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EDUCAÇÃO PARA MULHERES DE ELITE NO PERÍODO JOANINO: UM OLHAR PARA O LIVRO TRISTE EFEITO DE UMA INFIDELIDADE Anelise Martinelli Borges de Oliveira (UNESP-Marília) [email protected] Mari Clair Moro Nascimento (UEL/UNESP-Marília) [email protected] Maria Regina de Jesus Nascimento (UEL) [email protected] RESUMO A vinda de D. João VI e da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808 foi responsável pela implantação da primeira tipografia oficial, a Impressão Régia do Rio de Janeiro, que se ocupou da publicação dos primeiros livros de literatura. Durante o Período Joanino (1808- 1821) foram impressos nove livros, em sua maioria direcionados para o público feminino da camada abastada, os quais deveriam zelar pela “religião, governo e bons costumes” (BRASIL, 1808). Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é analisar o enredo de um desses livros, o Triste efeito de uma infidelidade, no que tange à prescrição de condutas consideradas convenientes para uma mulher de elite, à medida que também censura comportamentos tidos como menos “dignos” de serem adotados por ela. A seleção deste livro ocorreu em decorrência de possuir uma linguagem direta e clara no que diz respeito à prescrição de condutas. Os resultados evidenciam que o enredo contido no livro Triste efeito de uma infidelidade vai ao encontro do que se esperava de uma mulher de elite em relação à educação durante o Período Joanino. Palavras-Chave: Período Joanino, Triste efeito de uma infidelidade, Mulher de elite. INTRODUÇÃO 114

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EDUCAÇÃO PARA MULHERES DE ELITE NO PERÍODO JOANINO: UM OLHAR PARA O LIVRO TRISTE EFEITO DE UMA INFIDELIDADE

Anelise Martinelli Borges de Oliveira (UNESP-Marília)

[email protected]

Mari Clair Moro Nascimento (UEL/UNESP-Marília)

[email protected]

Maria Regina de Jesus Nascimento (UEL)

[email protected]

RESUMOA vinda de D. João VI e da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808 foi responsável pela implantação da primeira tipografia oficial, a Impressão Régia do Rio de Janeiro, que se ocupou da publicação dos primeiros livros de literatura. Durante o Período Joanino (1808-1821) foram impressos nove livros, em sua maioria direcionados para o público feminino da camada abastada, os quais deveriam zelar pela “religião, governo e bons costumes” (BRASIL, 1808). Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é analisar o enredo de um desses livros, o Triste efeito de uma infidelidade, no que tange à prescrição de condutas consideradas convenientes para uma mulher de elite, à medida que também censura comportamentos tidos como menos “dignos” de serem adotados por ela. A seleção deste livro ocorreu em decorrência de possuir uma linguagem direta e clara no que diz respeito à prescrição de condutas. Os resultados evidenciam que o enredo contido no livro Triste efeito de uma infidelidade vai ao encontro do que se esperava de uma mulher de elite em relação à educação durante o Período Joanino.

Palavras-Chave: Período Joanino, Triste efeito de uma infidelidade, Mulher de elite.

INTRODUÇÃO

Em sete de março de 1808, D. João VI e a Corte portuguesa desembarcaram

no Brasil, em decorrência da ameaça das tropas francesas de Napoleão Bonaparte

em invadir Portugal, contabilizando quinze mil pessoas.

A transferência ocasionou uma série de transformações no território brasileiro,

e, principalmente, na nova sede do Império Português, a cidade do Rio de Janeiro.

As modificações se deram tanto no aspecto físico, com a remodelação do espaço

urbano, quanto no aspecto sócio-instrutivo, com a implantação de instituições de

sociabilidade, educação e cultura.

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Implantada em 13 de maio de 1808, a Impressão Régia representou um

importante papel na difusão da cultura letrada durante os treze anos em que D. João

e a Corte permaneceram no Rio de Janeiro (Período Joanino), por imprimir diversos

tipos de textos: legislação (alvarás, decretos, cartas régias), documentos oficiais

(discursos, editais, ofícios), periódicos, poemas, orações religiosas, livros de

gramática, direito, medicina, matemática, economia política, filosofia, religião,

ciências naturais, e, os de literatura (CABRAL, 1881).

Antes de serem impressos, todos esses textos eram submetidos à

fiscalização da Mesa do Desembargo do Paço, órgão de administração judiciária

que foi instituído por Alvará Régio ainda em 1808, o qual tinha, dentre outras

funções, a de examinar os escritos submetidos à Impressão Régia (ABREU, 2001).

