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PRINCÍPIOS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DE ACORDO COM A LEI N. 13.105/2015 1 O novo Código de Processo Civil explicitou vários princípios, alguns dos quais já estavam expressos na Constituição de 1.988 e/ou no código revogado, ao par de introduzir outros princípios novos na técnica processual que passou a ser praticada a partir da vigência da Lei n. 13.105/2015. Faremos, a seguir, uma breve análise de cada um dos princípios processuais encartados no novo Código, começando pelos que já estavam na Constituição e foram reafirmados, prosseguindo com os que já estavam no código anterior e foram mantidos, para finalizar com os que foram criados e implantados no código atualmente vigente. Nessa cronologia, e reafirmando o que estava expresso na Constituição (art. 5º., inc. XXXV), o CPC consagrou, no art. 3º., o princípio da inafastabilidade jurisdicional, com a determinação de que o legislador não editará leis que excluam, da apreciação jurisdicional, ameaça ou lesão a direito. Utilizando a mesma técnica de reafirmar garantias processuais constitucionais (art. 5º., inc. XXLVII, CF), o legislador positivou o princípio da duração razoável do processo, estabelecendo que as partes têm o dever de obter, em prazo razoável, a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º.). Para a consecução desse objetivo, estabeleceu, também, o dever de cooperação, ou seja, que todos os sujeitos processuais devem cooperar para a obtenção de uma decisão de mérito em prazo razoável (art. 6º.). Mesclando várias garantias processuais constitucionais, o CPC fixou o princípio da paridade de tratamento, com abordagens comuns aos princípios da igualdade e do contraditório e ampla defesa. No dizer codificado, assegurou-se às partes a paridade no tratamento em relação 1 Meyre Elizabeth Carvalho Santana, advogada e Professora do Curso de Direito. www.meyresantana.com

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PRINCÍPIOS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DE ACORDO COM A LEI N. 13.105/20151

O novo Código de Processo Civil explicitou vários princípios, alguns dos quais já estavam expressos na Constituição de 1.988 e/ou no código revogado, ao par de introduzir outros princípios novos na técnica processual que passou a ser praticada a partir da vigência da Lei n. 13.105/2015.

Faremos, a seguir, uma breve análise de cada um dos princípios processuais encartados no novo Código, começando pelos que já estavam na Constituição e foram reafirmados, prosseguindo com os que já estavam no código anterior e foram mantidos, para finalizar com os que foram criados e implantados no código atualmente vigente.

Nessa cronologia, e reafirmando o que estava expresso na Constituição (art. 5º., inc. XXXV), o CPC consagrou, no art. 3º., o princípio da inafastabilidade jurisdicional, com a determinação de que o legislador não editará leis que excluam, da apreciação jurisdicional, ameaça ou lesão a direito.

Utilizando a mesma técnica de reafirmar garantias processuais constitucionais (art. 5º., inc. XXLVII, CF), o legislador positivou o princípio da duração razoável do processo, estabelecendo que as partes têm o dever de obter, em prazo razoável, a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º.). Para a consecução desse objetivo, estabeleceu, também, o dever de cooperação, ou seja, que todos os sujeitos processuais devem cooperar para a obtenção de uma decisão de mérito em prazo razoável (art. 6º.).

Mesclando várias garantias processuais constitucionais, o CPC fixou o princípio da paridade de tratamento, com abordagens comuns aos princípios da igualdade e do contraditório e ampla defesa. No dizer codificado, assegurou-se às partes a paridade no tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório (art. 5º.,caput, e inc. LIV e LV, CF, e art. 7º)

Na mesma seara, reforçando o princípio do contraditório e seguindo a clássica regra “audita et altera pars”, estabeleceu-se o princípio da contrariedade, disparando o comando imperativo de que não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida (art.9º.), salvo nas exceções legais (art. 9. e art. 10). Esperança de decisões mais justas, este princípio possibilita que se decrete a nulidade de uma decisão judicial eventualmente proferida sem a prévia oitiva da parte contrária.

