WEBER. Intro [Cohn]
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7/24/2019 WEBER. Intro [Cohn]
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Exagerar a minha profisso
Essa resposta de Max Weber a um
colega chocado com a sua veemn-
cia num debate diz muito a respeito
da sua figura humana e tambm
da sua obra. O cantata apaixona-
do com os grandes problemas pol-
ticos do dia a busca incansvel do
conhecimento atravs de urna eru-
dico sem paralelo nas ciencias
sociais des te sculo a intensidade
da dedicaco a pesquisa e a re-
flexo metodolgica o desgaste.
pessoal at ao pleno colapso ps-
quico e a recuperaco fulgurante
da capacidade criadora o mpeto
exacerbado das investidas contra o
que lhe parecia errado contidas no momento mesmo em que tuda
parecia dar-lhe razo; tudo isso est presente no mais alto no
mais exagerado grau na sua vida e na sua obra.
Dois exemplos retirados de reas diversas da sua atividade
permitem ilustrar isso. O primeiro diz respeito a sua postura
diante das questes prticas do dia. Durante a fase decisiva da
Primeira Guerra Mundial as crticas de Weber as hesitaces e aos
erras do governo alemo representado pelo rei Guilherme II -
por exemplo ao nao se dar conta de que ao intensificar a guerra
submarina a Alemanha atraa contra si a entrada norte-americana
no conflito o que lhe seria fatal - cresciam em virulencia en-
caminhando aquilo que Weber encarava como um ajuste de contas
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com Guilherme 11 aps a guerra, por via judicial se possvel, no
qual as responsabilidades pela derrota alem, que previa, seriam
trazidas
luz. Encerrada a guerra, contudo, o monarca levado
a renunciar, em meio a uma turbulencia poltica que para muitos
prenunciava a revoluco socialista e que acabou desembocando no
regime que, tomando o nome da cidade onde foi redigida a sua
Constituico, ficou conhecido como Repblica de Weimar. Diante
disso, Weber recusa-se a usar palavras duras a seu respeito,
poi s isso nao seria digno de um cavalheiro . E passa a investir,
sem preocupar-se com o cavalheirismo, contra os grupos revolu-
cionrios que, no seu entender, comprometiam com sua aco a
prpria integridade nacional da Alemanha derrotada na guerra;
para, em seguida, sufocada a revoluco pelo governo social-derno-
crata associado grande burguesia e aos mlitares, voltar-se com
o mesmo ardor contra a direita em ascenso, Atitudes pouco
coerentes com a concepco convencional do poltico mas perfeita-
mente ajustadas ao modo de ser de algum como Weber, que
certa feita observou ser mais cientista do que poltico, porque o
poltico precisa fazer compromissos e ao c ien tista isso
vedado.
O segundo exemplo concerne sua postura terica. O nome
de Weber est intimamente associado na literatura sociolgica
Iorrnulaco de um conceito bsico para a anlise histrico-social:
o tipo ideal . Trata-se de recurso metodolgico para ensejar a
orientaco do cientista no interior da inesgotve1 variedade de
fenmenos observveis na vida social. Consiste em enfatizar
determinados traeos da realidade - por exemplo, aqueles que
permitam caracterizar a conduta do burocrata profissional e a
organizaco em que ele atua - at conceb-los na sua
expresso
mais pura e conseqente, que jamais se apresenta assim nas
situaces efetivamente observveis. Por isso mesmo esses tipos
necessitam ser construdos no pensamento do pesquisador, exis-
tem no plano das idias sobre os fenmenos e nao nos prprios
fenmenos. Assim concebido, esse conceito de tipo ideal (que
amplamente discutido pelo prprio Weber no terceiro texto deste
volume) nao
seno a forma assumida no plano metodolgico
pela mesma
vocaco
para o exagero , pois corresponde ao pres-
suposto de que a realidade social s pode ser conhecida quando
aqueles traeos seus que interessam intensamente ao pesquisador
sao metodicamente exagerados, para em seguida se poderem for-
mular com clareza as questes relevantes sobre as relaces entre
os fenmenos observados.
9
Max.Weber na_sceu eIJ). de abril de J~Q.4, como primo-
gnito de oito filhos e herdeiro do nome do pai, um jurista e
poltico geralmente descrito como homem pragmtico e acomo-
dado. Sua me, Helene Weber, esforcou-se sempre por imprimir
no filho o timbre da sua
concepco
severamente protestante do
mundo. H uma forte tendencia entre os intrpretes de Weber,
no sentido de atriburem ao contraste entre seu pai e sua me um
papel importante na Iormaco daquilo que, adaptando-se um
termo do prprio Weber, seria a sua conduta pessoal de vida,
sempre tensa entre a reflexo e a aco e entre a represso asctica
dos impulsos em nome da autodisciplina e uma postura mais
tolerante e descontrada. Na casa paterna Weber teve oportuni-
dade de con viver com as figuras de renome no mundo poltico e
intelectual que habitualmente a freqentavam, num prenncio do
crculo de freqentadores da sua prpria casa na sua maturidade,
quando entre seus amigos se incIuam figuras tao estimulantes e
diversas entre si como Georg Simmel e Georg Lukcs.
Durante toda a vida teve a atenco dividida - e, dada
a sua concepco das coisas, esse termo deve ser tomado no seu
sentido literal - entre a atividade intelectual e a participaco
prtica na v ida pol tica alem, embora nessa segunda rea ele nao
tenha chegado a ocupar qualquer posico oficial. O mais prximo
que chegou disso Ioi quando participou da comisso encarregada
de redigir a Constituico da Repblica de Weimar, em 1919, e
quando integrou o corpo de assessores de alto nvel da delegaco
de paz alern ern Versal hes, tambm em 1919. Sua formaco
acadmica foi muito ampla, concentrada nos estudos de Direito
mas com profundas incurses pela Histria, a Economia, a Filo-
sofia e mesmo a Teologia. Sua dedicaco explcita
Sociologia
somente ocorreu na fase final de sua vida, embora suas contribu-
ces bsicas nessa rea estivessem prontas em 1913. Sua obra
nao
o resultado de um fluxo contnuo e regular de trabalho, mas
de perodos de concentraco e produco extremamente intensivas.
O perodo de 1891 a 1897 foi de atividade muito acentuada, in-
terrompida por urna profunda crise psquica que durou cinco anos
Programado nesta colcco, volume organizado por Evaristo de Moraes
Filho. (N. da Ed.)
: , Lukcs,
Org. Jos Paula Netto,
v .
20 desta coleco. N. da Ed.
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e praticamente o afastou da atividade docente (que detestava)
pelo resto da vida.
Em 1903 recebeu o ttulo de professor honorrio da presti-
giosa Universidade de Heidelberg, o que lhe permitiria dispor
livremente do seu tempo de trabalho acadmico. A maior parte
da produco que lhe deu fama foi realizada em tres perodos de
quatro anos cada - de 1903 a 1906, de 1911 a 1913 e de 1916
a 1919. No primeiro deles, publicou a sua clebre anlise sobre
tica protestante e o esprito do capitalismo e os seus princi-
pais estudos metodolgicos, alm de importantes anlises sobre a
revoluco russa de 1905, escritas no calor dos prprios acontec-
mentos. No segundo, redigiu o essencial da sua obra mxima,
Economia e sociedade
e publicou o seu nico trabalho em que
o termo sociologia figura no ttulo, Sobre algumas categorias
da Sociologia compreensiva . No ltimo, retomou e deu forma
final a vrios temas de que j se vinha ocupando anteriormente,
redigiu tres dos seus quatro estudos previstos sobre a tica
econmica das religies mundiais e dedico u-se intensamente ao
exame das tendencias da poltica alem da poca.
Aps a sua morte, em 14 de junho de 1920, a sua viva
Marianne Weber, que tambm se dedicava ao trabalho intelectual
participara do movimento feminista da poca, organizou muito
do material disperso por ele deixado e promoveu a sua publicaco,
alm de redigir urna extensa biografia de Max Weber, publicada
em 1926, e que por muito tempo constituiu a nica fonte de con-
sulta nessa rea.