Concomitante a esse órgão, também foi estabelecida uma Junta de Direção

composta por três homens, cuja função era “examinar os papeis e livros que se

mandarem imprimir, e de vigiar que nada se imprima contra a religião, governo e

bons costumes; e que sempre seja informada a Secretaria de Estado, a cujo cargo

está este estabelecimento” (BRASIL, 1808). Fica, portanto, evidente que os textos

considerados contrários às determinações da ordem vigente, isto é, que pudessem

de alguma forma ameaçar o poder da Igreja Católica e do governo imperial joanino,

ficariam proibidos de serem impressos.

Assim como os textos editados em território brasileiro, a censura régia

também atuava sobre os livros vindos da Europa, para que não se propagasse

ideias políticas, filosóficas ou religiosas vistas como “perigosas” (PRADO, 2004).

No que diz respeito aos livros publicados pela Impressão Régia no período,

Cabral (1881), em pesquisa pioneira, catalogou aproximadamente trinta livros. É

necessário observar que, apesar de ter classificado essa quantidade, o autor afirma

não ter tido contato com os mesmos. Em estudo mais recente, Camargo e Moraes

(1993) também catalogaram uma quantidade semelhante. Posteriormente, Souza

(2007) evidenciou um total de nove, os quais foram localizados pela pesquisadora e

se constituem dos impressos considerados pelo presente trabalho. Assim, os nove

livros literários são: O diabo coxo: verdades sonhadas e novela de outra vida

traduzida a esta (1810); História de dois amantes, ou Templo de Jatab (1811); Paulo

e Virginia. História fundada em fato (1811); Aventuras pasmosas do célebre barão

de Munkausen (1814); As duas desafortunadas (1815); A filósofa por amor, ou

cartas de dois amantes apaixonados e virtuosos (1811), O castigo da prostituição

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(1815), Historia da donzela Theodora, em que se trata da sua grande formosura, e

sabedoria (1814), Triste efeito de uma infidelidade (1815).

Dos nove livros, cinco são originários da língua francesa (O diabo coxo,

História de dois amantes, Paulo e Virginia, As duas desafortunadas, A filósofa por

amor) um da alemã (Aventuras pasmosas do célebre barão de Munkausen) e três

são de autoria desconhecida (O castigo da prostituição, Historia da donzela

Theodora e Triste efeito de uma infidelidade).

Na medida em que esses impressos eram direcionados ao público feminino,

e, em especial, à mulher da camada abastada fluminense, o objetivo do presente

trabalho1 é analisar o enredo do livro Triste efeito de uma infidelidade em relação à

prescrição de comportamentos contrários à instrução e à boa educação do que se

esperava que uma mulher dessa estratificação social deveria ter, pois os mesmos

eram vistos como reprováveis do ponto de vista moral e religioso. Antes, porém, faz-

se necessário compreender o contexto no qual se encontrava inserida essa mulher

durante o período em que D. João VI e a Corte portuguesa estiveram no Rio de

Janeiro.

COSTUMES DA MULHER DE ELITE NO PERÍODO JOANINO

Os nove livros publicados pela Impressão Régia do Rio de Janeiro inserem a

produção, no Brasil, de um gênero literário específico, o romance, cuja ascensão se

deu nos séculos XVIII e XIX. O romance foi ganhando espaço não só na Europa,

onde se originou como também nas colônias europeias, “[...] ocupando lugar de

destaque na produção editorial, no comércio livreiro e nas leituras literárias”

(ABREU, et al, s/d, p. 1).

É interessante frisar que no início do século XIX o público leitor no Brasil era

predominantemente masculino e se constituía da camada abastada, esta formada

pela Corte transplantada, pelos comerciantes de grosso trato, proprietários rurais, e,

funcionários públicos reais. Desde 1808, muitos brasileiros passaram a ser

enobrecidos com graças honoríficas e altos cargos em decorrência de prestarem

algum tipo de serviço para D. João VI e para a Corte, como a doação de imóveis,

mobílias e até escravos.1 Este trabalho vincula-se à dissertação de mestrado defendida em 2009 pela Unesp, Campus Franca-SP, intitulada A arte dos bons costumes na corte brasileira (1808-1821), e teve por orientador o prof. Dr. Jurandir Malerba.

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Apesar da maior parte dos leitores ser composta pelo sexo masculino,

percebe-se que as obras literárias impressas pela Impressão Régia eram

direcionadas ao público feminino, e, em especial, à mulher da camada dirigente, fato

que pode ser constatado por meio do enredo dos mesmos2.