Novamente no campo das garantias processuais constitucionais, o CPC reafirmou o princípio da publicidade, segundo o qual todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciários serão públicos, sob pena de nulidade, salvo nos casos de segredo de justiça

1 Meyre Elizabeth Carvalho Santana, advogada e Professora do Curso de Direito. www.meyresantana.com

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(at. 5º LX e 93, IX, da CF, e art. 11, CPC). E, como subprincípio da publicidade, nasce a regra da preferência, ou primazia dos julgamentos, determinando que a lista dos processos aptos a julgamento deve estar à disposição da consulta pública no cartório e na internet (art. 12, parágrafo 1º)

A fundamentação das decisões, que já era uma séria preocupação do legislador constituinte, passou a ocupar o legislador infraconstitucional, que reafirmou o princípio da fundamentação das decisões2, com o significado de que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão fundamentados, com a observância dos requisitos do art. 489, sob pena de nulidade (art. 93, IX, CF e art. 11, CPC). A inovação legislativa está na excelente técnica da enumeração clara e taxativa das características negativas da decisão não fundamentada, tal como consta no parágrafo 1º., do art. 489, que são causas determinantes da sua nulidade.

A segurança jurídica vem sendo mencionada em grande número de decisões judiciais, sobretudo dos Tribunais, embora não haja menção expressa a ela, na Constituição. Assim, e como há unanimidade, na doutrina e na jurisprudência, de que a prestação jurisdicional deve conferir segurança jurídica, o novo Código a explicitou. Pelo princípio da segurança jurídica, estabeleceu-se, expressamente, que a atuação dos sujeitos processuais deve garantir a segurança jurídica, que deve ser entendida como um razoável grau de previsibilidade e uniformidade. Para conseguir esse objetivo, veda-se a prolação de decisões judiciais sem a prévia oitiva da parte (art. 10), criou-se incidentes processuais adequados e aptos a dar maior previsibilidade e uniformidade às decisões judiciais, os chamados Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas, dentre outras técnicas, igualmente úteis a conferir, tanto quanto possível, segurança jurídica às relações decididas pelo Poder Judiciário.

Passamos a analisar o rol dos princípios que já constavam na ordem jurídica processual anterior e que foram reafirmados no novo CPC.

No art. 1º., reafirmou o princípio da inércia, segundo o qual o processo começa por iniciativa da parte, salvo as exceções previstas em lei. Esse princípio é garantia de que, para atuar, o Estado-Judiciário depende da provocação formal de quem é o titular do direito material lesado – o legitimado ordinário - ou daquele a quem a lei defere, excepcional e expressamente, o direito de reivindicar, em nome próprio, direito alheio, compondo o rol dos legitimados extraordinários.

Ao lado do princípio da inércia e no mesmo dispositivo legal (art. 1º.), o legislador reafirmou o princípio do impulso oficial, segundo o qual o processo se desenvolve por impulso oficial, significando que, uma vez instaurado o processo, por iniciativa do legitimado, o juízo determinará, de ofício, a prática dos atos subsequentes, aptos e necessários ao desenvolvimento do processo.

E, porque a atividade jurisdicional é essencial à consecução de um dos objetivos do Estado, que é a manutenção da paz social, reafirmou-se o princípio da boa fé, já

2 Veja o artigo anteriormente publicado, sobre o tema

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legislado desde o CPC anterior, segundo o qual todos os que, de qualquer forma, participam do processo, devem atuar com boa-fé (art. 5º.)

Pelo princípio do instrumentalismo (ou da instrumentalidade), o processo é um instrumento de tutela do direito material ameaçado ou lesionado, de tal modo que eventuais nulidades decorrentes da pratica de atos processuais de forma diversa da prevista na lei processual só serão decretadas se observados os requisitos legais: alegação na primeira oportunidade; que não sejam alegadas pela parte que as provocou; não se anulam atos que cumpriram a sua finalidade

Observamos, por oportuno, que o novo Código não recepcionou o princípio da identidade física do juiz, ou seja, não há mais vinculação do juiz (pessoa) com o processo por ele instruído, para efeitos de decisão.

Em arremate, analisamos os princípios que foram trazidos pelo novo Código, antes não legislados.