Os textos selecionados para este volume proporcionam urna
viso panormica da produco de Weber, desde a sua primeira
etapa at
sua maturidade intelectual. Permitem tambm cons-
tatar a notvel coerncia da sua obra, na qual os temas e o modo
de trat-Ios vo ganhando forma ao longo dos anos, mas j esto
claramente delineados nos seus primeiros trabalhos. Vale a pena,
assim, iniciar o ex ame da contribuico weberiana atravs de um
levantamento das primeiras questes contidas neles, na ordem em
que se apresentam.
O primeiro deles, sobre as causas sociais do dec1nio da
cultura antiga, baseia-se numa conferencia pronunciada em 1896
e incorpora os resultados das intensivas pesquisas histricas nessa
rea a que Weber havia se dedicado na fase inicial da sua carreira.
E verdade que, nesse texto, ainda nao vamos encontrar direta-
mente urna definico dos grandes temas e posices weberianas,
mas eles j esto presentes nas entrel inhas.
A tese central do trabalho a de que as causas do declnio da
cultura europa antiga nao sao externas ao Imprio Romano, que
a sustentava e que lhe sobreviveu como organizaco poltica por mais
alguns sculos, mas devem ser procuradas no seu interior, sao
causas soci is Isso d o tom da anlise. Weber procura mostrar
como a cultura antiga decai em conseqncia de uma lenta eroso
das su as bases, que sao sociais no sentido amplo do termo, visto
que a anlise se concentra sobre processos econmicos e polticos
para examinar como se desagregam as instituices bsicas do
mundo antigo: as cidades, a organizaco escravista do trabalho
e o comrcio exterior costeiro. No desenvolvimento dessa anlise,
Weber opera com outra tese fundamental, a de que
uma
continuidade na passagem da Antiguidade para o mundo medieval.
O desenvolvimento da sociedade feudal j estava no ar do
prio romano tardio.
H no entanto uma questo .que permeia todo o texto, para a
qual a resposta oferecida por Weber revela que ele ainda nao lhe
havia dedicado a longa reflexo a que se entregara depois. A
questo
em que medida essa narrativa histrica
importante
para ns, qual o seu significado contemporneo? A resposta
de Weber nessa ocasio
de que nao
vnculos entre o processo
examinado e o mundo contemporneo: trata-se de universos
radicalmente heterogneos, Intil procurar nele um carter exem-
plar ou a resposta para questes atuais. Intil portanto proceder
como Marx o fizera ao tratar da formaco histrica do capita-
lismo: de te fabula narratur , de ti que se fala. A primeira
vista a postura assumida por Weber apresenta-se aqui como se
fosse meramente contemplativa. O decInio de urna velha cultura
um espetculo grandioso, digno de ser reconstrudo pela pesquisa
histrica; mas o seu interesse estritamente histrico.
Esse o ponto: o que vem a ser um interesse histrico? Tudo
indica que Weber est tao preocupado com marcar suas diferencas
tanto em face das interpretaces que buscam causas externas para
o processo examinado quanto de qualquer concepco que envolva
as idias de p rogresso ou evoluco objetiva do decurso histrico
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entre as quais ele inclui o materialismo histrico), que ele acaba
nao se dando conta de toda a amplitude desse tema, que muito o
ocuparia mais tarde. que, se esse espetculo histrico digno
de ser visto apesar de nao haver qualquer vnculo objetivo, de
carter evolutivo ou outro, entre ele e o mundo contemporneo,
deve haver naquilo que diz respeito ao carter particular de que
se reveste
para ns
ou seja, que solicita o nosso interesse hist-
rico - algo que justifique a sua seleco. Vale dizer que o simples
fato de ter sido feita a seleco des se processo especfico, o da
derrocada de urna cultura, j significativo, nao tanto em relaco
ao carter objetivo do prprio tema mas sim quanto a orientaco
do interesse do historiador.
Falar num estrito interesse histrico por um evento ou pro-
cesso implica, afinal, levantar a questo da presenca desse prprio
interesse. E isso s reforcado pela idia weberiana, implcita
nesse texto, de que, nao havendo urna linha unvoca nem um curso
objetivamente progressivo no interior da Histria, cabe a pesquisa
histrica tratar do que particular, daquilo que permite identificar
na sua peculiaridade urna configuraco cultural e buscar explica-
ces causais para essa particularidade. Essa questo sornen te viria
a ser examinada a fundo por Weber em 1904, no ensaio sobre a
objetividade nas ciencias sociais, includo neste volume. Neste
momento interessa examinar como ela se apresenta na sua forma
ainda embrionria e ver as
implic ces
disso.
A leitura do texto permite constatar, desde logo, que na
realidade Weber nao se limita a urna postura contemplativa diante
do processo que examina e que as referencias e aluses a proble-
mas contemporneos se multiplicam no texto. Com efeito,
aqui
transparece urna caracterstica bsica do estilo weberiano, que o
seu carter eminentemente crtico: ele sempre escreve contra
algum ou alguma coisa do seu tempo. Esse tom polmico, sempre
orientado pela busca de urna posico autnoma, manifesta-se tanto
no tratamento de questes substantivas do dia quanto no domnio
terico. Este ltimo ponto, por sinal, merece urna referencia agora,
para evitar mal-entendidos na leitura do texto selecionado. Nesse
encontram-se termos lomados de emprstimo ao marxismo, como
infra-estrutura e superestrutura , o que pode dar a impresso
de que ele estaria de algum modo aderindo a teoria da qual esses
termos fazem parte. Mas nao
bem assim. Trata-se mais de um
recurso polmico. Ele usa esses termos para enfatizar a impor-
.
3
tncia dos fatores economicos, materiais para a explicaco do
processo em exame, contra as interpretaces idealistas correntes
na poca; mas ao mesmo tempo afasta-se do materialismo hist-
rico ao negar a possibilidade de encontrar-se um curso objetivo e
determinado dos processos histricos. No tocante as referencias
a questes substantivas nao difcil discernir na exposico webe-
riana dos dilemas polticos e econmicos de um imprio antigo em
declnio a marca das suas preocupaces com os problemas da
Alemanha ps-bismarckiana as voltas com
dffceis
problemas de
lideranca poltica.
E mesmo possvel demonstrar, com base nesse texto e na
obra de maior envergadura que Ihe serviu de base, que j nessa
poca Weber estava as voltas com a distinco metodolgica entre
duas orden s diversas de problemas, que somente se definiria para
ele mais tarde e que resultaria na dierenciaco entre urna perspec-
tiva historiogrfica e urna sociolgica. Por um lado, ternos a
preocupaco com o carter peculiar de urna configuraco cultural
e com as causas disso; por outro, pe-se a questo dos elementos
dessa configuraco que tenham um carter mais geral e possam ser
encontrados em outras pocas e outros lugares.
na sua obra
mais abrangente sobre histria antiga, publicada em 1891 sob o
ttulo de A histria agrria de Roma e sua importancia para o
Direito Pblico e Privado
Weber lancava as bases para um trata-
mento mais amplo de praticamente todos os aspectos que o absor-
veriam ao longo da sua vida acerca do seu grande tema de estudos:
o capitalismo moderno e o processo de racionalizaco da conduta
de vida da qual ele expresso, Isso ficaria explcito numa
retomada sinttica da mesma temtica, publicada em 1909, sob o
ttulo de Condices agrrias da Antigidade . No final desse
trabalho le-se:
Todo capitalismo converte a riqueza das camadas proprietrias
em capital - o Imprio Romano eliminava o capital e atinha-se
riqueza das camadas proprietrias. Competia as classes pro-
prietrias servi-Io com a sua propriedade como garantia de suas
rendas e necessidades estatais e nao mais com a espada e o es-
cudo como ocorria na plis antiga. Para que essa utilizaco
direta dos sditos providos de posses na forma do Estado litr-
gico fosse substituda pela
utilizaco
indireta na forma da alianca
entre monarquia e capital no Estado mercantilista moderno foi
necessrio o desenvolvimento do capitalismo industrial e o
exemplo da riqueza capitalista privada dos Pases Baixos e da
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.......---?lnglaterra. O bloqueio da iniciativa econmica privada pela
burocracia nao espec fico da Ant iguidade. Toda burocracia
tem a tendencia de alcancar o mesmo efeito pela sua expanso.