Luccock (1975), viajante inglês que chegou ao Rio de Janeiro meses antes da

Corte portuguesa, aqui permanecendo até 1818, observou que a leitura não era uma

prática muito comum das mulheres de elite, pois se restringia ao livro de rezas, fato

que evidencia a forte influência da religião católica na vida dessas mulheres. Para o

viajante, a restrição da leitura e o não hábito de se ler contribuíam para “a sua falta

de educação e instrução”, situação que passara a se modificar a partir da vinda de

D. João VI (Idem, p. 75).

O francês Ernst Ebel, (1972, p. 70), que esteve no Rio de Janeiro em 1824,

também verificou que “a educação das jovens é [...] desleixada”, uma vez que

recebiam a educação das mães, “não menos ignorantes”, e também das escravas.

De acordo com ele, o fato dos jovens da camada abastada conviverem diariamente

com os escravos e com seus filhos desde a infância contribuía para que crescessem

“preguiçosos e malcriados” (Idem, p. 71).

Durante seus dez anos de estadia no Brasil, outro aspecto que chamou a

atenção de Luccock (1995, p. 76) foi a idade com que as mulheres de elite se

casavam: “[...] cerca de doze ou treze anos de idade; época na qual costumam

assumir os cuidados de um lar, ou melhor, apesar de evidente incapacidade, o

caráter de matronas”. Aos dezoito, atingia a “plena maturidade”, tornando-se

“corpulenta e mesmo pesadona”, aos vinte e cinco anos “já se tronaram perfeitas

velhas enrugadas” (Idem, p. 76), em decorrência de raramente possuírem algum tipo

de atividade, pois cabia aos escravos as tarefas do lar, e, também, de não se

protegerem da luz solar.

Assim, para o inglês, a velhice prematura das mulheres de elite era

consequência “[...] em parte ao clima e em parte a uma constituição enfraquecida e

deteriorada pela inatividade, mas, acima de tudo, pela idade precoce, vergonhosa e

contra a natureza, com que permite às mulheres que casem” (Idem, p. 77).

2 Para uma breve síntese desses enredos, ver OLIVEIRA, Anelise Martinelli Borges. Considerações sobre os impressos literários publicados pela Impressão Régia do Rio de Janeiro (1808-1821). Revista Caderno Espaço Feminino, Uberlândia, v. 27, n. 2, p. 33-45, 2014.

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Antes da vinda da Corte a mulher abastada era bastante reclusa. Durante o

Período Joanino ela passa a ter mais opções de divertimento, mas, mesmo assim,

saía de casa apenas em certas ocasiões, como para ir à missa, aos eventos reais

(bailes de gala e peças teatrais), ou dias de visita. Elas dificilmente saíam sozinhas,

como mostra o relato do viajante prussiano Von Leithold que esteve no Rio de

Janeiro: “Pelo comum, as mulheres saem pouco e jamais são vistas a pé fora de

casa sem estarem acompanhadas de escravos e especialmente de escravas

(LEITHOLD, 1966, p. 28).

A vestimenta que a mulher de elite utilizava em casa muito se diferia da usada

socialmente. No ambiente doméstico, “[...] quando entre amigos íntimos, vêem-se

apenas de camisa, cingida à cintura pelos cordões da saia e com alças

frequentemente caindo de um dos ombros [...]. Os cabelos são compridos e em

geral despenteados [...]” (LUCCOCK, 1975, p. 75). Para Tollenare (1956, p. 24),

viajante francês, no interior das casas podia-se ver “[...] as mulheres brasileiras

seminuas, acocoradas ou deitadas sobre esteiras”.

Já nas festividades, usava enfeites de linho, seda, ouro, prata, xales, chapéu,

leques, pedras preciosas, perucas e outros ornamentos. Nestas ocasiões, não

apenas as mulheres, como os homens também se vestiam de forma opulenta: “A

grande ostentação dos homens e mulheres no Rio de Janeiro observa-se no teatro,

em noites de gala: eles, apresentam-se com bandas e crachás; elas, com joias,

pérolas e brilhantes” (LEITHOLD, 1966, p. 31). O francês Ebel (1972, p. 70) notou a

diversidade das joias usadas pela mulher de elite: “É um regalo para a vista a

grande quantidade de pedras preciosas: topázios, ametistas, esmeraldas, brilhantes

e outras, no geral bem lapidadas [...]”.

A diversificação no traje ocorria devido ao aumento do consumo de artigos de

luxo vindos da Europa durante o Período Joanino. A rua do Ouvidor, principal rua

comercial do Rio de Janeiro, recebia alimentos, objetos de decoração, mobílias,

transporte, instrumentos musicais, dentre outros, sendo bastante frequentada pela

camada abastada. Para o padre do período, Luís Gonçalves dos Santos (1943, p.

