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Uso do plasma como agente modificador de superfícies biomédicas
Sá, J.Ca.; Vitoriano, J.O.b; Ferraz, E.Pc.; Rosa, A. L.c; Alves Jr, C.b
aDepartamento de Odontologia, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Caicó,
RN, Brasil.
b Departamento de Odontologia, Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
cDepartamento de Engenharia Mecânica, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Natal, RN, Brasil.
Resumo
O conceito da medicina translacional vem assumindo elevada importância, uma vez que
apresenta-se como uma nova ciência que visa unir os conhecimentos de diversas áreas
(engenharia, química, física, biomédica e outros) e testar sua validade em pesquisas
clínicas. Diante do exposto, pesquisas estão sendo realizadas com implantes de titânio
visando modificar as propriedades de sua superfície para melhorar suas propriedades
biológicas e poder ser utilizado com maior êxito na área odontológica. Desta forma,
neste trabalho, discos de titânio foram modificados por plasma através da nitretação por
cátodo oco durante 1hora e 3 horas de tratamento. Uma caracterização das propriedades
químicas da superfície foi realizada através da difração de raios-x e uma análise da
textura e rugosidade foi feita pela microscopia de força atômica. Avaliação do
comportamento biológico foi realizada pela análise da fosfatase alcalina (ALP) e do
vermelho de alizarina. Os resultados indicaram que o plasma foi capaz de modificar a
superfície tanto química quanto topograficamente. Ao se realizar o tratamento por 3
horas obteve-se uma superfície mais rugosa. A ALP indicou que as amostras tratadas
por cátodo oco 3 horas apresentaram uma maior proliferação celular do que as amostras
tratadas por 1 hora ou não tratadas. O vermelho de Alizarina indicou que a
mineralização foi semelhante entre os três grupos testados. O plasma apresentou-se,
portanto, como uma técnica capaz de modificar a superfície do titânio influenciando na
resposta biológica inicial.
1. Introdução
Os debates sobre a medicina translacional assumindo elevada importância nos
últimos anos. O conceito não trata só de agilizar a transferência dos resultados da
pesquisa de laboratório para aplicação em prevenção, diagnóstico e tratamento das
doenças, mas também de programar pesquisas de laboratório para avançar
conhecimentos inspiradas em problemas clínicos não solucionados (da bancada à clínica
e da clínica à bancada). A idéia é utilizar conhecimentos originados não só em
laboratórios biomédicos como os provenientes de outras disciplinas (engenharia,
química, física etc.) para, em um primeiro bloco de transferência, testar sua validade em
pesquisas clínicas (de fisiopatologia, de testes e de ensaios clínicos etc.). Em um
segundo bloco, transferir o conhecimento obtido na investigação clínica para a prática
médica e a melhoria dos serviços de saúde, programando pesquisas sobre eventos,
eficácia e custo-efetividade.
São inúmeras as pesquisas que estão avançando nesta área de inovação
tecnológica com aplicabilidade clínica. Dentre elas destaca-se a técnica de modificação
do implantes de titânio para uso biomédico. Antigamente, era regra aguardar de 3 a 6
meses após a colocação do implante dentário para que ocorresse uma formação óssea ao
redor do implante que possibilitasse aplicar cargas sobre esta região. Todavia, os
protocolos cirúrgicos propostos por Branemark sofreram alterações [1]. Atualmente,
existem protocolos no qual pode ser aplicada carga imediata ao implante (instalação e
ativação da prótese em 48 horas). Essa mudança no protocolo foi possível devido aos
maiores cuidados tomados durante o procedimento cirúrgico, ao desenvolvimento dos
conhecimentos sobre a biomecânica do implante, à modificação da forma do implante
além do aprimoramento das técnicas de modificação da superfície do titânio [2]. A
modificação da superfície desse material abre as portas para uma nova odontologia,
onde se espera diminuir o período não funcional do implante, aumentar a sua
aplicabilidade em ossos alveolares com pouca qualidade, causar o mínimo desconforto
para o paciente além de minimizar os índices de insucessos [3, 4, 5, 6].
Na busca por superfícies que supram essa necessidade de obter uma rápida
formação óssea, várias pesquisas têm sido desenvolvidas. Dentre os diferentes métodos
existentes, aqueles que utilizam o plasma como fonte energética são os que mais
avançaram nos últimos anos, devido, principalmente, a sua versatilidade. O tratamento
por plasma oferece a oportunidade de se variar amplamente as propriedades superficiais
dos materiais com simples ajuste dos parâmetros experimentais, como a densidade
eletrônica, energia e distribuição das funções. Ele é bastante utilizado para aumentar a
energia de superfície e limpar a superfície dos biomateriais. Constitui uma técnica
simples, realizada a seco, não agride o meio ambiente, é de baixo custo e não
compromete as propriedades intrínsecas do biomaterial, afetando apenas a sua
superfície [7]. O objetivo deste trabalho foi avaliar as propriedades superficiais do
titânio após o tratamento por plasma através da configuração em cátodo oco por 1 h e
3h, visando aplicações biomédicas.
