí um impasse, pois colonizar
requer que a colônia seja fonte de lucros, o que levou então os portugueses a
introduzirem aqui um produto alheio à nossa terra até então: a cana-de-açúcar,
produto valiosíssimo no comércio europeu. O sistema de Plantation (monocultura,
latifúndio, mão-de-obra escrava) seria implantado para maximizar os lucro. Isso tudo
para ser comercializado no mercado europeu, gerando muitas divisas aos
portugueses.
O Espírito Santo viveu de perto essa história com a montagem de vários
engenhos, claro que não tão rentáveis quando os de Pernambuco, “menina dos
olhos de Portugal”, nessa época.
No século XVI, habitado pelas tribos puris-coroados, Castelo, que é o objetivo
de nossa pesquisa, ficou alheio ao que acontecia no litoral.
“De fato, a colonização por meio da
agricultura tropical, como a inauguração
pioneiramente os portugueses, aparece
como a solução através da qual se tornou
possível valorizar economicamente as
terras descobertas, e dessa forma
garantir-lhes a posse (pelo povoamento).”NOVAIS, F. O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema
Colonial. In.: MOTTA, I. O., 1969, p.48.
Mas nosso Castelo entra em cena no século XVII, quando os padres jesuítas
aqui estiveram e fundaram as missões. Mas, por que não no litoral como as outras;
Reritiba, por exemplo?
É para esta e para tantas outras perguntas que começaremos a traçar
algumas respostas, remontando assim a história de nossa cidade.
III- DISCUTINDO O INÍCIO DO POVOAMENTO EM CASTELO
O nome de Castelo está associado a poder, luxo e riqueza, e foi justamente
em busca da riqueza mineral que se iniciou o povoamento da região do Castelo. Foi
a sede do ouro, que movia toda a Europa Mercantilista, que fez surdir o povoamento
de Montes Castello, no início do século XVII, por volta de 1625. Nunca é demais
lembrar a importância do ouro do período do Mercantilismo, pois era a partir dele
que se media a riqueza das nações. Sendo assim, todo o processo de colonização
tinha como objetivo principal a obtenção de ouro e prata para o enriquecimento das
metrópoles. E foi justamente a partir deste necessidade que Castelo surge no
cenário do mundo colonial.
Partindo da premissa de que a busca pelo metal precioso levou à formação
do povoamento de Castelo, cabe-nos então esclarecer o início desse processo de
exploração. As poucas pessoas que se preocuparam com esse assunto não são
unânimes em determinar o início dos trabalhos de garimpagem no rio Castelo e em
seus afluentes. Sintetizemos, pois, as duas versões existentes a respeito deste
assunto: a de Alberto Lamego, endossada por Tristão de Alencar Araripe, e a do
Major Gomes Neto, que se ocuparam do início dos trabalhos nas minas do Castello.
Segundo Tristão de Alencar Araripe, um dos pioneiros pesquisadores da
história de Castelo, Pedro Bueno Cacunda partiu de Taubaté em 1705 em busca de
ouro no interior de Minas Gerais, provavelmente em Ouro Preto e Mariana. Daí vai
para os sertões de Cataguases, onde fica sabendo da existência de ouro mais
próximo da costa. De posse dessa informação, ele desce e o rio Doce e chega ao
interior do Espírito Santo, onde se encontra com Domingos Luiz Cabral que afirma
existir cascalho de ouro abundante no rio Manhuaçu. Encorajado por essas notícias,
Pedro Bueno Cacunda se desloca para a região das serras do Castello, onde
encontra ouro nos ribeirões, iniciando assim o povoamento no lugar. Dessa forma,
Araripe acreditava que o início dos trabalhos de mineração e o consequente
povoamento de Castelo tiveram início no século XVIII, ou seja, a partir de 1705.
Em sua obra “A Terra Goytacá”, o renomado pesquisador da história de
Campos, Alberto Lamego, afirma que:
“Nada mais precisamos adiantar para
provar que Pedro Bueno Cacunda foi o
descobridor das minas do Castello e
fundador dos primeiros arraiais ali
formados com os habitantes de Minas e
Bahia”.LAMEGO, Alberto. “A Terra Goytacá”. Livro 2, p.302.
Nesta mesma obra, o escritor campista rechaça de forma contundente a
hipótese de Gomes Neto, professor do Aldeamento Imperial Afonsino de 1848 a
1852, a respeito do início do povoamento das minas do Castello. E para nos mostrar
que os trabalhos de mineração e povoamento das minas do Castello foram mesmo
iniciadas por Bueno Cacunda, Lamego cita os roteiros de viagem e requerimento
enviados à Coroa por Cacunda, e que também foram apreciados pelo Conselho
Ultra-Marino. Lamego baseia-se também nas cartas dos Governadores da Bahia,
Ouvidor Geral do Rio de Janeiro e Espírito Santo, da Câmara de São Salvador, além
das informações da Casa da Moeda e, por último, nos decretos expedidos sobre o
assunto.
Gomes Neto não compartilha da hipótese defendida por Lamego e Araripe, e
afirma que os trabalhos de mineração e povoamento da região das minas do
Castello são bem anteriores à chegada de Pedro Bueno Cacunda. Segundo Gomes
Neto, os referidos trabalhos foram iniciados pelos jesuítas ainda no século XVI. Tal
historiador afirma que:
“O descobrimento de ouro na região de
Castelo foi pouco posterior a 1551, data
em que os jesuítas se estabeleceram na
região de Reritiba, hoje Anchieta. Foram
esses missionários, auxiliados pelos fiéis
e pelos índios, que lavraram com
intensidade e quase clandestinamente as
minas da Barra do Castelo, do Caxixe, do
Ribeirão e do Arraial Velho, até que os
índios Aimorés, desavendo-se com os
padres e colonos, obrigaram-nos a se
retirar do seu território.”
Tirado de um artigo: “A Colonização do Município de
Castelo” de Tristão de Alencar Araripe, Revista Cultural
– UFES, Vitória, 1(2); 32-47, 1979.
Outra hipótese que se encontra no Dicionário Geográfico do Espírito Santo é
a de que os trabalhos de mineração iniciaram em 1723, em um afluente norte do rio
Itapemirim, chamado Castelo. Mas, vários documentos constatam a presença de
Pedro Bueno Cacunda bem ates disso na região das minas do Castello.
Essa polêmica histórica entre Lamego e Araripe contra Gomes Neto sobre o
início do trabalho de mineração e povoamento das minas do Castelo e a provável
mineração realizada pelos jesuítas (Inacianos) tem como pano de fundo o
julgamento histórico do papel desempenhado pelos jesuítas no Espírito Santo. Goes
Neto busca criticar esse trabalho afirmando que eles se desviaram de sua função de
catequizar os indígenas para enriquecer, explorando ouro e trabalho escravo dos
índios. Por outro lado, Lamego e Araripe buscam enaltecer este mesmo trabalho,
afirmando que os jesuítas nunca exploraram ouro nas minas do Castelo, e ao
contrário, foi através das mãos destes pioneiros (os jesuítas), principalemente
Anchieta, que os gentios e a capitania do Espírito Santo tiveram contato co a luz da
civilização.
Não acreditamos em trabalhos neutros, ou seja, quando alguém se propõe a
escrever alguma coisa, fatalmente estará inclinado à defesa ou à condenação de
uma ideia. Não queremos aqui ressuscitar a polêmica entre os prós e os contras
jesuítas, mas sim, escrever a história do munícipio de Castelo. A respeito do
trabalho dos jesuítas no Espírito Santo, veja algumas palavras do Padre Anchieta,
contidas no livro “O Povo Brasileiro” do antropólogo Darci Ribeiro, onde o jesuíta
louva o que considera heroicos feitos do bravo Governador Mem de Sá, frente aos
índios.
“Quem poderá contar os gestos heroicos
do chefe à frente dos soldados, na imensa
mata: cento e sessenta as aldeias
incendiadas, mil casas arruinadas pela
chama devoradora, assolado os campos,
com suas riquezas, passado tudo ao fio
da espada.”
RIBEIRO, Darci. “O Povo Brasileiro”, p.50.
Como vivos, os jesuítas pareciam estar imbuídos de um espírito militar para
realizarem seus trabalhos aqui nos tópicos. Desta forma, ficamos à vontade, sem
correr o risco de manchar a história dos jesuítas no Espírito Santo, para elaborar a
hipótese que mais se aproxima da verdade (já que a falta de documentos
dificilmente nos possibilitará a construção de uma verdade sólida e inquestionável) a
respeito do início dos trabalhos e povoamento das minas do Castelo.
Iniciamos nossa definição negando a afirmação de Tristão de Alencar Araripe,
pois não foi Pedro Bueno Cacunda o pioneiro no povoamento da região das minas
de Castelo. Quem iniciou este povoamento foram os jesuítas, que em 1625
construíram uma igreja dedicada à Nossa Senhora do Amparo, na localidade
denominada Montes Castello. Esta igreja, em 1710, foi elevada à categoria de
Paróquia. Neste período, o Vale do Itapemirim, que posteriormente se tornou o pólo
de concentração populacional do Sul do Estado, ainda não tinha uma paróquia. A
Igreja dos Montes Castello foi construída posteriormente a de Orobó, dedicada à
Nossa Senhora do Bom Sucesso, que é de 1580, e a de Muribeca, que é de 1581 e
dedicada à Nossa Senhora das Neves. É importante lembrar que ambas foram
construídas por Anchieta.
Todas essas informações constam no livro Tombo de Itapemirim, que se
encontra na Matriz Nossa Senhora do Amparo. Por falta de documento, Araripe se
equivocou ao afirmar que o início do povoamento foi com Pedro Bueno Cacunda,
pois quando este aqui chegou, os jesuítas provavelmente ainda se encontravam
estabelecidos. Já Alberto Lamego faz menção em seu livro, sem citar data, de uma
população cristã distribuídas em quatro arraiais na região do Castelo, mas
posteriormente, nesta mesma obra, afirma que foi Pedro Bueno o primeiro a explorar
as minas do Castelo e também a formar os primeiros povoados. Desta forma, ele cai
no erro assim como Araripe, já que as missões jesuíticas dos Montes do Castello,
em 1625, contavam com cerca de 3.000 habitantes, uma população considerável
para a época.
Descartamos, através de documentos a que tivemos acesso, a hipótese de
povoação da região do Castelo defendida por Alberto Lamego e Tristão de Alencar
Araripe. Agora partiremos para a questão mais polêmica, que diz respeito ao início
dos trabalhos de mineração.
Gomes Neto defende a ideia de que o descobrimento e a consequente
exploração do ouro, realizados pelos jesuítas, foi pouco posterior a 1551, e até a
presente data, não temos documento para provar tal afirmação, e dificilmente
teremos, o que nos faz buscar a proximidade da verdade histórica através de
indícios.
A busca pelo ouro foi o motor de todo o início da colonização europeias.
Sendo assim, é bem provável que aqui chegando, os jesuítas procurassem
informações com os índios a respeito da existência do cobiçado e precioso metal. E
este, por não darem o mesmo valor a tal metal, provavelmente, os conduziram até
ele. Ou será que foi uma simples coincidência os jesuítas terem fundado uma
importante missão, com cerca de 3.000 indígenas bem na região das minas do
Castelo, sem saber da existência do ouro que havia ali? Temos duas hipóteses para
acreditar: a primeira é a coincidência das ladeias da missão serem justamente no
local de existência posterior de ouro. A segunda é a de que os jesuítas realmente
exploraram o outro na região das minas de Castelo. Fica aqui, então, um desafio
para futuras pesquisas sobre o tema.
São fortes os indícios de que realmente os jesuítas exploraram o precioso
metal por aqui. Podemos enumerar alguns motivos para justificar tal afirmação.
Antes da presença do europeu, os índios eram os senhores de toda região; eles
tinham um profundo conhecimento da mesma, amparados em milhares de anos de
sua história. Esse conhecimento se estendia aos minerais e aos locais de sua
existência. Sendo os jesuítas possuidores de uma relação mais próxima com os
índios, as chances deles em relação aos Bandeirantes Paulistas de descobrirem
ouro em Castelo foram muito maiores. Outro fator que contribui para fortalecer os
indícios de que realmente os jesuítas exploraram ouro aqui, foram os motivos que
trouxeram Pedro Bueno Cacunda até a região das minas do Castelo. Alberto
Lamego fala sobre uma conversa de Bueno com Domingos Luiz Cabral que motivou
o Bandeirante Paulista, pois se tratava de existência de ouro no rio Mayguassú (hoje
Manhuaçu). Motivado por Cabral, Pedro Bueno iniciou uma viagem que termina nas
serras do Castelo. Essa informações são um tanto quanto vagas, o que abre espaço
para os indícios de que Pedro Bueno já sabia da existência das minas. Se já
circulava a notícia a ponto dos Bandeirantes ficarem sabendo, é porque já existia
mineração. Logo, esta era executada pelos jesuítas, ou a mando dos mesmos, visto
que eram eles que controlavam a região.
Se houve mineração por parte dos jesuítas, esta, com certeza, foi de caráter
clandestino, pois não era esse o motivo oficial da presença deles no novo mundo.
Os jesuítas atravessaram o Atlântico para salvar, catequizar almas para o Senhor
Jesus Cristo através da conversão dos infiéis indígenas, e não para garimpar
riquezas mundanas. O provável desvio de função dos jesuítas foi clandestino, logo
se torna uma tarefa inútil buscar documentos que provem tal ação. Outra razão da
clandestinidade era evitar uma corrida nas regiões das minas, motivada pela cobiça
dos aventureiros. O poder dos jesuítas neste período era muito grande, podendo a
Ordem ser considerada um Estado dentro do próprio Estado. E, com tanto poder, os
Inacianos não iriam querer entregar nem o Estado, nem a aventureiros, as riquezas
que porventura descobrissem.
Em 1734, Pedro Bueno envia uma carta ao Rei pedindo auxílio em seus
trabalhos de mineração no Castelo. O Rei atende ao pedido ordenando que o Vice-
Rei, Conde de Sabugosa, o ajudasse. Mas este, a pedido dos jesuítas, não cumpriu
as ordens reais, frustrando assim, as aspirações do Bandeirante Paulista. Esta
intervenção pode claramente ser interpretada como uma vingança dos jesuítas por
terem perdido o domínio sobre as minas do Castelo.
Não é possível darmos definições totalmente precisas a respeito do assunto,
mas mesmo assim, buscaremos sintetizar o que defendemos. Existem provas
documentais (Livro Tombo da Paróquia de Itapemirim) de que o início do
povoamento na região das serras do Castelo foi o começo do século XVII. Este
povoamento pode ter sido iniciado antes, já que em 1625, as Missões de Montes
Castello já contavam, inclusive com igreja. Existem fortes indícios de que os
trabalhos de mineração tenham iniciado ao mesmo tempo do povoamento. Devido
às fortes evidências, passaremos a considerar, de agora em diante, que realmente
houve exploração de ouro por parte dos jesuítas na região das minas do Castelo.
IV – OS GRUPOS HUMANOS QUE FIZERAM A NOSSA HISTÓRIA
4.1 – Por que os índios brigavam?A exploração do ouro nas serras do Castelo nunca foi uma atividade pacífica
e tranquila. Inúmeras lutas foram travadas entre europeus e índios, onde os últimos
quase sempre levaram vantagem. Esta afirmação torna a história de Castelo um
tanto quanto atípica, pois o que aconteceu em grande parte do Brasil foi justamente
o contrário, ou seja, os índios foram amplamente dominados pelos portugueses,
tiveram sua cultura destruídas, além de terem sido usados como escravos por eles.
É bem verdade que esta supremacia foi efêmera, pois não tardou a extinção dos
puris-coroados em nossa região. Contudo, não podemos deixar de registrar as
históricas vitórias dos puris-coroados contra invasores de suas terras que buscavam
delas tão somente a exploração das riquezas. Não foram poucas as vezes que os
exploradores de ouro tiveram que voltar para o litoral devido ao ataque dos índios.
Porém, o mais contundente se deu em 1765 quando os habitantes fugiram com
todos os paramentos da Igreja de Nossa Senhora do Amparo. O sino, a pia e a
própria imagem de Nossa Senhora que foram levados durante a fuga, acreditamos
que se encontram, ainda hoje, na paróquia de Itapemirim.
Ao dedicarmos uma parte de nossos estudos ao índio na história de Castelo,
enfrentamos uma certa dificuldades, pois tudo que encontramos sobre o tema é a
versão do vitorioso, do conquistador, mas faremos o possível para resgatar a
imagem do índio na história de Castelo de forma mais justa. Nossa história não
começa quando os primeiros jesuítas aqui chegaram para fundaram suas missões
nas serras do Castelo, mas sim milhares de anos antes, quando os primeiros índios
por aqui começaram a circular e a viver livremente. Desta forma é muito mais que
natural e compreensível a ação agressiva dos índios contra os portugueses, pois
estavam a defender milhares de anos de histórias vividas nesta região.
É bem provável que os brancos tenham chegado às minas do Castelo
trazidos pelos próprios índios, pois os milhares de anos aqui vividos lhes
proporcionaram um inigualável conhecimento da região, sabendo inclusive onde se
encontrava o ouro, o que não podiam imaginar os aborígenos, e o que
desencadearia a presença do branco em seu meio, ameaçando inclusive a sua
própria sobrevivência, ameaça essa que se confirmou posteriormente. Mais do que
uma batalha por pequenos pedaços de terra, ou pequenos desentendimentos entre
índios e europeus por motivos fúteis, a luta entre ambos representava a disputa
entre dois mundos completamente opostos que não poderiam coexistir
fraternalmente, pois um sucumbiria, e outro resistiria. Sendo assim, prevaleceu o
europeu, e consequentemente o indígena sucumbiu. É justamente nestes dois
mundos antagônicos que iremos mergulhar a partir de agora.
O que os índios achavam dos brancos? O que os brancos achavam dos
índios? É em busca destas respostas que nos remeteremos aos opostos mundos
que fazem parte da história de Castelo. Não dispomos de muito material específico
sobre o assunto, então nos basearemos em fontes mais genéricas, mas estaremos
nos esforçando para que partindo do geral, possamos atingir o específico.
Mergulhemos no universo do índio:
“Para os índios que ali estavam nus na
praia, o mundo era um luxo de se viver,
tão rico de aves, de peixes, de raízes, de
frutas, de fibras, de sementes, que podia
dar a alegria de caçar, de pescar, de
plantar e colher a quanta gente aqui
viesse ter na sua concepção sábia e
singela, a vida era dádiva de deuses
bons, que lhes doaram esplêndidos
corpos, bons de andar, de correr, de
nadar, de dançar, de lutar... bocas
magníficas de degustar comidas doces e
amargo, salgados e azedos, tirando de
cada qual o gozo que podia dar. E,
sobretudo, sexos opostos e
complementares, feitos para a alegria e o
amor”.RIBEIRO, Darci. “O Povo Brasileiro”, os.44/45.
Ninguém melhor do que Darci Ribeiro para falar a respeito do índio brasileiro,
a quem dedicou boa parte de sua vida. Através desta pequena visão extraída da
obra acima citada, podemos ter a exta dimensão de como vivia e pensava o índio.
Apesar da abordagem ser dirigida ao índio da costa, podemos entendê-la aos índios
do sertão. Não se trata aqui de santificar a imagem do índio, mas apenas a verdade
histórica e estabelecer um tratamento, mesmo que tardio, mas justo aos aborígenos.
Os índios não entendiam por que os brancos estavam afoitos e se prendiam
tanto com fazimentos para acumular e guardar, pois para os índios o prazeroso não
era juntar para si, mas sim realizar o intercâmbio, a troca, a permuta.
A visão do branco sobre o índio está descrita na grande maioria dos livros de
história que tratam deste período. Para o branco, o índio era preguiçoso, pois
trabalhava como ele e não tinha preocupação em acumular; era também um herege,
pois adorava a vários deuses e não apenas ao seu, que era verdadeiro; era
promíscuo, pois andava nu e tinha várias mulheres.
“Os recém-chegados eram gente prática,
experimentada, sofrida, cientes de suas
culpas oriundas do pecado de Adão,
predisposto à virtude com clara noção dos
horrores do pecado e da perdição eterna”.RIBEIRO, Darci. “O Povo Brasileiro”, p.45.
Os homens que aqui chegaram vindo da Europa, e também os bandeirantes e
aventureiros que exploravam ouro nas minas do Castelo, tinham como objetivo
principal o enriquecimento rápido; algumas tinham o objetivo de voltar, no caso dos
portugueses, pera a Europa onde poderiam viver confortavelmente o resto de suas
vidas.
Dois mundos, que além de diferentes eram opostos, só poderiam gerar o que
aconteceu: conflitos sangrentos. No caso específico das minas de Castelo, os índios
tiveram muito mais sorte do que os do litoral, pois esses foram logo massacrados ou
catequizados, (um ou outro para eles fazia pouca diferença, já que a catequese do
branco europeu os limitava no que tinham de melhor que era uma alma livre, feliz e
pura de culpa e de pecados). Já os nossos índios obtiveram alguns êxitos iniciais na
defesa de sua existência. Isso graças ao conhecimento de como viver e combater
nas selvas, e também ao pouco número e despreparo dos bandeirantes e
aventureiros do ouro. Quando lutavam e expulsavam os brancos das serras do ouro
para o litoral, os índios não estavam atrapalhando o progresso da região, mas sim
tratando de manter vivo seu mundo (coisa que seria impossível com a presença dos
exploradores do ouro) e sua própria sobrevivência. Caso os índios não tivessem
apenas obtido pequenas vitórias, mas sim a vitória total, que seria a imposição aos
exploradores da época do seu tipo de vida, hoje, provavelmente, teríamos um
mundo mais fraterno socialmente e, com certeza, mais autêntico.
Não queremos emitir juízo de valor quanto a verdadeira intenção dos jesuítas
na catequese dos índios brasileiros, mas não podemos negar seu efeito devastador
sobre os mesmos, que lhes tirava a identidade, a beleza e os enchiam de pecado e
de culpa. Os jesuítas estavam imbuídos do espírito semelhante ao dos cruzados
europeus que partiam rumo à terra santa, no século XI, para combater e converter o
inimigo infiel.
As perspectivas dos índios eram mesmo sombrias, pois se escapassem das
missões teriam grandes chances de serem escravizados pelos homens brancos,
fossem eles capitães do mato, bandeirantes ou donos do engenho. Se para os
jesuítas, os índios deviam ser catequizados e evangelizados, mesmo que à força
para viverem como operários nas missões, para os desbravadores, eles não
passavam de mulas de cargas, e eram mais semelhantes a bicho do que a gente.
Em carta endereçada a El Rei, datada de 15 de julho de 1694, Domingos Jorge
Velho diz que “em vão trabalha quem os quer fazer anjos, antes de os fazer
homens”.
Este impasse sobre o que fazer com o índio ante os jesuítas e os homens
responsáveis pelo “progresso” da colônia gerou muitas brigas mediante a esta
trágica situação dos índios em quase toda a colônia. Podemos afirmar que os índios
das serras do Castelo foram extremamente valentes e corajosos, pois por várias
vezes, conseguiram expulsar tanto os jesuítas, como os mineradores de ouro.
Podemos concluir finalmente que não se tratavam de bons ou ruins, de
trabalhadores ou preguiçosos, de selvagens ou civilizações, de cristãos ou hereges,
mas sim de dois mundos opostos que se enfrentavam, cada qual com seus valores e
estilos de vida diferentes, ode acabou prevalecendo o europeu. Foi uma batalha
desigual, pois os europeus estavam em estágio de desenvolvimento, diferente dos
índios em vários aspectos, inclusive no de guerrear; sem falar na guerra
bacteriológica, onde uma simples gripe matava toda uma aldeia. Isto explica então
as lutas em que cada um defendia seus interesses: os brancos, a busca por riqueza
e glória através do ouro; os índios, a continuação da vida em harmonia com a
natureza e consigo mesmo, além de uma sociedade muito mais justa, por ser bem
menos estratificada.
Agora podemos responder a pergunta título “Por que os índios brigavam?”. A
luta era pela sobrevivência, que por sinal, não aconteceu. O massacre dos índios foi
imprescindível para o surgimento do mundo tal como ele é hoje. A destruição de sua
forma harmônica de vida, não só nas minas do Castelo, mas em todo continente
americano, foi um pré-requisito ao parto da sociedade castelense, espírito-santense,
brasileira, enfim, no capitalismo mercantil.
Para sabermos com maiores informações sobre os índios que habitavam este
região, hoje município de Castelo, seria necessário e importante das continuidade às
pesquisas arqueológicas e antropológicas, o que com certeza, elucidaria muito sobre
a vida dos nosso primeiros habitantes. Não sendo isso possível a curto e médio
prazo, neste livro não teremos essas detalhadas informações. Mas, quem sabe
outras pessoas tenham oportunidade para realizarem as pesquisas de forma mais
aprofundada para conhecermos um pouco mais sobre nossa história. Certamente
seremos nós quem ganhará com isso.
Buscamos, então, retratar aqui as púnicas informações que temos sobre
nossos índios, transcritas do livro Tombo de Itapemirim. Lembramos que esta era a
visão dos jesuítas que aqui chegaram para a catequese dos nativos.
As missões de Montes Castello foram muito perseguidas pelos “bugres
botocudos, assim chamados por causa de seus adereços, madeiras enfiadas nos
lábios e orelhas”. (Livro Tombo)
Por mais que os jesuítas tentaram, não conseguiram a mansidão destes
nativos, que por várias vezes se revoltaram contra a presença de brancos na região,
que viram obrigados a fugir para o litoral.
“Os índios habitavam uma grade gruta de
vários compartimentos espaçosos onde
colocavam os cadáveres untados por tal
tinta que os tornavam ressequidos os
esqueletos e também uma fonte cujas
águas novas se conseguiam as curas.
Quando um bugre adoecia, aplicava-se
todas os remédios, e, mesmo assim, a
doença permanecia, era conduzido à
fonte onde o pajé era consultado, e todo
um ritual de cura acontecia. Se o pajé
tiver bom agouro, o doente era lavado
com a água da fonte, mas, se o agouro
não era favorável ao mesmo ou se por
ocasião do conduzido enfermo
aparecesse no caminho o “anhangá” –
espírito mal de adoecia à noite – e o
“manhagiguará” - espírito mal que andava
de dia nas grunhas, o enfermo era sem
piedade atirado e abandonado à beira da
fonte e ali perecia”.Livro Tombo: Itapemirim
4.2 – Os JesuítasO Brasil é um país onde a religião da maioria da população é a Católica
Apostólica Romana. Como explicar, não só o catolicismo, mas o fervor religioso que
move o povo brasileiro espalhado pelo país afora? Afinal, antes dos portugueses,
nossa extensa terra era habitada pelos nativos, que eram adeptos de uma religião
que nada se assemelha à dos europeus; sua cultura era totalmente diferente
daquela que havia chagado à sua terra. O que aconteceu então? Como nos
tornamos cristãos?
A explicação fica simples se analisada no contexto da chagada dos europeus
ao Novo Mundo e dos portugueses ao Brasil.
a Igreja Católica absoluta desde o período medieval, Senhora das Almas e do
poderes políticos e econômicos, não se encontrará nesta mesma posição no período
em que as Grandes Navegações acontecem no final da Idade Média. Agora, os
interesses e as necessidades são outras. A expansão marítima vi acontecer
atendendo a uma conciliação de interesses dos mais diferentes grupos: burguesia,
nobreza, Estado e Igreja.
A presença da Igreja, desde que por aqui chegaram os primeiros
portugueses, ainda na Esquadra de Pedro Álvares Cabral, quando o escrivão Pero
Vaz de Caminha escreve ao rei sugerindo que:
“O melhor fruto que nela (a nossa terra)
se pode fazer me parece que será salvar
esta gente e esta deve ser a principal
semente que Vossa Alteza em ela deve
lançar”
Aqui entra em cena a Cia de Jesus, idealizada e criada por Inácio de Loyola
em 1537. A Ordem seguia um estilo de vida semelhante ao existente no exército,
eram chamado, inclusive, de “Soldados de Cristo”.
“A Companhia de Jesus era uma força
vigilante, equiparada com uma couraça
“celestial” e asas “espirituais” para a
conquista das Almas perdidas para o
protestantismo e para a conquista das
Almas perdidas para o paganismo. A
Companhia, categórica na obediência que
devia ser geral ao Papa, foi a força
internacional da Igreja e desenvolveu uma
ação preponderante na extensão do
domínio católico, na instrução da
mocidade católica e em atrair a atenção e
a devoção dos reis e nobres, tão ativa no
campo de batalha europeu da fé católica
como na Missões do Norte da África, da
Ásia e da América”.GREEN, Ano: 201
Os jesuítas vieram para difundir a fé católica. Num momento em que a
Reforma Protestante trouxe a cisão da Igreja no Continente Europeu, era preciso
resgatar a importância de outrora, para isso a Igreja criou a Contra-Reforma
Católica. Segundo o professo Celso Perota, os jesuítas vieram para fundar um
República Jesuítica.
Sem dúvida, os jesuítas tiveram uma participação muito ativa na história dos
países europeus à época da Contra-Reforma Católica em que a Igreja buscava, a
qualquer custo, evitar a expansão do movimento reformista protestante que
arrebatou da Igreja Católica muito mais que fiéis, arrebatou poder e importância
política, e paralelamente, poder econômico.
A presença dos jesuítas no Brasil atendeu, portanto, às necessidades da
Santa Sé, que na Europa, em função dos prejuízos religiosos, políticos e
econômicos que a Reforma Protestante acarretara no Continente, via necessária a
vinda para a Terra recém-descoberta. E a Igreja precisava não só deter a expansão
da Reforma, mas também se reestruturar. As novas terras poderiam suprir estas
necessidades.
Vir para o Brasil, dentro do contexto da Contra-Reforma, seria a saída para
impedir que os efeitos arrasadores da Reforma chegassem às Terras recém-
descobertas, para aumentar o número de fiéis católicos e para a reorganização
político-econômica.
Os jesuítas estiveram presentes desde o início da colonização. Sua chegada
aqui data do ano de 1549, ano de fundação do 1º Governo Geral do Brasil, a cargo
de Tomé de Souza, fundando missões e desenvolvendo o seu trabalho de
catequese, ao que avaliamos, acarretou um processo de aculturação profunda nos
grupos nativos que aqui viviam. A catequese se incumbiu de formar novos católicos.
O Deus que conta é o dos europeus, o caminho da Santidade só é conhecido por
eles, colonizadores desse mundo bárbaro.
Nas missões, o empenho não era somente com a educação dos nativos. Sua
organização era bastante original. Os padres iam entrando nas aldeias procurando
respeitar a organização tribal e, pouco a pouco, introduzindo os princípios religiosos
e os interesses econômicos.
O excedente de produção, que crescia com o estímulo dos sacerdotes e em
função de seus interesses, era apropriado pelas Ordens religiosas, que muitas
vezes, realizavam com o “mundo civilizado” um lucrativo comércio.
A ideologia, contudo, já havia sido incorporada à formação social do Brasil.
Assim como a Igreja precisava dos jesuítas aqui, o Estado também os queria, uma
vez que com seu trabalho junto aos nativos, havia uma facilitação da penetração
portuguesa na nova terra na formação do Império Colonizador. Para este propósito,
os jesuítas foram essenciais, sua importância foi de serem peças-chaves no
contexto da expansão marítima e da colonização do Brasil. Seu poder de influência
junto ao poder político foi tão grade, que era a eles que recorriam muitas autoridades
coloniais, quando havia necessidade, e não ao Governador Geral, e muito menos,
ao Rei em Portugal.
Desde muito cedo, houve o contato dos padres também com os bandeirantes,
em expedições que levaram ao interior do território, a possibilidade de metais
preciosos. Mas, para que os jesuítas os acompanhavam? Atendiam, na realidade
aos interesses dos dois grupos: - dos bandeirantes, que viam na presença dos
padres em suas expedições uma forma dos nativos aceitarem a aproximação
“dessas gentes”, o que não necessariamente contribuiu para facilitar o encontro do
metal por parte dos nativos, que não o valorizaram. Se o resultado não foi logo
positivo, com certeza, estas expedições muito contribuíram para o conhecimento das
terras do interior, da fauna, da flora, permitindo a formação de novas expedições por
aqueles caminhos; - como os dos jesuítas, que buscavam almas para serem
catequizados e viam nessas buscas dos metais uma maneira de gente branca vir
para o Brasil, que sabemos, no início da colonização era muito escassa. Essa vinda
acarretaria a facilitação da cristianização junto aos nativos.
É claro que também havia possibilidade de encontrar metais. No livro de
Serafim Leite, sobre a História da Cia de Jesus no Brasil, o autor afirma que os
padres tinham o único interesse de achar almas e em algumas citações até coloca
que eles não iam às expedições com o objetivo de explorarem metais preciosos,
sendo, porém, tentados a isso.
