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DANIEL N. STERN 0 MOMENTO PRESENTE NA PSICOTERAPIA E NA VIDA COTIDIANA Tradução de CELIMAR DE OLIVEIRA LIMA Revisão técnica de MARIA DE MELO ___ A E D I T O R A R E C O R D RIO DE JANEIRO SÃO PAULO 2007

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D A N I E L N. S T E R N

0 M O M E N T O P R E S E N T ENA PSICOTERAPIA E NA VIDA COTIDIANA

Tradução de CELIMAR DE OLIVEIRA LIMA

Revisão técnica de MARIA DE MELO

___ AE D I T O R A R E C O R D

RIO DE JANEI RO • SÃO PAULO

2007

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CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores dc Livros, RJ.

Stem, Daniel N., 1934- S858m O momento presente na psicoterapia e na vida cotidiana / Daniel N.

Stem; tradução de Celimar de Oliveira Lima; revisão técnica de Maria de Melo. - Rio de Janeiro; Record, 2007.

Tradução de; The Present Moment in Psychotherapy and Everyday Life

ApêndiceInclui bibliografiaISBN 978-85-01-07816-2

I. Stem, Daniel N., 1934- . 2. Psicoterapia. I. Título.

CDD - 616.8914 07-1221 C D U - 615.851

Título originalTHE PRESENT MOMENT IN PSYCHOTHERAPY AND EVERYDAY LIFE

Copyright © 2004 by Daniel N. Stem, M.D.Publicado mediante acordo com Lennart Sane Agency AB

Capa: Olga Loureiro Design

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.

Direitos desta tradução adquiridos pela EDITORA RECORD LTDA.Rua Argentina 171 - Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 -Tel.: 2585-2000 que se reserva a propriedade literária desta tradução

Impresso no Brasil

ISBN 978-85-01-07816-2

PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 Rio de Janeiro, RJ - 20922-970 e d i t o r a a f i l i a d a

Em memória de Jerry

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Para ver o mundo num grão de areia e o paraíso numa flor-do-campo Guarda o Infinito na palma de tua mão E a Eternidade numa hora

WlLLIAM BLAKE

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Sumário

Prefácio 11

Agradecimentos 19

Parte I EXPLORANDO O MOMENTO PRESENTE

1. O problema do “agora” 25

2. A natureza do momento presente 45

3. A arquitetura temporal do momento presente 63

4. O momento presente como uma história vivida: sua organização 77

Parte II CONTEXTUALIZANDO O MOMENTO PRESENTE

5. A matriz intersubjetiva 97

6. A intersubjetividade como um sistema motivacional básico e primário 119

7. Saber implícito 135

8. O papel da consciência e a noção de consciência intersubjetiva 145

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O MOMENTO PRESENTE

Parte III VISÕES DO PONTO DE VISTA CLÍNICO

9. O momento presente e a psicoterapia 159

10. O processo de seguir adiante 175

11. O entretecer do implícito com o explícito na situação clínica 213

12. O passado e o momento presente 22313. Mudança terapêutica: um resumo e algumas implicações

clínicas gerais 247

Apêndice A ENTREVISTA MICROANALÍTICA 257

Glossário 271

Referências bibliográficas 277

índice remissivo 297

Prefácio

MUITAS d a s IDÉIAS para escrever este livro teimaram em seguir-me por várias décadas, algumas desde o início de minha carreira, e ou­tras desde que consigo lembrar.

Talvez a mais insistente delas, que permeia todo o livro, seja o foco nos pequenos acontecimentos momentâneos que formam nos­sos mundos de experiências. O meu interesse aumenta quando esses momentos penetram a consciência de alguém e são compartilhados entre duas pessoas. Essas experiências constituem os momentos- chave de mudança na psicoterapia e os pontos nodais nos relacio­namentos íntimos cotidianos. Esses são os momentos presentes do título.

Ressalto que este livro não trata do significado no sentido clíni­co mais comum de explicar o presente em termos do passado e de estabelecer ligações associativas que possam ser interpretadas. Ele aborda a experiência no momento em que está sendo vivida. É es­sencial ter isso em mente.

Meu interesse pelo momento presente surgiu nos anos 1960-70, quando comecei a usar filmes e vídeos, que funcionaram como uma espécie de microscópio, para estudar a interação mãe-bebê e vê-la se desdobrar. Um mundo fascinante se abriu. Aos poucos percebi quantas coisas acontecem em apenas poucos segundos. Comecei a pensar nesses momentos como os blocos de construção básicos da experiência. Quando passei a dominar essas técnicas (por exemplo,

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congelamento da imagem, câmera lenta, repetições de segmentos), pude usá-las, de forma não sistemática, em tempo real, por perío­dos breves, para ver meus pacientes de psicoterapia de modo dife­rente. Eu estava apenas iniciando minha carreira de terapeuta.

Alguns momentos na terapia começaram a revelar aspectos do processo terapêutico diferentes dos que eu estava treinado para ver. Minhas anotações durante um encontro com uma paciente em 1969 ilustram isso: “Ela entra no consultório e senta-se na cadeira. Desa­ba sobre ela. A almofada afunda rapidamente e ela leva mais cinco segundos até se acomodar. Ela claramente espera por isso, mas, antes que a almofada exale seu último suspiro, cruza as pernas e transfere o peso de quadril. Novamente a almofada se esvazia e se reequilibra. Esperamos que ela termine. Na verdade, ela espera, está ouvindo, sentindo. Estou pronto desde que ela chegou, mas agora aguardo também. É difícil saber quando a almofada exauriu todo o ar. Mas tudo espera. Será que ela sente que está esperando, ou ganhando tempo? Tudo espera que ela esteja pronta. Percebo que estou restringindo meus movimentos até que ela termine. Qua­se como se eu tivesse de prender a respiração para apressá-la, para melhor julgar quando o ponto de quietude for atingido e a sessão puder ‘começar’. Quando finalmente penso que seu corpo e a al­mofada estão prontos, que o som e a sensação de acomodamento cessaram, começo a me mexer na poltrona, em antecipação, respi­rando mais livremente. Mas ela ainda está ouvindo o som refluir e ainda não está pronta. Minha mudança de posição é interrompida pela espera dela. Sinto como se tivesse sido surpreendido numa brin­cadeira de ‘estátua’. É ridículo. E posso perceber uma irritação cres­cer em mim por ter meus ritmos tão perturbados e controlados. Devo deixar que ela continue? Comentar o assunto? Ela nem ima­gina que já encenamos os temas principais da sessão, e um tema importante da vida dela.”

Antes da minha experiência com o mundo micromomentâneo dos acontecimentos implícitos, nada disso viria para o primeiro plano. Passaria despercebido, esperando que ela falasse.

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PREFACIO

Tais experiências me levaram a criar a entrevista microanalítica como um modo de chegar mais perto da experiência subjetiva vivi­da no nível micromomentâneo. É claro que ninguém consegue che­gar a essa experiência e nela permanecer enquanto fala sobre ela. Mas isso não me impede de pensar sobre ela nem de me aproximar o máximo possível.

Este livro é sobre a experiência subjetiva — especialmente aquelas que acarretam mudanças. Como as experiências fazem isso? De que são feitas? Quando é que acontecem? A natureza da experiência é um tópico vasto. Meu interesse se limita a um pequeno quadrante: a saber experiências que provocam mudanças na psicoterapia e nos relacionamentos pessoais da vida cotidiana.

O pressuposto básico é o de que a mudança baseia-se na experiên­cia vivida. Compreender, explicar ou narrar algo verbalmente, por si só, não é suficiente para provocar alterações. É preciso também que haja uma experiência real, um acontecimento vivido subjetiva­mente. Um acontecimento precisa ser vivido, com sentimentos e ações ocorrendo em tempo real, no mundo real, com pessoas reais, num momento de presentidade. Dois exemplos simples de uma experiência vivida são: olhar nos olhos de outra pessoa que está olhando para você e respirar fundo enquanto está falando com al­guém. Ambas são ações com sentimento.

A idéia de presentidade é chave. O momento presente que pro­curo é o da experiência subjetiva na hora em que ela ocorre — e não quando é remodelada por palavras mais tarde. O momento presente é a unidade de processo das experiências que nos interes­sam mais. Um primeiro passo em direção à compreensão da expe­riência é explorar e compreender esse momento. Este livro narra essa exploração, que objetiva modificar sua visão sobre o que está acontecendo numa sessão de psicoterapia e, por conseguinte, mu­dar sua forma de abordá-la e mostrar o que você pode fazer duran­te essa sessão.

Um esboço das alterações que fiz no título do livro enquanto o escrevia pode ajudar a prepará-lo para essa compreensão. Os títu­

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los provisórios capturam a idéia central que é o foco da atenção num determinado período e numa fase específica de um trabalho. Considerados em conjunto, os títulos provisórios deste livro reve­lam as idéias por trás dele. Embora seja em parte um resumo de algumas idéias nas quais trabalhei durante anos, acrescido de ou­tras recentes, o livro é, sobretudo, uma nova integração. A medida que essa integração evoluía, um novo título substituía o anterior.

Ao considerar o micromundo do momento presente, pensei pri­meiro no título preliminar Um mundo num grão de areia, de William Blake. Além de poético, capturava a dimensão do pequeno mundo revelado pela microanálise e ao mesmo tempo atraía a atenção para o fato de que muitas vezes é possível ver o panorama mais amplo do passado e da vida atual de alguém nos pequenos comportamen­tos e atos mentais que compõem esse micromundo. Além do mais, e de importância vital, ver o mundo nessa escala de realidade muda o que pode ser visto e, portanto, muda as nossas concepções básicas.

O micromundo experimentado sempre penetra a consciência perceptiva, mas só às vezes penetra a consciência (consciência per- ceptiva verbalizável). Trata-se muito mais de um saber implícito do que um conhecimento explícito e verbalizado. Quando a importân­cia do mundo implícito tornou-se mais evidente para mim, brin­quei com o título A face obscura da Lua, numa referência à natureza do saber implícito.

O aspecto temporal do momento presente (como o mundo num grão de areia) precisa ser abordado. O que a arquitetura temporal de tais momentos nos diria? E como a experiência fenomenal da presentidade poderia ser discutida? Afinal, a presentidade da expe­riência vivida é essencial. Essa pergunta lançou-me numa extensa viagem de aprendizado ao reino da filosofia fenomenológica, um terreno novo e estranho para mim. Foi então que veio à tona o fato oculto, mas óbvio, de que estamos psicológica e conscientemente vivos apenas agora. O que mais me intrigou foi a seguinte indaga­ção: por que a psicologia clínica não tomou como ponto de partida a experiência vivida diretamente no presente? (Os terapeutas o fi­

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PREFÁCIO

zeram mais recentemente.) Isso é, certamente, um desvio radical do caminho historicamente seguido pela maioria das psicologias, que dão ênfase ao passado e a sua influência. Também implica que a cons­ciência, mais do que o inconsciente, é o mistério-chave, outro desvio radical (possibilitado pelo enorme volume de trabalhos já realizados sobre o funcionamento do inconsciente).

A luz desse questionamento, o título seguinte foi Uma visão fenomenológica da experiência psicoterapêutica. Entretanto, a fenomenologia era somente uma perspectiva necessária e útil, e não o assunto do livro.

Outra característica do momento presente que me intrigava era o fato de ele ter um trabalho psicológico a fazer. É preciso aglome­rar e entender o momento enquanto ele está passando, e não de­pois, e voltar para a próxima ação. Com isto em mente, o título seguinte foi Kairos, a palavra grega para o momento propício ou o momento em que algo vem a ser. Kairos é uma unidade de tempo tanto subjetiva quanto psicológica. Claramente, o momento pre­sente precisa ter aspectos de kairos porque necessita entender o que aconteceu no passado, o que está acontecendo agora e como agir em relação a isso. Ele requer uma completa apreensão dos aconte­cimentos no instante em que eles se desdobram. Isso reforçou a necessidade de examinar a arquitetura temporal do momento pre­sente e de ver que ele compõe uma breve “história vivida” emocio­nal. Kairos também era atraente como título porque sugere o encontro de elementos independentes e não relacionados num de­terminado ponto do tempo, fazendo emergir momentos especiais. E isso é exatamente o que o Boston Change Process Study Group (BCPSG) estava descobrindo no processo clínico à medida que pro­curávamos momentos que levassem à mudança terapêutica. Entre­tanto, kairos não poderia ser um título, pois normalmente nasce no âmbito de uma psicologia individual. E eu estava verificando em nosso trabalho no Boston Group que o material clínico é ampla­mente co-construído — que estamos lidando com uma psicologia de duas pessoas.

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Daí o título seguinte, O momento de encontro. Em nosso traba­lho clínico conjunto, a importância da subjetividade (ou seja, a mente lendo os pensamentos, sentimentos ou intenções do outro) era cada vez maior. Motivações intersubjetivas mostravam-se responsáveis pelo fluxo de pequenos movimentos dos parceiros durante uma sessão. Além disso, O momento de encontro descrevia a natureza da co-criatividade e a ampliação do campo intersubjetivo servindo de contexto principal para outras mudanças no tratamento. A medida que eu buscava a importância da intersubjetividade na terapia e em toda experiência íntima e bem coordenada de grupo, ficava claro que a intersubjetividade era um útil processo intermental e também constituía em si mesma um sistema motivacional importante, es­sencial para a sobrevivência humana — semelhante ao apego ou ao sexo. As implicações de elevar a subjetividade a tal status não pode­riam ser completamente analisadas sem que eu escrevesse um livro diferente.

As reflexões sobre a intersubjetividade como matriz de uma psi­cologia de duas pessoas também levaram ao conceito de uma possí­vel nova forma de consciência: a “consciência intersubjetiva”, um modo de reflexividade que surge quando nos tornamos conscientes do conteúdo de nossa mente por ser este refletido para nós pela mente do outro, simultaneamente.

O momento de encontro tinha outra grande vantagem como título. Ele reunia o momento presente, a noção de kairos, a inter­subjetividade e a co-criação no processo terapêutico. Além disso, por ser um acontecimento que se desenrola no presente, fica claro que algo afetivo tem de acontecer e ser compartilhado naquele momento a fim de alterar o campo intersubjetivo implicitamente sentido. O que é compartilhado num momento de encontro é uma história vivida. Ela é física, emocional e implicitamente partilhada, e não apenas explicada. As noções de “afetos de vitalidade” e de “viagens de sentimento compartilhadas”, apresentadas mais adian­te no livro, foram necessárias para dar substância à idéia de uma história vivida de forma compartilhada. Eu precisava de tais mo­

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PREFÁCIO

mentos, também, para chegar a um tipo de consciência que fosse terapeuticamente utilizável. Aqui, surgiu a consciência intersubjetiva que acompanha a viagem de sentimentos compartilhada.

Em última análise, porém, o momento de encontro é apenas um tipo especial de momento presente. Então cheguei ao título O mo­mento presente na psicoterapia e na vida cotidiana, que continuava a reaparecer quando outros títulos provisórios eram abandonados. E o mais abrangente deles, englobando todos os outros, e o que melhor mantém o foco na integração dessas diversas idéias e no papel do tempo e da presentidade. Reflete, ainda, com precisão, a noção de que o ponto de vista do livro é microanalítico e fenome- nológico. Essa visão granular talvez seja a característica mais exclu­siva das descrições fornecidas. A realidade fenomenal do momento presente captura isso.

Todos os passos na evolução dessas idéias estão representados no plano do livro. Cada capítulo tenta estabelecer um aspecto es­sencial do momento presente como a unidade de processo de expe­riências que pode conduzir a mudanças.

Eis o plano:A parte I do livro é uma exploração do momento presente. O

primeiro capítulo trata do problema do “agora”. Afinal, é quando um momento presente acontece. O capítulo 2 aborda a natureza do momento presente, enquanto o capítulo 3 examina a arquite­tura temporal do momento presente e o capítulo 4 discute sua organização.

A Parte II contextualiza o momento presente, explorando três das noções mais importantes para situá-lo no processo terapêutico: intersubjetividade, conhecimento implícito e consciência.

Duas (ou mais) mentes podem se interpenetrar e compartilhar quase as mesmas experiências. São capazes de intersubjetividade (especialmente entre paciente e terapeuta). Os momentos presentes de mais interesse ocorrem quando duas mentes se encontram. O capítulo 5 descreve a intersubjetividade penetrante na qual os trata­mentos são conduzidos e a vida social é vivida. O capítulo 6 sugere

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a importância adaptativa da intersubjetividade tanto para a evolu­ção como para a psicoterapia.

Muito do que é apreendido no momento presente pertence ao domínio do conhecimento implícito. Conseqüentemente, é neces­sário olhar de perto essa forma de conhecimento. Este é o assunto do capítulo 7.

Por fim, a posição do momento presente ao longo da dimensão da consciência é essencial para quem deseja examinar como as ex­periências que estão ocorrendo “agora” podem ser recordadas, in­fluenciadas, verbalizadas e narradas. Isso é discutido no capítulo 8.

A parte III compreende uma visão de como o momento presen­te opera na situação clínica. O capítulo 9 apresenta a operação do momento presente no setting clínico. No capítulo 10 é explorado o que ocorre numa sessão, momento a momento. Discute a im- previsibilidade e a “desordem” do processo terapêutico e suas duas mais importantes propriedades emergentes resultantes: o momento agora e o momento de encontro. Isso envolve uma descrição fiel do que acontece no nível local e no micronível do momento presente. Esses são os aspectos práticos do fluxo de uma sessão. O capítulo 11 fala do entretecer do implícito com o explícito. Muito do que acontece em psicoterapia é explicado na linguagem, inclusive nas interpretações. As influências mútuas entre o implícito e o explícito são exploradas. O capítulo 12 discute o passado e o momento pre­sente. Analisa como o momento presente é influenciado pelo passa­do e debate a necessidade de ser capaz de abarcar um passado assim como um presente, sem o qual não há base para um pensamento psicodinâmico, examinando as maneiras de realizar isso. Finalmente, o capítulo 13 resume o papel do momento presente na mudança psicoterapêutica e fornece implicações clínicas.

Devo começar, então, pelo problema do agora como o primeiro passo na exploração do momento presente, nosso microscópio para observar como a mudança acontece.

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Agradecimentos

M eu PRIMEIRO CONTATO com o arauto do momento presente se deu quando comecei a aprender sobre o mundo micromomentâneo da interação mãe-bebê que ocorre naturalmente. Na época, muitas décadas atrás, eu conhecia alguns outros pesquisadores e clínicos que estavam explorando esse pequeno mundo com técnicas de ci­nema e TV. Entre eles encontravam-se Lou Sander, Colwyn Trevarthen, Berry Brazelton, Ed Tronick e Beatrice Beebe. Este pe­queno grupo mantinha contato e compartilhava um entusiasmo comum. Afora isso, era um trabalho solitário, mas sou grato a eles por encorajarem-se mutuamente e ajudarem a formar uma massa crítica que explorou o micromundo.

Quase simultaneamente, conheci um grupo de coreógrafos de Nova York que estava fazendo experiências com técnicas semelhantes na dança: repetições de seqüências curtas, imagens congeladas, apre­sentação retroativa dos acontecimentos etc. Eles iam ao meu labo­ratório na Universidade de Colúmbia, no Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York, para assistir a algumas de minhas análises de filmes sobre a interação mãe-bebê, e eu ao centro da cidade, obser­var o trabalho que eles desenvolviam com os bailarinos que, à pri­meira vista, me pareceu pouco promissor em termos de aprendizado e inspiração. Mas não a um segundo olhar mais atento. Nesse con­texto, tive a sorte de fazer amizades duradouras com o coreógrafo Jerome Robbins e com o ator de teatro Robert Wilson, o que me

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O MOMENTO PRESENTE

permitiu ver espetáculos de dança e de teatro tomarem forma des­de sua concepção, passando pelos ensaios, até a estréia. Seguiu-se uma troca que durou décadas. Para mim foi uma incrível oportuni­dade de aprender sobre os reinos não verbais. Quero agradecer tudo que eles me ensinaram.

Então, nove anos depois, alguns de nós deram início a uma rica colaboração. Os campos da psicoterapia, psicanálise, psicolo­gia do desenvolvimento e pediatria estavam representados. E sur­giu o Boston Change Process Study Group. Durante o tempo em que formulei e escrevi o livro, os membros do grupo eram: Nadia Bruschweiler-Stern, Alexandra Harrison, Karlen Lyons-Ruth, Alexander Morgan, Jeremy Nahum, Louis Sander e Edward Tronick. Muitas das idéias importantes inseridas neste livro emer­giram dessa colaboração.

Tornou-se evidente que, quando trabalhávamos em grupo — o que fazíamos intensivamente — um poderoso processo de co- criação se instalava. Retrabalhávamos uma idéia que havia se ori­ginado de um de nós, transformando-a num conceito diferente ou mais elaborado, ou ligando-a a uma idéia que viera de outra pes­soa para formar uma noção completamente nova. Ficava impossí­vel desembaraçar sua história. É por esse motivo que decidimos publicar trabalhos coletivamente após nossos dois primeiros li­vros. Como estávamos examinando o processo de co-criação em psicoterapia, talvez não fosse surpreendente encontrar o mesmo processo em nosso trabalho conjunto. Ou quem sabe não seria o caminho inverso?

O material clínico é o que mais diretamente deriva de nosso tra­balho conjunto, particularmente mostrado nos capítulos 10 e 11, que se baseiam amplamente em nossas publicações coletivas. Entretanto, dei a esse material um viés bem diferente, e muitos dos conceitos ou ênfases não estão necessariamente de acordo com os que o grupo pode ter desenvolvido. Além disso, alguns membros podem discor­dar das fontes de onde obtive dados. A fim de respeitar as contribui­ções do grupo e de seus membros individualmente, tentei mencionar

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AGRADECIMENTOS

da forma mais cuidadosa possível as publicações tanto do grupo como de seus membros isoladamente, conforme elas se relacionam com o assunto em pauta. Agradeço profundamente a esses colegas e expres­so o prazer que tive ao trabalhar com eles. Este livro teria sido dife­rente sem o Boston Change Process Study Group.

Duas pessoas de grande conhecimento leram o livro em está­gios preliminares: Elizabeth Fivaz-Depeursinge, em Lausanne, e Daniel Siegel, em Los Angeles, e suas críticas, sugestões e incentivo tiveram valor inestimável.

Quero agradecer em especial à minha editora, Deborah Malmud. Depois de ler a primeira versão, ela me escreveu uma carta de sete páginas, em espaço simples, repleta de sugestões, questionamentos, pedidos de esclarecimentos e idéias para a reordenação das seções. Ainda assim, era encorajadora. A princípio fui pego de surpresa e não fiquei muito contente. Após muitas leituras, comecei a apreciar a carta, mas não exatamente a gostar dela. Quando voltei ao traba­lho, levando em conta o que ela escrevera, passei a me apoiar cada vez mais em seus conselhos. Acabei não só por gostar da carta, mas também por considerá-la um brilhante trabalho de edição. Graças a ela, o livro ficou mais fino e mais claro.

Por fim, agradeço o estímulo dado por minha família, parti­cularmente minha mulher, Nadia, que lê partituras com grande sen­sibilidade e um ouvido soberbo, tanto para o tom quanto para o conteúdo.

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EXPLORANDO O MOMENTO PRESENTE

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Capítulo 1

O PROBLEMA DO "AGORA"

A IDÉIA DE UM MOMENTO PRESENTE é proposta como uma forma de lidar com o problema do “agora”. É notável como sabemos pouco sobre as experiências que estão ocorrendo exatamente neste instante. Essa ignorância relativa é especialmente estranha à luz do seguinte:

Primeiro, estamos subjetivamente vivos e conscientes apenas agora. E agora é quando vivemos nossa vida diretamente. Em tudo mais há uma separação de segundo ou terceiro grau. A única hora de realidade subjetiva crua, de experiência fenomenal, é o momen­to presente.

Segundo, a maioria das psicoterapias concordam em que o tra­balho terapêutico no “aqui e agora” tem maior poder de provocar mudanças. Isso significa onde e quando se dá um contato mutua­mente consciente entre a mente do terapeuta e a do paciente. Além disso, nos relacionamentos cotidianos, os eventos nodais que alte­ram o curso da vida normalmente ocorrem num momento que é experimentado como chave, não só depois que aconteceu, mas tam­bém enquanto está ocorrendo. Apesar disso, ainda precisamos fa­zer a pergunta: o que é o agora}

Terceiro, as teorias psicodinâmicas de mudança terapêutica ba- seiam-se na idéia de que o passado tem papel fundamental na deter-

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O MOMENTO PRESENTE

minação do presente e, num certo sentido, está no centro do palco. Conseqüentemente, sabemos muito sobre como eventos passados influenciam a experiência atual. Mas não prestamos a mesma aten­ção à natureza da experiência atual quando ela está sendo influen­ciada e está acontecendo. Como ficariam a psicoterapia e a mudança terapêutica se o momento presente assumisse o centro do palco?

E é exatamente isso que este livro faz. Posiciona o momento presente no centro do palco e o conserva ali. Isso empresta outra aparência ao processo de psicoterapia e altera nossas concepções sobre como se dá a mudança terapêutica. A maneira pela qual con­duzimos a psicoterapia vai se modificar, porque nossa visão sobre o que está acontecendo será diferente. Também podemos descobrir que nossa visão da experiência diária se enriquece. Estes são os ob­jetivos do livro.

Entretanto, antes de passar a esses objetivos mais abrangentes, precisamos explorar a natureza da experiência atual e depois aplicá- la à situação clínica. A pesquisa começa com algumas questões im­portantes sobre o momento presente ou a agoridade. Quando é o agora? O que é o agora? O agora existe e, se existe, o quanto ele dura? Como o agora está estruturado? O que ele faz? Como se relaciona com a consciência e com o passado? Como conduz a sig­nificados? Por que ele ocupa um lugar tão especial na psicoterapia? E, relacionado a estas indagações, como o agora é experimentado quando é co-criado e compartilhado com alguém? Finalmente, que papel o agora desempenha na mudança? Em resumo, como imagi­namos um momento presente?

Existe outro aspecto do agora subjetivo que é tanto surpreen­dente quanto óbvio. O momento presente não passa zunindo e se torna observável apenas depois que se foi. Na verdade, ele cruza o palco mental mais devagar, levando alguns segundos para se desdo­brar. E, durante sua passagem, encena um drama emocional vivido que, à medida que se desenrola, traça uma forma temporal, como uma frase musical transitória. Como veremos, isso é de grande im­portância, porque o momento presente devolve tempo à experiência.

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0 PROBLEMA DO "AGORA'

“Devolver o tempo à experiência” é uma frase curiosa. Eis o que se encontra por trás dela: é fácil pôr um tempo linear, de reló­gio (chronos), em histórias sobre nós mesmos — o antes, o depois e o meio-tempo de nossas narrativas. Mas não é tão claro como se faz para se colocar o tempo subjetivo (o que quer que isso se revele ser) nas experiências que estão acontecendo agora. E sem ele é im­possível ligar os muitos acontecimentos seqüenciais que ocorrem durante o momento presente e formam uma experiência coerente inteira. A vida seria descontínua e caótica mesmo na pequena esca­la temporal do presente.

A questão do agora tem uma história mais longa. Na verdade, esta é somente uma parte da história maior do tempo. Não entrarei neste tema extenso a não ser para demonstrar certos pontos relacio­nados com o problema do agora subjetivo. Primeiro, vemos o tem­po como algo que surge de nossas sensibilidades humanas. Ele é uma invenção da nossa mente. Nada sabemos sobre o tempo das coisas, se é que se pode imaginar algo assim. Nas ciências naturais e no gerenciamento da programação diária da vida, usamos a antiga concepção grega de chronos, que é a idéia de tempo objetiva usada não só na ciência mas também na maioria das psicologias. No mun­do do chronos, o instante presente é um ponto em movimento no tempo em direção apenas a um futuro. Não importa se seu curso é visto como uma linha reta ou um círculo ou uma espiral, pois ele está sempre em movimento. Enquanto se move, devora o futuro e deixa o passado em seu rastro. Mas o instante presente em si é muito curto. E uma fatia quase infinitesimal de tempo durante a qual muito pouco pode acontecer sem tornar-se passado de imedi­ato. Efetivamente, não existe presente.

Há outras construções humanas de tempo. No tempo narrati­vo, a ordenação dos eventos é criada pelo narrador de uma histó­ria, independentemente da seqüência cronológica (Ricoeur, 1984-1988). O complexo tempo psíquico de Freud despreza a su­cessão linear, troca a velocidade de passagem, dá meia-volta e do­bra-se para a frente sobre si mesmo — um tempo que Green (2002)

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0 MOMENTO PRESENTE

chamou de fragmentado. Existem várias formas de heterocro- nicidade com diversos tempos paralelos. E há estados meditativos nos quais o tempo não se move, mas passa da existência para um “agora” homogêneo e contínuo.

No entanto, quando se considera a psicoterapia e a vida como normalmente vivida, essas concepções apresentam problemas. O pro­blema com chronos é que, se não existe um agora longo o bastante para que algo se desenvolva dentro dele, não pode haver experiência direta. Isso não é aceitável em termos intuitivos. Além disso, a vida- como-vivida não é experimentada como um fluxo inexoravelmente contínuo. Na verdade, ela é sentida como descontínua, feita de inci­dentes e eventos separados no tempo mas também conectados de algum modo.

A idéia de tempo da narrativa também apresenta problemas, pelo menos para os nossos propósitos. As narrativas selecionam episódios da vida e os marcam no tempo: antes, depois, de novo e assim por diante. Os episódios são então rearrumados, não neces­sariamente em ordem histórica, mas para contar a história mais coerente sobre como foi a vida. As narrativas visam à verossimi­lhança da vida, não à verdade histórica. Dessa forma, nos devolvem a sensação de continuidade na vida. Elas domam chronos, fazem a passagem do tempo parecer familiar e tolerável, e fazem-nos sentir coerentes ao longo dessa dimensão infinita (Bruner, 1990, 2002b; Ricoeur, 1984-1988). Entretanto, elas não domam o momento pre­sente. Apesar da grande façanha de fazer a narrativa, o agora não cabe num relato narrativo, exceto como ponto de referência. Numa narrativa, o agora do qual se fala já aconteceu. Ela cria uma relação entre os agoras passado e futuro. Não é uma experiência direta.