Tambm a nossa. E, enquanto na Antiguidade a plis tinha que
se r o rnarca-passo do capitalismo, este hoje o rnarca-passo
da burocratizaco da economia. ... O burgus alemo atual
nao guarda muito mais da qualidade dos seus antepassados da
poca das ligas de cidades do que o ateniense da poca dos
csares tinha das qualidades dos combatentes de Maratona. Seu
emblema a ordern - no mais das vezes tambm quando ele
. social-democrata , Tudo indica que a burocratizaco da socie-
dade ir assenhorear-se do capitalismo entre ns em algum mo-
mento, tal como ocorreu: na Antiguidade. Ento tambm entre
ns a anarqua da produco dar lugar aquel a ordern que
caracteriza o perodo monrquico romano e, ainda mais, o novo
reino egpcio e o domnio dos Ptolorneus. ( ... ) Mas essas
perspectivas nao cabem aqui. O contnuo do desenvolvimento
cultural europeu-mediterrneo nao conheceu at agora ciclos
fechados
n
urna evoluco linear unvoca. Por vezes fenmenos
nteiramente desaparecidos da cultura antiga reaparecem num
mundo que Ihes era alheio. Por outro lado, os
dominios [undi-
rios
da Antiguidade tarda representam no contexto agrrio urna
preliminar da Idade Mdia, assim como as cidades da Antigui-
dade tarda, especialmente do helenismo, o eram no contexto
das indstrias.
Como se ve, j nos primeiros trabalhos de Weber estavam
presentes os. grandes temas que iriam absorver seguidamente o
seu esforco, ao lado da preocupaco com o modo adequado de
conc ebe-los e trat-los, A primeira vista, a passagem citada acima
parece entrar em contradico com a postura adotada no ensaio
sobre o declnio da cultura antiga. Se o estudo do mundo antigo
nada nos pode dizer sobre o presente, como se justificam as
referencias ao capitalismo moderno e 11 sua tendencia para a
burocratizaco? E como pos s vel falar da organizaco agrria
ou das cidades antigas como preliminares do mundo medieval?
Na realidade, mesmo que os problemas ainda nao estivessem cla-
ramente delineados para o prprio Weber nesses textos (como
atestam as suas hesitaces: essas perspectivas nao cabem aqu i ),
a concepco de Histria e de Historiografia neles presente
coerente. Weber est enfatizando a sua idia bsica de que nao
possvel encarar um perodo histrico como se nele estivesse
j configurada a poca seguinte, seja em termos de progresso
5
ou de qualquer noco similar, que pressuponha a presenca das
mesmas causas operando ao longo do tempo em diferentes con-
figuraces histricas.
Mas isso nao impede um exame comparativo entre traeos de
um perodo e traeos encontrados em outros, admitindo-se a espe-
cificidade de cada um e a circunstancia de que a comparaco
> sempre incidir sobre aspectos parciais e selecionados dos pro-
cessos em confronto. No texto aqui utilizado cabe apontar, a
propsito, o exemplo do confronto entre a cidade antiga e a
cidade medieval. Weber afirma que, sob determinado aspecto,
ambas tm caractersticas semelhantes; mas as suas anlises mais
amplas do tema assinalam que, colocados nos seus contextos par-
ticulares, esses dois tipos de cidade sao inteiramente diversos, pois
a cidade antiga uma instituico basicamente poltica, ao passo
que a cidade medieval
fundamentalmente econmica.
A anlise comparativa nao opera, ento, na busca do que
seja comum a vrias ou a todas as configuraces histricas mas,
pelo contrrio , permitir trazer
tona o que
peculiar
a cada urna
delas. Nas anlises a que Weber se dedicara posteriormente, essa
viso comparativa ir-se-ia apurando cada vez mais, orientada pela
busca daquilo que especfico ao mundo ocidental moderno - a
presenca de um capitalismo organizado em moldes racionais e
a racionalizaco da conduta em todas as esferas da existencia
humana - em termos da busca, em outras configuraces histri-
cas, de traeos que
o
fossem congruentes com essa racionalizaco
especificamente europia da vida. Desde logo, portanto, a pesquisa
histrica pode ajudar-nos em duas coisas: apontar os traeos que
reputamos importantes no nosso mundo contemporneo e que
tambm estejam presentes em outras pocas e lugares, devido a
causas especficas a serem examinadas em cada caso, e assinalar
traeos existentes no nosso universo histrico particular que possam
ser apontados como responsveis pelas diferencas entre ele e os
demais (sendo que eles figuraro na anlise como
causas
dessa
diferenca) .
Na realidade a atenco de Weber sempre se concentrou sobre
a particularidade da configuraco histrica em que vivia, e a
extraordinria envergadura do seu conhecimento emprico e te-
rico sempre foi subordinada a isso. Mas o seu ponto de referencia
concreto era ainda mais particular: o Estado nacional e, mais
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especificamente, a Alemanha da sua poca. Jsso transparece de
maneira especialmente acentuada no segundo texto do presente
volume, sobre o Estado nacional e a poltica econmica. Nele
reproduz-se a conferencia proferida por Weber em 1895, na con-
dico de professor recm-designado para a disciplina Ciencia do
Estado na Universidade de Freiburg, Trata-se de texto muito
expressivo do estilo weberiano. Nele combina -se a tomada de
posico muito firme, at as vezes um tanto chocante no tom
(convm nao esquecer que se trata de um discurso destinado a
suscitar controvrsias, e nao um trabalho estritamente cientfico)
em fa ce dos problemas prticos do dia, com
reflexes
bastante
amplas sobre temas tericos.
Para o leitor atual um tanto estranho defrontar-se com um
texto apresentado como tratando do papel que as diferencas
raciais entre nacionalidades desempenham na luta econmica pela
existencia . Logo se ver, contudo, que esse apenas o ponto de
partida para a discusso dos problemas prioritrios para Weber na
poca: a integridade cultural da n o lern e a defin o dos
seus segmentos aptos a dirigi-Ia num perodo de crise do poder.
A noco de diferencas raciais trabal hada criticamente e dife-
renciada da de cultura , sobretudo atravs da demonstraco de
que urna alta capacidade adaptativa as condices exteriores de
vida nao sinnimo de nvel cultural elevado. Mais importante
do que a idia de adaptaco, no en tanto, a de seleco . Weber
encara com reservas o seu uso em termos em um darwinismo
social mas nao a abandona de todo. Ao contrrio: urna vez
despojada das analogias biolgicas, ela seria incorporada ao seu
esquema analtico e associada a idia de luta que desempenha
papel fundamental no esquema weberiano, como um componente
significativo nuclear de toda a relaco social. A persistencia dessa
idia em Weber pode ser apreciada quando se le o que ele publicou
na sua fase de plena maturidade, em 1917, retomando trabalho
originalmente escrito em 1914 sobre o sentido da neutralidade
valorativa nas ciencias sociais :
Somente se pode falar de problemas realmente solucionveis
por meios empricos nos casos em que procuremos os meios
apropriados a um fim dado de modo absolutamente unvoco. A
proposico
o nico meio para
nao passa, na realidade, da
simples
inverso
da
proposico
a x segue-se y O conceito de
adaptabilidade (e todos os similares) nunca oferece - e
isso essencial - a mnima
informaco
acerca das
avaliaces
7
ltimas em que se fundamenta. Ao contrrio, limita-se a
ocult-Ias. ( ... ) Conforme o modo como se interpreta esse
conceito possvel dizer-se que no domnio da cultura tudo
adaptado ou nada adaptado . Pois impossvel eliminar
a
luta
de qualquer vida cultural. Podem-se modificar os seus
meios, o seu objetivo e mesmo a sua orientaco bsica e os seus
portadores, mas ela prpria nao pode ser suprimida. ( . .. ) A
luta encontra-se em toda parte e por vezes afirma-se tanto
mais quanto menos percebida ou quando adota no seu trans-
curso a forma de urna
ornisso cmoda
ou de urna complacencia
ilusria ou enfim quando se exerce sob a capa da
seleco ,
A
paz significa apenas um deslocamento das formas, dos adversrios
ou do objeto da luta, ou finalmente das chances de
seleco, ~
evidente que nada se pode dizer em geral sobre se essas mudancas __
podem sustentar a prova de um julgamento de valor tico ou de
qualquer outro tipo. Urna coisa no entanto segura: quando se
decide
avaliar
urna
ordenaco
das relaces sociai s de qualquer
natureza preciso examinar sempre e sem
exceces a que tipo
de pessoas
ela oferece as maiores chances de tornare m-se
domi
nantes
pela via da
seleco
externa ou interna (entendendo-se
interna como referente aos motivos da aco). Pois, alm do
mais, nao s o exame emprico jamais realmente exaustivo
como tambm inexiste a base fatual para urna
avaliaco
que
pretenda ter urna validade conscientemente subjetiva ou objetiva.
