Winnicott, d.w. - o Brincar e a Realidade
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5/21/2018 Winnicott, d.w. - o Brincar e a Realidade
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D.W.WINNICOTT
O Brincar &
a RealidadeColeo Psicologia Psicanaltica
Direo de Titulo original:Plaving and Reality.Traduzido da primeira edio inglesa publicada .
em 1971 por Tavistock Publications Ltd.,11 Ncw Fetter Lane, London EC 4.Copirraite (E) 1971 de D. W. Winnicott.
Editorao
Coordenador:PEDRO PAULO DE SENA MADUREIRA
Traduo:JOSE OCTVIO DE AGUIAR ABREU e VANEDE NOBRE
Reviso:FRANCISCO DE ASSIS PEREIRACapa:LEON ALGAMIS
1975
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Direitos para a lngua portuguesa adquiridos por
IMAGO EDITORA LTDA.,Av. N. Sra. de Copacabana 330, 109 andar, tel.: 255-2715, Rio de Janeiro,
que se reserva a propriedade desta traduo.
Impresso no .BrasilPrinted in Brazil
JAYME SALOMO
Membro-Associado daSociedade Brasileira de Psicanlise doRio de Janeiro. Membro da Associao Psiquitrica do Rio de
Janeiro. Membro da Sociedade de Psicoterapia Analtica deGrupo do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro
IMAGO EDITORA LTDA.
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SumrioAGRADECIMENTOS...................................................................................... 5
INTRODUO............................................................................................... 6
OBJETOS TRANSICIONAIS E FENMENOS TRANSICIONAIS....................... 10
SONHAR, FANTASIAR E VIVER ................................................................... 48
O BRINCAR (Uma Exposio Terica) ........................................................ 65
O BRINCAR (A Atividade Criativa e a Busca do Self).................................. 88A CRIATIVIDADE E SUAS ORIGENS ........................................................... 108
O USO DE UM OBJETO E RELACIONAMENTO
ATRAVS DE IDENTIFICAES ................................................................. 139
A LOCALIZAO DA EXPERINCIA CULTURAL ......................................... 152
O LUGAR EM QUE VIVEMOS.................................................................... 165
O PAPEL DE ESPELHO DA ME E-DA, FAMILIA NO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL .................................................................................................. 175
INTER-RELACIONAR-SE INDEPENDENTEMENTE DO IMPULSO INSTINTUAL E
EM FUNO DE IDENTIFICAES CRUZADAS ......................................... 187
CONCEITOS CONTEMPORNEOS DE DESENVOLVIMENTO ADOLESCENTE ESUAS IMPLICAES PARA A EDUCAO SUPERIOR'............................... 219
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 239
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AGRADECIMENTOS
Quero agradecer Sra. Joyce Coles por sua ajuda na preparao do
original.
Devo muito tambm a Masud Khan por suas crticas construtivas
de meus trabalhos e por estar sempre (assim me parece) disponvel
quando uma sugesto prtica se faz necessria.
Na dedicatria, j expressei minha gratido a meus pacientes.
Por sua permisso para reproduzir matrias que j apareceram
impressas, meus agradecimentos aos Redatores-Chefes de Child
Psychology and Psychiatry,deFortim,do International Journal of Psycho-Analysis,dePediatrics,da International Library of Psycho-Analysis; ao Dr.
Peter Lomas e aHogarth Press Ltd.,Londres.
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INTRODUO
Este livro constitui um desenvolvimento de meu artigo 'Objetos
Transicionais e Fenmenos Transicionais' (1951). Em primeiro lugar,
desejo reenunciar a hiptese bsica, ainda que isso acarrete uma
repetio. Depois, quero apresentar desenvolvimentos posteriores,
efetuados em meu prprio pensar e em minha avaliao do materialclnico. Quando volto o olhar para a ltima dcada, fico cada vez mais
impressionado pela maneira como essa rea de conceptualizao tem
sido negligenciada no s na conversao analtica que est sempre se
efetuando entre os prprios analistas, mas tambm na literatura
especializada. Essa rea de desenvolvimento e experincia individuais
parece ter sido desprezada, enquanto a ateno se focalizava na realidade
psquica, pessoal e interna, e sua relao com a realidade externa ou
compartilhada. A experincia cultural no encontrou seu verdadeiro lugar
na teoria utilizada pelos analistas em seu trabalho e em seu pensar.
Naturalmente, possvel ver que aquilo que pode ser descrito
como uma rea intermediria encontrou reconhecimento na obra dos
filsofos. Na teologia, assume forma, especial na eterna controvrsiasobre a transubstanciao, aparecendo em plena fora na obra
caracterstica dos chamados poetas metafsicos (Donne e outros). Minha
prpria abordagem deriva de meu estudo sobre bebs e crianas, e, ao
considerar a posio desses fenmenos na vida da criana, h que
reconhecer a posio central de Winnie the Pooh*; alegremente
*Personagens de histrias para crianas muito populares; do primeiro, criado por A.A.
Milne, nada foi publicado no Brasil, ao que consta. J os segundos experimentam
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acrescento uma referncia aos desenhos de Peanuts, de Schulz. Um
fenmeno que universal, como o que estou considerando neste livro,
no pode, na realidade, estar fora do campo daqueles cujo interesse a
magia do viver imaginativo e criador.
Coube a mim ser um psicanalista que, talvez por ter sido pediatra,
sentiu a importncia desse fator universal nas vidas dos bebs e das
crianas, e que quis integrar sua observao com a teoria cujo processo
de desenvolvimento ocupao que toma todo o nosso tempo.
hoje geralmente reconhecido, acredito, que aquilo a que me
refiro nesta parte de meu trabalho no o pano nem o ursinho que obeb usa; no tanto o objeto usado quanto o uso do objeto. Chamo a
ateno para o paradoxo envolvido no uso que o beb d quilo que
chamei de objeto transicional. Minha contribuio solicitar que o
paradoxo seja aceito, tolerado e respeitado, e no que seja resolvido. Pela
fuga para o funcionamento em nvel puramente intelectual, possvel
solucion-lo, mas o preo disso a perda do valor do prprio paradoxo.
Esse paradoxo, uma vez aceito e tolerado, possui valor para todo
indivduo humano que no esteja apenas vivo e a viver neste mundo, mas
que tambm seja capaz de ser infinitamente enriquecido pela explorao
do vnculo cultural com o passado e com o futuro. essa ampliao do
tema bsico que me interessa neste livro.
Ao escrever este livro sobre a questo dos fenmenos
transicionais, descobri-me continuando a relutar em fornecer exemplos.
Minha relutncia tem a ver com o motivo que dei no artigo original, ou
seja, que os exemplos podem comear a fixar espcimes e iniciar um
atualmente uma onda de popularidade no mundo inteiro, e no Brasil, alm deaparecerem em jornais e revistas, vm tendo suas histrias publicadas tambm em livro(N. do T.).
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processo de classificao de tipo antinatural e arbitrrio, ao passo que
aquilo a que me refiro universal e de variedade infinita. Trata-se de algo
bastante semelhante descrio do rosto humano quando o
descrevemos em funo do formato, dos olhos, do nariz e das orelhas;
ainda assim, porm, permanece o fato de no existirem dois rostosexatamente iguais, e o de muito poucos serem, mesmo, semelhantes.
Dois rostos podem ser semelhantes quando em repouso, mas, to logo se
animam, tornam-se diferentes. Entretanto, e apesar de minha relutncia,
no desejo desprezar completamente esse tipo de contribuio.
Como esses temas pertencem aos estdios primitivos do
desenvolvimento de cada ser humano, existe um campo clnico aberto,
espera de investigao. Exemplo disso seria o estudo feito por Olive
Stevenson (1954), levado a cabo quando ela estudava assistncia infantil
(child care) na Escola de Economia de Londres. Fui informado pelo Dr.
Bastiaans de que, na Holanda, tornou-se prtica rotineira dos estudantes
de medicina incluir a investigao dos objetos e fenmenos transicionais,
quando tomam nota das histrias clnicas de crianas relatadas pelos pais.
Os fatos podem ensinar.
Naturalmente, os fatos que podem ser conseguidos precisam ser
interpretados e, para se fazer uso pleno das informaes fornecidas ou
das observaes efetuadas diretamente sobre o comportamento dos
bebs, eles tm que ser posicionados em relao a uma teoria. Dessamaneira, os mesmos fatos podem parecer ter determinado significado
para certo observador e um significado diferente para outro. No
obstante, trata-se de um campo promissor para a observao direta e a
investigao indireta e, de tempos em tempos, um estudante ser levado,
pelos resultados de suas indagaes nesse campo restrito, a reconhecer a
complexidade e a significncia dos estdios primitivos da relao de
objeto e da formao de smbolos.
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Tenho conhecimento de certa investigao formal sobre esses
temas e desejo convidar o leitor a ficar atento para publicaes oriundas
dessa direo. A Professora Renata Gaddini, de Roma, est elaborando
um estudo dos fenmenos transicionais, utilizando trs grupos sociais
distintos, e j comeou a formular idias baseadas em suas observaes.Encontro valor no emprego que a Professora Gaddini d idia de
precursores, de maneira a poder incluir na totalidade do tema os
exemplos bastante primitivos de sugar o punho, o dedo, o polegar e a
lngua, e todas as complicaes que cercam o uso de um simulacro ou
chupeta. Ela tambm inclui o tema do embalo, tanto o movimento rtmico
do corpo da criana quanto o embalo prprio dos beros e do acalantohumano. Puxar os cabelos configura um fenmeno afim.
Outra tentativa de trabalhar sobre a idia de objeto transicional
chega-nos de Joseph C. Solomon, de San Francisco, cujo artigo 'A Idia
Fixa como um Objeto Transicional Internalizado' (1962) introduziu um
novo conceito. No estou certo de at onde concordo com o Dr. Solomon,
mas o importante que, com uma teoria de fenmenos transicionais
disponvel, muitos problemas antigos podem ser encarados sob novo
ngulo.
Minhas prprias contribuies neste livro devem ser relacionadas
ao fato de no me encontrar hoje em posio de fazer as observaes
clnicas diretas de bebs que, na verdade, constituram a base principal detudo o que erigi em teoria. Contudo, ainda estou em contacto com as
descries que os pais podem fornecer de suas experincias com os filhos,
caso saibamos proporcionar-lhes oportunidade de recordar sua prpria
maneira e ocasio. Tambm estou em contacto com as referncias das
prprias crianas a seus prprios objetos e tcnicas significantes.