•VApenas a narração está acontecendo agora.No tempo psíquico fragmentado de Freud, assim como no tem­

po narrativo, pouca atenção é dada à estrutura temporal do agora. Ele não é visto como temporalmente dinâmico, dentro dele mesmo— isto é, traçar um perfil temporal de pequenas mudanças à medi­da que ele se desenrola. No tempo psíquico, o principal interesse

•jh

O PROBLEMA DO "AGORA'

no agora reside em sua relação com outras partes do tempo, não em sua própria natureza.

Assim, o que deve ser feito com o agora enquanto a vida está de fato sendo experimentada — enquanto o presente ainda está se des­dobrando? A concepção subjetiva de tempo dos gregos, kairos, pode ser útil aqui. Kairos é o momento transitório no qual algo acontece à medida que o tempo decorre. E o nascimento de um novo estado de coisas, e isso ocorre num momento de consciência perceptiva. Ele tem suas próprias fronteiras e transcende a passagem do tempo linear ou dela escapa. No entanto, também contém um passado. É um parêntese subjetivo destacado de chronos. Kairos é um momen­to de oportunidade, quando os acontecimentos exigem ação ou são propícios para agir. Os acontecimentos se reuniram nesse momen­to e o encontro penetra a consciência perceptiva de tal forma que uma medida tem de ser tomada, agora, para alterar o destino de alguém — seja pelo minuto seguinte ou pela vida inteira. Se nada for feito, o destino será mudado mesmo assim, mas de modo dife­rente, porque a pessoa não agiu. E uma pequena janela de devir e oportunidade. Uma das origens da palavra provém de pastores ob­servando as estrelas. A medida que a noite avança e as estrelas per­correm o céu, elas parecem nascer e depois se esconder no horizonte. O momento em que uma estrela atinge o apogeu e parece mudar de direção de ascendente para descendente é o seu kairos (Kathryne Andrews, comunicação pessoal, 23 de novembro de 2000).

Tanto na vida real como na situação clínica, um momento pre­sente poderia ser chamado de um momento de microkairos, por­que apenas decisões menores sobre o curso da vida e caminhos curtos do destino estão em jogo. Este livro tenta mostrar por que todos os momentos presentes são também momentos de kairos, qualquer que seja sua magnitude.

A narrativa nos proporciona um caminho psicológico para ajus­tar a vida à realidade de chronos. Vamos explorar o momento presen­te como uma abordagem psicológica para compreender a experiência de kairos.

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O MOMENTO PRESENTE

O PONTO DE PARTIDA

Dada a posição única e fundamental da “agoridade” subjetiva na experiência de todos nós, a proposta é começar uma exploração da prática e da teoria clínicas, bem como da vida subjetiva cotidiana, posicionando o “agora” fenomenal no centro — como nosso ponto de partida. A teoria existencialista e algumas teorias da Gestalt por certo fizeram exatamente isso, mas em grandes pinceladas. Estamos propondo fazê-lo no micronível do momento presente que está pas­sando. À primeira vista, iniciar tal investigação tendo o momento presente como a lente de aumento para observar a psicoterapia e a experiência cotidiana parece difícil e improvável. Mas o momento presente é nossa realidade subjetiva primária, então, por que não começar por ele? Por onde mais? Pode ter implicações interessantes não apenas para as psicologias clínicas mas também para as neu- rociências.

Essa concepção do momento presente se apóia em grande parte em uma perspectiva fenomenológica. A fenomenologia é o estudo das coisas como elas aparecem à consciência, como elas se apresen­tam na mente. Inclui: percepções, sensações, sentimentos, lembran­ças, sonhos, fantasias, expectativas, idéias — o que quer que ocupe o palco mental. Esse estudo não se concentra na maneira pela qual essas coisas se formaram ou surgiram na mente. Também evita qual­quer tentativa de explorar a realidade externa que corresponda ao que está na mente. Diz respeito apenas à aparência das coisas como elas se apresentam ou se mostram à nossa experiência. Trata da paisagem mental que vemos e em que nos encontramos em deter­minado momento. Isso é realidade fenomenal (ver Moran [2000] para uma introdução abrangente). Portanto, este livro aborda os pequenos mas significativos acontecimentos afetivos que se desdo­bram nos segundos que formam o agora.

Existe, porém, uma ampla questão. O momento presente, en­quanto é vivido, não pode ser apreendido pela linguagem que o (re?)constitui pós-fato. O quanto a versão lingüística é diferente da

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originalmente vivida? Neste ponto, mesmo as neurociências podem fazer apenas sugestões limitadas. Mesmo assim, grande parte do livro é sobre o momento presente inatingível. Essa experiência vivi­da tem de existir. E o referente experiencial sobre o qual a lingua­gem se constrói. E o inapreensível acontecer da nossa realidade. Portanto, tem de ser explorado exaustivamente, para pensarmos melhor sobre ele e imaginar abordagens terapêuticas.

A entrevista analisada a seguir é exatamente uma dessas abordagens.Há cerca de 15 anos, comecei a realizar um tipo especial de

entrevista que ajuda a identificar momentos presentes e os aconteci­mentos afetivos que ocorrem durante eles. Inicialmente denominada “entrevista do café-da-manhã”, hoje chamada de entrevista micro- analítica. (Uma explicação mais extensa sobre como conduzir uma entrevista microanalítica encontra-se no Apêndice.) Eis como ela acontece. Pergunto aos indivíduos: “Que experiências vocês viveram hoje no café-da-manhã?” (Faço esta pergunta diversas horas depois do fim do desjejum.) Em geral, eles respondem: “Bom, para dizer a verdade, nada.” Eu insisto até que se lembrem de algo. Procuro por qualquer acontecimento que tenha início e fim claros (boas frontei­ras). Este é um exemplo do que eles podem recordar: “Eu me lembro de ter pego o bule para me servir de chá. Na verdade, não me lem­bro de pegá-lo, mas devo ter feito isso. Enfim, enquanto estava me servindo, lembrei-me de algo que aconteceu na noite passada. Nes­se instante, o telefone tocou e tomei consciência de estar servindo o chá porque me perguntei se eu devia terminar de encher a xícara ou pousar o bule e atender ao telefone. Pousei o bule, levantei-me e atendi ao telefone.” (Tudo isso levou cerca de cinco segundos.)

Em seguida, faço uma entrevista de, aproximadamente, uma hora e meia, sobre o que foi experimentado naqueles cinco segundos. Pergunto o que fizeram, pensaram, sentiram, viram, ouviram, em que posição seu corpo estava, quando mudou, se posicionaram-se como ator ou como observador em relação à ação, ou entre um e outro. Peço-lhes que criem um filme da experiência, como se pu­déssemos fazer uma montagem do que estava em seu palco mental.

0 PROBLEMA DO "AGORA"

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0 MOMENTO PRESENTE

Eles são o diretor, e eu, o operador de câmera, e têm de me dizer o que fazer com ela. Essa tomada é um close-up ou um plano geral? Como devo cortar de uma cena para a seguinte? Onde está po­sicionada a câmera e qual o seu ângulo em relação à ação? Em ou­tras palavras, questiono sobre qualquer coisa que me passar pela cabeça a fim de capturar sua experiência subjetiva do modo mais completo possível.

A entrevista se desenrola de um modo especial. Os sujeitos do estudo e eu tentamos desenhar ou representar num gráfico a expe­riência ao longo de uma linha de tempo, onde esse tempo se esten­de no eixo horizontal e a intensidade, o esforço e a plenitude do evento/sentimento/sensação/pensamento/afeto/ação são delineados no eixo vertical. O resultado surge em diversas curvas, cada uma um contorno temporal da distribuição da intensidade do que quer que tenha sido vivido ao longo do tempo (ver Figura 1.1). Conduzo os sujeitos por muitas passagens através da experiência. Por exem­plo, pergunto se alguma lembrança foi evocada durante a experiên­cia. Se a resposta for positiva, a lembrança é acrescentada ao gráfico. Indago-lhes que experiências afetivas tiveram. Estas são desenha­das pelos sujeitos com um contorno ao longo do tempo que repre­senta as mudanças na intensidade do afeto à medida que este ocorria. Esses contornos do afeto são então também adicionados ao gráfico. A cada passagem, todo o desenho pode ser revisto, se necessário. E normalmente é. Depois de muitas passagens, obtemos um registro que se parece muito com uma partitura musical sinfônica com mui­tas coisas acontecendo simultaneamente.

Continuidades e descontinuidades são registradas com cuidado e divididas nas seguintes unidades: Episódios de consciência são períodos contínuos de consciência separados por buracos no fluxo da consciência, non-CS holes, e feitos de um ou mais momentos presentes demarcados por uma mudança na cena (lugar, tempo, personagens, ação) ou no ponto de vista da narrativa. A identifica­ção de momentos presentes e as fronteiras entre eles são escolhidas pelos sujeitos.

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O PROBLEMA DO "AGORA"

Vale notar que os momentos presentes no gráfico não são os originais. Na verdade, são lembranças contadas de fatos ocorridos, mais cedo, naquela manhã, momentos presentes vividos realmente. Obviamente, não se pode obter um relato verbal de uma experiên­cia no instante em que ela ocorre sem interrompê-la. O objetivo é desenhar um quadro com que um momento presente provavelmen­te se pareça.

Mais uma observação: no relato, existem na verdade os dois momentos presentes envolvidos, o momento presente original e não narrado, vivido durante o café-da-manhã, e o momento presente da narração que me foi feita, mais tarde. Por enquanto, estou inte­ressado somente no momento presente originalmente vivido. Pos­teriormente abordarei o momento presente da narração.

À medida que a entrevista prossegue, insisto veementemente que o sujeito faça a distinção entre o que deve ter acontecido e o que foi realmente experimentado conscientemente naquela manhã (só o úl­timo é registrado no gráfico). A entrevista chega ao fim quando o indivíduo sente que o registro gráfico tem a verossimilhança adequa­da ao que ele se recorda de ter experimentado.

Esse processo pode parecer entediante, mas na verdade gera grande interesse e curiosidade tanto no sujeito quanto em mim, apesar da aparente banalidade dos eventos. Embora comuns, os momentos presentes são acionados pela novidade, pelo inesperado ou por uma perturbação ou problema em potencial. Deles são fei­tos os pequenos dramas diários. Buscamos o desvelar com uma es­pécie de cumplicidade entusiasmada crescente. E ficamos cada vez mais espantados com tudo que é recordado como acontecido em períodos tão breves de momentos da vida cotidiana e como os microdramas são resolvidos.

A seguir, apresento quatro exemplos de momentos presentes, que na verdade apenas se aproximam furtivamente do fenômeno do momento presente por motivos que se tornarão evidentes mais adiante. Entretanto, esclarecem algumas das questões-chave. Os dois primeiros são de situações nas quais eu estava conduzindo entrevis­

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O MOMENTO PRESENTE

tas microanalíticas. O terceiro é um exemplo clínico, e o quarto, um exemplo tirado da vida comum.

EXEMPLO 1*

Momento presente 1

(O sujeito entrou na cozinha, ligou o rádio e foi até a geladeira. Abriu a porta da geladeira, procurando a manteiga para passar no pão. Fez tudo isso de modo automático, sem estar especificamente consciente de seus atos. Então começou seu primeiro momento de consciência.) Percebi que o chanceler Kohl, da Alemanha, estava sen­do entrevistado no rádio, ouvi a voz dele, depois desviei-a da minha cabeça. Procurando na geladeira, não encontrei a manteiga. Pensei comigo mesma: “Não tem manteiga.” Ao ver que não achava a man­teiga comecei a sentir uma frustração leve, porém crescente, e uma espécie de sentimento negativo, algo entre a decepção e a irritação. Esses sentimentos aumentaram. (Isso durou cerca de três segundos. Depois houve uma transição para o momento seguinte sem quebra da continuidade da consciência.)

Momento presente 2

Então pensei: "Ah, tudo bem, melhor para a minha dieta.” Quando pensei isso, a frustração e a irritação passaram e experimentei uma onda de alívio que continuou a crescer um pouco. (Isso durou três segundos, aproximadamente. Em seguida ela passou a agir fora da consciência por um período. Logo depois, começou a recordar um terceiro momento de consciência.)

* 0 itálico é usado para indicar tudo que o sujeito relatou como sua experiência conscien­te. Tudo de relevante que deve ter acontecido mas não penetrou na sua consciência, prova­velmente porque era algo rotineiro e automático demais, foi descrito entre parênteses. Consulte a Figura 1.1 à medida que o diálogo se desenrola.

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O PROBLEMA DO "AGORA'

Momento presente 3

Pensei comigo: “Posso colocar m el.” (O mel estava no lugar da manteiga. Normalmente, ela só comia mel aos domingos. Era uma tradição familiar. O mel era algo especial, e não para os outros dias. Era terça-feira.) Perguntei a mim mesma: “Será que eu ouso pegar o mel?” Primeiro, quando pensei nisso, senti uma onda de surpresa diante dessa idéia inesperada. Depois, uma sen­sação de bem-estar me invadiu, e começou a crescer, por ter re­solvido o problema da falta da manteiga. Enquanto isso acontecia, vi em minha mente o pote de mel em seu lugar de costume, no armário atrás de mim (e fora da vista), em sua exata posição na prateleira. (Ainda sem se voltar.) Decidi então agir e pegar o mel. (Ela se virou, abriu a porta do armário e apanhou o pote de mel, mas sem estar consciente desses atos rotineiros.) Depois, com o mel na mão, comecei a sentir uma culpa cada vez maior e uma sensação de cobiça porque ia comer mel numa terça-feira. (Este momento demorou cerca de cinco segundos. Houve então uma lacuna na consciência de sua experiência e depois ela ficou cons­ciente de novo.)

Momento presente 4

Estou segurando uma fatia de pão, ainda sem o m el Mas o pão é de um tipo diferente do que costumo comprar. Sinto-me estranha e isso me surpreende. Penso: “O que faço com este pão?” Um sentimento negativo discreto aparece. (Este momento durou em torno de três segundos. Ela então espalha mel no pão sem estar conscientemente atenta ao ato. Um novo momento começa, adjacente ao anterior.)

Momento presente 5

Estou ciente de morder o pão com mel. Gosto da textura e penso: “Até que não é ruim. ” E com isso começo a me sentir melhor. De­

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O MOMENTO PRESENTE

pois tomo novamente consciência da entrevista no rádio. (Este mo­mento demorou três ou quatro segundos.)

Este breve exemplo, por banal que possa ser, ilustra algumas das questões sobre a experiência que precisam ser abordadas. E verda­de que o relato é (re)construído após o evento e é uma narrativa de experiências recordadas reunidas de maneira incomum, e não uma narrativa espontânea. Nem jamais foi ensaiada. Foi desmembrada e reconstruída peça por peça em passagens sucessivas. É uma narrati­va desconstruída e progressivamente co-construída em seguida, re­formada em camadas progressivas. Apesar desses problemas e com a cautela apropriada, podem ser feitas as seguintes afirmativas so­bre momentos presentes vividos enquanto se desdobram, e não en­quanto são recordados e narrados.

• Momentos presentes são incrivelmente ricos. Embora durem apenas um curto espaço de tempo, muitas coisas acontecem.

• Momentos presentes ocupam o agora subjetivo. O momento pre­sente é visto como o que quer que esteja na mente agora, seja objeto da atenção mental real ou virtual. (A visualização da loca­lização do mel às costas dela foi uma experiência virtual.)

• O momento é um acontecimento completo, uma gestalt. O tema psicológico é o todo, não as pequenas unidades que o compõem.

• Ela experimentou esses eventos num agora que identificou e li­mitou com fronteiras.

• O momento presente é breve. Neste caso, cada um dos cinco mo­mentos presentes durou entre três e cinco segundos, como esti­mado pelo sujeito.

• A consciência é o principal critério utilizado para identificar epi­sódios contendo momentos presentes. Neste exemplo, eles pro­vavelmente acionaram a consciência por serem violações do esperado. Eram inovações, e isso constituía um problema.

• Os sentimentos experimentados (por exemplo, frustração e pra­zer) traçam uma forma-de-tempo (um perfil temporal) com ele­

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O PROBLEMA DO "AGORA"

vações e quedas analógicas. Em outras palavras, são afetos de vitalidade realizados (formas-de-tempo-dinâmicas) que contor­nam a experiência temporalmente.

• Uma história vivida se desenrola dentro de cada momento pre­sente. Ela é feita de muitas experiências pequenas reunidas no presente subjetivo. O enredo, ainda que mínimo, desloca-se so­bre a forma de sentimento temporal dos afetos contornados. A micro-história que se desdobra resolve a novidade ou o pro­blema.

• Tais momentos não são separados do restante da vida, isola­dos e desconectados. Na verdade, eles capturam um sentido do estilo, da personalidade, das preocupações ou dos confli­tos do sujeito — em outras palavras, de suas experiências do passado. Cada um desses momentos é psicodinamicamente relevante.

Este último ponto merece uma discussão mais extensa. Veja o exemplo da manteiga. O sujeito pareceu confeccionar pares afetivos/ morais:

• Não tem manteiga. Isso é ruim. / Ah, sim, estou de dieta, então é bom.

• Posso usar mel. Ficaria gostoso. / Ah, mas seria pecado.• Que pão esquisito é este? / Ah, até que não é tão ruim.

Ela está constantemente tentando equilibrar bom/ruim, moral/ imoral, agradável/desagradável. Será que manter essa espécie de balancete é um modo característico de ser consigo mesma no mun­do? Não sabemos, mas ela deu essa impressão fora do experimen­to. (Dados externos à experiência presente não são necessários para estabelecer um momento presente. São necessários, porém, para estabelecer a relação do momento presente com o passado ou com eventos psicológicos contínuos.)

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O MOMENTO PRESENTE

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Figura 1.1. Uma representação esquemática de episódios de consciência e mo­mentos presentes conforme recordados e co-construídos usando uma entrevista microanalítica. A ordenada é a intensidade subjetiva da experiência numa escala que vai de 1 a 10. A abscissa é o tempo estimado conforme recordado pelo sujeito. O início e o fim de cada episódio de consciência e de momento presente são determinados pelo sujeito. Onde as curvas ficam mais grossas, ele está relati­vamente certo de ter tomado consciência do acontecimento. E comum o sujeito dizer: “Sei que estava sentindo isso e aquilo antes (ou depois), mas mais ou me­nos aqui isso penetrou a consciência [a linha engrossa] ou deixou a consciência [a

linha afina].”

O PROBLEMA DO "AGORA"

EXEMPLO 2

Este exemplo demonstra melhor como o momento presente é uma amostra de padrões passados e futuros, que ganham importância quando o momento presente desempenha um papel numa concep­ção psicodinâmica abrangente. Em uma “entrevista do café-da-ma- nhã”, G.S., um jovem aluno de pós-graduação, contou dois momentos presentes que se destacaram durante a manhã. Eis uma transcrição parcial.

G.S.: Bom, abri a porta da geladeira, assim. (Ele fez um gesto mos­trando como abriu a porta.)

D.S.: (Fiquei intrigado quando ele fez um gesto para mostrar como abriu a porta. Normalmente, a abertura da porta de uma ge­ladeira não exige explicação gestual.) Por que você me mos­trou como abriu a porta? Há algo especial nisso?

G.S.: Há, sim. A porta está meio quebrada. Se eu a puxo muito devagar, ela fecha sozinha. E se eu a puxo com força demais, ela abre até o fim e bate no armário ao lado. Então tenho de abri-la com a força exata, nem muito fraco, nem muito forte, para que fique aberta, repousando num ponto de equilíbrio. Estou consciente ao fazer isso porque é como um jogo que requer atenção. [Pausa] Depois acho que apanhei o suco de laranja. Não me lembro disso, mas é automático. Devo ter levado o suco até a mesa, pegando um copo no caminho.

D.S.: Sim.G.S.: A próxima coisa de que estava consciente foi de pôr suco no

copo.D.S.: Ah. E como faz isso?G.S.: Normalmente encho o copo ao máximo, mas não até a bor­

da. Numa altura suficiente para que esteja cheio, mas não tanto que derrame quando levá-lo à boca. Isso exige que eu aja conscientemente.

D.S.: Ah.

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O MOMENTO PRESENTE

G.S.: É uma espécie de jogo.

O que é interessante sobre esses dois momentos é que eles são re­presentações do mesmo tema: saber encontrar o exato equilíbrio entre ir longe demais e não ir longe bastante. Curiosamente, G.S. per­cebeu isso espontaneamente e mencionou que na noite anterior a esse café-da-manhã ele estava tentando terminar o capítulo de dis­cussão de sua tese de doutorado. O que estava dificultando a reda­ção era o fato de não conseguir se decidir sobre até que ponto ele ousava levar suas descobertas e conclusões. Pensara nisso a noite inteira. Ele disse: “É como a porta da geladeira e o copo de suco.”

Vale acrescentar o que sei sobre esse rapaz, que foi um sujeito de pesquisa e ex-aluno, não um paciente. Ele tinha uma tendência forte e saudável de levar quase tudo ao limite, de ousar e ver até que ponto podia ir. Era uma vantagem mas também tinha o poten­cial de criar problemas.

Portanto, os dois momentos de consciência (porta e suco), sua preocupação da noite anterior e seu temperamento (e talvez seus conflitos), todos diziam o mesmo: “Eu testo e brinco com a frontei­ra entre o de mais e o de menos. Estico os limites. Existe nisso algo intrigante e importante para mim.” Isso não é um mundo sendo refletido num grão de areia?

Eu estava preparado para ver o comportamento presente como uma representação de padrões psicológicos e comportamentais mais amplos. Essa é a essência da hipótese psicodinâmica. Entretanto, fiquei surpreso ao ver padrões psicodinâmicos mais amplos refleti­dos em unidades tão pequenas quanto momentos presentes. Perce­ber isso abriu-me o caminho para considerar o momento presente, assim como o sonho, um fenômeno que merece ser explorado mais profundamente com fins terapêuticos. Tal visão acrescenta mais um caminho para seguir clinicamente. Retomarei este ponto nos capí­tulos que tratam de aplicações clínicas.

Este livro aborda amplamente determinados momentos que podem mudar o curso da psicoterapia, assim como a vida normal.

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O PROBLEMA DO "AGORA'

Olhar mais de perto tais momentos proporciona uma visão dife­rente do processo de psicoterapia, que será explorada por suas im­plicações clínicas e teóricas.

EXEMPLO 3

Um terapeuta que conheço tinha o hábito de apertar a mão dos pacientes quando entravam no consultório. Era um modo de dizer olá antes de começarem a trabalhar. E, ao fim de cada sessão, quan­do o paciente se preparava para sair, apertavam-se as mãos nova­mente como despedida. Um dia, o paciente contou uma série de eventos muito comoventes que o afetaram (assim como ao terapeuta) profundamente. O paciente estava triste e quase prostrado. Ao fim da sessão, durante o aperto de mão de despedida, o terapeuta pou­sou a mão esquerda sobre a mão direita do paciente, que ele já estava apertando, num aperto de duas mãos. Eles se olharam. Nada foi dito. O episódio durou alguns segundos. Também não foi men­cionado em sessões subseqüentes. Entretanto, o relacionamento havia se deslocado em seu eixo. Algo vital foi somado ao que quer que tenha sido dito na sessão — alguma coisa tão essencial que toda a sessão foi alterada. O momento penetrou a consciência e foi me­morável. Na verdade, aquele aperto de mão pode se destacar como um dos momentos mais memoráveis de toda a terapia. Muitas ve­zes quando perguntamos a alguém, cinco ou dez anos após a con­clusão de uma terapia bem-sucedida, quais foram os momentos mais importantes ou nodais da terapia que mudaram as coisas, podemos muito bem ouvir: “Um aperto de mão que trocamos certo dia, quan­do eu estava de saída.”

Quero assinalar diversos pontos deste caso que vão se somar ao que foi descrito para as entrevistas do café-da-manhã:

• O que quer que tenha ocorrido nesse momento foi entendido implicitamente por ambos e nunca precisou ser discutido para

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O MOMENTO PRESENTE

ter efeito. Criou-se um conhecimento implícito sobre o relacio­namento deles.

• Cada um sentiu a experiência do outro, e ambos sentiram a par­ticipação mútua na experiência do outro. Houve, nesse sentido, uma interpenetração de mentes — um novo estado de inter- subjetividade foi criado entre eles.

• Embora o momento tenha sido preparado por múltiplos eventos nos minutos e provavelmente semanas e meses precedentes, o exato instante de seu aparecimento não foi planejado nem previ­sível. Surgiu espontaneamente. A vida muda em saltos.

• Durante o momento em questão, uma história se desenrolou, ainda que muito curta, mínima e concentrada. Ela foi direta­mente experimentada, e não escrita ou contada. O momento criou um “mundo num grão de areia” que nasceu no instante em que o momento era vivido, e não depois.

• O momento ficou gravado na mente de ambos. Mesmo sem ser verbalizado, penetrou na memória, pôde ser recordado e tornar- se consciente.

EXEMPLO 4

Este exemplo é muito menos carregado; na verdade, é bastante ba­nal. Aconteceu depois que um grupo de desconhecidos e eu teste­munhamos uma divertida discussão entre um talentoso mímico de rua e uma transeunte. Eu estava sentado nos degraus de um museu, virado para a calçada, onde o mímico andava atrás de diversos tran­seuntes por dez ou vinte metros (vários segundos), imitando o an­dar, a postura e o aparente estado de espírito das pessoas — rapidamente “capturando” algo a respeito delas. Os transeuntes nor­malmente não se davam conta de que estavam sendo imitados e que eram alvo de uma brincadeira. Continuavam caminhando. Então o mímico parava, dava meia-volta e seguia o próximo passante, vol­tando na direção contrária. E assim por diante, para a frente e para

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O PROBLEMA DO "AGORA"

trás. As pessoas sentadas nos degraus se divertiam. Ele então seguiu uma mulher. Mas ela logo percebeu o que estava acontecendo, e parou, voltou-se, encarou o mímico e começou a repreendê-lo. Ele começou a imitar a repreensão. E ela, a imitar a imitação que ele estava fazendo dela. Ele prosseguiu até que os dois caíram na gar­galhada. Trocaram um aperto de mão e se separaram. Todos aplau­diram. (Isso não é o exemplo — embora pudesse ser, pois um momento foi compartilhado entre o mímico, a mulher e os especta­dores. Isso é apenas o prólogo.) A essa altura levantei-me para ir embora e um casal desconhecido, sentado à minha esquerda, fez o mesmo. Nós nos entreolhamos, sorrindo, levantamos as sobrance­lhas, inclinamos a cabeça de um jeito engraçado, fizemos uma espé­cie de expressão facial indescritível e abrimos as mãos, as palmas viradas para o céu — como se disséssemos: “É um mundo louco e divertido.” Eles seguiram seu caminho e eu, o meu.

O importante sobre o momento presente que compartilhei com o casal foi que um contato particularmente humano havia sido fei­to — um contato que reafirmou minha identificação com membros da minha sociedade, mental, afetiva e fisicamente. Eu não estava só na Terra, eu era parte de algum tipo de matriz humana intersubjetiva e psicológica. O efeito durou pouco. Mas foi um bom quebra-galho.

Este livro é sobre esses momentos, particularmente sobre como operam na psicoterapia para provocar mudanças.

Diversas características da abordagem adotada aqui são relati­vamente únicas. Primeiro, o livro explora o arquipélago de ilhas da consciência, os momentos presentes, que formam nossa experiência subjetiva, mais do que a cadeia montanhosa submarina inconscien­te (seja ela a psicodinâmica ou a circuitaria neural) que ocasio­nalmente perfura a superfície para formar as ilhas, que são o primeiro plano psicológico, a realidade primária da experiência. O presente e a consciência são os centros de gravidade, não o passado e o in­consciente.

A exploração que o livro faz do processo terapêutico é mi- croanalítica e ajustada ao tamanho do momento presente. Vai de

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0 MOMENTO PRESENTE

um pequeno evento a outro na escala dos segundos. É aí que o momento presente é revelado e onde vamos encontrar uma visão das coisas diferente.

Finalmente, meu maior interesse reside nos momentos presen­tes que surgem no contexto da interação de duas os mais pessoas. Afinal, nosso interesse principal é o processo psicoterapêutico que envolve duas pessoas. Os exemplos da entrevista do café-da-manhã se referiam a alguém só. Mas, mesmo quando está sozinha, essa pessoa está dirigindo sua atividade mental consciente a outro al­guém. Pode ser a uma platéia imaginária, a um outro específico ou a um de seus selves dependentes de contexto.

A idéia central sobre momentos de mudança é a seguinte: du­rante esses momentos uma “experiência real” emerge, inesperada­mente. Essa experiência acontece entre duas (ou mais) pessoas. Diz respeito ao seu relacionamento. Ocorre num período de tempo muito breve que é experimentado como agora, que é um momento presente com uma duração na qual um microdrama, uma história emocional, sobre esse relacionamento se desdobra. Essa experiên­cia vivida em conjunto é compartilhada mentalmente, no sentido de que cada pessoa intuitivamente toma parte na experiência do outro. Esse compartilhar intersubjetivo de uma experiência mútua é apreendido sem precisar ser verbalizado, e se torna parte do co­nhecimento implícito do relacionamento. O compartilhar cria um novo campo intersubjetivo entre os participantes que altera seu re­lacionamento e lhes permite tomar direções diferentes juntos. O momento penetra uma forma especial de consciência e é codificado na memória. E, muito importante, reescreve o passado. As mudan­ças na psicoterapia (ou em qualquer relacionamento) ocorrem por meio desses saltos não-lineares nos modos-de-estar-com-o-outro.

A idéia geral é desenhar uma figura da experiência vivida um pouco diferente do que normalmente é encontrado no processo psicoterapêutico. Eu espero que essa nova visão, através do espelho do momento presente, mude muitos aspectos de como pensamos e praticamos a terapia.

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Capítulo 2

A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

A PRESENTIDADE DA VIDA SUBJETIVA parece evidente. Como poderia ser diferente? Entretanto, a noção permanece problemática. As pes­soas encaram a idéia de viver subjetivamente apenas no presente como algo contra-intuitivo. Por exemplo, quando nos lembramos de um acontecimento passado, podemos ficar ligeiramente surpre­sos ao nos darmos conta de que toda a experiência de recordar está ocorrendo agora. Podemos estar revivendo algo, mas o reviver está acontecendo agora. Intuitivamente sentimos que não estamos de volta àquela época. Mesmo a narração de algo que acabou de acon­tecer está na verdade ocorrendo agora. A narração é uma experiên­cia do agora, ainda que se refira a um momento presente que ocorreu no passado. Temos expectativas em relação ao futuro, mas elas, também, estão sendo experimentadas agora. O mesmo vale para fantasias, sonhos e revisões pós-fato. Esse estrito confinamento da experiência no presente é um aspecto básico de qualquer aborda­gem fenomenológica.