Gostara
de recordar isso pelo menos
queles
numerosos colegas
que
crem
na possibilidade de operar com concei tos unvocos
baseados na idia de progresso no tratamento de desenvolvi-
mentos sociais .
Assinale-se, de passagem, que no texto sobre o Estado na-
cional e a poltica econmica aparece um bom exemplo da
df erenca radical entre a perspectiva analtica de Weber e a de
seu contemporneo
Durkheim
que nunca recuou diante do
recurso as analogas biolgicas. Essa diferenca refere-se a relaco
entre o processo de diferenciaco interna e integraco da sociedade
e a luta pela existencia em seu interior. Para Weber, que invoca
essa questo no contexto de urna defesa da autonoma do Estado
nacional no confronto com outros, essa luta pelo controle das
suas prprias condices de existencia nao desaparece mas apenas
as sume outras formas, e, segundo ele, cabe indagar se essas formas
Durkheim. Org. por
Jos
Albertino Rodrigues,
V.
1 desta
coleco. N.
da Ed.)
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devem ser encaradas como urna suavizaco ou mais propriamente
como urna interiorizaco e agucamento da luta . At na escolha
dos termos isso soa como se fosse urna resposta a Durkheirn,
que via na diferenciaco social e sobretudo na diviso do trabalho
urna forma de suavizaco da luta pela vida . E que, diversa-
mente de Durkheim, Weber o analista por excelencia do conflito,
do confronto de interesses e valores inconciliveis, da dominaco
e do poder.
No texto selecionado, a luta pela existencia que ocorre no
confronto entre alemes e poloneses, nas fronteiras da Prssia,
analisada contra o pano de fundo da luta pela direco da socie-
dade alem como um todo, da qual a organizaco do Estado e
a poltica econmica sao expresses. E da discusso disso que
Weber extrai a sua tese central, de que o poder econmico e a
vocaco para a direco poltica nacional nem sempre coincidem ,
com base na qual condena o domnio poltico dos estamentos
agrrios, ao mesmo tempo que aponta a falta de rnaturidade da
burguesia alem - e dos trabalhadores - para substitu-los. u>
Merece tambm atenco nesse texto o modo pelo qual Weber
conduz a anlise dos dados empricos, Nele transparece tanto a
sua Iormaco prvia de historiador habituado a manejar vasta
documentaco quanto a sua experiencia de pesquisa propriamente
sociolgica, devida sua participaco em minuciosos levanta-
mentas sobre a situaco agrria na Alemanha, realizadas no
perodo de 1892-1894. Digno de nota o desembarace no manejo
dos dados estatsticos, incluindo o modo como determinados
dados sao usados como indicadores de condices para os quais
nao h informaces diretas disponveis. Nessa etapa da sua ati-
vidade cientfica Weber dedicou-se intensamente
pesquisa
social emprica, trabalhando com diversas fontes de dados e com
questes tambrn variadas, que iam das condices agrrias
organizaco do trabalho industrial, passando por urna pesquisa
planejada e nao realizada sobre a imprensa, para a qual ele previa
urna anlise de jornais, em termos daquilo que atualmente se
designaria por anlise de contedo .
Finalmente, es se texto deve ser lido com atenco no seu
tratamento do tema, tao importante para Weber, da relaco entre
juzos de valor e conhecimento cientfico. Nele, bem mais clara-
9
mente do que nos trabal has anteriores, fica explcita a posico de
que a adeso a determinados valores (ticos, estticos ou de
qualquer natureza) sempre est envolvida na seleco de um tema
para anlise, ainda que esta necessariamente seja despojada de
valoraces no seu desenvolvimento interno. Aponta-se especial-
mente que noces como cultura e naco sao conceitos de
valor, que orientam a pesquisa e nao podem ser neutralizadas ou
eliminadas corno simples prejuzos. Igualmente fica marcada a
posico destacada que dirnenso poltica - vale dizer, relativa
luta pelo poder -- ocuparia sempre no pensamento weberiano.
Da a sua nfase, nesse texto, sobre a Economia entendida como
ciencia da poltica econmica nacional , subordinada aos inte-
resses de poder nacionais.
Isso nao significa, cIaro, que a Economia perca a sua
autonomia corno ciencia e corno dirnenso particular da atividade
humana. O que se est defendendo a autonomia da dirnenso
poltica, em parte para exorcizar a idia de que ela seja determi-
nada pela Economa, sobretudo no sentido mais extremo que
Weber atribui a essa idia, de que o exame das condices da
atividade econmica permitira deduzir de alguma forma as
condices corresponden tes da atividade polt ica . Deve-se distinguir
claramente, no entanto, entre a ciencia econmica no sentido es-
trito do termo, como disciplina preocupada com o uso mais
adequado de meios especficos para a obtenco de fins tambm
especficos num contexto de escassez, da poltica propriamente
dita, que envolve decises baseadas em valores fundamentais e
inquestionados. Enquanto economista no sentido estrito do termo,
o cientista deve abster-se de qualquer juzo de valor na sua anlise,
precisamente porque enquanto cientista nao lhe cabe reivindicar
urn carter imperativo para as suas concluses.
Isso anuncia um dos grandes temas weberianos, que seria
retomado nos seus ltimos trabalhos, as conferencias sobre Cien-
cia como vocaco e Poltica como vocaco , Trata-se da
distinco muito enftica que ele prope entre a postura correta
do cientista, para quem s lcito reconstruir os fatos considera-
dos signi ficativos e analis-los conforme as exigencias universais
do mtodo cientfico e a do homem de
aco
voltado para as
questes prticas, que deve tomar decises impulsionadas por
interesses que entraro em choque com interesses alheios e que
tm por fundamento ltimo certos valores que igualmente colidem
-
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l
com outros. Enfim, o domnio das questes relativas ao ser
radicalmente diverso daquele do
dever ser
E a distinco nao
feita para desacreditar os imperativos para a
aco
em nome de
algum ascetismo cientfico, mas precisamente para preserv-los de
consideraces que lhes sao alheias e que nao captam o seu real
alcance. Weber formulou essa idia em numerosas ocasies e, de
maneira especialmente enftica, numa intervenco pblica feita
alguns anos aps a publicaco do texto sobre o Estado nacional.
Nessa oportunidade e le diz ia:
razo pela qual em todas as ocasies eu argumento tao
enfaticamente e tal vez polemicamente contra a fuso entre o
ser e o dever ser nao reside em que eu subestime as questes
relativas ao dever ser , mas, pelo contrrio, em que eu nao posso
suportar quando problemas da mais alta importancia, do maior
alcance intelectual e espiritual sejam transformados aqui em
questes de urna produtividade tcnico-econmica e sejam con-
vertidas em tpico de discusso de urna disciplina tcnica como
a Economia .