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OBJETOS TRANSICIONAIS EFENMENOS TRANSICIONAIS
Neste captulo, forneo a hiptese original, tal como formulada em
1951, e, depois, acompanho-a com dois exemplos clnicos.
I - HIPTESE ORIGINAL1
sabido que os bebs, assim que nascem, tendem a usar o punho,
os dedos e os polegares em estimulao da zona ergena oral, para
satisfao dos instintos dessa zona, e tambm em tranqila unio.
igualmente sabido que, aps alguns meses, bebs de ambos os sexospassam a gostar de brincar com bonecas e que a maioria das mes
permite a seus bebs algum objeto especial, esperando que eles se
tornem, por assim dizer, apegados a tais objetos.
Existe um relacionamento entre esses dois conjuntos de
fenmenos que so separados por um intervalo de tempo, e um estudo
do desenvolvimento do primeiro para o ltimo pode ser lucrativo e
utilizar importante material clnico que tem sido tanto negligenciado.
1Publicado no International Journal of Psycho-Analysis, Vol. 34, Parte 2 (1953), e em
D.W. Winncott, Collected Papers: Through Paediatrics to Psycho-Analysis (1958a),Londres, Tavstock Publcations.
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A PRIMEIRA POSSESSO
Aqueles aos quais acontece estar em contacto ntimo com os
interesses e problemas das mes j se tero dado conta dos padres
bastante abundantes, normalmente apresentados por bebs em seu usoda primeira possesso que seja 'no-eu'. Esses padres, uma vez
apresentados, podem ser submetidos observao direta.
Pode-se encontrar ampla variao numa seqncia de eventos que
comea com as primeiras atividades do punho na boca do beb recm-
nascido e que acaba por conduzir a uma ligao a um ursinho, uma
boneca ou brinquedo macio, ou a um brinquedo duro.
claro que algo mais importante aqui, alm da excitao e da
satisfao orais, embora estas possam ser a base detodo o resto. Muitas outras coisas importantes podem ser
estudadas, tais como:
1. A natureza do objeto.
2. A capacidade do beb de reconhecer o objeto como 'no-eu'.
3. A localizao do objeto fora, dentro, na fronteira.
4. A capacidade do beb de criar, imaginar, inventar, originar,produzir um objeto.
5. O incio de um tipo afetuoso de relao de objeto.
Introduzi os termos 'objetos transicionais' e 'fenmenos
transicionais' para designar a rea intermediria de experincia, entre o
polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relao de
objeto, entre a atividade criativa primria e a projeo do que j foi
introjetado, entre o desconhecimento primrio de dvida e oreconhecimento desta (Diga: "bigado" ').
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Por essa definio, o balbucio de um beb e o modo como uma
criana mais velha entoa um repertrio de canes e melodias enquanto
se prepara para dormir, incidem na rea intermediria enquanto
fenmenos transicionais, juntamente com o uso que dado a objetos que
no fazem parte do corpo do beb, embora ainda no sejam plenamentereconhecidos como pertencentes realidade externa.
Inadequao do Enunciado Costumeiro da Natureza Humana
geralmente reconhecido que um enunciado da natureza humana
em termos de relacionamentos interpessoais no suficientemente bom,
mesmo quando so levadas em conta a elaborao imaginativa de funo
e a totalidade da fantasia, tanto 14 consciente quanto inconsciente,
inclusive o inconsciente reprimido. Existe outra maneira de descrever
pessoas, oriunda de pesquisas realizadas nas duas ltimas dcadas. De
todo indivduo que chegou ao estdio de ser uma unidade, com uma
membrana limitadora e um exterior e um interior, pode-se dizer que
existe uma realidadeinternapara esse indivduo, um mundo interno quepode ser rico ou pobre, estar em paz ou em guerra. Isso ajuda; mas
suficiente?
Minha reivindicao a de que, se existe necessidade desse
enunciado duplo, h tambm a de um triplo: a terceira parte da vida de
um ser humano, parte que no podemos ignorar, constitui uma reaintermediria de experimentao, para a qual contribuem tanto a
realidade interna quanto a vida externa. Trata-se de uma rea que no
disputada, porque nenhuma reivindicao feita em seu nome, exceto
que ela exista como lugar de repouso para o indivduo empenhado na
perptua tarefa humana de manter as realidades interna e externa
separadas, ainda que inter-relacionadas.
costume fazer referncia ao 'teste da realidade' e efetuar uma
distino clara entre apercepo e percepo. Reivindico aqui um estado
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intermedirio entre a inabilidade de um beb e sua crescente habilidade
em reconhecer e aceitar a realidade. Estou, portanto, estudando a
substncia da iluso, aquilo que permitido ao beb e que, na vida
adulta, inerente arte e religio, mas que se torna marca distintiva de
loucura quando um adulto exige demais da credulidade dos outros,forando-os a compartilharem de uma iluso que no prpria deles.
Podemos compartilhar do respeito pela experincia ilusria, e, se
quisermos, reunir e formar um grupo com base na similaridade de nossas
experincias ilusrias. Essa uma raiz natural do agrupamento entre os
seres humanos.
Espero que se entenda que no me refiro exatamente ao ursinho
da criana pequena ou ao primeiro uso que o beb d a seu punho
(polegar, dedos). No estou estudando especificamente o primeiro objeto
das relaes de objeto. Estou interessado na primeira possesso e na rea
intermediria entre o subjetivo e aquilo que objetivamente percebido.
Desenvolvimento de um Padro Pessoal
Existem muitas referncias na literatura psicanaltica ao progresso
da 'mo na boca' para a 'mo no genital', mas talvez existam menos ao
progresso posterior para o manuseio de objetos verdadeiramente 'no-
eu'. Mais cedo ou mais tarde, no desenvolvimento de um beb, surge por
parte dele uma tendncia a entremear objetos 'diferentes-de-mim' nopadro pessoal. At certo ponto, esses objetos representam o seio, mas
no especialmente esse ponto que est em debate.
No caso de certos bebs, o polegar colocado na boca, enquanto
se faz com que os dedos acariciem o rosto por movimentos de pronao e
supinao do antebrao. A boca acha-se ento ativa em relao ao
polegar, mas no em relao aos dedos. Os dedos que acariciam o lbiosuperior ou alguma parte, podem ser ou tornar-se mais importantes do
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que o polegar que ocupa a boca. Alm disso, essa atividade acariciante
pode ser encontrada sozinha, sem a unio mais direta polegar-boca.
Na experincia normal, uma das seguintes possibilidades acontece,
complicando uma experincia auto-ertica como a de sugar o polegar:1. com a outra mo, o beb leva um objeto externo (uma
parte do lenol ou do cobertor, digamos) boca,juntamente com os dedos, ou
2. de uma maneira ou outra, o pedao de tecido segurado echupado, ou no concretamente chupado; os objetos
naturalmente usados incluem babadores e(posteriormente) lenos, dependendo do que estejapronta e seguramente disponvel, ou
3. o beb comea, desde os primeiros meses, a colher l, areuni-la e a us-la para a parte acariciante da atividade;menos comumente, a l engolida, ainda que causandoproblemas, ou
4. movimentos bucais acompanhados por sons de'mammum', balbucios, rudos anais, as primeiras notasmusicais, e assim por diante.
Pode-se supor que pensar, ou fantasiar, se vincule a essas
experincias funcionais.
Tudo isso estou chamando de fenmenos transicionais. De tudo
isso, tambm (se estudarmos qualquer beb), pode surgir alguma coisa ou
algum fenmeno talvez uma bola de l, a ponta de um cobertor ou
edredo, uma palavra ou uma melodia, ou um maneirismo que, para o
beb, se torna vitalmente importante para seu uso no momento de ir
dormir, constituindo urna defesa contra a ansiedade, especialmente a
ansiedade de tipo depressivo. Talvez um objeto macio, ou outro tipo de
objeto, tenha sido encontrado e usado pelo beb, tornando-se ento
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aquilo que estou chamando de objeto transicional. Esse objeto continua
sendo importante. Os pais vm a saber de seu valor e levam-no consigo
quando viajam. A me permite que fique sujo e at mesmo mal-cheiroso,
sabendo que, se lav-lo, introduzir uma ruptura de continuidade na
experincia do beb, ruptura que pode destruir o significado e o valor doobjeto para ele.
Sugiro que o padro dos fenmenos transicionais comea a surgir
por volta dos quatro e seis aos oito e doze meses de idade.
Intencionalmente, deixei campo para amplas variaes.
Os padres estabelecidos na tenra infncia podem persistir nainfncia propriamente dita, de modo que o objeto macio original continua
a ser absolutamente necessrio na hora de dormir, em momentos de
solido, ou quando um humor depressivo ameaa manifestar-se. Na
sade, contudo, d-se uma ampliao gradual do mbito de interesses e,
por fim, esse mbito ampliado mantido, mesmo quando a ansiedade
depressiva se aproxima. A necessidade de um objeto especfico ou de umpadro de comportamento que comeou em data muito primitiva pode
reaparecer numa idade posterior, quando a privao ameaa.
Essa primeira possesso usada em conjuno com tcnicas
especiais, derivadas da infncia muito primitiva, as quais podem incluir as
atividades auto-erticas mais diretas, ou existir isoladamente delas:
Gradativamente, na vida do beb, ursinhos, bonecas e brinquedos duros
so adquiridos. Os meninos, at certo ponto, tendem a passar a usar
objetos duros, ao passo que as meninas se inclinam a progredir em
seguida para a aquisio de uma famlia. importante notar, contudo,
queno h diferena digna de nota entre menino e menina em seu uso da
possesso original 'no-eu',que estou chamando de objeto transicional.
medida que o beb comea a usar sons organizados ('mum', 'ta',
'da'), pode surgir uma 'palavra' para designar o objeto transicional. O
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nome dado pelo beb a esses primeiros objetos freqentemente
significativo e em geral apresenta uma palavra empregada pelos adultos,
parcialmente incorporada a ele. Por exemplo, 'b' pode ser o nome e o 'b'
pode provir do emprego que os adultos fazem da palavra 'beb'(baby)ou
'urso'(bear).