O sentido de presentidade propõe um desafio às neurociências. Como sabemos que algo ocorreu no passado, e quando? Como re­conhecemos o agora presente? Como o futuro está marcado? Como o marcador temporal é inserido no traço de memória e em que

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lugar do cérebro isso ocorre? Estes são velhos problemas suscita­dos de várias formas por muitos, por mais de um século (Bergson, 1896/1988; Husserl, 1964; James, 1890/1972; Merleau-Ponty, 1945/1962).

Recentemente, Dalla Barba (2001), entre outros, propôs que a consciência não é uma dimensão unitária, mas um conjunto de modos distintos de abordar o objeto da consciência. Ele sugeriu dois modos: a consciência conhecedora e a consciência temporal. A primeira aborda o objeto a fim de conhecê-lo. Já a segunda aborda o objeto a fim de temporalizá-lo, em termos de passado, presente e futuro. Outros fizeram sugestões semelhantes (por exemplo, Chalmers, 1995; Damasio, 2002). É provável que os distúrbios pato­lógicos de memória resultem de uma dissociação desses dois modos.

São inícios promissores, mas provavelmente a mais difícil tarefa de marcação de tempo será saber que estamos no presente. Há muitas perguntas sobre a fenomenologia da presentidade para as quais uma base neural se mostraria interessante.

A presentidade é algo semelhante a um afeto existencial. As neurociências precisam entendê-la e enfrentá-la. Isso é de grande importância clínica porque estados de dissociação patológicos po­dem influir no senso de presentidade. O enactment de memórias traumáticas é um caso relevante. Parece haver uma perda do senso existencial de ser num presente ou passado sentidos.

O sentido de presentidade parece também exigir um senso de self. E o que é isso neurofisiologicamente? (Retornarei em breve a esta questão.)

É comum que alguém se sinta apenas parcialmente no mo­mento presente. Mas, então, onde mais está você? Por exemplo, você pode estar presente num compromisso qualquer, aqui e ago­ra, mas ao mesmo tempo estar preocupado com algo que aconte­ceu ontem ou está acontecendo agora na sala ao lado. Nessas ocasiões, você se sente apenas ligeiramente no momento presen­te, como se parte de você estivesse em outro lugar, em algum ou­tro espaço temporal. Mas não existe nenhum outro espaço de

A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

tempo subjetivo. Você ainda está no momento presente, só que existem duas experiências (pelo menos) acontecendo em parale­lo, como um dueto. Uma experiência pode colidir com aquela que está em primeiro plano e empurrá-la para o segundo plano, mas você não escapou do presente. Fenomenologicamente, não há como se esquivar. Na verdade, experiências no presente podem ser polifônicas ou politemporais.

O momento presente é uma unidade de processo subjetiva e psicológica da qual se está ciente. A maneira como ele começa e termina pode às vezes ser difícil de definir. Merleau-Ponty (1945/ 1962) descreveu a chegada de um momento presente diante de nós como a irrupção de um presente novo em folha — a repentinidade de uma lembrança ou um novo pensamento ou nova percepção. Não estamos cientes de como ele chegou ali porque o compusemos inconscientemente, intuitivamente. Essa irrupção também pode es­tourar sobre nós como uma onda, ou aparecer quase sem aviso e depois desaparecer como uma ondulação no mar.

A DURAÇÃO DO AGORA

Como pode o agora ter uma duração longa o suficiente para algo acontecer dentro dele? Ou: como pode devolver o tempo ao mo­mento presente para que ele seja um acontecimento vivido analogicamente em tempo real? A duração do agora depende de como concebemos a passagem do tempo. Aqui, precisamos retornar à distinção entre chronos e kairos. Em geral, tanto a psicologia quanto a psicanálise têm sido capazes de viver com a concepção do presen­te descrita por chronos. Entretanto, a experiência comum — nosso senso objetivo da vida como vivida no nível local do segundo-a- segundo — não se dá bem com a idéia de que o presente não tem espessura temporal. A experiência de ouvir música, assistir a dança ou interagir com alguém requer um presente com uma duração (con­forme veremos), e assim também a vida no nível local.

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O MOMENTO PRESENTE

Momentos presentes psicológicos precisam ter uma duração na qual coisas aconteçam e ao mesmo tempo ocorrer durante um agora único e subjetivo. Um exemplo de música esclarece essa aparente contradição: uma frase musical curta é a unidade de processo básica da experiência de ouvir música. Uma frase é o análogo musical de um momento presente da vida comum. Uma frase musical é intuiti­vamente apreendida como uma unidade global com fronteiras. Tem a duração que é sentida (normalmente entre dois e oito segundos). O mais interessante é que a frase musical, quando ouvida, é sentida como se ocorresse durante um momento que não é instantâneo, ou tampouco parcelado no tempo em pedaços seqüenciais como as ano­tações escritas. Na verdade, é um todo contínuo e analógico que flui durante um agora. Normalmente, apesar de não estarmos cientes da passagem do tempo durante um agora, o fluxo de tempo está sendo registrado de alguma maneira fora da consciência.

A frase constitui uma entidade global que não pode ser dividida sem perder sua gestalt. Não se pode tirar o equivalente a uma foto­grafia de uma frase musical ouvida no instante em que ela passa. Não é um sumário das notas que a formam. A mente impõe à frase uma forma à medida que ela se desenrola. Na verdade, seus finais possíveis são intuídos antes que ela seja concluída, enquanto ainda está passando. Isso eqüivale a dizer que o futuro está implícito em cada instante da viagem da frase através do momento presente.

O mesmo se aplica a agrupamentos semelhantes a frases no com­portamento verbal e não-verbal observado na vida cotidiana e na psicoterapia.

Mas retornemos ao problema de encontrar tempo suficiente dentro do presente em movimento para que um momento presente dure e se desdobre. Como podemos arrombar chronos para criar um presente longo o suficiente para acomodar kairos?

Durante séculos esta questão preocupou vários filósofos, entre os quais Santo Agostinho (1991), Husserl (1964), Heidegger (1927/ 1996), Merleau-Ponty (1945/1962), Ricoeur (1984-1988) e Varela (1999). Husserl (1913/1930/1980, 1930/1989, 1931/1960, 1962,

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A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

1964) forneceu a concepção-chave para encarar o problema. Ele pro­pôs um momento presente que tem uma duração e que se compõe de três partes: um presente-do-momento-presente (não muito diferente do instante presente de chronos, o ponto passageiro do tempo em movimento), um passado-do-momento-presente e um futuro-do- momento-presente. Husserl chamou o passado-do-momento-presente de “retenção”. Trata-se de um passado imediato que ainda está eco­ando no instante atual. Ele o descreveu como a cauda de um cometa. ✓E importante notar que esse passado retido ainda se encontra dentro do presente sentido. Ainda não foi separado do instante atual pelo esquecimento ou afastamento da mente. Assim, não é como a memó­ria operacional, que pode ficar fora da mente por um breve período de tempo mas é prontamente recordada. Nenhuma recordação é necessária para o passado-do-momento-presente porque ele ainda está no momento presente. O futuro-do-momento-presente foi cha­mado de “protensão”. Este é o futuro imediato, que é esperado ou está implícito no que já ocorreu durante o passado e o presente-dos- momentos-presentes. Esse futuro-do-momento-presente faz parte da experiência do momento presente sentido porque seu prenúncio, ain­da que vago, está atuando no instante atual e dá direcionalidade e, por vezes, um senso do que está por vir.

Talvez o ponto mais essencial sobre o momento presente com­posto de três partes seja o fato de que todas as suas partes se mantêm juntas, subjetivamente, como uma experiência global, única, unificada e coerente, que ocorre num agora subjetivo. (Ver também Varela [1999] para uma recente discussão sobre o presente de três partes.)

PROTEGENDO O MOMENTO PRESENTE DO PASSADO E DO FUTURO, E ENCONTRANDO UM LUGAR PARA ELE

O momento presente pode tornar-se refém tanto do passado quan­to do futuro. O passado pode eclipsar o presente, jogando sobre ele uma sombra tão densa que só resta ao presente confirmar o que já

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O MOMENTO PRESENTE

era sabido, pouco podendo acrescentar. Ele é essencialmente apa­gado. O passado psicodinâmico corre esse perigo. Este é um dos motivos pelos quais a psicanálise tem sido capaz de minimizar a importância do presente. Ele é visto como apenas mais uma repre­sentação de padrões passados. O passado se apresenta de muitas formas influentes, entre as quais não só a história pretérita do paci­ente, mas também os objetivos de longo prazo do terapeuta e as expectativas do paciente em relação ao tratamento.

O futuro também pode aniquilar o presente reorganizando-o tanto e tão depressa que ele se torna efêmero e quase morre. Aque­les que propõem um papel abertamente determinante para a re­construção verbal/narrativa pós-fato enfrentam esse risco, porque agem como se a única realidade psicológica clinicamente relevante fosse concedida quando a experiência é verbalmente transmitida.

O desafio está em imaginar o momento presente numa espécie de equilíbrio dialógico com o passado e o futuro. Se não estiver bem ancorado num passado e num futuro, o momento presente vai flutuar para longe como um ponto sem sentido. Se estiver exa- geradamente ancorado, torna-se diminuído. Além disso, o presente tem de ser capaz de influenciar, talvez até o mesmo ponto, tanto o passado quanto o futuro, da mesma forma que eles o influenciaram. Mais uma vez o exemplo de uma frase musical pode nos ajudar a começar a abordar alguns destes problemas. Suponha que a frase seja ouvida na ausência de qualquer experiência musical passada; em outras palavras, é isenta de valores culturais. Evidentemente, isso é impossível. No entanto, estamos biologicamente programa­dos para sermos capazes de formar uma idéia de como o fim da passagem poderia ser (enquanto a frase ainda está se desdobrando) com um mínimo de experiência anterior. Princípios de organização perceptual (provavelmente universais), como proximidade, boa continuação, destino comum e similaridade, foram identificados pela psicologia da Gestalt. Estes permitiriam formar futuros possíveis, dos quais qualquer um poderia se realizar, à medida que a frase se desdobra. A frase então poderia assumir algum tipo de forma sem

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A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

experiência anterior. Outras restrições e tendências perceptuais são menos ou não absolutamente isentas de valores culturais (ver Deutsch, 1999a, 1999b).

Embora não existam platéias musicais isentas de valores cultu­rais, um interessante experimento se aplica à questão. Schenellenberg (1996) mostrou que a certa altura de uma nova frase musical temos a habilidade de prever seus finais possíveis. Criamos e impomos uma forma à medida que ela está acontecendo, enquanto escuta­mos, e o fazemos sem pensar. Conforme a frase passa, mas não ainda completamente, construímos em nossa mente várias implica­ções imediatamente futuras do que ainda estamos ouvindo agora. Estas noções baseiam-se no modelo de implicação-realização de Narmour (1990).

Em termos específicos, se pedirmos a diversas pessoas, separa­damente, que escutem apenas uma parte de uma frase e depois que adivinhem como ela pode terminar, elas concordarão em relação aos diversos finais possíveis. Na verdade, ocidentais pouco habitu­ados à música chinesa, dotada de uma escala tonal diferente, po­dem concluir uma frase incompleta de música tradicional chinesa, imaginando aproximadamente os mesmos finais possíveis para a frase que os ouvintes chineses (que também nunca escutaram a fra­se antes). Quando o experimento é feito ao contrário, o desempe­nho do ouvinte chinês é tão precário quanto o do ocidental na tentativa de prever finais possíveis de uma nova frase de música tradicional ocidental. (Músicos experientes se saem melhor.)

Nesse sentido, uma frase musical contém um passado e um fu­turo imediatos. A forma da frase musical é revelada e capturada pelo ouvinte enquanto a crista do instante presente imediato passa do ainda ressoante horizonte do passado (do momento presente) para o prenunciado horizonte do futuro (do mesmo momento pre­sente) (Darbellay, 1994). Grande parte do charme de se ouvir músi­ca reside nas surpresas que o compositor oferece, inventando caminhos finais que nos surpreendem mas não violam abertamente as implicações que percebemos.

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O MOMENTO PRESENTE

Parte das composições de música contemporânea é feita exata­mente para brincar ou romper com nossas implicações que criam tendências, ou mesmo paralisá-las.

O ato de dar forma à frase enquanto ela está acontecendo é de grande interesse, pois contribui para esclarecer a natureza do ago­ra, em particular o problema da influência do futuro no presente. Em outras palavras, a relação entre acontecimentos e (re)construções de acontecimentos. Em música, a forma de uma frase não espera que as frases subseqüentes ganhem vida. Alguns pensadores sugeri­ram que a forma da frase musical só é evidente depois que ela pas­sou e é captada de novo pela mente. Se isso fosse verdade, nunca escutaríamos nada. Apenas “pensaríamos” música. No entanto, essa é a posição radical de alguns pensadores psicanalíticos ao conside­rar o diálogo terapêutico. Eles afirmam que não existe aconteci­mento (coup) até que este seja apresentado simbolicamente depois. Há somente uma (re)construção (après-coup). Só então a experiên­cia assume sua forma subjetiva pela primeira vez.

Pelo menos na música, a frase assume uma forma unitária e coe­rente na mente enquanto está acontecendo. E este vai ser o caso de muitos outros aspectos da experiência. Também é verdade que a (re)construção ocorre de modo penetrante na música, bem como em outras experiências da vida.

Muito da riqueza da música deve-se ao fato de cada frase subse­qüente recontextualizar a anterior, e vice-versa, ad infinitum. Varia­ções e estruturas temáticas mais amplas contextualizam e recontextualizam todas as frases, repetidamente. Todas as re- contextualizações modificam os fenômenos, mas não os criam. E este é o ponto crucial. Uma experiência coerente foi apreendida durante o momento presente, ainda que ela possa ter múltiplos destinos.

Mas o que dizer da ação do passado na determinação da forma do momento presente, tanto na música como na vida? Vejamos, por exemplo, o estudante de pós-graduação da entrevista do café- da-manhã. O ato de despejar o suco de laranja no copo foi em gran­de parte determinado por suas preocupações da noite anterior e

A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

por seus traços de personalidade há muito tempo estabelecidos. O passado assume muitas formas: por exemplo, esquemas, represen­tações, modelos, predisposições, expectativas, fantasias originais. Estas estruturas do passado encontram os eventos que se desenro­lam no presente. Um diálogo dinâmico tem início. (O presente tem sempre um quê de novidade; possui condições locais próprias e únicas. Mesmo que fosse apenas uma repetição exata de algo que aconteceu antes, o presente conta com a diferença de ocorrer pela segunda vez, o que em si o torna único.) Ele vem sob forte controle do passado, que pode ser percebido, alterado ou mesmo surpreen­dido pelo presente. Da mesma forma, o presente determina quais partes do passado serão escolhidas para serem reanimadas e mon­tadas. Ambos estão sempre atuando um no outro. Narmour (1990, 1999) defende isso veementemente para a música no presente em movimento.

Em resumo, o momento presente nunca é totalmente eclipsado pelo passado, nem completamente apagado pelo futuro. Ele retém uma forma própria, embora seja influenciado pelo que se passou antes e pelo que vem depois. Ele também determina a forma do passado que é trazida para o presente e os contornos do futuro imaginado. Esse triálogo entre passado, presente e futuro se dá quase continuamente de momento em momento na arte, na vida e na psicoterapia.

CARACTERÍSTICAS DO MOMENTO PRESENTE

O momento presente tem sido relativa mas não totalmente ignora­do pela psicologia. Alguns dos trabalhos mais importantes sobre o assunto, essenciais para que eu pudesse escrever este livro, foram elaborados no século passado. Em suas recentes investigações sobre a consciência, a psicologia redescobriu a perspectiva fenomenológica. Mas o momento presente como uma entidade psicológica já existia muito antes disso, com diversos nomes diferentes: o “presente es­

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0 MOMENTO PRESENTE

pecioso” (James, 1890/1972); o “presente pessoal” (W Stem, 1930), o “presente real” (Koffka, 1935) e o “presente percebido” ou “pre­sente psicológico” (Fraisse, 1964). Ele é uma entidade crucial na fenomenologia da percepção (Merleau-Ponty, 1945/1962) e nas concepções atuais da consciência. Todos eles capturam aspectos li­geiramente diferentes dessa experiência subjetiva. Algumas dessas unidades de processo são mais orientadas para o significado, outras mais voltadas para a percepção, e há aquelas que têm seu foco so­bretudo na natureza da consciência. Mas, em todo caso, todas ten­tam identificar uma unidade de processo que estou chamando de momento presente.

Algumas das características fenomenológicas do mundo subjeti­vo, descritas quase um século atrás por Husserl, são bastantes cla­ras; outras continuam a me surpreender e até mesmo a me espantar. Ao mesmo tempo, são tão óbvias que normalmente passam desper­cebidas. Estão ocultas à vista de todos.

Eis uma lista mínima das características de um momento pre­sente relevante clinicamente.

1. A consciência perceptiva ou a consciência é uma condição ne­cessária ao momento presente. O momento presente se desen­rola durante um período de consciência perceptiva ou de algum tipo de consciência. Entretanto, momento presente e consciên­cia não são a mesma coisa. O momento presente é a experiên­cia sentida do que acontece durante um breve período de consciência.

2. O momento presente não é o relato verbal de uma experiência. Ele é a experiência como vivida originalmente. Fornece a ma­téria-prima para uma possível narrativa verbal posterior.

3. A experiência sentida do momento presente é o que quer que esteja na consciência perceptiva agora, durante o momento sendo vivido. Neste ponto é preciso retornar à perspectiva feno­menológica. O conteúdo de um momento presente é simples— consiste no que está no palco mental agora. A experiência

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A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

subjetiva não “chega” passivamente à consciência perceptiva nem nela aparece de súbito completamente formada. Ela é construída de modo ativo por nosso corpo e nossa mente trabalhando jun­tos (Clark, 1997; Damasio, 1994,1999; Sheets-Johnston, 1999; Varela, Thompson e Rosch, 1993). Subjetivamente, porém, o atual conteúdo da mente contido num momento presente parece des­lizar sem ser notado ou às vezes saltar para a consciência perceptiva sem que se reconheça que está sendo composto. Acei­tamos isso como algo totalmente natural.

Com freqüência o momento presente é difícil de capturar porque muitas vezes saltamos da atual experiência em anda­mento a fim de assumir o ponto de vista objetivo, de terceira pessoa. Tentamos apreender o que acabamos de experimentar transformando-o em palavras ou imagens no momento seguin­te. Essas tentativas de introspecção (retrospecção imediata) pa­recem objetificar a experiência. E, dessa posição mais distante, podemos perguntar: “Esse fato não pode ser explicado por isso e aquilo?” ou “O que aconteceu na verdade foi...” O que nor­malmente deixamos de ver é que, quando saltamos de um mo­mento presente simplesmente, caímos em outro momento presente (o seguinte) — neste caso, a nova experiência atual de se perguntar sobre a última experiência atual. Mas agimos como se a segunda experiência estivesse numa perspectiva objetiva em comparação à primeira. Na verdade, trata-se ainda de uma experiência em primeira pessoa sobre tentar assumir uma re­presentação em terceira pessoa em relação a algo que acabou de acontecer.

Foi por causa desse problema natural que Husserl insistiu que, para capturar a experiência fenomenal e examiná-la por si mesma, é preciso colocá-la entre parênteses (a époché de Husserl) para evitar que ela seja “reduzida pela explicação” em outro nível. E isso que faz a experiência subjetiva tão difícil de apreender. Ela é evidente demais, como o oxigênio no ar que respiramos.

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O MOMENTO PRESENTE

4. Momentos presentes têm curta duração. O momento presente tem uma duração de diversos segundos. (Conte quatro segun­dos em voz alta. É um tempo surpreendentemente longo.) As definições de dicionário de “experiência” fazem referência a “passar por” ou “submeter-se pessoalmente”, implicando a idéia de duração.

Existem vários acontecimentos breves que duram bem me­nos de um segundo que também experimentamos, como o re­conhecimento imediato de um rosto familiar. Mas normalmente não estamos conscientes dessas experiências quando elas ocor­rem, a menos que perdurem na mente por alguma razão por mais de diversos segundos. Conseqüentemente, elas não se qua­lificam como momentos presentes. Vou me aprofundar nesta questão no próximo capítulo, que discute os aspectos tempo­rais do momento presente.

O momento presente não só tem uma duração como tam­bém sentimos, de alguma forma, que o que está acontecendo agora está acontecendo no intervalo de tempo da presentidade imediata.

5. O momento presente tem uma função psicológica. Uma expe­riência subjetiva deve ser suficientemente nova ou problemáti­ca para penetrar a consciência e tornar-se um momento presente. Momentos presentes se formam em torno de eventos que rom­pem a banalidade ou violam o funcionamento regular espera­do. Portanto, requerem uma ação mental (e talvez física). Como algo deve ou pode ser feito para lidar com o penetrar na cons­ciência, esses momentos carregam um sentido de conseqüência e compromisso com o mundo. Mais uma vez, pense em kairos. Dito de outra forma, o momento presente carrega uma inten­ção implícita de assimilar ou acomodar a novidade ou resolver o problema. Isso pode ser experimentado como um senso de movimento ou inclinação para a frente em direção a um objeti­vo não revelado mas progressivamente implícito, à medida que o momento presente é atravessado.

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A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

Tudo isso pode acontecer com magnitudes muito pequenas de novidade ou problema. Por exemplo, na primeira entrevista do café-da-manhã do capítulo 1, o primeiro momento presente começa com um problema implícito, que não é exatamente novo mas é inesperado. “Não tem manteiga.” Dificilmente consiste numa violação grave de expectativa, mas ainda assim é uma violação.

Até agora referimo-nos apenas ao significado psicológico da intenção, especificamente a realizar uma ação (mental ou física) tendo um objetivo em mente. O significado filosófico de intencionalidade refere-se à ação puramente mental da mente que “tenta pegar” ou “se estica” na direção de algum conteúdo da mente — uma lembrança, uma imagem etc. Por exemplo, o que acontece quando alguém diz: “Pense na lua”? Sua mente vai “tentar pegar” uma imagem. Há uma finalidade envolvida. O momento presente diz respeito a essa forma de inten­cionalidade também (Brentano, 1874/1973).

O momento presente, portanto, tem um trabalho psicoló­gico a fazer, que é a própria tarefa móvel de constantemente lidar ou preparar-se para lidar com o que está acontecendo num mundo quase sempre em mutação. Ele pega as seqüências de eventos pequenos e que ocorrem em frações de segundos que o mundo atira sobre nós e os reúne em unidades coerentes que são mais utilizáveis para adaptação.

6. Momentos presentes são acontecimentos holísticos. O momen­to presente é uma gestalt. Ele organiza seqüências ou agrupa­mentos de unidades perceptíveis menores (como notas ou fonemas) que passam abaixo da consciência focalizada em uni­dades de categoria superior (como uma frase com sentido). Considere a experiência de dizer “alô” a alguém de quem você não gosta. Essa experiência pode ser desmembrada se você sair de si mesmo, digamos assim, e observar-se na terceira pessoa. Dessa perspectiva afastada, você pode dividir a experiência em componentes separados: afetos, cognições e uma seqüência de

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O MOMENTO PRESENTE

ações, percepções e sen ações. Cada um desses componentes pode ser observado separadamente. Mas a experiência em pri­meira pessoa não é desmembrada assim; ela é sentida como um todo.

7. Momentos presentes são temporalmente dinâmicos. Grande parte de nosso pensamento acerca dos fenômenos psicológicos tem sido indiferente ao tempo ou ignorado a dinâmica tempo­ral da experiência vivida (Sheets-Johnstone, 1999). Entretan­to, o momento presente tem uma dinâmica de tempo marcada, assim como uma frase musical. Como observado antes, essas formas de tempo dinâmicas são denominadas afetos de vitali­dade (discutidos no capítulo 4 ; ver também Stern, 1985; Stern, Hofer, Haft e Dore, 1984).

Considere dois exemplos bastante diferentes: ver fogos de artifício subirem ao céu, explodirem e se abrirem em leque; ou alguém dizer a você: “Acho que você não está falando a verda­de”, seguido por alguns segundos de silêncio. A medida que esses momentos presentes se desenrolam, ocorrem micro- mudanças em frações de segundo na intensidade ou na quali­dade de nossos sentimentos. No exemplo dos fogos de artifício, há uma excitação e uma expectativa crescentes quando o fo­guete sobe, uma súbita descarga de sensações quando ele ex­plode, depois um declínio do entusiasmo e, com ele, um deslumbramento e prazer crescentes quando as luzes se espa­lham num leque e caem. Simultaneamente, há uma resposta variável de nossos movimentos (por exemplo, modulações na tonicidade ou na tensão, na posição) e flutuações de interesse, força intencional etc. Essas mudanças constantes traçam um perfil temporal, como uma frase musical. Os afetos de vitalida­de emergem à medida que o momento se desdobra. Isso é cap­turado em termos como acelerar, diminuir, explodir, instável, tentativa, vigoroso etc. Esses sentimentos temporalmente con­tornados poderiam ser associados a afetos, movimentos, tor­rente de pensamentos, sensações e a qualquer e a toda atividade,

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A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

mental ou física. Diversas formas-de-tempo poderiam estar avançando simultaneamente. Em vez de vermos essas diferen­tes formas-de-tempo como não relacionadas entre si, nós as vemos como polifônicas e polirrítmicas. Esta característica é fundamental, porque os afetos de vitalidade desempenham um papel importante ao fornecer um contorno de tempo que auxi­lia o processo de aglomeração, essencial para compor um mo­mento presente. Faz isso envolvendo o aglomerado e, desse modo, marcando-o e agregando-o como uma unidade.

Uma perspectiva temporalmente dinâmica é crítica para muitas das idéias apresentadas nos próximos capítulos deste livro, especialmente: “momentos agora”, “momentos de en­contro”, “formas de sentimento temporais” e “viagens de sen­timento compartilhadas”. Por certo tempo a noção de afetos de vitalidade circulou sob diversas formas, mas, até onde sei, ainda não foi seriamente aproveitada pelas ciências clínicas, comportamentais ou pelas neurociências, embora tais noções nos ajudem muito a compreender a experiência fenomenal en­quanto ela se desdobra, é recordada e é comunicada.

Graças aos avanços na produção de imagens do cérebro e nas técnicas de registro neurofisiológico, as neurociências es­tão hoje numa posição que lhes permite lançar luz sobre estas questões. Dois tipos de dados são necessários: a cronometragem precisa da atividade cerebral correlacionada a experiências fe­nomenais; e a cronometragem das mudanças analógicas de in­tensidade ou magnitude do disparo neural durante as mesmas experiências fenomenais. Bastaria isso para que se pudesse pro­por um correlato científico para a experiência subjetiva dos afetos de vitalidade. Mais importante, uma tipologia de for- mas-de-tempo de atividade neural relacionada a várias experiên­cias surgiriam. Tal tipologia poderia ser de valor inestimável na exploração mais profunda do funcionamento da memória, das ligações em rede e da formação do padrão associativo, em ter­mos tanto neurocientíficos quanto mentais. Por exemplo, são

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os qualia temporalmente dinâmicos de “crescendo” ou “di- minuendo” ligados ou ligáveis através das modalidades, atra­vés do tempo, através de contextos? Se forem, muitos problemas de memória e de associação têm outra condução, que clara­mente funciona no nível clínico.

Uma tipologia de qualia temporalmente dinâmicos conta com mais um atrativo. Essa tipologia concerne a experiências sobre­tudo afetivas e de sentimento. Até agora, faltam aos afetos e sen­timentos muitas características ou marcadores como possuem os objetos físicos que permitem associações, tais como forma, ta­manho, cor, textura etc. Os qualia temporalmente dinâmicos, em contraste, fornecem afetos com marcadores que são muito mais altamente marcados, e por isso podem permitir atividade associativa. Exatamente onde é necessário um número maior de características para uma base de associação. Em resumo, a dinâ­mica temporal é um fenômeno insuficientemente estudado.

Além disso, usando a capacidade de cronometragem e as capacidades de tipificação de afeto de vitalidade das neuro- ciências, aspectos da intersubjetividade poderiam ser explora­dos. Até que ponto duas mentes podem compartilhar a mesma experiência, pelo menos como medidas pela forma temporal dos afetos de vitalidade vista no nível da atividade neural? Isso cria novas oportunidade de explorações a respeito de contágio mental, ressonância, identificação, empatia, afinidade etc.

Uma questão correlata diz respeito a como os aspectos tem­porais da experiência polifônica e polirrítmica são tratados no nível neural e coordenados no nível fenomenal. Cabe lembrar que grande parte de nossa atividade mental subjetiva é polifônica e polirrítmica, mesmo quando estamos sós, quanto mais ao interagir com alguém. Por exemplo, a metáfora, e o que mais tarde chamarei de apresentações multitemporais, saltando en­tre o primeiro e o segundo planos, e as progressões relacionais, todas dependem de manter em ordem dois ou mais dados pro­cessados ao mesmo tempo, enquanto estão sendo comparados.

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A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

Um diálogo aprofundado entre o fenomenal/descritivo e os ní­veis científicos sobre esses pontos poderia ser importante.

8. O momento presente é parcialmente imprevisível à medida que se desdobra. Você não sabe exatamente aonde vai dar o mo­mento presente porque está sendo levado em sua crista e o pas­seio ainda não terminou. Cada pequeno mundo de um momento presente é único. E determinado pelas condições locais de tem­po, espaço, experiência passada e pelas particularidades das condições em constante mutação nas quais ele toma forma. Portanto, não é possível conhecê-lo com antecedência.