132), a rua do Ouvidor era um verdadeiro “clube ao ar livre”, onde se reunia

“elegante sociedade”: “A importância notável do seu comércio de modas, de

confecções e de luxo constitui um dos atrativos para as senhoras e senhores que

obedecem ao imperativo do último figurino”.

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O requinte no trajar da camada abastada fluminense não passou

desapercebido aos olhos de Leithold (1966, p. 29):

Há relativamente muito mais luxo aqui do que nas mais importantes cidades da Europa. Com dinheiro compram-se artigos de moda, franceses e ingleses; em suma, tudo. O mundo elegante veste-se, como entre nós, segundo os últimos modelos.

Se Leithold (1966) via na ornamentação alguma semelhança com as

vestimentas europeias, o mesmo não se pode dizer de Luccock (1975, p. 88), que a

considerava exagerada e não apropriada para o clima quente dos trópicos: “No uso

obrigatório das roupas, demonstravam forte tendência pelo excesso de enfeites de

mau gosto, e ao mesmo tempo que essa ornamentação pode coexistir com o

desasseio” . Também para Tollenare (1956, p.130), esta era uma característica das

mulheres abastadas: “O seu luxo é desprovido de gosto; cobrindo-se de penachos e

lantejoulas, pensam deslumbrar”.

Havia festividades em que as mulheres não poderiam participar, pois eram

consideradas masculinizadas, como as que ocorriam para se jogar bilhar ou gamão,

por exemplo. Nas chamadas “noites de sociedade”, a camada abastada se reunia

em partidas e assembleias, onde a mulher devia mostrar suas “qualidades” em

relação à dança, música e leitura em voz alta. Servia-se todo tipo de iguaria

europeia, como chás, refrescos e frutas secas. Nessas ocasiões, exigia-se o uso da

etiqueta.

As mulheres de elite que se desviassem da conduta exigida pela sociedade,

como por exemplo, ter uma vida social “mais ativa” ou estabelecer conversas com

homens que não os da sua família, eram normalmente enviadas para algum tipo de

recolhimento. No Período Joanino, o adultério era considerado grave por parte da

mulher, e caso o marido tivesse provas da infidelidade da esposa, poderia matá-la

que não sofreria nenhum tipo de punição (SILVA, 1978).

Ao tempo da publicação dos primeiros livros literários pela Impressão Régia,

e, em especial, Triste efeito de uma infidelidade, assim se delineava o cotidiano da

mulher de elite, permeado de restrições, tanto do ponto de vista moral quanto

religioso.

A CONDUTA DA MULHER DE ELITE EM TRISTE EFEITO DE UMA INFIDELIDADE

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A Impressão Régia do Rio de Janeiro representou um ponto de inflexão no

que diz respeito à leitura, por publicar milhares de textos, dentre eles, o livro Triste

efeito de uma infidelidade. Ele faz parte de um conjunto de nove obras que tiveram

como característica a publicação “[...] quase sempre, sem nome do autor, porém

com títulos sugestivos de maneira a tentar o provável leitor e principalmente as

leitoras. Contam histórias sentimentais ou morais, geralmente tristes [...]” (MORAES,

1993, p. XXIX).

Nesse aspecto, o livro Triste efeito de uma infidelidade possui um título claro

e direto em relação à sua trama, pois, sem se ter contato com o conteúdo do

mesmo, já se sabe, somente através da leitura do título, que o enredo gira em torno

de um adultério, e que esta conduta, vista como negativa para os padrões da elite

(uma vez que o público leitor é a camada abastada) vai acarretar em consequências

lamentáveis.

Triste efeito de uma infidelidade é de autoria desconhecida. Pode ter sido

originário da língua francesa, pois em sua capa consta a informação “traduzido do

francês”. Ele possui poucas páginas, apenas 30, e é de fácil leitura. Tais

características permitem pensar que tenha sido publicado com o intuito de atender a

uma grande quantidade de leitores, por meio de uma leitura rápida e que não fosse

considerada enfadonha. Na contracapa vem a informação “conto moral”, o que

evidencia seu caráter educativo, com o objetivo de transmitir algum tipo de lição.

Em Triste efeito de uma infidelidade o ensinamento recai sobre a mulher de

elite. É um livro prescritivo, no qual, antes de normatizar comportamentos tidos como

adequados para uma mulher de sua estratificação social, prescreve as condutas que

a mesma não deve ter.