Parece-nos muita coincidência que em Castelo, no séc. XVII, tenha havido a
presença dos padres fundando missões, onde exatamente se explorou ouro mais
tarde, no início do sec. XVIII.
Fica aqui também uma dúvida a respeito de sua montagem mais para o
interior, nas Serras do Castelo, quando aqui no Espírito Santo observarmos que as
missões foram montadas no litoral, como as de Reritiba, Orobó, Muribeca, conforme
nos mostra o mapa ao lado.
foto
4.2.1 – Os Jesuítas no Espírito SantoOs primeiros padres jesuítas (Padre Afonso Brás e o irmão Simão Gonçalves)
chegaram ao Espírito Santo em 1551 e já começaram a construção do Colégio
Santiago, hoje Palácio Anchieta, sede do Governo do Estado.
Os objetivos aqui eram os mesmos da Cia de Jesus no Brasil: através da
catequese do índio e da educação aos filhos dos colonos, aumentar o número de
fiéis católicos devido às perdas em função da Reforma Protestante, objetivo
primordial. Sendo assim, os padres iam ao interior do território capixaba e de lá
traziam os grupos indígenas paras as missões como as de Goarapari, Reritigba,
Reis Magos, Aldeia Nova, Caobá. Serafim Leite escreveu na história da Cia. De
Jesus no Brasil:
“algumas vezes, iam os padres em
pessoa ao sertão buscar os índios ou os
parentes dos que já viviam no ES, e iam a
mais de cem léguas por caminhos
ásperos...”, assim “(...) as aldeias do Es
formaram-se quase sempre a seguir a
alguma entrada ao sertão.”LEITE, Serafim Teixeira. “História da Companhia de
Jesus no Brasil”. Lisboa, 1938 – Tômo VI – Cap. I, II, III
É certo que além das obras de catequese, os padres desenvolveram também
atividades de organização e de produção econômica, como nas aldeias de Itapoca,
provavelmente em Cariacica, especializada na produção de farinha e de produção
de gado. A de Araçatiba, em Viana, onde havia a produção de cana-de-açúcar; a de
Carapina, que se destinava à produção de legumes.
Nas aldeias jesuíticas, além da produção religiosa e econômica, havia
também a arquitetônica, com construções de várias igrejas e residências, como a de
Nossa Senhora de Assunção, em Anchieta; a de Nossa Senhora da Conceição, em
Guarapari; a de Nossa Senhora da Ajuda, em Araçatiba – Viana; Igreja de São
Riago em Vitória.
Algumas dessas construções ainda resistem ao tempo, como a Igreja de
Nossa Senhora das Neves, em Presidente Kennedy, construída em 1650, com a
ajuda dos índios botocudos, e também a Igreja de Nossa Senhora da Conceição,
construída no séc. XVI pelo poder de José de Anchieta, com a ajuda dos índios
tupis-guaranis, utilizando como material: pedras, blocos de recife, óleo de baleia e
argamassa de cal e mariscos. Em Guarapari, encontra-se a Igreja de Nossa
Senhora da Consolação, construída por Anchieta. Sua fachada é revestida de
conchas que remodelam as paredes. Em Viana, a Igreja de Nossa Senhora da
Ajuda, datada em 1570. Em Carapina, a Igreja de São João de Carapina. E, em
Nova Almeida, na Serra, Igreja e residência Reis Magos, erguida entre 1569 e 1589.
Em vários pontos do nosso litoral, em algumas cidades e construções, é
notória a importância dos jesuítas em nosso Estado.
No livro “Tombo de Itapemirim” (Comarca Eclesiástica de Itapemirim),
encontramos a descrição precisa das missões organizadas pelos jesuítas em
Castelo, na pag. 03 do referido livro, registrou-se com minúcias a presença dos
padres em nosso município.
A construção de uma Igreja dedicada à Nossa Senhora do Amparo, em
novembro de 1625, nos Monte do Castello, sugere-se, inclusive, que eles chegaram
aqui antes desta data, mas não temos documentos para comprovar o ano exato de
sua chegada.
Os jesuítas construíram aqui em nossa região a chamada “Missões de
Montes Castello”, que compreendia cinco missões:
1- Montes do Castello. (sede) – “Ignora-se sua posição por não haver
vestígio dela; ficava, porém, muito próxima à do Caxixe.
2- Caxixe ou Caxixa – à margem do rio Caxixe – um dos afluentes do
Castello.
3- Ribeirão – Á margem do Ribeirão – um dos afluentes do Castello.
4- Barra do rio Castelo – à foz do rio Castello – afluente do Itapemirim.
5- Salgado – À margem do Ribeirão – Salgado afluente do rio Itapemirim.”
Planilha
4.3 – Os MineradoresEm nosso trabalho buscamos a veracidade e a autenticidade da história de
Castelo, ou seja, queremos analisá-la dos mais diversos ângulos possível. Sendo,
assim, procuremos a seguir, traçar o perfil do homem branco, seja ele europeu, ou
mesmo brasileiro, que aqui se encontrava no início da mineração nas serras do
Castelo. Trataremos inicialmente dos europeus, mais precisamente dos
portugueses, e posteriormente, de seus descendentes nascidos aqui, a quem Darci
Ribeiro chama de “brasilíndios”.
O povoamento, propriamente dito, da Capitania do Espírito Santo aconteceu
na primeira metade do séc. XVI em 23/05/1535, com a criação das Capitanias
Hereditárias e consequente vinda de religiosos ( os jesuítas) e povoadores, que em
sua maioria, eram degredados.
Como sabemos, os registros mais antigos da presença de europeus na região
que compreende Castelo hoje, são de 1625, quando se fundaram três missões
jesuíticas. Tais missões eram formadas basicamente por Missionários Inacianos
oriundos da Europa, índios, e também por uma população de colonos. Mas, num
primeiro momento, trataremos do europeu.
Ao se lançar no mar bravio e ainda pouco conhecido, sujeito a todos os ricos
e problemas, o aventureiro europeu tinha um claro objetivo: o enriquecimento
através do descobrimento de metais preciosos. O português vinha de uma
sociedade estratificada, que já havia rompido com o mundo feudal europeu e se
constituído em Estado Nacional. Toda essa estratificação, tipicamente europeia,
contrastava drasticamente com o modo de vida tribal dos trópicos. As ações dos
portugueses haviam sido previamente planejadas, e o seu centro de decisão estava
milhares de quilômetros de distância, mais precisamente em Lisboa; tal situação
dava-lhes uma grande autonomia no Novo Mundo.
Os pilares básicos que sustentavam a ação dos portugueses no Novo Mundo
foram o Estado Nacional Mercantilista, com seu poder bélico em busca de lucro, e a
Guerra-Santa, promovida pela Igreja contra o índio infiel. Os europeus se
outorgaram a missão de expandir a cristandade, missão essa que não era apenas
dos missionários jesuítas, mas de todos que atravessavam o Atlântico rumo ao Novo
Mundo. Desta forma se legitimava as mais bizarras atitudes dos portugueses aqui,
pois tudo era com o propósito de conseguir mais almas para o Senhor.
O outro pilar era de caráter mais econômico e racial do que o Estado
Nacional. Neste período, a Igreja concentrava em suas mãos o poder espiritual e
também o temporal. Desta forma, seu poderio pairava acima dos Estados Nacionais
Mercantilista. Tanto Portugal, como a Espanha, a mesmo a França, eram submissos
ao poder temporal ao Vaticano. Uma questão que incomodava Portugal, e
consequentemente seus aventureiros que aqui estiveram, era a disputa por colônias
entre Estados Nacionais Europeus, que viviam em eterno conflito na busca por
riquezas que as colônias pudessem oferecer. Rechaçar, as por eles consideradas
invasões dos estrangeiros, era também ema das funções dos aventureiros.
Os portugueses que atravessaram o Atlântico e chegaram até aqui também
estavam eufóricos e orgulhos com os avanços tecnológicos da sociedade europeia,
como o barco à vela, a bússola, o leme fixo e o astrolábio. Essas invenções
representavam a tecnologia de ponta da época, e estava a serviço do mercantilismo,
e foi através delas que eles conseguiram cruzar o Atlântico.
De forma bastante sucinta, este era o universo destes corajosos aventureiros
e gananciosos europeus que abandonaram a certeza de sua terra natal para se
lançarem rumo ao desconhecido através do mar, alimentando um febril sonho de
riqueza. Mas nem só de homens provenientes do Velho Continente foi que se
empreendeu a extração de ouro em nossa terras, pois os aqui nascidos tiveram uma
participação direta, e são eles nossos objetos de estudo a seguir.
Dentro da divisão de trabalho da época, a pior parte, com certeza, cabia aos
“brasilíndios” – ou mestiços. É provável que se tenha usado também a mão-de-obra
indígena. Quando delimitamos o início da mineração em Castelo, afirmamos ser
provável que os jesuítas exploraram ouro aqui a partir de 1625 utilizando-se da mão-
de-obra indígena.
Uma das características mais marcantes da colonização de exploração, como
foi o nosso caso, é a não presença de mulheres dentre os exploradores. Tal
características foi fundamente no processo de formação do povo brasileiro. Na
ausência de mulheres portugueses, os homens brancos buscavam a satisfação de
seus desejos sexuais com as índias, e destas relações surgiam os “brasilíndios” ou
mestiços. Para muitos pesquisadores foi aí o início da formação do povo brasileiro.
Os frutos destas inusitadas relações sofriam uma dupla rejeição de brancos e índios,
forçando assim a criação de uma identidade nova e inédita. Os portugueses não os
reconheciam como os filhos legítimos, aptos a dar continuidade à tradição ocidental
europeia, que tanto primava pela filosofia e conhecimentos nos mais distintos
campos, sejam eles da Física, da Matemática, da Astronomia ou de outros. Esses
filhos ilegítimos não eram dignos de serem considerados europeus, já que seu
ventre materno era impuro e selvagem.
Por outro lado, os índios também não os reconheciam como sendo membros
de suas tribos, pois dentro da tradição indígena, a mulher ocupa um papel
coadjuvante na reprodução, atuando como simples depositária de esperma. Para
eles, o filho ou a filha é resultado da ação do pai. Assim sendo, os mestiços ou
“brasilíndios” eram considerados estranhos. Enquanto dois mundos distintos e
opostos se digladiavam para sobreviverem, um novo povo nascia, fruto da rejeição
que sofria dos dois lados, e teve que criar, a duras penas, sua própria identidade.
Essa inusitada situação chegou a despertar a preocupação dos jesuítas, que para
tentar impedir a “promiscuidade” dos homens brancos com as índias, mandaram
uma carta ao rei de Portugal solicitando o envio de mulheres brancas à colônia, mas
tal pedido não obteve êxito.
Castelo teve pioneirismo na interiorização, foi um processo único em termos
de fixação de população do Estado. Nossa minas presenciaram tal processo.
Quanto à existência das primeiras missões jesuíticas, elas se formavam de índios
(índias), jesuítas e colonos, que foram os ingredientes necessários para a formação
inicial do povo brasileiro. Com a chegada das Bandeiras, já no século XVIII, por volta
de 1705, com Pedro Bueno Cacunda, esse processo se acelerou devido ao aumento
do contingente populacional, e também graças à origem as Bandeiras, que eram de
São Paulo. Os Portugueses de Capitania de São Vicente foram os pioneiros na
gestação dos “brasilíndios” ou mestiços devido à pobreza e ao isolamento de sua
capitania, pois não havendo outra fonte de recurso econômico, eles recorreram às
Bandeiras, que tinham como propósito, além da busca de metais preciosos, o
aprisionamento, a escravidão e a comercialização dos indígenas. A presença dos
“brasilíndios” era fundamental nessa campanhas, pois devido a sua nobreza e busca
de autoafirmação, eles se tornaram o motor da conquista do interior do Brasil,
participando ativamente das atividades de mineração e captura de índios. É
importante destacar que a língua falada por índios, jesuítas, colonos europeus e
“brasilíndios” era o tupi-guarani, que foi o meio de comunicação usado em toa
colônia até meado do século XVIII.
De forma sintética, e não incluindo os índios que já circulavam nesta região
há milhares de anos, podemos afirmar que os primeiros habitantes de Castelo foram
os jesuítas provenientes da Europa, de onde traziam um rígido de moral e valores.
E, através deste código, queriam julgar e condenar os índios, para aí sim catequizá-
los a ferro e a fogo, e transformá-los em cristãos. Havia também poucos
portugueses sonhadores que buscavam riqueza e glória na colônia para desfrutar na
metrópole, mas a maioria da população era formada por “brasilíndios” ou mestiços,
que sofriam uma dupla rejeição por parte dos brancos e índios, e que a partir da
estranheza que causavam em ambos, criaram sua própria identidade. E foram
justamente eles que efetuaram diretamente a lida com a mineração do ouro.
V- A EXPLORAÇÃO DO OURO EM CASTELO
5.1 – A Mineração em siNesta parte do livro trataremos da mineração propriamente dita e de seus
desdobramentos em nosso município. O ouro descoberto em Castelo é, em sua
maioria, o de aluvião, que se encontra nos leitos dos rios misturados em suas areias.
Ele é arrecadado em pequenos fragmentos das rochas pela força das águas dos
rios, é a medida que vai descendo o leito, transforma-se em pequenos grãos, que
posteriormente viram pó. Este pó fica cada vez mais fino, na proporção da distância
de seus veeiros iniciais. Os veeiros auríferos encontram-se disseminados nos
granitos que constituem os maciços da Pedra Azul e Forno Grande. Portanto, nos
rios que nascem nesta região pode se encontrar ouro.
As inúmeras cachoeiras que existem, principalmente no rio Caxixe, além de
proporcionarem um exuberante espetáculo da natureza, facilitaram o trabalho de
garimpagem do precioso metal. Apesar de poucas, existem algumas planícies onde
o rio corre manso e aparentemente inofensivo, e é justamente nesses locais de água
tranquilas que o ouro (em pequenos grãos ou pó), fica depositado no fundo do rio.
Na localidade chamada Caxixe, hoje Fazenda Povoação, existe uma destas
pequenas planícies, onde segundo Gomes Neto, foi o primeiro local de extração de
ouro em Castelo. Em 1625 esta planície foi palco de uma das quatros missões
jesuíticas em nosso cidade. Outro local com características geográficas
semelhantes, é onde se localiza hoje a Fazenda do Centro; nos dois lugares o leito
do rio foi alterado para facilitar o trabalho de garimpagem do ouro, na época da
exploração.
Para proporcionar uma melhor compreensão do leitor, e até mesmo balizar
estudos posteriores, decidimos dividir a mineração de Castelo em três fase ou
períodos.
A primeira é a ais polêmica: segundo o Major Gomes Neto, teve início logo
após a fundação de Rerigtiba (hoje Anchieta) 1565; ele ainda afirma que esta
missão rinha por objetivo, além da catequese dos índios, proteger dos invasores as
minas do Castelo. Apesar de um tanto quanto pertinente, não temos provas
documentais a respeito da versão de Gomes Neto. Os documentos que
encontramos falam a respeito da existência de missões jesuíticas aqui somente 100
anos depois, a partir de 1625.
A segunda fase ou período inicia-se em 1705, com a chegada do Bandeirante
Pedro Bueno Cacunda. Ao que tudo indica, esta foi a fase mais próspera e que
contou com a presença de um maior número de pessoas; finalizou-se com a
expulsão dos exploradores efetuada pelos índios.
A terceira fase é a ais recente, e compreende a retomada dos trabalhos de
mineração já no século XIX, no fim do período colonial e início do imperial. Os
trabalhos foram reativados após um longo período de abandono, quando os
botocudos reinaram soberanos.
Dedicaremos nosso trabalho a seguir à primeira fase da mineração tomando
como base os escritos de Gomes Neto, pois apesar de seus relatos não terem
respaldos documentais, algumas de suas afirmações estão de acordo com nossas
fontes.
5.1.1 – Primeira Fase – séc XVIISegundo Gomes Neto, logo após a fundação de Reritiba (1565), os
missionários jesuítas subiram o rio Benevente à procura de ouro e de selvagens.
Com a ajuda de índios catequizados, eles chegaram às minas do Castelo. Efetuada
a descoberta, iniciaram um processo de fortificação e defesa das minas para evitar a
presença dos farejadores de ouro, principalmente dos paulistas.
Ainda segundo Gomes Neto, os jesuítas fundaram pequenos arraiais para
protegerem as minas contra os invasores; o primeiro a ser criado foi o Batatal,
próximo às minas; depois o do Caxixe e o do Ribeirão do Meio. Eles permitiram
também que o moradores destes povoados faiscassem ouro, para depois venderem
aos próprios padres. Desta forma, os jesuítas transformaram os ingênuos habitantes
e defensores de suas minas, pois em caso de invasão, os habitantes rechaçariam o
inimigo. Tendo proteção em todas as barras dos rios que poderiam das acesso às
minas, os jesuítas podiam exercer com tranquilidade sua clandestina função de
mineradores. O ouro, resultado do trabalho da mineração dos jesuítas, ia
diretamente para a sede da Ordem dos Inacianos na Europa.
De fato, as missões citadas por Gomes Neto existiram, para tanto existem
provas documentais. A divergência acontece com elação à data, pois o que ele
afirma ter sido realizado no século XVI, por volta de 1565, o documento descreve
que foi no século posterior, ou seja, 1625. Tal divergência só pode ser esclarecida
comum minucioso trabalho arqueológico nos locais onde teriam sido construídas as
missões ou povoados. O que não podemos negar é que nesta primeira fase, direta
ou indiretamente, os jesuítas exploraram ouro de forma clandestina, ou foi pura
coincidência o fato de os bandeirante “descobrirem” ouro posteriormente nos locais
onde existiam as missões jesuíticas?
Segundo o Livro Tombo de Itapemirim, as cinco aldeias que compunham as
Missões de Montes Castello, estavam assim distribuídas: a primeira era a dos
Montes Castello, e sua exata localização é desconhecida, pois não existem vestígios
aparentes de suas ruínas. Sabe-se, portanto, que ficava próxima à do Caxixe. A
outra aldeia era a do Caxixa ou Caxixe, que se localizava próximo à margem do rio
Caxixe, um dos afluentes do Castelo, e sua localização é onde se encontra a
Fazenda Povoação. A terceira é a do Ribeirão, localizada próximo à margem do
Ribeirão, também um do afluentes de Castelo. Essa região é conhecida hoje como
Planície da Prata, e compreende as localidade de Monte-Pio, Flores e Prata. A
quarta aldeia é a da Barra do Rio Castelo, que se localizava na foz do rio Castelo,
onde e hoje a localidade de Duas Barras. A quinta e última aldeia era a de Salgado,
que ficava às margens do ribeirão do mesmo nome, que era afluente do rio
Itapemirim.
fotoa localização da Missões de Montes Castello no mapa, não são precisas, uma
vez que, para tal afirmação serão necessárias pesquisas arqueológicas. As Missões
de Barra do Rio Castello e Salgado não constam no mapa por estarem fora dos
limites do atual município.
Nesta primeira fase foi construída pelos jesuítas a Igreja de Nossa Senhora
do Amparo, em 1625. Esta igreja foi elevada à categoria de Matriz, pois a região das
minas do Castello foi transformada em Freguesia sob a proteção de Nossa Senhora
do Amparo. Este fato ocorreu em 12 de novembro de 1710. Não se sabe com
exatidão a localização da centenária Paróquia, seguramente uma das mais antigas
do Sul do Estado, nem mesmo como era seu interior e seus aspectos externos. Tais
revelações só poderão ser feitas a partir de u trabalho arqueológico de escavação.
Este trabalho é de grande importância para a elucidação de muitas interrogações
sobre a história, não só do município de Castelo, mas também do Estado do Espírito
Santo e do próprio Brasil.
A Missão de Montes Castello, erguida em novembro de 1625, contava com
3.000 índios distribuídos nas cincos aldeias já citadas que compunham a missão. Os
documentos se limitam à descrição da experiência da missão, bem como as aldeias
a eles pertencentes. Em nenhum momento é vinculado o tipo de atividade
econômica realizado, e nem se menciona a existência do poderoso metal no fundo
dos rios. Com certeza, a exploração do ouro foi realizada de maneira clandestina
pelos jesuítas, por três motivos. O primeiro é o fato da mineração não constar no rol
de atividades previstas aos jesuítas no Novo Mundo, e ainda mais, quem procurava
ouro era para se enriquecer, e o enriquecimento não era um meta a ser seguida por
aqueles que outrora haviam dedicado suas vidas à construção do Reino Celeste, e
não às coisas passageias e materiais deste mundo transitório. O segundo motivo
que fazia com que os Inacianos agissem na clandestinidade era do de burlar as leis
coloniais que previam uma grande carga tributária sobre a atividade de mineração.
Certamente, se a extração não fosse de maneira clandestina, parte do resultado do
trabalho pertenceria à Coroa Portuguesa. O terceiro motivo era o de evitar a invasão
das Minas, principalmente por Bandeirantes, que como já sabemos, perambulavam
pelos sertões à procura de índios e metais preciosos. Inclusive, esse foi um dos
motivos, segundo Gomes Neto, da criação dos povoamentos margeando o rio
Castelo visando proteger as Minas. Os jesuítas evitaram a presença dos
Bandeirantes por alguns anos e até décadas, mas não conseguiram ocultar por mais
tempo seu achado, já que no início do século XVIII, por volta de 1705, Pedro Bueno
Cacunda “descobre” o que tanto os jesuítas buscavam esconder. A partir daí,
entramos na Segunda fase da mineração em Castelo.
5.1.2 – Segunda Fase – séc. XVIIIA segunda fase começa com a presença dos bandeirantes, no nosso caso,
Pedro Bueno Cacunda. Esta fase apresenta uma subdivisão:
A- Pedro Bueno explorou ouro na região, de 1705, como temos registros aqui
de sua presença e vai até 1734, quando desanimado e sem recursos
abandonou as minas.
B- Após 1734, quem assumiu a mineração em nossa região foram os
jesuítas, que por aqui ficaram até 1759, ano de sua expulsão não só do
Brasil, mas também de Portugal por decreto do Marquês de Pombal. Esta
fase foi monopolizada pelos padres, e parte da riqueza ia para os cofres
da Coroa ou da Companhia de Jesus.
C- Com a saída dos jesuítas, mineração continuou sendo prática entre os
mineradores que aqui ficaram, porém, foram expulsos por duas vezes
pelos índios. A primeira em 1754 e a definitiva em 1771.
A Segunda fase inicia-se com a chegada de Pedro Bueno Cacunda, o mais
importante bandeirante que andou por nossas terras. Em 1705, ele inicia sua
perseguição em busca de ouro pelo interior do Brasil, e chegando à Capitania do
Espírito Santo, adquire alguns terrenos e constrói casas para servirem de base às
futuras explorações. Neste período ele teve contato com o Governador do Rio de
Janeiro, Fernando Mathias de Mascarenhas, que o encorajou em sua missão,
afirmando que ele prestava um grande serviço à Coroa. Outro que encorajou Pedro
Bueno foi Domingos Luiz Cabral, que também era explorador de ouro e esteve
analisando as vertentes do rio “Mayguassú” – Manhuaçu (afluente do rio Doce e que
divide o Espírito Santo de Minas Gerais), e, além disso, o orientou em como chegar
às minas do Castelo.
Ao chegar às Minas do Castelo, Bueno se deparou com os jesuítas, que já
exerciam a clandestina atividade da mineração. Porém, não encontramos relatos a
respeito do encontro, mesmo porque, a grande maioria dos historiadores acreditava
na errada hipótese do pioneirismo de Cacunda. O que sabemos é que os jesuítas
eram os senhores da região, e se julgavam extremamente bem protegidos para
exercerem sua atividade clandestina. Para isso, é bem provável que dispunham de
meios (armas ou não) para repelis os invasores. Por outro lado, os bandeirantes,
caçadores profissionais de gente e riquezas, vinham dispostos a tudo para atingir
seus objetivos. Coragem, valentia e espírito de luta eram características que não
faltavam aos bandeirantes que viajavam pelos sertões em grupos de 20 a 30
pessoas entre índios, chefes das expedições e seus filhos. O resultado deste
provável confronto em que grupos distintos tinham o ouro como mesmo objetivo é
desconhecido. E não são poucas as chances de ter havido conflito.
Outro capítulo (este documentado) entre bandeirantes e jesuítas na luta pelo
ou das Minas de Castelo, deu-se no âmbito da influência de que ambos dispunham
nos altos escalões da coroa. Diante das dificuldades proporcionadas pelos índios,
irregularidade do terreno e densidade da mata, Pedro Bueno escreve ao rei em
1734, pedindo ajuda para a continuação de sua empreitada mineradora.
Os pedidos de Bueno eram para serem retirados 60 índios das aldeias de
Reritiba, dos Reis Magos e de Santo Antônio da Vila de São Salvador, esta última
comandada pelos religiosos de Santo Antônio, e as demais pelos Inacianos. Seriam
retirados 20 índios de cada aldeias, e os mesmos prestariam serviço ao bandeirante
po 3 anos. Após este período, retornariam às suas aldeias (os sobreviventes, é
claro), onde seriam trocados por outros 20, e assim sucessivamente. Ele ainda pedia
ferramentas e arma própria para a utilização dos índios, além de pólvora e chumbo.
Por último, Cacunda incluía em seu pedido 80 homens sob as ordens das Capitanias
do Espírito Santo e Paraíba do Sul.
Os pedidos do bandeirante foram bem recebidos pela Coroa, através do
Conselho Ultramarino. Tanto é verdade, que em 26 de dezembro de 1735, foi
expedida a ordem ao Provedor da Fazenda da Bahia para que Pedro Bueno fosse
atendido em seus pedidos. O Conde de Sabugosa, segundo a ordem Real, ficou
encarregado de arregimentar junto aos jesuítas, os índios pedidos por Cacunda. Aí
entra a influência dos padres da Companhia de Jesus, que aliados ao poder de
convencimento que lhes era característico, convenceram o então Conde de
Sabugosa a desistir de cumprir a ordem. Sendo assim, o referido conde indefere o
pedido e lança na mesma petição um despacho que diz:
“A S. Majestade darei conta porque não
cumpro a portaria”LAMEGO, Alberto. “A Terra Goytacá”. Livro II, p.279
Desiludido, Pedro Bueno Cacunda retira-se para o rio Doce, região onde
existiam muitos índios que mataram escravos do bandeirante, impossibilitando o
mesmo de exercer a atividade de mineração.
A disputa entre os padres jesuítas e os bandeirantes não foi a única
característica deste período que convencionamos chamar de Segunda Fase da
Mineração das Minas de Castelo. Outra característica foi a ciência, por parte da
Coroa Portuguesa, da existência de ouro no interior da Capitania do Espírito Santo.
Um importante bandeirante que passou rapidamente pela Minas do Castelo e
pelo interior da Capitania do Espírito Santo até o Cabo de São Tomé foi Manuel
Francisco dos Santos Soledade. Este português permaneceu, a partir de 1704, por
seis anos no interior do Brasil. Com suas bandeiras à procura de ouro, neste espaço
de tempo, percorreu três mil léguas. Ao retornar a Lisboa foi condecorado pelo rei
com o Hábito de Cristo, e nomeado em 18 de dezembro de 1730, como
Superintendente da conquista das minas do Brasil.
A Coroa Portuguesa teve uma política confusa com relação a exploração e à
descoberta de ouro na Capitania do Espírito Santo. Os portugueses temiam os
piratas, já que as minas se localizavam próximo da costa, facilitando assim a ação
de contrabando das demais nações europeias. Outra preocupação era o
desguarnecimento da costa, no caso de uma corrida de seus habitantes rumo ao
interior em busca de ouro. A primeira proibição para a descoberta e exploração do
ouro em nossa Capitania foi feita em 10 de novembro de 1710, pelo Governador
Capitão General do Estado do Brasil, D. Lourenço de Almada. A ordem proibia ainda
a construção de qualquer estrada para as Minas Gerais, pois era intenção da Coroa
transformar a Capitania do Espírito Santo em uma grande cerca verde e desabitada,
para proteger dos piratas estrangeiros, as Minas Gerais da Coroa Portuguesa. Esta
tática deixou profundas consequências negativas no futuro desenvolvimento do
Estado do Espírito Santo.
A pena prevista para quem desrespeitasse a proibição era o degredo dos
infratores para Angola. Mesmo assim, as explorações não pararam e eram
incentivadas pelo Intendente Geral do Rio de Janeiro. Este fato descontentava o
governo da Bahia, pois as minas não eram adjacentes ao governo do Rio de
Janeiro, e sim ao da Bahia. Apesar da insatisfação dos baianos, o ouro de Castelo ia
mesmo para o Rio de Janeiro, mais precisamente para a Casa da Moeda: de 1º de
agosto de 1751 até 14 de julho de 1759, deram entrada na referida casa 246
marcos, duas onças e uma oitava de 18 grãos, provenientes das Minas do Castelo.
Esta parte é a de um período restrito, e a que foi quintada, pois acreditamos que boa
parte foi extraída clandestinamente, graças às dificuldades de controle por parte da
Coroa. O ouro quintado na Casa da Moeda proveniente de Castelo, neste período,
equivale a aproximadamente 58 quilos. Anterior a esta data, mais precisamente a
1732, o Capital-Mor da Capitania do Espírito Santo, Silvestre Cirne da Veiga,
mandou que se quintasse o ouro das Minas do Castelo, no entanto, não se tem
registro a respeito de tal atividade.
Após 125 anos da presença dos jesuítas nas Minas do Castelo e de
exploração de ouro na região, o Ouvidor-Mor do Espírito Santo nomeia Domingos
Corrêa da Silveira, em 1750, como Capitão de todo o distrito das Minas de Castelo.
Mas tal ato contou com o repúdio do governo baiano. A função a ser desempenhada
pelo ocupante do cargo recém-criado era de pôr fim às constantes desavenças e
brigas entre bandeirantes e índios que viviam e trabalhavam nas minas. Os
confrontos entre brancos e índios eram comuns e não terminaram com a criação do
posto de Capitão das Minas de Castelo.
Foi durante o período B da 2ª fase da mineração que ocorreu a expulsão dos
jesuítas do Brasil, e consequentemente de Castelo, resultado da política pombalina.
Os padres jesuítas tiveram que sair às pressas da colônia, acontecimento que gerou
algumas lendas que até hoje circulam entre habitantes de Castelo, mais
precisamente, nas regiões onde ficavam as minas. As lendas consistem
basicamente na existência de tesouros de ouro escondidos pelo interior do
município, além da existência e mapas para localizá-los. Assim, ligado o fato dos
jesuítas terem explorado ouro de forma clandestina, ao fato de terem sido expulsos
repentinamente do Brasil, fica a pergunta: o que foi feito com o ouro? Basta
adicionarmos um pouco de imaginação para darmos certo crédito à lenda, porém,
não é este o nosso objetivo no momento. Deixemos que os modernos caçadores de
tesouros se preocupem com isso.
A harmonia nunca foi uma característica presente no relacionamento entre
índios e garimpeiros. E foi justamente um enfrentamento entre eles que culminou
com a fuga dos brancos para o litoral, deixando os garimpos das serras do Castelo
abandonados. Por se tratar de um fato marcante, resolvemos utilizá-lo como o
marco final da Segunda Fase da mineração. Sabemos que eram dois mundos que
não tinham a mínima chance de coexistirem harmonicamente, por isso, buscaremos
relatar o resultado desta impossibilidade, que foi o confronto final entre eles. Aliás,
umas das características dos combates, além da aterrorizadora violência, era a
banalidade devido à frequência com que eles aconteciam.
A vida seguia sua normalidade, quando inesperadamente, um grupo de índios
dava o alarme em forma de gritos. Os habitantes do Arraial se agrupavam no centro,
e armados com trabucos e chuços enfrentavam os nativos, que disparavam suas
flechas mortíferas por todos os lados. Os índios pareciam ser invisíveis, pois se
camuflavam muito bem no terreno devido ao seu grande conhecimento do local. Ao
fim da batalha, os corpos, dos até então inimigos, se misturavam pelo chão, e o fogo
ainda resistia em pequenos focos, após devorar algumas choças onde habitavam os
garimpeiros. A data exta da saída (ou fuga) dos mineradores das Minas do Castelo
rumo ao litoral não é precisa. Antônio Marins afirma em sua obra, “Minha Terra e
Meu Município”, que tal fato aconteceu entre 1779 e 1780; Tristão de Alencar
Araripe diz que o mesmo fato ocorreu, aproximadamente, em 1771.