9. O momento presente envolve certo senso de self. Durante o mo­mento presente, você é o único experimentador de suas próprias experiências subjetivas. Você sabe que é você que as está experi­mentando. A experiência não apenas pertence a você, ela é você. Nossas experiências subjetivas mentais estão tão profundamente incorporadas em nossas ações e movimentos, e nas mudanças fisiológicas que permitem, variam e acompanham a experiência, que não é de estranhar que saibamos exatamente o que estamos experimentando (Clark, 1997; Damasio, 1999; Sheets-Johnstone, 1984, 1999). Embora isso seja auto-evidente, suas bases neurocientíficas ainda precisam ser esclarecidas. (Algumas expe­riências subjetivas são exceções em potencial que vamos abordar mais tarde.) Há outro problema. Considera-se que a subjetivida­de, em si, é construída a partir da experiência. Por outro lado, há também uma posição essencialista que afirma que a subjetivida­de é um fato humano, e que o construtivismo precisa de uma base sobre a qual possa se desenvolver (Zahavi, 2002). Acredito que ambas as visões sejam verdadeiras.

10. O self experimentador adota um ponto de vista em relação ao momento presente. Um “ponto de vista” se refere ao distan­ciamento ou à proximidade da experiência, ao grau de envolvimento, à participação, ao interesse, ao investimento emocional e à avaliação do que está acontecendo. Mais uma vez, não está claro como sentimos e registramos nossa posição

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em relação às ações que vivemos, mas mesmo assim fazemos isso sem esforço e sem pensar. Aqui, também, as bases neurocientíficas continuam ainda por elucidar, pois envolvem aspectos do self subjetivo e do self experimentador.

11. Momentos presentes diferentes têm importâncias diferentes. Existe um amplo espectro de momentos presentes, desde o raro e importante (kairos com K maiúsculo), no qual o largo alcance de uma vida pode mudar, até o quase inconseqüente. Depen­dendo do contexto local e do que está em jogo, esses diversos momentos recebem muitos nomes: “um momento no tempo”, “um momento fora do tempo”, “o momento decisivo” (ao ti­rar uma fotografia, Cartier-Bresson, 1952), “um momento de definição” (como ao capturar a essência de uma situação), “um momento de verdade” (como na tourada), um “momento mui­to esquisito” (como no jargão policial quando uma vida ou um relacionamento se equilibra numa decisão momentânea, ao es­tilo do escritor Scott Turow [1987]), e um “momento agora” (em terapia, Stern, Sander, Nahum e colegas [1998]).

Existem também momentos presentes extremamente banais (microkairos) que alteram o curso de uma vida, de momento em momento, de modos ínfimos porém possíveis de rastrear: “Não tem manteiga.” Eles são a matéria, as peças de nossa ex­periência em andamento e, muito importante, são o que traz a mudança em nível local na psicoterapia.

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Capítulo 3

A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

Pa r a COMPREENDER AS INTERAÇÕES humanas que se desenrolam em tempo real, como ocorre com quase todas elas, é necessária uma unidade de processo com uma duração. Leva tempo para analisar o que está acontecendo quando se observa alguém fazendo ou dizen­do algo. Leva tempo para reunir as unidades do próprio comporta­mento. E é preciso um período de exposição para que eventos causados por seres humanos aflorem à consciência. O momento presente é essa unidade de processo. É fundamental conhecer seus parâmetros temporais.

O momento presente abrange entre um e dez segundos, com uma duração média de três ou quatro segundos. Há três razões prin­cipais para este intervalo de tempo. É o período necessário para que se formem agrupamentos significativos dos estímulos mais perceptuais que emanam das pessoas, para compor unidades fun­cionais de nossos desempenhos comportamentais e para permitir que a consciência aflore.

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AGRUPAMENTOS DE ESTÍMULOS PERCEPTUAIS

Os seres humanos podem perceber eventos separados numa seqüên­cia que dura apenas de 20 a 150 milissegundos. Estas são as unida­des de percepção básicas. No entanto, por si sós, elas não conferem sentido à vida. Somos bombardeados com seqüências quase cons­tantes dessas pequenas unidades. Se considerássemos cada uma das unidades perceptuais como um evento potencialmente importante e significativo, que requerem atenção e consciência perceptiva, se­ria como estar continuamente sob o fogo de uma metralhadora. Essas seqüências precisam ser agrupadas em unidades maiores, mais adequadas à adaptação.

Embora os momentos presentes sejam geralmente experiências não-verbais, a fala fornece o exemplo mais estudado da aglomera­ção de unidades perceptuais menores em todos os significativos maiores. Os fenômenos são as unidades perceptuais básicas da fala. Duram em média de 40 a 150 milissegundos. Há também unidades (tais como uma palavra) numa faixa intermediária, de 150 a 1.000 milissegundos. (As palavras, porém, têm um significado limitado fora do contexto da frase.) Diversas palavras se aglomeram e for­mam um agregado psicológico único, a frase, que é um agrupamen­to altamente significativo que dura diversos segundos. A duração de um momento presente é a duração de uma frase. Esta hierarquia temporal é um fenômeno geral (ver Trevarthen, 1999/2000; Varela, 1999). Uma importante tarefa para a mente é entender o fluxo de estimulação quase ininterrupto. A frase é a menor aglomeração que nos fornece o máximo de significado para que possamos nos entender no mundo da linguagem. Encontramos os mesmos parâmetros de tempo na música, na poesia, na dança, nos gestos, na cínética e no discurso. Cada disciplina que lida com o fluxo de eventos em série no tempo teve de lidar com esse problema em seus próprios termos.

Por que o momento presente não dura mais do que dez segun­dos? Na verdade, isso pode acontecer em condições especiais. Bus­

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A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

cam-se momentos presentes contínuos mais longos em estados medi­tativos atingidos por meio de várias técnicas praticadas em tradições como o vedanta, o budismo, o taoísmo e a do monge Hsuan-Tsang (ver Kern, 1988; Lancaster, 1997; Shear e Jevning, 1999; Wallace,1999), ou quando se entra no que foi denominado “fluxo” de expe­riência ótima (Csikszentmihalyi, 1990). De modo semelhante, alguns dos momentos que Virginia Woolf (1977) chamou de “momentos de ser” podem durar muito mais.

Tais estados mentais, contudo, são diferentes do que estamos chamando de momentos presentes. Nos estados meditativo ou de fluxo, a idéia é perder o senso de se lfe que a consciência mante­nha um foco concentrado, relativamente impermeável a outra esti­mulação. Por outro lado, durante os momentos presentes que nos interessam, a atenção e a consciência tendem a esvoaçar e focali­zar um único acontecimento por períodos de tempo mais curtos, enquanto permanecem abertas a toda e qualquer outra estimulação potencialmente interessante ou distrativa. Como diz William James: “Como a vida de um pássaro, [o fluxo de consciência] pa­rece ser feito de uma alternância de vôos e pousos” (modificado por Bailey, 1999 [citando James, 1890/1972], p. 243). Os mo­mentos presentes são os pousos. Os vôos são os espaço entre os momentos de consciência que fazem parte do momento presente. Esses “vôos” são inacessíveis e inapreensíveis. Assim, a consciên­cia fica livre para desviar seu foco de um momento presente para o seguinte, e o senso de seif com o experimentador nunca é inter­rompido, embora os pousos sejam descontínuos. Os momentos presentes são a matéria da subjetividade durante estados mentais comuns.

O limite de tempo de dez segundos dos momentos presentes não significa que não existam unidades de tempo maiores formadas por vários momentos presentes aglomerados. Este é claramente o caso da música, entre outros. Trevarthen (1999/2000) argumentou que existe uma unidade maior de cerca de 30 segundos vinculada a ciclos de ativação do sistema nervoso autônomo. No meu entender,

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estas unidades maiores são normalmente formadas por variações de diversos momentos presentes em seqüência que aprofundam ou prolongam a experiência. (Esta idéia será abordada novamente nos capítulos sobre aplicações clínicas quando discuto as “progressões relacionais”.) Mas o momento presente permanece como a unida­de fundamental.

Em resumo, o fluxo de estimulação perceptual deve ser aglome­rado em unidades significativas mais bem dimensionadas para nos tornar mais adaptativos, de modo rápido e eficiente. Aglomerar é o trabalho do momento presente. E o bloco de construção básico de experiências subjetivas psicologicamente significativas que se pro­longam no tempo.

UNIDADES FUNCIONAIS DE DESEM PENHO COM PORTAM ENTAL

A segunda razão pela qual os momentos presentes não duram mais do que dez segundos é porque o comportamento humano significa­tivo (comunicativo, expressivo etc.) parece ser naturalmente pro­duzido/desempenhado/comprimido em unidades de um a dez segundos. A seguir, alguns exemplos de diferentes domínios.

A duração do momento presente na linguagem

A lingüística enfrentou, com bastante sucesso, o problema de even­tos hierarquizantes de durações diferentes: o fonema, a palavra, a frase (oração), o período, o parágrafo e assim por diante. Embora os dois níveis de freqüência alta (o fonema, 20-150 milissegundos, e a palavra, 150-1.000 milissegundos) sejam ouvidos, a frase é a unidade usada para analisar o sentido do que está sendo dito. Ouve- se além dos fonemas e das palavras, digamos assim, para chegar à frase, que é a gestalt básica da fala que é ouvida. E a unidade na qual a sintaxe é revelada e o sentido funcional, apreendido. Evi­

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A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

dentemente, os fonemas e as palavras exatas são registrados e po­dem ser recordados depois com uma fidelidade bastante boa por um curto período. O significado da frase, porém, é muito mais duradouro.

Embora a lingüística tenha se concentrado nestas unidades do ponto de vista de sua contribuição para o significado, existe tam­bém uma dimensão temporal. Sob essa luz, é instrutivo fazer um breve levantamento da duração de algumas unidades de análise do significado na fala, bem como da duração de agrupamentos que regulam o discurso verbal em situações diádicas (Jaffe e Feldstein, 1970; Trevarthen, 1999/2000). Em geral:

• A maioria das frases faladas dura cerca de três segundos. Senten­ças faladas mais longas raramente duram mais de quatro ou cin­co segundos (Trevarthen, 1999/2000).

• Ao escutar uma fala normal gravada, um sujeito vai interromper o fluxo para relatar o que acabou de ouvir aproximadamente a cada três segundos — em outras palavras, nas fronteiras das frases. A frase atua como um aglomerado de processamento (Wingfield e Nolan, 1980).

• Demora-se em média três segundos e no máximo cinco para re­citar em voz alta um verso de poesia (Turner e Põppel, 1988).

• Demora em média de dois a três segundos para que duas pessoas alternem a vez de falar (isto é, a vocalização de um falante, mais a pausa de troca depois que o primeiro falante parou e antes que o segundo comece) Oaffe e Feldstein, 1970).

• Um ciclo de respiração (uma inspiração e uma expiração) de­mora cerca de três segundos (e ocorre por volta de 15 vezes por minuto).

Aparentemente, a unidade fisiológica para produzir um agrupamento de sons (o ciclo de respiração), a unidade mental para analisar a fala (a frase) e as unidades do discurso que governam a conversa (a vez) têm durações semelhantes. É provável que as unidades tempo­

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rais para a produção da fala, para a análise de significado e para o diálogo tenham evoluído todas juntas. Qualquer outro arranjo se­ria muito difícil de manejar.

A duração do momento presente na música

A música teve de resolver os mesmos problemas gerais de agrupa­mento, mas aqui a dimensão do tempo está na linha de frente. Em vez de fonemas e palavras, temos notas, tempos e compassos, que devem ser agrupados em frases (ou motivos), sejam elas dominadas por uma linha melódica ou padrão rítmico. E aqui, também, assim como na linguagem e na vocalização, a faixa de 3-4 segundos pare­ce ser a mais comum. Eis alguns exemplos reveladores:

• Na música, o presente perceptual é considerado um período de tempo durante o qual o conteúdo do presente está ativo e direta­mente disponível sem qualquer mediação da memória (o presen­te de três partes de Husserl). Uma frase musical percebida como uma gestalt preencheria tal presente perceptual. Se o presente perceptual pode ou não ser visto em termos de memória operacional é uma questão discutida mais tarde (Clarke, 1999; Michon, 1978).

• Fraisse (1978) sugeriu que o presente perceptual na música dura não mais do que cinco segundos.

• Clarke (1999), estudando diversos autores, situou o presente perceptual na música em torno de dois a oito segundos.

• A sensação subjetiva de movimento para a frente na música só é sentida se dois eventos tonais ocorrem dentro de um intervalo de três segundos. Após um silêncio de três segundos, sente-se parar o deslocamento para a frente (Whittman e Poppel, 1999/2000). Alguns músicos modernos violam estes limites de tempo separando eventos tonais por mais de três segundos, criando com isso efeitos tais como mudanças nas superfícies e texturas tonais no lugar do movimento para a frente. (Um efeito semelhante é

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A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

verdadeiro na fala; após uma pausa de três segundos, a vez ou o tópico tende a mudar.)

A duração do momento presente nas ações

O mesmo problema de agrupamento precisa ser resolvido para ati­vidades como movimentos, rituais e danças. Isso é especialmente verdade no caso da dança moderna, que fica fechada num tempo musical com menos freqüência do que, digamos, o balé clássico. Com o movimento, diversas unidades de tempo diferentes podem atuar para compor unidades de significado: o ciclo de respiração (três segundos); o ciclo de contração-relaxamento (variável na dan­ça moderna, mas normalmente entre um e dez segundos); e as limi­tações temporais impostas por tamanho, velocidade, extensão, abdução/adução e força das partes do corpo.

A freqüência de muitos movimentos, sejam eles gestos, passos, expressões faciais ou outros, encontra-se na faixa intermediária de 150-1.000 milissegundos. Por exemplo, numa caminhada rápi­da, um passo demora 300-700 milissegundos; num ritmo mais tranqüilo, 700-1.500 milissegundos (Trevarthen, 1999/2000). In­teressante notar que temos a tendência de criar agrupamentos de séries de passos. Assim, muitas vezes, quando alguém toma cons­ciência de estar andando, seus passos se sincronizam com o ciclo de respiração. A tendência é de dois passos por inspiração e dois ou três por expiração. O resultado é de quatro ou cinco passos por agrupamento. E se os passos ocorrem em intervalos de 700 milissegundos, serão 2,8 a 3,5 segundos para cada agrupamento. Chegamos mais uma vez à duração média da frase de um momen­to presente. (Estas frações mudam de acordo com a velocidade e o esforço.)

Outro exemplo de agrupamento é facilmente encontrado no âmbito militar. Para sincronizar a marcha, alguém conta o tempo em voz alta. São quatro tempos por agrupamento — em outras palavras, quatro passos por frase, com o pé esquerdo no som mais

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forte (por exemplo, UM dois, TRÊS quatro). Acabamos com um agrupamento de dois ou três segundos. (Na verdade, os quatro tem­pos não precisam ser acentuados uniformemente; a psicologia da gestalt demonstra que, quando dois tempos iguais são ouvidos, o primeiro é sentido subjetivamente como enfatizado.)

A dança e o ritual podem usar som (música), ciclos de respiração, ciclos de contração-relaxamento, agrupamentos naturais ou qualquer combinação destes elementos para criar suas frases. Novamente a fraseologia corresponde à faixa temporal de um a dez segundos. Por exemplo: um ritual de cumprimento completo de dois amigos que se encontram consiste em sorrisos mais ou menos simultâneos, elevação das sobrancelhas e da cabeça, vocalizações e alguns gestos de mão ou abraço compartilhados (Kendon, 1990). Este processo físico e mental leva diversos segundos e estabelece um novo con­texto de significado local para o que vem a seguir. “Algum proble­ma?” ou “Você parece feliz hoje”.

Em interações parcialmente ritualizadas e culturalmente mol­dadas entre díades, há uma hierarquia de movimentos que vai de pequenos a grandes (desde os olhos até a cabeça, o tronco, a pélvis ou as partes que sustentam o peso do corpo). Os movimentos maio­res e mais lentos delimitam os menores (Fivaz-Depeursinge, 1991; Frey, Hirsbrunner, Florin, Daw e Crawford, 1983; Frey, Jorns e Daw, 1980). Por exemplo, durante uma conversa entre duas pessoas sentadas, quando uma delas muda de posição na altura da pélvis, descruzando uma perna, transferindo o peso do corpo de quadril, cruzando a outra perna e reacomodando o tronco e a cabeça, uma mudança significativa no estado interativo é sinalizada. Toda a pos­tura é reposicionada. Isso é análogo a fechar um parágrafo e abrir outro. Um novo ou alterado tópico ou atitude interpessoal está sen­do introduzido. Um novo momento presente entrou. Mudanças nesse nível levam cerca de dois a cinco segundos.

A imitação é um complexo ato perceptual, motor e pro- prioceptivo de comunicação e pertencimento. Pode ser de ações ou de vocalizações (que também são ações). Kugiumutzakis (1998,

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A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

1999) relatou que episódios de imitação entre adultos e bebês em suas primeiras semanas e meses de vida duram cerca de dois a sete segundos. Nadei (1986) e Nadei e Peze (1993) encontraram surtos de imitação entre crianças mais velhas com uma duração de aproxi­madamente quatro segundos. A imitação é particularmente interes­sante sob esta luz porque requer a montagem da percepção do outro com um movimento do self proprioceptivamente guiado.

A mente dispõe de estratégias tanto inatas quanto culturais para agrupar esses conjuntos e descontinuidades em unidades significa­tivas maiores — em todos coerentes. Um estudo recente de Zacks e colegas (2001) demonstrou que ambas podem operar juntas. Eles mostraram aos sujeitos gravações de televisão de atividades rotinei­ras, tais como passar uma camisa ou outras ações menos óbvias, e registraram a atividade neural em regiões específicas do cérebro usando imagens de Ressonância Magnética funcional (RMf). Quan­do foi solicitado aos sujeitos que segmentassem a atividade em uni­dades, houve um aumento da atividade neural em torno das fronteiras dos movimentos funcionais, o que sugere que o conheci­mento deles acerca da atividade estava dirigindo a análise durante essa visualização ativa. Entretanto, quando foi pedido aos mesmos sujeitos que assistissem à televisão sem ter em mente qualquer ins­trução nem tarefa (ou seja, visualização passiva), eles mostraram uma atividade neural aumentada nas mesmas fronteiras. Isso suge­re que existem muitas pistas que um processo inato poderia seguir, tais como mudanças na densidade, na direção ou na velocidade do movimento, mesmo quando o sujeito não está familiarizado com a função da atividade nem prestando atenção a ela.

A duração do momento presente na interação mãe-bebê não verbal

Desde o princípio da vida, os bebês são expostos a várias formas da fraseologia humana com duração aproximada de três segundos:

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O MOMENTO PRESENTE

• As alternâncias de vocalização entre mães e crianças não verbais (balbucios e fala infantilizada recíprocos) demoram cerca de dois a três segundos (Beebe, Jaffe, Feldstein, Mays e Alson, 1985; Jaffe, Beebe, Feldstein, Crown e Jasnow, 2001; Malloch, 1999/ 2000; Stern, 1977).

• Frases curtas nas canções que as mães cantam para seus bebês encontram-se na mesma faixa (Malloch, 1999/2000; Trevarthen, 1999/2000).

• Durante uma brincadeira face-a-face com crianças pequenas, as mães fazem séries curtas de expressões faciais exageradas ou ca­deias de gestos ou seqüências de toques. Estes grupos de movi­mentos (e sons) maternais fornecem o espetáculo de estímulos que pais e filhos usam para regular mutuamente o estado de aler­ta e ativação do bebê de momento em momento. Estes grupos duram cerca de dois a cinco segundos (Beebe etal., 1985; Beebe, Stern e Jaffe, 1979; Stern, 1974, 1977; Stern etal., 1985; Wein- berg e Tronick, 1994).

• Fivaz (comunicação pessoal, 12 de janeiro de 2002) constatou que os episódios de atividade na tríade (mãe, pai, bebê) duram em média 3,5 segundos, numa faixa de dois a dez segundos.

• Bebês aprendem com rapidez, mas a situação de aprendizado deve respeitar a duração do momento presente. Aos três meses de ida­de, eles adquirem um repertório de comportamentos instrumen­tais (para obter uma resposta), tais como o sorriso social e a vocalização. Esses comportamentos são facilmente reforçados pelos pais num ambiente natural. Entretanto, para que esse tipo de condicionamento funcione, o reforçador dos pais (um sorriso ou uma vocalização de retribuição) deve ser feito até três segun­dos após o comportamento do bebê. Se o lapso entre o comporta­mento desejado e o reforçador for maior, não haverá aprendizado (Watson, 1979). Em outras palavras, o comportamento e seu reforçador devem ocorrer no mesmo momento presente para que o bebê os associe. É como se o movimento para a frente da música cessasse para o bebê.

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A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

Duração do momento presente em operações mentais gerais

Muitos sugeriram que o presente psicológico (isto é, o momento presente) é, em essência, o mesmo que memória operacional. A memória operacional é o armazenamento de curto prazo que guar­da uma pequena quantidade de informações em armazenamento ativo por um tempo limitado. Enquanto se encontram no ar­mazenamento ativo, as informações podem ser recuperadas e usa­das conforme a necessidade (Baddeley, 1986, 1989). A duração do armazenamento ativo (sem repetição) é aproximadamente a mes­ma do momento presente. Novamente, o tempo de espera da me­mória depende de uma multiplicidade de variáveis, assim como a duração do momento presente.

Há muitos motivos, no entanto, para não se igualar momento presente e memória operacional. Em primeiro lugar, o momento presente é uma unidade de processo subjetiva. A memória operacional é objetiva. Além disso, uma noção básica da memó­ria operacional é que ela contém ao menos dois componentes: o material que está atualmente sob o foco da atenção ativa e o mate­rial que está fora do foco da atenção, mas permanece ativado e pode ser recuperado ou reconduzido ao foco da atenção, durante um período de tempo limitado (Cowan, 1988). O momento pre­sente, ao contrário, não tem nenhum elemento fora do foco de atenção. Se algo pode ser reconduzido à atenção, onde isso estava fenomenologicamente antes de ser recuperado? Não poderia es­tar no momento presente.

A memória operacional decai rapidamente ao longo dos dois segundos iniciais e depois mais devagar por outros 15 a 30 segun­dos (Baddeley, 1984, 1989; Cowan, 1984, 1988). Ela pode, po­rém, ser mantida por mais tempo mediante repetições. E por este motivo que a maioria dos experimentos sobre a memória operacional utiliza paradigmas de interferência, nos quais a informação é apre­sentada e, em seguida, informações não relacionadas (interferen-

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tes) são expostas para evitar a repetição antes que a recuperação da informação original seja testada.

Tal procedimento contraria a idéia central de um momento pre­sente, especificamente, de que um evento contínuo coerente preen­che toda a sua duração. O momento presente é um todo único. Concerne a eventos analógicos. A memória operacional, por outro lado, normalmente diz respeito a uma série de informações não relacionadas (isto é, eventos digitais), algumas das quais podem ser reconduzidas ao foco da atenção depois que a mente se distraiu.

Existem diversos desenhos bem conhecidos que podem ser vis­tos de dois modos muito diferentes. Um é um vaso ou duas pessoas: vista de um modo, a imagem parece ser um vaso no centro da figu­ra; vista de outro modo, parece ser o perfil de duas pessoas uma de frente para a outra. Podemos ver apenas uma das duas imagens por vez, mas também alternar entre ver o vaso e os perfis. Normalmen­te leva de um a três segundos para que a troca tenha efeito (quando não se tem prática). Isso sugere que certas manipulações mentais também exigem um período de um a alguns segundos para criar um novo todo (Kelso, Holroyd, Hovarth, Raczaszek, Tuller e Ding, 1994; Rubin, 2001).

O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA

É preciso um certo tempo para que a estimulação recebida alcance a consciência. Conforme discutido no capítulo 8, acredita-se que a consciência desperte, em termos neurais, por meio do processo de reentrada (por exemplo, Edelman, 1990). Dito de maneira muito simples, quando um grupo de neurônios é ativado por um estímulo de entrada, este pode mandar um sinal para outro grupo de neurônios. O segundo grupo então reativa (leva em resposta para) o primeiro, e um circuito de reentrada ou recursivo é criado. Isso poderia em seguida espalhar-se para um terceiro grupo que respon­deria ao primeiro e ao segundo. Esta combinação de uma experiên-

A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

da mais uma segunda ou terceira sobre a original é o que abre a porta para o fenômeno da consciência.

A primeira volta do circuito de reentrada é rápida, e a ativação do circuito tende a ser muito curta. Sua duração fica em torno de um quarto de segundo. Este é o tempo que se leva para se ter atra­ções ou aversões intuitivas inconscientes. Se, entretanto, existem diversas voltas em torno do circuito de reentrada, sua ativação pode ser estabilizada por um tempo longo o bastante para que a experiên­cia fenomenal da consciência desperte. Se houvesse quatro ou mais voltas no circuito, estaríamos na faixa de tempo de um momento presente.

A ativação estabilizante continuada do circuito de reentrada que dura um ou mais segundos tem a função de proteger a mente de tornar-se consciente dos acontecimentos a cada fração de segundo. Os eventos precisam, digamos, ganhar consciência tornando-se su­ficientemente proeminentes (carregados de valor) para estabilizar momentaneamente um circuito de reentrada. O momento presente é o tempo necessário para que esse circuito esteja estabilizado o bastante para dar margem à consciência.

É tentador pensar que o tempo necessário para aglomerar estímu­los perceptuais, desempenhar unidades de comportamento funcio­nais e se tornar consciente de um evento devia ser o mesmo para todos: por volta de três ou quatro segundos. Caso contrário, seria muito mais difícil tornar nossa experiência coerente. Os seres hu­manos parecem ser construídos de modo a dimensionar na mente os eventos em unidades básicas de momentos presentes: as unida­des fundamentais para compreender as experiências temporalmen­te dinâmicas que ocorrem entre as pessoas.

Dependendo do que está sendo agrupado exatamente, pode­mos esperar variabilidade na duração, dentro de limites. É uma unidade psicobiológica flexível, e não rigidamente fixa. Fatores como modalidade, número ou freqüência de eventos a serem agrupados, complexidade, se o tempo (ou espaço) está vazio ou cheio, familia­

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O MOMENTO PRESENTE

ridade, entre outros, podem influenciar a real duração do processo de agrupamento. Por este motivo, é mais sensato pensar em termos de uma faixa de aproximadamente um a dez segundos para o mo­mento presente.

Momentos presentes são reunidos de maneiras extremamente variáveis, e pode ser difícil determinar o tempo entre dois desses momentos. Às vezes, lacunas na consciência os separam (como os vôos do pássaro da consciência de William James rumo ao próximo pouso). Outras vezes eles estão apertados em seqüências de mo­mentos adjacentes, com transições breves como um corte brusco para uma nova cena na montagem de um filme. Nossa consciência perceptiva destas transições é, na melhor das hipóteses, vaga e nor­malmente inexistente. Mas a seqüência pode traçar um tema, uma progressão direcional ou algum outro padrão.

Adicionalmente, o tempo entre os momentos presentes varia amplamente, dependendo do que está acontecendo. Em algumas situações de concentração focalizada ou carga altamente afetiva, os momentos presentes parecem suceder-se em intervalos curtos. Ou­tras vezes parecem prolongar-se bem além dos dez segundos. Exa­minando mais de perto, porém, parece haver uma renovação do “mesmo” momento presente a cada intervalo de diversos segun­dos. Por exemplo, ao observar algo fascinante, mas relativamente constante, como um eclipse do sol, uma pessoa pode parecer per­der-se na mesma cena do momento presente por longos períodos— 30 segundos ou mais. Entretanto, dentro desse período de 30 segundos, a cada poucos segundos há uma ligeira mudança nos pen­samentos, sentimentos, ações, posições etc., o que rapidamente re­nova ou reocupa a mente. A unidade básica do momento presente é preservada; ele só é reaplicado algumas vezes.

Agora que temos uma idéia do que queremos dizer com agora, do quanto dura um momento presente e do que ele realiza nesse tempo, podemos perguntar, no próximo capítulo, como os momen­tos presentes estão organizados.

Capítulo 4

O MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

Um MOMENTO PRESENTE contém os elementos essenciais para com­por uma história vivida. Este é um tipo especial de história porque é vivido quando acontece, e não quando é colocado em palavras posteriormente. Ela é não-verbal e não precisa ser posta em pala­vras, embora isso pudesse ser feito, com alguma dificuldade. E de curtíssima duração comparada à maioria das histórias. E feita prin­cipalmente de sentimentos que se desdobram, uma espécie de nar­rativa emocional não contada.

Certos termos precisam ser esclarecidos. O formato narrativo é uma estrutura para organizar mentalmente (sem linguagem) nossa experiência com comportamento humano motivado. Histórias vi­vidas são experiências moldadas narrativamente na mente mas não verbalizadas nem contadas. Uma história contada — ou seja, uma narrativa — é a narração a alguém sobre a história vivida.

Um olhar sobre o desenvolvimento infantil pode ajudar a escla­recer estas distinções. Em primeiro lugar, a criança precisa ser ca­paz de analisar e moldar sua experiência no formato narrativo — numa história vivida. Isso ocorre muito cedo, antes da linguagem, bem antes dos 18 meses de vida. A idéia central é a de que os bebês,

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O MOMENTO PRESENTE

muito cedo na vida pré-verbal, tendem a analisar e experimentar o mundo humano em termos de intenções, como fazem os adultos. É uma tendência natural da mente. O formato narrativo é concebido para construir significados em torno das intenções (existem signifi­cados emocionais, bem como cognitivos). Foi isto que Bruner (1990) quis dizer, em linhas gerais, quando defendeu a primazia dos “atos de significação” em nossa análise das interações sociais humanas. Em segundo lugar, a criança precisa tornar-se verbal, empregando razoavelmente bem os tempos verbais (isto é, passado, presente, futuro). Isso acontece durante o segundo ano de vida. Por último, a criança tem de adquirir a capacidade de transformar em linguagem a história vivida na forma de uma história contada. A partir dos 3 ou 4 anos, as crianças começam a contar narrativas autobiográfi­cas. Suas histórias contadas continuam bastante primitivas até por volta dos 6 anos (Favez, 2003; Nelson, 1989; Peterson e McCabe, 1983). Esta seqüência de desenvolvimento de histórias vividas, de­pois linguagem, depois histórias contadas, é bem conhecida no de­senvolvimento em que a compreensão aparece muito antes da produção.

A história vivida e a história contada (bem como o formato nar­rativo) têm elementos essenciais em comum. No momento presen­te, alguns podem aparecer de forma incompleta, como descrito a seguir.