Devo mencionar que, s vezes, no h objeto transicional,
exceo da prpria me, ou, ento, um beb pode ser to perturbado em
seu desenvolvimento emocional, que o estado de transio no pode ser
frudo, ou, ainda, a seqncia dos objetos usados rompida. A seqncia,
no obstante, pode manter-se s ocultas.
Resumo das Qualidades Especiais na Relao
1. O beb assume direitos sobre o objeto e concordamos comesse assumir. No obstante, uma certa ab-rogao daonipotncia desde o incio constitui uma dascaractersticas.
2. O objeto afetuosamente acariciado, bem comoexcitadamente amado e mutilado.
3. Ele nunca deve mudar, a menos que seja mudado pelobeb.
4. Deve sobreviver ao amar instintual, ao odiar tambm e
agressividade pura, se esta for uma caracterstica.
5. Contudo, deve parecer ao beb que lhe d calor, ou que semove, ou que possui textura, ou, que faz algo que pareamostrar que tem vitalidade ou realidade prprias.
6. Ele oriundo do exterior, segundo nosso ponto de vista,mas no o , segundo o ponto de vista do beb. Tampouco
provm de dentro; no uma alucinao.
7. Seu destino permitir que seja gradativamente
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descatexizado, de maneira que, com o curso dos anos, setorne no tanto esquecido, mas relegado ao limbo. Comisso quero dizer que, na sade, o objeto transicional no'vai para dentro'; tampouco o sentimento a seu respeitonecessariamente sofre represso. No esquecido e no
pranteado. Perde o significado, e isso se deve ao fato deque os fenmenos transicionais se tornaram difusos, seespalharam por todo o territrio intermedirio entre a'realidade psquica interna' e 'o mundo externo, tal comopercebido por duas pessoas em comum', isto , por todo ocampo cultural.
Nesse ponto, meu tema se amplia para o do brincar, dacriatividade e apreciao artsticas, do sentimento religioso, do sonhar, e
tambm do fetichismo, do mentir e do furtar, a origem e a perda do
sentimento afetuoso, o vcio em drogas, o talism dos rituais obsessivos,
etc.
Relao do Objeto Transicional com o Simbolismo
verdade que a ponta do cobertor (ou o que quer que seja)
simblica de algum objeto parcial, tal como o seio. No entanto, o
importante no tanto seu valor simblico, mas sua realidade. O fato de
ele no ser o seio (ou a me), embora real, to importante quanto o fato
de representar o seio (ou a me).
Quando o simbolismo empregado, o beb j est claramente
distinguindo entre fantasia e fato, entre objetos internos e objetos
externos, entre criatividade primria e percepo. Mas o termo objeto
transicional, segundo minha sugesto, abre campo ao processo de tornar-
se capaz de aceitar diferena e similaridade. Creio que h uso para um
termo que designe a raiz do simbolismo no tempo, um termo quedescreva a jornada do beb desde o puramente subjetivo at a
objetividade, e parece-me que o objeto transicional (ponta do cobertor,
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etc.) o que percebemos dessa jornada de progresso no sentido da
experimentao.
Seria possvel compreender -o objeto transicional, embora sem
compreender plenamente a natureza do simbolismo. Parece que osimbolismo s pode ser corretamente estudado no processo do
crescimento de um indivduo, e que possui, na melhor das hipteses, um
significado varivel. Se considerarmos, por exemplo, a hstia da Sagrada
Comunho, simblica do corpo de Cristo, penso que tenho razo se disser
que, para a comunidade catlico-romana, ela o corpo e, para a
comunidade protestante, trata-se de um substituto, de algo evocativo,
no sendo essencialmente, de fato, realmente o prprio corpo. Em ambos
os casos, porm, trata-se de um smbolo.
DESCRIO CLNICA DE UM OBJETO TRANSICIONAL
Para qualquer pessoa que esteja em contacto com pais e filhos,
existe uma quantidade e uma variedade infinitas de material clnicoilustrativo. As ilustraes que se seguem so fornecidas simplesmente
para recordar aos leitores materiais semelhantes em suas prprias
experincias.
Dois Irmos: Contraste no Uso Primitivo das Possesses
Deformao no uso do objeto transicional.X,hoje um homem
sadio, teve de abrir fora seu caminho para a maturidade. A
me 'aprendera a ser me' em seu trato de X quando este era
beb, e conseguira evitar cometer certos equvocos com as
outras crianas devido ao que aprendera com ele. Existiam
tambm motivos externos para explicar por que ela estava
ansiosa na poca de seu trato bastante solitrio de X,quando
este nascera. Levara sua tarefa de me muito a srio e o
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alimentara ao seio durante sete meses. Achava que, no caso
dele, isso fora demais, e X tinha sido muito difcil de
desmamar. Nunca chupara o polegar ou os dedos e, quando o
desmamara, 'ele no teve nada para o que se voltar'. Nunca
tivera mamadeiras, chupetas ou qualquer outra forma dealimentao. Tiverauma ligaomuito forte e precocea ela
prpria, como pessoa, e era de sua pessoa real que ele
necessitava.
A partir dos 12 meses,Xadotou um coelho que acariciava, e
sua estima afetuosa pelo coelho acabou por se transferir para
coelhos reais. Esse coelho especfico durou atXcontar cinco
ou seis anos de idade. Poderia ser descrito como um
confortador, mas nunca possura a verdadeira qualidade de
um objeto transicional. Nunca fora, como um verdadeiro
objeto transicional teria sido, mais importante do que a me,
uma parte quase inseparvel do beb. No caso especfico
desse menino, os tipos de ansiedade, que chegaram ao auge
devido ao desmame aos sete meses, produziram
posteriormente asma, que s aos poucos ele superou. Foi-lhe
importante ter encontrado emprego bastante longe da
cidade natal. Sua ligao me ainda muito forte, embora
ele caiba na definio ampla do termo normal ou sadio. Esse
homem no se casou.
Uso tpico do objeto transicional.O irmo mais moo de X,Y,
desenvolveu-se de maneira bastante direta. Tem hoje trs
filhos saudveis. Foi alimentado ao seio durante quatro
meses e, depois, desmamado sem dificuldade. Y chupou o
polegar nas primeiras semanas e isso, mais uma vez, 'tornou
o desmame mais fcil para ele do que para o irmo mais
velho'. Pouco depois do desmame, com cinco a seis meses,
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adotou a ponta de um cobertor, onde a costura termina.
Ficava contente com que um pedacinho de l sobressasse ao
canto, com o qual fazia ccegas no nariz. O cobertor muito
cedo tornou-se o seu 'Baa'; ele mesmo inventou essa palavra
para o cobertor (blanket), assim que pde usar sonsorganizados. A partir da poca em que contava um ano de
idade, pde substituir a ponta do cobertor por um macio
jrsei verde, com um lao vermelho. No se tratava de um
'confortador', como no caso do depressivo irmo mais velho,
mas de um 'acalmados'. Constitua um sedativo que sempre
funcionava. Trata-se de um exemplo tpico do que estouchamando deobjeto transicional.Quando Y era bem menino,
era sempre certo que, se algum lhe desse seu 'Baa', ele
imediatamente o chupava e perdia a ansiedade, e, de fato,
caa no sono em poucos minutos, se a hora de dormir se
aproximava. Sugar o polegar continuou ao mesmo tempo,
durando at ele ter trs ou quatro anos de idade, e ele se
lembra desse sugar e de um ponto duro num dos polegares,
que resultou disso. Hoje, mostra-se interessado (como um
pai) no sugar o polegar pelos filhos e no uso que estes fazem
de 'Baas'.
Polegar Objeto Transicional Tipo de crianaX Menino O Me Coelho (confortador) Fixado na meY Menino + 'Baa' Jrsei (acalmador) Livre
G-meos
Menina O Chupeta Burro (amigo)Maturidadetardia
Menino O 'Ee' Ee (protetor) Psicopata latente
Filhosde Y Menina O 'Baa'
Cobertor
(tranqilizador)
Desenvolvendo-
se bem
Menina + Polegar Polegar (satisfao)Desenvolvendo-se bem
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A histria de sete crianas comuns nessa famlia apresenta os
seguintes pontos, dispostos para comparao no quadro seguinte:
Valor da Anotao da Histria
Na consulta com um genitor, freqentemente valioso obter
informaes sobre as primeiras tcnicas e possesses de todas as crianas
da famlia. Isso faz a me iniciar uma comparao dos filhos uns com os
outros, e permite-lhe recordar e comparar as caractersticas deles emtenra idade.
A Contribuio da Criana
Com freqncia, pode-se obter de uma criana informaes a
respeito de objetos transicionais. Por exemplo:
Angus (onze anos e nove meses de idade) contou-me que seu
irmo 'tinha toneladas de ursinhos e coisas' e que 'antes
disso, tivera ursos pequenos'; a essa informao seguiu-se
uma conversa sobre sua prpria histria. Contou que nunca
tivera ursinhos. Havia um cordo com campainha que pendia,
com uma bola na extremidade, na qual ele ficava batendo atdormir. Ao final, provavelmente ela caiu, e esse foi seu fim.
Havia, contudo, algo mais, sobre o que se mostrava muito
tmido. Tratava-se de um coelho cor de prpura, de olhos
vermelhos. 'Eu no gostava dele. Costumava jog-lo fora. Ele
agora de Jeremy; dei para ele. Dei para Jeremy porque era
2Nota acrescentada: Isso no se mostrava claro, mas deixei tal como estava. D.W.W.,
1971.
Menino + 'Mimis'Objetos(classificao)2
Desenvolvendo-se bem
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muito travesso.Vivia caindoda cmoda.Ele ainda me visita.
Gosto que ele me visite'.Surpreendeu-se quando desenhou o
coelho cor de prpura.
Note-se que esse menino de onze anos de idade, com sentido derealidade normal para sua idade, falou como se lhe faltasse esse sentido
ao descrever as qualidades e as atividades do objeto transicional.
Posteriormente, quando vi a me, ela mostrou surpresa por Angus ainda
se lembrar do coelho cor de prpura, e reconheceu-o com facilidade no
desenho colorido.
Pronta Disponibilidade de Exemplos
Abstenho-me deliberadamente de fornecer aqui mais material
clnico, particularmente porque no desejo dar a impresso de que o que
estou relatando coisa rara. Praticamente em toda histria clnica pode-
se encontrar algo interessante nos fenmenos transicionais, ou na
ausncia deles.