2. Materiais e Métodos
2.1 Preparação metalográfica das amostras
Foram utilizados discos de Ti cp (grau II), medindo 15 mm de diâmetro e 1,5
mm de espessura. As amostras foram lixadas e polidas até atingir rugosidade média de
0,002 µm.
2.2 Tratamento por plasma
Depois do polimento, os discos de titânio foram divididos em três grupos
(Tabela 1). No primeiro grupo (ST), as amostras não sofreram tratamento por plasma.
No segundo grupo (CO1) as amostras foram submetidas ao tratamento por plasma
através da nitretação em cátodo oco por 1 hora e no terceiro grupo (CO3) as amostras
foram submetidas ao tratamento por plasma através da nitretação em cátodo oco por 3
horas.
Tabela 1 - Condições de tratamento superficial dos discos de titânio.
Sem tratamento
por plasma
Nitretação
por cátodo
Nitretação por
(ST) oco
(CO1)
cátodo oco
(CO3)
Gases - 20 % N2
80% H2
20 % N2
80% H2
Temperatura - 450°C 450°C
Tempo - 1 h 3 h
Pressão - 1,5 mbar 1,5 mbar
Após o polimento, as amostras foram colocadas em uma câmara de aço
inoxidável (reator), com 400 mm de diâmetro e 400 mm de comprimento,
hermeticamente fechada para receber o tratamento de superfície. O sistema utilizado
para o tratamento a plasma consiste em uma fonte de alta voltagem (Potenciômetro);
uma câmara de aço; um sistema de controle de gás (Fluxímetro), uma bomba de vácuo,
além de medidores de temperatura (termopar) e pressão (Figura 1). O plasma foi gerado
quando aplicando-se uma diferença de potencial entre dois eletrodos (cátodo e o ânodo).
O cátodo foi o próprio porta amostras e consiste em um eletrodo circular (A=254cm2)
coberto de titânio. A distância entre os dois eletrodos foi de 22 cm. Antes de cada
tratamento, atingiu-se uma pressão de 0.1 mbar e utilizou-se N2 e H2. A voltagem
aplicada foi de 550 V e realizou-se um aumento da pressão até 1,5 mbar. A temperatura
utilizada foi de 450°C por 1h (CO1) e 3 horas (CO3). Depois do tratamento, o plasma
foi desligado e as amostras foram deixadas na câmara para que o resfriamento fosse
realizado lentamente.
Figura 1. Representação esquemática dos equipamentos envolvidos no tratamento a
plasma
Sobre o porta amostra foi colocada uma chapa de titânio circular com quatro
pernas nas laterais dando o formato de mesa para poder realizar a configuração em
cátodo oco (Figura 2). Fixou-se a distância entre a superfície da amostra e a tampa
superior, aqui denominada distância cátodo/cátodo (dcc), em 9 mm.
Figura 2 – Representação esquemática da configuração do cátodo oco.
2.3 Difração de raios-X
Para análise das fases foi utilizado um difratômetro de raios-X, Shimadzu modelo
XRD-600. Utilizou-se a configuração geométricas para a incidência de raios-X rasante
com incidência de feixe de 0,5o. Uilizou-se a radiação CuKα e ângulos de varredura
entre 30ºe 50º, passos de 0,02ºe tempo de 0,6 segundos por passo numa velocidade de
2º/min.
A identificação das fases foi realizada com auxílio do programa PMGR, do
pacote de programas da Shimadzu XRD-6000 V4.1 (for NT/98), com base na
composição nominal fornecido pelo fabricante, nas fichas cristalográficas existentes na
literatura para ligas metálicas e nas variáveis do processo.
2.4 Topografia da superfície e rugosidade
Para análise da topografia da superfície e obtenção de valores de rugosidade foi
utilizado Microscópio de Força Atômica (AFM), modelo SPM 9600 da Shimadzu. A
AFM forneceu a topografia da superfície (em 2D). Em cada fotografia em 2D foram
obtidas linhas para determinação dos perfis de rugosidade.
2.5 Medida de atividade de ALP
A atividade de ALP foi medida aos 10 e 14 dias, em quintuplicata, através da
liberação de timolftaleína pela hidrólise do substrato de timolftaleína monofosfato,
utilizando um kit comercial (Labtest, BH, MG, Brasil). Foram utilizados tubos de
ensaio branco, padrão e testes. Em todos os tubos foi adicionado 50mL de substrato e
dcc = 9mm
500mL de tampão. No tubo padrão foram acrescentados 50mL da solução padrão. Os
tubos foram mantidos em banho maria a 37º C por 2 min. Em seguida, foi adicionado,
em cada tubo teste, 50mL da suspensão com lauril sulfato de sódio dos mesmos poços
utilizados para medida da proteína total. Os tubos foram mantidos em banho maria, a
37º C por 10 min. Após esse período foi adicionado em cada tubo, branco, padrão e
testes, 2 mL do reagente de cor. Alíquotas de 150 μL da solução de cada poço foram
transferidas para placas de 96 poços para posterior quantificação. A densidade óptica foi
lida em comprimento de onda de 590 nm em espectrofotômetro e os dados expressos
como absorbância. A atividade de ALP, expressa em mmoL de timolftaleína/h/mg, foi
calculada a partir da medida do tubo padrão e normalizada pela quantidade de proteína
total.
