Wlademir Dias-Pino

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A A V E poema concreto de wlademir dias-pino poexílio 2015

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E-book do livro “A AVE”, poema concreto de Wlademir Dias-Pinto, publicado originalmente em 1956 durante a 1ª. Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna do São Paulo. O texto da apresentação (de Rogério Camara) e as imagens da presente edição foram extraídos de uma nova versão do referido poema preparada para o livro ”WLADEMIR DIAS-PINO: poesia/poema. Organização Rogério Camara e Priscilla Martins” (Brasília, DF: Estereográfica, 2015); e-book preparado em agosto de 2015 para o Portal de Poesia Ibero-americana (www.antoniomiranda.com.br), organizado por Antonio Miranda. Editora Poexílio.

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A A V E

poema concreto de

wlademir dias-pino

poexílio

2015

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poesia/poema

Texto (fragmentos) de

ROGÉRIO CAMARA

extraído de

WLADEMIR DIAS-PINO: poesia/poema. Organização Rogério Camara e Priscilla Martins.

Tradução: Ana Teresa de Castro Lima. Brasília, DF: Estereográfica, 2015. 204 p. ilus. col.

23x21 cm. Apoio Funarte. ISBN 978-85-68809-01-3

EM SUA OBRA POÉTICA, Wlademir Dias-Pino formula conceitos de linguagem que contrapõem o termo poesia ao de poema, discussão que seria

potencializada na transição entre os movimentos da poesia concreta e do poema//processo. Em constante confronto com a hegemonia do alfabeto, o poeta propõe algo para além da associação do pensamento à língua e

estabelece novas formas de inscrição a partir do uso exploratório do meio e da justaposição de elementos textuais e imagéticos. Segundo essas

formulações, o poema se fundaria na ampliação criativa do universo da linguagem, não se restringindo ao uso da palavra e tornando-a, até mesmo, dispensável. Já a poesia, se daria no campo da língua. O poema, em sua

concepção, permitiria, ao contrário da poesia, o acesso a uma nova imaginação desvinculada da escrita alfabética e da oralidade. Como exercício

de criação de linguagem, o poema estaria afinado com a programação dos meios e aparelhos de seu tempo. Dias-Pino define sua produção como processos de inscrição; a escrita obedece ao código, já a inscrita, lhe

possibilitaria explorar o trânsito inesperado das imagens em liberdade.

Além de poeta, Dias-Pino atuou como designer gráfico, ilustrador e pintor. Durante os anos 1950 e 1960, esteve à frente de publicações de movimentos

de vanguarda. Editou a revista Movimento da UNE, produziu vitrines e decorações de carnaval. O cerne de toda sua produção está na incessante

busca por um pensamento gráfico através do qual explora as imagens em suas dimensões poéticas.

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Nascido em 1927 no Rio de Janeiro, mudou-se com a família para Cuiabá em 1939. Filho de tipógrafo, o contato precoce com o universo da produção

gráfica foi determinante em seu trabalho. Cedo se habituou a observar a forma das letras antes da palavra, o significante antes do significado. À

compreensão da letra como objeto escultórico, o conhecimento e a execução de diferentes técnicas de impressão e suas características visuais configuram-se em informação tátil/visual a ser aproveitada.

Compreendendo a multiplicidade de escrituras e, sobretudo, as inscrições

operadas na cidade, o poeta assinala que este organismo de vivências transcende o sistema da língua: "O veio e o aluvião: as sucessivas camadas

de todos os lados / A cidade é um livro 'matriz' em permanência" — e prossegue por um universo relacional no qual se encontram o texto, a

máquina que o recodifica e a cidade na qual o sujeito se inscreve e se põe à deriva — "O labirinto, como prelo de espelhos, girando a roda gigante das imagens / A máquina que é gráfico estatístico de ferro e, ao mesmo tempo,

planta da cidade / A cidade participando do sonho; desordem emocional / (...) / A cidade e o registro do inesperado / (...) / A cidade, em indiferença

de nuvem alta, / só se mostra a quem sabe decifrá-la.(1)"'