É que, inovando bastante e com o objetivo de reduzir a elevada carga de litigiosidade que impera em nossa sociedade, ou, pelo menos, reduzir o tempo médio de duração dos processos, o legislador estabeleceu o princípio da consensualidade, determinando que o Estado promova, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (parágrafo 2º., art. 3º ), estabelecendo que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do ministério público, inclusive, no curso do processo”, ou seja, judicialmente (parágrafo 3º., art. 3º.). Isso quer dizer que é recomendável, se não necessária, a criação de novas técnicas direcionadas ao incentivo, ao desenvolvimento e ao auxílio dos sujeitos envolvidos em conflitos para que realizem a autocomposição, quer seja extrajudicialmente, evitando-se o ajuizamento de demandas, quer seja no plano judicial, com a finalidade de se encerrar, precocemente, as demandas que já se encontram em andamento.

O legislador inovou, também, no novo CPC, ao estabelecer o princípio da cooperação, segundo o qual todos os sujeitos do processo (partes e seus advogados, juízes e seus auxiliares, defensores, membros do Ministério Público) devem cooperar entre si para a obtenção da decisão de mérito em prazo razoável (art. 6º). Na verdade, inaugurou-se um novo paradigma na atividade de solucionar conflitos, de sorte que cooperar para que a solução ocorra no menor tempo possível passa a ser um dos deveres de todos os sujeitos processuais.

De grande importância para a implementação do princípio da duração razoável do processo, na era da comunicação instantânea, é o princípio da garantia da ordem cronológica para julgamento (art. 12). Por ele, todos os juízes e tribunais deverão obedecer à ordem cronológica da conclusão para proferir decisões e acórdãos, salvo as exceções legais (parágrafo 2º).

Por fim, e não no campo dos princípios, mas como técnica para a obtenção de uma prestação jurisdicional justa, o CPC inovou ao estabelecer os deveres do juiz para com

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a decisão, de tal modo que, ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá e observará (art. 8.), aos fins sociais, no sentido que se atribui ao processo a função social; às exigências do bem comum; e à dignidade humana, e, para tanto, observará a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade, e a eficiência.

Devido à ausência de conceituação e à generalidade dos temas, cabem, aqui, algumas considerações, ao menos sobre a proporcionalidade e a razoabilidade, que muito se assemelham embora careçam de diferenciação.

A proporcionalidade conduz à ideia de proporção, por exemplo, no sentido de que se deve aferir a proporção entre o gravame causado e a finalidade a que se destina o ato processual, para a decretação da nulidade (corolário do princípio da instrumentalidade).

Contudo, a aplicação do princípio da proporcionalidade é restrita a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos, um meio e um fim, de modo que se possa aferir: (1) se o meio utilizado promove o fim (= adequação); (2), se, dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para se promover o fim, há, ou não, outro meio, menos restritivo do direito fundamental afetado (= necessidade), e, (3) se as vantagens trazidas ao se promover o fim correspondem às desvantagens causadas pela adoção do meio (= proporcionalidade em sentido estrito).

A razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas (leis e princípios) e deve ser utilizada como uma diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, indicando em quais hipóteses o caso individualmente considerado, com suas características específicas, deixa de se enquadrar na norma geral; nesse sentido, deve-se decidir com equidade, pois as normas gerais devem se harmonizar com o caso individual sob julgamento. É o que ocorre quando o advogado dativo apresenta uma defesa sem consistência; deve-se decretar a nulidade dos atos processuais que levaram à condenação (norma geral= o advogado apresentou a defesa; caso individual= a defesa é pífia e, na prática, não defendeu o acusado).

Noutras situações, utiliza-se a razoabilidade, também, como uma diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. A punição, por exemplo, deve ser equivalente ao ato delituoso; uma taxa pública deve ser equivalente ao serviço prestado, etc.

A legalidade, a publicidade e a eficiência são requisitos de validade do ato administrativo, conforme art. 37, da Constituição, e, doravante e em boa hora, o ato judicial, também, passa a se submeter ao mesmo crivo.

Com estas anotações, esperamos contribuir, ainda que minimamente, para o constante aprimoramento da boa técnica processual.