ESTUDO TERICO
H alguns comentrios que podem ser feitos com base na teoria
psicanaltica aceita:
1. O objeto transicional representa o seio, ou o objeto daprimeira relao.
2. O objeto transicional precede o teste da realidadeestabelecido.
3. 3. Na relao com o objeto transicional, o beb passa docontrole onipotente (mgico) para o controle pela
manipulao (envolvendo o erotismo muscular e o prazerde coordenao).
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4. O objeto transicional pode acabar por se transformar numobjeto de fetiche e assim persistir como uma caractersticada vida sexual adulta. (Ver o desenvolvimento do tema porWulff, 1946.)
5. O objeto transicional pode, devido organizao anal-ertica, representar fezes (mas no por esse motivo quepode tornar-se mal-cheiroso e no ser lavado).
Relao com o Objeto Interno (Klein)
interessante comparar o conceito de objeto transicional com o
conceito de objeto interno, de Melanie Kein (1934). O objeto transicionalno um objeto interno(que um conceito mental) uma possesso.
Tampouco (para o beb) um objeto externo.
O seguinte e complexo enunciado tem de ser efetuado. O beb
pode usar um objeto transicional quando o objeto interno est vivo, e
real e suficientemente bom (no muito persecutrio). Mas esse objeto
interno depende, quanto a suas qualidades, da existncia, vitalidade e
comportamento do objeto externo. O fracasso deste em alguma funo
essencial leva indiretamente morte, ou a uma qualidade persecutria do
objeto.3 Aps a persistncia da inadequao do objeto externo, o objeto
interno deixa de ter sentido para o beb, e ento e somente ento o
objeto transicional tambm fica sem sentido. O objeto transicional pode,
portanto, representar o seio 'externo', mas indiretamente, por ser
representante de um seio 'interno'.
O objeto transicional jamais est sob controle mgico, como o
objeto interno, nem tampouco fora de controle, como a me real.
3Texto aqui modificado, embora baseado no enunciado original.
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Iluso-Desiluso
A fim de preparar o terreno para minha prpria contribuio
positiva a esse assunto, tenho de pr em palavras algumas das coisas que
acho que so facilmente tomadas como evidentes em muitos trabalhos
psicanalticos sobre o desenvolvimento emocional infantil, embora
possam ser compreendidas na prtica.
No h possibilidade alguma de um beb progredir do princpio de
prazer para o princpio de realidade ou no sentido, e para alm dela, da
identificao primria (ver Freud, 1923), a menos que exista uma me
suficientemente boa. A 'me' suficientemente boa (no necessariamentea prpria me do beb) aquela que efetua uma adaptao ativa s
necessidades do beb, uma adaptao que diminui gradativamente,
segundo a crescente capacidade deste em aquilatar o fracasso da
adaptao e em tolerar os resultados da frustrao. Naturalmente, a
prpria me do beb tem mais probabilidade de ser suficientemente boa
do que alguma outra pessoa, j que essa adaptao ativa exige umapreocupao fcil e sem ressentimentos com determinado beb; na
verdade, o xito no cuidado infantil depende da devoo, e no de "jeito"
ou esclarecimento intelectual.
A me suficientemente boa, Como afirmei, comea com uma
adaptao quase completa s necessidades de seu beb, e, medida que
o tempo passa, adapta-se cada vez menos completamente, de modo
gradativo, segundo a crescente capacidade do beb em lidar com o
fracasso dela.
Os meios de que o beb dispe para lidar com esse fracasso
materno incluem os seguintes:
1. A experincia do beb, quase sempre repetida, de que hum limite temporal para a frustrao. A princpio,naturalmente, esse limite deve ser curto.
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2. Crescente sentido de processo.
3. Os primrdios da atividade mental.
4. Emprego de satisfaes auto-erticas.
5. Recordar, reviver, fantasiar, sonhar; o integrar de passado,presente e futuro.
Se tudo corre bem, o beb pode, na realidade, vir a lucrar com a
experincia da frustrao, j que a adaptao incompleta necessidade
torna reais os objetos, o que equivale a dizer, to odiados quanto amados.
A conseqncia disso que, se tudo corre bem, o beb pode ser
perturbado por uma adaptao estrita necessidade que continuada
durante muito tempo, sem que lhe seja permitida sua diminuio natural,
de uma vez que a adaptao exata se assemelha magia, e o objeto que
se comporta perfeitamente no se torna melhor do que uma alucinao.
No obstante,de sada, a adaptao precisa ser quase exata e, a
menos que assim seja, no possvel ao beb comear a desenvolver acapacidade de experimentar uma relao com a realidade externa ou
mesmo formar uma concepo dessa realidade.
A Iluso e o Valor da Iluso
A me, no comeo, atravs de uma adaptao quase completa,
propicia ao beb a oportunidade para ailusode que o seio dela faz parte
do beb, de que est, por assim dizer, sob o controle mgico do bebe. O
mesmo se pode dizer em funo do cuidado infantil em geral, nos
momentos tranqilos entre as excitaes. A onipotncia quase um fato
da experincia. A tarefa final da me consiste em desiludir
gradativamente o beb, mas sem esperana de sucesso, a menos que, a
princpio, tenha podido propiciar oportunidades suficientes para a iluso.
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Em outra linguagem, o seio criado pelo beb repetidas vezes,
pela capacidade que tem de amar ou (pode-se dizer) pela necessidade.
Desenvolve-se nele um fenmeno subjetivo, que chamamos de seio da
me4. A me coloca o seio real exatamente onde o beb est pronto para
cri-lo, e no momento exato.
Desde o nascimento, portanto, o ser humano est envolvido com o
problema da relao entre aquilo que objetivamente percebido e aquilo
que subjetivamente concebido e, na soluo desse problema, no existe
sade para o ser humano que no tenha sido iniciado suficientemente
bem pela me. A rea intermediria a que me refiro a rea que
concedida ao beb, entre a criatividade primria e a percepo objetiva
baseada no teste da realidade. Os fenmenos transicionais representam
os primeiros estdios do uso da iluso, sem os quais no existe, para o ser
humano, significado na idia de uma relao com. um objeto que por
outros percebido como externo a esse ser.
A idia ilustrada na figura 1 a seguinte: em algum ponto terico,no comeo do desenvolvimento de todo indivduo humano, um beb, em
determinado ambiente proporcionado pela me, capaz de conceber a
idia de algo que atenderia crescente necessidade que se origina da
tenso instintual. No se pode dizer que o beb saiba, de sada, o que
deve ser criado. Nesse ponto do tempo, a me se apresenta. Da maneira
comum, ela d o seio e seu impulso potencial de alimentar. A adaptaoda me s necessidades do beb, quando suficientemente boa, d a este
a iluso de que existe urna realidade externa correspondente sua
prpria capacidade de criar. Em outras palavras, ocorre uma sobreposio
entre o que a me supre e o que a criana poderia conceber. Para
4 Incluo toda a tcnica da maternagem. Quando se diz que o primeiro objeto o seio, apalavra 'seio' utilizada, acredito, para representar tanto a tcnica da maternagemquanto o seio fsico. No impossvel, para uma me, ser suficientemente boa ( minhamaneira de express-lo) com uma mamadeira para a alimentao real.
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observador, a criana percebe aquilo que a me realmente apresenta,
mas essa no toda a verdade. O beb percebe o seio apenas na medida
em que um seio poderia ser criado exatamente ali e naquele ento. No
h intercmbio entre a me e o beb. Psicologicamente, o beb recebe de
um seio que faz parte dele e a me d leite a um beb que parte delamesma. Em psicologia, a idia de intercmbio baseia-se numa iluso do
psiclogo.
Na figura 2, d-se uma forma rea da iluso, para ilustrar o que
considero a principal funo do objeto transicional e dos fenmenos
transicionais. O objeto transicional e os fenmenos transicionais iniciam
todos os seres humanos com o que sempre ser importante para eles, isto
, uma rea neutra de experincia que no ser contestada. Do objeto
transicional, pode-se dizer que se trata de uma questo de concordncia,
entre ns e o beb, de que nunca formulemos a pergunta: 'Voc concebeu
isso ou lhe foi apresentado a partir do exterior?' O importante que no
se espere deciso alguma sobre esse ponto. A pergunta no para serformulada.
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Esse problema, que sem dvida interessa ao beb humano, no
incio, de maneira oculta, torna-se gradativamente um problema evidente
devido ao fato de que a principal tarefa da me (aps propiciar
oportunidade para a iluso) a desiluso. Esta preliminar tarefa do
desmame e tambm continua sendo uma das misses dos pais e doseducadores. Em outras palavras, a questo da iluso assunto que
concerne inerentemente aos seres humanos e que nenhum- indivduo
soluciona de modo final para si mesmo, ainda, que uma compreenso
tericadele possa permitir uma soluoterica.Se tudo corre bem nesse
processo gradativo de desiluso, o palco est pronto para as frustraes
que reunimos sob a palavra desmame; deve-se lembrar, porm, que,quando falamos sobre os fenmenos (que Klein [1940] esclareceu
especificamente em seu conceito sobre posio depressiva) que se
renem em, torno do desmame, estamos presumindo o processo
subjacente, o processo atravs do qual propiciada a oportunidade para
a iluso e a desiluso gradativa. Se a iluso-desiluso se extravia, o beb
no consegue chegar a uma coisa to normal quanto o desmame, nem a
uma reao ao desmame; ento, torna-se absurdo referir-se a este de
algum modo. O simples trmino da alimentao ao seio no constitui
desmame.
Podemos perceber a extraordinria significao do desmame no
caso da criana normal. Quando assistimos complexa reao que
colocada em andamento em determinada criana pelo processo dodesmame, sabemos que isso pode, realizar-se nessa criana porque o
processo de iluso-desiluso est sendo levado a cabo to bem, que
podemos ignor-lo enquanto se examina o desmame real.
Desenvolvimento da Teoria da Iluso-Desiluso
Presume-se aqui que a tarefa de aceitao da realidade nunca
completada, que nenhum ser humano est livre da tenso de relacionar a
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realidade interna e externa, e que o alvio dessa tenso proporcionado
por uma rea intermediria de experincia (cf. Riviere, 1936) que no
contestada (artes, religio, etc). Essa rea intermediria est em
continuidade direta com a rea do brincar da criana pequena que se
"perde" no brincar.