Primeiro, deve haver um motivo para criar a história ou tornar- se consciente da história sendo vivida. Algo precisa acontecer para trazê-la para a vida psicológica. O gatilho pode ser uma novidade, algo inesperado, um problema, um conflito ou algum tipo de afli­ção ou aborrecimento que requer uma solução. Não pode ser sim­plesmente uma lista de acontecimentos. É por isso que as histórias nos cativam. Uma história depende de uma suposição implícita so­bre como o mundo funciona e o que pode ser normalmente espera­do (Bruner, 2002a, 2002b). Quando a expectativa normal não se confirma ou é contrariada pelos acontecimentos, é feita uma tenta­tiva para normalizar a situação. E, finalmente, uma coda é necessá­

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ria para ajustar a expectativa original, levando em conta o que aca­bou de ocorrer (Bruner, 2002). (E como a necessidade de assimilação e acomodação concebida por Piaget.) Bruner forneceu um exemplo do que se quer dizer com contrariar. “Estava andando na rua quando um homem chegou para mim e perguntou: ‘Gostaria de comprar um mito pessoal?”’ A questão viola a expectativa normal de que mitos pessoais não são vendidos (Bruner, 2002). A coda poderia ser algo simples como pensar: “O mundo é esquisito às vezes.”

O que então desencadeou os momentos presentes identificados nas entrevistas do café-da-manhã do capítulo 1 ? Elas parecem ex­tremamente banais. E são, mas cada uma delas é acionada por uma aflição, ainda que insignificante, do mundo cotidiano. “Onde está a manteiga?” e os sentimentos negativos que acompanham a pergun­ta refletem a violação de uma expectativa diária comum. “Ok, não tem problema — é bom para a dieta” e a inundação de boas sensa­ções resolve isso. “O que faço com este pão?” é a reação à novida­de, e daí em diante. A estrutura da situação é mais ou menos a mesma, ainda que a magnitude da conseqüência varie muito.

Em segundo lugar, as histórias são estruturadas em torno de um enredo. Elas contêm um quem, por quê, o quê, quando, onde e como que fazem com que todos os seus elementos fiquem coesos. Na faculdade de jornalismo aprende-se a posicionar os elementos da narrativa de forma a capturar rapidamente o interesse humano respondendo às perguntas de quem? o quê? onde? quando? por quê? e como? logo nas primeiras frases. Os detalhes são completa­dos mais tarde. Estas perguntas fornecem as informações que pren­dem a atenção das pessoas. São a espinha dorsal do formato narrativo usado para entender e falar sobre comportamento motivado (Burke, 1945). São a matéria da fofoca, aquela forma quintessencial de com­preender e relacionar certos assuntos humanos, bem como a maté­ria de romances, mitos, processos criminais (Bruner, 2002) e de narrativas de vida clínicas (Schafer, 1981; Spense, 1976).

Finalmente, uma história precisa ter uma linha de tensão dra­mática que age para levar e empurrar a história para a frente desde

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O MOMENTO PRESENTE

sua construção, passando pela crise, até a solução (Labov, 1972). Isso amarra a história temporalmente.

Não deve ser surpresa o fato de que possa ser contida num momento presente; afinal, o formato narrativo é nosso modo fun­damental de perceber e organizar (bem como de falar sobre) o com­portamento humano motivado. Este parece ser o caso nas menores das unidades de experiência coerentes bem como nas maiores, e para experiências emocionais e cognitivas.

O momento presente como uma história vivida também pode ser compartilhado. Quando isso acontece, a intersubjetividade co­meça a ganhar corpo. No momento em que alguém pode participar da história vivida de outra pessoa, ou pode criar uma história mu­tuamente vivida com eles, um tipo diferente de contato humano é criado. Houve mais do que uma troca de informações. Este é o segredo do aqui e agora. Voltaremos a esta questão mais tarde.

O momento presente carrega em sua breve existência uma his­tória vivida, uma espécie de “mundo num grão de areia”. Normal­mente, o tamanho ou a duração de uma estrutura narrativa contada é maior e mais longa. Isso é especialmente verdade no domínio clínico, onde falamos de narrativas de vida ou mesmo de narrativas transgeracionais. Mesmo assim, estruturas narrativas maiores são feitas de estruturas menores que nelas se encontram embutidas. Normalmente, o tamanho dessas histórias de vida menores não é explorado em detalhe. O que acarreta a pergunta: existem histórias vividas mínimas a partir das quais se constroem todas as estruturas narrativas maiores? Vou responder que sim, e proponho que os momentos presentes sejam os blocos de construção básicos.

A idéia inicial de um momento presente que contém uma histó­ria vivida foi apresentada de forma preliminar sob o nome de “en­velope protonarrativo” (Stern, 1994). O antepositivo proto foi empregado porque supunha-se ser o envelope mais primitivo do que a linguagem e anterior a ela. No entanto, aqui, não vejo absolu­tamente este fenômeno como primitivo, mas sim um aspecto total­mente desenvolvido, normal e penetrante da vida de crianças e

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adultos. Além disso, considero-o mais uma narrativa emocional sen­tida do que uma história cognitivamente construída verbalizada. Por estes motivos, troquei o nome de envelope protonarrativo para história vivida.

A seguir, uma exploração de cada um dos elementos necessários a uma história vivida que segue o formato narrativo e a forma que assumem dentro dos estreitos confins de um momento presente.

OS ELEMENTOS DO ENREDO

Quem?

Durante o momento presente, de algum modo temos a consciência perceptiva em segundo plano de que somos nós que estamos viven­do a experiência. (Os “sentimentos de fundo” do corpo, de Damasio [1999] — sua posição, seu tônus, despertar etc. —, seriam essenciais para qualquer senso de self existencial.) Esta consciência perceptiva também está de acordo com idéias atuais do self como um produto da mente incorporada (Clark, 1997; Schore, 1994; Sheets- Johnstone, 1999; Varela, Thompson e Roach, 1993). Tem-se sus­tentado que a diferenciação precoce de um self que realiza a experiência talvez ocorra desde o nascimento (Stern, 1985). O sen­so de um self experimentador sobrevive às muitas experiências que obliteram parcialmente as fronteiras mentais entre as pessoas, tais como contágio emocional, empatia, identificação, identificação projetiva, imitação, compartilhamento intersubjetivo, organismo sexual, entre outras.

Independentemente, ou talvez ao lado, dessas explicações alta­mente plausíveis, permanece a realidade fenomenal de que estamos cientes de nosso status como experimentadores. Isso é particular­mente verdade durante um momento presente quando o pássaro da consciência de James está pousado e uma nova paisagem presen­te se abre. Também é verdade, mas não tanto, quando o pássaro da

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O MOMENTO PRESENTE

consciência de James está em vôo, porque há pouca experiência formada à qual ele possa se segurar, apenas o processo.

O quem somos nós, como donos da experiência. Dependendo da natureza da experiência, o selfé sentido como sujeito, agente ou paciente. Esta consciência perceptiva da experiência fica suspensa em segundo ou primeiro plano durante todo o momento presente.

Quando?

Argumentei que o momento presente é sentido como algo que ocorre durante um agora prolongado, com um passado imediato, presente e futuro. Mas não abordei a realidade fenomenal de que “conhece­mos” ou sentimos que a experiência que estamos vivendo está acon­tecendo agora, não importando se ela se refere a um acontecimento passado ou futuro. Husserl e outros descreveram isso amplamente, e não pretendo me estender nesta questão, exceto para apontar que o momento presente está claramente situado fenomenologicamente no tempo. Possui um quando, mesmo que este quando seja comple­xo (por exemplo, “Ontem me lembrei de que na semana que vem vou encontrá-la na estação”). O presente vivido é ao mesmo tempo o ponto de referência e o momento da experiência — em outras palavras, é quando a recordação da lembrança de ontem sobre o futuro está ocorrendo.

Por quê?

A pergunta “Por quê?” indaga sobre intenções. Intenções são fun­damentais, tanto para narrativas quanto para o momento presente como uma história vivida. Intenções fornecem o impulso. Vamosexaminar isso mais de perto.

Um fluxo-sentimento de intencionalidade corre pelo momento presente. Uma vez que um novo presente se encontra diante de nós, sua intencionalidade começa a se desdobrar durante seus segundos no palco. O que quer que seja experimentado durante o novo mo­

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mento presente é temporalmente dinâmico. Flui em tempo ana­lógico. Não há seqüenciamento de entidades separadas e distintas; apenas um todo contornado no tempo — como numa frase musi­cal. Esse desdobrar-se tem uma sensação de movimento para a frente, de direcionalidade orientada para alguma meta que se torna mais específica no caminho. O momento presente está indo a algum lu­gar. Ele pode chegar ao destino ou parar abruptamente e nunca chegar. Pode ser de tão pouco interesse que não o guardamos para a viagem. Independentemente do resultado, ele tem um ímpeto.

Em outras palavras, o momento presente tem a sensação de intencionalidade em movimento (mesmo que a intenção seja de nada fazer, nada dizer, nada pensar e se manter imóvel). Vou chamar este senso de movimento de “fluxo-de-sentimento-intencional”. Entre­tanto, mesmo no sentido filosófico de intenção ou temática há uma direcionalidade, um “tentar pegar” ou “esticar-se” da mente em direção a algo. A mente foi posta em movimento mental, digamos.

A literatura sobre desenvolvimento infantil, em particular, preo­cupou-se em definir os critérios necessários para uma “verdadeira” (psicológica) intenção, para que eles possam razoavelmente per­guntar quando as intenções despertam em termos de desenvolvi­mento. Há um consenso de que as intenções verdadeiras devem ter um propósito e ser direcionadas para a meta, o que significa ajusta­da até as extremidades, e ter alguma existência mental anterior à ação. Todos estes critérios são satisfeitos por volta dos 18 meses de vida (ver Zelazo, 1999).

Vale a pena avançar um pouco mais na questão das intenções verdadeiras versus proto-intenções ou intenções parciais, não só porque os bebês parecem ter muitos comportamentos semelhantes a intenções bem antes dos 18 meses, mas também porque intenções não-pensadas, não-verbalizadas e implícitas, bem como àquelas que não são verdadeiras (nas quais nem todos os critérios estão presen­tes), também existem em adultos. E provável que exista muito mais destas intenções do que das verdadeiras, dada a natureza ad hoc e ad libitum da maior parte da vida.

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O MOMENTO PRESENTE

Sejam quais forem os critérios usados para definir uma inten­ção verdadeira, a psicologia vê os elementos desses critérios como entidades distintas e separadas que formam as partes de uma se­qüência. Por outro lado, da perspectiva fenomenológica, o fluxo- de-sentim ento-intencional é forma-de-tempo analógica da experiência. Ele corre como uma frase completa por baixo do con­teúdo específico da intenção. E isso, em parte, que faz com que a intenção dê a sensação de estar se inclinando para a frente. Ele acrescenta aquilo que chamamos de linha de tensão dramática à medida que a ação se aproxima do ponto final. E parte da dinâmi­ca temporal da experiência.

Em resumo, podemos considerar o lugar das intenções — o por quê — um dos principais elementos do momento presente.

O quê, como e onde?

Estes elementos da estrutura narrativa começam a se encaixar em virtude das especificidades do contexto exato do nível local em que o momento presente ocorre e das possibilidades que ele apresenta.

Resumindo, os elementos essenciais do enredo podem ser dis­cernidos num momento presente.

A UNHA DE TENSÃO DRAMÁTICA: AFETOS DE VITALIDADE

Os contornos temporais e os afetos de vitalidade estão no coração da dinâmica microtemporal e do senso de tensão dramática, crucialpara as histórias vividas.

Os afetos de vitalidade foram inicialmente introduzidos para explicar a harmonização afetiva da mãe com seu bebê como uma forma precoce de intersubjetividade (Stern et al., 1984; Stern, 1985). A idéia, contudo, tem uma aplicação muito mais ampla. Há duas noções complementares envolvidas. A primeira concerne

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à estimulação que invade o sistema nervoso pelo lado de dentro ou de fora. A maior parte das estimulações é contornada em tem­po real. Tem uma forma ou contorno temporal que consiste em mudanças analógicas (de fração de segundo em fração de segun­do) na intensidade, no ritmo ou na forma do estímulo. (Recorde o exemplo dos fogos de artifício comentado anteriormente.) Isso foi mencionado antes como uma forma-de-tempo. Vou reservar o termo contorno temporal para a forma-de-tempo objetificável de um estímulo.

Por exemplo, um sorriso visto no rosto de outra pessoa tem um contorno temporal distinto que demora para se formar. Ele aumenta (pode-se dizer que em crescendos) em cerca de um se­gundo, talvez; atinge seu ápice de completude, que é mantido por um momento com pequenas modulações; e depois desaparece em, digamos, um segundo. Este desaparecimento pode ser rápido, como uma parada, ou lento, como um esmaecimento, ou algo entre os dois. A performance completa flui junto, como um só pacote de estímulos ininterrupto de diversos segundos. Há um desdobrar analógico, não uma seqüência de estados ou eventos distintos. E uma frase comportamental capturada num momento presente único.

Existe, é claro, um milhão de sorrisos. E a diferença entre eles reside, em parte, em seus contornos temporais. Tais diferenças não são triviais porque muito do valor de sinal reside na orquestração do contorno temporal da performance, e não no simples fato de que é um sorriso com um sentido convencional. Imagine que al­guém que você conhece o cumprimenta na rua com um sorriso. O tempo crescendo do sorriso (ele é explosivo ou chega devagar?) pode indicar um prazer instantâneo ou uma surpresa culpada ao ver você. A duração da sustentação do ápice pode refletir o nível de prazer. A velocidade de desaparecimento pode indicar a autentici­dade da expressão e assim por diante. A forma convencional de um sorriso é somente um esqueleto no qual a parte verdadeiramente importante da comunicação é preenchida no formato de seu con­

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torno temporal: até que ponto eles estão realmente contentes de ver você? Estão surpresos por vê-lo simplesmente ou por vê-lo na­quele lugar ou naquela hora? Querem algo de você que você não esperava? Seu relacionamento com eles foi alterado de alguma for­ma desde que vocês se encontraram da última vez? O mesmo se aplica a gestos e à maioria dos comportamentos humanos.

As palavras são apenas exceções parciais. A referência simbóli­ca é capturada tão depressa que é impossível falar do contorno temporal da transmissão do símbolo. Mas a palavra quando fala­da, como um som, é muito rica em contornos temporais, por cau­sa da presença da paralingüística. Isso fica evidente na vida cotidiana e na psicoterapia (Crystal, 1975; Knoblauch, 2000). Sem contornos, as palavras soariam como se fossem pronunciadas por um robô. Como se comenta, não é o que você diz, mas sim como você diz.

Tudo que fazemos, sentimos e ouvimos das pessoas tem um con­torno temporal. Também atribuímos contornos a muitos eventos na natureza. Estamos imersos numa “música” do mundo no nível local — uma complexa cerca polifônica e polirrítmica onde dife­rentes contornos temporais movem-se para a frente e para trás en­tre o primeiro e o segundo planos psicológicos.

Estes contornos temporais de estimulações agem sobre e dentro do nosso sistema nervoso e são traduzidos como contornos de sen­timentos em nós. São estes sentimentos contornados que estou cha­mando de afetos de vitalidade. Eles são o complemento dos contornos temporais. Em outras palavras, contorno temporal são as mudanças objetivas (ainda que pequenas) ao longo do tempo (ainda que curto) na intensidade ou na qualidade da estimulação (interna ou externa). Afeto de vitalidade consiste nas mudanças ex­perimentadas subjetivamente nos estados de sentimento internos que acompanham o contorno temporal do estímulo.

A qualidade de sentimento dos afetos de vitalidade é mais bem captada por termos cinéticos tais como surto, esmaecer, de­saparecer, explosivo, provisório, esforçado, acelerar, desacelerar,

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culminar, estouro, prolongado, alcançar, hesitar, inclinar-se para a frente, inclinar-se para trás etc. Desde o momento em que nas­cemos, somos expostos contínua e diariamente a essas experiên­cias na forma de respirar, sugar, mover-se, defecar, engolir, sentir cólicas etc. Cada um tem seu próprio contorno temporal e afeto de vitalidade.

Os afetos de vitalidade são intrínsecos a todas as experiênci­as em todas as modalidades, domínios e tipos de situação. Ocor­rem tanto na presença como na ausência dos afetos dos princípios darwinianos. Por exemplo, um ímpeto de raiva ou alegria, uma repentina inundação de luz, uma acelerada seqüência de pensa­mentos, uma onda de sentimento evocada por uma música, um espasmo de dor e uma dose de narcótico podem todos ser senti­dos como “ímpetos”. Eles compartilham uma distribuição seme­lhante de excitação/ativação ao longo do tempo, um padrão de fluxo-de-sentimento semelhante — em outras palavras, um afe­to de vitalidade semelhante. E, por causa de nossa capacidade de tradução multimodal, um afeto de vitalidade evocado por uma modalidade pode ser associado a um afeto de vitalidade de qual­quer outra modalidade ou de qualquer outro tempo ou situação. Assim como os símbolos, os afetos de vitalidade prestam-se à formação de redes associativas. Eles refletem a maneira pela qual um ato é realizado e o sentimento por trás do ato que lhe dá forma final.

Exatamente como o sistema nervoso executa a transformação dos contornos temporais da estimulação para os afetos de vitalida­de dos nossos sentimentos subjetivos ainda não foi totalmente com­preendido. Tomkins (1962) sugeriu que o contorno temporal da estimulação evoca um contorno temporal correspondente da den­sidade do disparo neural no sistema nervoso. Além disso, ligou padrões específicos de disparo neural a emoções darwinianas espe­cíficas distintas, sugerindo que, seja qual for a modalidade da estimulação, um aumento rápido na intensidade do estímulo (por

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exemplo, uma motocicleta que não se vê acelerando a pequena dis­tância) provoca medo, um aumento mais lento provoca interesse e assim por diante. Há uma espécie de isomorfismo temporal entre o contorno do estímulo e o contorno da atividade neural. Clynes(1978) propôs um modelo semelhante, mas associa a forma tempo­ral de estimulação a uma paleta de sentimentos diferente.

A transposição dos contornos temporais observados no com­portamento do outro para os afetos de vitalidade evocados no ob­servador está se tornando mais explicável à luz da pesquisa sobre neurônios-espelho, osciladores adaptativos e mecanismos internos de cronometragem (por exemplo, a teoria do tau).

A noção básica por trás dos afetos de vitalidade vem circulan­do há tempos. O filósofo Langer (1967) falou em termos de “for­mas de sentimento” na experiência da música. Em movimento, música e dança, a noção de “forma de esforço” descrita por Lamb(1979) e os métodos de Dalcroze (Bachmann, 1994; Boepple, 1910) estão essencialmente baseados na intuição de afetos de vi­talidade. Kestenberg (1965a, 1965b, 1967) desenvolveu um siste­ma de análise de movimento para crianças com vários distúrbios, usando o trabalho dos autores supracitados, particularmente o de Laban (1967).

Os afetos de vitalidade também são uma característica pene­trante da dança moderna, sob várias roupagens e estilos (Jowitt, 1988). Tustin (1990) descreveu as “formas de sentimentos” experi­mentadas por crianças autistas durante seus comportamentos mo­tores estereotípicos. Minha noção de afetos de vitalidade é menos específica do que a de Tomkins ou Clynes, mais geral em termos situacionais do que a de Langer ou Tustin e focaliza mais os senti­mentos do que os movimentos. Presumo que os afetos de vitalidade resultem de toda e qualquer experiência, e o tipo de sentimento evocado não é inato nem estritamente vinculado à natureza do con­torno temporal da estimulação. Os “sentimentos de fundo” identi­ficados por Damasio (1999) parecem sobrepor-se aos afetos de

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vitalidade. No entanto, ele está menos preocupado com os aspectos diacrônicos e analógicos, concentrando-se sobretudo, mas não ex­clusivamente, nos sentimentos que emanam do corpo.

Os afetos de vitalidade também estão na base da apreciação da maioria das formas de arte abstrata que são formalmente desprovi­das de “conteúdo”, como a maior parte da música e grande parte da dança (ver Jowitt, 1988; Langer, 1967; Stern, 1985). Qualquer pessoa envolvida com arte tem isso como certo. Ainda assim, pode ser instrutivo examinar o nível local momentâneo no âmbito das artes performáticas.

Dado que na música a frase é a unidade de processo no nível local, é fascinante escutar um maestro dar forma à performance de sua orquestra. Muitos programas de rádio transmitem ensaios ou aulas magnas. O maestro diz coisas como: “Não, ataquem estas primeiras notas com mais intensidade, ta ta taaa... Isso, bom. Ago­ra, mais pianíssimo logo depois, e na frase seguinte também... Agora, aqui, prossigam mais devagar, de-va-gar... Não, não parem de todo, as notas vão esmaecendo, assim...”

Coreógrafos fazem o mesmo tipo de modelagem e refinamento. E novamente isso se dá no nível do gesto e da frase. “Quando vocês viram a cabeça ali, não basta virarem depressa. Ela tem que girar bruscamente para o outro lado, como se tivessem levado um tapa... Aqui, esperem só um momento, atrasando o tempo, antes que avan­cem juntos, e depois explodam, bam... Parem como se estivessem surpresos... Não, aquela posição está sólida demais; façam como se estivessem debruçados num penhasco e pudessem cair...”

Este polimento de notas escritas ou passos de dança envolvem o ajuste dos afetos de vitalidades incorporados nas frases. É isso que produz uma interpretação e o que distingue uma performance ar­tística de uma técnica. A diferença é a de ritmos elásticos versus ritmos formais. A magia dos ritmos elásticos está na modelagem precisa dos afetos de vitalidade de modo a expressar os sentimen­tos exatos que se encontram por trás dos atos transmitidos ao pú­

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blico. E a magia numa sessão de terapia ou nas relações íntimas, por trás ou por baixo dos significados explícitos, também está ali. E onde reside a autenticidade.*

Todos estes aspectos são altamente relevantes, porque uma de nossas perguntas mais importantes é: “Como transmitimos aos ou­tros o que sentimos e como é sermos nós?”

Muitas artes visuais como a pintura e a fotografia parecem não ter contorno temporal, porque congelam uma imagem no tempo que se torna eterna. Embora isso seja verdade para a obra, não se pode dizer o mesmo para os atos de ver, físicos e mentais. Fisica­mente, existem movimentos de varredura oculares, ajustes de cabe­ça e às vezes mudanças de posição necessárias para “ver” a obra (Clark, 1977; Sheets-Johnstone, 1984; Varela, Thompson e Rosch, 1993). Estes levam tempo para serem executados, e normalmente o artista constrói a obra para que o olho siga certos caminhos de var­redura com formas-de-tempo próprias, baseadas em complemen­tos ou contrastes de cores, linhas de força, movimentos entre primeiro e segundo planos etc. Estes caminhos de varredura são frases visuais-motoras-afetivas-cognitivas que produzem afetos de vitalidade temporalmente preenchidos. O pintor impressionista Bonnard supostamente teria dito: “Um quadro é uma sucessão de gotas que se ligam e que acabam por dar sua forma ao objeto, per­

*A distinção entre performances técnicas e interpretações artísticas sempre foi considera­da importante, até mesmo essencial. Ela tem uma interessante história técnica na evolução da música “gravada”. No fim do século X IX , os pianos acionados por tiras de papel dobra­das com endentações estavam bem avançados. Produziam um ritmo mecânico característi­co. Para capturar o som temporalmente dinâmico de uma interpretação, um welte-mignon foi projetado em 1904. Consistia num piano dotado de uma máquina que girava um papel e, sempre que uma nota era tocada, ela desenhava uma linha no papel. Artistas famosos eram convidados a tocar suas interpretações de clássicos da música nessa máquina e, assim, seu estilo temporal ficava fielmente registrado. Posteriormente, as linhas que as notas produziam enquanto o artista estava tocando eram recortadas, deixando um papel endentado que podia ser tocado novamente num piano especialmente adaptado e produzir uma répli­ca da interpretação real, com todos os afetos de vitalidade característicos do artista (Benhôte, 1972). O fonógrafo logo tornou obsoleto o welte-mignon. Mas os esforços aplicados di­zem muito.

mitindo ao olho viajar por seus detalhes sem obstáculos” (Melikian, 2002, p. 9).

O pintor David Hockney explorou conscientemente esta reali­dade, criando colagens de fotografias do “mesmo” tema de vários ângulos e distâncias levemente diferentes. Sua idéia é que a atividade de ver, especialmente bem de perto (por exemplo, olhar o rosto da pessoa que está na cama com você), envolve muitas visões diferen­tes do mesmo objeto por um curto período de tempo, de modo que a realidade é mais como uma pintura cubista (Hockney, 1986). E quanto mais se olha, mais os padrões de varredura mudam.

Além do ato físico de ver, que tem um contorno temporal, exis­tem dois atos mentais diferentes que ocorrem quando se está diante de uma imagem estática. Ambos têm uma dimensão temporal. O pri­meiro é a interação entre percepção imediata e memória imediata. A visualização de uma seção de uma pintura durante um instante ocor­re com a memória imediata de outra seção que acabou de ser vista, e assim por diante. O caminho de varredura tem um desdobramento memorial-perceptual. Não é tão diferente da situação na música.

O segundo ato mental envolve imaginar uma linha narrativa temporal. Isso fica mais evidente na fotografia, que captura uma ação ou “história” no meio ou, como Cartier-Bresson (1952) deno­minou, o “momento decisivo”. O que é fascinante sobre o momen­to decisivo é que o espectador fornece, na imaginação, a ação que leva ao momento decisivo e à ação decisória. Um contorno tempo­ral imaginário é adicionado enquanto alguém observa uma imagem estática. Torna-se uma pequena narrativa emocional — novamente, “um mundo num grão de areia”.

A forma como uma imagem estática é enquadrada e centralizada também pode evocar uma experiência temporal. Por exemplo, um pergaminho japonês de um peixe num rio, criado por Maruyama Okyo (1733-1795),* levou a três diferentes sensos de movimen-

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* “Truta de água doce no outono e no verão”, em Exposição de arte japonesa da coleção de Mary Griggs Burke, Metropolitan Museum of Art, Nova York, de 22 de março a I o de junho de 2000.

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O MOMENTO PRESENTE

to: o fluxo rápido da água, o movimento circular do peixe a favor e contra a correnteza e, o mais extraordinário, o desejo do observador de mover a cabeça e os olhos. A figura está enquadra­da de tal modo que se vê apenas uma parte muito pequena do rio, como se você estivesse na margem, curvado sobre o rio e inclinan­do a cabeça. Você sente que no segundo seguinte você terá de se endireitar e erguer a cabeça para olhar rio acima ou rio abaixo para situar a cena. Mas, é claro, você é mantido ali pelo enqua­dramento. Uma dinâmica muscular é desencadeada com seu pró­prio afeto de vitalidade.

Os contornos temporais e afetos de vitalidade fazem parte de todas as nossas experiências, banais e estéticas. Elas formam não só o estilo ou jeito de fazer as coisas, mas também fornecem o senti­mento por trás de nossa experiência. Elas devolvem o tempo dinâ­mico à experiência. O estilo em que as performances são realizadas, todos os dias ou não, requer muito mais atenção do campo da psi­cologia. Envolve dinâmica temporal (ver Sheets-Johnstone, 1999). Os afetos de vitalidade fazem parte do que tem faltado às nossas psicologias. Temos sido surpreendentemente cegos em relação à dinâmica temporal, especialmente à dinâmica microtemporal, apesar de a vivermos a todo momento e de não podermos começar a ex­plicar a peculiaridade de uma performance interpretativa sem ela.

Agora podemos retornar à sensação de mover-se ou inclinar-se para a frente que atravessa o momento presente. Recorde o movi­mento para a frente de uma frase musical em direção a uma resolu­ção. Os afetos de vitalidade, como frases musicais, carregam a sensação de inclinar-se para a frente através do momento presente.

Em suma, os afetos de vitalidade que atuam com o fluxo-de- sentimento-intencional fornecem uma linha de tensão dramática que dá uma coerência-de-sentimento ao desenrolar do momento presente. Os afetos de vitalidade atuam como uma espinha dorsal temporal da qual pende o enredo. Também auxiliam o processo de aglomeração ao conter a frase dentro de um envelope. Dão ao mo­mento presente a sensação dramática de uma história vivida.

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O MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

CONTRARIANDO EXPECTATIVAS OU "PERTURBAÇÃO"

Não se pode falar de contrariar o esperado ou perturbação na nar­rativa a menos que os elementos da estrutura narrativa estejam cla­ros, seu equilíbrio intuitivamente medido e sua não-canonicidade detectada. No entanto, fenomenologicamente, enquanto se está no meio do desdobramento de um momento presente, seu resultado exato é imprevisível e se acha aberto a toda sorte de eventualidades e contrariedades. Nesse sentido existe uma incerteza inerente em relação ao que pode acontecer. Isso é um tipo de perturbação não específica e potencial. Há também contrariedades específicas de afetos inesperados ou indesejáveis que afloram à medida que o momento se desenrola.

Em resumo, o momento presente é subjetivamente experimen­tado como uma história vivida. E pode ser objetivamente descrito como uma experiência que tem um formato narrativo, estrutural e temporalmente. Conforme veremos mais tarde, isso o faz mais uti­lizável como fenômeno clínico.

Agora, deve-se proporcionar um contexto ao momento presente para que sua relevância em situações clínicas se torne mais evidente.

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Parte II

CONTEXTUALIZANDO O MOMENTO PRESENTE

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Capítulo 5

A MATRIZ INTERSUBJETIVA

Os MOMENTOS PRESENTES que mais nos interessam são aqueles que afloram quando duas pessoas fazem um tipo especial de contato mental — especificamente, um contato intersubjetivo. Isso envolve a interpenetraçâo mútua de mentes que nos permite dizer: “Eu sei que você sabe que eu sei” ou “Eu sinto que você sente que eu sin­to”. Há uma leitura do conteúdo da mente do outro. Tais leituras podem ser mútuas. Duas pessoas vêem e sentem mais ou menos a mesma paisagem mental ao menos por um momento. Estes encon­tros são responsáveis por grande parte da razão de ser da psico­terapia. Também propiciam os acontecimentos que mudam nossa vida e se tornam as lembranças que compõem a história de nossos relacionamentos íntimos. Conseqüentemente, os momentos de con­tato intersubjetivo entre as pessoas se tornam um contexto extre­mamente relevante para o nosso exame.