Existe um lenda a respeito dos motivos que levaram os índios a lutarem até
conseguiram a expulsão dos mineradores. Ela conta que tudo ocorreu porque os
garimpeiros cortaram uma ponte de cipó sobre o rio Caxixe. Por essa ponte os
índios atravessavam. Com a derrubada da ponte, os mineradores pensavam em se
ver livres dos índios, mas ocorreu o contrário, pois estes tomaram o ato como ofensa
e intensificaram os ataques. Assim, não restou aos mineradores outra alternativa
senão a fuga. Após o ataque, alguns mineradores tentaram resistir, ficando nas
minas com o apoio de incursões vindas das Capitanias da Paraíba do Sul e de
Minas Gerais, mas em 1771, segundo Tristão de Alencar de Araripe, foram expulsos
e perseguidos pelos botocudos até a Vila de Itapemirim. Botocudos e Puris
passaram a reinar soberanos na rica região onde outrora, garimpeiros e jesuítas se
digladiavam em busca do rico metal. As lutas cada vez mais constates entre índios e
garimpeiros, a falta de recursos econômicos para investimento na mineração e a
falta de apoio efetivo (a não ser da Capitania do Rio de Janeiro, que não foi
suficiente) da Coroa para a exploração foram os motivos do declínio das minas das
serras do Castelo.
Esta fase foi, sem dúvida, a mais próspera história das Minas do Castelo,
sendo assim importantes falarmos um pouco mais sobre fatos que aconteceram e
que, de certa forma, marcaram o período.
Os jesuítas já haviam construído
uma igreja em 1625, mas Pedro Bueno
também se deu ao trabalho de mandar
construir uma na aldeia do Caxixe em
homenagem a Nossa Senhora da
Conceição.
A nova igreja passou a ser a Matriz
da Freguesia em substituição a dos
jesuítas. Esta mudança acarretou também
a alteração do nome da Freguesia, que
passou a se chamar Freguesia de Nossa
Senhora da Conceição das Minas do
Castelo, em 1754.
Nesta época, existia um fluxo considerável de fiéis na região, visto que foi
necessária a construção de duas igrejas próximas. Em 1765, muitos destes
habitantes emigraram para o Porto do Caxangá, no Sítio Itapemirim, e o motivo da
saída, como sabemos, eram os confrontos com os índios.
Temerosos em relação ao futuro,
esses habitantes não só emigraram, como
levaram consigo as imagens e
paramentos das igrejas. O responsável
pelo translado foi o pároco Amaro da Silva
Carneiro. Foi levada a imagem de Nossa
Senhora do Amparo, a de São Benedito,
os sinos e a pia batismal.
Inicialmente, eles foram colocados em um oratório ereto, na casa de
Domingos de Souza Bueno Camargo. Posteriormente, foi edificada uma igreja no
local denominado Bello, hoje, Itapemirim, de propriedade de Baltazar Caetano
Carneiro, só para amparar a imagem.
Em março de 1769, esta igreja foi
declarada paroquia da Nova Freguesia de
Nossa Senhora do Amparo do Itapemirim,
atual Paróquia de Nossa Senhora do
Amparo.
Além das imagens que se tornaram
peregrinas, neste período, existia também
em Castelo, uma irmandade consagrada
a São Benedito. Este tipo de instituição
era característica comum nas regiões
auríferas. O Jornal “A Gazeta de
Continuação da
foto
foto
foto
Itapemirim” de 11 de março de 1883, traz
a seguinte notícia a respeito da
irmandade de São Benedito:
“A esse tempo já ali havia imagens no templo, entre essas, a de São
Benedito, que mais tarde teve criada a sua irmandade, inaugurada em 1756, no dia
26 de dezembro, em que se inscreveram 73 irmãos devotos, pretos e brancos, livres
e escravos, entre eles Cláudio Dias de Queiroz, preto forro, natural de Campos, que
veio morar e ser sepultado nesta vila em 1792”. Ainda sobre a irmandade, podemos
afirmar que foi aprovada pelo Bispo do Rio de Janeiro, Francisco Antônio do
Desterro, em 1764.
Os irmãos pagavam as suas joias com ouro em pó. Do seu patrimônio
constava a existência de terrenos, joias, ouro em pó, uma pequenas casa de telha e
animais. Mas, todo esse patrimônio se perdeu no tempo devido às constantes
batalhas com os índios. A imagem de São Benedito tinha m resplendor de prata com
o sinal do rei, mas devido as seguintes reformas pelas quais passou, tal sinal se
perdeu. O referido selo também tinha assinatura do Bispo do Rio de Janeiro, que fez
o reconhecimento oficial da irmandade. No período em que funcionou a irmandade,
o vigário das minas era o Reverendo Antônio Ramos de Macedo. O fato curioso a
respeito da irmandade á a convivência, a que tudo indica, igualitária entre brancos e
negros, escravos e livres, dentro da mesma instituição (MARINS, Antônio. Minha
Terra e meu Município. RJ. 1920.)
As vias de comunicação da época, na segunda fase da mineração em
Castelo, eram os rios. Por eles se chegavam às minas e se escova a produção.
Mesmo quando não davam condições de navegabilidade, seriam como ponto de
referência, já que os aventureiros seguiam margeando os rios em suas expedições
rumo ao interior. Dois foram os rios que deram acesso às nossa minas. Um deles foi
o Benevente, que tem sua foz em Anchieta, na antiga Rerigtiba. Muito
provavelmente, este foi o caminho utilizado pelos jesuítas exiliados pelos índios, pois
a nascente deste rios fica próximo à região das minas. Após subirem margeando o
rio, os jesuítas andavam um pouco mais, e através da orientação dos nativos,
chegaram ao local onde edificaram suas missões e exploraram ouro.
O outro rio é o Itapemirim, que tem o Rio Castelo como seu afluente, e
deságua em Marataízes. Vejamos o que diz um relatório da época, a respeito de tal
rio:
“Da Barra até as minas do Castelo, se
gastam oito dias em canoas carregadas e
em canoas escoteiras este rio para o sul e
vai seguindo para o Castelo, chegando ao
lugar da Fruteira se divide o rio da
Fruteira para o norte, e se vai seguindo o
Castelo e chegando a Manga Larga
divide-se já como pouca água até chegar
ao Porto da Piedade, que é o porto das
minas do Castelo, daí para cima não há
mais navegação, por haver algumas
cachoeiras, sempre vai seguindo do
Castelo para cima, as cabeceiras dele se
gastam doze dias”.OLIVEIRA, José Teixeira Leite de História do Estado do
Espírito Santo, pág. 225.
Este relato a respeito do Rio Itapemirim e do Rio Castelo, de sua foz à
nascente, dá-nos a dimensão das dificuldades encontradas pelos exploradores de
ouro para chegaram aos locais de trabalho, que neste período levavam oito dias
pelas águas do rio. Os rios Itapemirim, Castelo e Benevente foram usados
basicamente para se chegar às minas e para escoar a produção, mas o rio onde se
encontrava o ouro era o Rio Caxixe e o do Ribeirão. É de se destacar a imensa
importância que o rio exerce neste período específico da história castelense, pois
era dele que se retirava e por ele que se transportava toda a riqueza.
Cabe-nos ainda algumas informações sobre o Rio Caxixe, que teve este
nome em homenagem ao último dos vigários da Freguesia de Santana das minas do
Castelo, na segunda metade do séc. XVIII, o Padre André de Souza Leite, que
também era conhecido coo Padre Doutor ou Padre Caxixe. O referido padre era de
Campos e detentor de muitos bens. Ele costumava vir à região para negociar ouro
em pó com os mineradores. Apesar de padre, ele também era um rico negociante e
profundo conhecedor mais cobiçado da terra, e daí é que vem o outro apelido, de
Padre Doutor. A presença de pessoas endinheiradas, como o Padre Caxixe e o
Major Antônio da Silva Povoas, foi muito importante para a dinamização da
exploração do ouro nesta segunda fase da mineração em Castelo, pois sem o
investimento necessário, não se aumentaria a produção aurífera.
foto
Padre Caxixe não foi o único morador de Campos que se interessou pelas
riquezas das minas do Castelo. A cobiça foi tanta que se projetou a construção de
uma estrada ligando as minas a então capitania. Os oficiais da Câmara da Vila de
São Salvador enviaram, em 1757, um pedido à Coroa para se abrir uma estrada
daquela Vila até as minas do Castelo. Pediram também a criação de um posto de
intendente de ouro na mesma Vila de São Salvador. E, buscando conseguir a
liberação para a construção da estrada (neste período só podia construir qualquer
tipo de estrada com a autorização da Coroa), os habitante de São Salvador
argumentavam que a mesma lhes proporcionaria uma grande economia de tempo,
pois levaram quinze dias no transporte do ouro das minas até a Casa da Moeda, no
Rio de Janeiro; e segundo eles, com a nova estrada, o percurso até a Casa da
Moeda gastaria somente três dias.
Além dos problemas causados pela precariedade dos transportes e pela
geografia local, outro aspecto que dificultava o escoamento da produção era a
burocracia, que exigia que o ouro passasse para o Rio de Janeiro. Depois de
qintada a parte devida, o oro era enviado a Portugal.
O ouro retirado das minas descia pelo Rio Itapemirim em canoas, mas até a
foz eram doze cachoeiras, e em cada um delas a canoa tinha que ser descarregada
e tirada do rio com as mãos, causando assim muitos transtornos e dificuldades aos
navegantes. Mas, o rio não era o único problema, pois o ouro de Castelo tinha que
pegar guia em Vitória, para depois ser levado para quintar na Casa da Moeda do Rio
de Janeiro. O caminho até Vitória era deserto e perigoso, tendo o viajante que
atravessar nove rios até chegar ao destino. De posse da guia, o viajante retornava
pelo mesmo difícil caminho, passando posteriormente pela Vila se São Salvador até
chegar ao Rio de Janeiro. Com a nova estrada, o ouro sairia diretamente das minas
do Castelo para a Vila de São Salvador (hoje cidade de Campos) e seguiria viagem
para o Rio.
No período colonial, Portugal usava a política de impedir, a qualquer preço, o
desenvolvimento e a comunicação interna entre as províncias. Esta postura política
era um meio de impedir um desenvolvimento interno que os portugueses temiam
que chagassem à independência. Uma forma de impedir o desenvolvimento era uma
rigorosa fiscalização na construção de estradas, no interior da colônia. O pedido feito
pelos habitantes da Vila de São Salvador, em 1757, para a construção da estrada,
passou por toda a burocracia colonial, e foi finalmente apreciada pelo conselho
ultramarino, que deu parecer favorável à construção, com apenas um voto contra, do
Dr. Alexandre Metello de Souza Menezes. A resolução real para a construção da
estrada foi dada em 27 de novembro de 1761 juntamente com uma carta topográfica
da região, onde constatava, além de outras coisas, a existência de seis aldeias
indígenas, as quais o rei mandava civiliza-la. Só em 20 de abril de 1763, ou seja,
seis anos após o envio da primeira carta, o Governador do Rio recebe a ordem real
para a construção da estrada. Mas, nesta época, as minas já estavam decadentes, o
que desmotivou por completo, a construção da tão sonhada estrada.
Por trás da construção da estrada, havia uma disputa entre a Capitania do
Espírito Santo e a Vila de São Salvador pelo ouro de Castelo. Geograficamente,
Castelo pertencia, e pertence, à Capitania do Espírito Santo, o que nos faz acreditar
que o ouro deveria passar primeiro por Vitória, mas por razões práticas e
econômicas, seria mais vantajoso para os exploradores e para a Vila de São
Salvador, a construção da estrada. Neste caso, quem sairia perdendo serio o
Espírito Santo. Em resumo, eram esses os cominhos para se chegaram às minas: o
Rio Benevente e o Itapemirim. Pela estrada projetada e não realizada pelos
moradores da Vila de São Salvador não trafegou outra coisa a não ser os sonhos de
seus idealizadores.
Para encerrar o relato sobre este período da história de Castelo, gostaríamos
de enfatizar, além do dia-a-dia dos habitantes, os aspectos gerais das minas.
Nenhum minerador pretendia viver eternamente por aqui, o que buscavam era
somente enriquecer e desfrutar do local em lugares que oferecessem melhores
condições, sendo assim, o arraial tinha características rudimentares e de caráter
provisório. A população crescia misturando os hábitos dos negros, dos índios e dos
portugueses na pequena clareira aberta, em meio à mata virgem. O poder da lei e
da autoridade estava distante, a ponto de prevalecer dentro do arraial, apenas a
autoridade dos padres, quando esta ainda prevalecia. As casa eram construídas de
forma a deixar um grande espaço no meio, que era utilizado comunitariamente como
praça. As características das construções era um tanto quanto semelhantes às dos
índios. Era utilizada a própria madeira da região, que servia de parede, e as cascas
e folhas serviam de teto. As casas eram construídas mantendo uma certa distância,
pois em caso de incêndio provocado pelos índios, não se destruiria toda a vila. O
arraial tinha um aspecto sombrio devido à qualidade e ordenação das habitações, e
também graças às árvores não derrubadas, que se espalhavam secas por toda
parte. Esse aspecto sombrio dava lugar ao exótico, quando aos domingos, a
Bandeira Portuguesa tremulava em mastros fixados na porta das casas dos chefes
do garimpo.
O amanhecer trazia consigo uma considerável leva de cavadores de ouro
para o início das atividades, que só terminavam quando o sol se punha. Esses
cavadores eram homens rudes, barbas por fazer, que ao regressarem à Vila,
enchiam-lhe de vida, pelo fato da mesma passar o dia vazia, à espera dos
sonhadores habitantes. Assim era a vida nos Arraiais de Castelo, distante de tudo,
do poder real e eclesial, mas extremamente próxima do sonho do enriquecimento, e
por mais que a dura realidade lhe parecesse pesadelo, o sonho resistia.
O fim da Segunda Fase da Mineração em Castelo foi consequência da
derrota dos mineradores para o mundo tribal e comunitário dos índios. Os fatores
que levaram os índios à vitória inicial foram um melhor conhecimento do terreno, que
lhes possibilitava melhor locomoção durante as batalhas, e também melhor condição
de adaptação e sobrevivência na selva. Por parte dos mineradores, a derrota foi
resultado não só das melhores condições dos índios, mas também da falta de
recursos econômicos, que tornava tanto a mineração como a defesa das minas com
características totalmente arcaicas, e no caso específico da mineração, inviável
economicamente. As difíceis condições de transporte também contribuíam para o
fracasso da mineração. Por último, podemos apontar não só a falta de apoio da
Coroa, mas também a proibição das atividades de mineração em Castelo. A política
confusa em relação a Minas do Castelo, que ora proibia e ora legalizava a
exploração, fazia parte da estratégia portuguesa para o Brasil. Seguindo a mesma
estratégia, o Espírito Santo serviu de proteção, uma autêntica cerca verde, para
preservar as ricas minas de Minas Gerais.
Por volta de 1785, não existia mais nada da antiga Freguesia de Nossa
Senhora da Conceição das Minas de Castelo. Casas, igrejas, vila, fazenda, tudo fora
destruído pelos botocudos que voltaram a ser senhores soberanos de toda região,
como outrora. Mas no século posterior, as atividades de mineração voltaram a
serem efetuadas em nossa região; esta retomada dos trabalhos foi por nós
designada como a “ A Terceira Fase da Mineração”, que é justamente a que nos
dedicaremos a partir de agora.
O mapa, copiado por Bueno Dias Fernandes, com algumas modificações da
“Geografia e História do Espírito Santo” de Miguel A. Kill, mostra as minas do
Castelo e sua proximidade com a região de Ouro Preto, Mariana em Minas Gerais.
5.1.3 – Terceira Fase – Séc XIXA terceira fase inicia-se com o que havia faltando na segunda, o apoio da
Coroa Portuguesa, pois agora o Espírito Santo já havia cumprido sua função de
proteger as ricas minas de Ouro Preto e de Diamantina. Com a decadência da
mineração em Minas Gerais, não fazia mais sentido manter o espírito isolado e
despovoado para proteger o que não mais existia. E foi justamente por isso, que em
4 de dezembro de 1816, através de Carta Régia, D. João VI ordenou ao então
governador da capitania do Espírito Santo, Francisco Alberto Rubim, que dividisse
os terrenos das antigas minas do Castelo e que desse reinício às explorações de
ouro.
Esta fase teve uma duração bastante curta, de 1816 a 1830. Neste período
houve exploração contínua, contando, inclusive, com a presença de mineradores
ingleses e alemães. As explorações não terminaram por inteiro em 1830, mas houve
uma considerável diminuição, acabando por se tornar uma atividade esporádica, que
chega até os nossos dias. Há registro de remessa de ouro de Castelo, enviada pela
província do Espírito Santo ao Governador Imperial, nos anos de 1820, 1824 e 1847.
Este envio foi a título de amostragem e foi efetuado pelo Coronel Julião Fernandes
Leão.
A presença real é uma característica que difere a terceira fase das duas
anteriores. O que se conseguia com a força física, na terceira fase passou a se
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conseguir com o uso de uma outra força – a política. Foi assim que no dia 1º de
outubro 1822 no linear de nossa “Independência”, o Tenente-Coronel de Milícias,
Ignácio Pereira Duarte Carneiro, recebeu, através do ministro do império, a
autorização para lavrar as minas de Sant’Ana do Castelo. O Tenente-Coronel genro
de Joaquim Marcellino da Silva Lima, o famoso e poderoso Barão de Itapemirim, que
comandava com pulso forte toda a política do sul do Espírito Santo. O grade poder
político conseguido através do poder econômico, da troca de favores e de
assistencialismo às véspera das eleições, comum na política do sul do Estado, tem
raízes profundas na nossa história. Vem do início do império a tradição de usar coisa
pública, como um bem privado em benefício de determinado grupo de amigos ou
parentes. Tornam-se cada vez mais comuns em nosso dia-a-dia, casos iguais ao do
Barão de Itapemirim, que conseguiu concessão das minas do Castelo para o seu
genro. O fato desta tradição vir de longa data, deve ser motivo de desânimo, mas
sim de força e impulso para que lutemos contra estes problemas que aumentam
cada vez mais a distância entre ricos e pobres.
Livre do julgo de servir cerca verde para proteger as minas de ouro de Minas
Gerias, inicia-se a tentativa de dinamizar economicamente o Espírito Santo. Um
passo importante neste sentido foi a criação da estrada do Rubim, que ligava Vitória
às jazidas auríferas de Minas Gerais. Esta estrada tem um percurso semelhante ao
da BR 262, e leva este nome por ter sido construída entre 14 de setembro de 1814 e
30 de agosto de 1816, período em que Francisco Alberto Rubim era governador do
Espírito Santo. O encarregado da construção foi o Tenente-Coronel Ignácio Pereira
Duarte Carneiro, o mesmo que tinha a concessão de explorar as minas do Castelo.
A estrada nova do Rubim, ou também estrada de São Pedro de Alcântara (os
dois referiam-se a mesma estrada), tinha início na baía de Vitória, no porto de
Itacibá e passava na fazenda Borba, hoje Viana. A referida fazenda pertencia a
mesma pessoa responsável pela construção da estrada, o Tenente Coronel Inácio
Pereira Duarte Carneiro. Através desta afirmação, percebe-se mais uma vez, a velha
mania de usar coisa pública em benefício particular. Da fazenda Borba, a estrada ia
até a divisa do Estado do Espírito Santo com Minas Gerais, no rio Pardo onde existia
um quartel com o marco divisório. A estrada terminava em Mariana, e em seu
percurso foram criados quartéis onde moravam colonos vindos de outra possessão
portuguesa, os Açores. A presença dos moradores nos quartéis era para proteger a
estrada e os viajantes dos ataques dos índios. Além de conservar a estrada, os
colonos cultivavam lavouras. A distância que separava os quartéis era de três
quilômetros.
A estrada de Rubim deu um certo impulso na mineração em Castelo, pois ela
passava relativamente próximo às minas, mais precisamente onde hoje é Conceição
do Castelo, facilitando assim o escoamento de ouro para Vitória. Passavam por ela
também tropa com variados produtos que eram transportados para Vitória
provenientes das Minas Gerais. Mas, devido ao pouco fluxo de pessoas, cargas e
bois, a estrada foi sendo gradativamente abandonada, assim como seus quartéis de
manutenção e proteção.
Foi também no terceiro período da mineração em Castelo, mais precisamente
em 1820, que o então governador do Espírito Santo, Baltazar de Souza Botelho
Vasconcelos, enviou ao rei um pedido de regulamentação dos trabalhos das minas
e também de proteção dos índios, que a esta altura não ofereciam muita resistência
à presença do branco em seu antigo território. E foi justamente atendendo a este
pedido, em 1º de agosto de 1829, que o governo imperial criou, para efeito de lei, o
Aldeamento Imperial Afonsino, que ficou, como não poderia deixar de ser, a cargo
de Joaquim Marcelino da Silva Lima, o Barão de Itapemirim.
O Barão de Itapemirim só executou a missão a qual o governo imperial lhe
havia ordenado, em 1845. Após uma viagem à região das Minas Gerais, o Barão
passou pelas Minas do Castello, e encantado com a beleza da região. Decidiu enfim
cria o aldeamento para os índios Puris, que ficava localizado à margem do rio
Castelo. O responsável direto por sua fundação, designado pelo Barão, foi o
engenheiro Frederico Willmer, que foi sucedido pelo Frei Daniel de Napoli. Mas
tarde, os índios abandonaram o aldeamento, que estava sobre comando do Frei
Bento de Gênova. Deste momento em diante, o local foi se transformando em vila,
que contava em sua maioria, com a presença de brancos. Na segunda metade do
séc. XIX, uma lei provincial elava o antigo Aldeamento à categoria de freguesia com
a invocação de Nossa Senhora da Conceição do Castelo, atualmente denominada
apenas Conceição do Castelo.
Mais uma vez, as minas de ouro do Castelo são pauta do dia, no Império do
Brasil. Em 17 de dezembro de 1824, o então imperador D. Pedro I ordena, através
de decreto, a divisão das ricas terras das minas do Castelo, já que o genro do Barão
de Itapemirim, Inácio Pereira Duarte Carneiro, não havia feito uso da concessão que
lhe autorizava a mineração da área. Economicamente, Portugal e Brasil era
extremamente dependentes da Inglaterra, no início do século XIX, e esta
dependência foi sentida e refletida aqui nas minas do Castelo. Em 1824, os
representantes de uma companhia inglesa, Georges Creyress Baumer e Eduard J.
Bridges, estiveram visitado as minas. Os responsáveis pelas minas receberam
ordens claras do Imperador para facilitar e auxiliar os estrangeiros em suas
“pesquisas”, colocando à disposição dos mesmos todas as riquezas das minas do
Castelo. Esta atitude é uma clara demonstração de submissão aos interesses
estrangeiros; submissão da qual ainda não estamos livres nos dias de hoje.
O local que hoje conhecemos como Fazenda do Centro, também foi palco de
mineração, como afirmamos anteriormente, graças às suas planícies em que o metal
se assentava no fundo do rio, que era até desviado para facilitar o trabalho de cata
do ouro. Mais do que lugar de mineração, a Fazendo do Centro foi o local onde se
iniciou a mudança da base econômica do futuro município de Castelo. Desiludidos
com o ouro, que se tornava cada vez mais escasso, os moradores da Fazenda do
Centro iam se dedicando gradativamente à agricultura. O Major Antônio Vieira
Machado da Cunha foi um dos primeiros donos da fazenda a empreender outras
atividades econômicas, que não fosse a mineração. A atividade econômica que
suplantou a mineração, inicialmente na Fazenda do Centro, e posteriormente no
município, foi a extração de madeira para a transformação das matas em lavouras
de café e pasto para gado.
A região, hoje Fazendo do Centro, havia sido abandonada pelo major Povoas,
“o velho”, provavelmente, desiludido com a escassez do ouro. Foi aí que o Major
Antônio Vieira Machado da Cunha tomou posse do local, dando-lhe a denominação
que ainda hoje pendura. O Major Vieira da Cunha chegou a Castelo em 1845 e
faleceu em 23 de julho de 1868, deixando como herdeiro da fazenda, um de seus
genros, o português Manoel Fernandes Moura.
O tal português era comerciante de
fumo, café, toucinho e queijos na Rua da
Candelária, no Rio de Janeiro; por ser
amigo de Vieira da Cunha veio a se casar
com uma de suas filhas, vindo a falecer
em uma viagem de Portugal para o Rio de
Janeiro. Este fenômeno de mudança do
ciclo econômico, do ouro para o café, não
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foi exclusivo da Fazenda do Centro,
ocorreu também em outras áreas de
mineração, como na Fazenda da Prata,
Limoeiro e Caxixe.
5.2 – As Consequências da Proibição da Mineração no Espírito Santo e em Castelo
Com o aumento da fama e da riqueza das “Gerais”, Portugal temia que
invasores estrangeiros fossem atraídos por elas e pelas Minas do Castelo, e assim
pudessem conquistar a cidade de Vitória e subir o rio Itapemirim, chegar ao Castelo
e depois às “Gerais”. Por esta razão, e também para impedir que o ouro fosse
contrabandeado pelo litoral da Capitania do Espírito Santo, Portugal não só as
explorações das Minas do Castelo e a descoberta de outras, mas também que a
Capitania mantivesse ou abrisse quaisquer comunicações com as Gerais. A
desobediência dessa ordem seria punida com o confisco dos bens e o degredo para
a África.
O 1º Ato de Proibição data de 10/11/1710. A alegação da Coroa para a
proibição se devia à proximidade da Costa, da falta de proteção contra piratas, do
pouco povoamento que nesta época ainda se encontrava no Espírito Santo, aliados
à mata tropical fechada. Nossa Capitania pouco se desenvolveu economicamente,
apesar dos vários engenhos de açúcar aqui montados. Vários fatores contribuíram
para nosso insucesso: ataque constantes dos índios, poucos recursos financeiros
dos colonos que aqui se instalaram, a distância do mercado europeu e, com certeza,
uma população em qualidade e quantidade bem inferior à da menina dos olhos da
Coroa Portuguesa nesta época, que era Pernambuco. Portanto, nossa colonização
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foi litorânea e escassa, o que vai gerar, no início do século XVIII, quando há as
primeiras descobertas de ouro em nosso interior, desconfianças por parte de
Portugal em permitir que o escoamento do ouro das “Gerais” passasse pelos portos
capixabas (Vitória).
Não basta a Portugal encontrar as minas de ouro no Brasil, mas também
assegurar seu controle e fiscalização rigorosa sobre elas. Afinal, nesta época,
Portugal se debatia numa economia decadente, e ainda mais, com o açúcar
brasileiro em baixa no mercado europeu, o ouro então seria a solução para todos os
males. Portugal não se permitiria o risco de ver o ouro passando por uma região de
tão poucos fortes militares, poucos habitantes, que não ofereceria o mínimo de
condições de segurança para passagem do mesmo.
A decisão da proibição foi, portanto, algo bem pensado, bem avaliado para
não haver possibilidade de erro. Como não havia garantia de proteção das jazidas,
foram proibidas construções de estradas ou navegação fluvial em direção ao interior.
As proibições impediram que, com a febre da procura do ouro e pedras
preciosas e com a abertura de caminhos para o sertão ou para as “Gerais”, mais
rapidamente tivesse sido desbravado e se expandido o território do Espírito Santo.
As minas “Gerais” tornaram-se território proibido aos capixabas. A capitania
funcionou como uma verdadeira Barreira Verde ao desvio do ouro, foi a fortaleza e a
proteção das “Gerais”.
Não é difícil avaliar os prejuízos de tal medida adotada e imposta aos
capixabas. Com certeza, o Espírito Santo perdeu muito, pois pela Carta de Doação
de 1534, de Vasco Fernandes Coutinho, totó o território que compreende as áreas
de exploração do ouro, na região das minas, pertencia à Capitania do Espírito Sato,
o que ficou confinado a praticamente 1/5 do que verdadeiramente lhe pertencia.
Mas, perdeu também em desenvolvimento, 300 anos de esquecimento, de
fechamento ao progresso. Quem levou a melhor foi o Rio de Janeiro, que se
desenvolveu em função do ouro que passou a circular por seus portos, em direção à
Europa, vindo inclusive a tornar-se a capital da colônia em 1763.
A capitania do Espírito Santo virou uma cortina intransponível para se aintir o
ouro.
As proibições no Espírito Santo provocaram, então, aprofundamento da
decadência da capitania, relegando a ela um abandono e um atraso correspondente
a 3 séculos, só vindo a modificar esta situação com a produção cafeeira. A nossa
pobreza serviu à riqueza e ao desenvolvimento das outras regiões próximas às
minas.
Com relação a Castelo, a política da proibição modificou-se em vários rios
momentos, de proibidas e consentidas e até autorizadas pelas autoridades do
governo.
Mesmos assim, quem saiu ganhando com essa exploração do ouro em
Castelo, não foi Castelo, que com certeza não viu o metal servir ao seu
desenvolvimento e ao seu crescimento, pois não se tem, sequer, registros oculares
da sua presença aqui, como no caso das “Gerais”.
VI – ORIGEM DO NOME CASTELO
Muitos se perguntam sobre a origem do nome de nosso município: Castelo. A
melhor e mais correta maneira de darmos uma resposta a esta indagação é
recorrendo à história. Mas, não buscamos uma verdade pronta e única que não
aceite questionamento. O que faremos aqui é relatar as versões que encontrarmos a
respeito do tema, e a partir daí acolheremos, ou mesmo criaremos, a mais plausível
e próxima da verdade histórica.
Recorreremos ao dicionário para buscar o significado da palavra Castelo.
“Castelo: casa senhorial fortificada,
residência senhorial ou real, fortaleza
medieval, parte mais elevada do convés
do navio”. ROCHA, Ruth. Mini dicionários – p. 127.
O nome Castelo não é de origem indígena, logo foi dado o referido nome às
minas por um europeu, provavelmente um português. Vamos tentar fazer uma breve
análise do imaginário do europeu desta época e identificar o significado da palavra
Castelo para ele. Castelo é uma palavra ligada essencialmente ao mundo medieval,
que a Europa acabava de sair no período em que aqui chegaram. Dava ideia de um
lugar grande, fortificado e protegido com poço, pontes móveis, torres e não
necessariamente com muito luxo. O nome Castelo está associado também a poder e
riqueza, pois era a residência do rei, símbolo de riqueza, mais basicamente de
poder. Alguma coisa na região das minas fez os primeiros habitantes lembrarem de
um castelo e batizarem a região com o mesmo nome. As denominações
encontradas foram: Montes do Castello, Nossa Senhora da Conceição das Minas do
Castelo, Serras do Castelo e Castelo. Nós nos dedicaremos a partir de agora, às
versões que encontramos a respeito do nome. Sabemos que elas estão diretamente
ligadas às diferentes hipóteses de chegada dos primeiros habitantes de nossa
região. Tristão de Alencar dá a seguinte versão para a origem do nome:
“Diz a lenda que um explorador, vindo da
costa, deparou a serrania com alta
muralha, enquadrada, nos dois flancos
por dois altos picos (Pontões), como
legítimos torreões. Teve a impressão de
um castelo com muralhas a meias e torres
ou bastões. Daí a ideia de solar ou
fortificação medieval – o castelo”.ARARIPE, Tristão de Alencar. “O Ciclo do Ouro em
Castelo”. Pág. 32. Ver. Cut UFES – Vitória, 1974.
Esta versão parte do pressuposto
de que os primeiros habitantes que aqui
estiverem chegaram pelo rio Itapemirim,
segundo Tristão de Alencar Araripe, como
mostra o mapa ao lado.
A outra versão a que tivemos
contato, foi a do major Joaquim José
Gomes da Silva Neto, em seu trabalho
“Histórias das mais importantes minas de
ouro do Estado do Espírito Santo”.
Basicamente. Esta segunda versão diz que os jesuítas foram os que primeiro
chegaram, e também denominaram Monte do Castello a nossa região.
Gomes Neto diz que nos lugares
onde se encontrou ouro, ou seja,
Povoação e Fazenda do Centro, não se
verifica na cadeia de montanha que os
rodeia, nenhuma semelhança que faça
lembrar um castelo, logo, segundo ele,
não foi dali, onde os homens escavavam
e mudavam o curso do rio, que surgiu a
inspiração para o nome.
Para o major, esta inspiração surgiu quando os jesuítas partiram de Rerigtiba,
(hoje Anchieta) através do rio Benevente (conforme o segundo mapa),
embrenharam-se na mata e aqui chegaram. Segundo ele, foi em uma serra onde
nasce o rio Jucu, que fica no antigo caminho que ligava as minas ao mar, que surgiu
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foto
a inspiração para os padres jesuítas. Perto desta serra, nasce também o rio Caxixe.