Na tenra infncia, essa rea intermediria necessria para o
incio de um relacionamento entre a criana e o mundo, sendo tornada
possvel por uma maternagem suficientemente boa na fase primitiva
crtica. Essencial a tudo isso a continuidade (no tempo) do ambiente
emocional externo e de elementos especficos no ambiente fsico, tais
como o objeto ou objetos transicionais.
Os fenmenos transicionais so permissveis ao beb por causa do
reconhecimento intuitivo que os pais tm da tenso inerente percepo
objetiva, e no contestamos o beb a respeito da subjetividade ou
objetividade exatamente nesse ponto em que est o objeto transicional.
Se um adulto nos reivindicar a aceitao da objetividade de seus
fenmenos subjetivos, discerniremos ou diagnosticaremos nele loucura.
Se, contudo, o adulto consegue extrair prazer da rea pessoal
intermediria sem fazer reivindicaes, podemos ento reconhecer
nossas prprias e correspondentes reas intermedirias, sendo que nos
apraz descobrir certo grau de sobreposio, isto , de experincia comum
entre membros de um grupo na arte, na religio, ou na filosofia.
RESUMO
Chama-se a ateno para o rico campo de observao
proporcionado pelas experincias mais primitivas do beb sadio, tal comose exprimem principalmente na relao com a primeira possesso.
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Essa primeira possesso est relacionada, retroativamente no
tempo, com os fenmenos auto-erticos e ao sugar o punho e o polegar,
e tambm, para a frente, ao primeiro animal ou boneco macios e aos
brinquedos duros. Relaciona-se tanto com o objeto externo (seio da me)
quanto com os objetos internos (seio magicamente introjetado), mas diferente deles.
Os objetos transicionais e os fenmenos transicionais pertencem
ao domnio da iluso que est na base do incio da experincia. Esse
primeiro estdio do desenvolvimento tornado possvel pela capacidade
especial, por parte da me, de efetuar adaptaes s necessidades de seu
beb, permitindo-lhe assim a iluso de que aquilo que ele cria existe
realmente.
Essa rea intermediria de experincia, incontestada quanto a
pertencer realidade interna ou externa (compartilhada), constitui a
parte maior da experincia do beb e, atravs da vida, conservada na
experimentao intensa que diz respeito s artes, religio, ao viverimaginativo e ao trabalho cientfico criador.
O objeto transicional de um beb normalmente se torna
gradativamente descatexizado, especialmente na medida em que se
desenvolvem os interesses culturais.
O que surge dessas consideraes a idia adicional de que oparadoxo aceito pode ter um valor positivo. A soluo do paradoxo
conduz a uma organizao de defesa que, no adulto, pode encontrar-se
como verdadeira e falsa organizao do eu(self)(Winnicott, 1960a).
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II - UMA APLICAO DA TEORIA
No o objeto, naturalmente, que transicional. Ele representa a
transio do beb de um estado em que este est fundido com a me
para um estado em que est em relao com ela como algo externo eseparado. Quase sempre se faz referncia a isso como sendo o ponto em
que a criana, pelo crescimento, se liberta de um tipo narcsico de relao
de objeto; abstive-me, porm, de utilizar essa linguagem porque no
estou seguro de que isso que quero dizer. Ademais, ela exclui a idia de
dependncia, to essencial nos estdios mais primitivos, antes que a
criana se tenha certificado de que pode existir algo que no faz parte
dela.
PSICOPATOLOGIA MANIFESTADA NA REA DOSFENMENOS TRANSICIONAIS
Dei bastante nfase normalidade dos fenmenos transicionais.
No obstante, existe uma psicopatologia a ser discernida no curso doexame clnico dos casos. Como exemplo do manejo pela criana da
separao e da perda, chamo a ateno para o modo como a separao
pode influenciar os fenmenos transicionais.
Como se sabe, quando a me, ou alguma outra pessoa de quem o
beb depende, est ausente, no h uma modificao imediata, de uma
vez que o beb possui uma lembrana ou imagem mental da me, ou
aquilo que podemos chamar de uma representao interna dela, a qual
permanece viva durante certo tempo. Se a me ficar longe por um
perodo de tempo alm de certo limite medido em minutos, horas ou
dias, ento a lembrana, ou a representao interna, se esmaece.
medida que isso ocorre, os fenmenos transicionais se tornam gradativa-
mente sem sentido e o beb no pode experiment-los. Podemos
observar o objeto sendo descatexizado. Exatamente antes da perda,
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podemos s vezes perceber o exagero do uso de um objeto transicional
como parte danegaode que haja ameaa de ele se tornar sem sentido.
Para ilustrar esse aspecto da negao, fornecerei um breve exemplo
clnico do uso de um cordo por um menino.
Cordo5
Um menino de sete anos de idade foi trazido ao
Departamento de Psicologia do Hospital Infantil de
Paddington Green por sua me e seu pai em maro de 1955.
Os outros dois membros da famlia tambm vieram: uma
menina de dez anos, que freqentava uma escola paracrianas excepcionais, e outra, bastante normal, de quatro
anos de idade. O caso foi encaminhado pelo mdico da
famlia, devido a uma srie de sintomas que indicavam um
distrbio de carter no menino. Um teste de inteligncia deu
a este um QI de 108. (Para os fins desta descrio, todos os
pormenores no imediatamente pertinentes ao temaprincipal deste captulo foram omitidos.)
Vi primeiro os pais, numa longa entrevista em que forneceram um
quadro claro do desenvolvimento do menino e das deformaes desse
desenvolvimento. Entretanto, deixaram de mencionar um pormenor
importante, que surgiu numa entrevista com o garoto.
No foi difcil perceber que a me era uma pessoa depressiva, e
ela comunicou que estivera hospitalizada por causa da depresso. Pelo
relato dos pais, pude notar que a me cuidou do menino at a filha
nascer, quando aquele contava trs anos e trs meses de idade. Foi essa a
5Publicado em Child Psychology and Psychiatry, Vol. 1 (1960), e em Winnicott, The
Maturational Processes and the Facilitating Environmem(1965), Londres, Hogarth Presse Insttuto de Pscanlse.
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primeira separao de importncia, com a seguinte ocorrendo aos trs
anos e onze meses, quando a me fez uma operao. Quando o menino
estava com quatro anos e nove meses, a me passou dois meses num
hospital psiquitrico e, durante esse perodo, ele foi bem cuidado pela
irm da me. Por essa ocasio, todos os que cuidavam do meninoconcordavam que ele era difcil, embora apresentasse aspectos muito
bons. Era sujeito a se transformar repentinamente e a assustar as
pessoas, dizendo, por exemplo, que ia cortar a irm da me em
pedacinhos. Desenvolveu muitos sintomas curiosos, tais como uma
compulso a lamber coisas e pessoas; fazia rudos compulsivos com a
garganta; quase sempre se recusava a evacuar e, depois, sujava tudo.Estava obviamente ansioso a respeito da deficincia mental da irm mais
velha, mas a deformao de seu desenvolvimento parece ter comeado
antes que esse fator se tornasse significante.
Aps essa conversa com os pais, recebi o menino para uma
entrevista pessoal. Estavam presentes dois assistentes sociais
psiquitricos e dois visitantes. O menino no deu de imediato uma
impresso anormal e rapidamente ingressou comigo num jogo de
rabiscos. (Nesse jogo, rabisco um tipo qualquer e impulsivo de traos e
convido a criana que estou entrevistando a transform-lo em algo;
depois, ele tambm faz um rabisco para que eu, por minha vez, o
transforme em algo.)
O jogo de rabiscos, nesse caso especfico, conduziu a um resultado
curioso. A preguia do menino tornou-se logo evidente, e tambm tudo o
que eu fazia era por ele traduzido em algo associado a cordo. Entre seus
dez desenhos, aparecia o seguinte:
um lao
um chicote
um chicotinho
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um cordo de ioi
um n dado num cordo outro chicotinho
outro chicote
Aps essa entrevista com o menino, tive outra com os pais;perguntei-lhes a respeito da preocupao do menino com cordo.
Disseram-me que se alegravam que eu mencionasse o assunto, mas que
no se tinham referido a ele por no estarem seguros quanto sua
significncia. Contaram que o menino ficara obsedado com tudo que se
referisse a cordo e, de fato, sempre que entravam numa sala, j
esperavam descobrir cadeiras e mesas amarradas por ele; descobriram,por exemplo, uma almofada presa por um cordo lareira. Disseram que
a preocupao do menino com cordes estava gradativamente
desenvolvendo-se numa nova caracterstica, que os preocupava em vez
de lhes despertar um interesse normal. Recentemente amarrara um
cordo em torno do pescoo da irm (a irm cujo nascimento causara a
primeira separao entre o menino e a me).
Nesse tipo especfico de entrevista, eu sabia que dispunha de
oportunidades limitadas para ao; no seria possvel encontrar os pais
ou o menino com freqncia maior do que a cada seis meses, pois a
famlia residia no interior. Agi, portanto, da seguinte maneira: expliquei
me que o menino estava lidando com um temor de separao, tentando
neg-la atravs do uso de cordes, tal como, atravs do uso do telefone,se negaria a separao de um amigo. Ela se mostrou ctica; disse-lhe,
porm, que, se viesse a encontrar algum sentido no que eu estava
dizendo, gostaria que debatesse o assunto com o menino em alguma
ocasio conveniente, comunicando-lhe o que eu dissera e depois
desenvolvendo o tema da reparao de acordo com a reao dele.
No tive mais notcias deles at que vieram ver-me, cerca de seis
meses depois. A me no me disse o que fizera, mas perguntei-lhe e ela
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pde contar-me o que acontecera pouco aps a consulta que me tinham
feito. Ela achara que o que eu dissera era ridculo, mas, certa noite,
abordara o assunto com o menino e descobrira-o vido por falar a
respeito de seu relacionamento com ela e seu medo de uma falta de
contacto com a me. Ela passou em revista todas as separaes de quepodia lembrar-se, com a ajuda dele, e logo ficou convencida de que o que
eu dissera estava certo por causa das reaes do menino. Ademais, a
partir do momento em que teve essa conversa com ele, o brincar com
cordes parou. No ocorreram mais junes de objetos, maneira antiga.