Momentos de criação intersubjetivos são momentos presentes especiais. Volto à questão levantada no início do livro. Como o ago­ra, ou o momento presente, é experimentado quando é co-criado e

mpartilhado com alguém num momento de contato intersubjetivo? Somos capazes de “ler” as intenções de outra pessoa e de sentir

em nosso corpo o que o outro está sentindo. Não de forma mística,

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O MOMENTO PRESENTE

mas ao observar seu rosto, seus movimentos e postura, ao escutar o tom da voz e notar o contexto imediato do seu comportamento. Somos muito bons nessa “leitura de mente”, embora nossas intui- ções precisem ser verificadas e refinadas (Whiten, 1991).

A natureza projetou nosso cérebro e nossa mente para que pos­samos intuir diretamente as possíveis intenções do outro ao obser­var suas ações direcionadas a um objetivo (mesmo sem saber qual é ele). Quando alguém leva a mão à lateral da cabeça, imediatamente supomos que a pessoa vai coçar a cabeça, ajeitar os óculos, mexer na orelha ou ajeitar o cabelo. Quando a mão chega mais perto e começa a se posicionar para o objetivo escolhido, nós o adivinha­mos. De forma semelhante, vendo-lhe a expressão facial, postura e movimentos, podemos sentir diretamente algo muito similar ao que o outro está sentindo. E, enquanto falamos com ele e ele escuta em silêncio, podemos sentir suas reações ao que estamos dizendo, ob­servando os pequenos movimentos dos traços do rosto, a direção da cabeça e do olhar, e o tom dos sons de fundo de sua voz. Expres­sões afetivas dizem o que estamos pensando bem como o que estamos sentindo. E, quando a pessoa se move, podemos sentir como deve ser mover-se daquele jeito. Sentimos em nosso corpo e sentimos em nossa mente, junto. Também podemos apreender o que um grupo está experimentando.

Nosso sistema nervoso é construído para ser captado pelo siste­ma nervoso dos outros, para que possamos experimentar os outros como se estivéssemos em sua pele, bem como na nossa própria. Uma espécie de rota de sentimento direta para dentro da outra pes­soa está potencialmente aberta e nós ressoamos a experiência do outro e dela participamos, e ele da nossa. (Fornecerei em breve as evidências que sustentam esta visão.)

As outras pessoas não são apenas outros objetos, mas são imediatamente reconhecidas como tipos especiais de objetos, ob­jetos como nós, disponíveis para compartilhar estados internos. Na verdade, nossa mente funciona naturalmente para buscar nos outros as experiências que podemos ressoar. Analisamos automa­

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A MATRIZ INTERSUBJETIVA

ticamente o comportamento dos outros em termos dos estados internos que conseguimos apreender, sentir, tomar parte e, por­tanto, compartilhar.

Isso deve ser observado à luz do fato de sermos animais extre­mamente sociais que em geral passam a maior parte da vida na presença de outros, reais ou imaginários. Às vezes nossos compa­nheiros imaginários são presenças vividas; outras, são vagas figuras em segundo plano, platéias ou testemunhas que flutuam entrando e saindo de nossa percepção. Mas eles estão lá, mesmo assim.

Quando juntamos tudo isso, um mundo intersubjetivo emerge. Já não vemos nossa mente como tão independente, separada e iso­lada. Não somos mais os únicos donos, mestres e guardiães de nos­sa subjetividade. As fronteiras entre o self e o outro permanecem claras, porém mais permeáveis. Na verdade, um self diferenciado é uma condição da intersubjetividade. Sem ele haveria somente uma fusão (Rochat e Morgan, 1995; Stern, 1985). Vivemos cercados por intenções, sentimentos e pensamentos dos outros que interagem com os nossos, de modo que a distinção entre o que é nosso e o que pertence aos outros começa a ceder. Nossas intenções são modifi­cadas ou nascem no diálogo com as intenções sentidas dos outros. Nossos sentimentos são moldados pelas intenções, pensamentos e sentimentos dos outros. E nossos pensamentos são co-criados em diálogo, ainda que num diálogo com nós mesmos.

Em resumo, nossa vida mental é co-criada. Este diálogo co-cria- tivo contínuo com outras mentes é o que chamo de matriz inter- subjetiva.

A idéia de uma psicologia de uma só pessoa ou de fenômenos puramente intrapsíquicos não mais se sustenta sob essa luz. Num passado recente, o pensamento corrente em psicanálise atravessou uma grande distância de uma psicologia de uma pessoa para a de duas pessoas (Renik, 1993). Estou sugerindo aqui que nos deslo­quemos ainda mais. Costumávamos pensar a intersubjetividade como uma espécie de epifenômeno que aparece ocasionalmente quando duas mentes separadas e independentes interagem. Agora vemos a

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O MOMENTO PRESENTE

matriz intersubjetiva (que é um subconjunto especial da cultura e da psicoterapia) como o cadinho prevalente no qual mentes em interação assumem sua forma atual.

Duas mentes criam intersubjetividade. Mas, igualmente, a intersubjetividade dá forma às duas mentes. O centro de gravidade mudou do intrapsíquico para o intersubjetivo.

De modo semelhante, a intersubjetividade na situação clínica não pode mais ser considerada apenas como uma ferramenta útil ou uma das muitas maneiras de ser com o outro que vem e vai conforme necessário. Ao contrário, o processo terapêutico será vis­to como algo que ocorre numa matriz intersubjetiva contínua. To­dos os atos físicos e mentais serão vistos como dotados de um determinante intersubjetivo importante porque estão embutidos nesse tecido intersubjetivo. Evidentemente, algum material se ori­gina do repertório (passado e presente) de um indivíduo, mas, mes­mo assim, seu momento de surgimento na cena, a exata forma final que ele assume e a coloração de seu significado ganham forma na matriz intersubjetiva.

EVIDÊNCIAS DA MATRIZ INTERSUBJETIVA

Quais são, então, as evidências da matriz intersubjetiva? A discus­são que se segue tenta responder a esta pergunta. Não pretende ser exaustiva, mas simplesmente dar apoio à idéia.

Evidências neurocientíficas

A descoberta dos neurôtiios-espelho foi crucial. Eles fornecem possí­veis mecanismos neurobiológicos para a compreensão dos seguintes fenômenos: ler estados de espírito de outras pessoas, especialmente intenções; ressoar a emoção do outro; experimentar o que o outro está experimentando; e captar uma ação observada para que se possa imitá-la — em resumo, criar uma empatia com o outro e estabele­

A MATRIZ INTERSUBJETIVA

cer contato intersubjetivo (Gallese e Goldman, 1998; Rizzolatti e Arbib, 1998; Rizzolatti, Fadiga, Fogassi e Gallese, 1996; Rizzolatti, Fogassi e Gallese, 2001).

Os neurônios-espelho são adjacentes aos neurônios motores. Eles disparam num observador que não está fazendo nada além de assistir ao comportamento de outra pessoa (por exemplo, estender a mão para pegar um copo). E esse padrão de disparo imita o exato padrão que o observador usaria se ele próprio estivesse estendendo a mão para pegar o copo. Em resumo, a informação visual que re­cebemos quando observamos as ações de outra pessoa é mapeada na representação motora equivalente em nosso cérebro pela ativi­dade dos neurônios-espelho. Isso nos permite participar diretamente das ações de outra pessoa sem ter de imitá-las. Experimentamos o outro como se estivéssemos executando a mesma ação, sentindo as mesmas emoções, fazendo a mesma vocalização ou sendo tocados como ele. Estes mecanismos como se foram descritos por Damasio (1999) e Gallese (2001). A “participação” na vida mental do outro cria um senso de sentir/compartilhar com/compreender a pessoa, em particular, suas intenções e sentimentos. (Estou propositalmen- te usando o termo sentimentos em vez de afetos a fim de incluir impressões, sensações sensoriais e sensações motoras, junto dos afe­tos darwinianos clássicos.)

Claramente, o sistema de neurônios-espelho pode nos levar longe na compreensão (no nível neural) de contágio, ressonância, empatia, simpatia, identificação e intersubjetividade. Neste ponto, a evidên­cia para este sistema de ressonância é sólida para ações das mãos, da boca, do rosto, da voz e dos pés. Alguns enfatizaram um possível papel para os neurônios-espelho na aquisição da linguagem. Acre­dito que este seja um caminho menos interessante do que sua im­portância para a subjetividade em geral.

Este sistema tem outra característica: é particularmente sensível a ações direcionadas a um objetivo (isto é, movimentos com uma intenção que possa ser prontamente inferida). Além disso, a per­cepção de uma intenção atribuível parece ter uma localização pró­

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O MOMENTO PRESENTE

pria no cérebro — uma espécie de centro de detecção de intenções (Blakemore e Decety, 2001). Por exemplo, o centro cerebral detector de intenções é ativado se a ação, em seu contexto, parece ter uma intenção. Se exatamente o mesmo movimento é visto num contex­to diferente em que nenhuma intenção pode ser atribuída, o centro

cerebral não será ativado.A idéia, há muito existente, de uma tendência mental humana

para perceber e interpretar o mundo humano em termos de inten­ções é reforçada por estas descobertas. E a leitura das intenções dooutro é fundamental para a intersubjetividade.

Outra descoberta pode servir como um correlato neural para a intersubjetividade. Para ressoar com alguém, você pode ter de estar inconscientemente em sincronia com essa pessoa. Vocês po­dem se movimentar em sincronia, como fazem os apaixonados quando se sentam a uma mesa frente a frente e esboçam uma dan­ça quando simultaneamente aproximam e afastam o rosto um do outro ou unem as mãos ao mesmo tempo. Ou vocês podem coor­denar a velocidade e a taxa de mudança dos seus movimentos a fim de juntos criarem algum tipo de pas de deux prático cotidiano— por exemplo, você lava os pratos e o outro enxuga. Você passa o prato limpo molhado para o “enxugador” num único e suave movimento conjunto, sem pausas. E vocês se olham apenas comum olhar periférico.

Alguns mecanismos precisam estar disponíveis para esta coor­denação diádica. A descoberta dos osciladores adaptativos pode fornecer uma pista. Estes osciladores atuam como relógios dentro do nosso corpo. Podem ser reiniciados diversas vezes e seu ritmo de disparo pode ser ajustado para coincidir com o ritmo de uma estimulação recebida. Estes relógios internos usam as propriedades de tempo real de sinais de entrada (por exemplo, de alguém que lhe estende um prato) para “acertar” seus osciladores adaptativos de forma que eles imediatamente sincronizem seu próprio ritmo de disparo neural com a periodicidade do sinal de entrada (Port e van Gelden, 1995; Torras, 1985). O resultado é que o braço esten­

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dido de quem está enxugando os pratos é perfeitamente coordena­do no tempo com a mão estendida de quem está entregando o pra­to. Lee (1998) concebeu modelos elegantes (teoria do tau) paradescrever como este tipo de coordenação e sincronia diádica pode ocorrer.

A necessidade de tal mecanismo fica evidente quando se pensa na extraordinária coordenação temporal de que seres humanos e animais são capazes. Pense em como é fácil para nós chutar uma bola de futebol em movimento enquanto corremos ou agarrar uma bola no ar. Nas interações interpessoais os problemas de coor­denação temporal podem ser ainda mais complexos, porque altera­mos trajetórias mais rápida e imprevisivelmente do que bolas em movimento. Ainda assim, quando duas pessoas movem a cabeça ao mesmo tempo para trocar um beijo, mesmo que seja o primeiro, repentino e apaixonado, raramente terminam quebrando o dente da frente. Em geral, ocorre uma suave aterrissagem.

Outro trabalho recente sobre sincronização de fases e in­tegração em larga escala no cérebro promete esclarecer estes fe­nômenos em níveis fundamentais (Varela, Lachaux, Rodriguez e Martinerie, 2001).

O ponto essencial é que, quando se movem sincronicamente ou em coordenação temporal, as pessoas estão participando de um as­pecto da experiência do outro. Estão vivendo parcialmente a partir do centro do outro.

Até agora, estas evidências se aplicam à intersubjetividade de mão única (“Sei o que você está sentindo”). Mas e a intersub­jetividade de mão dupla, ou completa? Uma aparente redundância? (“Eu sei que você sabe que eu sei o que você está sentindo, e vice- versa.”) Isso requer outra etapa. Seriam suficientes os mecanismos anteriormente descritos? Pelo menos duas “leituras” do outro são necessárias para a intersubjetividade de mão dupla. Entretanto, algo mais do que um mecanismo de ressonância, ainda que reiterado, pode ser necessário. Vamos abordar este ponto mais adiante, como uma questão do desenvolvimento.

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Há um problema. Se esses mecanismos funcionam bem a ponto de vivermos completamente numa matriz intersubjetiva, por que não somos constantemente capturados pelo sistema nervoso dos outros e permeados pela experiência deles? Agora que sabemos que existem mecanismos claros para permitir a intersubjetividade, a questão não é mais como fazer isso, mas como parar. Evidentemen­te o sistema precisa de freios. Na verdade, existem três conjuntos de freios. O primeiro é a seleção. É preciso haver um controle da atenção para que o outro seja suficientemente recebido e retido pela mente ou seja excluído do processo. Outro conjunto é necessá­rio para garantir que a ativação dos neurônios-espelho não se espa­lhe, acionando os neurônios motores correspondentes e resultando em imitação automática ou reflexiva, como visto em pacientes de­mentes que sofrem de ecopraxia, ou “comportamento imitativo” (citado em Gallese, 2001). Um terceiro conjunto é necessário para inibir, ou melhor dizendo, dosar o grau de ressonância com o ou­tro. Esta é uma área com grande potencial, tanto em termos neurocientíficos quanto clínicos. Lembre-se de que muitos distúr­bios psiquiátricos são caracterizados em parte por falta de empatia e incapacidade de adotar o ponto de vista do outro. Não estou pen­sando no caso extremo do autismo, mas em personalidades nar- cisísticas, limítrofes e anti-sociais, onde essa falta pode ser surpreendente e causa aos pacientes problemas que os conduzem à psicoterapia.

Mesmo dentro de uma faixa normal, as pessoas diferem enor­memente na manifestação de certas formas de intersubjetividade. Estariam comprometidos seus mecanismos básicos de ressonância? Ou seus sistemas de freio e inibição da imersão intersubjetiva estão sobrecarregados? Qual o papel da experiência durante o desenvol­vimento, ao estabelecer esses parâmetros? Este tema ainda requer muita pesquisa.

A MATRIZ INTERSUBJETIVA

Evidências do desenvolvimento

Iniciando logo depois do nascimento, formas precoces de intersub­jetividade podem ser observadas em bebês. Isso argumenta em fa­vor da natureza fundamental da matriz intersubjetiva na qual nos desenvolvemos. Diversos pesquisadores descreveram comportamen­tos intersubjetivos em crianças pré-verbais e pré-simbólicas. Essa manifestação muito precoce de intersubjetividade está vinculada à questão do inatismo. Beebe, Knoblauch, Rustin e Sorter (2002) analisaram e compararam de forma brilhante três abordagens para­lelas da intersubjetividade precoce.

Trevarthen (1974, 1979, 1980, 1988, 1993, 1999/2000; Tre­varthen e Hubley, 1978) encontrou a intersubjetividade primária em crianças muito pequenas observando a estreita coordenação mútua do comportamento de mãe e bebê em situação de brinquedo livre: a sincronia dos movimentos, a formação das expressões faciais e a antecipação das intenções do outro. Por exemplo, num experi­mento, a mãe e o bebê interagem por intermédio de um aparelho de TV — eles estão em cômodos separados mas se vêem e se ouvem um ao outro num monitor, como se estivessem sentados frente a frente. Entretanto, se o atraso de uma fração de segundo no som ou na visão da mãe é introduzido experimentalmente, a criança rapi­damente nota e a interação se quebra. A correspondência já é espe­rada no contato inter-humano. Correspondência é a palavra-chave que leva Trevarthen a falar de “intersubjetividade primária”.

A imitação precoce foi outra rota principal para se proporem formas precoces de intersubjetividade (Kugiumutzakis, 1998,1999, 2002; Maratos, 1973; Meltzoff, 1981,1995; Meltzoff e Gopnik, 1993; Meltzoff e Moore, 1977, 1999). Meltzoff e colegas começaram enfocando recém-nascidos imitando ações vistas no rosto de um experimentador (por exemplo, mostrar a língua). Como explicar tais comportamentos quando o bebê, mesmo sem saber que tinha um rosto e uma língua — quando ele via somente uma imagem visual do gesto do experimentador —, respondeu com um ato mo­

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tor guiado pelo seu próprio feedback proprioceptivo (não visual)? E quando não houve testes de aprendizado prévios para estabelecer essa imitação (invisível)? A resposta está num modo precoce de intersubjetividade baseado em transferência transmodal de forma e sincronia. Outros exemplos de imitação precoce foram encontra­dos. Meltzoff e colegas concluíram que os bebês absorvem algo do outro no ato da imitação, o que solidifica o senso de que o outro é “como eu” e “eu sou como eles”. Eles especulam ainda que, para que um bebê aprenda sobre (faça representações internas de) obje­tos inanimados, ele necessita manipulá-los ou levá-los à boca, mas, para aprender sobre (e representar) pessoas, a mente do bebê usa canais diferentes e, então, ele precisa imitá-las.

Meus colegas e eu tomamos uma terceira rota (Stern, 1977, 1985,2000; Stern et a i , 1984). Interessei-me mais em saber como a díade faz para que ambas as partes conheçam seus estados de sentimentos internos. Por exemplo, se um bebê expressasse um com­portamento afetivo após um evento, como poderia a mãe demons­trar que ela captou o que ele fez e também o sentimento que ele experimentou, que está por trás do seu comportamento? A ênfase deslocou-se do comportamento aberto para a experiência subjetiva subjacente. Propus a harmonização afetiva, uma forma de imitação transmodal e seletiva, como o caminho para compartilhar estados de sentimentos internos, em contraste com a imitação fiel como direção para compartilhar o comportamento aberto.

Jaffe e colegas (2001) acrescentaram mais uma evidência su­gestiva. Eles mostraram como crianças não-verbais (de 4 e 12 meses) e mães cronometram com precisão o início, o término e as pausas de suas vocalizações para criar um acoplamento rítmico e uma coordenação bidirecional de seus diálogos vocais. Isso impli­ca que eles “captaram” não só a própria cronometragem como também a do outro.

A questão da cronometragem coordenada é obviamente es­sencial para a sincronicidade e o acesso à experiência do outro. Watson (1994) e Gergely e Watson (1999) encontraram um cami­

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A MATRIZ INTERSUBJETIVA

nho fascinante em que a criança torna-se sensível ao comporta­mento e à cronometragem dos outros. Eles propõem que nós e os bebês possuímos “analisadores inatos de detecção de contingên­cia”. Estes módulos medem até que ponto o comportamento de alguém é exatamente síncrono ou responsivo em relação ao nos-

■ 80. Eles descobriram que, antes dos 3 meses, os bebês estão mais interessados em eventos que são perfeitamente contingentes ao seu comportamento. Isso os tornaria mais sensíveis a si mesmos. Entre 4 e 6 meses, ocorre uma mudança. As crianças se interessam por eventos que são muito, mas não completamente, contingentes ao próprio comportamento. Isso é exatamente o que uma outra pessoa interagindo faz. Eles agora ficam mais interessados na cronometragem comportamental dos outros, usando a si mesmos como padrão.

O trabalho de muitos outros autores também contribui signifi­cativamente para estas questões (por exemplo, Emde e Sorce, 1983; Klinnert, Compos, Sorce, Emde eSvejda, 1983; Sander, 1975,1977, 1995b; Stern, 1971, Stern e Gibbon, 1978; Tronik, 1989; Tronick, Ais e Adamson, 1979; Tronick, Ais e Brazelton, 1977). O mais im­portante é que todos eles concordam que os bebês nascem com mentes especialmente afinadas com outras mentes, como seu com­portamento expressa. Isso se baseia em grande parte na detecção de correspondências na cronometragem, na intensidade e na forma que são transponíveis intermodalmente. O resultado é que, desde o nascimento, se pode falar de uma psicologia de mentes mutuamen­te sensíveis.

Além disso, esses pesquisadores também estão de acordo que durante a infância pré-verbal o bebê é especialmente sensível ao comportamento de outros seres humanos; eles usam diferentes ha­bilidades perceptuais e expectacionais nas interações interpessoais, comparadas a interações consigo mesmos ou objetos inanimados. Eles consideram os outros e esperam que sejam semelhantes a eles, mas não idênticos. Formam representações pré-simbólicas dos ou­tros ou de estar-com-os-outros. Podem participar do estado de es­

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pírito de outra pessoa. Em resumo, uma forma precoce de inter­subjetividade está presente.

Nenhum estudo sobre neurônios-espelho ou osciladores adaptativos foi realizado com crianças dessa idade. Entretanto, tais osciladores, ou algo muito semelhante a eles, devem estar presentes.

Depois dos 7 a 9 meses, aproximadamente, o cenário muda um pouco. A criança se torna capaz de uma forma mais elaborada de intersubjetividade — aquilo que Trevarthen e Hubley (1978) chamaram de “intersubjetividade secundária” (ver também Stern, 2000) — , que se instala bem antes de a criança desenvolver capaci­dade verbal ou simbólica. Os estados mentais compartilháveis co­meçam a incluir intenções direcionadas a um objetivo, foco de atenção, afetos e avaliações hedônicas e, como antes, a experiência da ação. Cada um é um domínio parcialmente separado da intersubjetividade. A participação nos sentimentos do outro é apenas um deles. Existem muitos outros mecanismos em operação relativos ao compartilhamento do foco de atenção a fim de triangular um ob­jeto, no qual a criança “passa através do outro” para alcançar esse objeto. Este é um aspecto mais cognitivo da intersubjetividade neces­sário à simbolização e à linguagem (por exemplo, Hobson, 2002).

Nosso interesse está mais voltado para o domínio dos senti­mentos/experiência da intersubjetividade. Nesse domínio, a leitura de intenções merece especial menção, porque as intenções são fun­damentais para as formas de subjetividade que vão nos interessar mais clinicamente. Em resumo, o argumento é que a capacidade de ler intenções aparece muito cedo na criança.

Em todas as perspectivas sobre a atividade humana motivada, a intenção é essencial. E necessário um elemento psicológico para empurrar, puxar, ativar ou de alguma maneira desencadear os even­tos. As intenções se ocultam sob muitas aparências e variações. Na psicologia popular, usando os exemplos do jornalismo e da fofoca, elas são o motivo — o por quê? — que impulsiona a história. Na psicanálise, o desejo ou a vontade. Na etologia, a motivação ativa­da. Na cibernética, o objetivo e seu valor. Nas teorias narrativas,

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podem ser o desejo, a crença, o objetivo, o motivo ou o conflito. As intenções, sob uma forma ou outra, e num estado de completude ou não, estão sempre lá, atuando como o motor que impulsiona para a frente a ação, a história ou a mente.

Vemos o mundo humano em função das intenções. E agimos em função das nossas. Você não pode se relacionar com outros se­res humanos sem ler ou inferir seus motivos ou intenções. Essa lei­tura ou atribuição de intenções é nosso guia principal para reagir e iniciar uma ação. A capacidade de inferir as intenções do compor­tamento humano parece ser universal. É um primitivo mental. É como analisamos e interpretamos nosso ambiente humano. Quan­do alguém é incapaz de inferir as intenções dos outros, ou não tem absolutamente nenhum interesse em fazê-lo, tem uma atitude fora do padrão. Os autistas foram enquadrados nessa posição, assim como alguns esquizofrênicos. (Para uma discussão sobre autismo na esquizofrenia de uma perspectiva fenomenológica, ver Parnas, Bovet e Zahavi [2002].) Reconhecer e decifrar a intencionalidade é um razoável ponto de partida para a adaptação e a sobrevivência.

Existe outro motivo para dar tamanho peso à análise do com­portamento em termos de intenções como um tipo de primitivo mental: o ato de perceber/inferir intenções nas ações humanas co­meça muito cedo na vida. Meltzoff (1995; Meltzoff e Moore, 1999) descreveu duas situações nas quais crianças pré-verbais apreendem a intenção da atitude de alguém, mesmo quando nunca viram a intenção completamente encenada, ou seja, após ter alcançado seu objetivo pretendido. Em tal situação, apreender a intenção exige uma inferência.

Em um experimento, uma criança pré-verbal observou enquan­to um experimentador pegou um objeto e “tentou” colocá-lo den­tro de um recipiente. Mas ele deixou o objeto cair no meio do caminho e o objetivo pretendido não foi alcançado. Mais tarde, quando foi trazida de volta à cena e recebeu o mesmo material, a criança pegou o objeto e colocou-o diretamente no recipiente. Em outras palavras, ela encenou a ação que presumiu que era pretendi­

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da, e não a que viu. A criança preferiu a intenção não-vista e presu­mida à ação vista e real.

Em outro experimento semelhante, uma criança pré-verbal ob­servou um experimentador agir como se quisesse tirar a esfera de um objeto semelhante a um halter, sem ter êxito. Mais tarde, quan­do recebeu o objeto, a criança de imediato tentou tirar a esfera. Conseguiu, e pareceu contente. Quando, porém, um robô assumiu as funções do “experimentador” e executou as mesmas ações frus­tradas, a criança não tentou puxar a esfera. As crianças parecem supor que apenas pessoas, e não robôs, têm intenções que valem a pena inferir e imitar.

Gergely, Nadsasdy, Csibra e Biro (1995) e Gergely e Csibra (1997) realizaram um experimento correlato com crianças mais novas, usando desenhos animados na televisão. Também neste caso as crianças assistindo ao desenho interpretaram a cena em função das intenções que inferiram, e não das ações que viram. (O fato de os objetos serem animados — isto é, de agirem como pessoas — é certamente crucial.) Rochat mostrou a mesma primazia das inten­ções inferidas sobre a ação vista em bebês de 9 meses (Rochat, 1995, 1999; Rochat e Morgan, 1995).

Em todo caso, a leitura de intenções (em qualquer nível do de­senvolvimento) é possível e necessária desde muito cedo na vida. Mais uma vez, pode-se fazer uma pergunta neuroanatômica. Não haveria um centro já desenvolvido no cérebro do bebê, como existe nos adultos, que é ativado na presença de um comportamento ao qual uma intenção direcionada a um objetivo pode ser atribuída? Teria de haver.

Braten (1998a, 1998b) aperfeiçoou a evidência de desenvolvi­mento acima na criança pré-simbólica, cunhando o termo partici­pação alterocêntrica. Com isso ele quis dizer que a intersubjetividade está disponível na infância em virtude da habilidade inata de pene­trar a experiência do outro e participar dela. Braten sugeriu que a mente humana é construída para encontrar “outros virtuais” e, evi­dentemente, outros reais. Suas conclusões ajustam-se bem à pre­

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A MATRIZ INTERSUBJETIVA

sença de mecanismos subjacentes de neurônios-espelho e osciladores adaptativos. A noção de outros virtuais serve aqui como um prelú­dio da perspectiva fenomenológica discutida no fim do capítulo.

Aos 12 meses, o “referenciamento social” é observado na crian­ça (Emde e Sorce, 1983; Klinnert, Campos, Sorce, Emde e Svejda, 1983). Um exemplo comum é quando uma criança que está apren­dendo a andar cai e leva um susto, mas não se machuca de fato. Ela vai olhar para o rosto da mãe para “saber” o que sentir. Se a mãe expressar medo e preocupação, a criança vai chorar. Se a mãe der um sorriso, ela provavelmente vai rir. Em outras palavras, em situ­ações de incerteza ou ambivalência, o estado afetivo mostrado no outro é relevante para como a criança vai se sentir.

Após 18 meses, quando a criança se torna verbal, novas formas de intersubjetividade são rapidamente acrescentadas (Astington, 1993). É provável que, tão logo possa fazer, sentir ou pensar por si mesma, ela participe do que é feito, sentido ou pensado por outros. A amplitude da intersubjetividade da criança aguarda apenas seu próprio desenvolvimento. (Há uma interessante pergunta sem res­posta aqui. Poderia um bebê participar da experiência de outra pes­soa antes mesmo que ele possa fazê-lo por si mesmo? Esta é uma dúvida legítima, pois, como uma regra do desenvolvimento, as ca­pacidades receptivas aparecem antes das produtivas.)

A psicologia cognitiva pressupõe que as crianças, por volta dos 5 anos, adquirem uma “teoria da mente” mais geral, desenvolven­do uma capacidade mais formal de representar estados mentais de outras pessoas. Diversas versões da teoria da mente em crianças estão atualmente em discussão (por exemplo, Baron-Cohen, 1995; Fodor, 1992; Goldman, 1992; Gopnik e Meltzoff, 1998; Harris, 1989; Hobson, 2002; Hobson e Lee, 1999; Leslie, 1987). Um im­portante ponto de discordância é se (e até que ponto) a capacidade de representar outras mentes é um processo cognitivo formal ou se depende da capacidade de ressonância ou de imitação que permita algum tipo de acesso de sentimento direto à experiência do outro. Certamente um poderia reforçar o outro à medida que o desenvol­

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vimento avança. Mas não consigo imaginar nenhuma base funda­mental para a intersubjetividade sem a ressonância, ou empatia, por seja qual for o mecanismo. Em última análise, é uma questão de sentimento, e não de cognição (ver também Widlocher, 1996).

Há outros dois pontos que merecem ser mencionados. A intersubjetividade diádica requer algum tipo de participação recursiva ou representação da mente do outro. A teoria da mente pode ser útil em tais considerações, ao menos após a infância. Por exemplo, a intersubjetividade de mão única “Eu sei/sinto que você...” não exige uma teoria da mente. Entretanto, a reiteração inter- subjetiva necessária à intersubjetividade de mão dupla — “Eu (ou nós) sei (sabemos)/sinto (sentimos) que você sabe que eu (nós) sei (sabemos)...” — também pode não precisar de uma teoria da men­te, mas seria extremamente realçada por ela quando se desenvol­vesse. (A nitidez da distinção que formulei entre a intersubjetividade de mão única e a diádica é excessiva, especialmente na prática. Na maioria das situações, é mais frutífero pensar em termos de graus de simetria e assimetria, que representam os pólos de um espectro.)