Esta serra destacava-se das serras adjacentes por sua imponência e altura. Tal
serra observada do sítio, perto do Arraial Velho, que pertenceu ao major Vieira, tinha
as seguintes características: muito elevada, com um corte no flanco a prumo como
uma espécie de parapeito, entre dois pontões a picos perto um do outro, sendo que
um era mais grosso do que o outro na base. Ainda deste sítio se avistava, à direita,
as serras de Guarapari e, à esquerda, os montes do Benevente. Esta informação
rochosa refletindo a luz do sol nascendo proporcionou aos jesuítas a imagem de um
castelo, onde o corte vertical da serra era a muralha e os dois pontões as torres.
Desta forma estava justificada, segundo ele, a origem do nome Castelo.
O documento mais antigo a que tivemos acesso a respeito da nossa história é
datado de 1625, e nele já figurava o nome Castello. Sendo assim, concluímos que
foram os jesuítas que nos batizaram, pois sendo eles os primeiros habitantes
europeus do lugar que, já em 1625 tinha este nome, ou seja, antes da chegada dos
Bandeirantes, não temos dúvidas sobre os autores do nome, pois eram eles os
únicos habitantes europeus de nossa região. Outro fato que não podemos negar é
que a inspiração para o batismo veio dos aspectos geográficos, ou seja, da cadeia
de montanhas ou de uma específica que nos rodeia.
A versão de Gomes Neto com relação ao autor do nome Castelo é mais
precisa, pois ele enfatiza que foram os jesuítas. Já Araripe menciona apenas que o
autor foi um determinado viajante, sem dar detalhes sobre ele mesmo porque
Araripe não comunga da versão sobre o pioneirismo dos jesuítas na exploração do
ouro em nossa região. Sendo assim, no que diz respeito ao criador do nome
Castelo, Gomes Neto tem razão. Com relação ao local que serviu de inspiração para
este nome também encontramos divergências; Araripe diz que foi próximo ao rio
Castelo, na região conhecida hoje como Pontões. Já Gomes Neto diz que o lugar,
apesar de distante, está ligado ao rio Caxixe.
Também neste aspecto a verão de Gomes Neto leva vantagem sobre a de
Araripe, pois em torno do rio Caxixe se concentrava um fluxo maior de pessoas,
nada mais natural, pois foi nele que se descobriu o ouro. Isso não significa dizer que
os primeiros habitantes desconhecessem o rio Castelo e consequentemente o local
que supostamente serviu de inspiração para o nome. Mas as possibilidade do local
ser o citado por Gomes Neto são maiores, pois além do rio Caxixe está mais ligado
à mineração, o ponto descrito por ele fica mais próximo ao caminho percorrido pelos
jesuítas.
Trabalhar com essa possibilidades é um tanto quanto difícil, pois além das
documentações serem escassas, estamos lidando com algo extremamente
subjetivo, já que nos referimos aos prováveis locais que remeteram à imaginação de
nossos antepassados ao mundo medieval. A imaginação, como sabemos, não
segue nenhuma tipo de regra estabelecida e não tem modelo fixo, ela é
condicionada a cada tipo específico de indivíduo. Como mais um fator a dificultar a
precisão deste conceito, temos o fato de que a imaginação é necessariamente
movida pela emoção, que por sua vez, está diretamente condicionada a um
infindável número de acontecimentos não só do presente, mas também do passado.
Desafiados pelo intrigante e fascinante mundo da imaginação, optamos por
não criarmos nossa versão a respeito da origem do nome, mesmo porque ela não
passaria de uma nova imaginação, e o que é pior, revestida de um caráter imposto.
Pelo exposto, tudo nos leva a crer que o nome Castelo foi dado pelos padres
jesuítas, e a fonte de inspiração foram as montanhas da região. Mas não podemos
afirmar, quais, ou qual montanha fez os padres lembrarem da imagem de um
castelo, pois ela pode ter sido encontrada no caminho até chegarem aqui, ou mesmo
na região das minas. Para finalizar, é bom registrar que a primeira visão que os
jesuítas tiveram de nosso futuro município foi de cima para baixo, ou seja, eles
chegaram pelo alto, margeando o Benevente até atingirem a nascente do rio Caxixe,
e daí desceram para a região onde se encontrava o ouro.
VII – O CAFÉ NO BRASIL
7.1 – Breve ComentárioO café foi introduzido no Brasil no início do séc. XVIII, vindo da Guiana
Francesa, pelas mãos do Sargento-mor Francisco Melo Palheta, encontrado pelo
Pará. Neste período, a importância do café foi pequena, pois era um produto para
consumo doméstico. O produto só ganhava contornos de produção visando o
mercado externo no séc. XIX, principalmente a partir de 1830, com o Brasil já
independente.
É importante ressaltar que o Brasil passou por problemas econômicos
seríssimos com a Balança Comercial constantemente deficitária, em função da
ausência de um produto que viesse levantar nossa economia. Foram crises como a
do açúcar em queda constante no mercado europeu desde fins do séc. XVII e a do
ouro em processo de esgotamento desde o final do séc. XVIII. Fazia-se, então,
urgente achar um novo produto que pudesse reerguer nossa economia, e é dentro
desse contexto que começa a se vislumbrar a comercialização, em primeiro
momento em pequena escala, mas que caminhando o séc. XIX a fora, se torna o
pilar de sustentação da economia brasileira. Cada vez mais, os mercados
americanos e europeus se expandiam. Tanto assim, que em meados, já deste séc. a
pauta de exportação registrava 60% das nossas exportações que se baseavam na
comercialização do café.
É importante ressaltar que a empresa cafeeira foi estruturada no mesmo
modelo da empresa açucareira, isto é, no Sistema Plantation, monocultura, mão-de-
obra escrava e os grandes latifundiários. Começando as produção em larga escala
no Rio de Janeiro, depois avançava para o oeste paulista (produção espetacular),
para Minas Gerais e para o Espírito Santo.
No Rio de Janeiro, o café se espalhou pela Floresta da Tijuca, Angra dos
Reis, Parati, Vale do Paraíba e outras cidades em grande zonas cafeeiras. Mas é
em São Paulo que o café encontrou o seu habitat mais propício. Solo fértil, terra
roxa, chuvas regulares e temperaturas adequadas, em regiões como Ubatuba,
Guaraguatatuba, São Sebastião, Campinas, Jundiaí, Limeira, Itu, Sorocaba, Ribeirão
Preto, onde atingiram produtividade máxima, é o que vai tornar São Paulo o mais
importante centro econômico do país.
O café foi responsável por grandes transformações sociais, políticas e
econômicas no Brasil, alterando profundamente sua estrutura. As cidades
cresceram, alterou-se a vida social nos grande centros urbanos com construções e
hotéis, jardins públicos, teatros, cafés, ricos salões de baile, bondes puxados a
burros, iluminação das ruas com famosos lampiões a gás, bancos, ferrovias e
companhias de navegação.
O café reintegrou a economia brasileira aos mercados internacionais,
contribuiu decisivamente para as mudanças das relações assalariadas de produção
e possibilitou o acúmulo de capital, que disponível, foi sendo aplicado em sua
própria expansão e em alguns setores urbanos a indústria, a inversão de nossa
Balança Comercial que fecha o séc. XIX apresentado superávit. Realmente, o café
tornou-se o “produto rei” de nossa economia.
TABELA DE EXPORTAÇÕES DE CAFÉ DO BRASIL
PORCENTAGENS SOBRE O VALOR DA EXPORTAÇÃOProdutos 1821/30 1831/40 1841/50 1851/60 1861/70 1871/80 1881/90Café 18,4 43,8 41,4 48,8 45,5 56,6 61,5Açúcar 30,1 24,0 26,7 21,2 12,3 11,8 9,9Couros e peles 13,6 7,9 8,5 7,2 6,0 5,6 3,2Borracha - - - 2,3 3,1 5,5 8,0Algodão 20,6 10,8 7,5 6,2 18,3 9,5 4,2Fumo - - 1,8 2,6 3,0 3,4 2,7Cacau - - 1,0 1,0 0,9 1,2 1,6
Fonte: CANABRAVA, Alice. “A Grande Lavoura”. In. Sérgio Buarque de Holanda (dir.). “História Geral da
Civilização Brasileira”. São Paulo, Difel.
VIII – O CAFÉ NO ES
8.1 – Breve ComentárioO Espírito Santo, desde a sua colonização, com Vasco Fernandes Coutinho,
desenvolveu uma economia baseada na agricultura, em especial a da cana e de
outros produtos utilizados na subsistência da população. Apesar das várias buscas
pelo metal, a capitania se mantinha com a agricultura.
Até meados do séc. XIX, era o açúcar, apesar da pouca produção, o produto
que sustentava a economia capixaba. O ouro, apesar das tentativas, era encontrado
em pequena escala, e foi ofuscado pelo ouro em grandes quantidades nas Minas
Gerias, o que contribuirá para praticamente o fechamento de nossa capitanias,
mediante a possibilidade do contrabando passando por aqui, região pouco povoada,
de poucas defesas, na chamada “Barreira Verde”. Isso contribuiu muito para que o
nosso desenvolvimento não acontecesse em função do ouro, muito pelo contrário,
nos legará um atraso de 300 anos. Assim sendo, nossa capitania vivia à mingua,
pouco povoada, sem algo que lhe desse novos ânimo para seu crescimento
econômico.
É dentro deste contexto de necessidade de recuperação da capitania, que me
1800 assume o governador Silva Pontes (Antônio Pires da Silva Pontes), e toma de
imediato algumas providências para que se alcançasse tal objetivo. Uma delas, e
importantíssima, foi a assinatura dos Autos de 1800, ficando definitivamente
demarcados os limites entre Minas Gerias e a capitania do Espírito Santo, o que vai
preservar o nosso território, já que os mineiros se expandiam em direção ao mar. A
assinatura deste Ato vai também contribuir para o incentivo à comunicação entre as
duas regiões, favorecendo o transporte pelo até então fechado Rio Doce, levando o
povoamento e colonização daquela região, contando com a presença da mão-de-
obra mineira, já que o ouro encontrava-se em decadência.
Apesar de todos os esforços, a capitania ainda carecia de uma nova dinâmica
na economia. Era preciso que se encontrassem caminhos que levassem ao nosso
real crescimento econômico. Mas o que tínhamos para isso? Terras pouco
povoadas, mata quase que recobrindo nossa extensão territorial, terras virgens,
devolutas, portanto, a nossa saída seria pela via agrícola, devido as nossas
possibilidades naturais. Paralelo a isso, o Vale do Paraíba, em grande escala, vinha
produzindo um produto, que apesar de ter entrado no Brasil no início do século
XVIII, só no século seguinte, séc. XIX, começava a ter expressão na economia do
país, seguido por Minas Gerias e São Paulo. Os cariocas começaram a expandir sua
produção, fazendo das terras sul capixabas quase que uma extensão de suas terras,
seguidos pelos mineiros e depois pelos paulistas.
Existem indícios de que o café já era produzido em pequenas escalas em
nossa capitania em 1811, porém era um produto de pouca expressão. Primeiro
vinha o açúcar, que a partir de 1826 é superado pela farinha, exportada em larga
escala, vinda da região de São Mateus.
O café encontrou aqui, apesar de nosso território não apresentar as
condições adequadas para o seu plantio, como no oeste paulista, outros elementos
que foram fundamentais para sua produção, como as terras virgens para serem
desbravadas e o estímulo do mercado externo, onde o preço e a procura pelo
produto aumentavam ano após ano; o menos custo de implantação do produto se
comparado ao da cana, o que contribuiu para que os lavradores capixabas
abandonassem a sua produção, substituindo-a pela do café, surgindo assim “uma
verdadeira febre de plantar café” (BITTENCOURT, Gabriel. Notícias do ES – editora Cátedra –
pág. 48).
O período que se segue é de grandes possibilidades para a nossa província
(denominação dada às antigas capitanias, a partir da Independência 07.09.1822) e
para seus moradores. Em 1815, no Governo de Francisco Alberto Rubim,
exportamos nossas primeiras arrobas de café. Em 1852, o café já era o produto de
maior valor dentro de nossas exportações, levando nossa balança a apresentar seus
primeiros saldos positivos.
Começando pelas regiões do sul: Mimoso do Sul, Cachoeiro de Itapemirim,
Apiacá, Itarana, Muqui, Castelo, e indo em direção ao norte, o café foi trazendo
grandes transformações para nossa província.
O que antes era uma Província pobre, isolada e sem o menor atrativo para a
vinda de forasteiros, como observa Saint-Hilaire, agora não é mais uma realidade,
pois grandes contingentes de imigrantes internos e europeus vieram se estabelecer
em território capixaba, aumentando consideravelmente nosso número de habitantes,
que me 1824 era de 35.000 e passou, em 1900 a 209.783. o desenvolvimento do
setor de transportes, tanto rodoviário quanto fluvial (ponto fluvial de Cachoeiro de
Itapemirim), incrementa a desobstrução de rios, a construção e a ampliação do Porto
de Vitória, que passa a receber a presença constante de navios europeus, e da rede
ferroviária, que chega à nossa Província já no final do Império, que de Cachoeiro de
Itapemirim ligava-se às regiões do interior, como Castelo e Alegre, além da criação
de inúmeras benfeitorias, como o Correio Geral (1884), a iluminação a gás, o
telégrafo elétrico, enfim, ares de crescimento e desenvolvimento.
No sul do ES prevalecera a grande propriedade com mão-de-obra escrava, e
que vai entrar em franca decadência a partir de 1888, com a assinatura da Lei
Áurea, tornando o trabalho nessas regiões mais ou menos desorganizado.
Exportação dos principais produtos pelos portos do Espírito Santo.
Produtos
Porto de Vitória Norte – Porto de São Mateus
SulPorto de Itapemirim
% % %1873/74 1883/84 1885/86 1873/74 1883/84 1885/86 1873/74 1883/84 1885/86
Café 37,6 30,7 29,3 4,3 6,1 5,2 58,1 63,2 65,86Açúcar 13,3 60,3 35,4 20,3 - 2,4 66,4 39,7 62,2Farinha 0,4 6,3 2,4 99,6 92,5 97,5 - 1,1 0,1Milho 96,4 99,4 4,6 1,8 0,3 49,8 1,8 0,3 45,8Madeira 0,1 0,1 74,8 0,6 0,2 0,4 99,3 99,7 24,8
Fonte: A Gazeta
IX – A EXPLORAÇÃO DO CAFÉ EM CASTELO
9.1 – IntroduçãoTendo como principal referencial a questão econômica, e encerrando o ciclo
do ouro como principal produto da economia castelense temos agora o café, que
passa a ser o carro chefe de nossa economia.
Buscando levar o leitor a uma melhor compreensão a respeito do tema,
optamos por dividir em fases o estudo da exploração do café em Castelo. Esta
divisão é de caráter estritamente didático, e tem como objetivo proporcionar uma
melhor análise sobre o tema, pois quando os fatos aconteceram, não se adotava tal
divisão. Elegemos como marco divisório da produção cafeeira em Castelo a
alteração no tipo de mão-de-obra.
A primeira fase tem como característica principais a utilização da mão-de-obra
escrava, a grande quantidade de terra das fazendas, a produção para exportação, a
dificuldade para o transporte da produção e a grande concentração de poder nas
mãos dos fazendeiros. Esta fase tem início na primeira metade do século XIX,
quando os fazendeiros de regiões produtoras de café buscavam novas terras para
dar continuidade às suas atividades econômicas.
Antigos núcleos de mineração deram lugar a grandes fazendas de café, que
por precisarem de muita quantidade de terras, foram expandindo mata a dentro,
explorando as antigas fronteiras do período da mineração. Consideramos como fim
desta fase a abolição da escravidão, pois ocorre aí uma ruptura na questão de mão-
de-obra.
A segunda fase inicia-se com uma pseudo liberdade para os antigos escravos
e pelo sonho de construção de uma nova vida por parte dos imigrantes italianos,
longe da fome e penúria que viviam em seu país de origem. A presença de um
grande número de imigrantes italianos nas lavouras de nossa terra, no lugar dos
escravos é o que mais diferencia a segunda fase da primeira.
Contrariando a tendência nacional, que era o aumento da concentração de
terras nas mãos de poucos fazendeiros, em Castelo ocorre justamente o contrário,
ou seja, a pulverização da propriedade da terra. Esta característica da região na
questão da propriedade também não existia na fase anterior. As demais
características da primeira fase não sofrem muitas mudanças na segunda.
Feita essa pequena exposição inicial, podemos nos ater, de agora em diante,
às questões que envolveriam a produção do café propriamente dita. Buscaremos
nos aprofundar, de forma rápida, nos temas que foram aqui citados, e também
abordar outros que julgamos de grande importância para a compreensão da história
de nosso município. Segundo a cronologia, abordaremos a primeira fase.
9.2 – Primeira Fase da Produção do Café em Castelo
9.2.1 – As Grandes Fazendas: migração interna.Como relatamos na parte que trata da mineração, a região onde hoje é
Castelo, ficou um determinado período praticamente desabitada. Este período vai
doo fim do séc. XVIII, por volta de 1785, até a retomada dos trabalhos de mineração
no início do século XIX. Veja o que diz o “Livro Tombo de Itapemirim”, a respeito
deste período:
“Foi assim extinta a Paróquia de N. S. do
Amparo dos Montes ou de N. S.
Conceição das Minas do Castelo, na qual
não existiam em 1785, nem aldeias, nem
casas, nem igrejas, nem fazendas, nem
sítios, porque os Botocudos, senhores da
localidade, tudo destruíram, restando
apenas vestígios da Aldeia do Caxixe na
atual Fazenda Povoação, pertencente a
Francisco Vieira D’Almeida Ramos”.
Após este período que relatamos, tem-se a retomada dos trabalhos de
mineração, já no séc. XIX. Mas onde entra o café nesta história? O café estava
sendo produzido em larga escala neste período, no Vale do Rio Paraíba. Pois bem,
tendo os mineradores se desiludindo com a cata do ouro, e observando que a terra
de nossa região era bem fértil e virgem, muitos deles, provavelmente, resolveram
mudar de atividades. O grande impulso à cultura do café na região do Castelo se dá
com a chegada dos ricos e capitalizados fazendeiros oriundos da região do Vale do
Rio Paraíba e também de Minas Gerais. Os poucos recursos utilizados na
recuperação do solo e o tipo de agricultura que se praticava exigiam, cada vez mais,
novas áreas para plantação do café. E foi graças a esta necessidade que a região
onde hoje é Castelo se inseriu no cenário estadual e nacional da produção cafeeira.
O mesmo ocorria no Vale do Paraíba Fluminense, onde esse processo se agravou
de tal forma, que veio afetar não somente pequenos e médios lavradores, mas até
mesmo os grande proprietários. A Baronesa do Pati escrevia, em 1862, a respeito
de suas imensas propriedade herdadas do Barão do Pati dos Alferes:
“A absoluta falta de terra para novas
plantações de café não me permitiu
entender os cafezais.”ALMADA, Vilma Paraíso. “Escravismo e Transição”.
Editora Graal, 1ª edição – 1984. P.76
Os antigos locais que seduziam os aventureiros pelo brilho do precioso metal
passaram a atrair fazendeiros de café em busca de terras virgens e férteis para
exercerem suas atividades. As primeiras expedições que se dirigiram para a região
do Alto Itapemirim, (região onde se encontra Castelo hoje) em busca de terras férteis
e propícias à agricultura, e não mais para a mineração, aconteceram em 1822.
Os relatos desta expedição foram feitos por Francisco Lobato e Antônio
Marins em 1898. Segundo o referido relato, ela era composta por setenta e duas
pessoas, na maioria, índios mansos e escravos libertos. Havia também algumas
brancos, e entre eles o capitão-mor Manoel José Esteves de Lima, de origem
portuguesa, residente em Mariana, que liderava a expedição. O ponto de partida foi
a fazenda São Francisco da Anta em Minas Gerais, e após vencer todas os
obstáculos naturais, a expedição chega ao Alto Itapemirim.
Após a avaliação da área, o Major retorna a Mariana, mas para proteger as
terras das quais acabava de se apoderar, deixa algumas pessoas de sua confiança
nos sítios. Os responsáveis que aqui ficaram tinham à sua disposição escravos e
índios para desempenhar a missão de proteger a área e também desbravar as
matas. Mas, ao retornar em 1827, o Major encontra a maioria dos sítios
abandonados. Os únicos que estavam habitados eram o de Alegre, Veado e Flores,
este último, provavelmente, fica situado dentro dos atuais limites do município de
Castelo.
Esta expedição, a que tudo indica, não teve nenhum resultado prático para a
história de Castelo, ou seja, a partir dela não se contribuiu nenhuma fazenda de
café. As primeiras fazendas de café das quais temos notícias em Castelo foram
construídas por volta de 1845, e seus primeiros empreendedores foram os irmãos
Vieira Machado da Cunha, provenientes da Província do Rio de Janeiro.
Essa gente vinha munida de grande estrutura para realizar a atividade
cafeeira, que contava basicamente com dinheiro e escravos. Esses pioneiros vinham
para morar na região, e não apenas para explorá-lo abandoná-lo em seguida. Esta
característica fez com que se desenvolvessem aqui uma atividade econômica
constante e duradora que chega ate os nossos dias. Entre os primeiros povoadores
estavam o Major da Guarda Nacional, Antônio Vieira Machado da Cunha, (Fazenda
do Centro) e seus irmãos, Joaquim Vieira Machado da Cunha (Fazenda da Prata),
Honório Vieira Machado da Cunha (Fazenda Fim do Mundo), Manoel Vieira
Machado da Cunha (Fazenda São Manoel). Ainda faziam parte da família as irmãs,
Lina Vieira Machado da Cunha, casado com José Vieira Machado da Cunha
(Fazenda Povoação) e Francisca Vieira Machado da Cunha, casada com João
Pinheiro de Souza (Fazenda Ante-Portão).
É importante lembras que além dos Vieira Machado da Cunha, esta
importante fase da história de Castelo foi composta por fazendeiros de Minas
Gerias, que através da estrada do Rubim, também migraram para cá pelos mesmos
motivos dos fluminenses: em busca de terras férteis e virgens.
Por muitos anos a comunicação entre as então capitanias do Espírito Santo e
de Minas Gerais foi proibida por motivos que já abordamos neste livro. Esta longa
prejudicial proibição para a vida econômica do Espírito Santo fez nascer a crença de
que o incremento econômico da Província estava vinculada à construção de
estradas ligando o Espírito Santo a Minas Gerias. Este sonho se tornou realidade no
início do século XIX com a conclusão da Estrada do Rubim, que leva este nome em
homenagem ao Governador do Espírito Santo na época, no término de sua
construção, Francisco Alberto Rubim.
Em termos econômicos, a tão sonhada estrada não teve o resultado
esperado. E, apesar de passar nos limites de onde depois veio a se tornar o
Município de Castelo, ela não foi a principal via de acesso para os imigrantes
fazendeiros, que em sua maioria, era proveniente do Rio de Janeiro. Nesta primeira
metade do século XIX, existia em Castelo um considerável número de habitantes
nativos (os índios), e parte deles se encontrava no Aldeamento Imperial Afonsino, e
é justamente sobre o mesmo que dedicaremos as próximas linhas.
9.2.2 – O Aldeamento Imperial AfonsinoO enfrentamento entre brancos e índios foi uma das principais características
do período da mineração, e de certa forma, chega até ao café, mas com proporções
menores, já que os nativos se encontravam bastante debilitados, e nem de perto,
lembravam o poder de luta que tinham na época do ouro. A historiadora Gilda
Rocha, que se dedicou ao tema, afirma que o Aldeamento pouco se diferenciava de
um acampamento de escravos, pois os índios eram caçados como feras para terem
o “direito” de morarem no local.
O responsável não só pelo Aldeamento Imperial Afonsino, mas por todos os
índios alocados na Província, era o Barão de Itapemirim, que por diversas vezes
assumiu o posto de Presidente da Província. Seus relatórios sobre o Aldeamento
são extremamente apaixonados. Mas o que levaria um homem tão influente,
poderoso e certamente ocupado, a se preocupar com a sorte dos índios? O fato é
que nesta época os índios eram usados como soldados de milícia na construção de
estradas, além de mão-de-obra barata na agricultura. Outra grande utilidade dos
índios para os fazendeiros era na perseguição aos escravos rebeldes e fugitivos,
como ocorrera na importante Insurreição de Queimados (na Senha, no ES) no ano
de 1849. Sendo assim, os Aldeamentos funcionavam como estoques de mão-de-
obra indígena para servir ao branco.
Longe de ser um defensor da causa indígena, o Barão de Itapemirim estava
preocupado com o bom andamento do Aldeamento Imperial Afonsino para garantir a
mão-de-obra gratuita para os mais diversos tipos de empreitadas. Veremos agora
uma breve história sobre o Aldeamento.
Foi o Governador Balthazar de Souza Botelho e Vasconcelos que teve a
primeira iniciativa de cria um aldeamento para os índios Puris, no sul do Espírito
Santo. Ele baixou uma Portaria em 09 de outubro de 1821 determinando a criação
do mesmo. O ato do Governador não sensibilizou o Governo Geral, e a ideias da
criação do aldeamento não se materializou. Em 1831, outra tentativa frustrada de
criação de aldeamento partiu do Presidente da Província do Espírito Santo.
A ideia da construção do aldeamento passa a ser uma realidade em 1845,
quando o Presidente da Província, Herculano Ferreira Pena, recebe a autorização
para construí-lo. Junto com a ordem de construção, vem o nome do futuro
aldeamento que se chamara “Imperial Afonsino” em homenagem ao Príncipe
Imperial Dom Afonso, que havia nascido em 23 de fevereiro de 1845. Como
afirmamos anteriormente, o responsável por todos os índios aldeados no Espírito
Santo era o senhor Joaquim Marcelino da Silva, o futuro Barão de Itapemirim, que
por sua vez, indicou o engenheiro Frederico Willmer como responsável direto pela
construção.
O engenheiro responsável não só coordenou a construção do aldeamento,
mas também foi o responsável por ele até setembro de 1847 quando chega o Frei
Daniel de Napoli. Com a chegada do sacerdote da Ordem dos Capuchinhos, o
engenheiro, até então responsável pela administração do aldeamento, transfere-se
para a Colônia de Santa Isabel. O sacerdote Capuchinho é o primeiro religioso a
administrar o aldeamento. Sua vinda se deu graças a pedidos do Governo
Provincial.
Frei Daniel presidiu o aldeamento por dois anos, e neste período coordenou a
construção de cabanas para os índios e iniciou a capela. No local eram criados
gados e porcos, além de dois lotes de besta e a ferramenta necessária ao seu
manuseio. Os índios fabricavam telhas, e além de cultivarem as roças, outros ainda
se especializaram em trabalhos fabris, como serrador, carpinteiro e pedreiro. As
índias aprendiam a lavar e a fira com algodão produzido no próprio aldeamento.
A Lei nº 6, de 26 de julho de 1847, cria uma Escola de Letras tendo como
professor o senhor Joaquim José Gomes da Silva Neto, que assume as atividades
em 23 de março de 1848. Ao que tudo indica, o aldeamento conta uma certa
organização neste período. Não se trata aqui de fazer uma apologia ao sistema de
aldeamento, pois como afirmamos anteriormente, seu principal objetivo era a
escravização dos índios. Parece-nos que neste período o aldeamento gozava de um
certo progresso, isto através da ótica dos brancos, o que pera os índios significava
exatamente o contrário, ou seja, a perda de sua identidade.
Existia uma divergência entre os missionários e os representantes do
Governo em relação aos índios. Os primeiros buscavam a conversão e a
catequização dos nativos. Já os homens que representavam o Governo e que eram
considerados os grande empreendedores da época, queriam mesmo era escraviza-
los para construir o progresso Revoltado com a escravização dos índios, e após um
desentendimento com o Barão de Itapemirim, Frei Daniel abandona o aldeamento.
No dia 27 de maior de 1849 o Capuchinho dá entrada no hospício do Rio de Janeiro.
Após deixar o manicômio, vai para São José de Leonissa, e em 1855, transfere-se
para Sergipe. No ano de 1869, volta para sua terra natal e morre no ano seguinte.
Os homens de negócios da época, os empreendedores, vencem a queda de
braço com os religiosos, e de 1849 a 1855, o aldeamento fica sem nenhum
missionário. Mas os religiosos eram imprescindíveis ao bom andamento do
aldeamento, já que eles tinham um melhor relacionamento com os nativos. Sem a
presença dos religiosos, os índios podiam ser escravizados, mas o número dos que
permaneciam nos aldeamentos era cada vez menor devido aos maus tratos e aos
desgastantes trabalhos.
No período em que o aldeamento ficou sem missionários, a escola foi extinta
em 1852, e o professor foi para São Miguel, no distrito de Mangaraí, exercer sua
atividade. Nesta fase também, muitos índios voltaram para a mata, e as roças e
atividade outrora desempenhadas por ele foram paralisadas. Apesar das
divergências com relação ao tratamento dispensado aos índios pelos religiosos, o
governo local estava convencido de que sem padre o aldeamento não teria futuro.
Por isso mesmo, foram vários os pedidos do Governo Provincial para que o
aldeamento voltasse a ter um religioso à sua frente.
Os pedidos do Governo Provincial eram remetidos ao Ministério da Justiça do
Império, que encaminhava os mesmos ao Comissário Geral dos Capuchinhos, Frei
Fabiano de Scandiano. Neste período de seis anos, o aldeamento teve vários
diretores leigos, sendo esta série interrompida com a chegada do Frei Bento de
Gênova.
Apesar dos insistentes pedidos ao Governo Provincial, não foi através do
Comissário Geral que Frei Bento se deslocou para o aldeamento. A iniciativa partiu
do próprio padre, que enviou uma carta a Frei Fabiano de Scandiano (Comissário
Geral) pedindo ao mesmo que o nomeasse responsável pela aldeamento, em
janeiro de 1856. Frei Bento já se encontrava no local à espera da nomeação, que
ocorreu no dia 07 de janeiro do mesmo ano. No dia 29 de fevereiro, o então
Presidente da Província, Barão de Itapemirim, nomeara Frei Bento de Gênova como
Diretor do Aldeamento.
O tempo que Frei Bento ficou à frente do aldeamento foi curto, pois em
meados de 1857, o Barão de Itapemirim, Presidente da Província, demitiu-o do
cargo. Os motivos da demissão foram os mesmos que levaram Frei Daniel a
abandonar os índios. No curto período em que esteve à frente do aldeamento, Frei
Bento iniciou a construção de alojamentos para os índios, casa para o diretor, além
de uma capela e um cemitério. Para alcançar o que ele escarava como
desenvolvimento econômico, mandou construir também um moinho, uma olaria e um
paiol para guardar os mantimentos.
Novamente o aldeamento retorna para as mãos de administração dores
leigos, que por não terem a capacidade dos religiosos para se relacionarem com os
nativos, acabavam por espantá-los. Em 22 de dezembro de 1858, existiam apenas
28 índios no aldeamento. Em 1861, o número era ainda menor, não passava de 18
índios, distribuídos em 04 arruinadas casas. A antiga casa do diretor e a capela
estavam abandonadas.
Em 1867, o Aldeamento deixa de ter uma certa autonomia e é anexado ao
distrito de Rio Pardo, que pertencia ao Município de Viana. Em 1867, o aldeamento
é anexado ao Município de Cachoeiro, e em 15 de novembro de 1871, passa a ser
considerado como Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Aldeamento
Imperial Afonsino, hoje município de Conceição do Castelo. As terras foram sendo
ocupadas por invasores, e os poucos índios que restavam, buscavam sua
sobrevivência cada vez mais mata adentro.
Na primeira metade do século XIX, era essa a realidade dos habitantes de
nosso futuro município. De um lado, os fazendeiros aventureiros de Mariana – Minas
Gerais, na pessoa do Major José Esteves de Lima, que junto com alguns seguidores
percorreu nossa região em busca de terra fértil para a prática da agricultura.
Posteriormente, vieram os fazendeiros do Vale do Paraíba com escravos e dinheiro,
e aqui se apossaram de grandes quantidades de terras para cultivar café. E por fim,
os índios que viviam dispersos nas matas ou no Aldeamento Imperial Afonsino, que
oscilava entre a administração violenta dos leigos e dos religiosos que os enchiam
de pecados e negavam-lhes o direito à liberdade de serem índios.
Mas o contingente populacional de maior importância neste período era, sem
dúvida, os escravos, pois seu trabalho sustentava toda a sociedade da época. Todo
tipo de trabalho ficava a cargo dos escravos. Compreendendo a importância do
trabalho escravo para a história do nosso município, dedicaremos uma parte do
nosso Livro ao tema da escravidão em Castelo e no sul do Estado.
Nesta fase da história ainda não tínhamos uma urbanização forte, isto implica
dizer que a sociedade não girava em torno da cidade, e sim das fazendas. Eram
nelas que se concentrava o poder das decisões econômicas. Elas funcionavam
como organismos autônomos, e é justamente sobre elas que falaremos a partir de
agora.