A história se passa na França. Não se sabe ao certo o período, mas

subtende-se ser do século XVII, XVIII ou início do XIX, uma vez que o narrador da

história é denominado de Mosqueteiro, nome dado aos guardas de elite do exército

francês responsáveis pela segurança do rei.

A seguir, o enredo do livro.

Era meia noite quando Mosqueteiro voltava sozinho para casa. Procurara

uma carroça de aluguel, mas sem encontrar, decidiu ir a pé. Apesar de possuir

espada, “não fiquei muito contente, por me achar a tais horas pelas ruas” (TRISTE

EFEITO DE UMA INFIDELIDADE, 1815, p. 2), pois considerava a situação perigosa.

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Este trecho já mostra que o narrador da história era receoso quanto a estar

fora de casa à meia noite, fazendo pensar que esse não era um costume comum de

sua parte. Pelo contrário, compreendia que os frequentadores da rua eram

criminosos, já que “todos os dias se falava de mortes que se cometeram a noite”

(Idem). Aqui, percebe-se o narrador como um indivíduo de princípios, e que a

escolha do autor pelo nome Mosqueteiro não fora aleatória, pois estaria ligada ao

fato daquele considerar os guardas de elite do rei como pessoas íntegras, qualidade

essa que o narrador também deveria ter.

Quando Mosqueteiro estava bem próximo de sua casa, avista três mulheres,

e surpreende-se de vê-las “[...] em uma postura de tanto sossego a uma tal hora”.

Tal passagem evidencia que não era de bom tom que as mulheres ficassem fora de

casa naquele horário.

Ao perguntar se precisavam de algo, uma delas diz: “[...] segui vosso

caminho”. Ao proferir essas palavras, Mosqueteiro percebe não se tratar de uma

mulher, mas sim de um homem. Apesar dessa resposta, uma das outras duas

mulheres disse aceitar a ajuda, se ele revelasse sua identidade. Falou então seu

nome, e a mesma respondeu: “Se vós sois Mosqueteiro, eu não duvido que sejais

homem de honra: tende piedade de mim, Senhor, e dai-me algum socorro […] O

Senhor Mosqueteiro terá compaixão de uma desgraçada, que espera tudo de sua

generosidade” (Idem, p. 5). Este fragmento vem confirmar que o narrador é um

indivíduo virtuoso, uma vez que “piedade”, “compaixão”, “generosidade” e “honra”

são suas qualidades.

A mulher pede a Mosqueteiro que “a conduzisse a um lugar, onde ela

pudesse ter algum repouso sem ser conhecida” e ele então leva as três pessoas

para sua casa, onde morava sozinho e tinha alguns criados. Em sua casa,

Mosqueteiro verificou que as três pessoas tratavam de um religioso, uma criada e

uma jovem senhora de posses, que aparentava ter 17 anos. Esta última assim se

apresenta:

Permiti-me que por hoje vos oculte meu nome. Eu sou de uma das melhores famílias de Paris: eu tenho um amante que merece mil mortes; se me for infiel; mas bem digno de compaixão, se conservando-me a mesma ternura, ele ainda ignora minhas desgraças, e as suas. Minha fraqueza me tem feito consentir em seus desejos. Eu trago no meu ventre o fruto de nossos desgraçados amores (Idem, p. 9).

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O relato deixa claro que a senhora pertencia à camada abastada francesa, e

que, por ter um amante, sua conduta era contrária àquela preconizada por sua

estratificação social, e mais ainda, contrária ao comportamento esperado por uma

dama da alta sociedade. Sua identidade, pois, deveria ser preservada, evitando-se

assim sua exposição e a condenação da sociedade.

Quando diz “Minha fraqueza me tem feito consentir em seus desejos” a jovem

evidencia estar de certo modo arrependida dos seus atos, pois considera não ter tido

determinação para se opor às vontades do amante. A frase seguinte: “Eu trago no

meu ventre o fruto de nossos desgraçados amores” vem confirmar esse

arrependimento, pois o seu mau comportamento resultou na gravidez.

A dama continua o relato, dizendo que fugiu de casa porque seus dois irmãos

– que possuíram sua tutela depois da morte dos pais – descobriram a gravidez e

planejavam uma “cruel vingança”. Neste ponto percebe-se que o seu procedimento

afetara outras pessoas, e não somente a ela, e que a sua honra (ou a falta dela)

representava também a honra da família. Por isso, seus irmãos viam na sua morte a

resolução do problema.