Mantiveram muitas outras conversas com o menino a respeito de seu
sentimento de separao quanto a ela, e fez o comentrio muitosignificante de que achava que a separao mais importante fora a perda
dela por ele quando estivera gravemente deprimida; no fora apenas o
fato de ela se ter afastado, disse, mas sua falta de contacto com ele por
causa da inteira preocupao dela com outros assuntos.
Numa entrevista posterior, a me contou-me que, um ano depois
da primeira conversa com o menino, houve um retorno ao brincar com
cordes e a juntar objetos na casa. Ela tinha, realmente, de ir para o
hospital a fim de se operar, e disse-lhe: 'Pelos seus brinquedos com
cordes, posso ver que voc est preocupado com minha partida, mas
dessa vez ficarei fora s alguns dias e vou fazer uma operao que no
grave.' Aps essa conversa, a nova fase de brincar com cordes cessou.
Mantive-me em contacto com essa famlia e ajudei em diversos
pormenores na escolarizao do menino e outros assuntos.
Recentemente, quatro anos depois da primeira entrevista, o pai
comunicou uma nova fase de preocupao com cordes, associada a
recente depresso na me. Essa fase durou dois meses, desvanecendo-se
quando toda a famlia saiu em frias e quando, ao mesmo tempo, houve
uma melhora na situao do lar (o pai encontrou trabalho, depois de um
perodo de desemprego). A par disso, ocorreu uma melhora no estado da
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me. O pai forneceu outro pormenor interessante, pertinente ao tema em
estudo. Durante essa fase recente, o menino fizera uma atuao(acted
mit) com cordas de algo que o pai sentia que era significativo, por
demonstrar quo intimamente todas essas coisas estavam vinculadas
ansiedade mrbida da me. Voltou para casa certo dia e encontrou o filhopendurado de cabea para baixo numa corda. Inteiramente flcido,
representando muito bem que estava morto. O pai compreendeu que no
devia prestar ateno e ficou pelo jardim fazendo uma coisa e outra cerca
de meia hora; depois, o menino entediou-se e parou com a brincadeira.
Isso constituiu um grande teste da ausncia de ansiedade do pai. No dia
seguinte, porm, o menino fez a mesma coisa numa rvore que podia serfacilmente vista da janela da cozinha. A me precipitou-se para fora,
gravemente chocada e certa de que ele se enforcara.
O pormenor adicional seguinte talvez seja de valor na
compreenso do caso. Embora esse menino, que hoje tem onze anos de
idade, esteja se desenvolvendo segundo uma linha de 'duro', muito
acanhado e enrubesce facilmente. Possui alguns ursinhos, que, para ele,
so filhos. Ningum se atreve a dizer que se trata de brinquedos. leal
para com eles, dispensa-lhes grande afeio e faz calcinhas para eles,
coisa que envolve costura cuidadosa. O pai diz que ele parece extrair
sentimento de segurana de sua famlia, qual desse modo serve de me.
Se aparecem visitas, rapidamente coloca-os todos na cama da irm,
porque ningum estranho famlia deve saber que ele possui essa outrafamlia. Junto com isso, h relutncia em defecar ou tendncia a reter as
fezes. No difcil adivinhar, portanto, que ele apresenta identificao
materna, baseada em sua prpria insegurana em relao me, e, que
essa identificao poderia transformar-se em homossexualismo. Da
mesma maneira, a preocupao com cordes poderia transformar-se em
perverso.
Comentrio
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Parece apropriado fazer o comentrio que se segue.
1. O cordo pode ser encarado como uma extenso de todas as
outras tcnicas de comunicao. O cordo rene, assim como tambm
ajuda no embrulhar objetos e no reter material no integrado. A esserespeito, o cordo possui um significado simblico para todos; o exagero
de seu uso pode facilmente pertencer aos primrdios de um sentimento
de insegurana ou idia de uma falta de comunicao. Nesse caso
especfico, possvel detectar uma anormalidade que complica
insidiosamente o uso que o menino faz do cordo, sendo importante
descobrir uma maneira de enunciar a mudana que poderia conduzir
perverso de seu uso.
possvel chegar a tal enunciado caso se leve em considerao o
fato de que a funo do cordo est modificando-se de comunicao para
negao da separao.Como negao, o cordo se torna uma coisa em si,
algo que possui propriedades perigosas e necessidades que precisam ser
dominadas. Nesse caso, parece que a me pde lidar com o uso do cordopelo menino exatamente antes que fosse tarde demais, quando esse uso
ainda continha esperana. Quando a esperana est ausente e o cordo
representa uma negao da separao, surge ento um estado de coisas
muito mais complexo, um estado que se torna difcil de curar, por causa
dos ganhos secundrios oriundos da percia que se desenvolve sempre
que um objeto tem de ser manuseado a fim de ser dominado.
Esse caso, portanto, ser de interesse especial, se tornar possvel a
observao do desenvolvimento de uma perverso.
2. Tambm possvel perceber a partir desse material o uso que
se pode fazer dos pais. Quando podem ser usados, podem trabalhar com
grande economia, especialmente se se tem em mente o fato de quejamais haver psicoterapeutas suficientes para tratar todos aqueles com
necessidade de tratamento. Tivemos aqui uma boa famlia que passou por
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uma poca difcil devido ao desemprego do pai, que conseguiu assumir
plena responsabilidade por uma menina retardada, apesar dos
formidveis obstculos (tanto sociais quanto internos da famlia) que isso
acarreta, e que sobreviveu s fases ms da molstia depressiva da me,
inclusive uma fase de hospitalizao. Tem de haver um grande vigor numafamlia assim, e foi com base nessa presuno que se tomou a deciso de
convidar esses pais a empreenderem a terapia de seu prprio filho. Assim
procedendo, eles mesmos aprenderam muito, ainda que precisando de
serem informados sobre o que estavam fazendo. Tambm precisaram de
que seu sucesso fosse apreciado e de que todo o processo fosse
verbalizado. O fato de terem assistido ao filho durante uma doenaforneceu aos pais confiana quanto sua prpria capacidade de lidar com
outras dificuldades que surgem esporadicamente.
Nota Acrescentada em I969
Na dcada que se passou desde que esse relatrio foi escrito, vim
a perceber que o menino no podia ser curado de sua doena. A ligaocom a molstia depressiva da me continuou, de modo que no se palha
evitar que ele retornasse ao lar. Distante deste, poderia ter tido um
tratamento pessoal, mas, em casa, esse tratamento era impraticvel. Em
casa, mantinha o padro que j estabelecera poca da primeira
entrevista.
Na adolescncia, o rapaz desenvolveu novos vcios, especialmente
em drogas, e no podia deixar sua casa para receber instruo. Todas as
tentativas para coloc-lo longe da me falharam, porque normalmente
fugia e voltava para casa.
Tornou-se um adolescente insatisfatrio, sem fazer nada e
aparentemente desperdiando seu tempo e potencial intelectual (como jfoi observado, seu 01 era 108).
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A pergunta : um investigador que efetuasse um estudo desse
caso de vcio em drogas daria a devida considerao psicopatologia
manifestada na rea dos fenmenos transicionais?
III - MATERIAL CLNICO: ASPECTOS DO FANTASIAR
Na parte seguinte deste livro, explorarei algumas das idias que
me ocorrem enquanto estou empenhado no trabalho clnico e onde sinto
que a teoria que formei, para meu prprio proveito, sobre os fenmenos
transicionais, influencia o que vejo e escuto, e o que fao.
Apresentarei aqui, com pormenores, um pouco do material clnico
proveniente de uma paciente adulta, para demonstrar como o sentimento
de perda em si mesmo pode tornar-se uma maneira de integrar a prpria
experincia.
O material de determinada sesso da anlise da paciente, e
apresento-o por reunir diversos exemplos da grande variedade que
caracteriza a imensa rea existente entre a objetividade e a subjetividade.
Essa paciente, me de diversos filhos, iniciou tratamento
devido a uma ampla gama de sintomatologia geralmente agrupada
sob apalavra 'esquizide'. Com uma inteligncia privilegiada que
utiliza em seu trabalho, estimada Por todos em geral e tida comopessoa de valor, provvel que aqueles com quem convive no
percebam a que ponto ela se sente enferma.
Essa sesso especfica iniciou-se com um sonho que poderia
ser descrito como depressivo. Continha material transferencial
direto e revelador, onde o analista aparecia como uma mulher
avarenta e dominadora, o que deixou ansiando pelo analista
anterior, que representava para ela uma figura muito masculina.
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Isso era sonho e, como sonho, poderia ser utilizado como material
para interpretao. A paciente mostrava satisfao por estar
sonhando mais. Ao mesmo tempo, podia descrever certos
enriquecimentos em sua vida real no mundo.
Muitas vezes invadida pelo que poderia ser chamado de
fantasiar.Est viajando de trem; h um acidente. Como os filhos
vo saber o que lhe aconteceu? Como seu analista vai saber?
Poderia gritar, mas sua me no a escutaria. Da passa a falar sobre
sua experincia mais terrvel quando abandonara um gato por
certo tempo, tendo sido informada depois que o animal estivera
miando por horas e horas. Isso 'horrvel demais', e junta-se s
vrias separaes que experimentou durante a infncia,
separaes alm de sua capacidade de suport-las e, portanto,
traumticas, tornando necessria a organizao de novos
conjuntos de defesas.
Grande parte do material dessa anlise diz respeito ao ladonegativo dos relacionamentos, isto , ao gradativo fracasso que
tem de ser experimentado pelo filho quando os pais no esto
disponveis. A paciente extremamente sensvel a tudo isso em
relao aos prprios filhos e atribui grande parte da dificuldade de
lidar com o primeiro filho ao fato de t-lo deixado durante trs
dias, para pass-los fora com o marido, ocasio em que iniciou umanova gravidez, isto , quando a criana tinha aproximadamente
dois anos de idade. Contaram-lhe que a criana tinha chorado
ininterruptamente durante quatro horas. Ao regressar, foi
impossvel paciente restabelecer orapportcom o filho durante
muito tempo.
Estamos lidando com um fato: a impossibilidade de
comunicao verbal com' animais e crianas pequenas. O gato no
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poderia compreender. Tambm um beb com menos de dois anos
no pode ser adequadamente Informado sobre um novo beb que
esperado; embora, 'por volta dos vinte meses,
aproximadamente', seja possvel dar criana uma explicao,
atravs de palavras, de unia forma acessvel, capaz de serassimilada por ela.