Essa ordem de problemas remete ao texto seguinte do pre-
sente volume, dedicado
questo da objetividade do conhecimento
nas ciencias sociais. Nesse texto fundamental, publicado em 1904
como deinico programtica da revista Arquivo para a Ciencia
Social e a Polt ica Social de cuja direco Weber participava, os
principais temas da sua concepco de metodologia da ciencia
social e das relaces entre conhecimento cientfico e prtica sao
minuciosamente expostos. Alguns desses temas sero examinados
mais adiante, mas convm situar desde lago o texto e expor
algumas das formulaces da sua parte introdutria, que nao
reproduzida no presente volume.
O ponto de referencia inicial adotado por Weber o da
Economia, embora na segunda parte do texto, reproduzido aqu,
vrios problemas metodolgicos sejam tratados com referencia
Historiografia. Esse ponto de partida revela-se oportuno por dois
motivos. Primeiro que na ciencia econmica se concentravam os
partidrios da concepco que Weber se prope combater, qual
seja a de que a Economia Poltica pode e
deve
produzir juzos
de valor a partir de urna viso do mundo de carter econmico .
Contra isso vai-se argumentar que, como ciencia emprica, a
Economia nunca poder ter como tarefa a descoberta de normas
e ideais de carter imperativo das quais se pudessem deduzir
algumas receitas para a prtica . Em seguida, e como a citaco
anterior j sugere, a Economia entra como suporte para uma cr-
tica qu o que Weber chama de concepco econmica da
Histria . Finalmente, a Economia, dentre as ciencias humanas,
a que mais diretamente se dedica ao tema da relaco entre meios
e fins, que interessa de perto a Weber, na medida ern que consti-
tuir um dos fios condutores da sua argumentaco, Qualquer
an lise reflexiva dos e lementos ltimos da
aco
significativa huma-
na est em princpio ligada as categorias de fim e meio , escreve
ele. E boa parte do seu esforco ser no sentido de definir o
domnio da ciencia emprica como o dos meios, e nao o dos fins.
Vale 9izer: a ciencia nao pode propor fins a aco prtica. Pode,
isso sim, ministrar elementos para a avaliaco da conveniencia
de certos meios propostos para se atingirern fins dados. Pode,
ainda, assinalar as conseqncias que adviriam da consecuco de
certos fins pelos meios propostos, dando urna estimativa do que
dever ser sacrificado para se atingir o objetivo da forma proposta.
Finalmente pode ministrar ao agente o conhecimento dos prprios
valores envolvidos no objetivo procurado. Em suma, urna ciencia
emprica nao est apta a ensinar a ningum aquilo que deve , mas
sim, apenas aquilo que pode e - em certas circunstancias _
aquilo que quer fazer .
Weber combate resolutamente a idia de que a Ciencia possa
engendrar concepces do mundo de validade universal, fundadas
no sentido objetivo do decurso histrico. Esse sentido objetivo
nao existe e por isso mesmo nao existe uma ciencia social livre de
pressupostos valorativos. O que existe a luta constante, que
extravasa o domnio da Ciencia, pela
atribuico
prtica de um
sentido ao mundo e pela sua sustentaco diante das alternativas
concretamente existentes.
destino de urna poca que comeu da rvore do conhecimento
consiste em ter de saber que nao podemos colher o
sentido
do
decurso do mundo do resultado da sua investigaco por mais
completo que ele seja, mas ternos que estar aptos a cri-los ns
prprios, que vises do mundo jamais podem ser produto da
marcha do conhecimento
emprico
e que, portanto, os ideais mais
elevados, que mais fortemente nos comovem, somente atuam no
combate eterno com outros ideais que sao tao sagrados para
out r os quanto os nossos para ns.
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Cumpre portanto distinguir com o mximo rigor entre os
enunciados que exprimem um conhecimento emprico e os que
exprimem juzos de valor . Mas o que se est condenando a
coniuso
entre essas duas ordens heterogneas de idias, e de
modo algum a tomada de partido pelos prprios ideais. Weber
nao est empenhado em absoluto na defesa de urna postura indi-
ferente ou amorfa perante o mundo, nem tampouco na busca de
compromissos entre valores inconciliveis. A
carencia de con
viccoes
e a objetividade cientf ica nao
tm
qualquer afinidade
interna , escreve ele .
No entanto fcil perceber que a idia da objetividade
do conhecimento continua sendo problemtica para Weber, tanto
assim que ele sempre usa o termo entre aspas. que, como o
texto tambm mostra, mio possvel para ele entender-se essa
objetividade no seu sentido convencional, de respeito sempres-
supostos as caractersticas dadas do objeto (tal como o faria
Durkheim, por exemplo). O objeto do conhecimento social nao
se
mp
a anlise, como
dado, mas constitudo nela prpria,
atravs dos procedimentos metdicos do pesquisador. Nao se pode
presumir que a realidade social emprica tomada como um todo
tenh a urna ordem interna e leis gerais capazes de impor a qualquer
pesquisador a simples busca da fidelidade a ela. A tarefa do
conhecimento. cientfico consiste na ordenaco racional da reali-
dade emprica . Ou seja: nao se trata de reproduzir em idias
urna ordem objetiva j dada, mas de atribuir urna ordem a aspectos
selecionados daquilo que se apresenta a experiencia como urna
multiplicidade infinita de fenmenos. claro que isso envolve
urna postura ativa do pesquisador, que nao concebido como um
metdico registrador de dados , mas tampouco
mero veculo
para a introduco de tais ou quais vises do mundo nos resul-
tados da pesquisa.
Da toda a discusso por Weber da questo da referencia
a valores no conhecimento cientfico e sua crtica a idia de urna
ciencia social isenta de pressupostos, mas tambm a sua nase
em que a validade do conhecimento obtido se mede pelo confronto
com o real e nao com quaisquer valores ou vises do mundo.
O texto seguinte trata da
contribuicode
Weber que, ao lado
dos seu s estudos sobre Sociologia da Religio, mais fundamente
marcou o desenvolvimento posterior das ciencias sociais: a sua
construco dos tres tipos puros de dorninaco legtima. O tema
amplamente examinado na obra tnxima de Weber, Economa
e sociedade mas o texto utilizado nao foi incorporado original-
mente nessa obra. Trata de urna publicaco feita em 1920 e
provavelmente redigida no mesmo perodo em que foi elaborado
o manuscrito de Economa e sociedade entre 1911 e 1913. Como
se trata de urna exposico sistemtica e sinttica, includa nesse
volume para assegurar a presenca nele desse tema fundamental,
podemos passar diretamente para o texto seguinte.
O texto sobre religio e racionalidade econmica urna
montagem de excertos das concluses de dois dos trabalhos de
Weber sobre a tica econmica das religies mundiais : os
estudos sobre hindusmo e budismo e sobre confucionismo e
taosmo, isto , sobre as religies da India e da China. Trata-se
de anlise bastante abrangente, que nao se limita ao mbito das
religies asiticas mas retoma, numa sntese, os grandes temas da
Sociologia da Religio de Weber. Representam a sua obra de plena
maturidade e foram redigidos durante a Primeira Guerra Mundial,
entre 1916 e 1917, logo aps a sua dispensa do servico militar.
O efeito dos trabalhos sobre Sociologia da Religio de Weber
nos debates cientficos foi enorme. O impacto inicial, cujas
reverberaces sentimos at hoje, foi dado
em 1905, com a
publicaco do seu clebre estudo sobre a tica protestante e o
esprito do capitalismo . Nele Weber procurava demonstrar a exis-
tencia de urna ntima afinidade entre a idia protestante de voca-
co e a contenco do impulso irracional para o lucro atravs da
atividade metdica e racional, em busca do xito econmico
representado pela empresa. Por essa via, apresentava-se a idia
de que um determinado tipo de orientaco da conduta na esfera
religiosa - a tica protestante - poderia ser encarado ql
urna causa do desenvolvimento da conduta racional em moldes
capitalistas na esfera econmica.