Após essa conversa, a dama solicitou a Mosqueteiro que fosse descansar, e

pediu ao religioso que lhe relatasse os acontecimentos. Então, o religioso – um

padre – afirmou que os dois irmãos o levaram até a sua casa, afim de que a irmã se

confessasse antes de morrer. Chegando ao local, um deles disse à dama: “Vamos,

[…] é preciso expiar vossa loucura: acabai este grande tumulto, e procurai antes o

reconciliar-vos com o céu: para isto não tendes mais do que um quarto de hora”

(Idem, p. 13). Aqui, a morte aparece para os irmãos como a única solução

encontrada, a qual deveria ocorrer para que a irmã pagasse pelo seu pecado,

redimindo-se do erro e conservasse a reputação da família.

Os irmãos deixaram o padre com a dama e a criada, prometendo voltar no

horário estipulado. Uma vez sozinhos, o padre as encorajou da fuga, e iria levá-las à

casa de uma dama da sua confiança, quando Mosqueteiro os encontrou.

Na manhã seguinte, o padre voltou ao Convento, e as duas mulheres

permaneceram na casa de Mosqueteiro. Ao perguntar no que poderia ser útil, a

dama responde: “Meu maior desejo é de informar de tudo a meu amante. Ai de mim!

Se minha infeliz estrela não lhe tem mudado o coração, que dor vai ser a sua,

quando ele souber o que eu sofro por ele!” (Idem, p. 17). Aqui, a dama se mostra

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esperançosa em relação ao seu amante, pois acredita que se ele souber de sua

grave situação, tomará alguma providência.

Ela afirma que o mesmo é capitão no Regimento da Corte, e está em uma

guarnição há dois meses. Então, a dama solicita-lhe que leve até ao amante uma

carta, na qual explicaria os últimos acontecimentos. Aqui, a dama já releva seu

nome ao narrador, mas este o esconde do leitor afim de não “expor” sua família.

Sobre a possibilidade de entregar a carta, o narrador reflete: “[...] como eu

tinha somente um desejo sincero, e desinteressado de servi-la, pareceu-me que a

delicadeza de seu amante se ofenderia se a visse achar entre as mãos, e no poder

de um Mosqueteiro” (Idem, p. 18). Este fragmento vem reforçar as qualidades do

narrador assim como indicar a crença de que o amante era um homem de bem.

Desse modo, ficou decidido que o seu Escudeiro iria levar a carta ao amante.

Mosqueteiro informa que no mesmo dia, durante o jantar, ele e a dama

estabeleceram uma conversa que acabara caindo “[...] insensivelmente sobre as

consequências desgraçadas das mais queridas paixões” (Idem, p. 20). Fica, no

entanto, perceptível que para o autor, o fato dos dois personagens abordarem

justamente o assunto pelo qual a jovem se encontrava naquela situação não era

coincidência, deixando subtender que a paixão da dama poderia ter um infeliz

desfecho.

Ainda naquela ocasião, Mosqueteiro afirmou que a dama havia “[...] bem

previsto tudo o que lhe tinha sucedido; porém que não pudera resistir ao impulso de

sua inclinação [...]” (Idem, p. 20). O trecho mostra que a jovem tinha um

conhecimento prévio das más consequências do seu ato, mas, apesar disso, seu

desejo sobressaíra. Apesar disso, a dama se sentia confortada por “[…] ter um

amante que merecia todas as penas […]” (Idem, p. 20), deixando clara sua

confiança e esperança em uma possível atitude do rapaz.

Durante a conversa, a jovem também afirmara a Mosqueteiro que não teria

“[...] mais do que três, ou quatro meses de vida; porém sem terror esperava a morte,

porque ela mesma lhe tinha dado a causa [...]” (Idem, p. 20). A certeza da morte

ocorria porque esperava não sobreviver ao parto, pois tinha “[...] um temperamento

muito delicado [...]” (Idem, p. 20). Neste ponto, percebe-se que a própria dama via

na morte sua única saída, passando, agora, a concordar com seus dois irmãos. O

fato de acreditar que não sobreviveria ao parto evidencia a fragilidade do seu corpo,

pois em sua concepção ele não estava preparado para conceber um filho. Isso

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demonstra, igualmente, que o ato sexual foi precipitado, na medida em que o autor

deixa entender que uma mulher só pode manter relações sexuais se tiver como

finalidade a procriação, estando, para isso, casada.

Mosqueteiro a consolava “[...] com a esperança de um tempo feliz, que bem

depressa a uniria ao objeto de seus desejos” (Idem, p. 21). O narrador também

demonstra a sua satisfação com a futura chegada do amante, pois: “O retrato que

ela dele me tinha feito, me prevenia em seu favor; e eu não desejava menos que ela

a sua chegada, para ter mais um amigo” (Idem, p. 21).