Caso se torne impossvel fazer com que a criana
compreenda a ausncia da me, quando ela sai de casa para ter um
novo beb, ento, do ponto de vista da criana a me est morta.
isto o. que significa estar morto.
Trata-se de unia questo de dias, horas ou minutos. Antes
que certo limite seja atingid6, a me ainda est viva; depois de
transposto o limite, ela morreu. Entrementes, h um precioso
momento de raiva, rapidamente perdida, porm, ou nunca
experimentada, talvez, sempre potencial e trazendo consigo o
medo da violncia.
Daqui chegamos aos dois extremos, to diferentes um do
outro: a morte da me quando ela est presente, e sua morte
quando no pode reaparecer e, portanto, voltar novamente vida.
Isso tem a ver com a poca exatamente anterior poca em que a
criana cria a capacidade de manter as pessoas vivas na realidade
psquica interna, independentemente da segurana de ver, sentir,
cheirar.
Pode-se dizer que a infncia dessa paciente constituiu um
nico e longo exerccio precisamente nessa rea. Durante a guerra
houve a evacuao que a atingiu quando contava
aproximadamente onze anos; ela esqueceu completamente ainfncia e os pais, embora defendesse, sistematicamente, durante
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todo o tempo, o direito de no chamar os que dela cuidavam de
'tio' e 'tia', segundo o procedimento habitual.
Conseguiu negar-lhes qualquer nome durante todos aqueles
anos, o que no era seno a maneira negativa de recordar a me eo pai. Compreenda-se que o padro de tudo isso foi estabelecido
em sua infncia primitiva.
A partir da, minha paciente atingiu a posio, que
novamente surge na transferncia, de que a nica coisa real a
falta ou lacuna, isto , a morte, a ausncia ou a amnsia. No
decorrer da sesso, teve uma amnsia especfica e isso aaborreceu; revelou-se que a comunicao importante dirigida a
mim estava em que poderia existir um anulamento e que esse
ponto em branco poderia ser o nico fato e a nica coisa real. A
amnsia real, ao passo que aquilo que foi esquecido perdeu sua
realidade.
Em conexo com isso, a paciente recordou a existncia de
uma manta em disponibilidade no consultrio, e como se
envolvera nela, em certa ocasio, usando-a para um episdio
regressivo durante uma sesso analtica. Atualmente, ela no
tocaria nessa manta nem a usaria. Porque a manta que no se
encontra ali (porque no vai busc-la), mais real do que a manta
que lhe oferecesse o analista, tal como teve idia de faz-lo,
certamente. A partir dessas consideraes, a paciente defronta-se
com a ausncia da manta, ou melhor dizendo, com a irrealidade
dela em seu significado simblico.
Daqui, ocorreu um desenvolvimento em termos da idia dos
smbolos. O ltimo de seus analistas anteriores 'ser sempre maisimportante para mim que o analista atual'. Acrescentou: 'Voc pode me
fazer muito bem, mas gosto mais dele. Isso ser verdade quando eu o
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tiver esquecido inteiramente. O negativo dele mais real que o positivo
em voc'. Podem no ter sido exatamente essas as palavras da paciente,
mas era o que me transmitia em linguagem clara, sua prpria, e aquilo
que precisava que eu compreendesse.
O tema da nostalgia surge no quadro: pertence ao precrio ponto
de apoio que uma pessoa pode ter na representao interna de um
objeto perdido. Esse tema reaparece no relatrio clnico que se segue
(pg. 57, abaixo).
A paciente falou ento sobre sua imaginao e os limites do que
ela acreditava que fosse real. Comeou dizendo: 'No acreditavarealmente que houvesse um anjo parado ao lado de minha cama; mas eu
costumava ter tambm uma guia presa por urna corrente a meu pulso'.
Era o que parecia real a ela, certamente, e a nfase estava nas palavras
'presa por uma corrente a meu pulso'. Possua tambm um cavalo branco
que era to real quanto possvel e que ela 'montaria para todas as partes
e que amarraria a uma rvore e todo esse tipo de coisas'. Ela gostariarealmente de ter um cavalo branco agora, de maneira a poder lidar com a
realidade da experincia desse cavalo e torn-la real de outro modo.
Enquanto falava, senti com quanta facilidade essas idias poderiam ser
rotuladas de alucinatrias, exceto no contexto da idade dela nessa poca
e de suas experincias excepcionais com referncia perda repetida dos
pais, bons sob outros aspectos. Exclamou: 'Imagino querer algo que nuncase perca'. Formulamos isso dizendo que a coisa real a coisa que no se
encontra ali. A corrente constitui uma negao da ausncia da guia, que
o elemento positivo.
Da, passamos aos smbolos que esmaecem. Alegou ter alcanado
certo xito em tornar seus smbolos reais por longo tempo, apesar das
separaes. Aqui, ambos chegamos a algo ao mesmo tempo: ela pudera
explorar, embora com esforo, seu intelecto j por si privilegiado. Tinha
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lido muito, desde cedo; desde cedo pensara muito e sempre utilizara seu
intelecto para manter as coisas funcionando e disso extrara prazer;
contudo, sentiu-se tambm aliviada (achei eu) quando lhe disse que, ao
lado desse uso do intelecto, existe, permanentemente, um medo de
defeito mental. Desse ponto ela estendeu-se rapidamente a seu interessepor crianas autistas e sua ntima vinculao com a esquizofrenia de um
amigo, condio que ilustra a idia de defeito mental apesar de um
intelecto bom. Sentira-se tremendamente culpada por ter grande orgulho
de seu bom intelecto, caracterstica que sempre fora bastante evidente.
Era-lhe difcil admitir que talvez seu amigo pudesse ter tido um bom
potencial intelectual, embora, no caso dele, fosse necessrio dizer que sedesviara para o inverso, que o retardamento mental atravs da doena
mental.
A paciente descreveu tambm diversas tcnicas para lidar com a
separao, tais como, por exemplo, uma aranha de papel cujas pernas
eram puxadas pelos dias em que a me se encontrava distante. Tinha
tambm clares, tal como ela os chamava, e podia ver, de repente, por
exemplo, seu co Toby, um brinquedo: 'Oh, ali est Toby'. Existe no lbum
de famlia um retrato seu com Toby, um brinquedo do qual se esquecera,
exceto nos clares. Isso conduziu-a lembrana de um terrvel incidente
em que sua me lhe dissera: 'Mas ns "ouvimos" quando voc chorava
durante todo o tempo em que estivemos longe'. Estavam a quatro milhas
de distncia. A paciente tinha dois anos de idade na ocasio e pensara:'Ser possvel que minha me me tenha contado uma mentira?' No pde
enfrentar o fato na ocasio e tentara negar o que sabia ser verdade: que
sua me realmente mentira. Era difcil acreditar na me sob esse aspecto,
porque todos diziam: Sua me to maravilhosa!'
Partindo daqui, pareceu-nos possvel chegar a uma idia que era
bastante nova, segundo meu ponto de vista. Tnhamos ali o retrato de
uma criana, e a criana possua objetos transicionais, havia fenmenos
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transicionais que eram evidentes e todos eles simbolizavam algo e eram
reais para a criana; gradativamente, porm, ou talvez, freqentemente,
por algum tempo, ela teve de duvidar da realidade da coisa que eles
estavam simbolizando. Isso equivale a dizer que, se eram simblicos da
devoo e fidedignidade da me, permaneciam sendo reais em siprprios, mas aquilo que representavam no era real. A devoo e a
fidedignidade maternas eram irreais.
Essas consideraes pareciam aproximar-se do tipo de coisa que a
assombrara durante toda sua vida, perder animais, perder os prprios
filhos, de modo que formulou a frase: 'Tudo o que consegui aquilo que
no consegui'. Temos aqui uma tentativa desesperada de transformar a
negativa numa ltima defesa contra o fim de tudo. O negativo o nico
positivo. Quando chegou a esse ponto, disse ao analista: 'Que far agora,
diante disso?' Fiquei calado e ela falou: 'Oh, compreendo'. Pensei que
talvez se estivesse ressentindo de minha total inatividade e respondi:
'Estou calado porque no sei o que dizer'. Ela retrucou,rapidamente, que assim estava bem. Na realidade, estava contente com o
silncio e teria preferido que eu no tivesse dito absolutamente nada.
Talvez, em meu silncio, eu pudesse ser ligado ao analista anterior que ela
sabe que estar sempre buscando. Sempre esperar que ele retorne e a
aprove com um 'Muito bem!', ou algo assim. o que continuar
acontecendo ainda durante muito tempo, mesmo depois que ela tenhaesquecido como aquele analista. Fiquei pensando sobre o sentido
daquilo que ela queria dizer: quando ele estiver mergulhado no poo
geral da subjetividade e ligado quilo que ela pensou ter encontrado
quando tinha a me e antes de comear a notar as deficincias da me
como me, isto , as ausncias dela.
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Concluso
Nessa sesso, tnhamos percorrido todo o campo existente entre a
subjetividade e a objetividade, e terminamos com uma espcie de jogo.
Ela ia viajar de trem para sua casa de frias e disse: 'Bem, acho que
melhor que voc venha comigo, talvez at a metade do caminho'. Estava
falando sobre a importncia que dava ao fato de ter de deixar-me. Era
apenas por uma semana, mas no deixava de ser um ensaio das frias de
vero. Queria tambm dizer que, quando se afastasse de mim, depois de
algum tempo isso perderia qualquer importncia. Assim, numa estao
intermediria, eu sairia e 'voltaria no trem quente'; e, brincando a
respeito de meus aspectos de identificao materna, acrescentou:
'Terminar por ser enfadonho: encontraremos inmeras crianas e bebs
que naturalmente devem subir-lhe ao colo, suj-lo de vmito... vou achar
bem feito!
(Compreende-se que no havia idia de que eu pudesserealmente
acompanh-la).
Exatamente antes de ir embora, disse: ' assim que vejo a poca
da minha partida, durante a evacuao [na guerra]: como se eu tivesseido
ver se meus pais estavam l. Parece que eu acreditava poder encontr-
los'. (Nisso estava implcita a dvida de que eles no seriam encontrados
em casa). E, em conseqncia, para descobrir a resposta ela consumira
um ou dois anos.