Nao es se o lugar para expor o contedo dessa obra, nem a
interminvel polmica que ela desencadeou. O prprio Weber,
respondendo a um dos seus primeiros crticos, procurou explicitar
a problemtica que o preocupava ao escrev-la. Afirmava ele
nessa ocasio que estava, e provavelmente estaria (como efe-
tivamente ocorreu) )reocupado com o estudo de aspectos da
moderna conduta da vida e seu significado prtico para a Econo-
mia , especialmente no que dizia respeito ao desenvolvimento
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urna regulaco prtico-racionalista da conduta da vida . E, aps
mencionar que
a gnese do esprito capitalista no meu sentido do termo pode
ser pensada como a passagern do romantismo das aventuras
econmicas para a conduta racional da vida econmica ,
assinala que, no seu entender,
parece haver uma espcie de afinidade entre certos princpios
conceituais importantes para a regulaco racional da conduta e
o modo de pensar protestante .
E a existencia dessa afinidade interna que o trabalho de
Weber procura demonstrar. Essa demonstraco, contudo, visa ter
o carter de urna explicaco causal, verdade que nao exaustiva,
visto que, conforme a perspectiva de Weber, nao urna seqn-
cia causal nica e abrangente na Histria e toda a causa apontada
para um determinado fenmeno ser urna entre mltiplas outras
possveis e igualmente acessveis ao conhecimento cientfico.
Levantar a idia de que a tica protestante possa ser encarada
como um componente causal significativo para o desenvolvimento
do capitalismo moderno entendido como tipo de orientaco da
aco econmica) implica sustentar que, na hiptese da sua ausen-
cia, o capitalismo nao existiria na forma como o conhecemos. A
contrapartida lgica disso a hiptese de que, sempre que a tica
religiosa de sociedades historicamente dadas tenha caractersticas
significativamente diversas da protestante, isso deveria representar
um empecilho ao desenvolvimento de urna orientaco da conduta
econmica anloga capitalista racional. No caso europeu veri-
ficava-se urna afinidade interna entre a orientaco da conduta
nas esferas religiosa e econmica, na medida em que ambas
ensejavam um
dominio r cion l
sobre os impulsos irracionais e
sobre o mundo, mas tambm pode haver urna
tenso
entre os
sentidos das aces nessas duas esferas da existencia. Os estudos
que Weber dedicou
tica econmica das religies mundiais -
hindusmo, budismo, judasmo antigo e, como projeto inacabado,
o islamismo - em boa medida estavam voltados para a explora-
co desse campo de indagaces, como o texto aqui reproduzido
demonstra.
A anlise das relaces entre protestantismo e capitalismo
foi interpretada por numerosos comentaristas como urna ten-
tativa de refutaco do materialismo histrico, na medida em que
5
Weber estaria preocupado com inverter a ordem causal e demons-
trar que fatores espirituais seriam mais importantes do que os
materiais na anlise histrico-social. Isso totalmente equivo-
cado .e realmente nao faz justica
sofis ticaco do pensamento
webenano e ao de Marx). H, sem dvida, aqui como em outros
pontos da obra de Weber, um intuito polmico com relaco ao
materialismo histrico, mas ele incide sobre outro ponto. E que
Weber estava preocupado com refutar a idia de urna determi-
naco das diversas esferas da vida social pela econmica, mas
nao com o recurso primrio de urna mera inverso do problema.
Ao fazer isso, desenvolveu urna concepco que desempenha
papel de extrema importancia no seu esquema analtico: a de
que, no processo que percorrem, as diversas esferas da existen-
cia - a econmica, a religiosa, a jurdica, a artstica e assim por
di ante - sao autnomas entre si, no sentido de que se articulam
~m cada momento e ao longo do tempo conforme
sua lgica
interna especfica, sua legalidade prpria , para usar o termo
weberiano. Assim, nao possvel encontrar a explicaco do
desenvolvimento de urna del as em termos do desenvolvimento de
qualquer outra. O mximo que se pode fazer - e nos estudos
sobre Sociologia da Religio que Weber faz isso mais claramente _
buscar as afinidades e as tenses no modo como a orienta-
c;ao da conduta de vida ou seja, da aco cotidiana de agentes
individuais) se
em esferas diferentes. Por essa via pode-se
encontrar, ou nao, urna congruencia entre os sentidos que os
homens imprimem
sua aC;ao em diferentes esferas da sua exis-
tencia e expor essas descobertas a um tratamento causal.
As questes levantadas nos comentrios aos textos selecio-
nados conduzem-nos, neste ponto, ao prprio esquema analtico
de Weber.
Weber definiu-se como socilogo numa etapa j bastante
avancada da sua carreira. E, muito caracteristicamente, o fez
numa atitude crtica em face das tendencias dominantes da Socio-
logia. Em 1920, j no final da sua vida, ele escrevia, numa carta
ao economista Robert Liefmann, que
se agora sou socilogo ento essencialmente para por um fim
nesse neg6cio de trabalhar com conceitos coletivos. Em outras
palavras: tambm a Sociologia somente pode ser implementada
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tomando-se como ponto de partida a aco do indivduo ou de
um nmero maior ou menor de indivduos, portanto de modo
estr itamente individualis ta quanto ao mtodo .
. .Por conseguinte o objeto de anlise sociolgica nao pode ser
definido como a ~ociedade, ou o grupo social, ou mediante qual-
quer out ro conceito com referencia coletiva. No entanto claro
que a, ~ociologia trata de fenmenos coletivos, cuja existencia nao
ocorrena a Weber negar. O que ele sustenta que o ponto de
~ar i1a
da anlise sociolgica s pode ser dado pela aco de
indivfduos e que ela individuali sta
quanto ao mtodo
Isso
inteiramente coerente com a posico sempre sustentada por ele,
de que no estudo dos fenmenos sociais nao se pode presumir a
existencia j dada de estruturas sociais dotadas de um sentido
ntrnseco; vale dizer, em termos sociolgicos, de um sentido
independente daqueles que os indivduos imprimem as su as aces.
Ao propor esse caminho como o nico vlido para a Socio-
logia e ao dispor-se a explicitar sistematicamente os fundamentos
da anlise sociolgica assim concebida, Weber defrontou-se com
urna tarefa formidvel. que, na ausencia dos atalhos oferecidos
pela referencia direta a entidades coletivas, ele necessita ir cons-
truindo passo
passo um esquema coerente e internamente
consis.tente que permita ao socilogo operar com seguranca com
co~celtos como por exemplo o de Estado, sem atribuir a essa
entidade qualquer realidade substantiva fora das aces concretas
dos indivduos pertinentes. E isso que ele busca fazer, sobretudo
ern
Ifc_onomia e s~ciedade
Passemos ento a uma reconstruco
sumana dos conceitos fundamentais envolvidos nessa obra e da
articulaco entre eles. Cumpre portanto examinar, unicamente
quanto ao papel que desempenham no esquema analtico webe-
riano, a seguinte seqncia conceitual: aco social, sentido, com-
preens~o, ~gente individual , tipo ideal, relaco social, legit imaco
~, dOI?m.a~ao. Quanto ao mais, ser suficiente recorrer ao que
.fOI dito antes,. nos comentrios aos textos selecionados, para
satisfazer aos obviamente limitados propsitos dessa exposico,
Para Weber a Sociologia urna ciencia voltada para a
com~ree~sao interpretativa da aco social e, por essa via, para a
explicaco causal dela no seu transcurso e nos seus efeitos . A
co social mencionada nessa definico uma modalidad e
espec fica de a~~o, ou seja, de conduta a qual o prprio agente
aSSOCIa um sentido.
aquel a aco orientada significativamente
pelo agente conforme a conduta de outros e que transcorre em
consonancia com isso. Para que isso se tome inteligvel, no en-
tanto, preciso ver o que Weber entende por sentido . E nesse
ponto ele nao ajuda muito, pelo menos nas suas formulaces
iniciais sobre o tema. que ele est mais preocupado com
enfatizar que o sentido a que ele se refere aquele subjetivamente
visado
pelo agente e nao qualquer sentido objetivamente correto
da aco ou algum sentido metafisicamente definido como verda-
deiro do que com definir o conceito. Interessa, enfim, aquele
sentido que se manifesta em aces concretas e que envolve um
motivo
sustentado pelo agente como fundamento da sua aco.