Passaram-se alguns dias, e o Escudeiro de Mosqueteiro retornou da

guarnição sem a companhia do amante, mas, com uma carta do mesmo,

endereçada à dama. Mosqueteiro então lhe entrega a carta: “Ela abriu; e apenas

teria tempo para ler as primeiras linhas, quando caiu a meus pés. […] Mas quanto

melhor seria, se com este desmaio se tivesse terminado a sua vida!” (Idem, p. 22). A

dama se levanta com a ajuda de Mosqueteiro e tenta pegar sua espada que estava

sobre a cadeira, mas ele a impede. O relato evidencia que a resposta do amante

não foi a esperada por ela, e, em decorrência disso, tentara se matar:

Meu amante me abandona: o Sol não tem já mais esclarecido perfídia tão vil, e tão negra: o Céu o punirá, e me deve esta justiça. […] Sim, é certo que eu ia dar-me a morte; porém este mesmo pensamento me tem aberto os olhos sobre o excesso de minha loucura […]. Eu tenho feito em menos de um quarto de hora, mais reflexões do que eu tenho feito em toda a minha vida. Enfim, vós me vedes não somente resolvida a viver, mas a renunciar o amor, o ódio, e o Mundo […] (Idem, p. 24 e 25).

O fragmento anuncia que, apesar da jovem ter visto na morte uma alternativa

para a sua realidade, estava arrependida de tê-la tentado, e agora, estava disposta a

abdicar de todos os sentimentos humanos. Por isso, afirma querer ir para um

convento onde sua tia morava. Mosqueteiro considerou aquilo um “belo desígnio”,

mas a advertiu de que “[...] trazeis um peso, do qual é preciso primeiro vos

desembaraceis [...]” (Idem, p. 26). Aqui, a gravidez aparece como um obstáculo para

a execução do seu plano, tendo em vista que a dama poderia ir para o convento

somente se estivesse sem o filho. Decidiram, pois, que ela o teria antes da partida.

Depois da conversa, a dama solicitou sua retirada a fim de descansar. O

trecho seguinte sugere uma conduta contrária à que a jovem teria se prontificado

anteriormente: “Quem não se capacitaria, depois de um discurso tão tranquilo, e tão

sério, que esta desafortunada Senhora estava inteiramente em seu perfeito juízo?

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Nem é crível, que uma mulher, na força da sua paixão, pudesse dissimular tanto”

(Idem, p. 26). Nele, Mosqueteiro se referia ao fato da jovem ter se trancado sozinha

no quarto, e da sua porta escorrer gotas de sangue. Como bateu na porta e não

obteve resposta, o narrador arrombou a porta e percebeu que a mesma havia

perfurado o peito com o punhal de que tinha costume servir-se à mesa, estando já

sem vida. Ela havia deixado ao Mosqueteiro o seguinte bilhete:

[…] eu vos peço perdão de vos ter enganado: era-me impossível o executar de outra sorte a resolução em que estava de morrer. Vossa cega amizade por uma desgraçada vos impediria de ver que a morte lhe era necessária no horrível estado a que se via reduzida (Idem, p. 29).

A passagem revela que a dama nunca havia desistido de se matar, e ocultara

a verdade de Mosqueteiro por perceber que ele não concordaria com isso, pois

possuía muita afeição a ela. A jovem continua:

O Céu, que só castiga os crimes, terá piedade de minha alma. Nada mais me inquieta do que o desgraçado fruto, que trago em meu ventre. Persuado-me, que se me fizerem abrir prontamente depois de minha morte, ele se poderá batizar. Eu terei o cuidado de descarregar o golpe sobre o coração, para não sufocar logo este pobre inocente (Idem, p. 30).

Mais uma vez, a dama se mostra arrependida por ter se relacionado com o

amante. Ela não concebe a atitude de tirar a vida como um crime. Pelo contrário,

entende que representa um ato de coragem, o qual deve obter compaixão e

misericórdia religiosas. O fato de não ter apunhalado a barriga demonstra a tentativa

de salvar o filho da morte, uma vez que, em sua visão, ele era o resultado

involuntário de seus maus comportamentos, e não possuía culpa, devendo, portanto,

sobreviver. A preocupação em batizar o filho demonstra a crença na religião católica,

e, especificamente, a convicção de que o ritual de purificação seria fundamental

para que a criança pudesse se “limpar” das más condutas da mãe.

Com o objetivo de atender a última vontade da dama, Mosqueteiro chama um

médico, que retira o filho ainda vivo de sua barriga. Porém, não é batizado, pois vive

apenas por meia hora. O narrador enterra ambos no cemitério da cidade. O livro é

finalizado quando Mosqueteiro afirma: “[...] eu os fiz enterrar à minha vista em uma

mesma cova” (Idem, p. 30).