9.2.3 – As grandes Fazendas de Café – a concentração do poder nas fazendasAs fazendas de Castelo eram realmente grandes, a média de tamanho era o
dobro das demais fazendas da região sudeste, e atingia 2.807 hectares. Dentro de
suas terras, os fazendeiros detinham um poder quase que ilimitado, eram senhores
da vida e da morte não só de seus escravos e empregados, mas também dos
membros de suas próprias famílias.
A grande concentração de poder nas mãos dos fazendeiros era um fenômeno
nacional, e não apenas local. A própria estrutura da sociedade dava suporte a este
poderio, que em Castelo, por condições que iremos abordar, era ainda maior.
As condições que garantiam maior poder aos fazendeiros eram o tamanho
das fazendas e a quase inexistência de meios de transporte e de comunicação com
os demais municípios e entre as próprias fazendas. O isolamento comprometia a
influência externa dos fazendeiros em relação a outros locais e até mesmo à
Província. Mas, com certeza, fortalecia seu poder interno, já que o isolamento dava-
lhes a certeza da não intromissão de nenhuns tipo de outra autoridade em seus
domínios.
As grandes fazendas se formaram em áreas desabitadas, salvo por alguns
índios, daí o motivo da imensa quantidade de terras. O tamanho, aliado ao
isolamento, fazia com que elas se tornassem praticamente auto-suficientes. Quase
tudo de que se necessitava era produzido na própria fazenda.
As fazendas eram o astro-rei, e em torno delas girava tudo que existia:
mascates, escravos, padres, professores, médicos, políticos, etc. Os fazendeiros
eram os donos da verdade. A lei existia para legitimar seus atos, pois a posse da
terra, o único meio de produção de época, garantia-lhes direitos e poder ilimitado.
9.2.3.1 – A Posse da TerraQuem detinha o poder de propriedade sobre a terra neste período era,
automaticamente, a pessoas mais poderosa da sociedade. Veremos agora como se
processava o direito de propriedade da terra, direito esse que era de uma ínfima
parcela da sociedade.
O que predominava em nossa região eram as terras devolutas
(abandonadas). O Estado tinha o poder de vende-las aos interessados. Mas a venda
de terra pelo Estado a particulares no sul do Espírito Santo, mais precisamente em
Cachoeiro de Itapemirim, que incluía Castelo, só teve início depois de 1860. A
chegada dos primeiros fazendeiros em Castelo é anterior a esta data, e isto nos faz
acreditar que os primeiros proprietários de terra tiveram apenas o trabalho de ocupar
e cultivar a mesma sem comprá-la.
Depois de produtivas é que as fazendas eram legalizadas. As leis que
tratavam sobre a questão das terras beneficentes a formação da grande
propriedade, pois a terra era uma mercadoria, e como tal, deveria pertencer a quem
dispunha de recurso para adquiri-la. O avanço das grandes fazendas se dava em
detrimento dos pequenos proprietários, que sem recurso para investir na produção e
temerosos quanto às possíveis dívidas para com o Estado, referentes à legalização
de suas terras, acabavam cedendo à pressão dos grandes fazendeiros e vendendo
para eles suas propriedades.
Com a venda de terras devolutas, o Estado arrecadava recursos, por isso
mesmo ele incentivava as transações que tinham como objetivo também trazer mais
fazendeiros para nossa região. Como principal estratégia para atrair proprietários, o
Governo usava os baixos preços das terras, que eram os menores da Região
Sudeste. De 1863 a 1871, ele baixou o preço médio da braça quadrada de terra de 1
réis e 3/10 para 6/10 de réis.
Os fazendeiros chegavam, ocupavam a quantidade de terras que lhes
convinham, colocavam seus escravos para trabalhar, e só depois de anos
produzindo, eles regularizavam a situação de suas terras com o Estado, a preços
irrisórios. Os pequenos fazendeiros, que porventura estivessem utilizando-se de
terras devolutas entre as grande fazendas que interessassem aos grandes
proprietários, não tinham chances de permanecerem ali, pois sofriam todo tipo de
pressão para vende-las aos poderosos fazendeiros.
Analisamos, de forma genérica, como um pequeno grupo de grandes
fazendeiros controlavam a região que veio a se tornar o nosso Município. Vimos
também, de forma geral, como se constituiu uma sociedade de poucos privilégios e
extremamente excludentes. Agora iremos nos ater às questões mais específica dos
fazendeiros mais importantes.
9.2.3.2 – As FazendasA primeira fazenda que iremos abordar é a Fim do Mundo, que conserva este
nome até hoje. O proprietário era o Sr. Honório Vieira Machado, um dos irmãos
Vieira Machado da Cunha, que foram os pioneiros na implantação das grandes
fazendas escravocratas em nosso município. O fazendeiro que era casado com
Clara Ramos do Prado Amaral faleceu no dia 19 de junho de 1864, deixando os
seguintes herdeiros: Pedro (14 anos), Ana (13 anos), Zulmira (11 anos), Engracia
(10 anos), Vantuil (9 anos), Izabel (8 anos), Honorio (6 anos), Adelina (4 anos),
Amassilia (2 anos), Júlia (1 ano) e Honório (2º).
A fazenda Fim do Mundo era extremamente grande e possuía quatro
sesmarias (uma sesmaria possuía em média 6.500 m² de terras), seus limites eram
às margens do Rio Castelo, ao sul, com Francisco Alves Carneiro, e ao norte, com
Lourenço Bernardo de Souza, que era filho do Barão de Guandu, dono da fazenda
Santa Helena. Do lado de cima, o limite eram as terras de Manoel Vieira Machado,
da fazenda São Manoel.
O produto cultivado para o mercado era o café. Quando o proprietário da
fazenda morreu ela possuía um total de 99 mil pés de café. Também faziam parte da
fazenda uma casa de centro, uma casa de sobrado, um armazém para guardar café,
uma casa de engenho de cana, um paiol para guardar milho, uma senzala de telhas
e um chiqueiro.
Entre os bens móveis da fazenda constavam camas, cadeiras, sofás, objetos
de uso doméstico, joias, piano, relógio de parede, lampião a querosene e ferro de
engomar. O valo dos bens móveis existentes na fazenda, em 1865 era de
14.004.450 mil réis.
Para ajudar na produção do café, existiam também na fazenda 8 bois, 10
garrotes, 7 vacas com crias, bestas e 6 animais de selas, além de uma balança de
60kg e várias enxadas. Mas, a principal ferramenta de trabalho do fazendeiro, eram
os escravos, que desempenhavam todo tipo de trabalho, desde as mais simples
atividades domésticas, até o árduo trabalho nas lavouras cafeeiras. O Sr. Honório
Vieira Machado possuía 58 escravos, sendo que 32 eram homens, 14 mulheres e 12
crianças.
Outra fazenda deste período, e também do mesmo proprietário da anterior,
era a de São Cristóvão, que se localizava onde hoje existe uma comunidade com o
mesmo nome. Seus limites eram a leste, com a Fazenda da Prata, pertencente a
Joaquim Vieira Machado da Cunha (irmão de Honório Vieira Machado); a oeste, com
terceiros pertencentes ao Major Antônio Vieira da Cunha (irmão de Honório Vieira
Machado).
A fazenda São Cristóvão possuía 3 sesmarias, uma casa que funcionava
como sede e um rancho coberto de telhas. Ela também produzia café só que em
menor quantidade do que a do Fim do Mundo, pois possuía apenas 8 mil pés de
café, além de 6 alqueires de capoeirão.
A Fazenda do Centro foi uma das mais importantes de nosso município, pois
além de ter sido fundamental no período das grandes fazendas que estamos
estudando, também foi palco do período anterior, o da mineração, e também teve
participação imprescindível no período que analisaremos posteriormente, o da
agricultura familiar com os imigrantes italianos.
Na época da mineração, a referida fazenda pertencia ao velho Povoas, um
minerador e que com o fim das atividades de mineração na região, acabou
abandonando a fazenda. Por volta de 1845, o Major Antônio Vieira Machado da
Cunha, um dos pioneiros na produção de café em Castelo, funda a Fazenda do
Centro. O Major era casado com Maria Leopoldina, com quem teve apenas uma
filha, Ana.
A filha do Major casou-se com o português Manoel Fernandes de Moura, que
era comerciante na rua da Candelária no Rio de Janeiro. O Sr. Moura, como era
conhecido, herdou a fazenda com a morte do Major. Com a morte do Sr. Moura,
durante uma viagem da Europa para o Rio, a fazenda passou por algumas pessoas
e acabou sendo comprada pelos padres Agostinianos, mas essa transação já faz
arte da segunda fase do café em Castelo, que discutiremos mais adiante.
No período das grande fazendas, a do Centro foi a mais importante, não só
do que veio a se tornar o município de Castelo, mas de toda a região do sul do
Espírito Santo. Ela possuía, em 1870, 161 escravos e 242 mil pés de café. Seu
patrimônio total, incluindo pés de café, terras, instalações e equipamentos,
residência, pertences e animais atingia 245,303 mil réis.
Entre as benfeitorias existentes na maior fazenda da região sul estavam:
Engenho de Pilão, Engenho de Serra, Torno, Engenho de Mandioca, Engenho de
Pilar Arroz, Engenho de Cana, Enfermaria com varandas, Olarias, Telheiros,
Moinho, Curral, Lavador de Café, além de 39 senzalas, algumas com assoalhos.
Estes objetos enumerados eram
utilizados para o trabalho, mas existiam
ainda os que eram para o lazer dos
proprietários, como por exemplo, piano de
cauda, casa de vivenda assombrada,
mobílias de jacarandá, joias e objetos de
ouro e prata.
A Fazenda do Centro limitava-se ao norte, com as vertentes dos rios Jucu e
Tapera e terras devolutas; ao sul, com as fazendas Criméia e São Cristóvão, além
de terras devolutas, que por sua vez, faziam limites com o núcleo colonial Rio Novo,
e também com as vertentes dos rios Prata, Fruteira, Rio Novo e Beneventes.
A leste, as terras da Fazenda do Centro limitavam-se com as vertentes dos
rios Jucu, Beneventes e São Cristóvão, e também com terras devolutas. A oeste, os
limites eram as fazendas Criméia, São Manoel, Povoação, Bella Aurora e Pindobas,
além do sítio Santa Izabel.
Temos ainda a Fazenda da Povoação, que assim como a do Centro, também
presenciou as duas importantes fases da história econômicas do nosso município, a
mineração, a produção de café nas grandes fazendas escravocratas e a agricultura
familiar com o imigrantes italianos. A Fazenda Povoação ficava na região onde é
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hoje a comunidade de Limoeiro e pertencia a José Vieira Machado, natural de São
João Del Rei, que era casado com Lina Ludgaria Vieira Souza, irmã de Antônio
Vieira Machado da Cunha, da Fazenda do Centro.
José Vieira Machado era Capitão reformado da Guarda Nacional e Cavaleiro
da Imperial Ordem de Cristo. O inventário de seus bens foi feito em 1871, após sua
morte. Além da viúva Lina, deixou como herdeiros: filhos, genro e noras. Rachel (30
anos), casada com Francisco Vieira de Almeida Ramos, Rita (28 anos), casada com
José Nunes de Almeida Ramos, Januária (27 anos), casada com Gabriel Ferreira
Pena, Conrado Vieira Machado (25 anos), Teodozia (22 anos), casada com o Major
Antônio Rodrigues da Cunha, Cezar Vieira Machado, (19 anos) solteiro, Maria Lina
(24 anos), solteira, Isabel (17 anos), casada com Bernardo de Almeida Ramos e
Josephina (13 anos), solteira.
O fazendeiro da Povoação tinha 9 filhos ao todo, e antes de morrer, deixou
um testamento o qual iremos citar seus pontos mais importantes. No testamento, ele
diz ser uma pessoas muito católica e temente a Deus, além de ser fiel à esposa e
aos preceitos da religião. Os testamenteiros são: Conrado Vieira Machado (filho),
Francisco de Almeida Ramos (genro), Rachel (filha), Gabriel Ferreira Pena (genro) e
Jenuária (filha).
José Vieira Machado, em seu testamento, deixou 500 mil réis de esmola para
a igreja que seria construída em Cachoeiro e 100 mil réis para os pobres. Deixou
também, para um tal Felício Carolina, o sítio de Santa Justa, no Córrego do
Remanso. Libertou os escravos pardos: Henrique, filho de Josephia, e Fernando,
filho de Micaela, que ganharam 10 alqueires de terras no Remanso, além de ter
libertado também os escravos crioulos: Anastácio e sua mulher Carolina.
Aos filhos: Rachel, Rita, Januária, Theodosia, Conrado e Isabel, que eram
emancipados, deixou por doação 7 contos e duzentos réis a cada um. A filha solteira
recebeu igual valor, porém, em bens.
A Fazenda Povoação possuía um total de terras de três sesmaria e meia. Os
limites eram a cabeceira do ribeirão, denominada povoação, bem como todas as
suas vertentes; do lado de baixo, com a Fazenda denominada Centro, na Cachoeira
do Veado. A fazenda possuía 161.000 pés de café, além de 5.000 pés de mandioca.
Toda essa plantação, assim como todo os outros tipos de trabalho, eram realizados
por 56 escravos, sendo 22 homens, 20 mulheres e 14 crianças.
A Fazenda contava também com um rebanho de 14 bois, 10 novilhas, 7
vacas, 1 touro, 1 jumento, 13 bestas e 8 burros. Como bens de raiz, ou seja,
imóveis, a fazenda possuía 1 casa de vivenda, 1 engenho de pilões, 1 paiol de
telhas, q prensa de moer mandioca, 1 casa de senzala, 1 casa de estrebaria, 1 casa
e 1 paiol no sítio de Água Limpa, 1 serraria e seus pertences, 1 casa de tropa, 1
olaria e forno de telhas.
A Fazenda Povoação era famosa pelo se luxo e pelas festas que promovia.
Dentre os objetos de uso doméstico podemos citar alguns, como os castiçais e os
telhares de prata, os aparelhos de chá e jantar de louça, o relógio de ouro, e outro
de parede de caixa e também um piano. A casa também possuía cômodas de
vinhático, jacarandá, mesas para refeição, guarda-louça e várias cadeiras.
Os objetos para o trabalho doméstico eram uma máquina de costura, várias
facas de cabo de marfim, panelões de ferro, tachos e bacias de cobre.
Encontramos também a Fazenda Santa Helena que ainda conserva o mesmo
nome. Ela fica situada atualmente no município de Conceição do Castelo, que se
desmembrou do nosso, mas optamos por incluí-la neste estudo por acreditarmos
que a mesma teve uma contribuição importante na história de Castelo.
A Fazenda Santa Helena pertencia ao Sr. João Bernardo de Souza, tenente-
coronel da Guarda Nacional, que também detinha o título de Barão do Guandu. A
dita Fazenda era composta por outras fazendas, como a de Santa Tereza, São
Quirino, Nogueira, Ribeirão e Santa Maria, somando um total de 17.246.453 m².
Na lista de inventário de bens existentes na fazenda constam: paiol para
milho, engenho para beneficiar café movido à água, lavadouro de café, tulha para
café, moinho de fubá, engenho de serra, serva para engordar porco, galinheiro e
cerca de duzentos mil (200.000) pés de café. O rebanho da fazenda possuía 70
cabeças de gado, 4 animais de montaria e 18 bois de canga (usados para
transporte).
A casa da sede da Fazenda ainda se encontra de pé, servindo de morada aos
herdeiros do barão. Pelo seu tamanho e suntuosidade podemos imaginar o que de
fato foi a fazenda no passado. As janelas da casa são no estilo francês, com muitos
vidros; os móveis são austríacos; o teto é forrado com madeiras trabalhadas; a
varanda e a fachada são cobertas por telhas colonial-francesa. A todas essas
características, soma-se o fato dela estar localizada em um lugar alto,
proporcionando, através de suas janelas e varandas, um belíssimo visual da região.
Dos herdeiros de João Bernardes de Souza, o Barão de Gandú, o que ficou
com a sede, com o casarão foi Marcelino Bernardes de Souza, fruto de uma relação
extraconjulgal com uma escrava. Marcelino Bernardes de Souza morava com a
família do pai, e segundo os sues descendentes, atuais moradores, era o preferido
do Barão. É este filho, bastardo, que comprou dos irmãos, que não tinham interesse
na fazenda, parte dela, a sede e alegou aos seus.
O que muito nos entristece é o péssimo estado em que se encontra o
casarão, não só pelo que representou em produtividade, mas também pelo destino
incomum que teve.
Também da família Vieira Machado, instalou-se em Castelo o tenente
Joaquim Vieira Machado da Cunha, irmão de Antônio e Honório Vieira Machado da
Cunha. Joaquim fundou a Fazenda da Prata, nome que persiste até hoje, próximo
ao ribeirão de mesmo nome, que era afluente do Ribeirão do Meio. A fazenda fazia
divisa com a Fazenda São Cristóvão, de seu irmão Honório, e com a Fazenda do
Centro, de seu irmão, Antônio.
Joaquim Vieira Machado da Cunha era casado com Ana Cunha e teve os
seguintes filhos: Maurício, Joaquim, Joaquina, Belizário, Lourenço, José, Francisco,
Lafayete e Maria. A Fazenda tinha como administrador José da Rosa Machado, que
posteriormente foi proprietário da Fazenda Boa Vista.
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Infelizmente não encontramos dados mais específicos sobre a Fazenda da
Prata em livros de cartório, mas o pouco que encontramos nos dá cota de que era
grande, assim como as demais fazendas da região. Não são poucas as historias que
ouvimos contar a respeito da forma como eram tratados os escravos e as escravas
desta fazenda, rendendo ao local o apelido de Fazenda do Suplício. Grande parte
das histórias contadas sobre os escravos não tem comprovação histórica. A única
construção do período que ainda está de pé é o cemitério com jazigo do fazendeiro
e sua esposa.
A Fazenda São Manoel também pertencia a um dos irmãos, Vieira Machado
da Cunha, Manoel Vieira Machado da Cunha, e se localizava próximo ao Vale do
Córrego de Boa Esperança, prologando-se até as matas, às margens do rio Castelo.
Segundo as poucas informações que conseguimos obter sobre a mesma, ela
possuía muitos escravos, casa e instalações majestosas.
Manoel Vieira Machado da Cunha era casado com Ana Rosa do Prado, filha
de uma família de Duas Barras. O casal teve os seguintes filhos: Lindalva,
Escolástica, Minerva, Mizael, Manoel, Alfeu, Pedro, Eliza, Ana e Maria. A dita
Fazenda mantém o mesmo nome até os dias de hoje.
Próximo à Fazenda São Manoel, foi fundada a Fazenda Ante-Portão, de
propriedade de João Pinheiro de Souza, casado com Francisca Vieira Machado de
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Souza, irmã dos Vieira Machado da Cunha. Ainda segundo informações, esta
Fazenda não tinha a mesma riqueza e opulência das outras regiões.
O casal proprietário da Fazenda Ante-Portão teve os seguintes filhos: João
Carlos, Adelaide, casada com Manoel Davel; Elisa, casada com Alfredo Magalhães;
Leonor, casada com Antônio da Silva Pinheiro; Carlos, casado com Lindalva;
Antenor, casado com Adelaide; Maria e Rosa, solteiras; e Virgínia, casada com
Camilo Homem de Azevedo (de Pindobas).
Por último, temos a fazenda Gabriel Vieira Machado, que apesar do mesmo
sobrenome, não era irmão dos demais. As fazendas de Gabriel chamavam-se
Universo e Conquista. Vejamos alguns dados sobres as mesmas.
Gabriel instalou-se em Castelo na mesma época dos demais fazendeiros, e
veio a falecer em 23/06/1871, deixando viúva a senhora Isabel de Sales Vieira e
órfãos dos filhos: Francisco de Sales Vieira Machado (9 anos), Isabel de Sales Vieira
(8 anos), Bernardo de Sales Vieira Machado (7 anos) e Lídia de Sales Vieira (3
anos).
As Fazendas Universo e Conquista tinha 40 mil pés de café e contavam com
19 escravos, sendo 9 mulheres e 10 homens. Para trabalhar na produção, Gabriel
Vieira Machado também contava com um rebanho de 2 bois, 3 vacas, 1 touro, 3
garrotes, 2 bestas, 2 cavalos, 6 porcos, um cachaço e 16 capados magros.
Em termos de ferramentas, as fazendas contavam com 9 foices, 2 machados,
ferramentas de ferrar, q serrote grande, 1 serrote de gurpião, ferramentas de
carpinteiro, 1 carro de boi em mau estado, 1 corrente para puxar madeira e 3 cangas
de boi. Possuíam também uma casa de moradia, paiol, tulha, senzala, moinho,
engenho de cana, casa para fornos, galinheiros, chiqueiro, cobertura para forno e
dois pastos cercados.
Com relação aos bens de utilidades domésticas, podemos dizer que não era
tão suntuosas, tomando como referência as demais fazendas. Elas possuíam
apenas 1 relógio de parede, uma abotoadeira de ouro, 1 cama, i oratório, 1
espingarda, 1 espada, mesas, bancos, tachos e bacias de cobre, além de um forno
de torrar.
As terras da Conquista, que não conseguimos encontrar o tamanho, foram
avaliadas, após a morte de Gabriel em 4.800.000 réis, e as da Fazenda Universo,
que também não encontramos o tamanho, foram avaliadas em 5.000.000 réis. As
duas somavam um total de 9.800.000 réis. Só para o leitor ter uma ideias, a
Fazenda Povoação com três e meia sesmarias foi avaliada em 16.750.000 réis.
Para situar cronologicamente o leitor, é importante lembrar que o início da
construção das grades fazendas foi a partir de 1840, e o seu período de
prosperidade se estendeu até 1888, ano da abolição dos escravos. Não é demais
lembrar aqui, que estas datas têm como principal função situar historicamente o
leitor, e não criar datas estanques, com grandes rupturas.
Apesar das grandes extensões de terras e do poder dobre os que neles
habitavam, os fazendeiros não se permitiam muito luxo, ou seja, não gastavam seu
capital com aquilo que não estava diretamente ligado à produção cafeeira. Esta foi a
conclusão a que chegou Vilma Paraíso Almada em sua obra “Escravismo e
Transição”. Durante suas pesquisas, ela chegou aos seguintes números com
relação aos bens dos fazendeiros: na Fazenda Fim do Mundo, 82,3% dos bens do
fazendeiro eram em escravos e terras, e na Fazenda do Centro esse número era de
81,5%.
Após enumeras as características mais gerais, e também as mais específicas
sobre as fazendas, iremos analisar seu tipo de produção, pois a estrutura e a
organização das fazendas, que concentravam toda organização social da época,
estavam voltadas para produção, transporte e comercialização do café. Como nosso
enfoque sobre a história de Castelo parte do econômico, não poderíamos deixar de
analisar como estava organizado o Sistema de Plantation em nossa região.
9.2.4 – O Sistema PlantationO Sistema Plantation era usado nas colônias, e através dele, a metrópole
buscava se enriquecer. Nesta época, a partir de 1840, o Brasil já não era mais
colônia de Portugal, mas infelizmente nossa independência política não teve reflexos
na economia, que permaneceu com a mesma estrutura do período colonial. Sendo
assim, o Plantation imperou em Castelo, mesmo com o Brasil já independente. A
principal característica do Plantation era a utilização da mão-de-obra dos escravos,
pois todo e qualquer tipo de trabalho era feito por eles. Outra característica eram as
grandes extensões de terras para que pudesse ser cultivado um só produto, que
teria como endereço o mercado exterior.
Já que o destino da produção era o mercado externo, vejamos como se
processava o seu escoamento, pois sabemos que foi a partir de 1840 que se
formaram nossas primeiras fazendas de café. Foi também neste período que
surgiram as primeiras casas comerciais localizadas na altura do rio (parte não
navegável em função das grande quantidade de pedras) que formaram a Vila de
São Pedro das Cachoeiras do Itapemirim atual município de Cachoeiro de
Itapemirim.
Não encontramos nada que falasse diretamente de como se transportava a
produção cafeeira das fazendas da região de Castelo, mas não é difícil refazer o
trajeto, já que dispomos de informações que nos podem auxiliar nesta tarefa. No
período do ouro, o transporte era feito através do Rio Castelo, passando pelo Rio
Itapemirim e daí se dirigindo a Vitória ou ao Rio.
O café, por ser um produto mais volumoso do que o ouro, apresentou mais
dificuldades para ser transportado. A primeira dificuldade por qual passou foi não
poder utilizar o Rio Castelo como meio de transporte, pois o volume da água deste
rio não era suficiente. Sendo assim, a produção seguia até a Vila de São Pedro das
Cachoeiras de Itapemirim no lombo de animais e em carros de boi. Esta versão se
confirma à medida que encontramos nos diversos inventários de bens das fazendas
pesquisadas um número razoável de animais de cargas, bem como as cangas,
juntas e carros de boi.na Vila, o café era colonizado e daí seguia em pequenos
barcos até o porto de Itapemirim. A Vila de São Pedro das Cachoeiras do Itapemirim
servia como entreposto comercial de toda a região, pois lá se concentrava um
considerável número de comerciantes oriundos de Portugal e do Rio de Janeiro, que
estabelecidos no Largo de São Pedro, negociavam fazendas, roupas feitas,
armarinhos, ferragens, calçados, louças, sal entre outras coisas.
O comércio varejista esbarrava em um grande obstáculo, que era a auto
insuficiência das fazendas que produziam praticamente tudo que era necessário
para viver naquela época. O que realmente impulsionava a Vila era a
comercialização e o transporte do café. Sua localização também era de importância
fundamental, já que a mesma ficava no centro de uma grande região produtora de
café, e ainda contava com um rio que dava condições de escoar o produto até o
Porto de Itapemirim.
A ligação fluvial não era a única da Vila com o Porto de Itapemirim, existia
também a terrestre, que inclusive era amais rápida, gastando a metade do tempo
que a fluvial. Apesar de rápido, o transporte terrestre em precárias estradas e em
lombos de animais ficava impraticável no período de chuvas, e a quantidade
transportada por terra era muito inferior à transportada através do rio.
Foi em busca de rapidez e eficiência para o transporte fluvial, que o Capitão
Deslandes inaugurou, em 03 de abril de 1876, a linha de vapores para cargas e
passageiros, substituindo as antigas e lentas embarcações anterior que se
deslocavam ao sabor dos ventos e da força de seus condutores. As ferrovias, tão
comuns nas regiões produtoras de café de São Paulo e do Rio de Janeiro, só foram
implantadas em nossa região a partir de 1891, período em que as grande fazendas
já haviam iniciado seu processo de desintegração.
De forma geral, os meios de transporte eram muito precários no período
inicial das grandes fazendas, onde somente burros e bestas de cargas conseguiam
chegar a todo Espírito Santo. Existia somente a estrada geral que cortava a
Província de norte a sul pelo litoral, com entroncamento para as vilas do interior, o
caminho do Itapemirim às minas do Castelo, com 12 léguas, a estrada da Baía do
Espírito Santo a Viana, em antigas e abandonadas estradas que ligavam as remotas
fazendas jesuítas.
9.2.5 – Os EscravosDedicaremos uma parte deste trabalho ao estudo sobre a escravidão nas
fazendas de Castelo. Todo o sistema de produção, transporte e comercialização até
aqui descrito, só foi possível graças à utilização da mão-de-obra escrava. Eram o
suor, o sangue e a própria vida dos escravos que movimentavam toda essa cadeia
de produção.
Se existe uma etnia que deve se orgulhar de ter trabalhando pelo progresso e
desenvolvimento de nosso município em sua fase inicial, com certeza, é a negra,
pois foi através de seu trabalho, e em detrimento de sua liberdade e de todos os
demais direitos inerentes ao seu humano, que se construíram as grandes fazendas
que acabaram por dar origem à Vila, e posteriormente ao Município de Castelo.
Desde as primeiras derrubadas, com apenas foices e machados para se plantar o
café, passando-se pela plantação, cultivo , colheita e transporte do produto, nas
construções das casas, em sua manutenção, e também na abertura das estradas,
estava a mão-de-obra escrava.
O aumento da produção no sul da província se deu a partir de 1850, em
função da produção do café.
Na freguesia de São Pedro do Cachoeiro, que incluía as terras do Castelo,
em 1872, metade da população era de escravos, todos de migração interna, já que o
tráfico de escravos direto da África foi proibido em 1850.
A escravidão se torna algo inexplicável e inaceitável aos nossos olhos hoje,
mas enquanto vigorou foi plenamente aceita e desfrutada pela maioria da população
livre. O escravo era considerado um objeto qualquer, uma ferramenta de trabalho.
Os escravos eram comprados e vendidos, ou seja, comercializados como animais
ou fazendas. Enquanto propriedade de seu senhor, o escravo existia para servir ao
mesmo. Seus sentimentos, sonhos e aspirações não eram levados em conta, e sua
vida estava nas mãos do seu senhor, que podia comercializá-lo, trocá-lo, enfim,
fazer o melhor que lhe fosse favorável.
Existia todo um aparato ideológico para que o absurdo da escravidão fosse
não só aceito, mas considerado como necessário e indispensável ao progresso não
só de nossa região, mas de todo o país. Este aparato atuava em duas frentes, uma
direcionada à população livre, e outra ao próprio escravo. Esta ideologia consistia
basicamente na superioridade do senhor e na submissão dos escravos.
Não era a cor da pele que justificava a escravidão, pois outras raças, como o
índio já haviam sido escravizadas no Brasil e provavelmente em Castelo. Sendo
assim, o que justificava a escravidão era a suposta inferioridade que era incutida na
cabeça dos escravos e propaganda por toda sociedade. Muitas vezes os escravos
acabavam por refletir o que a sociedade pensava sobre eles, e incorporavam a
equivocada inferioridade. E assim surge o preconceito racial no Brasil e em nossa
região, pois à medida que o próprio escravo assume a suposta inferioridade, a
sociedade livre, em geral, acredita na mesma.
Desta forma, o preconceito racial surge na necessidade de se justificar o
injustificável: a escravidão. Apesar desta macabra origem, ainda hoje encontramos
pessoas que defendem a superioridade da raça branca, fazendo eco às antigas
ideologias escravistas. É claro que só a ideologia não funcionava, e mesmo com
grande esforço da Igreja e da sociedade da época, aconteciam rebeliões e fugas de
escravos, entrando em cena o aparato repressivo do Estado com suas milícias e
também a segurança privada dos fazendeiros com jagunços e feitores.
Basicamente era essa a rotina dos escravos nas fazendas de café de castelo.
Às 5 horas já estavam todos de pé e prontos para tomar o café, que era um pedaço
de broa de milho regado a café. Antes de se dirigirem ao trabalho nas lavouras eram
obrigados a rezar. Nesta oração matinal difundia-se, com certeza, a superioridade
da raça branca e a necessidade da submissão negra através do trabalho, para que
aquelas pobres almas obtivessem o paraíso após a morte. Terminada a oração, os
negros se dirigiam à lavoura, onde às 9 horas, recebiam o almoço em grandes
gamelas comunitárias.
Às doze horas era a vez do café com batata assada, banana, angu e café par
não engasgar. Às 16 horas, mais uma refeição, que servia como jantar, pois os
escravos só retornavam às suas senzalas ao anoitecer, quando recebiam a última
refeição do dia, que era broa de milho com café, ou às vezes, para variar, angu com
melado de cana. No período de frio, eles recebiam um pouco de aguardente para
esquentar, e os fumantes uma quantidade de fumo. Às 20 horas se recolhiam para
dormir, mas não sem antes fazer as orações e terem aulas de catecismo, para que
não esquecessem de sua inferioridade e necessidade de submissão para agradar a
Deus.
A organização econômica de Castelo, em cima da mão-de-obra escrava e
monocultura para exportação, inicia-se quando o sistema escravista começa a se
desestruturar em vários lugares do Brasil, a partir de 1850, por pressões internas e
externas, mais pelas últimas do que pelas primeiras. Desta forma, o período em que
foi utilizada a mão-de-obra escrava em nossa região foi curta, em comparação a
outras regiões. Buscaremos percorrer os caminhos trilhados pelos negros de nossa
região até a liberdade.
As relações sociais de trabalho em uma sociedade escravista não são nem
um pouco tranquilas. Eram comuns os confrontos entre escravos fugitivos e a
polícia. Tais confrontos geravam pânico na sociedade da época. Os quilombos, que
para os negros representavam a liberdade, para a população não escrava eram
motivo de preocupação. A única maneira de um escravo fugitivo sobreviver era ir
para os quilombos, pois em grupos eles desenvolviam os mecanismos de
sobrevivência, que muitas vezes infringiam às leis da época. Na ânsia de
sobrevivência, e ao mesmo tempo de vingança, os negros rebeldes promoviam
assaltos, assassinatos e sequestros que aterrorizavam as pessoas. Em uma
sociedade onde o simples fato de ser livre é uma infração às leis vigentes, fica difícil
de se estabelecer um juízo de valor.