2.6 Detecção e quantificação da formação de nódulos de matriz mineralizada
Ao final de 14 dias, o meio de cultura das subculturas com células derivadas das
calvárias de ratos foi removido, os poços com os discos lavados três vezes com PBS
aquecido a 37° C e preenchidos com paraformaldeído a 4% por 24 horas. Em seguida,
os poços foram desidratados em série crescente de álcoois e as culturas processadas para
coloração com vermelho de Alizarina (Sigma), que cora, em vermelho, áreas de
mineralização ricas em cálcio. Os discos foram removidos dos poços e fotografados. As
imagens adquiridas foram processadas utilizando o software Adobe Photoshop. Esse
ensaio foi realizado em quintuplicata. A quantificação da mineralização foi realizada de
acordo com o método descrito por Gregory et al. (2004). A cada poço foram
adicionados 280 µL de ácido acético a 10% e mantidos à temperatura ambiente por 30
min sob agitação. Após esse período, a solução de cada poço foi homogeneizada e
transferida para tubos de 1,5 mL. Os tubos foram incubados a 85° C por 10 min e
transferidos para recipiente contendo gelo picado, onde permaneceram por mais 5 min.
Os tubos foram centrifugados a 13000 rpm por 20 min e 100 µL do sobrenadante de
cada tubo transferidos para placa de 96 poços. Foram adicionados 40 µL de hidróxido
de amônio em cada poço para neutralizar o ácido. Em seguida a absorbância foi medida
em espectrofotômetro, utilizando-se o comprimento de onda de 405 nm.
3. Resultados e discussão
A análise da difração de raios-x possibilitou a visualização das fases presentes
(Figura 3).
Figura 3 - Análise da difração de raios-x (em 0,5° de incidência rasante) das amostras
polidas e tratadas.
A principal fase encontrada foi o Tiα. Picos de TiO2 também foram encontrados.
Nas amostras nitretadas observou-se a presença de nitretos de titânio em 36,8º e 41,2º.
Na nitretação em cátodo oco por 3 horas encontrou-se um novo pico de TiN em 42,9º.
A figura 4 representa a topografia de superfície em 2D (área de 5 µm), assim
como os perfis de rugosidade das amostras de titânio.
ST
CO1
CO3
Figura 4 – Topografia da superfície do titânio (2D) e perfil de rugosidade.
O grupo ST apresentou uma superfície lisa com pico máximo de 15,72 nm sem
evidência de direcionamento de sulcos e cristas decorrentes do lixamento e polimento.
Através do perfil de rugosidade pode-se observar picos e vales de pequena intensidade e
regularmente distribuídos revelando o aspecto liso e uniforme da superfície. Nos grupos
CO 1 e CO3 observou-se um perfil de rugosidade que mostrou picos e vales intensos.
Tal fato ocorre porque, na nitretação em cátodo oco consegue-se uma alta ionização,
uma vez que os elétrons no plasma são obrigados a refletirem sucessivamente entre duas
superfícies catódicas [8] Elétrons são repelidos pelo cátodo central (que pode ser a peça
que se deseja tratar) em direção aos cátodos externos. Ao se aproximarem destes, são
também repelidos realizando, assim, um movimento de zig-zag que aumentará a taxa de
ionização da região em questão. Uma alta densidade de íons significará maior
bombardeamento na superfície, produzindo-se defeitos na superfície mais abundantes
do que na nitretação planar [9]. Picos máximos de 488,53 nm foram encontrados ao se
realizar a nitretação em cátodo oco por 3 horas e 431,65 nm ao se realizar a nitretação
em cátodo oco por 1hora. Pode-se observar, portanto, que, na nitretação por cátodo oco
3 horas (CO3), produziu-se maiores defeitos de superfícies quando comparada com a
nitretação em 1 hora (CO1).
A análise da ALP foi maior nas amostras sem tratamento quando analisada após
10 dias. Após 14 dias, a ALP foi maior na nitretação em cátodo oco por 3 horas (Figura
5).
Figura 5. Análise da ALP após 10 e 14 dias.
A análise da mineralização não mostrou diferença entre as amostras (Figura 6).
Figura 6. Mineralização após 14 dias.
Conclusão
A nitretação por plasma foi capaz de modificar a superfície da amostra de titânio
tanto química quanto topograficamente. Na nitretação em cátodo oco por 3 horas
produziu-se uma superfície capaz de influenciar na atividade da fosfatase alcalina após
14 dias de cultivo. Não se observou diferença entre as amostras ao se analisar a
mineralização.
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8. Alves Jr C, Guerra Neto C L B, Morais G H S, Silva C F, Hajek V. Nitriding
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9. Guerra Neto, C.L. Novas superfícies para implantes dentais [Dissertação].
Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2001.
Agradecimentos
Ao CNPq e CAPES pelo apoio financeiro.