Acredito que muitos conhecedores da teoria da mente estabele­çam critérios rígidos demais em relação a quando uma verdadeira teoria da mente pode ser presumida, muitas vezes usando a capaci­dade de representar falsas crenças nos outros como o único e fun­damental critério (por volta dos 5 anos). No entanto, os trabalhos de Dunn (1999) e de Reddy e colegas (Reddy, 1991; Reddy, Williams e Vaughn, 2002) sobre crianças mais novas fazendo piadas, provo­cações, pregando peças, mentindo e praticando maldades sugere que formas ainda mais precoces de teoria da mente são fre­qüentemente vistas em situações naturais.

Em suma, as evidências do desenvolvimento sugerem que, co­meçando no nascim ento, a criança penetra numa matriz intersubjetiva. Isso está assegurado porque formas básicas de in­tersubjetividade manifestam-se de imediato. À medida que novas habilidades são desenvolvidas e que novas experiências se tornam disponíveis, a criança é tragada pela matriz intersubjetiva, que tem

A MATRIZ INTERSUBJETIVA

uma ontogenia própria. A amplitude e a complexidade dessa ma­triz se expandem rapidamente, mesmo durante o primeiro ano de vida, quando o bebê ainda é pré-simbólico e pré-verbal. Depois, quando a criança atinge o segundo ano e é capaz de novas experiên­cias, como, por exemplo, as emoções “morais” de vergonha, culpa e constrangimento, estas emoções são atraídas para a matriz intersubjetiva como algo que ela pode agora experimentar dentro dela e em outros. A riqueza intersubjetiva se expande novamente com o advento de mais habilidades cognitivas desenvolvidas duran­te a infância. E, mais uma vez, a cada fase do desenvolvimento da vida, a matriz intersubjetiva fica mais profunda e mais rica.

O trabalho de Hofer (1994) forneceu uma espécie de análogo neurobiológico para a matriz intersubjetiva. Ele descobriu em ra­tos, no relacionamento mãe-filhote, que o comportamento da mãe (por exemplo, lamber, tocar, vocalizar) tem um papel crucial na regulação da fisiologia da cria (freqüência cardíaca, temperatura corporal, digestão, níveis hormonais). O mais surpreendente é a especificidade segundo a qual cada comportamento materno regu­la determinados mecanismos fisiológicos. Estas descobertas são aná­logas no sentido de que os filhotes de rato que estão desenvolvendo uma homeostase fisiológica podem parecer estar sob o controle de seus próprios mecanismos reguladores — uma biopsicologia de um rato. Ao contrário, eles estão também sob o controle dos compor­tamentos abertos das mães — uma biopsicologia de dois ratos. De forma semelhante para a intersubjetividade, as intenções e os senti­mentos estabelecidos no bebê humano em desenvolvimento são al­tamente regulados pela influência da experiência que a mãe expressa e sujeitos a ela.

Evidências clínicas sugestivas

O mundo experimentado pelos autistas continua a causar espanto. O que os torna tão estranhos e ao mesmo tempo fascinantes é o fato de parecerem totalmente humanos mas violarem tanto do que se

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espera dos humanos. Parecem viver do lado de fora da nossa co­nhecida matriz intersubjetiva. Existem diversos relatos comoventes dessa situação. Alguns, como o retrato autobiográfico de Temple Grandin — com introdução de Oliver Sacks —, dizem respeito a adultos com síndrome de Asperger, uma subcategoria mais funcio­nal do espectro autista. Tais relatos são os mais eficazes, porque na síndrome de Asperger o quadro clínico não está tão repleto de inca- pacidades e outras formas patológicas observadas em muitos ou­tros tipos de autismo quando algum grau de transtorno invasivo de desenvolvimento encontra-se presente.

Outros relatos focalizam mais as crianças com várias formas de autismo (por exemplo, Baron-Cohen, 1995; Happé, 1998; Hobson, 1993; Maestro, Muratori, Cavallaro et al., 2002; Nadei e Butter- worth, 1999; Nadei e Peze, 1993; Sigman e Capps, 1997). Mas nesses estudos, também, o fato de essas crianças evitarem o contato visual (a janela para a alma e a mente do outro), a relativa ausência de resposta ao contato humano (físico e psicológico) e seu desinte­resse ou incapacidade de se comunicar verbal ou não-verbalmente (exceto de modos instrumentais) são invariavelmente mencionados. Em relação ao último aspecto, um exemplo pode ser ilustrativo. Quando, no fim do primeiro ano de vida, as crianças começam a apontar, pode-se distinguir duas situações: apontar para ter algo e apontar para mostrar algo interessante ou novo. Apenas o segundo tipo de situação é intersubjetivo, no sentido de que a intenção é compartilhar a mesma experiência. Algumas crianças autistas apon­tam, mas somente para ter algo que querem, muito raramente para compartilhar uma experiência.

O que mais chama a atenção sobre os autistas é que eles não estão imersos numa matriz intersubjetiva. Parece haver uma falha de “leitura da mente”. Ademais, tem-se a impressão de que não há interesse em ler o comportamento ou a mente do outro, como se este não tivesse qualquer atrativo especial ou potenciais, não mais do que um objeto inanimado. Outros, como Tustin (1990), afirma­ram que esse “desinteresse” e desatenção às coisas humanas são

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A MATRIZ INTERSUBJETIVA

formas de defesa, para protegê-los de limiares dolorosamente bai­xos para a estimulação humana. Mesmo que essa explicação esteja correta, absolutamente em alguns casos ou parcialmente em ou­tros, o resultado é o mesmo. O mundo humano não é considerado especial, “como eles”.

Há uma extensa falha na intersubjetividade nos autistas, que parecem ser “mentalmente cegos”. E isso que faz com que muitas vezes sejam vistos como “esquisitos”, ou “de outro mundo”, como diz Sacks ao descrever Temple Grandin como uma “antropóloga de Marte” que luta para compreender os outros humanos que a cer­cam. Não há deficiência intelectual nela. É uma Ph.D. de renome mundial em sua especialidade; no entanto, precisa se lembrar de perguntar se alguém está com fome ou com sede porque isso não lhe ocorre diretamente, empaticamente, mas sim como uma proba­bilidade lógica dadas as circunstâncias. Um dos acontecimentos humanos que mais a intrigam é a brincadeira entre crianças. Ela não entende o que as faz rir ou brigar de repente. Também não se envolve em amizades sociais íntimas, que considera muito compli­cadas e incompreensíveis.

De fato, muitos dos esforços educativos com autistas altamente funcionais são direcionados para a interação social do tipo mais instrumental, como quando se deve dizer “obrigado”, “não há de quê”, “gostaria de sentar-se” etc. Normalmente, estas respostas fluem diretamente ao participarmos da experiência do outro.

Braten (1998b) forneceu um caso clínico a este respeito. Quan­do a mãe levanta as mãos, com a palma virada para a frente, a tendência é que seu bebê normal também estenda as mãos, de modo que as palmas se toquem (gestos preliminares para a brincadeira de bater palmas). Isso é uma imitação? Sim, no sentido de que a criança fez o que a mãe fez. No entanto, a criança está vendo a palma, e não as costas, das mãos da mãe. Por que ela não põe as costas de suas mãos contra a palma das mãos da mãe, e assim poderia ver a palma das próprias mãos da mesma maneira que está vendo a das mãos da mãe? É exatamente isso que muitas

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crianças autistas fazem. Crianças normais imitaram do ponto de vista da mãe, do qual elas participaram. Crianças autistas imita­ram do seu próprio ponto de vista, com uma participação apenas parcial da experiência da mãe.

A existência do autismo não é, em si, evidência da matriz inter­subjetiva. Entretanto, a imagem de pessoas vivendo sem estarem imersas numa matriz intersubjetiva dá uma perspectiva sobre a matriz em que vivemos normalmente. Essa matriz é como o oxigênio. Nós o respiramos o tempo inteiro sem notar sua presença. Quando con­frontados com o autismo, podemos sentir o mundo sem oxigênio, e sofremos um choque.

Apoio da fenomenologia

Eu tinha esperança de encontrar um deus ou uma deusa da Antigüi­dade que tivesse o dom de ler as mentes (não o de prever o futuro) e pudesse oferecê-lo aos seres humanos. Esse dom tornaria transpa­rente a mente do outro. Ainda continuo em busca de tal divindade. Meus colegas entendidos nesses assuntos me asseguraram que mi­nha procura é vã. Ao menos na Antigüidade ocidental, a mente não estava confinada nem aprisionada na cabeça ou no coração da pes­soa. A mente circulava mais livremente, constantemente recebendo contribuições da natureza e dos deuses. Ela não pertencia à pessoa como uma propriedade privada e secreta. Havia pouca necessidade do dom de tornar a mente do outro transparente.

Em termos históricos, nós, no Ocidente moderno, cientifica­mente orientado, isolamos a mente do corpo, da natureza e das outras mentes. Nossa experiência com nosso corpo, nossa natureza e outras mentes tem de ser construída particularmente e, quem sabe, bastante idiossincraticamente dentro de nossa própria mente. Até recentemente, essa visão foi a dominante e seguia imune a questionamentos, exceto por filósofos.

Agora, estamos experimentando uma revolução, não de volta às concepções da Antigüidade, porém mais próxima delas, inspira­

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A MATRIZ INTERSUBJETIVA

da em grande parte no trabalho do filósofo da fenomenologia, Edmund Husserl (1931/1962,1930/1980,1930/1989,1931/1960, 1964). A abordagem fenomenológica foi revitalizada por filósofos contemporâneos e incorporada por alguns cientistas às atuais con­cepções alternativas da natureza humana que estão rapidamente ganhando força (por exemplo, Beer, 1995; Clark, 1997, 1999; Damasio, 1994, 1999; Freeman, 1999a, 1999b; Gallagher, 1997; Marbach, 1999; Sheets-Johnstone, 1999; Thompson, 2001; Varela, 1996, 1999; Zahavi, 1996, 1999, 2001).

Essa nova visão supõe que a mente está sempre incorporada na atividade sensório-motora da pessoa e por ela é possibilitada; que está entretecida no ambiente físico imediato que a cerca e é co- criada por ele; e que se constitui por meio de suas interações com outras mentes. A mente assume e conserva sua forma e sua nature­za a partir desse tráfego aberto: emerge e existe, de processos auto- organizadores intrínsecos, interagindo com outras mentes. Sem estas interações constantes, não haveria mente reconhecível.

Uma das conseqüências desta visão de “cognição incorporada” é o fato de ser a mente, por natureza, “intersubjetivamente aberta”, pois que parcialmente constituída através de sua interação com outras mentes (Husserl, 1931/1960; Thompson, 2001; Zahavi, 1996, 2001). Isso significa que os seres humanos possuem um pri­mitivo mental descrito como “a experiência passiva (não iniciada voluntariamente) e pré-refletida do outro como um ser incorpora­do como ele mesmo...” (Thompson, 2001, p. 12).

Em termos neurobiológicos, essa experiência pré-reflexiva de abertura intersubjetiva pode ser vista como emergindo de mecanis­mos tais como neurônios-espelho, osciladores adaptativos e outros processos semelhantes que devem ser encontrados em breve. No nível da experiência, porém, essa abertura intersubjetiva cria as con­dições para a intersubjetividade primária (sincronia, imitação, harmonização etc.) vista na primeira infância, e para as manifesta­ções de intersubjetividade secundária (tais como a empatia “verda­deira”) vista mais tarde. É neste sentido, creio eu, que Braten (1998a)

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escreveu sobre a criança ser feita pela natureza para encontrar “ou­tros virtuais”. Somos preparados para entrar na matriz intersubjetiva, que é uma condição de humanidade.

Qualquer consideração sobre o processo de psicoterapia deve levar em conta estas premissas. A existência de uma matriz inter­subjetiva define o contexto psicológico no qual o relacionamento terapêutico toma forma. Transferência e contratransferência são apenas casos especiais de um processo constante. A idéia de uma psicologia de uma só pessoa é impensável nessa situação.

Estas considerações jogam outra luz sobre os momentos pre­sentes. Encontros intersubjetivos têm duração relativamente curta. São criados em um ou vários momentos presentes. Assim, o mo­mento presente permanece como uma unidade de processo funda­mental na co-criação da matriz intersubjetiva.

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Capítulo 6

A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL

BÁSICO E PRIMÁRIO

A INTERSUBJETIVIDADE É UMA condição de humanidade. Sugiro que é também um sistema de motivação inato e primário, essencial para a sobrevivência da espécie e que goza de status comparável ao do sexo ou do apego.

O desejo de intersubjetividade é uma das mais importantes mo­tivações que impulsionam uma psicoterapia. Os pacientes desejam ser conhecidos e compartilhar como é ser eles. Evidentemente, esta vontade é em parte contrabalançada por várias trepidações. Quan­do olhamos de perto o processo terapêutico descobrimos que ele é mais facilmente compreendido como a regulação do campo intersubjetivo entre terapeuta e paciente. O desejo de ser conheci­do e a contínua regulação do espaço intersubjetivo também são ca­racterísticas essenciais de qualquer amizade íntima.

Estas considerações levaram-me a examinar a intersubjetividade de uma perspectiva ainda mais ampla do que a psicoterapia e a verificar se ela é mais bem visualizada como uma necessidade hu­mana básica. Um sistema motivacional básico deve ser uma ten­dência universal a se comportar de um modo característico de uma

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espécie, que deve favorecer enormemente sua sobrevivência. Deve ser universal e inata, embora possa exigir uma modelagem ambiental importante. Precisa ter uma qualidade de preempção para que seu valor para o organismo tenha precedência e os comportamentos possam ser arrolados, montados e organizados conforme necessá­rio. Não é uma pressão constante, mas pode ser ativada e desativada. Até que ponto a intersubjetividade preenche estes requisitos?

CONFERINDO A VANTAGEM DE SOBREVIVÊNCIA

A intersubjetividade faz três contribuições principais ao asse- guramento da sobrevivência: promove a formação de grupos, aper­feiçoa o seu funcionamento e garante a coesão do grupo ao criar moralidade. O mesmo impulso que contribui para a sobrevivência das espécies também pode servir para tornar possível a psicoterapia e a intimidade psíquica entre amigos.

Formação de grupos

Os seres humanos são uma espécie relativamente indefesa. Sobrevi­vemos graças ao nosso cérebro e à atividade coordenada dos gru­pos. A sobrevivência humana depende da formação de grupos (famílias, tribos, sociedades) e da coesão quase constante deles. Nós somos os mais hipersociais e interdependentes de todos os mamífe­ros. Muitas capacidades e motivações diferentes atuam em conjun­to para formar e manter os grupos: vínculos afetivos, atração sexual, hierarquias de dominação, amor, sociabilidade. A intersubjetividade deve ser adicionada à lista.

Independentemente de como a definimos, a intersubjetividade tem de operar tanto para grupos como para díades. O casal é um subsistema das unidades básicas da adaptabilidade evolutiva: a fa­mília e a tribo. A este respeito, o trabalho de Fivaz e do Grupo de Lausanne (Fivaz-Depeursinge, 2001; Fivaz-Depeursinge e Corboz-

A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

Warnery, 1998) assume particular importância. Eles demonstraram que, nas primeiras fases da formação da família, quando o bebê tem apenas de 3 a 6 meses de idade, começa-se a ver o início de uma intersubjetividade de mão tripla entre mãe, pai e bebê, que tem de existir entre três assim como entre dois, a fim de forjar uma tríade psicológica com reciprocidade, ainda que assimétrica — em outras palavras, uma família intersubjetivamente íntima.

Esses autores mostraram por exemplo que, quando um bebê de 3 meses, a mãe e o pai estão sentados num triângulo, uma fascinan­te interação de mão tripla pode ocorrer, sugerindo uma inter­subjetividade triádica. Por exemplo, enquanto eles atuam juntos como um grupo, é provável que o bebê alterne rapidamente suas orientações e sinais afetivos entre os pais, como que para comparti­lhar seu prazer e interesse, ou frustração, com ambos. Ora, quando o bebê atua com, digamos, o pai e algo excitante e prazeroso trans­pira entre eles, a criança tende a voltar-se para olhar para a mãe, como se dissesse: “Você viu isto?” Mais interessante ainda, se algo inesperado ou estranho acontece entre o bebê e um dos pais, o bebê tende a voltar-se para o outro, como um olhar que diz: “O que é isto?” Aqui podemos estar testemunhando uma forma primitiva de referenciamento social.

Aos 9 meses, o referenciamento social de mão tripla (triangu­lar) já foi diferenciado; o bebê vai “consultar” regularmente o rosto dos pais sobre o que está acontecendo entre eles ou no ambiente. Os processos pelos quais eles respondem — leitura da mente do bebê, harmonizando-se afetivamente com os sentimentos dele, às vezes acertando, outras, errando — vão permanecer no modo im­plícito e podem constituir momentos-chave de criação de significa­dos como um trio.

O domínio da experiência intersubjetiva da família cresce com o tempo. Ele ganha novas dimensões com o desenvolvimento (por exemplo, com o advento de emoções morais e em seguida co-nar- rativas) e também com o tamanho da família. Os mesmos fenôme­nos observados no triângulo emergem na unidade familiar quando

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O MOMENTO PRESENTE

esta aumenta para quatro membros ou mais (F. Frascarolo, comu­nicação pessoal, 8 de abril de 1998).

Essa história compartilhada é parte da cola que define a identi­dade e o status da família como uma unidade única. As famílias podem, na verdade, atingir níveis notáveis de riqueza e sutileza intersubjetiva. Isso fica muitas vezes evidente quando uma pessoa de fora senta-se a uma animada mesa de jantar de uma família. A linguagem flerta com particularidades da experiência compartilha­da da família, fazendo apenas referências passageiras. São abun­dantes os curtos-circuitos, as elipses e os códigos. Seus membros imediatamente entendem o que está na mente dos demais. E a pes­soa de fora, embora tenha compreendido o significado de cada pa­lavra, não consegue entender os momentos em que todos caem na gargalhada ou quando ocorre uma mudança no tom afetivo.

Em termos gerais, o sistema motivacional intersubjetivo diz res­peito à regulação do pertencimento psicológico versus solidão psi­cológica. Os pólos deste espectro são, num extremo, a solidão cósmica e, no outro, transparência mental, fusão e desaparecimen­to do self. O sistema motivacional intersubjetivo regula a zona de conforto intersubjetivo em algum ponto entre os dois pólos. O exa­to ponto de conforto depende do papel que se tem no grupo, de com quem se está e da história pessoal do relacionamento que desá­gua naquele momento. O ponto no continuum tem de ser mano­brado ininterruptamente com ajustes segundo a segundo. Há muitoem jogo para que não seja assim.

Em jogo estão a intimidade e o pertencimento psicológicos que desempenham um poderoso papel na formação e na manutenção do grupo. O pertencimento psicológico é diferente de vínculos físi­cos, sexuais, afetivos ou de dependência. E uma ordem separada do parentesco. É uma forma de pertencer a um grupo que ou é exclu­siva dos seres humanos ou deu um enorme salto quantitativo e qua­litativo em nossa espécie. Pode-se argumentar que o salto é a linguagem, e que, entretanto, sem a intersubjetividade não poderiase desenvolver.

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O sistema motivacional intersubjetivo pode ser considerado se­parado e complementar em relação ao sistema motivacional de apego— e igualmente fundamental. Clinicamente, vemos comportamen­tos sexuais ou de apego a serviço do pertencimento intersubjetivo (e vice-versa). (Para uma discussão mais detalhada destas questões, ver Domes, 2002; Lichtenberg, 1989; e McDonald, 1992.) Na teo­ria do apego, existem dois motivos e pólos opostos: num extremo, proximidade/segurança e, no outro, distância/exploração-curiosi- dade. O sistema de apego faz a mediação entre estes dois pólos. A vantagem de sobrevivência básica reside em manter-se fisicamente próximo para se proteger contra os perigos do meio ambiente, se­jam eles tigres, automóveis, tomadas ou outras pessoas, e ao mes­mo tempo permitir a exploração para aprender sobre o mundo. O sistema de apego é concebido mais para a proximidade física e liga­ção do grupo do que para a intimidade psicológica. Muitas pessoas que são “fortemente” ligadas não compartilham uma proximidade ou intimidade psicológica (na verdade, é o contrário). O sistema de intersubjetividade é necessário para isso.

Estou estabelecendo uma distinção clara entre os sistemas motivacionais de apego e de subjetividade, embora eles possam apoiar-se e complementar-se mutuamente. O autismo oferece algu­mas evidências para esta distinção. Crianças autistas apresentam habilidades intersubjetivas extensamente deficientes, mas são ape­gadas aos pais. Shapiro, Sherman, Calamari e Koch (1987), bem como Sigman e Capps (1997), relataram que crianças autistas apre­sentam comportamentos de apego claros e identificáveis, mesmo que com padrões fora do normal. A pesquisa sobre o apego não mede a sua força, apenas os padrões comportamentais usados para apegar-se, mas ninguém sugere que as crianças autistas parecem desapegadas ou frouxamente apegadas.

Separar os dois sistemas motivacionais é importante tanto teórica quanto clinicamente. As pessoas podem ser apegadas sem compar­tilhar intimidade intersubjetiva, ou ser íntimas intersubjetivamente sem serem apegadas, ou ambos, ou nenhum dos dois. Para a máxi-

A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

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ma conexão entre as pessoas, apego e intersubjetividade são neces­sários, além do amor. Na situação clínica, a intersubjetividade é essencial, o apego e o amor nem tanto. Contudo, existe em geral uma mistura dos três, as proporções variando amplamente.

Em todo caso, apego e intersubjetividade apóiam-se um ao ou­tro. O apego mantém as pessoas juntas para que a intersubjetividade possa desenvolver-se ou aprofundar-se, e esta, por sua vez, cria con­dições que conduzem à formação dos apegos. No desenvolvimen­to, é difícil dizer qual surge primeiro. Sabemos que a sensibilidade e a receptividade do cuidador nos primeiros meses da vida são tanto uma manifestação de intersubjetividade quanto uma precondição para tornar seguro o apego (Fonagy, 2001). Os dois sistemas moti- vacionais atuam em conjunto para garantir a coesão do grupo ne­cessária para a sobrevivência. Apesar da grande colaboração mútua, eles permanecem como sistemas independentes.

Em algumas sociedades, a mente individual não é vista como particular, única e independente. O conceito do self é menos indivi­dualista e mais conectado à matriz intersubjetiva do grupo. Nessas situações, o pertencimento é mantido mais por intermédio de ri­tuais e atividades do grupo (danças, movimentos, cantos, narração de histórias, cânticos) do que de trocas intersubjetivas diádicas ver­bais isoladas. Em tais situações, ser expulso ou marginalizado pelo grupo causa uma alienação que é uma mistura de apego rompido e solidão psíquica.

Na maioria das culturas ocidentais, o pertencimento físico é atin­gido em grande parte por meio de contatos intersubjetivos familia­res e diádicos. Não somos apenas uma espécie muito social, somos também uma espécie muito particular, na qual a intimidade mental é a chave dos relacionamentos. Na maior parte das nossas concep­ções ocidentais modernas de amor e amizade, a intersubjetividade talvez seja o elemento indispensável. Com o desenvolvimento, as pessoas com quem buscamos mais avidamente um parentesco intersubjetivo mudam: dos pais para os amigos, na adolescência; ao ser amado, na juventude. E, quando estamos sofrendo mentalmen­

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A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

te, procuramos um terapeuta para formarmos um parentesco sub- jedvo, o que às vezes pode significar a sobrevivência.

Funcionamento do grupo

Para sobreviver, os seres humanos precisam agir em conjunto. A capacidade de ler intenções e sentimentos das outras pessoas propi­cia uma coordenação da ação em grupo extremamente flexível. A capacidade de se comunicar rápida e sutilmente no âmbito do gru­po, mediante o uso de movimentos intencionais, sinais e lingua­gem, expande a eficiência e a velocidade de ação do grupo — em outras palavras, sua adaptabilidade. A própria linguagem não po­deria emergir se não tivesse uma base intersubjetiva. Você só fala com alguém porque acredita que ele pode compartilhar sua paisa­gem mental e agir de acordo com ela. Supõe-se ser esta uma das razões pelas quais crianças autistas têm tanta dificuldade com a aqui­sição da linguagem.

Além da linguagem, os seres humanos possuem o mais altamen­te desenvolvido e rico repertório de expressões faciais e vocais (para- lingüísticas). Estas, também, assumem uma capacidade intersubjetiva dentro do grupo que vai além da simples decodificação de sinais ou comunicação instrumental.

Os seres humanos também passam um tempo enorme tornan­do-se eficientes em intersubjetividade e praticando-a em termos do desenvolvimento. Somos a mais imitativa das espécies. Nadei (1986) relatou que a imitação recíproca constitui a principal forma de brin­cadeira entre crianças de até cerca de 3 anos. (Isso prossegue após os 3 anos, mas com menos freqüência.) Na mesma idade, a provo­cação, a gozação, as travessuras etc. tornam-se atividades infantis importantes (Dunn, 1999; Reddy, 1991). Estes comportamentos tam­bém têm uma base intersubjetiva (ver Nadei e Butterworth [1999] para estudos sobre comunicação em mão tripla na primeira infân­cia). Somos a espécie mais brincalhona e passamos anos afiando essas habilidades. Como seria de se esperar, crianças autistas, com

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seu relativo déficit intersubjetivo, têm dificuldade em provocar, pregar peças, “fazer bobagens” e em brincar normalmente com as outras. Estão menos aptas a aumentar sua capacidade intersubjetivaextremamente reduzida.

E quanto à intersubjetividade dentro dos grupos? É mais fácil ver como a intersubjetividade diádica emerge do que ver a inter­subjetividade de grupo. Com grupos, existem dois aspectos: como eles agem em conjunto ou mesmo em sincronia, e como são lidos como uma unidade, mesmo num olhar de relance. Lemos os grupos como uma unidade na nossa vida cotidiana. Por exemplo, numa discussão de grupo ou numa sessão de terapia de família, conferir se todos estão “ali”, presentes na conversa e compartilhando a co­municação afetiva do grupo, é algo que se faz com facilidade, em segundos. Terapeutas de família desenvolveram teorias e técnicas para melhorar o compartilhamento intersubjetivo da família, em particular reintroduzindo rituais na vida familiar para ajudar a re­solver transições ou perdas difíceis (Imber-Black e Roberts, 1992). Mas a complexidade envolvida na comunicação de grupo obstruiu as pesquisas, apesar dos trabalhos pioneiros de Scheflen (1973), Kendon (1990) e Reiss (1981). (Para uma aplicação à terapia de casal, ver de Roten, Fivaz-Depeursinge, Stern, Darwish e Corboz- Warnery [2000].) O aprofundamento destas questões está além do escopo deste livro, exceto para dizer que a intersubjetividade de grupo acontece e que a sobrevivência da espécie através do grupo está em jogo.

Além disso, considere o papel do altruísmo na sobrevivência da espécie. Este é um assunto complexo, mas aspectos ou etapas do comportamento altruísta entre os seres humanos podem repousar sobre a base da intersubjetividade.

Coesão mediante pressão moral

A coesão dentro de grupos humanos é extremamente intensificada pela persuasão moral. Vou argumentar que a intersubjetividade é a

condição básica para a moralidade. As “emoções morais” (vergo­nha, culpa, constrangimento) são provenientes da capacidade que temos de nos vermos nos olhos do outro — em outras palavras, percebemos que o outro nos vê. O relato de Freud da origem da moralidade via superego — o olhar internalizado dos pais — faz a mesma suposição.

A intersubjetividade desempenha um papel essencial no surgi­mento da consciência reflexiva. A idéia de consciência reflexiva como originária da interação social não é nova. Alguma forma de um “outro” é sua característica fundamental. O outro pode ser externo ou interno, mas a experiência primária deve ser compartilhada de um segundo ponto de vista. (O capítulo 8 aborda esse problema na criação da consciência reflexiva.)

O advento da consciência reflexiva, ao lado da linguagem, é considerado fundamental para o sucesso evolutivo da espécie hu­mana. A consciência reflexiva e a linguagem aperfeiçoam a adapta­bilidade ao dar à luz novas opções que podem transcender padrões de ação fixos, hábitos e algumas experiências passadas.

Em suma, a intersubjetividade contribui para a sobrevivência do grupo. Promove sua formação e coerência. Permite-lhe funcionar com mais eficiência, rapidez, flexibilidade e coordenação. E forne­ce a base para que a moralidade atue mantendo a coesão do grupo e que a linguagem aja na comunicação do grupo.

A INTERSUBJETIVIDADE COMO UMA MOTIVAÇÃO COM VALOR DE PREEMPÇÃO

Um sistema motivacional precisa conter motivações experienciadas subjetivamente que organizem e direcionem comportamentos para um objetivo valorizado. Quando alguém busca um objetivo e se des­loca em direção a ele, há uma experiência subjetiva de preempção, sentida como desejo ou necessidade. Quando se atinge o objetivo, há

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O M O M E N T O P R E S E N T E

um sentimento subjetivo de gratificação ou de relativo bem-estar ou, minimamente, uma desativação da motivação. Podemos falar de uma motivação intersubjetiva com a qualidade subjetiva de preempção?

Existem dois desses motivos intersubjetivos. O primeiro é uma necessidade de ler as intenções e os sentimentos do outro, que serve ao propósito de descobrir “Onde vocês dois estão?”; “O que está acontecendo?”; “Em que pé estão as coisas?”; “Onde eles devem ir?”. Essa sondagem da imediata situação diádica ou do grupo e de suas possibilidades ocorre num encontro e em seguida é continua­mente atualizada, muitas vezes segundo a segundo ou minuto a minuto, conforme necessário. É uma forma de orientação. Se não podemos nos orientar no tempo e no espaço, ficamos confusos e ansiosos, e comportamentos de busca são postos em ação para re­solver o desconforto. O mesmo se aplica à orientação subjetiva no espaço psíquico. Precisamos conhecer nossa posição no campo intersubjetivo em relação a um indivíduo, uma família ou um gru­po. A “orientação intersubjetiva” também é um acontecimento con­tínuo vital em psicoterapia. Ela é buscada e tem alto valor afetivo.

Cada uma das manobras para procurar e ajustar a orientação intersubjetiva é um momento presente. São momentos de kairos porque é necessário agir de acordo com o estado intersubjetivo; é preciso explorar o campo intersubjetivo para descobrir/criar “onde você está”. A necessidade de ser orientado intersubjetivamente é sentida como uma “força” de preempção que mobiliza o comporta­mento. Motivações são postas em ação. Essa questão é discutida mais detalhadamente na parte III.