Entre os abolicionistas de nossa região percebia-se um forte tendência
conservadora dos que acreditavam em uma liberdade lenta e gradual, condenando a
liberdade por fugas dos escravos. Para esses senhores, o meio de conseguir a
liberdade era através das associações abolicionistas, onde se angariavam fundos
com a finalidade de comprar, junto aos donos dos escravos, as alforrias dos
mesmos. Uma grande incoerência, que explorava as raias do absurdo, pairava sobre
o movimento abolicionista, pois os mesmos que defendiam a liberdade, condenavam
as fugas dos negos e os quilombos.
Desta forma esses abolicionistas negavam aos negros o direito de serem
sujeitos de sua própria história. Indiferentes à ação dos abolicionistas, os negros
tinham seus próprios meios de lutar contra a escravidão, sendo os principais as
fugas, os suicídios, os abortos, os assassinatos de feitores e de senhores, o
desperdício e a lentidão na execução dos serviços. Não foram os anúncios
publicados em jornais da época, que ofereciam recompensa a quem desse o
paradeiro de escravos fujões. Este fato nos leva a crer que o número de escravos
fugitivos na região das grande fazendas de Castelo foi muito grande. Parece-nos
muito sugestivo, inclusive, em nosso município ter uma localidade denominada
Quilombo. Ora, o que era o quilombo senão o reduto desses escravos que
sonhavam com a liberdade? Provavelmente, só teremos comprovação desses fatos
com escavações arqueológicas na região. Mas, tudo leva-nos a crer que no passado
de escravidão em Castelo, onde hoje é “Quilombo”, tenha sido uma comunidade de
escravos fugitivos das grandes fazendas de café.
Robson Luís Machado Martins, em seu livro “Os Caminhos da Liberdade”,
onde enfoca a questão da escravidão na província do Espírito Santo de 1884 a
1888, afirma que foram dois os motivos que levaram os negros de nossa região à
liberdade. O primeiro foi a concessão, por parte dos fazendeiros, de um grande
número de cartas de alforria, às vésperas da abolição. E, o segundo motivo foram os
próprios negros, que atentos a tudo que se passava ao seu redor e percebendo a
fragilidade da estrutura escravista em sua fase final, promoviam fugas e distúrbios
para atingirem a liberdade.
Com concessão de cartas de alforria em massa, os fazendeiros buscavam
conquistar a simpatia e a gratidão dos escravos, para que os mesmos continuassem
em suas fazendas depois da abolição, que aconteceria em questão de dias. E, em
13 de maio de 1888, a tão sonhada liberdade chegou. As comemorações se
espalharam por todos os lados, e muitos temiam que o acontecimento fosse
desencadear o caos e o fim das atividades produtivas. Enfim, que havia construído
toda a riqueza que existia em nossa região com o esforço de seu trabalho, é
colocado em liberdade, mas sem um mínimo de direito de desfrutar de toda riqueza
que construíra.
9.2.6 – A Decadência das Grandes Fazendasa abolição da escravidão representou o fim de uma era em nossa região. As
grandes fazendas produtores de café não resistiram ao duro golpe da abolição da
escravidão e iniciaram um processo de decadência, que no caso especifico da
região de Castelo, constituiu na divisão da terra, formando pequenas propriedades.
O problema da falta de mão-de-obra não foi o único responsável pelo fim da era das
grande fazendas em Castelo, a ele se juntaram outros, que acabaram de compor um
cenário totalmente desfavorável à existência das mesmas. Entre esses problemas
secundários, podemos enumerar alguns como, a dificuldade de transporte devido à
precariedade das estradas, a baixa produção da região sul, em termos de Brasil, o
grande número de terras hipotecadas no Banco do Brasil, e também o pouco
investimento em máquinas de beneficiamento da produção. Estes fatores eram
consequências da baixa produtividade e lucratividade de nossas fazendas, quando
comparadas às do Rio e de São Paulo.
A abolição da escravidão era algo esperado e inevitável, mas mesmo assim
nossos fazendeiros não se prepararam para a transição da mão-de-obra escrava
para a assalariada, mesmo porque eles não estavam capitalizados o suficiente para
tanto. Diante da natural aversão dos antigos escravos ao trabalho rural, a solução
para o problema da mão-de-obra foi a vinda dos imigrantes europeus, no caso
específico de Castelo, em sua grande maioria, os italianos.
Na tentativa de resistir a uma situação adversa e mediante ao processo
agonizante por qual passavam suas propriedade devido à carência de mão-de-obra,
os fazendeiros busca formar com os imigrantes recém-chegados ao velho mundo,
contratos de parcerias. Tais contratos não surtiam efeito por motivos óbvios, já que
era grande o número de terras devolutas, e o Estado as vendia por preços
convidativos ou simplesmente as cedia nos Núcleos coloniais, como o do Rio Novo.
Desta forma, os que atravessaram o Atlântico sonhado com uma nova vida, não se
sujeitaram ao trabalho de parceria por muito tempo, visto que com um pouco de
sacrifício podiam adquirir sua própria terra. A forma de lidar com a mão-de-obra que
os fazendeiros estavam acostumados, com certeza, acelerou o processo de
independência dos imigrantes, pois por pior que fosse a vida que levavam na Itália,
ela não era igual ao tratamento recebido pelos escravos nas lavouras e senzalas, e
que por força do hábito, os fazendeiros dispensavam aos imigrantes.
Dedicaremos as próximas linhas à segunda fase da produção de café em
Castelo, contando agora com um fator novo, a presença do imigrante italiano, que
veio se juntar aos que aqui, durante séculos, construíram a história do que veio a se
tornar o município de Castelo. Buscaremos abordar os principais aspectos deste
período, cem como os desdobramentos dos acontecimentos que influenciam
diretamente o nosso presente.
9.3 – Segunda Fase da Produção do Café em Castelo
9.3.1 – Os Imigrantes: motivos da vindaExplicar o grande afluxo de pessoas no processo de migração requer
conhecer as causa que as levaram a tal atitude e as causas que levaram um país
estranho a recebe-las. Com certeza, a natureza sócio-político-econômico de tais
países é a resposta para tal indagação. A conjuntura da maneira como se processa
a saída e a entrada dessas pessoas, suas decepções, suas mágoas, suas
necessidades, seus sonhos, suas ilusões, tudo se mistura nessas situações.
Algo de mito forte estava acontecendo em alguns países europeus para que
populações estivessem abandonando suas práticas, em especial na Alemanha e na
Itália, esta última de maneira muito particular, pois apesar dos alemães terem vindo
primeiro, os italianos os superaram em quantidade. Houve várias migrações ao
longo do tempo, sendo estimuladas para o Brasil, forçadas, como a dos africanos,
na condição de escravos, ou livres, como as dos açorianos, suíços, alemães,
italianos, pomeranos e outros. O próprio governo português se incentivava como
incremento à nossa colonização. Vários sistemas foram criados para tal objetivo,
porém com muitos erros e fracassos.
Mas a migração ocorrida no final do séc. XIX superou as que já haviam
acontecidos.
Por que a Itália e a Alemanha? O que estava ocorrendo nestes países? O que
motivou as pessoas a abandonarem o que tinham, rumo a uma pátria estranha?
A resposta está na unificação tardia que se processou nesses países.
Passaram ao longo do tempo, divididos, com interesses particulares e externos para
que assim continuassem. Mas os rumos da história na Europa acabariam por levar
esses povos de mesma cultura, ao objetivo de se constituírem em nações
autônomas. E, as ideias nacionalistas e liberais vão, e muito, contribuir para isso.
Tão longe a unificação ocorre, ocorre também a implantação do capitalismo
que impulsiona o aumento considerável da produção, sem a menor necessidade da
mão-de-obra. É esta sobra de população pobre e sem trabalho que leva à imigração.
O ato de migrar sempre esteve presente em toda história da humanidade,
desde os tempos mais remotos até os dias de hoje. O imigrante busca com seu ato
um lugar melhor para viver. E, alimentados por esse sonho, milhares de imigrantes
italianos atravessaram o oceano e vieram para o Espírito Santo construir uma nova
vida.
Analisaremos o fenômeno de imigração italiana sobre dois aspectos, pois
acreditamos que um fenômeno de tal magnitude, não se processa com um motivo
isolado. A imigração só se tornou realidade pela conjunção de alguns fatores: de um
lado, nossa pátria carente de mão-de-obra com a eminente e inevitável abolição dos
escravos, e do outro lado do Atlântico, mais precisamente na Itália, um número
crescente de pessoas que não eram absorvidas pela industrialização italiana.
O que faltava aqui, sobrava lá. Desta forma, a imigração era útil para os dois
países, sendo inclusive um ato estatal. Para o governo brasileiro era a possibilidade
de incrementar a produção agrícola e povoar as regiões desabitadas. Para a Itália
era uma das maneiras de manter o controle social, já que com a imigração diminuía-
se o número de habitantes mais miseráveis, e consequentemente abrandava as
pressões sociais por mudanças.
Vejamos agora, de forma separada, as duas questões. Primeiro, o crônico
problema da falta de mão-de-obra em nossa região, e posteriormente, o excedente
populacional não absorvido pela industrialização na Itália. Se “para um pé torto
sempre existe um sapato errado”, para o vazio populacional do sul do Espírito Santo,
existia o excedente populacional da Itália.
Como afirmamos anteriormente, o Espírito Santo funcionou durante um longo
período como barreira de proteção às minas de ouro das Gerais. Desta forma, ser
desabitado era uma necessidade. Mas, passado o período do ouro em Minas, nossa
Estado perde essa função, iniciando-se assim uma tentativa estatal de povoar o
Espírito Santo. O café era a principal atividade econômica, mas carecia de um
grande número de mão-de-obra escrava, que estava cada vez mais escassa. Em
1850, em pleno início da produção de café em Castelo, é lançada a Lei Eusébio de
Queirós, que proíbe a importação da escravos.
Com o advento de tal Lei, resta aos fazendeiros locais a compra de escravos
somente de dentro do Brasil, de outras regiões outrora ricas e prósperas. A partir de
1850, ocorre uma elevação do preço dos escravos, graças à diminuição de seu
número. Assim, os problemas de mão-de-obra nascem junto com a própria cultura
cafeeira castelense. À medida que o capitalismo avançava, ficava evidente sua
incompatibilidade com a escravidão, e a necessidade do trabalho livre era cada vez
mais visível.
Se o capitalismo necessitava de trabalhadores livres para criar um mercado
interno de consumo, por que não libertar os escravos, para que eles fossem os
consumidores? Não é nossa intenção dar respostas a questões tão abrangentes,
mas acreditamos que os séculos de escravidão e suas terríveis consequências
seriam um grande empecilho para que o negro fosse transformado subitamente em
um livre consumidor, e de fato isso não ocorreu. A abolição não foi acompanhada
pela integração do negro à sociedade e ao mercado de trabalho, devido ao fato de
que permanecer nas fazendas, para os negros, era a continuidade da condição de
escravos, já que mesmo com a libertação, era assim que os fazendeiros os
enxergavam.
A opção encontrada para o crônico problema de mão-de-obra foi incentivar a
vinda de trabalhadores europeus, e neste período, os países que tinham uma
conjuntura interna que favorecia a emigração eram a Itália e a Alemanha. E é
justamente essa conjuntura que iremos analisar.
A Itália e a Alemanha foram os últimos países europeus a se unificarem, e
essa demora na solução dos problemas políticos trouxe implicações econômicas.
Faremos um breve relado sobre a Itália no fim do século XIX, período em que se
iniciou a imigração.
A Unificação da Itália ocorreu em 20 de setembro de 1870, portanto, a Itália,
dentro do conceito de Estado Moderno, é um país mais novo que o Brasil. No
período em que antecedeu a imigração, a Itália estava dividida em 7 reinos
independentes.
O sul, onde predominavam as invasões estrangeiras de muçulmanos,
alemães, franceses e espanhóis, era cobiçado devido a sua posição estratégica na
rota comercial do Mediterrâneo. As seguintes invasões eram importantes fatores
que dificultavam a unificação.
A região central era dominada pela Igreja, que temerosa com uma possível
unificação que lhe confiscasse a autonomia, agia de forma a impedir a unificação.
Os papas buscavam enfraquecer qualquer tipo de Aliança entre as regiões italianas,
desta forma buscavam nunca ter que se submeter a um governo leigo central.
A região mais próspera era o norte, que por estar localizada mais ao centro
do continente europeu, fez valer sua vocação comercial. As cidades de Gênova e
Veneza, que desde as cruzadas, já estavam inseridas na rota comercial da Europa,
eram independentes economicamente, o suficiente para se manterem livres das
invasões estrangeiras.
O avanço do capitalismo exigia a formação de Estados nacionais com livre
circulação de dinheiro, pessoas e mercadorias, e as diferenças internas e o poder da
Igreja acabaram por se render a essa exigência. Coube ao Reino de Piemonte,
localizado ao norte da Itália, a tarefa da unificação, que se estendeu por 20 longos
anos de duras batalhas, até que em 20 de setembro de 1870, Vittório Emmanuel II
de Roma, proclama o Reino da Itália.
As bases para a formação do Estado italiano foram burguesas, e por isso, o
grosso da população era ignorada. As massas não figuravam nem mesmo no
conceito do povo, que para a recém-unificada Itália eram somente os burgueses, os
funcionários, os comerciantes e os advogados. Apesar de terem participado de
vários levantes no processo de unificação, os pobres da Itália não se beneficiaram
da mesma. A burguesia italiana lutava contra a Áustria e o Boursbons, mas o
restante da população, além de se libertar destes, queria se livrar também dos
patrões, e exigia terras e liberdade. A unificação italiana, portanto, atendeu apenas
aos burgueses.
Para os não-beneficiados pelo processo de unificação (os pobres) restou a
possibilidade de construir seus sonhos na América, pois a pátria pela qual lutaram
para unificar e arrancar das mãos dos estrangeiros, agora os estava expulsando. A
Itália recém-unificada continuou sendo um pais de poucos. A unificação não rompeu
as rígidas estruturas sociais excludentes, e foram justamente os excluídos no
processo de criação do país que engrossaram as filas de embarques nos portos,
rumo a um novo mundo, rumo a uma nova vida.
Quando do início da vinda dos imigrantes, a Itália possuía 30 milhões de
habitantes, sendo que desse total, 21 milhões viviam no campo. Em uma pesquisa
agrária ordenada pelo Parlamento italiano concluiu-se que os italianos, em sua
maioria, levavam uma vida difícil, onde faltava de tudo: do alimento até o tratamento
médico. A miséria era tanta, que na tentativa de conseguir algum dinheiro, difundiu-
se entre eles o costume de vender as crianças. A malária matava 40.000 pessoas
por ano, e a cólera, entre 1884 e 1887, matou 55.000, sendo que esses altos índices
atingiam com mais frequência as crianças.
A Itália era um país excepcionalmente agrícola, e de uma agricultura
extremamente rudimentar. As práticas era as mesmas usadas no período do Império
Romano. Em um país extremamente populoso, com uma miséria crescente, a
possibilidade de emigrar para um lugar com terras abundantes e virgens era um
sonho. O medo do desconhecido e da possível falta de estrutura da nova terra era
insignificante diante dos fantasmas da fome e da miséria.
A busca da terra, e através dela, da dignidade social, foi o motivo da vinda
dos imigrantes para o Brasil, e mais especificadamente para nossa região do sul do
Espírito Santo. Mais de 100 anos se passaram, e ainda hoje, pessoas lutam por seu
pedaço de terra e pela dignidade que ele possa lhes proporcionar.
A imigração ajudou a preencher o vazio demográfico do Espírito Santo ao
mesmo tempo em que aliviou a pressão interna na Itália. Além disso, proporcionou
uma nova realidade para os imigrantes, que preferiam enfrentar todas as
dificuldades que passavam a continua vivendo sem nenhum tipo de perspectiva e na
mais absoluta miséria no velho continente.
9.3.2 – Núcleo Colonial CasteloApesar do nome, o referido núcleo colonial não tem nenhuma relação direta
com nosso município, nem tão pouco ficava nos limites de onde hoje é o município
de Castelo. Mas a abordagem de sua História se faz necessária, pois foi um dos
pioneiros no acolhimento aos imigrantes no sul do Estado, e de lá, muitos
imigrantes, posteriormente, se dirigiram a Castelo.
Antes de entrarmos direto na questão dos primeiros núcleos coloniais, é
necessário dedicarmos algumas linhas à viagem dos imigrantes. Atraídos pelas
propagandas que lhes garantiam terras e condições de produção, muitos italianos se
lançaram em cansativas viagens até o Espíritos Santo. As primeiras viagens
chegavam a durar 4 semanas, quando os navios eram movidos à vela e também a
vapor. A partir de 1880, os navios movidos à hélice diminuíam essas viagens, que
passavam a durar entre 10 a 15 dias.
Durante as viagens, os homens jogavam baralho, e as mulheres faziam tricô.
Os alojamentos eram comunitários, chegando a ter 10 leitos por quarto. As refeições
iam piorando à medida que a viagem avançava. As ondas sacudiam o barco e
provocavam enjoo nos passageiros. As condições de higiene não eram das
melhores, e os sanitários eram poucos. Torna-se inevitável uma comparação com a
viagem que os negros faziam até chegarem a América, pois por piores que fossem
as condições que os imigrantes tinham, não chegavam nem aos pés, em termos de
dificuldades, das dos negros. As condições das viagens dos negros eram tão
terríveis e desumanas que mais da metade deles morriam durante o percurso até
chegarem à América.
Estabelecidas as condições das viagens, podemos nos ater à questão dos
núcleos coloniais propriamente ditos. Os primeiros núcleos coloniais ao Espírito
Santo foram as colônias de Santa Izabel, Santa Leopoldina e Rio Novo, sendo esta
última a que nos interessa. A colônia de Rio Novo foi fundada em 1854, e segundo
seu estatuto, chamava-se Associação Colonial do Rio Novo, mas seu sócio
majoritário e fundador, Caetano Dias da Silva, controlava toda a colônia. O major
português e ex-traficante de escravos, que com o fim da atividade que praticava,
resolveu mudar de ramo e investir nos imigrantes.
A Colônia Rio Novo difere-se das demais por se tratar de um investimento
inicial privado, enquanto que as outras eram de caráter estatal.
Enquanto os imigrantes tinham a posse total da terra nas colônias de Santa
Izabel e Santa Leopoldina, na de Rio Novo a posse era parcial, ficando o imigrante
ligado e dependente do grupo empresarial controlado pelo antigo traficante de
escravo, Major Caetano Dias da Silva. Os lotes que os imigrantes recebiam eram em
tamanho bastante reduzido, e muitas vezes em lugares pantanosos ou pedregosos.
Em 1871, no dia 7 de outubro o governo indeniza os antigos proprietários, e a
colônia Rio Novo passa para as mãos do Estado sobre o comando do engenheiro
Carlos Kraus.
Os primeiros imigrantes que lá chegaram foram os chineses. Os italianos só
chegaram em 1875, oriundos da Região do Trento. Em 1880, a Colônia Rio Novo é
emancipada, e os imigrante italianos que continuavam chegando, passaram a
ocupar o recém-criado Núcleo Colonial Castelo. Estas experiências com o trabalho
dos imigrantes nos núcleos coloniais funcionaram concomitantemente com o
trabalho escravo, que era responsável pela maior parte da população. Com o fim da
escravidão em 1888, abriram-se vários postos de trabalho para os imigrantes, que
passaram a ter como opção de trabalho, além dos núcleos coloniais, as antigas
fazendas escravocratas.
O núcleo Colonial Castelo foi criado em 6 de março de 1880, às margens do
rio Benevente, ao norte da Colônia Rio Novo, e era dirigido por Joaquim Adolpho
Pinto Pacca, antigo diretor da Colônia Rio Novo. Logo em 1881, no dia 28 de maio, a
Colônia Castelo foi emancipada. Neste mesmo ano ela contava com 1.079
habitantes, que cultivavam 150.000 pés de café. A população, em 1888, já era de
2.388 habitantes, e estava dividida em seis seções: Cachoeirinha, Alexandrina,
Carolina, Maravilha e Iracema.
O Núcleo Colonial Castelo se transformou na Vila de Alfredo Chaves, e
posteriormente, em um município de mesmo nome. O conhecimento da história da
Colônia Rio Novo e do Núcleo Castelo é de grande importância para a compreensão
da história dos imigrantes italianos em Castelo, pois muitos destes imigrantes
partiram desses locais, após da Abolição da Escravidão, para trabalhar nas
fazendas de nosso município.
Nos núcleos coloniais, os imigrantes recebiam gratuitamente um pedaço de
terra, que mesmo a duas penas, lhe garantiam a sobrevivência e até mesmo o
acúmulo de capital. Mas por outro lado, existia a necessidade dos fazendeiros de
substituir a mão-de-obra escrava, e eles viam no imigrante a salvação para seus
problemas. Os recém-chegados imigrantes estavam em um dilema: sucumbir aos
interesses dos fazendeiros e trabalhar nas grandes fazendas, ou conquistar sua
liberdade e independência financeira trabalhando em sua própria propriedade?
Veremos agora quem ganhou essa queda de braço: os imigrantes ou os
fazendeiros.
9.3.3 – A Luta dos Imigrantes Contra os FazendeirosOs imigrantes que chegavam ao Espírito Santo tinham duas opções:
dirigirem-se aos núcleos coloniais, Castelo e Colônia Rio Novo, ou irem substituir o
trabalho dos escravos nas fazendas de café já estruturadas. A grande maioria das
famílias optou pelos núcleos coloniais: outras, no entanto, vieram diretamente para
as fazendas de Castelo, subindo pelo rio Itapemirim, até chegarem ao destino.
Os fazendeiros de nossa região estavam acostumados a lidar com escravos,
e para com esses tinham um tratamento semelhante ao dispensado aos animais, e
esta realidade não mudaria de maneira rápida. Sendo assim, os imigrantes que se
dirigirem às fazendas não teriam tratamento muito diferente ao dispensado aos
escravos. Na verdade, os fazendeiros de nossa região não se prepararam para o fim
da escravidão, e perderam o bonde da história, ou seja, se adaptaram à nova
realidade, onde teriam que remunerar o que antes era de graça.
A ideia da substituição do trabalho pelos imigrantes europeus não era bem
aceita pelos fazendeiros, que achavam que os europeus, por serem provenientes de
onde eles consideravam uma civilização mais avançada, não se adaptaram ao
regime de trabalho duro. Os fazendeiros preferiam os chineses e africanos, por
considerarem os mesmos de raça inferior. Além disso, queriam que o Estado
importasse os trabalhadores, construíssem casa de detenção e um forte aparelho de
justiça para controlar os futuros trabalhadores. Todos os gastos do Estado neste
processo seriam reembolsados pelos fazendeiros, que por sua vez, descontariam os
valores dos imigrantes (africanos e chineses). Se esta proposta fosse aceita, os
imigrantes trabalhariam, no mínimo, 5 anos de graça para pagarem seus patrões. Na
prática, era a continuação da escravidão.
Com o fim da escravidão e a rejeição, por parte do Estado, da proposta de
imigração feita pelos fazendeiros, os mesmos não tiveram outra opção senão aceitar
os italianos que aqui já se encontravam para substituir os escravos. Mas era uma
relação que já havia nascido fadada ao fracasso por motivos óbvios, pois os dois
lados envolvidos na questão não iriam atender às expectativas uns dos outros; nem
os fazendeiros ficariam satisfeitos com o trabalho dos imigrantes (pois estavam
acostumados com o trabalho escravo), nem os imigrantes se satisfaziam com o
tratamento dispensado pelos fazendeiros.
A imensa maioria dos imigrantes preferiu o óbvio, que era trabalhar nas terras
doadas pelo governo, e muitos dos que preferiam o trabalho nas fazendas se
arrependeram posteriormente e se transferiram para os núcleos coloniais. A queda
da braço entre fazendeiros e imigrantes foi vencida pelos imigrantes por uma série
de razões. Umas dessas razões foi a fragilidade econômica e política por parte dos
fazendeiros que não tiveram seu projeto de importação de mão-de-obra aceito pelo
governo. Um fator que contribuiu a favor dos imigrantes foi em relação às condições
dadas a eles nos núcleos coloniais, que se não eram melhores, eram, sem dúvida,
mais atraentes que as dos trabalhos nas antigas fazendas escravocratas, e até
mesmo que na antiga terra natal.
Mas os fazendeiros não perderam a batalha sem luta. Uma das poucas
tentativas no sentido de se adaptarem ao problemas da falta de mão-de-obra foi a
criação da colônia Rio Novo, em 1854. Com essa colônia de iniciativa privada
buscava-se atrair imigrantes, em especial chineses, que posteriormente, devido às
propositais más condições de sobrevivência nos pequenos lotes recebidos,
substituíram os escravos nas lavouras. Essa tentativa não obteve êxito, e poucos
chineses se deslocaram para a colônia Rio Novo. A referida colônia sé teve um
incremento populacional com a chegada dos italianos em 1875, mas aí já estava sob
controle do Estado, e as condições eram outras, bem melhores.
Com a derrota dos fazendeiros devido ao mau planejamento e a dificuldade
de se adaptarem ao novo tipo de mão-de-obra, as antigas e grandes fazendas de
café foram se desmembrando entre os herdeiros, que cada vez mais enfraquecidos,
acabavam por vende-las aos pedaços (lotes) aos italianos. As grandes fazendas vão
gradativamente se transformando em um mosaico de pequenas propriedades, quase
sempre nas mãos dos descendentes dos italianos.
Trabalhando por conta própria, os italianos conseguiram com muito esforço se
capitaliza, e à medida que a família crescia, ia adquirindo mais terras. É essa
trajetória que veremos agora.
9.3.4 – O Caminho dos Imigrantes até CasteloTudo era novidade para os italianos na nova terra: o clima, a geografia da
região, as diferentes raças (índios e negros), a floresta tropical, os animais, enfim,
tudo era diferente. Os imigrantes sofreram mudanças em todos os sentidos: no
econômico, pois agora eram donos de sua própria terra: no social, já que teriam que
aprender a conviver com raças totalmente diferentes, oriundas das mais distantes
partes do mundo: no geográfico devido às grandes distâncias a percorrer para
chegar aos centros urbanos, e naturalmente, no psicológico, diante de tantas
novidades.
Com tantas mudanças, como seria o dia-a-dia dos imigrantes nos núcleos
coloniais? O Império brasileiro oferecia ao imigrantes, além de terras, a passagem e
a ajuda em dinheiro até a primeira colheita. Além de trabalharem em sua terra, os
imigrantes eram recrutados e remunerados para a abertura de estradas e outros
serviços. Nos núcleos coloniais, principalmente o Castelo, ainda criavam gado em
pequenas quantidades, que servia para o consumo da família e para o
abastecimento de um insipiente mercado local.
Cm muita dificuldade, pois não contavam com ferramentas apropriadas, os
imigrantes derrubavam as matas e iniciaram a formação de suas lavouras,
principalmente do café. Mas a fertilidade das terras recebidas no núcleo colonial
Castelo não era das melhores, ela era denominada pelos imigrantes de “La terra
magra”. A lavoura de café leva algum tempo para produzir, e ,na época, a demora
chegava a cinco dias, e neste período, os italianos trabalhavam nas grandes
fazendas de café da região em substituição aos escravos, fazendo assim uma
jornada dupla de trabalho.
E é através dessa dupla jornada que tiveram contato com as férteis terras das
fazendas de Castelo, onde também já haviam alguns compatriotas trabalhando
como meeiros para os fazendeiros. Mesmo sendo temporário, o trabalho dos
imigrantes deum uma sobrevida aos antigos fazendeiros escravocratas, as não por
muito tempo, pois logo que os italianos juntavam algum dinheiro, fosse ele no
trabalho de meeiro ou nos núcleos coloniais, eles abandonavam o trabalho nas
fazendas para adquirir sua propriedade.
A intenção dos italianos ao deixarem sua terra natal era a de serem
proprietários, esta meta foi alcançada, em parte, pelos que se dirigiam aos núcleos
coloniais. A realização só não foi total porque a terra sonhada deveria ser fértil, o
que era o caso do núcleo colonial Castelo. Após receberem o dinheiro da venda das
primeiras colheitas, muitos dos imigrantes do núcleo colonial Castelo, passaram
adquirir propriedade e a se transferirem para a região do futuro município de
Castelo.
O movimento interno de imigrantes em direção a Castelo foi favorecido por
alguns fatores como, a fertilidade do solo e os baixos preços das terras devido à
carência de mão-de-obra. Os descendentes dos grandes fazendeiros pioneiros no
cultivo de café em Castelo vendiam suas propriedades aos italianos e se transferiam
para as cidades maiores, ou até mesmo para o próprio centro do Distrito de Castelo,
para se dedicarem a outras atividades. Como exemplo, a família Vieira Machado da
Cunha, que parte da mesma se dirigiu à sede do distrito de Castelo, e os outros para
o Rio de Janeiro; a família Bernardes de Suxa, proprietários da Fazenda Santa
Helena, que se dirigiram a Cachoeiro de Itapemirim. Os fazendeiros, ao contrário
dos italianos, não estavam acostumados a trabalhar na lavoura propriamente dita, e
não se sujeitariam a tanto, devido a sua formação. Esta situação fez com que eles
se afastassem cada vez mais das fazendas a partir da abolição da escravidão,
deixando as mesmas nas mãos de administradores, ou as vendendo aos imigrantes.
O Núcleo Colonial Castelo era formado por 6 seções, como já afirmamos
anteriormente. Os imigrantes que se dirigiram para Castelo era basicamente das
seções de Matilde e Carolina. Castelo não foi o único lugar que os imigrantes
escolheram para se reinstalar. De lá, partiram para vários locais ao sul do Estado,
um deles foi o núcleo de São Pedro de Venda Nova. O referido núcleo, atual
município de Venda Nova do Imigrante, ficava no local onde fora criado o
Aldeamento Imperial Afonsino, que com a expulsão dos índios, transformou nas
fazendas Pindobas, Providência, Lavrinha, Tapera e Bananeiras. Com o fim da
escravidão e a dificuldade de mão-de-obra todas estavam praticamente
abandonadas, o que facilitou sua compra pelos imigrantes.
No início deste capítulo, afirmamos que os imigrantes tinham dois caminhos a
seguir, o dos núcleos coloniais, ou o das grandes fazendas de café, para substituir o
trabalho escravo. Pois bem, mesmo trilhando caminhos diferentes, vários desses se
encontraram em Castelo. Os imigrantes nos núcleos coloniais pouco férteis e com a
família aumentando, assim que conseguiam acumular dinheiro, compravam pedaços
de fazendas, no que vaio a se tornar o município de Castelo. Os que optaram pelo
trabalho nas fazendas ao furor inicial dos fazendeiros, acostumados a lidar com
escravos, também conseguiram comprar seus pedaços de terras por aqui. O dito
furor inicial dos fazendeiros foi se abrandando com o tempo devido ao agravamento
da falta de mão-de-obra.
Os meeiros, como eram chamados os italianos que substituíam os escravos
nas lavouras de café de Castelo, trabalhavam para os fazendeiros, e em troca,
recebiam a metade de tudo que produziam. Com os altos preços do café, não
demorou muito para que eles acumulassem dinheiro suficiente para se tornarem
proprietários, dividindo cada vez mais as antigas fazendas escravocratas. Nos locais
onde outrora predominava o trabalho escravo que consumiam o sangue, o suor e a
própria vida dos negros, passava a reinar o trabalho livre e alegre, que reunia toda a
família italiana cada vez mais numerosa. Mas esta não era a única evolução em
relação ao período escravocrata, ao meios de transportes para escoamento de uma
produção cada vez maior, também evoluíram.
9.3.5 – As Condições de TransporteCom a chegada dos imigrantes a Castelo e o incremento na produção,
ocorreu também uma melhora nas condições de transporte. Os meios utilizados no
período da escravidão ainda persistirem: as tropas e o fluvial. Mas o que trouxa uma
sensível evolução no transporte foi a chegada da ferrovia a nosso município.
O rio Castelo nunca serviu como meio de escoamento da produção de café,
apenas o Itapemirim, por um certo período, cumpriu esta função. Desta forma, este
tipo de transporte não esteve ligado a nosso município. Tanto no período de
escravidão, como dos imigrantes, a produção era transportada nos lombos dos
animais. Eram as tropas que carregavam toda a riqueza da época, tanto a que
descia a serra rumo a Cachoeiro e posteriormente ao Porto de Itapemirim, como as
que faziam o caminho inverso até chegar às humildes casas dos imigrantes para
lhes garantir a sobrevivência.
