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“AFRICANIZAÇÃO” DO NORTE DO BRASIL: dinâmica populacional nos “Mapas Gerais” do Maranhão, 1801.

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“AFRICANIZAÇÃO” DO NORTE DO BRASIL: dinâmica populacional nos “Mapas Gerais” do Maranhão, 1801.

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“AFRICANIZAÇÃO” DO NORTE DO BRASIL: dinâmica populacional nos “Mapas

Gerais” do Maranhão, 1801.

As Reformas Pombalinas diversificaram a produção colonial do Império

português, em grave crise na segunda metade dos setecentos. A criação da Companhia de

Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755-1775) foi uma das intervenções de maior impacto

pela introdução de novos produtos agrícolas, injeção de capitais e entrada massiva de

escravizados africanos nas áreas destinadas à plantation. Em poucas décadas, alteraram-se os

indicadores econômicos da região, que se inseriu ao mercado Atlântico com a exportação de

algodão e arroz. O objetivo maior de nossa pesquisa é dar visibilidade a um fator

determinante ocorrido no período: a “africanização” das possessões portuguesas ao Norte do

Estado do Brasil, antes composta em sua maioria por índios e mestiços.

Utilizaremos basicamente os Resumos dos Mapas Gerais da Capitania do

Maranhão, cujos manuscritos se encontram na Biblioteca Pública Benedito Leite, em São

Luís. José Vicente Serrão se refere a contagem, para ele, quanto à quantidade e à qualidade

das fontes disponíveis, só em 1801 se produziu em Portugal, por iniciativa de Rodrigo de

Sousa Coutinho e José Antonio de Sá, um recenseamento geral da população que se pode

considerar minimamente fiável (SERRÃO, 1998, p. 43). Também lançaremos mão de uma

documentação já largamente usada em nossas pesquisas, os inventários post mortem da

Capitania, no período 1785 a 1820, notadamente as avaliações dos escravizados, que trazem

sua origem étnica.

Mudanças ocorreram no perfil populacional das áreas escravistas, como atestam

os Mapas Gerais, realizados em 1801, em todo o Império português. A população da capitania

do Maranhão, antes composta por uma maioria de índios, mestiços e alguns brancos, se

modificou abruptamente. Os “Mapas Gerais” são um sub-registro, admitido até pelo

responsável pela elaboração dos “Resumos”, que denunciou padres de paróquias importantes

que não enviaram dados, como os de “Alcântara, Guimarães e Icatu”. Também nenhuma

menção foi feita às quatro freguesias da capital, que não sabemos se foram recenseadas.

Mesmo assim, os resumos dos “Mapas Gerais” são reveladores, pois apresentaram a

população, no início do século XIX, dividida em quatro grandes extratos: “brancos”, onde

foram inclusas 6.081 pessoas (16,80%), “pretos” 16.743 (46,28%), “mulatos” 11.720

(32,39%) e “índios” 1.582 (4,3%). Portanto, os “pretos” e os “mulatos” (os africanos e seus

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descendentes) totalizavam 78,67% da população! O que é impressionante pela rapidez com

que tal processo ocorreu e pelos efeitos que terão na economia da região e socialmente ao

longo do tempo.

Figura 1: Mapa da capitania do Maranhão em 1813, recorte com a localização das freguesias. Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Indicações das paróquias com presença de africanos.

Na Contagem feita pelos párocos, características de 36.126 pessoas foram

contabilizadas, em que se verificam mudanças também na condição jurídica, pois os brancos e

índios, os “pretos” e “mulatos” libertos somaram 52,17% do total, sendo escravos os outros

47,83% dos habitantes. O “boom” econômico produziu em poucas décadas transformações na

estrutura sócio-demográfica, em especial nas áreas ligadas à agroexportação. Na paróquia de

N. S. do Rosário do Itapecuru, de um total de 12.718 pessoas, seu vigário registrou que 7.479

eram cativos, entre “pretos” e “mulatos”; portanto, quase 60% dos moradores eram cativos!

Obviamente, freguesias mais afastadas da Ribeira do Itapecuru e os “lugares de índios”

apresentaram índices mais concernentes com a região amazônica.

Em outra pesquisa, sobre as Famílias Escravas nas áreas de plantation do

Maranhão, precisamos melhor a origem étnica dos sujeitos escravizados trazidos para esta

capitania, quantificamos as informações colhidas nos inventários post mortem e encontramos

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o seguinte quadro:Tabela 1- Origem étnica dos escravizados, Ribeira do Itapecuru (1785 a 1825)

Angola 321 12 %Mandinga 257 9%Caxeu 121 4%Bijago 118 4%Mina 113 4%Outros grupos étnicos 484 18%“Crioulos” 864 32%

Fonte: ATJMA, Inventários post mortem avulsos (1785 a 1825), São Luís.

O resultado apresentado acima mostra que para as possessões portuguesas ao

norte do Brasil foram trazidos grupos étnicos tanto da África Ocidental, os “vulgarmente

chamados sudaneses”, entre eles os mandingas, quanto os angolas, do centro-ocidental do

continente, os “bantos”, conforme a denominação citada por João José Reis (2003, p. 308). Na

tabela acima, colocamos os “crioulos” por último, embora eles fossem a maioria, pois eram

majoritariamente os filhos dos cativos, menores de quatorze anos, pertencentes à primeira

geração de africanos nascidos nas Américas (MOTA, 2015, p.183).

Figura 2: BIBLIOTECA PÚBLICA BENEDITO LEITE. Mapas estatísticos da capitania do Maranhão. São Luís, 1801.

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Nos “Mapas”, são indicados também índices de nascimentos, casamentos e

mortes das várias paróquias recenseadas, dos quais é possível chegar às taxas de fecundidade

das mulheres e índices de mortalidade, que se diferenciavam conforme a condição social do

indivíduo - fosse ele livre, escravo ou liberto. Pretendemos evidenciar tais diferenciações na

pesquisa em andamento.

A agroexportação, a inserção ao comércio Atlântico, ocasionou alterações na

estrutura social, no perfil da população da capitania, cujos efeitos sociais são sentidos até

hoje. Portanto, verificamos que a dinâmica populacional resulta das injunções econômicas,

ainda mais em uma economia dependente como a colonial.

REFERÊNCIAS

BIBLIOTECA PÚBLICA BENEDITO LEITE. Mapas estatísticos da capitania do

Maranhão. São Luís, 1801.

ARQUIVO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO. Processos avulsos de

Inventários post mortem do período 1785 a 1825. São Luís, 1785.

MOTA, Antonia da Silva. Família escrava nas plantations do Maranhão: demografia e

sociabilidades In: GALVES, Marcelo Cherche; COSTA, Yuri. O Maranhão Oitocentista.1a

ed. São Luís : Editora UEMA / Café & Lápis, 2015, v.1, p. 179-208.

REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil em 1835: a história do levante dos malês em

1835. Ed. revista e ampliada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

SERRÃO, José Vicente. O quadro humano. In: HESPANHA, António Manuel (coord.). O

Antigo Regime. MATTOSO, José (dir.), História de Portugal.

Vol. 4. Lisboa-PO: Editorial Estampa, 1998.