Dias-Pino publicou seu primeiro livro, A Fome dos fados (1940), em Cuiabá. Neste poema e em outros produzidos ao longo da década de 1940 - A Máquina que Ri (1941) e Dia da Cidade (1948) —, a linguagem aparece como questão

central e os avanços tecnológicos da época como temática recorrente. Produzidos em tipografia, estes livros revelam, por seu tratamento gráfico,

que já em suas primeiras obras Dias-Pino lança mão da visualidade e do uso do espaço como elemento estruturador — o que só viria a caracterizar a produção de outros poetas no Brasil a partir dos anos 1950. No poema Dia

da cidade, o grafismo criado pelas linhas ortogonais combinadas aos versos sugere deslocamentos urbanos nos quais se conectam, na ambiência fluida,

imagens e textos — universo em que a linearidade da língua se desestrutura. As linhas verticais e horizontais desenham um mapa que, mais do que dispor geograficamente as palavras no espaço, visa operacionalizar as opções de

leitura do texto.

Em junho de 1951, Dias-Pino lança com Silva Freire o movimento Intensivista em Cuiabá. Em manifesto publicado pelo grupo no jornal 5arâ, toma como

parâmetro a poesia simbolista, mas sob nova perspectiva. Os simbolistas estariam presos a uma única dimensão da imagem, enquanto os intensivistas

propunham um simbolismo duplo: "Além da imagem está outro significado

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poético" (2). Para Dias-Pino, o simbolista opera somente sobre o plano da língua, enquanto o intensivista visa alcançar outras dimensões imagéticas.

Familiarizado com o relevo dos clichés tipográficos e contrário ao sentido essencialmente frontal do código alfabético, Dias-Pino declara: "A escrita é

frontal! A escrita é perfil! (...) O simbolista é um desenhista e o intensivista é um escultor. A escultura é um desenho de todos os lados" (3).

Em sua obra, o código semiótico é indissociável do código linguístico e requer uma leitura ativa, pautada por deslocamentos. Os planos (topográficos)

ganham destaque como elementos articuladores: "(...) interessante é o choque de palavras. Para os simbolistas as letras tinham cores, para nós as

palavras valem devido à experiência e o espírito de sínteses-poemas (...) As palavras unidas por uma ligação aérea e subterrânea". Surge, já no Intensivismo, o vínculo entre as linguagens verbal e matemática: "Essas

repetem / sobre si mesma / palavras e números; / números de letras, / números de sílabas" (4). A palavra é uma unidade numérica inserida na

estatística do texto. Torna-se referencial em seus poemas concretos, o procedimento de situar a palavra e a letra fora do verbal e dentro do campo semiótico, o que possibilitaria permutações entre diversos códigos.

No livro-poema A Ave, os processos de recodificação da palavra ganham evidência. O livro foi produzido entre os anos 1948 e 1956, período em que Dias-Pino integra o movimento Intensivista em Cuiabá, e, retornando ao Rio

de Janeiro em 1952, inicia o diálogo com os integrantes do movimento da poesia concreta — o qual passaria a integrar, mas mantendo uma vertente

própria. Os exemplares, produzidos em processo artesanal, apresentavam registros gráficos diferenciados, o que, para o poeta, revelam a intenção de caracterizar o livro como instalação. A Ave inaugura uma interatividade

diversa entre leitor e poema e nos convida a elaborar novas versões da obra, uma vez apreendida sua lógica de funcionamento. O livro-poema exige a

exploração das propriedades físicas do livro — as texturas e transparências das páginas, o formato, a relação entre uma página e outra, a sucessão de códigos analógicos e digitais, etc.

"Eu nunca fiz questão de lançar outra edição (de A Ave), porque o

interessante para mim não era que a pessoa encontrasse o livro pronto, (...) é preferível que ela leia a estrutura do livro e reconstrua o processo" \95\0,

afirma o poeta.

A concepção de A Ave envolve diversas linguagens e tecnologias ligadas ao processo de produção de textos — como nas máquinas de linotipia, as letras

digitadas no teclado são recodificadas em uma fita que, através de

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perfurações, orienta a fundidora de tipos a liberar as matrizes das letras, regulando a composição tipográfica. Dias-Pino questiona: "O que se coloca

no lugar do código (verbal) quando este é destruído?" (6). O poeta implode os códigos regulares de leitura para propor permutações numéricas e visuais.

Ele se relaciona fenomenologicamente com a máquina e opera um gesto

negativo contra o objeto, inscrevendo-se dentro do processo e tornando-o evidente. Assim, rompe com o mundo da interface final (o texto impresso), secciona a máquina revelando o seu mecanismo e, mais do que isto, sobrepõe

linguagens (códigos e imagens) em operações que envolvem o processo. Seus poemas potencializam a informação na medida em que se movem na

(im)probabilidade. A Ave se apresenta como um programa. A partir da contínua metamorfose do código verbal/visual, perde-se a referência inicial da palavra, transformando-se o poema em elemento plástico.