O que difere este tipo de transporte do tempo da escravidão para o dos
imigrantes é o surgimento da figura heroica do tropeiro. Dentro do modelo
escravocrata não havia espaço para o surgimento de heróis, já que o caráter
determinado trazia o surgimento de outros tipo de figuras, como a do capataz. No
período escravocrata, os que trabalhavam as tropas eram considerados por seus
donos, como os próprios animais que carreavam a carga; já no período dos
imigrantes, as pessoas que desempenhavam o mesmo tipo de função eram
consideradas heroínas. Esta comparação nos dá a exta dimensão de como o
mesmo tipo de transporte assume características totalmente diferentes, ao sabor do
tipo de trabalho que a envolve.
Vários são os fatores que dão ao tropeiro a imagem de herói. Dentre eles
podemos destacar o fato de serem elas, as tropas, o único meio de transporte
existente; outro fator é que eram os tropeiros que traziam as novidades; e a própria
ideia de viagem, para uma época de muitas dificuldades, já trazia em si uma forte
dose de heroísmo. Os tropeiros não era apenas o único meio de transporte, mas
também um dos únicos meios de comunicação entre os colonos isolados no interior
com a Vila de Castelo.
As tropas eram formadas por lotes de burros ou mulas. Cada um era
composto por dez animais, que ficavam presos entre si e seguiam o animal
madrinha, que carregava o sino para que o barulho do mesmo orientasse os demais
animais a segui-lo. A figura do tropeiro era muito próximo à do negociador,
chegando por vezes a confundir-se, já que o transporte tinha sempre o mesmo
objetivo, a venda, o que acabava levando o tropeiro a se tornar também um bom
negociador.
Por uma pesquisa realizada pela aluna Polliana Careta Campanha, podemos
conhecer o panorama da vida levada pelos tropeiros. Relatamos a seguir, alguns
tropeiros entrevistados, bem como uma relação dos tropeiros do município de
Castelo, retirada dos arquivos da “Societá Italiana de Castelo”.
Nome: Laurindo Camporez
Família: Camporez
Quantos anos foi tropeiro?R: mais ou menos 25 anos.
Onde morava?R: Limoeiro.
Quantos lotes de burro você tinha?R: 2 lotes.
Como era a vida de tropeiro?R: Era muito difícil, era obrigado com sol ou chuva trabalhar.
Você gostava de trabalhar com tropas?R: Sim, gostava de andar a cavalo.
Quantas sacas de café você acostumava puxar durante o dia?R: mais ou menos 40 sacos por dia para entregar no comércio.
Nome: Onório Dal-Cin
Família: Dal-Cin
Quantos anos foi tropeiro?R: mais ou menos 16 anos.
Onde morava?R: Córrego da Prata – Fazenda Boa Sorte.
Quantos lotes de burro você tinha?R: 1 lote.
Como era a vida de tropeiro?R: Boa, na época não achei difícil, hoje eu acho que era.
Você gostava de trabalhar com tropas?R: Não, Era obrigado para ganhar dinheiro e sair com a mercadoria.
Quantas sacas de café você acostumava puxar durante o dia?R: mais ou menos 30 a 60 sacos por dia.
Nome: João Cola
Família: Cola
Quantos anos foi tropeiro?R: mais ou menos 30 anos.
Onde morava?R: Pindobas.
Quantos lotes de burro você tinha?R: 2 lotes.
Como era a vida de tropeiro?R: Dura. Não existia asfalto, era trilho, quando chovia, gastavam 3 horas de
Pindobas a Castelo.
Você gostava de trabalhar com tropas?R: Gostava. Era uma vida sacrificada, ficavam com as roupas seis dias,
dormiam no couro com chuva.
Quantas sacas de café você acostumava puxar durante o dia?R: mais ou menos 48 sacos.
TROPEIROS HOMENAGEADOS PELA SOCIETÁ ITALIANA NO II ENCONTRO DA COLÔNIA ITALIANA EM CASTELO
Alcino Camporez
Alério Tomos
Alfredo Barbosa
Ângelo Revieiri
Antônio Catabriga
Antônio Estevão
Antônio Frade
Antônio Moreira
Antônio Reis
Antônio Rosa Rodrigues
Antônio Salvador
Antônio Zanúncio
Aristides Viano
Álvaro Cotta
Aristides Marassati
Argel Duarte
Avelino Perim
Belarmino Fazolo
Bernardo Junior
Carlos Cararo
Clóvis Mesquita
Comar Airis
Custódio Prudente
Daley Fazolo
Ezídio Camporez
Francisco Cardoso
Francisco Dorigo
Geraldo Andrião
Hermínio Davel
Íris Careta
Íris Fim
João Alves de Oliveira
João Angelino Comarela
João Cola
João Francischetto
João Perim
João Vieira
Joaquim Padovane
José Antônio Vitorazzi
Lacy Gomes
Laurindo Camporez
Laurindo Lovato
Leonildo Guizarde
Luis Fim
Newton Mesquita
Olívio Machado
Orlando Revieiri
Otacílio Francischetto
Otávio Perim
Ovídio Salvador
Pedro Cararo
Pedro Colodetti
Pedro Fazolo
Rafael Machado
Revenos Cota
Sebastião de Paula
Sólon Lopes
Valdemir Brambila
Valdir Calegari
Veilde Valentim Campanha
Venâncio Passamani Vicente Perim
foto
Mas a grande novidade da época em nosso município era, sem dúvida, os
trilhos que traziam a Maria Fumaça, apesar de que os trilhos não dispensavam os
trabalhos dos tropeiros, pois o trem só chegava até a sede de então Vila de Castelo,
e até lá, era no lombo dos animais que chegava o café.
Eram dois motivos principais para a construção de estrada de ferro no Espírito
Santo: um dos motivos era a tão sonhada ligação com Minas Gerais, e o outro era o
escoamento da produção de café da região sul do Estado, para o mar, e daí para o
mundo. Depois de vários projetos de construção que nunca se materializaram, em
1886, iniciavam-se as obras da construção da Estrada de Ferro Caravelas, a
primeira do Estado que ligava Cachoeiro-Alegre-Castelo. O concessionário era o
Capitão Deslandes, mas a obra foi executada com a administração do Visconde de
Matosinhos, cessionário do Capitão Deslandes.
A linha tronco ligava Cachoeiro a Alegre e tinha 49,5 km. Em Duas Barras foi
construída uma ponte com 77 metros de extensão para que os trilhos pudessem
chegar a Castelo. Ao todo, a ferrovia tinha 77 km, sendo o engenheiro responsável
pela obra, o alemão Hermann Schindler, que era auxiliado por outros engenheiros
brasileiros. Os primeiros trilhos do Espírito Santo partiram de Antuérpia no navio da
Companhia de Navegação Caravelas, de propriedade do mesmo dono da ferrovia,
Visconde de Matosinhos. Já em terras brasileiras, no porto da Barra, o material é
embarcado na prancha de nome Tarcília, que leva o mesmo ao porto João Marques,
em Cachoeiro, onde se inicia a construção da ferrovia.
Em 17 de setembro de 1887, os castelenses, assustados, presenciaram a
chegada da barulhenta e fumegante máquina que deslizava pelos trilhos, e que daí
em diante substituiria, em grande parte, o trabalho das tropas no transporte de café
até Cachoeiro. Este fato marcou a história do futuro município de Castelo, pois se
tratava da chegada da modernidade. Eram os castelenses tendo contato com um
dos meios de transportes mais modernos e eficientes da época. A viagem inaugural
contou com a presença do proprietário Visconde de Matosinhos, do presidente da
província Antônio Leite Ribeiro, do chefe de polícia e de muitas outras autoridades.
A imprensa da capital da província deu ampla cobertura ao evento e esteve presente
ao ato.
Castelo, Cachoeiro e Alegre foram os primeiros lugares da então província do
Espírito Santo a terem contato com a ferrovia. Este fato, por si só, dá-nos uma
dimensão da importância econômica de nosso futuro município. Pelos antigos trilhos
da Estrada de Ferro Caravela, por muito tempo, passou toda a vida econômica de
Castelo, além dos sonhos e aspirações de seus habitantes. No início do séc. XX
Castelo recebeu uma nova leva de imigrantes, que vão residir na antiga Fazenda do
Centro, é este o tema que abordaremos agora.
9.3.6 – A Segunda Leva de ImigrantesA vinda desta segunda leva de imigrantes foi resultado da compra e da
posterior venda, em pequenos lotes, da Fazenda do Centro pelos padres
Agostinianos que se encontravam no ES, na Imperial Colônia de Rio Novo, a partir
de 1899. É comum ouvir pessoas se referirem a este ato como sendo a primeira
reforma agrária do Brasil, mas tal afirmativa não condiz com a realidade. Não
precisamos analisar o âmbito nacional, basta o estadual para comprovar o que
afirmamos.
O Núcleo Colonial Castelo e a colônia Rio Novo foram criados ainda no séc.
XIX, e neles os imigrantes recebiam gratuitamente seu pedaço de terra, ao passo
que na fazenda, os colonos compravam sua terra. Desta forma, a venda de
pequenos lotes da Fazenda do Centro aos colonos não pode ser considerada como
reforma agrária, e mesmo que assim fosse considerada, não seria a pioneira, pois já
havia acontecido uma distribuição de terras a imigrantes italianos em nosso Estado,
no século anterior.
Esta análise não diminui em nada o grande ato dos agostinianos, que bons
resultados trouxeram para o nosso município. No dia 20 de julho de 1909, uma
comissão formada por Antônio e João Bernabé, Francisco Salvador, José Caliman,
José Bernabé e o padre responsável por ela, Manoel Simon, estiveram na Fazenda
do Centro. O objetivo da visita era conhecer a propriedade e também as condições
para adquiri-la, já que a fazenda se encontrava parcialmente abandonada.
Em um trabalho de pesquisa realizado pelo Frei Sérgio Peres de Paula, em
abril de 1995, sobre os Agostinianos na Região de Castelo, encontramos
informações importantes para entendermos os motivos que levaram tal Ordem
Religiosa a adquirir a Fazenda do Centro.
Já no início se justifica o porquê da aquisição, com a seguinte citação:
“A Fazenda do Centro, adquirida para
ajudar os imigrantes a se assentaram em
terras mais férteis e como ‘possível’
refúgio para abrigar estudantes espanhóis
Agostinianos Recoletos, devido a tensões
políticos na Península Ibérica, constituiu-
se não apenas em empreendimento social
de grande envergadura como também
tornou-se um Centro de irradiação do
Evangelho”.PAULA, Frei Sérgio Peres de. “Os Agostinianos
Recoletos na Região de Castelo” – 1995
É importante observar também que s diferenças entre o nativo e o colono
imigrante eram muito grandes, em especial no quesito religião. O imigrante
preocupava-se em manter suas crenças, sua fé ao catecismo, a Igreja, a missa, o
casamento no religioso, coisas que para o nativo eram um tanto quanto indiferentes.
E essas diferenças vão se acentuando cada vez mais com o crescimento do número
de imigrantes no Es. A partir do início do séc. XX percebem-se algumas mudanças
no povo capixaba, como por exemplo, o interesse crescente da população pela
religião. Percebe-se a força dos costumes e das tradições dos imigrantes, uma vez
que somavam mais de 50% da população do Estado.
A preocupação dos imigrantes em relação era tão grande, que houve
manifestações de desagrado por parte dos mesmo, exigindo nas fazendas: capela,
oratório, presença de padres e das condições a eles impostas, tais como, o
esgotamento das terras, a diminuição constante das colheitas.
“Insistentemente, os colonos pediam aos
seus pastores ajuda e uma solução para
os problemas que eles estavam
enfrentando, (...) os religiosos procuravam
ao menos direcioná-los para regiões e
pontos do Estado, onde os colonos
pudessem viver reunidos e mantendo
seus costumes e sua piedade.”(Crônica de La Província de Santo Tomás de Villanueva,
Segunda década, p. 257, 655).
O que os Agostinianos poderiam fazer, em especial Frei Manuel Simón para
atender a tais súplicas? Procurar por locais, onde os colonos italianos pudessem se
instalar em novos terrenos mais ao interior, com terras mais férteis, sem perder seus
hábitos e fé.
“A aquisição das terras que se
encontravam à venda seria uma obra de
grande benfeitoria não só para a
Província, mas principalmente para os
colonos. Crendo nisto, Fr. Manuel Simón,
tendo conseguido a autorização para
adquirir a fazenda e dividi-la para os
colonos, empreendeu logo seu projeto.(id ibid)
Dentro desta proposta de aquisição de terras, os Agostinianos começam a
procurar por elas, chegando assim à Fazenda do Centro. Os antigos donos haviam a
colocado à venda pelo preço de 100 contos de réis. Para tal quantia, ficava inviável
a compra, a não ser que arrumassem sócios para tal empreendimento. Assim, a
sociedade foi feita entre a ordem dos Agostinianos, Fr. Manuel Simón Fr. Máximo
Tabuenco, com o Sr. Maximino Alves, espanhol, e o Sr. José Mariano Sobrinho,
brasileiro. No dia 20 de julho de 1909, os sócios foram visitar a propriedade. O
acordo entre eles era adquirir a fazenda para dividi-la em lotes de 10 alqueires, que
deveriam ser vendidos por 100 mil réis, com prazo de 10 anos para pagá-los sem
juros, sendo que o pagamento se iniciaria a partir de 5 anos. 58 famílias de colonos
que já residiam no local teriam a preferência.
A compra da terra e a passagem da Escritura deveriam acontecer em 21 de
novembro de 1909, porém o Sr. Maximini Alves se retirou do negócio, o que levou à
compra de apenas 1.542 alqueires. Não demorou muito para que o sonho da
compra da fazenda se tornasse realidade. Em 24 de novembro de 1909, padre
Manoel Simón e ser sócio José Mariano adquiriram, em cartório, 1.216 alqueires de
Antônio Fernandes Moura e mais 326 alqueires de Joaquim Fernandes Moura, o
total de terras adquiridas foi de 1.542 alqueires, além de maquinários, casas de
benfeitorias existentes. O restante das terras foi adquirido até 07 de maio de 1910,
mediante empréstimo.
Fr. Manuel Simón sofreu muito para pagar os empréstimos feitos para adquirir
o restante das terras. Também o sócio, Sr. José Mariano Sobrinho, não cumpriu
seus compromissos, não havendo outra alternativa, senão desfazer a sociedade, o
que ocorreu em 27 de dezembro de 1912.
Como já afirmamos, a intenção de padre Simón, que representava a ordem
dos Agostinianos, era dividir toda a terra em lotes de 10 alqueires e vende-los em
condições favoráveis aos descendentes de italianos que viviam na região do Núcleo
Colonial Castelo. Neste período, o núcleo já se chamava Alfredo Chaves, e
pertencia a Anchieta, onde ele era pároco. Mas, na lista dos compradores dos lotes
da fazenda, nãos constam apenas pequenos lavradores descendentes de italianos
dispostos a trabalharem diretamente na terra. Entre os compradores estão, até
mesmo, parentes dos antigos donos da fazenda, como o senhor Manoel Moura
Júnior, também os Vivacqua e irmãos que já estavam estabelecidos em Castelo,
que, com certeza, não iriam lavrar diretamente a terra. Os Agostinianos não
venderam toda a propriedade, reservaram a parte central para suas atividades
religiosas e uma considerável quantidade de terra para garantir a subsistência da
ordem em Castelo.
Mas a grande singularidade nesta transação foi, sem dúvida, a cessão de
terras aos imigrantes ou aos descendentes, com boas condições de pagamento,
pois a terra só começava a ser paga depois das primeiras colheitas. Este ato dos
padres agostinianos gerou a vinda de uma nova leva de italianos e seus
descendentes provenientes de Alfredo Chaves, que atraídos pela fertilidade da terra
e pelas boas condições de pagamento, radicaram-se em terras castelenses.
A venda desses lotes veio ratificar a tendência do predomínio de pequena
propriedade, no embrionários do futuro município de Castelo com a vinda dos
imigrantes. Não podemos afirmar com exatidão, mas o loteamento da Fazenda do
Centro para cá mais de cinquenta famílias provenientes da pouco fértil região de
Alfredo Chaves. Este número de pessoas representou um grande incremento não só
populacional para a região, mas econômico, social, religioso e político.
A Fazenda do Centro sempre mereceu lugar de destaque na história de
Castelo. Serviu de passagem para os índios nômades que andavam por nossa
região, foi palco da mineração, depois se transformou em uma das maiores
fazendas escravocratas do Espírito Santo e, finalmente, teve suas terras divididas
entre os imigrantes italianos e seus descendentes.
Na fase dos italianos, o incremento,
em todos os sentidos, foi tão notável que
se chegou a cogitar a extensão da
estrada de ferro de Castelo até a fazenda.
O projeto de construção não ficou no
papel, chegou a ser iniciado com a
construção do que seria a Estação
Ferroviária (o prédio ainda continua de pé
na fazenda), mas na crise no preço do
café frustrou sua continuação.
9.3.7 – As Bases do Município de CasteloDe uma forma bastante sucinta, podemos dizer que a história de Castelo teve
início ainda com os índios que vagavam livremente por nosso território. A chegada
dos europeus às nossa terras, em busca do ouro, gerou um confronto entre esses
seres de dois mundos completamente diferentes. Apesar da heroica resistência
inicial e de algumas vitórias, os índios acabaram sucumbindo ao poderio dos
brancos. Nos séculos XVII, XVIII e XIX, apesar de alguns intervalos e abandono na
região, o que movimentava a economia era a exploração do ouro de aluvião nas
águas do rio Caxixe.
O ouro foi substituído pelo café como produto principal da economia, na
segunda metade do séc. XIX, com a chegada dos fazendeiros provenientes da
região norte do Rio de Janeiro. Os Vieiras Machado da Cunha tomaram posse das
terras devolutas que hoje compõem nosso município e colocaram os escravos para
produzirem café. E, por aproximadamente cinquenta anos, Castelo viveu a
experiência do plantation, com a utilização da mão-de-obra escrava e produzindo
café para o mercado externo em grandes extensões de terra.
O eminente fim da escravidão gerou uma grande crise de falta de mão-de-
obra, pois Castelo, assim como toda a província do Espírito Santo, era carente de
foto
habitantes. Éramos um grande vazio demográfico. Para preencher este grande
vazio, optou-se pela vinda dos italianos que sofriam em seu país com um problemas
inverso – o excesso de mão-de-obra e a falta de terra.
Tanta terra sobrando acabou por enfraquecer os fazendeiros da região, e com
a concessão de terras aos imigrantes, feita pelo governo, o processo de decadência
dos grandes fazendeiros se acelerou em Castelo.
O fim da escravidão desencadeou uma grande crise de mão-de-obra que
deixou os fazendeiros sem opção para tocar a produção. Esta realidade que
abaixava o preço da terra, associada a uma boa quantidade (para a época) de
imigrantes italianos, que gradativamente se capitalizava, seja como pequenos
proprietários nos núcleos coloniais, ou mesmo como meeiros dos fazendeiros em
Castelo, foi o fator que contribuiu para que nosso município se tornasse de um
pontentado de poucos donos, em um mosaico de pequenas propriedades, e
naturalmente, de muitos proprietários.
Apesar de principal, esse foi o único motivo que levou Castelo a se dividir em
pequenas propriedades. A natural divisão entre os herdeiros dos fazendeiros
também teve sua parcela de contribuição para a atual realidade econômica. O
exemplo da Fazenda do Centro, apesar de não ser como alguns pretensiosamente
afirmam, a primeira reforma agrária no Brasil, foi imprescindível para a formação
econômica atual de Castelo. A chegada da nova leva de imigrantes e de seus
descendentes para a fazenda, parcialmente dividida, trouxe energia nova, além de
ratificar a tendência de Castelo pela pequena propriedade agrícola.
Nosso trabalho sobre a história de Castelo se encerra aqui. Optamos por esse
corte historiográfico por acreditarmos que o séc. XX, em nosso município, merece
um tratamento especial em um só livro, por ter mais bibliografia sobre a época, e
também por poder utilizar como fonte de pesquisa a história oral. Outro motivo para
o corte foi a grande extensão de tempo que nossa pesquisa abordou, de
aproximadamente 7.000 anos a.C. até o início do séc. CC.
A Crise da Mão-de-Obra
O fim da escravidão agravou ainda mais um antigo problema na região de
Castelo. Esse problema nasceu junto com as primeiras fazendas escravocratas,
estamos falando da falta de mão-de-obra.
Abordamos anteriormente este crônico problema, já que quando elas, as
fazendas começavam a funcionar, por volta de 1845, o tráfico de escravos direto da
África já havia sido suspenso. Desta forma os escravos daqui eram os comprados
principalmente das lavouras da cana-de-açúcar do nordeste do Brasil, o chamado
tráfico interno.
Com a proibição do trabalho escravo, esse flagelo que tanto manchou nossa
história, os fazendeiros tiveram que buscar soluções para continuar produzindo. Os
imigrantes europeus, e mesmo trabalhadores livres de outras regiões do país eram
as principais soluções a vista.
Os fazendeiros da região buscaram resolver seus problemas de forma
coletiva, pois tinham a plena certeza que juntos, em algum tipo de organização,
teriam melhores perspectivas de sucesso do que de maneira isolada, e foi dentro
deste espírito corporativo que em 15 de dezembro de 1888, foi criado o Clube da
Lavoura do Castello, seu estatuto foi publicado no jornal de circulação semanal, “o
Cachoeiro”, no dia 13 de janeiro de 1889.
A diretoria do Clube da Lavoura de Castello era composta por, Conrado Vieira
Machado (Presidente), Manoel José de Souza Braga (Vice-Presidente), Josino
Vieira Machado (1º Secretário), Carlos Augusto de Assumpção de Silva (2º
Secretário) e Agostinho Ferreira dos Santos (Tesoureiro).
Os principais objetivos do referido clube, segundo seu estatuto, eram: auxiliar
as medidas de utilidades para a lavoura; promover junto às autoridades civis e
eclesiásticas providência para o desenvolvimento local da agricultura; promover a
vinda de imigrantes, moralizados e laboriosos; fundar escola de letras diárias e
noturnas; auxiliar a polícia local na manutenção da ordem e da paz.
A julgar pelos objetivos estatuários, podemos afirmar que o clube estava
imbuído do propósito de desenvolver a atividade principal de seus sócios, a
agricultura. É bem verdade que este desenvolvimento acabaria por acarretar
melhoras nos demais setores da sociedade, principalmente por que o trabalho não
era mais escravo.
O trabalho escravo era estéril, ou seja, não gerava salários para os
trabalhadores, sendo assim não promovia uma circulação maior de dinheiro em
todas as camadas da população, inviabilizando o avanço e o incremento do
comércio e das demais atividades econômicas. Já com o trabalho livre e assalariado
o dinheiro passa a circular nas mãos de mais pessoas, dando condições para um
maior desenvolvimento econômico da região.
Mas, voltando a questão do clube e seus objetivos estatuários, uma coisa nos
chamou a atenção, que era a preocupação com a segurança, que está caracterizada
em um dos objetivos do clube que era auxílio do mesmo a polícia local para a
manutenção da ordem e da paz.
Esta preocupação dos fazendeiros nos faz supor que o clima que percebeu a
abolição da escravidão, foi um tanto quanto conturbado, já que consta na lista de
objetivos do Clube da Lavoura, o auxílio à polícia para manter a ordem. Fica claro
também quem é que dava as ordens neste período, pois esse auxílio muito
provavelmente poderia ser usado como forma de influência, que facilmente poderia
ser usado em benefício dos poderosos fazendeiros.
O fato é que o clube cumpriu, não se sabe se a contento, com seu objetivo de
trazer imigrantes para substituir os negros na lida da lavoura. Só que a vinda dos
imigrantes, associados a outros fatores, desencadeou um processo de pulverização
das propriedades rurais, que acabou por eliminar a grande propriedade rural na
região de Castelo.
A crise da falta de mão-de-obra, potencializada com o fim da escravidão, e a
vinda da estrada de ferro, somente até então praça da estação, são os principais
motivos para o surgimento do início do processo de urbanização em Castelo. O local
de seu início foi justamente o fim da linha do trem no que veio a se chamar de
estação.
Processo de Urbanização – Considerações Gerais
As cidades, tais como as conhecemos hoje, são fruto do capitalismo. O
mundo feudal era rural, mas com a ascensão do capitalismo as cidades passam a
roubar a cena, e vão tendo cada vez mais importância.
A história de Castelo não está desconectada da história da humanidade,
muito pelo contrário, ela faz parte deste grande cenário chamado história da
humanidade. Sendo assim, antes de entrarmos nas particularidades do processo de
urbanização de Castelo, é importante fazer algumas considerações gerais a respeito
de como se deu os processos de urbanização no decorrer da história.
É importante fazermos aqui uma definição a respeito de feudalismo,
mercantilismo e capitalismo, pois afirmamos anteriormente que as cidades são fruto
do capitalismo, então é pertinente falarmos sobre ele, e sobre o modo de produção
que o antecede, o feudalismo.
Karl Marx, na sua obra Miséria da Filosofia, afirma que: “as relações sociais
estão (...) ligadas às forças produtivas. Ao adquirir novas forças produtivas, os
homens mudam seu modo de produção, a maneira de ganhar a vida, mudam todas
as suas relações sociais (...)”.
Esta afirmação torna ainda mais imperativo a explanação sobre os tipos de
produção, que a humanidade passou, (feudalismo, capitalismo) para entendermos
as transformações por que passou a história de Castelo. Faremos as definições
clássicas sobre cada período e as respectivas comparações com a história de
Castelo, dentro da medida do possível.
O feudalismo tinha na servidão a sua forma de produção o servo não era
escravo, mas de serviço. Em troca dos serviços do servo o senhor feudal lhe
garantia segurança, proteção e o direito de usar parte da terra.
A base da economia no período feudal era a troca. Era pouca a circulação da
moeda, pois os feudais eram auto-suficientes. O que não produzia era trocado entre
eles.
No período feudal, os reis continuaram a existir, mas seu poder era quase
simbólico, e não ia além de seu feudo. Os proprietários das terras, os senhores
feudais, eram soberanos em seus domínios.
De forma bastante sintética, podemos afirmar que as principais características
do feudalismo eram a não existência de um poder central, existindo em seu lugar o
poder dos senhores feudais. A circulação de moeda era pequena, o que prevalecia
era a troca de mercadoria. O mundo feudal foi necessariamente agrícola e rural.
Outro modo de produção importante, e que sua análise será útil para
compreendermos a história de Castelo, é o capitalismo, que no seu início precisou
da tutela do Rei/Estado para seu desenvolvimento, através da prática do
mercantilismo.
No mercantilismo, fase inicial do capitalismo, o estado, através da figura do rei
e em alguns casos de representantes da burguesia, passa a exercer um controle
sobre os cidadãos, o poder que estava descentralizado no feudalismo, passa a ser
centralizado no mercantilismo. É quando surgem os estados nacionais na Europa.
O comércio torna-se a atividade mais importante neste período, deixando a
agricultura em segundo plano. É neste período que acontece nas grandes
navegações e a inclusão de novos mercados com a América, África e Ásia,
incrementando de vez o comércio.
As moedas passam a circular com grande intensidade e a descoberta de ouro
e prata nas colônias intensificam ainda mais o mercantilismo.
O capitalismo que é definido por Karl Marx como o modo de produção onde o capital
é o principal meio de produção. Para Marx, o capital assume várias formas. De
dinheiro, de crédito com objetivo de comprar a força de trabalho e os materiais
necessários à produção.
No capitalismo, tudo é mercadoria, inclusive a força de trabalho a mão-de-
obra. No capitalismo, quem não tem os meios de produção (terra, máquinas,
fábricas) vende sua força de trabalho em troca de salário para os proprietários dos
meios de produção, os capitalistas.
Quando o homem, não proprietário dos meios de produção, sem outra opção,
passa a vender sua força de trabalho aos capitalistas. É o capitalismo. Essa divisão
social do trabalho separa os homens entre a burguesia (donos dos meios de
produção) e o proletariado (os que trocam seu trabalho por um salário, e não são
donos do que produzem).
Esses conceitos clássicos de modo de produção (feudalismo e capitalismo)
foram elaborados a partir da história e realidade da Europa, e nem sempre ocorreu
aqui, no Brasil, da mesma forma que lá no velho continente.
Nem mesmo na Europa os modos de produção se sucederam de forma
contínua e linear. A história é permeada por idas e vindas, por avanços e
retrocessos, ou como alguns historiadores gostam de chamar, de permanências e
rupturas. Isso significa dizer que no final do feudalismo podemos encontrar
características do capitalismo. Portanto, essas definições servem para nos guiar nas
interpretações do passado.
Retornando ao nosso assunto principal, a história de Castelo, mais
precisamente o início do processo de urbanização, podemos afirmar que estávamos
vivendo o fim de um período exclusivamente rural, para entrarmos em um novo, que
trazia consigo, características, que são cada vez mais marcantes com o
desenvolvimento do comércio e de um efêmero núcleo populacional.
O fim da escravidão foi de fundamental importância, para a mudança de um
modo de vida essencialmente agrário para um também urbano. Nesse contexto,
então, o fim da escravidão representou uma ruptura, desestruturou todo o modo de
produção vigente, baseado na força de trabalho escravo.
Com o fim da escravidão começam a surgir meeiros, colonos e
posteriormente os pequenos proprietários, quase todos imigrantes que vão
incrementando o comércio local.
Feitas essas considerações gerais, podemos nos ater de agora em diante às
questões específicas do processo de urbanização de Castelo.
Início do Processo de Urbanização de Castelo
Toda a história de Castelo até o fim do século XIX se desenrolava em
cenários totalmente agrícolas. A urbanização era um fenômeno totalmente
desconhecido por essas bandas.
As grandes fazendas eram núcleos totalmente fechados e auto-suficientes.
Dentro deles se encontrava tudo que se necessitava para a sobrevivência naquela
época.
É bem verdade que nem tudo se produzia nos núcleos, muitas coisas
chegavam de fora através dos caixeiros viajantes. O que é importante demonstrar ao
leitor, para que ele possa ter a exata compreensão deste período, é que as fazendas
nãos viviam em função de um núcleo urbano, como ocorre hoje, mesmo porque não
existia um muito próximo. O mais perto era o de Cachoeiro, que tinha uma distância
considerável para a época.
Podia-se até então viver uma vida inteira sem ter a necessidade de ir à
cidade.
Como e quando esse mundo começa a se desintegrar, abrindo espaço para o
surgimento de um núcleo urbano em Castelo? Esse fenômeno este diretamente
ligado a questão econômica. Para ser mais preciso um dos fatores que
desencadeou o início da urbanização em Castelo foi o transporte.
Outro fator que contribui para o início da formação do núcleo urbano de
Castelo foi a abolição da escravidão que agravou o problema da falta de mão-de-
obra. Sem gente suficiente para trabalhar nas lavouras de café ocorre um
enfraquecimento das atividades rurais. Este problema enfrentado pelos fazendeiros,
também é considerado um dos fatores que contribuíram favoravelmente para o
surgimento do núcleo urbano de Castelo.
Onde hoje é o perímetro urbano de Castelo era antes da chegada da estrada
de ferro, uma simples planície, pertencente a uma das grandes fazendas de Castelo,
a Fazenda do Centro. Mas a chegada dos trilhos iniciou um processo de
urbanização contínuo, irreversível que chega até nossos dias.
Comungamos da teoria que a economia é um fator determinante na
organização da sociedade, e que através dela as demais coisas se organizam no
dia-a-dia e na história. E o processo de urbanização de Castelo não foge essa regra,
isso implica dizer que ele teve seu início impulsionado por fatores econômicos
específicos que foram o transporte da produção de mercadoria aqui produzida e
também as que chegavam oriundas das avarias partes do Brasil e até do mundo, e
também a crise de falta de mão-de-obra que enfraqueceu o meio rural.
Tínhamos a Fazenda do Centro como núcleo mais completo entre as grandes
fazendas. É bem provável que, se os trilhos da Estrada de Ferro Caravelas tivessem
chegado ate a sede da fazenda, como previsto, teria sido lá o local onde se
estabelecia a urbanização de Castelo.
Como os trilhos não subiram a serra, o processo desceu da Fazenda do
Centro e se instalou nas proximidades da estação, onde é hoje a Praça Três Irmãos.
Ali foi plantada a semente que germinou e deu origem ao núcleo urbano de Castelo.
E foi assim, embalado pelo som da maria fumaça (o símbolo do progresso da
época) que o fazendeiro Manoel Fernandes Moura transferiu sua casa de comércio
da Fazenda do Centro para as proximidades da estação. Este ato marcou o início de
nossa urbanização desencadeou um processo que gradativamente foi transferido
toda a estrutura das, até então autônomas e auto-suficiente, fazendas para o cada
vez mais crescente centro urbano que se formava em torno da estação.