Mas em nenhum ponto se encontrar urna definico de sentido ,
como alis tambm ocorre com o conceito de compreenso .
Nesse ponto O raciocnio de Weber parece ser circular: sentido
o que se compreende e compreenso captaco do sentido.
Apesar disso j temos elementos para avancar se considerar-
mos o conceito de motivo , que permite estabelecer uma ponte
entre sentido e compreenso. Do ponto de vista do agente, o
motivo
o
fundamento
da aco; para o socilogo, cuja tarefa
compreender essa aco, a reconstruco do motivo fundamental,
porque, da sua perspectiva, ele figura' como a
causa
da aco.
Numerosas distinces podem ser estabelecidas aqui, e Weber 'real-
mente o faz. No entanto, apenas interessa assinalar que, quando
se fala de sentido na sua acepco mais importante para a anlise,
nao se est cogitando da gnese da aco mas sim daquilo para o
que ela aponta, para o objetivo visado nela; para o seu fim, em
suma.
Isso sugere que o sentido tem muito a ver com o modo como
se encadeia o processo de aco, tomando-se a aco efetiva dotada
de sentido como um meio para alcancar um fim, justamente
aquele subjetivamente visado(pelo agente). Convm salientar que a
aco social nao um ato isolado mas um processo, no qual se
percorre uma seqncia definida de elos significativos (admi tindo-
-se que nao haja interferencia alguma de elementos nao pertinentes
aco em tela, o que jamais ocorre na experiencia emprica e s
pensvel em termos tpico-ideais). Basta pensar em qualquer
aco
social (por exemplo, despachar uma carta) para visualizar
isso. Os elementos desse processo articulam-se naquilo que Weber
chama de cadeia motivacional : cada ato parcial realizado no
processo opera como fundamento do ato seguinte, at completar-se
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7/24/2019 WEBER. Intro [Cohn]
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a seqncia. Em nome do que podemos ento falar de um
processo de aco que nao se esfacela em mltiplos atos isolados?
Aqui atingimos um ponto em que possvel um melhor entendi-
mento do papel desempenhado pelo conceito de sentido em Weber.
Ao tratar das categoras fundamentais da vida econmica , em
Economa e sociedade Weber comenta que todos os processos
e objetos econmicos adquirem o seu cunho econmico atravs
do sentido que a aco humana Ihe d como objetivo meio
obstculo, conseqncia acessria , mas que isso nao significa qu~
se trate de fenmenos psquicos . O que ocorre que essas
entidades econmicas trn um sentido visado de natureza parti-
cular e que semente esse sentido constitui a unidade dos processos
em questo e os torna compreensveis . Esta ltima formulaco
fundamental: o
sentido
responsvel pela
unidade dos processos
de aedo
e atravs dessa que os torna
compreensiveis
Ou seja:
somente atravs do sentido que podemos apreender os nexos
entre os diversos elos significativos de um processo particular de
c o e reconstruir esse processo como uma unidade que nao se
desfaz numa poeira de atos isolados. Realizar isso precisamente
compreender
o sentido da
co
Por outro lado, essa formulaco tambm permite frisar que
a cornpreenso nada tern a ver com qualquer forma de i ntuico
nem se reduz a captaco imediata de vivencias, mas somente
possvel atravs da reconstruco do encadeamento significativo
do processo de aco. Finalmente, fica tambm enfatizado que a
referencia a cornpreenso do sen tido subjetivamente v isado nada
tem a ver com processos psicolgicos que ocorram no agente, visto
que o que se compreende nao o agente mas o
sentido
da sua
aco. Por isso mesmo Weber formula a exigencia de que o recurso
a compreenso se de mediante um distanc iamento do pesquisa-
dor em relaco ao seu objeto e nunca atravs de algum procedi-
mento de identificaco emptica com o agente em questo.
Cumpre agora examinar o papel do conceito de agente
nesse esquema. Por que Weber enfatiza tanto que a aco sempre
de agentes individuais, quando ele pretende fazer anlise socio-
lgica e de modo algum psicolgica? Pelo que j vimos antes, a
primeira resposta imediata: porque o agente individual a nica
entidade capaz de conferir sentido as aces. Mas h outro ponto,
da maior importancia. J foi assinalado, no comentrio sobre a
Sociologia da Religio de Weber, a importancia que ele d a
9
autonomia interna das diferentes esferas da existencia humana -
ou, mais precisamente, da a~ao social orientada por sentidos
part iculares, como o caso da a~ao econmica citada acima. A
importancia fundamental da referencia ao
agente individual
nesse
ponto, consiste em que ele
a nica entidade em que os sentidos
especficos dessas diferentes esferas da acao estiio simultaneamente
presentes e podem entrar em cantata Ou seja, se as diversas
esferas da existencia correm paralelas, movidas pelas suas legali-
dades pr6prias e se est afastada a idia de alguma delas ser
objetiva e efetivamente determinante em relaco as demais, a
anlise das relaces entre el as (ou melhor, entre seus sentidos)
s6 possvel com referencia a essa entidade que as sustenta pela
sua a
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regularidades de conduta quanto do fato de que elas
carter
coletivo, no sentido de que mltiplos indivduos agem significati-
vamente de maneira anloga. O conceito que permite essa passa-
gem um desdobramento do de aco social: o de relaco
social , que se refere
conduta de mltiplos agentes que se
orientam reciprocamente em conformidade com um contedo
especifico do prprio sentido das suas
aces.
A diferenca entre
aco social e relaco social importante: na primeira a
conduta do agente est orientada significativamente pela
conduta
de outro ou outros), ao passo que na segunda a conduta de cada
qual entre mltiplos agentes envolvidos que tanto podem ser
apenas dois e em presenca direta quanto um grande nmero e sem
con tato di reto entre si no momento da aco) orienta-se por um
contedo de sentido
reciprocamente compartilhado. Assim, um
aperto de mo urna aco social, porque a conduta de cada parti-
cipante orientada significativamente pela conduta de outro; j a
amizade urna relaco social, porque envolve um contedo de
sentido capaz de orientar regularmente a aco de cada indivduo
em relaco a mltiplos outros possveis e que portanto se mani-
festa sempre que as aces correspondentes sao realizadas por
isso mesmo podemos designar esse contedo de sentido pelo
termo genrico amizade ). Claro que a amizade, como qualquer
relaco social, nao existe seno quando se traduz em condutas
efetivas. E, como nao garantia prvia de que isso se de, a
ocorrncia de qualquer relaco social s pode ser pensada em
termos de
probabilidade
que ser maior ou menor conforme o
grau de aceitaco do contedo do sentido da aco pelos seus
participantes.
Neste ponto torna-se importante a consideraco por um tipo
especfico de relaco social: aquel a cujo contedo de sentido
incorporado pelos agentes como urna regra orientadora da sua
conduta na medida em que aceito como legtimo Nesse caso,
o contedo de sentido assim aceito assume a forma de
validaciio
de urna
ordem
que pode ser convencional ou jurdica) legtima.
O importante nesse conceito de ordem legtima que ele
permite operar com conceitos de referencia coletiva, como Es-
tado, Igreja e assim por di ante, sem correr o risco de atribuir a
essas entidades urna realidade substantiva fora das aces efetivas
dos agentes, visto que s elas lhes o vigencia. Consideremos, a
ttulo de ilustraco, um caso particularmente expressivo disso:
podemos falar de urna ordem econmica , em termos dos con-
tedos de sentido das relaces sociai s referentes ao mercado ou
de urna ordem social , relativa aos contedos de sentido das
relaces sociais referentes a urna concepco de
honra
e a um
estilo
de vida dos agentes; ou ainda de urna ordem poltica , relativa
aos contedos de sentido referentes apropriaco e luta pelo
poder
Se, por outro lado, considerarmos os agentes sociais em
termos da sua participaco nas relaces sociais corresponden tes a
cada urna dessas orden s, teremos condices para definir tres
conceitos fundamentais de referencia coletiva, novamente sem atri-
buir as entidades em questo qualquer existencia fora das aces
efetivas que lhes do vigencia. Os conceitos em questo sao os
de classe relativo a ordem econmica; estamento relativo
ordem social, e partido relativo a ordem pol tica.