No primeiro par de páginas, a folha translúcida vem impressa com a frase espacializada: "A AVE VOA dEnTRO de sua COr", deixando transparecer na folha seguinte o gráfico composto de linhas retas que roteirizam a leitura e

estabelecem ligações sintáticas. Palavra e desenho se integram através da transparência do papel, fazendo com que duas páginas correspondam a uma

unidade, o que caracteriza, segundo o poeta, um poema de camadas: "quando se leva a transparência à radicalidade do vazamento". Na página é projetada a perspectiva do livro, definindo-se como unidade e /('n/c para as

demais páginas. A espessura e o manuseio são elementos de expressão, enquanto, diz Dias-Pino, "os vazamentos atravessam as páginas quando um

nível de comunicação e significado instantaneamente está presente em diversas páginas no mesmo nível em que apresenta o uso da potencialidade característica da matemática". Os gráficos servem como norteadores de uma

leitura contínua e angular. As letras maiúsculas não têm como principal objetivo efeitos expressivos visuais e muito menos vocais. A poesia de Dias-

Pino não interessa a oralidade: "Um poema escrito é antes de tudo visual, e não sonoro, ele não é um instrumento musical... A poesia silenciosa, a poesia espacional é contra o herói". Se as linhas se fazem presentes como "índices

direcionais de leitura", as letras maiúsculas intercaladas com as minúsculas permitem que os textos recombinados entre eles e os vértices dos gráficos

conquistem novos significados poéticos. Para o poeta, as maiúsculas indicam que, no curso da leitura, as letras serão reutilizadas:

"Assim quando começamos A Ave, estávamos participando do movimento

Intensivista em Cuiabá e muito nos preocupava o problema da colocação da palavra nos vértices (dobradiças) do espaço (o nível ou a altura da palavra no suporte do papel significava a potencialidade)".

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Em 1956, Dias-Pino participa da 1a Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com outros cinco poetas: Augusto de

Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo (que integravam o grupo Nolgandres) e Ferreira Gullar. A exposição contava ainda

com a participação de artistas plásticos ligados ao movimento concreto do Rio de Janeiro e de São Paulo. Poesia, pintura e escultura foram apresentadas conjuntamente, reafirmando a correspondência estabelecida pelo

concretismo entre as diversas formas de manifestação artística, entre o verbal e o visual como elementos indissociáveis na construção de sentido do

objeto artístico. Dos seis poetas revelados, Dias-Pino era o que apresentava uma proposta formal (/visual) mais radical. (...)

Notas 1. DIAS-PINO, Wlademir. A cidade. In: D1AS-PINO, Wlademir. Wlademir Dias- Pino; a separação entre inscrever e escrever. Cuiabá: Edições do meio, 1982, p. 145. 2. DIAS-PINO, Wlademir. Intensivismo. In: Sara, no III, ano l,jun. 1951, p. 5. 3. Ibid. In: 5arâ, n° IV, ano 1, jul. 1951, p. 1. 4. DIAS-PINO, Wlademir. As palavras, 1952. 5. Nesta e em outras citações que estão sem nota ao longo do texto, transcrevem-se partes de diversas entrevistas realizadas com o poeta pelos organizadores, entre os anos 2007 e 2015. 6. O alfabeto da poesia escrito na língua "A". Correio Brazitiense, sexta-feira, 24 de setembro de 1993.

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Fac-simile da capa da edição de A AVE, de Wlademir Dias-Pino, de 1956.

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COLOFÃO E-book do livro “A AVE”, poema concreto de Wlademir Dias-Pinto, publicado originalmente em

1956 durante a 1ª. Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna do São Paulo. O texto da apresentação (de Rogério Camara) e as imagens da presente edição foram

extraídos de uma nova versão do referido poema preparada para o livro ”WLADEMIR DIAS-

PINO: poesia/poema. Organização Rogério Camara e Priscilla Martins” (Brasília, DF:

Estereográfica, 2015); e-book preparado em agosto de 2015 para o Portal de Poesia Ibero-

americana (www.antoniomiranda.com.br), organizado por Antonio Miranda. Editora Poexílio.

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