Dada a importância desta transferência para a história de Castelo, iremos
reproduzir na íntegra o anúncio feito no jornal de publicação semanal da época “O
Cachoeirano”, de 30 de outubro de 1887, que circulava na região:
“Moura e Cia comunica aos seus
fregueses e amigos que em substituição a
sua casa comercial estabelecida na
Fazenda do Centro, abriram outra na
Estação do Castelo, onde encontraram
uma grande, bonito e variado sortimento
de todos os artigos e concernentes ao seu
ramo de negócio, que vendem por preço
muito reduzido. Esperam pois a
continuação de sua honrosa confiança e
da proteção que lhes tem dispensado.
Estação do Castelo, 21/12/1887”
Consideramos este anuncio a “certidão de nascimento” do núcleo urbano de
Castelo. A chegada dos trilhos teve um significado muito importante para a região, a
ponto do maior fazendeiro e comerciante não hesitar em transferir sua casa
comercial ara junto da estação.
E esta transferência foi rápida, pois a inauguração da estrada de ferro foi em
17 de setembro de 1887, e já no dia 21 de outubro do mesmo ano, Manoel
Fernandes Moura anunciava que sua casa comercial funcionava no mesmo
endereço. Estar próximo da estação significa uma comodidade muito grande do
ponto de vista comercial, pois ele teria mais facilidade para embarcar os produtos da
região, principalmente o café, através da construção de um depósito na estação e
também no caso dos produtos que chegavam de todas as partes do mundo trazidos
pelo trem. Sua localização era privilegiada. Isso sem falar no fluxo de pessoas que
cada vez mais passava a usar o trem como meio de transporte.
O contato com a maria fumaça trouxe mudanças profundas para a vida por
aqui, a principal delas como destacamos foi o desencadeamento do processo de
urbanização de Castelo, pois pela primeira vez se forma um núcleo de povoamento,
não mais em função da extração mineral, como ocorreu na fase que
convencionamos chamar de período da mineração, ou mesmo em torno de
atividades agrícolas, como ocorreu no período das grandes fazendas.
Desta vez a formação deste novo núcleo populacional se dá em torno de
atividades com características mais ligadas à cidade como o comércio e o transporte
de mercadorias, as que eram produzidas e as que eram consumidas na região. Isso
não significa dizer que todas as tradições e atividades rurais foram paralisadas,
muito pelo contrário, até hoje a base da nossa economia é a agricultura.
O que diferencia este novo núcleo populacional é o seu cerne, o motivo de
sua origem até então inédito em Castelo. Enquanto os núcleos populacionais das
fazendas eram fechados em s, com pouco ou nenhum contato com o mundo
exterior, com o único objetivo de garantir a sobrevivência de seus habitantes, o que
surgia no entorno da estação do Castelo estava em sintonia com o que existia de
mais moderno em termos de transportes terrestre da época, que era o trem.
O fluxo de mercadorias, ideias e pessoas passou a ser muito mais intenso no
novo povoado. Enquanto que os demais povoados da região viviam fechados em
seus pequenos mundos, o que se formava na estação estava de portas e janelas
abertas para o mundo através da estrada de ferro. Mas essa mudança foi lenta e
gradual. Muitos fazendeiros não se adaptaram rapidamente às mudanças.
Um exemplo claro da dificuldade de adaptação à nova e à polêmica gerada
em torno da construção de uma ponte, e também dos preços a serem pagos para o
embarque do café na estação.
Apesar da existência da estrada de ferro, muitos produtores preferiam
continuar transportando sua produção através das tropas. Os motivos alegados
eram os altos preços do frete e a não existência de uma ponte para se transpor o rio
Castelo e chegar à estação. Diziam os fazendeiros que a estrada de ferro foi
construída sem pernas, pois não existia acesso à estação pela falta de uma ponte.
O local onde deveria ser construída a ponte pertencia a Manoel Fernandes
Moura, desta forma a sua construção ficaria sob sua responsabilidade. O termos dos
demais fazendeiros era que após a construção ele cobrasse uma taxa para sua
utilização. O fato da não utilização da estrada de ferro pelos produtores de Castelo
chamou a atenção dos proprietários da concessão da estrada.
Através do jornal “O Cachoeirano”, que chegava todas às terças-feiras à
estação do Castelo, os concessionários da estrada cobravam dos produtores os
motivos pela não utilização de seus serviços. Através do mesmo veículo de
comunicação os produtores justificavam os motivos de continuarem a utilizar as
tropas para o transporte. Os motivos basicamente eram a não existência da ponte e
os preços do frete, que os produtores julgavam que deveria cair pela metade. A nota
respondendo os motivos da não utilização foi assinalada pelos seguintes produtores:
Francisco Antônio Moraes e filhos, Pedro Vieira da Cunha, Maurício Vieira Machado
da Cunha, Luiz Homem de Azevedo, Conrado V. Machado, Carlos Pinheiro de
Souza, Francisco Vieira de Almeida Ramos, Bernardo Vieira Machado, José Nunes
de Almeida Ramos, Januário Vieira Pena, Cesário Vieira Machado, Francisco de
Sales Vieira Machado, Pedro Francisco Moreira, Bernardo de Almeida Ramos, José
Alves de Souza Coutinho, Wantuil Vieira da Cunha, Antônio da Silva Pinheiro,
Agostinho Ayres da Silva, Antônio Gomes Ferreira, Honório Vieira Machado, Carlos
Silva, João Bernardo de Souza Júnior, Peregrino Gomes Vieira e companhia, Pedro
Vieira Machado da Cunha, Adolpho Vieira da Cunha e Honório Vieira Machado da
Cunha.
Para buscar solucionar o impasse gerado pela insatisfação dos produtores, o
alto escalão da empresa da estrada de ferro se deslocou até Castelo para se reunir
com os produtores locais, e saber pessoalmente os motivos da insatisfação e
discutir as prováveis soluções.
Representando a concessionária da estrada estiveram presentes à reunião.
Visconde S. Salvador de Mattozinhos, presidente, Antônio Gonçalves, sócio da Casa
Comercial Moura e Cia, João Layola, da imprensa local e Rodolpho Henrique
Baptista, chefe de tráfego da estação.
Nesta reunião com os produtores locais ficou acertado que a construção da
ponte sobre o rio Castelo, ligando a fazenda até a estação, ficaria mesmo a cargo de
Manoel Fernandes Moura, mas que devido aos altos custos a companhia
proprietária da estrada de ferro arcaria com metade das despesas. Desta forma, o
acesso à ponte seria livre a todos os produtores e cidadãos da região.
Já com relação às tarifas cobradas, o presidente da companhia dizia não
depender dele, mas que faria o máximo possível para solucionar também esse
problema.
Esta reunião é uma prova de como que gradativamente a população ia se
acostumando com a nova realidade que se apresentava. A modernização no
transporte e o surgimento de um núcleo urbano. Um fato importante decidido nesta
reunião e que serviu para ajudar a consolidar o processo de urbanização foi a
construção da ponte sobre o rio Castelo.
A obra foi fundamental para a urbanização. Sua localização provável era perto
da atual “ponte da cadeia”, em frente onde hoje funciona a Delegacia de Polícia.
Com a ponte ligando as duas margens do rio Castelo teve aumentada a área
disponível para a expansão do núcleo urbano.
A relação de Manoel Fernandes Moura, dono da Fazenda do Centro e da
primeira casa comercial de Castelo, com os demais fazendeiros não era mais
amistosas. Acompanhando os jornais da época encontramos uma sequência de
cartas de leitores e mesmo matérias jornalísticas que demonstram conflitos de
interesses entre as partes.
O primeiro impasse foi a questão da ponte, como citamos anteriormente. Mas
eles não pararam por aí, tiveram outros. Os problemas se agravavam quando em 16
de janeiro de 1889º senhor Antônio da Rosa Carvalho Machado inaugura a segunda
casa comercial do povoado, também na praça da estação, com 12 metros de frente.
A inauguração contou com a presença da banda de música da Estrela do
Norte, do vigário da freguesia, do gerente da casa comercial, Sr. José Xavier de
Lima e de aproximadamente duzentas pessoas que eram convidados em geral.
Passada a festa tiveram início os problemas.
O Sr. Manoel Fernandes Moura mandou instalar esteios na margem esquerda
da estação, dificultando o acesso do concorrente e seus fregueses à estação. O Sr.
Moura também usou de outros artifícios para impedir que seu concorrente
chegassem à estação, não só a de Castelo, como também a de Santo André, atual
Aracuí, como a construção de casas e valas, todas com intenção de dificultar a
passagem.
As atitudes de Manoel Fernandes Moura lhe renderam uma multa por não
cumprir as determinações da Câmara da Vila, de impedir o acesso dos moradores à
estrada de ferro e às estações.
Estes problemas fizeram com que o vigário Manoel Leite de S. Mello
retornasse a Castelo. Desta vez não apenas para benzer a casa comercial do Sr.
Antônio Rosa Carvalho Machado, mas também o caminho que ligava a casa
comercial a estação e que estava sendo bloqueado pelo Moura. Na ocasião, o
vigário faz um discurso conciliatório pregando a necessidade da paz e da harmonia
entre todos os moradores.
Apesar dos problemas, o processo de urbanização ia se consolidando aos
poucos, uma prova disto é o surgimento de novas casas comerciais. O próprio
Moura abriu uma filial perto da ponte ainda em 1888.
No dia 27 de agosto de 1889, mas no mês de fevereiro, Carlos Pinheiro de
Souza e Rocha Júnior também criam uma sociedade comercial com o nome de
“Antônio da Rocha Júnior”.
Também no ano de 1889, mas no mês de fevereiro, Carlos Pinheiro de Souza
e Carlos Augusto Assumpção Silva fundaram a “Sociedade Silva e Pinheiro” que
vendia fazendas, roupas feitas, chapéu, sal, molhados, louças, ferragens e
armarinhos.
Esta casa comercial não se localizava nos arredores da praça da estação do
Castelo, mas sim da Fazenda São Quirino e com uma filial no Aldeamento Imperial
Afonsino (atual cidade de Conceição do Castelo). Mas com certeza sua existência
contribuiu para a consolidação do nosso processo de urbanização, já que eles
tinham a necessidade de usar a estação do Castelo para receber suas mercadorias
contribuindo assim para um maior fluxo de mercadorias e pessoas em nossa
estação.
Como podemos observar, tomando como base estes primeiros investimentos
comerciais, o surgimento do comércio foi obra dos antigos fazendeiros
escravocratas, que viram na atividade comercial uma nova modalidade de
investimento e de retorno. Desta forma, o comércio passa gradativamente a ocupar
espaço na vida de alguns fazendeiros, que se dedicam às duas atividades, a
agrícola produzindo café e a comercial que se desenvolvia às margens da estação.
Os anos finais que antecedem a Proclamação da República do Brasil em 15
de novembro de 1889 foram marcados por uma agitação no meio político. A ideia da
República para substituir a Monarquia do Rei a cada dia, e Castelo não ficou imune
ao crescimento desta ideia.
No jornal republicano “O Cachoeirano” de 18 de setembro de 1888 é
anunciada a criação do Partido Republicano no Castelo. Na ocasião foi publicado o
Manifesto Republicano, assinado por grande parte dos fazendeiros, e por alguns
comerciantes do então nascente núcleo urbano da estação do Castelo.
Paralelo à nova ideia da vida urbana gestava-se entre alguns habitantes
outras novidades que era a substituição da monarquia pela república. O sonho da
república vira realidade, mas acontecimentos políticos nesse período não mobilizava
a massa da população, que ficava indiferente ao que passava no meio político. Sua
preocupação principal era a sobrevivência.
Outro núcleo também surgiu ao longo da estrada de ferro. Trata-se do Distrito
Policial de Santo André, hoje Aracuí, criado em 26 de setembro de 1887. Seu limite
era ao norte com base do Caxixe, ao sul e oeste o Ribeirão de Boa Esperança e
Santa Rosa e a leste com o rio Castelo até sua foz.
Para este distrito foram nomeadas as seguintes autoridades: Camilo Homem
de Azevedo, Manoel Lopes de Souza, Antônio Cândido Neves dos Santos e Nicolau
Santiago Louzada, para os cargos de 1º, 2º e 3º suplentes. Este fato só vem reforçar
a importância fundamental da estrada de ferro para a formação dos núcleos
urbanos.
A criação do Distrito Policial de Santo André (26/09/1887) é anterior a
transferência da Casa do Comércio Moura e Cia da Fazenda do Centro para a
estação do Castelo (30/10/1887), fato considerado por nós como marco inicial da
urbanização de Castelo.
Mesmo surgindo depois o fato do núcleo populacional da estação do Castelo
estar mais próximo geograficamente das grandes fazendas foi determinante para ele
se tornar maior e mais importante que o Distrito de Santo André. O núcleo
populacional que se formou no entorno da praça da estação que deu origem a atual
sede do município só foi transformado em distrito em 1891.
Uma amostra de que o processo de urbanização estava de fato se
consolidando eram os frequentes anúncios que o Sr. João da Cunha Coutinho fazia
no formal “Cachoeirano”, de vendas e arrendamentos de terrenos e casas
comerciais nas proximidades da ponte do Machado, como era conhecida a ponte
que existia nas proximidades de onde é hoje a ponte da cadeia.
A importância da estrada de ferro para o desenvolvimento da região de
Castelo é indiscutível. Podemos afirmar sem nenhum medo de errar que o
surgimento e o desenvolvimento do núcleo urbano que é Castelo se deu
basicamente por conta da estrada de ferro.
É bem verdade que esse não foi o único fator impulsionador do surgimento do
que veio a se chamar cidade de Castelo. Aliás, nenhum grande acontecimento
histórico pode ser explicado por um único fator, eles sempre são resultados da soma
de vários fatores. Mas o mais importante para nós nesse momento, para
proporcionarmos ao leitor uma boa compreensão de nossa história é a estrada de
ferro. Por isso, dedicaremos um capítulo de nosso livro a ela, a Estrada de Ferro
Caravelas.
A Estrada de Ferro Caravelas
A Estrada de Ferro Caravelas, que ligava Cachoeiro à Alegre, com
entroncamento para Castelo, foi a primeira a ser construída no Espírito Santo. O fato
de que nossa região ser a pioneira nesta modalidade de transporte da a dimensão
da nossa importância econômica no final do século XIX.
Quinze anos. Foi o tempo necessário para a Estrada de Ferro Caravelas sair
do papel e virar realidade. Seu projeto de construção foi apresentado à Assembleia
Provincial por Basílio Daemom em 31 de outubro de 1872 e sua inauguração foi em
16 de setembro de 1887.
O projeto inicial previa que a estrada fosse até o Limoeiro, onde se
localizavam as grandes fazendas produtoras de café. Mas a parte que ligava a
estação do Castelo à Fazenda do Centro e ao Limoeiro não se concretizou, ficando
como ponto final da linha a praça da estação. Este inclusive foi o principal motivo
para que o início da urbanização se desse no entorno da praça.
Mas mesmo depois da inauguração os esforços para o prolongamento da
estrada até o Limoeiro continuaram. Tanto é verdade que o jornal semanário “O
Cachoeirano” publicou no dia 27 de julho de 1888 a notícia de que a Assembleia
Provincial iria discutir mais uma vez a questão da estrada de ferro do Limoeiro.
A discursão se dava em torno da viabilidade econômica de sua construção, e
também do compromisso ou não da Província na construção da mesma. A estrada
não chegou a ser construída, mas o prédio que serviria de estação na Fazenda do
Centro foi erguido e se encontra até hoje lá, a espera dos trilhos que nunca
chegaram.
A companhia responsável pela estrada de ferro, Companhia de Navegação e
Estrada de Ferro Espírito Santo – Caravelas, possuía três locomotivas. Baldwin de
27 toneladas, um carro de primeira classe, dois de segunda, dois mistos, dois de
correios e bagagens, dezoito vagões fechados e seis abertos. Uma era exclusiva
para o transporte de animais e seis de lastro. A estrada era de bitola larga.
A primeira viagem de trem em solo espíritosantense foi para a Estação de
Pombal, em Alegre. O trem partiu às dez horas da manhã e retornou a Cachoeiro às
16 horas. Só no dia seguinte é que o trem chega à estação do Castelo.
No dia 17 de setembro de 1887 às sete horas da manhã a locomotiva com
seus 40 vagões partem com destino à estação do Castelo. A viagem da estação de
Cachoeiro que se localizava onde é hoje o gabinete do prefeito de Cachoeiro de
Itapemirim, durava 4 horas até a estação do Castelo, onde é hoje a Praça Três
Irmãos.
Aqui chegando as autoridades políticas, eclesiásticas, os responsáveis pela
estrada e os demais passageiros da viagem inaugural foram recebidos pela banda
de música do fazendeiro, proprietário da Fazenda do Centro, Manoel Fernandes
Moura, e pela população livre da época (nunca é demais lembrarmos que neste
período ainda vivíamos em um regime escravocrata) que se deslocou das fazendas
pelos trilhos, com uma rapidez estonteante para a época, e que carregava sozinho o
equivalente a várias juntas de boi.
Podemos considerar a chegada dos trilhos a Castelo como um dos fatos mais
importantes ocorridos na história do município. Foi um marco divisório em nossa
história, e que só vem reforçar a importância econômica das fazendas da região,
que com o suor, sangue, a própria vida dos escravos que eram privados do seu bem
maior, a liberdade, produziam café o suficiente para inserir nossa região entre as
mais importantes províncias do Espírito Santo.
A construção da estrada de ferro e montagem dos vagões e locomotivas ficou
sob responsabilidade do engenheiro Pedro Schere e também os empreiteiros
Figueiredo e Praxedes. As publicações da época na fizeram menção, mas nós, por
uma questão de senso de justiça e de reconhecimento e valorização, podemos
afirmar que os escravos tiveram participação na construção. E mais do que isso, que
foram fundamentais, pois nesta época nada em termos de trabalho era realizado
sem a presença da mão-de-obra escrava. Portanto, a base da origem do que hoje
consideramos o início de nosso progresso, foi também construída em cima da
destruição de um período importante de uma raça, a raça negra. O sangue e o suor
dos negros foram o principal combustível da construção do nosso progresso.
Os materiais para a construção da estrada de ferro foram importados da
Antuérpia, Bélgica, e chegaram ao porto de Cachoeiro que se chamava João
Marques e se localizava onde é hoje o Centro Operário e de Proteção Mútua,
trazidos pelo vapor da Companhia de Navegação do Visconde de Matozinho, que
fazia regularmente o trajeto da foz do rio Itapemirim ao porto de Cachoeiro
transportando passageiros e mercadorias.
Acreditamos ter contribuído com essas análises para a elucidação de como
se deu o início do processo de urbanização de Castelo. Contudo é importante
também analisarmos dentro desse mesmo propósito, a respeito da Fazenda do
Centro.
Muito já falamos sobre ela, mas agora faremos uma abordagem em um
momento diferente, onde ela não é mais o centro das atividades políticas
econômicas e sociais.
Procuraremos retratar como a Fazenda do Centro, e através dela todo o meio
rural, reagiu ao fenômeno da urbanização. Esta análise é fundamental, pois Castelo
iniciou a construção de um núcleo urbano, mas jamais deixou de depender
economicamente da agricultura.
Fazenda do Centro
Final do Século XIX e Início do Século XX
A história da Fazenda do Centro, por vezes se confunde com a própria
história de Castelo, ainda mais em se tratando dos períodos mais remotos. Como
fenômeno da urbanização ela vai gradativamente ficando em um plano mais
secundário, perdendo importância para o núcleo urbano que se formava no entorno
da estação.
Neste capítulo estaremos abordando a fazenda em um período específico, o
da morte de seu proprietário Manoel Fernandes Moura, em 1898 até a compra pela
ordem agostiniana, em 1909.
O Sr. Moura faleceu durante uma viagem para a Europa, deixando como
herdeiros Ansa Izabel Vieira Moura. Aí ocorre um fato no mínimo curioso, a herdeira
que residia no Rio de Janeiro, antiga Capital Federal, na Rua Senador Furtado, nº
12, não foi localizada e muito menos se preocupou em tomar posse de seus bens.
O cartório de Cachoeiro de Itapemirim enviou correspondência a herdeira
afirmando que ela tinha 8 dias pra comparecer a sede do município, no referido
cartório para assinar o termo de inventário, descrever os bens para serem avaliados
e pagos os impostos devidos. O não comparecimento no prazo descrito implicaria na
indicação de novo inventariante, ou seja, outro herdeiro.
Contam os registros, que foram 4 os herdeiros, sendo eles: Antônio
Fernandes Moura, Joaquim Fernandes Moura, José Vieira Ferraz e José Fernandes
Moura que residia em Portugal.
Como sabemos a falta de mão-de-obra era um problema crônico para os
fazendeiros neste período, e se agravou com o fim da escravidão. A tentativa da
vinda dos imigrantes italianos era uma das únicas opções, e assim também foi feito
na Fazenda do Centro.
Ainda no período em que estava sobre a administração de Manoel F. Moura
chegara ao fazendeiro os primeiros imigrantes, mas ainda não em número suficiente
já que eles preferiam ficar nos núcleos coloniais onde recebiam terra do governo.
Do fim da escravidão até a compra de parte da fazenda pelos agostinianos
foram aproximadamente 20 anos; esse período foi marcado pelo abandono e pela
perda de importância econômica da Fazenda. A morte de seu proprietário e sua
divisão entre os herdeiros não alterou o quadro de decadência e abandono. Esse
quadro onde a Fazenda ficava sobre administração de feitores, principalmente após
a morte de Manoel F. Moura, só começa a mudar quando parte da Fazenda é
comprada pelos agostinianos.
A Compra da Fazenda pelos Agostinianos
O ato de compra da Fazenda, foi antes de tudo uma transação comercial,
com todo os transtornos e características inerentes a mesma, como lucro, hipotecas,
financiamento, divida, etc. mas a frente nos ateremos aos números dos negócios,
agora, nos dedicaremos aos desdobramentos desta negociação que mudou a
estrutura fundiária de Castelo, introduzindo de vez a pequena propriedade no
município.
Em 1909 o Padre Manoel Simón de San José, ficou sabendo o interesse dos
então proprietários da Fazenda do Centro em vendê-la. Ao tomar conhecimento da
notícia, Frei Manoel vem a Castelo para conhecer a Fazenda.
Como se tratava de um grande negócio, ele busca alguns parceiros. A
intenção era comprar a Fazenda e repassá-la aos imigrantes italianos e seus
descendentes que residiam nos núcleos coloniais Alfredo Chaves, onde a terra não
era boa e não havia lugar para todos.
Os sócios escolhidos foram Maximiliano Alves e José Mariano Sobrinho,
sendo que o primeiro se dedicaria a criação de gado e o segundo a explorar o
comércio. Essa busca por sócio é mais uma prova da intenção dos compradores,
obteve ganho econômico com a transação. O agrimensor Herman Bello também
entraria de sócio, sua participação provavelmente seria prestando serviço de
medição das terras, já que esse serviço custava quase um terço do preço estimado
da Fazenda.
Mas a sociedade não durou muito tempo, logo em seu início antes mesmo de
começar as negociações com os proprietários, o Sr. Maximiliano Alves abandonou a
propriedade sem apresentar motivo aparente. Os outros sócios se dirigem a
Cachoeiro do Itapemirim para negociar com os donos da Fazenda.
Segundo consta nos registros do 1º Cartório de Imóveis de Cachoeiro de
Itapemirim, Frei Manoel Simon de San José e seu sócio José Mariano Sobrinho
adquiriram dos herdeiros o total de 15421/2 alqueires, sendo 10171/2 na Fazenda do
Centro, 199 alqueires na Fazenda Criméia e 326 alqueires. (?)
Como forma de viabilizar a compra, os sócios resolveram hipotecar a
Fazenda junto ao banco.
Estava selada assim a transação de compra e venda que mudou a história de
Castelo. Este fato demonstrou toda a visão de negócio, coragem e idealismo de uma
importante figura da história de Castelo, estamos falando do Padre Frei Manoel
Simón.
Ele nasceu na Espanha, no ano de 1862, em 21 de maio de 1899 atravessou
o Atlântico e vem trabalhar no Espirito Santo, onde foi o primeiro Padre Agostiniano.
Em 14 de julho do mesmo ano é nomeado Pároco em Anchieta. A paróquia era
bastante extensa e abrangia todo o litoral sul e também o município de Alfredo
Chaves, onde estava localizado o núcleo colonial Castelo.
Frei Manoel faleceu em 1936, em Ribeirão Preto no interior de São Paulo, no
dia 19 de Julho. Durante o processo de compra da Fazenda que durou cerca de um
ano, Frei Manoel temeu que fosse destituído de sua função de sacerdote
administrador da paróquia de Guarapari, pelo Bispo Diocesano, sob a alegação de
que ele estava abandonando as questões religiosas e se dedicando somente a
Fazenda.
Para além das questões religiosas o fato é que Frei Manoel era homem de
grande visão. Pois além de ter feito um grande negócio do ponto de vista
econômico, resolveu o problema dos imigrantes e descendentes que viviam sem
terra, ou em algum lugar de pouca qualidade, e o que é mais importante,
impulsionou o processo de pulverização da propriedade rural em Castelo, que dura
até hoje.
Nos dedicaremos agora a análise das famílias que foram instaladas através
da compra, nas terras da Fazenda do Centro.
Para facilitar a compreensão do leitor, dividiremos a comercialização das
terras da Fazenda do Centro efetuada por Frei Manoel Simón em duas etapas. A
primeira foi feita aos colonos imigrantes e seus descendentes, algumas famílias das
quais já se encontravam na região e outras que vieram junto com o Frei Manoel, de
Alfredo Chaves. Vemos então dois tipos de negociação, a que assentou os colonos
de pequeno porte e a outra de maior porte.
Nessa primeira fase, também encontramos registros de pagamentos
referentes a compra de terras na Fazenda, cujos valores nos fazem acreditar que o
volume de terra compradas eram bem superiores aos pequenos lotes vendidos aos
colonos.
Nas negociações de maiores valores, encontramos os registros de pagamento de:
01 – Denativos Domingos – 3.500 $000 (3 contos e quinhentos mil réis) –
25/05/1910;
02 – Denativos Domingos – 100 $000 (cem mil réis) – 30/06/1910;
03 – Manoel Moura Júnior – 1000 $000 (um conto de réis) – 17/08/1910;
04 – Giuseppina Ventorim – 500 $000 (quinhentos mil réis) – 15/10/1910;
05 – Vivácqua e Irmãos – 10.000 $000 (dez contos réis) – 01/02/1911;
A relação que segue se refere aos lotes de pequeno porte, e seus
proprietários e sua localização.
Na localidade de Corumbá:
Libardi Antônio Carlo – 05 lotes
Giovanni Bernabé – 01 lote
Amábile Mazzioli – 01 lote
Pedro Campo – 02 lotes
Fioravante Venturim – 02 lotes
Augusto Lachine – 02 lotes
Nicoli Antonio – 01 lote
Cerutti Giusseppe – 01 lote
Ângelo Vettorazi – 02 lotes
Dazzi Giusseppe – 01 lote
Rubim Pietro – 02 lotes
Facco Antônio – 01 lote
Alexandre Scandian – 01 lote
Giusseppe – 01 lote
Rubim Pietro Delazare – 01 lote
Venturim Ricardo – 03 lotes
Baldo Giusseppe – 06 lotes
Na localidade do Caxixe
Vettorace Carlo e Irmãos – 07 lotes
Gulielmo Barrani – 01 lote
Salvador Giovanni – 01 lote
Salvador Francisco – 01 lote
D”Martin e Filhos – 04 lotes
Altoé Antônio e Filhos – 04 lotes
Caliman Giácomo – 01 lote
Caliman Pietro – 01 lote
Francischetto Alexandre – 01 lote
Fasolo Augusto – 01 lote
Cremasco Ângelo – 01 lote
Tossi Segundo – 02 lotes
Altoé José e Filhos – 03 lotes
Tossi Cirilo – 01 lote
Filhos de Cesconetti – 03 lotes
Camata Teodoro – 07 lotes
Brunoro Giovanni – 03 lotes
Monsueto – 07 lotes
Nicoli Caetano – 01 lote
Na localidade de São Luís
Bernabé Calixto e Irmãos – 04 lotes
Na localidade de Córrego da Telha
Salvador Francisco – 01 lote
Andreia Colodetti – 01 lote
Zoppe Ludovico – 01 lote
Nico Césare – 01 lote
Nicoli Caetano – 01 lote
Andreon Luigi – 02 lotes
José Ribeiro d’Aquino – 01 lote
Na localidade de Vae e Vem
Caliman Michel – 04 lotes
Caliman Giusseppe – 02 lotes
Spadetto Filippo – 01 lote
Lubiana Luciano – 01 lote
Altoé Ticiano e Filhos – 02 lotes
Os mapas a seguir servirão para visualizar a divisão da Fazenda em lotes que
foram vendidos aos imigrantes e seus descendentes e diz respeito a 1ª fase.
Optamos por 1º colocar o mapa completo da Fazenda feito pelo agrimensor
Herman Bello e a seguir mapas divididos pelas comunidades que compunham a
Fazenda com o nome dos respectivos compradores.
Chegamos a esses nomes dos compradores e localização dos lotes, fazendo
um “cruzamento” de informações contidas nos documentos onde se fazia o controle
dos pagamentos pelos Agostinianos e o mapa.
Infelizmente, nem todos os lotes conseguimos identificar os seus
compradores.
Ao todo, as negociações de pequeno porte, somam 50 famílias em 6 localidades
num total de 115 lotes.
Entre a 1ª e a 2ª fase da venda das terras da Fazenda, em 1912, aconteceu a
dissolução da sociedade entre Frei Manoel Simón e José Mariano Sobrinho, ficando
a cargo de Frei Manuel Simón, toda a responsabilidade hipotecária da terra, assim
como também de pagar todas as dívidas relativas que cabe a Fazenda e inclusive a
que cabe a Joaquim Vieira Moura.
Em contrapartida, José Mariano Sobrinho e sua esposa Dona Leopoldina
Maria Amiga ficam com 620 alqueires de terro em matas. O restante das terras
continuou propriedade dos Agostinianos e dos imigrantes que foram adquirindo lotes
da Fazenda.
Na 2ª fase da comercialização das terras da Fazenda, já devidamente registrada em
cartório, ocorre a partir de 1932.
A 1ª transação foi em 06/07/1932, onde vendeu a Achildo Lubiana, Etore
Lubiana, Attilio Lubiana, Adelino Lubiana, Pedro Lubiana e Emilio Lubiana, 3
alqueires de terrenos em capoeiras, próximo ao córrego da povoação.
A 2ª transação se deu em 27/03/1933, quando vendeu para João, Agostinho,
Ricardo, Luís e Virgílio da Família Altoé, 20 alqueires de terrenos em matas, no lugar
denominado Alto Caxixe.
Em 03/09/1934, Frei Manoel Simón vendeu a Carlos Sasso, 30 alqueires de
terrenos em mata, no lugar denominado Rancho.
Em 13/04/1936, as terras são comercializadas com João Sasso 1º, meio
alqueire em mata, no lugar denominado Corumbá.
Em 08/05/1936, Frei Manuel vende a Augusto Fasollo, 3 alqueires em mata
que confrontava com a propriedade de Francisco Piassi.
Em 15/02/1937, vende para João Jusson, Fernando Jusson, Ângelo Jusson e
Brás Jusson 17 alqueires de terreno, que confrontava com a Cia Territorial Castelo e
com Augusto Fasolo e Segundo Tosi.
Em 15/02/1937, vende a João Berleze 13 alqueires e meio de terrenos que
confrontava com Giocindo Lourencini e Egydio e Arthur Casagrande, e também com
a sociedade de colonização e instrução.
Em 12/03/1937, Frei Manuel vende a Andrea Tedesco, 23 alqueires de terras
em mata, situadas no Alto Caxixe, que confrontava com os irmãos Jusson, Antonio
Jusson e Francisco Piassi e irmãos Tosi.
No mesmo dia, negociou também com Domingos e Angélica Grassi, que foi
representado por seu pai Virgílio Grassi, por se tratarem de menos de 5 alqueires de
terras em mata, no Alto Caxixe, que confrontava com Raphael Zardo.
Consta no registro do cartório, ainda, vendeu em 04/05/1937, a Atílio Rigo, 6
alqueires de terreno em mata, no Alto Caxixe, confrontando com irmãos Tosi,
Raphael Zardo, Andrea Tedesco e Antônio Jusson.
Esses foram os registros encontrados em cartório (Cachoeiro de Itapemirim),
que convencionamos chamar de 2ª fase das vendas das terras da Fazenda do
Centro. Ao todo foram 12 transações de venda efetuadas por Frei Manuel Simón, na
década de 30 do século XX, totalizando 137 alqueires de terras.
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