Convm, finalmente, enfatizar a importancia da referencia
feita a legitimactio pelos agentes como fundamento da persistencia
sempre apenas provvel) de determinadas linhas de aco. ~ que
possvel sustentar que a persistencia de linhas de aco funda-
mentalmente concebida no esquema weberiano em termos da
operaco efetiva de processos de
dominaciio
ou seja, de processos
que envolvem a capacidade de certos agentes obterem obediencia
para seu s mandatos), dos quais a legitimaco contrapartida.
Nao se trata, portanto, de urna continuidade decorrente do fun-
cionamento de um sistema social j dado, nem do exerccio de
um consenso geral, mas de urna persistencia problemtica que
envolve o confronto de interesses e a possibilidade sempre pre-
sente de ruptura por abandono, pelos dominados, da crenca na
legitimidade dos mandatos. Em relaco a isso Weber tem algumas
de suas contribuices mais importantes, sobretudo quando analisa
a tendencia, em qualquer tipo de dominaco, para o aparecimento
de um quadro administrativo encarregado de implementar o
cumprimento e a aceitaco como legtima da vontade dos domi-
nantes, e examina a dinmica das relaces entre dominantes,
quadro administrativo e dominados.
Munidos dessa sumria reconstruco das grandes linhas do
esquema anal tico de Weber,
tempo de irmos aos prprios textos.
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ibliografia
A presente bibliografia arrola exclusivamente textos de e sobre
Max Weber publicados no Brasil em forma de livro, ten do em vista
que importa sobretudo o fcil acesso a eles e que o leitor interessado
encontrar neles os meios para compor urna bibliografia mais ampla.
Um rpido comentrio procura dar as informaces bsicas sobre cada
texto.
ibliograa de Weber
I di
tica protestante e o esprito do capitalismo.
Trad. de Maria Irene
de Q.
Szmrecsnyi e Tams J. M.
Szmrecsnyi. Sao Paulo,
Livraria Pioneira Editora, 1967. A nica das obras fundamentais
de Weber disponvel, na ntegra, em edco brasileira.
Ensaios de Sociologia.
Organizaco e urna importante Introduco por
Hans Gerth e C. Wright Milis. Trad. de Waltensir Dutra com
reviso tcnica de Fernando Henrique Cardoso. l. ed. 3. ed.
1977.) Rio, Zahar, 1971. Excelente seleco de textos. Leitura
indispensvel, junto com a obra citada acima, para quem busca
um contato bsico com a obra de Weber. Com a presente cole-
tnea, d um panorama bastante amplo da produco weberiana.
Ciencia e Poltica: duas vocaces.
Trad. de Lenidas Hegenberg, com
Introduco de Manoel Tosta Berlinck. 2. ed. Sao Paulo, Cultrix,
1972. Dois textos importantes, tambm disponveis na coletnea
de Gerth e Milis.
Histria geral da Economia. Trad. de Calgeras Pajuaba. Sao Paulo,
Mestre Jou, 1968. Pssima edico de um trabalho pouco repre-
sentativo de Weber, cuja edico original, pstuma, foi promovida
por dois ex-alunos dele, com base em anotaces de um curso seu
sobre Histria Econmica geral,
Max Weber.
Seleco de Maurcio Tragtenberg. Sao Paulo, Abril Cultu-
ral, 1974. Col. Os Pensadores , v. XXXVII). Inclui importante
I :
estudo sobre Parlamentarismo e governo numa Alemanha recons-
truda , publicado originalmente em maio de 1918, ao lado de
out ros textos facilmente acessveis em outras edices, Mas o texto
sobre a Alemanha, que se prope fazer urna crtica poltica do
funcionalismo e da poltica partidria p. 7-91), justifica o livro.
ibliografia sobre Weber
COHN, Gabriel. Crtica e resignaco - Estudo sobre o pensamento
de Max Weber e a sua compreensiio, Sao Paulo, T. A. Queiroz
Editor, 1979. Desenvolve em profundidade a interpretaco de
Weber proposta na introduco ao presente volume.
org.) Sociologia: para ler os clssicos. Sao Paulo, Livros Tc-
nicos e Cientficos, 1977. Tres textos dessa coletnea tratam de
Weber: JASPERS, Karl. Mtodo e viso do mundo em Max Weber
p. 121-35); FLElscHMANN, Eugene. W eber e Nietzsche p.
136-85) e ASCHCRAFT, Richard. A anlise do liberalismo em
Marx e Weber p. 186-239).
DIAS, Fernando Coreeia. Presenca de Max Weber na sociologia brasi-
leira contempornea.
Revista de dministr co de Empresas.
FGV, v. 14, n. 4, 1974.
FERNANDES, Florestan. Fundamentos empiricos da explicaco sociol-
gica. Sao Paulo, Livros Tcnicos e Cientficos, 1978. l. ed. Sao
Paulo, Companhia Editora Nacional, 1959). A seco dedicada a
Weber parte 11, V) constitui um exame sinttico muito rico de
aspectos fundamentais da metodologia weberiana.
FREUND, Julien. Sociologa de Mux Weber. Rio, Forense, 1970. Expo-
sico convencional mas til da obra de Weber.
GIDDENS, Anthony. O
capitalismo e
t
eoria social moderna.
Rio,
Tempo Brasileiro, 1978. Analisa a obra de Weber juntamente com
as de Durkheim e de Marx. O autor
profundo conhecedor de
Weber.
HiRANO, Sedi,
Castas, estamentos classes sociais.
Sao Paulo, Alfa-
-Omega, 1974. Examina o tema com base cm Weber e Marx.
Sistemtico e bem informado.
HIRST, Paul Q.
Evoluco social e categorias sociolgicas.
Rio, Zahar ,
1977. A segunda parte p. 51-138) dedicada a um exarne crtico
do pensamento de Weber, de urna perspectiva marxista.
-
7/24/2019 WEBER. Intro [Cohn]
15/15
o
IANNI, Octavio org.). Teor ias de est ra ti fi caciio socia l 3. ed. Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1978. IncIui dois textos importantes
de Weber:
conceito de casta p. 136-63) e Feudalismo e
estado estamental p. 186-238).
t
1
MAcRAE, Donald G. As idias de Max Weber 1. ed. Sao Paulo, Cultrix,
1977. Mais interessante pelo que apresenta sobre a figura de
Weber e a sua poca do que pela exposico das suas idias.
MOYA, Carlos.
Imagem crt ica da Socio loga
So Paulo, Cultrix, 1975.
O captulo dedicado a Weber p. 76-94) de muito bom nvel,
como de resto o todo o livro.
RODRIGUES, Jos Honrio. Capitalismo e protestantismo. In:
ria e historiograjia
Petrpolis, Vozes, 1971. p. 231-59.
Hist
TRAGTENBERG, Maurcio. Burocracia e ideologia So Paulo, Ed. tica,
1974 Col. Ensaios, 9). Todo o captulo IV p. 108-85) desse livro
trata de Max Weber, e o captulo A crise da consciencia liberal
alern p. 93-107) tambm tem interesse para o tema.
Finalmente, dois artigos importantes sobre a incorporaco de Max
Weber pelas Ciencias Sociais no Brasil: um de levantamento siste-
mtico e outro de relevo pelo seu carter pioneiro, publicado
originalmente em 1946.
T X T O S
W R
Seleco e Organizaco: Gabriel Cohn
Traduco: Amlia Cohn e Gabriel Cohn