Mais do que prescrever atitudes consideradas dignas de serem apropriadas

pela mulher de elite no Período Joanino, Triste efeito de uma infidelidade evidencia,

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de forma clara e objetiva, as atitudes que essa mulher não deve ter, uma vez que,

ações consideradas incorretas, do ponto de vista moral ou religioso, tem

consequências lamentáveis.

Desse modo, evidencia-se que a educação da mulher abastada está

relacionada com as atitudes que se espera dela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procurou analisar o enredo de Triste efeito de uma infidelidade,

obra publicada pela Impressão Régia do Rio de Janeiro em 1815. Foi constatado

que, antes de ser impresso, o livro passou pela inspeção da Junta de Direção, cuja

função era “[...] examinar os papeis e livros que se mandarem imprimir, e de vigiar

que nada se imprima contra a religião, governo e bons costumes [...]” (BRASIL,

1808). Portanto, evidenciou-se que o enredo contido no livro estava condizente com

as exigências impostas por D. João VI, ou seja, correspondia ao que era pregado

pelo governo, pela Igreja Católica e pelo que considerava ser de bom-tom para a

leitura da camada abastada, e, principalmente, da mulher de elite.

Por meio do relato de alguns viajantes estrangeiros que estiveram no Brasil,

bem como da bibliografia sobre o tema, verificou-se que a mulher de elite possuía

um comportamento restrito em relação à vida social. Tal conduta vai ao encontro da

prescrição contida no livro publicado, pois este evidencia as atitudes que essa

mulher não deve possuir.

Especificamente sobre o enredo do impresso Triste efeito de uma infidelidade,

pode-se perceber que a mulher da alta sociedade teve um comportamento contrário

ao que se esperava dela, pois a conduta de ter um amante e manter relações

sexuais com ele era contrária à pregada pela sociedade para uma mulher dessa

estratificação social. Além de ser reprovada pela sociedade, essa conduta também

era condenada pela Igreja, na medida em que esta concebe as relações sexuais

somente durante o casamento, ou seja, mediante reconhecimento religioso. O fato

de a dama estar grávida do amante vem confirmar o seu erro, pois tomou grandes e

visíveis proporções, as quais seriam vivenciadas e lembradas por toda a vida.

Percebe-se que, mesmo antes de receber a resposta negativa do amante, a

dama já possui a certeza da morte. Neste ponto, fica claro como a resolução dos

seus irmãos de lhe tirar a vida não parece mais tão absurda. Ao enxergar na morte

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a solução mais viável para seu erro, a dama mostra que a única solução para uma

mulher que mantém relações sexuais com homens fora do casamento é dar fim à

própria vida, já que não é mais digna de viver entre as pessoas de bem da alta

sociedade. A morte, também, pode ser vista como uma fuga para não prestar contas

com a sociedade. Ao retirar a própria vida, a dama sugere que sua atitude foi tão vil

que nem os seus irmãos poderiam retirá-la, mas apenas ela.

Durante todo o enredo fica evidente o apoio do padre para com a dama,

mostrando que, apesar do mau comportamento, a Igreja é uma instituição

benevolente e, mesmo nas situações mais reprováveis, não abandona seus fieis,

como é o caso da dama. Na carta, quando a jovem solicita a Mosqueteiro que

providenciasse a retirada do filho do seu ventre, para salvá-lo e assim batizá-lo,

mostra compaixão para com o filho que fora vítima da sua ação considerada

impensada. A preocupação em batizar a criança mostra a crença na religião católica,

pois acredita que este rito de passagem iria purificá-lo dos pecados da mãe.

Assim, percebe-se como a educação da mulher de elite está associada à sua

formação moral, religiosa e emocional, pois se considera que uma mulher bem

educada deve possuir comportamentos condizentes à sua posição social.

Em acordo com a prescrição do livro e da sociedade, subtende-se que essa

mulher não deve se deixar ludibriar por homens que almejam somente conseguir o

seu intento – a relação sexual. A mulher de elite, portanto, deve ter forças suficientes

para evitar se entregar aos homens antes do casamento, uma vez que esta atitude

pode ter como conseqiuência os infelizes desdobramentos que ocorreram em Triste

efeito de uma infidelidade.

Verificou-se, portanto, que as prescrições contidas no livro Triste efeito de

uma infidelidade vão ao encontro do que se esperava do comportamento da mulher

de elite do Período Joanino em relação à educação.

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