E a resposta tinha sido: eles no estavam l e eraessa a realidade.
Ela j me dissera sobre a manta que no utilizara: 'Voc sabe, no , que a
manta podia ser muito confortvel, mas a realidade mais importante
que o conforto e, portanto, nenhuma manta pode ser mais importante
queuma manta'.
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Esse fragmento clnico ilustra o valor de guardar em mente as
distines existentes entre os fenmenos, em termos de sua posio na
rea situada entre a realidade externa ou compartilhada e o sonho
verdadeiro.
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SONHAR, FANTASIAR E VIVER
Uma Histria Clnica que Descreve Uma Dissociao Primria
Neste captulo, fao uma tentativa nova de demonstrar as sutis
diferenas qualitativas existentes entre as variedades do fantasiar.
Examino especificamente o que foi chamado de fantasiar e mais uma vez
utilizo o material de uma sesso de tratamento na qual o contraste entre
o fantasiar e o sonhar foi no apenas pertinente, mas, diria eu, central.6
Utilizo o caso de uma mulher de meia-idade que, em sua anlise,
vai gradativamente descobrindo at que ponto o fantasiar ou algo da
natureza do devanear perturbou sua vida inteira. Tornava-se agora
evidente que, para ela, existia uma diferena essencial entre o fantasiar eas alternativas do sonhar, por um lado, e o viver real e o relacionar-se a
objetos reais, por outro. Com inesperada clareza, percebeu-se que,
enquanto sonhar e viver pertenciam mesma ordem, o devaneio era de
outra ordem. O sonho ajusta-se ao relacionamento com objetos no
mundo real, e viver no mundo real ajusta-se ao mundo onrico por formas
que so bastante familiares, especialmente a psicanalistas. Em contraste,porm, o fantasiar continua sendo fenmeno isolado, a absorver energia,
mas sem contribuir quer para o sonhar quer para o viver. At certo ponto,
o fantasiar permaneceu esttico durante toda a vida dessa paciente, o
que equivale a dizer que datava de anos muito primitivos, com o padro
estabelecendo-se por volta da poca em que ela contava dois ou trs anos
6Para um exame desse tema, sob outro ngulo. ver 'The Manic Defence' (1935), em
Winnicott (1958a).
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de idade. Achava-se em evidncia em data ainda mais primitiva e
provavelmente comeara com uma 'cura' do sugar o polegar.
Outra caracterstica diferenciadora entre esses dois conjuntos de
fenmenos est em que, embora boa parte de sonho e de sentimentospertencentes vida tenha probabilidade de se achar sob represso, isso
constitui algo diferente da inacessibilidade do fantasiar. Essa
inacessibilidade est relacionada dissociao e no represso.
Gradativamente, medida que essa paciente comea a tornar-se uma
pessoa total e a perder suas dissociaes rigidamente organizadas,
tambm se torna cnscia7 da importncia vital que o fantasiar sempre
teve para ela. Ao mesmo tempo, o fantasiar comea a transformar-se
numa imaginao relacionada com o sonho e com a realidade.
As diferenas qualitativas podem ser extremamente sutis e difceis
de descrever; as grandes diferenas, porm, dizem respeito presena ou
ausncia de um estado de dissociao. Por exemplo, a paciente est em
minha sala, em tratamento, e tem sua disposio um pedacinho de cuque pode contemplar, nesse fim de tarde. Ela diz: 'Estou ali, naquelas
nuvens rseas, e posso caminhar entre elas'. Essa observao,
naturalmente, poderia ser um vo da imaginao. Poderia fazer parte da
maneira pela qual a imaginao enriquece a vida, tal como poderia
constituir material para sonho. Ao mesmo tempo, para minha paciente,
essa mesma coisa pode ser algo que pertence a um estado dissociado, eque pode no se tornar consciente, no sentido de nunca existir uma
pessoa total que se d conta dos dois ou mais estados de dissociao
presentes em uma ocasio determinada. A paciente pode estar sentada
em seu quarto e, enquanto no faz absolutamente nada, exceto respirar,
ela (em sua fantasia) pintou um quadro ou fez um trabalho interessante
em seu emprego ou esteve dando um passeio pelo campo; do ponto de
7Ela tem um lugar do qual se tornar cnscia.
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vista do observador, porm, nada disso aconteceu. De fato, nada tem
probabilidade de acontecer pelo fato de tanta coisa estar acontecendo,
no estado dissociado. Ela pode tambm estar sentada em seu quarto,
pensando no trabalho do dia seguinte e fazendo planos, ou pensando
sobre suas frias, e isso poderia constituir uma investigao imaginativado mundo e do lugar onde sonho e vida so a mesma coisa. Dessa
maneira, ela oscila do estado de bem-estar para a doena e novamente
para o bem-estar.
Observe-se que se acha operante um fator temporal que
diferente segundo ela esteja fantasiando ou imaginando. No fantasiar, o
que acontece, acontece imediatamente, exceto que no acontece. Esses
estados semelhantes so identificados como diferentes na anlise, devido
ao fato de que, se o analista os busca, sempre tem indicaes do grau de
dissociao presente. Muitas vezes. a diferena entre os dois exemplos
no pode ser distinguida a partir de uma descrio verbal do que vai pela
mente do paciente e se perderia at mesmo numa gravao em fita do
trabalho da sesso.
Essa paciente possui talentos excepcionais ou um potencial para
diversos tipos de auto-expresso artstica, e conhece bastante a respeito
da vida, e do viver, e do prprio potencial para compreender que, em
termos de vida, ela est perdendo o barco e que sempre esteve perdendo
o barco (pelo menos, quase desde o incio de sua vida). Trata-se,inevitavelmente, de um desapontamento para si mesma e para todos
aqueles com quem convive, e que nutrem esperanas a seu respeito.
Confronta-se com sua inadequao essencial ao sentir que os demais
esperam algo dela ou vindo dela. Tudo isso constitui motivo de intenso
pesar e ressentimento para a paciente e h muitas provas de que, sem
auxlio, estaria em perigo de suicdio, o que, simplesmente, teria sido o
mais perto que poderia chegar do assassinato. Ao sentir que se aproxima
deste, comea a proteger seu objeto, de modo que, nesse ponto, tem o
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impulso de matar-se, pois sua morte representa o fim de suas
dificuldades. O suicdio no traz soluo, apenas a cessao da luta.
Existe uma etiologia extremamente complexa em qualquer caso
semelhante a este, mas possvel dizer algo sucinto sobre a infnciaprimitiva da paciente, numa linguagem que tem certa validade. verdade
que um padro se estabeleceu em seu relacionamento primitivo com a
me, relacionamento que se transformou cedo demais e de maneira
abrupta, de algo muito satisfatrio em desiluso e desespero e no
abandono da esperana na relao de objeto. Poderia tambm haver uma
linguagem para descrever esse mesmo padro no relacionamento da
meninazinha com o pai. O pai, at certo ponto, corrigiu aquilo em que a
me havia falhado, mas viu-se envolvido, afinal, no padro que se estava
tornando parte da criana, de modo que tambm ele, essencialmente,
fracassou, em especial por pensar nela como uma mulher em potencial e
ignorar o fato de Mue era potencialmente masculina.8
A maneira mais simples de descrever os primrdios desse padrona paciente pensar nela como uma meninazinha com diversos outros
irmos e irms mais velhos, sendo ela a mais jovem. A essas crianas
permitiu-se que tomassem conta de si mesmas, em parte porque
pareciam capazes de divertir-se e organizar seus prprios brinquedos,
alm de cuidar de si mesmas com enriquecimento sempre crescente. A
filha mais nova, contudo, descobriu-se num mundo que j estavaorganizado antes mesmo que chegasse ao convvio das demais. Muito
inteligente, conseguiu adaptar-se de uma ou de outra forma. Jamais
conseguiu, porm, tornar-se recompensante como membro do grupo,
quer do seu ponto de vista ou do ponto de vista das outras crianas,
porque s podia adaptar-se numa base de submisso. As brincadeiras lhe
eram insatisfatrias porque estava simplesmente numa situao de luta,
8Para o exame dos elementos masculinos e femininos, ver Captulo V.
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tentando representar qualquer papel que lhe fosse atribudo; os outros
sentiam tambm a carncia de algo, no sentido de que ela no contribua
ativamente. provvel, contudo, que as crianas mais velhas no se
dessem conta de que sua irm permanecia essencialmente ausente. Do
ponto de vista de minha paciente, ela, como agora descobrimos,enquanto participava das brincadeiras das outras crianas, permanecia
durante todo o tempo empenhada no fantasiar. Vivia realmente nesse
fantasiar, na base de uma atividade mental dissociada. Essa parte dela
que se tornou completamente dissociada, nunca constituiu a sua
totalidade e, por longos perodos, sua defesa foi viver aqui, nessa
atividade fantasiante, e se observar brincando as brincadeiras das outrascrianas, como se observasse qualquer outra pessoa do grupo infantil.
Atravs dessa dissociao, reforada por uma srie de frustraes
significantes em que suas tentativas de se tornar uma pessoa total por
seu prprio direito, no encontraram sucesso, ela tornou-se especialista
na capacidade de levar uma vida dissociada, enquanto parecia estar
brincando com as outras crianas. A dissociao nunca foi completa e a
afirmao que fiz sobre o relacionamento entre essa criana e os irmos
provavelmente nunca foi inteiramente aplicvel, mas h, nesse tipo de
afirmao, verdade suficiente para permitir que uma descrio seja
utilmente efetuada nesses termos.
medida que minha paciente crescia, conseguia construir umavida em que nada do que realmente acontecia era plenamente
significaste para ela. Tornou-se, gradativamente, uma das muitas pessoas
que no acreditam no seu prprio direito de existir como seres humanos
totais. Durante todo o tempo, sem que ela o soubesse, enquanto
freqentava a escola e, posteriormente, no trabalho, havia uma outra
vida acontecendo em termos da parte que fora dissociada. Invertendo-se
a afirmao, isso significava que sua vida estava dissociada da sua parte
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principal, que vivia no que se tornou uma seqncia organizada de
fantasiar.
Se nos adentrssemos na vida dessa paciente, poderamos
perceber as modalidades pelas quais ela tentou reunir essas duas e outraspartes de sua personalidade; mas suas tentativas sempre continham
algum tipo de pr