A orientação intersubjetiva é uma necessidade básica no contexto do contato social direto. Quando não somos orientados intersub­jetivamente, surge a ansiedade, e os mecanismos de enfrentamento ou de defesa são mobilizados. Essa ansiedade poderia ser chamada de ansiedade intersubjetiva. A psicologia dinâmica e outras psicologi­as exploraram de forma profícua aquilo que é melhor chamar de “ansiedades ou medos básicos”. Estar só sempre aparece na lista, mas não costuma ficar claro se trata-se de solidão física ou mental. Exis­

A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

tem claramente dois medos diferentes. O medo da solidão psíquica pertence à nossa condição intersubjetiva.

Essa sondagem do estado da díade é uma forma de “psi- coetologia”. Imagine dois cães se encontrando. Eles iniciam um rico repertório de sinais e comportamentos a fim de explorar e estabele­cer seu relacionamento imediato (por exemplo, sexual, agressivo, brincalhão, dominante e uma mistura matizada destes). Agora, ima­gine que os dois cães são duas pessoas “atadas” (por convenções) às suas respectivas cadeiras num consultório, ou paradas de pé, educadamente, num coquetel. A maioria das ações de exploração e de estabelecimento do atual status entre elas terá de ocorrer na for­ma de comportamentos que foram mentalizados, e não postos em ação. Há também signos e sinais (por exemplo, linguagem corporal e tom de voz) que podem ser lidos claramente com a intersub­jetividade de mão única (uma pessoa lê a outra). Quando a intersubjetividade de mão dupla (duas pessoas lêem uma a outra) é adicionada, a leitura fica mais minuciosa, mais quente afetivamente, e adquire mais nuances. Existe ainda outra característica: o status do relacionamento que está sendo criado é revelado no instante de sua criação.

Uma segunda necessidade sentida de orientação subjetiva é de­finir, manter ou restabelecer a auto-identidade e a autocoesão — a fim de fazermos contato com nós mesmos. Precisamos dos olhos dos outros para nos formarmos e continuarmos a existir. Aqui, tam­bém, a necessidade do olhar do outro pode ser preemptiva. Prisio­neiros do sexo masculino em confinamento solitário com sentenças muito longas ou perpétuas apresentam um exemplo interessante. Falar não vai lhes garantir uma liberdade condicional nem absolvê- los, e não há ambiente sob seu controle ao qual necessitem se adap­tar. Mesmo assim, com freqüência eles querem falar com alguém, compartilhar seu mundo interior. Por quê? Um motivo pode ser o fato de que precisam de encontros intersubjetivos para se mante­rem em contato consigo mesmos. No isolamento da prisão, cerca­dos por um ambiente de tão poucas escolhas e atitudes próprias,

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eles precisam do olhar intersubjetivo do outro para reencontrar e manter sua identidade (Colette Simonet e Phillip Jaffe, comunica­ções pessoais, 23 de fevereiro de 2000 e 27 de abril de 2000).

Sem receber alguma informação contínua de uma matriz intersubjetiva, a identidade humana se dissolve ou se desvia do cur­so de estranhas maneiras. Não importa se esse contato é feito na forma de troca de idéias diádica, rituais de grupo ou de algum ou­tro modo. Estamos familiarizados com a idéia de selves múltiplos ou selves distribuídos que mudam consideravelmente, dependendo de com quem se está ou do contexto predominante. Isso é conside­rado normal. Mas quando é que a agulha da bússola aponta para o “self verdadeiro”? Ou esta é uma questão sem sentido? Em todo caso, o olhar do outro ajuda a fixar nossa autoposição relativa e a encontrar nosso senso de self verdadeiro (mesmo que este seja ilu­sório). Na cultura ocidental, o senso ou mesmo a ilusão de um self mais ou menos verdadeiro pode ser uma condição vital.

A esse respeito, é fascinante considerar que a maioria das crian­ças entre 6 e 12 anos nas várias culturas ocidentais estudadas tem “amigos imaginários” (Pearson et al., 2001). O número é mais alto entre as meninas, mas provavelmente há mais meninos do que o relatado. Por que tantas crianças? Na maior parte das vezes existe alguma forma de diálogo com esses amigos. Eles parecem ser cria­dos para complementar, estabilizar, validar ou orientar a identida­de da criança por meio de um relacionamento wteriwfra-subjetivo.

O ato de apaixonar-se fornece outra situação para explorar a força do impulso subjetivo. Apaixonar-se tem uma ampla variabili­dade cultural e histórica. Entretanto, é um estado bastante invasivo, com um número de características comuns suficiente para justificar um exame. Antes de tudo, poderia ser chamado de um estado espe­cial de organização mental porque reúne numerosos e diversos com­portamentos, sentimentos e pensamentos num conjunto integrado que é prontamente reconhecido. Na verdade, o “diagnóstico” de uma pessoa que está se apaixonando é muito mais nítido do que a maioria das categorias no Manual diagnóstico e estatístico de trans­

A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

tornos mentais — IV e provavelmente é composto de uma organi­zação mental igualmente específica, com “representações neurais” características. A seguir, alguns dos elementos do apaixonamento que são movidos por um motivo intersubjetivo (muitos destes são compartilhados tanto por namorados como por pais em relação a seus bebês): apaixonados podem se olhar nos olhos, sem falar, por minutos a fio — uma espécie de mergulho na “janela da alma” para encontrar o outro interior. Não apaixonados (nesta cultura), por outro lado, não conseguem suportar a intensidade crescente de um olhar mútuo silencioso por mais de 7 a 9 segundos sem brigar, fazer amor ou virar o rosto. Também há uma atenção minuciosa em rela­ção às intenções e sentimentos do outro, não só para lê-los correta­mente, mas também para adivinhá-los. Existe uma ludicidade que envolve muita imitação facial, gestual e postural. E há a criação de um mundo particular, uma espécie de espaço intersubjetivo privile­giado do qual somente os dois têm as chaves: palavras especiais com significados específicos, siglas secretas, rituais e espaço sagra­dos etc. Tudo isso cria um nicho psicológico no qual a intersub­jetividade pode florescer.

Person (1988) ressaltou que neste processo criamos um mundo de duas pessoas no qual um casal se forma e onde nos recriamos a nós mesmos. Somos atirados num processo turbulento de autotrans- formação (se permanente ou não é outra questão). A situação é quase oposta à do prisioneiro perpétuo, na qual nada pode mudar e ele só pode permanecer o mesmo, com esforço. O apaixonado tam­bém precisa dos olhos do outro para verificar e validar sua meta­morfose, para mantê-lo em contato consigo mesmo, com sua identidade movediça. O olhar do outro ajuda a manter a autocoesão em face do desejo de comunhão e fusão.

O poder e a freqüente convocação do contato intersubjetivo para situar e confirmar a identidade não são suficientemente reco­nhecidos. Por exemplo, a participação em rituais, apresentações artísticas, espetáculos e atividades coletivas, como dançar ou cantar em conjunto, tudo isso pode resultar num contato intersubjetivo

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O MOMENTO PRESENTE

(real ou imaginado). Todos os participantes presumem que os ou­tros experimentam o que está acontecendo mais ou menos da mes­ma forma que eles. Eles (mesmo que estranhos) se olham e um contato intersubjetivo imaginado ocorre entre eles, e, junto com esse contato, um senso de pertencimento psíquico. Não só eles se divertiram num evento, mas também imergiram na matriz intersubjetiva humana e confirmaram sua auto-identidade.

INATO E UNIVERSAL

Um sistema motivacional básico tem de ser inato e universal, ainda que diverso em seus modos de expressão. As evidências apresenta­das no capítulo 3 sobre as bases neurobiológicas e de desenvolvi­mento da intersubjetividade avançam até certo ponto na abordagem da questão do inatismo — pelo menos da capacidade humana para a intersubjetividade. A maneira como essa capacidade é usada em qualquer sociedade ou cultura é um assunto fascinante, mas não é tratado aqui. Basta dizer que não consigo imaginar a capacidade não sendo usada de alguma forma adaptativa em todas as sociedades.

Nas modernas sociedades ocidentais existem grandes diferen­ças individuais e culturais no talento intersubjetivo. Evidentemente há fatores constitucionais. O caso de certas formas de autismo dei­xa isso claro. Existem períodos sensíveis? Gunnar (2001) sugeriu que crianças que foram tremendamente privadas de convívio social durante o primeiro ano de vida, como observado em alguns orfana­tos, sofrem conseqüências afetivas mais tarde na infância, inclusive redução das habilidades intersubjetivas, tais como a empatia.

Alguns podem argumentar que a intersubjetividade é uma condição humana e não um sistema motivacional em si mesmo, porque ela é não-específica e é usada em quase todos os sistemas motivacionais. Neste sentido, o motivo intersubjetivo seria mais equivalente à “moti­vação para a competência”.

A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

Meu contra-argumento é que, embora a intersubjetividade pos­sa estar a serviço de outros sistemas motivacionais, ela é fortemente ativada em situações inter-humanas altamente específicas e impor­tantes nas quais é o estado final desejado em si mesma. Estas situa­ções são: quando surge a ameaça da desorientação intersubjetiva, acompanhada da ansiedade intersubjetiva (por exemplo, quando o lugar ou a posição de alguém num grupo é questionado ou se torna indefinido); quando o desejo de intimidade psíquica é grande (como no apaixonamento); quando é necessário um funcionamento de grupo rapidamente coordenado e essa coordenação tem de ser alte­rada espontânea, rápida e flexivelmente de um momento para o outro (por exemplo, caçando um perigoso animal selvagem); e quan­do a auto-identidade é ameaçada e é necessário imergir na matriz intersubjetiva para evitar a autodissolução ou fragmentação. Em tais situações, o contato intersubjetivo se torna específico e primário.

Para os nossos propósitos, o motivo intersubjetivo também está atuando, direcionando a regulação segundo a segundo do processo terapêutico, no qual o compartilhamento das paisagens mentais é desejado e precisa ser negociado. É nesse contexto que o momento presente assume seu papel e relevância como o movimento básico de negociação ou como o passo para determinar a natureza do es­paço intersubjetivo na psicoterapia.

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Capítulo 7

SABER IMPLÍCITO

COMO O MOMENTO PRESENTE é mentalmente apreendido enquanto ainda está se desdobrando, o saber que se tem a respeito dele não pode ser verbal, simbólico e explícito. Estes atributos somente são anexados depois que o momento passou. Sob que forma, então, é o momento original apreendido? Isso pertence a um domínio chama­do “saber implícito”.

Durante os anos 90, a psicologia começou a dar mais ênfase ao conhecimento implícito em comparação ao conhecimento explíci­to (Bucci, 1997; French e Cleeremans, 2002; Lyons-Ruth, 1997, 1998; Lyons-Ruth, Bruschweiler-Stern, Harrison et al., 1998; Scha- cter, 1994,1996). Esta concepção emergente do saber implícito foi extremamente enriquecida não só por observações de bebês, mas também por um considerável trabalho anterior sobre comunicação não-verbal que preparou o caminho (Bánninger-Huber, 1992; de Roten et al., 2000; Frey et al., 1980; Frey et al., 1983; Gendlin, 1981,1991; Kendon, 1990; Krause e Lütolf, 1988; Krause, Steimer- Krause e Ullrich, 1992; Scheflen, 1973; Scherer, 1992; Steimer-Krause, Krause e Wagner, 1990). Esta mudança altera nossa maneira de ver o momento presente, bem como de pensar sobre consciência e

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O MOMENTO PRESENTE

inconsciente. As implicações na teoria e na prática terapêuticas se­rão imediatamente evidentes.

Primeiro, entretanto, é preciso esclarecer a distinção entre o implícito e o explícito. Simplificando, o conhecimento implícito é não-simbólico, não-verbal, procedural e inconsciente no sentido de não ser reflexivamente consciente. O conhecimento explícito é sim­bólico, verbalizável, declarativo, capaz de ser narrado e reflexiva­mente consciente. Vou desenvolver brevemente estes pontos.

Anos de pesquisa observacional sobre bebês e suas mães, em paralelo à prática psicoterápica com adultos, tornaram-nos sensí­veis à importância do conhecimento implícito. Bebês só se comuni­cam no registro explícito verbal depois dos 18 meses de idade, aproximadamente, quando começam a falar. Conseqüentemente, todas as interações ricas, analogicamente matizadas, sociais e afetivas que têm lugar nesse período de vida ocorrem, por padrão, no do­mínio não-verbal implícito. Além disso, todo o considerável conhe­cimento que o bebê adquire sobre o que esperar das pessoas, como lidar com elas, como se sentir em relação a elas e como estar-com- elas se insere nesse domínio não-verbal. (A natureza foi sábia ao não apresentar os bebês à linguagem simbólica antes dos 18 meses de vida, para que tivessem tempo bastante para aprender como o mundo humano realmente funciona sem a distração e a complica­ção das palavras, mas com a ajuda da música da linguagem [Stern, 1977, 1985].)

Esse conhecimento nos tornou sensíveis ao domínio implícito, mesmo quando este está entretecido com o mundo explícito da lin­guagem. Ele responde, em parte, pelo fato de darmos primazia aos acontecimentos implícitos que ocupam o momento presente no processo terapêutico que tem sido menos estudado.

O que é, então, o domínio implícito do conhecimento e o que ele contém? Muitos vêem os domínios implícito e explícito como dois sistemas de conhecimento e memória separados, paralelos e parcialmente independentes que emergem juntos. Mais do que um conhecimento implícito que passa a conhecimento explícito com o

SABER IMPLÍCITO

desenvolvimento, os dois vivem lado a lado e crescem pela vida afora (Fischer e Granott, 1995; Mareei, 1983).

O conhecimento implícito não se restringe ao rico mundo da comunicação não-verbal ou dos movimentos corporais e das sensa­ções, mas também se aplica aos afetos e às palavras, ao menos ao que se encontra nas entrelinhas. Por exemplo, se alguém diz repeti­damente “Sim, mas...” você rapidamente percebe que esse “sim” é um cavalo de Tróia para penetrar seus muros. O “mas” libera os soldados. (A pessoa poderia ter transmitido a mesma mensagem implícita jogando a cabeça para trás.)

O saber implícito é muitas vezes considerado mais limitado e primitivo do que o conhecimento explícito, e as primeiras noções sobre este o equiparavam aos procedimentos físicos ou à inteligên­cia sensório-motora (por exemplo, levar o polegar à boca). Acredi­tava-se que o conhecimento implícito dominava as fases iniciais do desenvolvimento e que em seguida era amplamente superado e trans­formado em conhecimento verbal e simbólico à medida que o de­senvolvimento (isto é, a aquisição da linguagem) avançava. Nossa concepção atual é diferente. Hoje vemos o saber implícito como extremamente rico e não apenas ligado a procedimentos motores. Ele também inclui afetos, expectativas, mudanças na ativação e na motivação, e estilos de pensamento — tudo aquilo que pode ocor­rer durante os poucos segundos de um momento presente. Por exem­plo, os padrões de apego vistos entre mãe e bebê de apenas 1 ano de idade (bem antes da fala) foram avaliados no momento de encontro quando a mãe retornava após uma breve separação (Ainsworth, Blehar, Waters e Wall, 1978). O bebê sabia implicitamente o que fazer com seu corpo, rosto, sentimentos, expectativas, excitação, inibições, redirecionamento de atividades e assim por diante. Ele “sabia se devia” aproximar-se dela, levantando os braços para ser abraçado e ter contato físico, ou se devia não se mexer e fingir que sua volta não tinha importância, ou se devia exagerar seu desejo e necessidade de contato para receber mais dela. Ele “sabe” se deve deixar de lado a brincadeira ou continuar a se concentrar nos brin­

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O MOMENTO PRESENTE

quedos, mesmo que desinteressadamente. Ele “sabia” se devia es­perar uma gratificação físico-psicológica ou tolerar um estado de estresse. Ele “sabia” quando se aproximar dela, se não o fez de ime­diato, e com que velocidade, e com passos que não eram nem tão largos ou tão rápidos que a fizessem rejeitá-lo. Este é um rico paco­te de saber implícito (por exemplo, Lyons-Ruth, 1997). O “modelo funcional” de apego de Bowlby (1969), que é a representação do que a criança não-verbal vai esperar, fazer, sentir e pensar quando ameaçada de algum modo, é implicitamente conhecido.

Similarmente, a noção de que durante o desenvolvimento o sa­ber implícito será traduzido para o conhecimento verbal explícito quando a linguagem entrar em cena é questionável. E mais prová­vel que a maior parte de tudo que sabemos sobre como estar com os outros resida no saber implícito e ali permaneça. Isso é especial­mente verdade se presumirmos a existência de dois sistemas parale­los relativamente independentes, como sugerido anteriormente.

Duas sugestões interessantes foram feitas para redividir os do­mínios implícito/explícito. Bucci (1997, 2001) dividiu-os em três categorias: o código subsimbólico e não-verbal (consistindo em ex­periências contínuas e analógicas, tais como pintar um quadro); o código simbólico e não-verbal (consistindo em experiências e in­formações não-verbais, tais como o conhecimento imagético do rosto de alguém); e o código simbólico e verbal (consistindo em pala­vras). Este retraçar das fronteiras é de extrema utilidade e será usa­do periodicamente neste livro. Na maior parte das vezes, porém, ficaremos com a divisão mais bruta estabelecida entre implícito e explícito. Fogel (2001, 2003) propôs outra interessante e útil divi­são da memória implícita em dois tipos. O primeiro é uma “memória implícita reguladora” que nos permite negociar, não-conscientemen- te, nossas respostas aos aspectos sensoriais, motores e afetivos do nosso meio ambiente físico e social. Isso está vinculado, por exem­plo, a padrões de apego (Siegel, 1999) e à formação de um self “nuclear” (Stern, 1985), de um self “primário” (Damasio, 1999), de um “self dialógico” (Fogel, de Koeyer, Bellagamba e Bell, 2002);

SABER IMPLÍCITO

ou de um self objetivo (Rochat, 1995), bem como à formação da origem afetiva do self (Schore, 1994). A segunda categoria de Fogel é a “memória participativa”, que é ativada em contextos específicos e traz à tona uma memória implícita que vem do passado, mas é experimentada como acontecendo no presente. Um exemplo seria uma memória traumática (Siegel, 1995, 1996).

Em geral, não há motivo para colocar o implícito em palavras. Ele permanece silencioso a menos que os acontecimentos forcem uma descrição verbal. E então apenas uma pequena porção de toda a base do conhecimento implícito é traduzível em palavras. Bollas (1987) cunhou a expressão “conhecido não pensado” como uma importan­te realidade clínica. Este é um rótulo muito apropriado, porque o conhecimento implícito, embora não-consciente, em geral é potenci­almente consciente e portanto potencialmente verbalizável. (Estas distinções serão esclarecidas mais tarde.) Por este motivo, uso o ter­mo saber em vez de conhecimento implícito. Saber oferece uma im­precisão construtiva e, ainda, um conceito mais dinâmico de saber em andamento em oposição a conhecimento estático, que pode ser visto como estando no passado. Stolorow e Atwood (1992) usaram outra expressão adequada, muito conhecida na psicologia clínica: o consciente pré-reflexivo (que no entanto não precisa ser considerado “pré” em nenhum sentido de desenvolvimento).

O RELACIONAMENTO COM O INCONSCIENTE

A relevância clínica do saber implícito aparece imponente. Ele é “descritivamente (topograficamente) inconsciente”. O termo “in­consciente” deve ser reservado para o material reprimido no qual existe uma barreira defensiva à entrada na consciência. Mais preci­samente, o saber implícito é não-consciente. Não é reprimido. Em contraste, o “inconsciente dinâmico” psicanalítico é não-conscien­te porque a força da repressão o mantém ativamente fora da cons­ciência. Pode-se supor que a repressão não esteja atuando no saber

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O MOMENTO PRESENTE

implícito. Por conseguinte, o implícito é simplesmente não-cons- ciente, ao passo que o material reprimido é inconsciente.

O implícito inclui uma vasta gama de saberes nos quais a vida social cotidiana se baseia. Por exemplo, o que você faz com a dire­ção do seu olhar quando está escutando outra pessoa? Quando você está falando? O que você faz com seu corpo e com o tom da sua voz quando está falando com uma figura de autoridade ou com um terapeuta pela primeira vez? Como faz com que saibam que você está prestes a encerrar uma discussão sem dizê-lo, ou que discorda da pessoa mas não quer polemizar? Como sabe quando alguém gosta de você? Como sabe que a pessoa sabe que você gosta dela?

Grande parte desse saber implícito nem mesmo pode ser tradu­zido em palavras. Existem casos clínicos em abundância. Por exem­plo, pacientes quando descrevem sua infância podem mencionar jantares de domingo que reuniam toda a família. O que acontecia a cada domingo era implicitamente conhecido: o papel de cada mem­bro da família, os lugares à mesa, como a ação fluía, como as dis­cussões brotavam e como eram abortadas ou resolvidas, quem bancava o bobo da corte para o alívio cômico — em outras pala­vras, o roteiro da família (ver Byng-Hall, 1996; Reiss, 1989). Em terapia, esse paciente e seu terapeuta poderiam passar horas, ao longo de semanas e meses, para juntar todas as peças numa forma narrativa coerente, completa, consistente e contínua. Isso requer muito trabalho. E a versão final só será adequada para alguns as­pectos realçados da construção da narrativa e da interpretação; o restante permanecerá implícito.

Uma citação do romancista Alessandro Baricco (2002) vai mais diretamente ao cerne da questão (leia saberes implícitos no lugar de idéias):

Idéias são como galáxias de pequenas intuições, uma coisa confu­sa... que está mudando continuamente... elas são belas. Mas são bagunçadas... em seu estado puro são uma bagunça maravilhosa. São aparições provisórias da infinitude. Idéias claras e distintas são

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SABER IMPLÍCITO

uma invenção de Descartes, são uma fraude, idéias claras não exis­tem, idéias são obscuras por definição, se você tem uma idéia clara não é uma idéia... Eis o problema... Quando expressa uma idéia, você lhe dá uma coerência que ela não possuía originalmente. De algum modo você tem de lhe dar uma forma que é organizada e concisa, e compreensível para os outros. Enquanto você se limita a pensar nela, a idéia pode permanecer a bagunça maravilhosa que é. Mas quando você decide expressá-la (em palavras) você começa a descartar uma coisa, a resumir algo mais, a simplificar isto e cortar aquilo, a pôr em ordem impondo uma certa lógica: você trabalha um pouco nela e no fim tem algo que as pessoas podem entender. Uma idéia “clara e distinta”. A princípio você tenta fazer isso de forma responsável: procura não jogar fora coisas demais, gostaria de preservar a total infinitude da idéia que tinha na cabeça. Você tenta. Mas eles não lhe dão tempo, estão em cima de você, eles querem saber... (p. 206-7)

(Note que a noção de uma idéia para Baricco é um conceito amplo que abarca o implícito, a captura sem palavras de certos aspectos essenciais de nossa vida ou do universo. Por este motivo senti-me à vontade para substituir idéia por saber implícito.) Momentos pre­sentes como experiências no domínio implícito são como as idéias de Baricco.

Da perspectiva clínica, precisamos examinar esta concepção do modo implícito porque a regulação do campo intersubjetivo, em terapia, momento presente a momento presente, ocorre em grande parte não-verbalmente, não-conscientemente e implicitamente. Grande parte da transferência insere-se na categoria de saber implí­cito de um tipo ou de outro. Apenas parte dele pode e será tornada verbal, quando necessário. Nas terapias mãe-bebê, é muito comum para o terapeuta deixar grande parte do saber implícito transferenciai da mãe exatamente onde está, sem tentar interpretá-lo para torná- lo explícito e consciente. A natureza psicológica particular da ma­ternidade precoce defende essa solução terapêutica como a mais benéfica (Stern, 1995).

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Esta nova concepção de saber implícito propõe um importante problema para a psicanálise tradicional. Isso porque o saber implí­cito não é dinamicamente inconsciente e, portanto, não é mantido fora da consciência por resistências. Ele é não-consciente por ou­tros motivos. O conceito de resistência ou repressão não se aplica aqui. Parece que a parte principal do material descritivamente não- consciente permanece não verbalizada por motivos outros que não a resistência. Conseqüentemente, a “resistência” fica restrita ape­nas àquelas situações em que o material inconsciente dinâmico re­primido está envolvido — ou seja, a menor parte do trabalho terapêutico. Isso constitui uma considerável limitação para um im­portante aspecto do esforço psicanalítico. Tal limitação ganha im­portância ainda maior quando consideramos o enorme escopo do saber implícito tanto na vida cotidiana quanto na psicoterapia. Lem­branças e representações reguladoras implícitas desempenham um papel constante na moldagem da transferência e do relacionamen­to terapêutico, em geral, bem como na constituição de boa parte de nosso passado vivido e presente sintomático.

Existem duas agendas principais na situação clínica. A primeira diz respeito ao conteúdo verbal explícito que aflora na sessão. Em “terapias através da conversa”, é sobre isso que o paciente fala: o passado, o futuro, sonhos, fantasias, problemas fora do consultório (por exemplo, trabalho, família, sentimentos negativos, pensamen­tos perturbadores). Este é o tema tradicional que tem a prioridade na maior parte do tempo. Poder-se-ia também chamar isso de agen­da narrativa. Vamos chamar de “agenda explícita”. Quando lidam com a agenda explícita, terapeuta e paciente ficam lado a lado, di­gamos, olhando para um terceiro elemento — o conteúdo externo a seu relacionamento imediato. A procura é por significado, co- construído por paciente e terapeuta num formato narrativo.

A agenda explícita também pode ser percebida nas terapias de corpo, movimento, expressiva, gestalt-terapia e dramaterapia. Por exemplo, as respostas a indagações tais como “O que você está sen­tindo agora?” ou “Em que parte do corpo você sente isso?” são

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SABER IMPLlCITO

verbais. O conteúdo verbal aflora de fontes implícitas e não-ver- bais, mas em seguida é conectado à agenda explícita da construção da narrativa.

A segunda agenda refere-se à regulação do estado implícito do relacionamento entre terapeuta e paciente. Isso inclui muito da alian­ça terapêutica, do ambiente de apoio, da aliança de trabalho, do relacionamento de transferência/contratransferência e do relacio­namento “real”. Co-criar e regular esses relacionamentos fora da consciência perceptiva constitui a “agenda implícita”.

A regulação do campo intersubjetivo imediato é o aspecto da agenda implícita que mais nos interessa. A agenda implícita é fun­damental, pois ela contextualiza a agenda explícita e restringe e determina o que pode ser conversado — em outras palavras, seus graus de liberdade.

Na psicoterapia, a principal tarefa implícita é regular o campo intersubjetivo imediato. Isso é realizado na seqüência de momentos e momentos presentes que são os pequenos passos na negociação e sintonia fina do campo intersubjetivo. Em cada momento presente, fazemos a regulação sondando, testando e corrigindo a leitura do estado mental do outro à luz do nosso. Este processo diádico de leitura paralela e simultânea de paciente e terapeuta ocorre em gran­de parte de maneira não-consciente. Momentos presentes são, por­tanto, dedicados a perguntas intersubjetivas, tais como “O que está acontecendo aqui e agora entre nós?”; “O que eu percebo ou sei sobre como você me experimenta, agora?”; “O que você sabe sobre como eu agora experimento você?”; e assim por diante. Num nível mais local, estas questões se reduzem a perguntas menores: “Você entendeu o que acabei de dizer?”; “Mas você entendeu mesmo?”; “Não quero continuar com este assunto agora, ainda não”; “Sinto que você não gostou do que eu disse e recuou”; “Você está chegan­do perto demais, por favor, não faça nada”; “Pare de me pressio­nar"; Você está me ouvindo?”; “Você não respondeu totalmente”; “Estou entendendo o que você quer dizer?”; ou “Não sabemos de verdade o que fazer agora, sabemos?” Ao lidarem com essa agenda

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O MOMENTO PRESENTE

de processo relacionai, paciente e terapeuta já não ficam lado a lado olhando para um terceiro elemento. Estão frente a frente, olhan­do um para o outro, mesmo que seja com o canto do olho, ou estão lado a lado, olhando para si mesmos, olhando um para o outro, ou alternando entre as duas posições.

De um ponto de vista clínico, qualquer saber implícito sobre o relacionamento vai influenciar a agenda explícita e vice-versa. Um não pode ser considerado independentemente do outro. Este livro, porém, enfoca intensamente o domínio implícito do saber, em par­ticular o campo intersubjetivo entre terapeuta e paciente, e mais especificamente como esse campo é regulado momento a momento durante os momentos presentes — nossa unidade básica da experiên­cia subjetiva. Em terapia, essa área não foi tratada tão profunda­mente quanto a explícita.

O fato de o saber implícito não ser consciente reflexivamente nem tampouco inconsciente dinamicamente nos leva a considerar a distinção entre consciente e não-consciente, em relação ao implíci­to e ao explícito, para a qual agora nos voltamos.

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Capítulo 8

O PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

ElS O PROBLEMA: formar o momento presente à medida que ele se desdobra é um processo implícito, e, no entanto, para uma experi­ência qualificar-se como um momento presente ela precisa pene­trar a consciência perceptiva ou outro tipo de consciência. Mas qual? Um olhar sobre a questão geral da consciência e seu histórico pare­ce necessário a esta altura.

HISTÓRICO

Historicamente, a psicologia acadêmica tem se interessado apenas periodicamente pela consciência, até muito pouco tempo. As teorias psicodinâmicas se interessaram muito mais pelo inconsciente. Freud (1926/1959) pressupôs que a consciência não precisava ser discuti­da porque era evidente e não deixava espaço para dúvidas. Ele en­tão passou a explorar a estrutura do inconsciente dinâmico, o qual, na época, não era tão evidente e aceito como é hoje. Esta aborda­gem negligenciou o momento presente e as experiências fenome­nais em geral, já que estas estão entretecidas com a consciência.

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O MOMENTO PRESENTE

Mas uma ênfase no momento presente nos deixa frente a frente com a questão da consciência. Afinal, o momento presente é o con­teúdo fenomenal de um período limitado de consciência perceptiva ou consciência. Ele existe apenas durante um momento de consciên­cia perceptiva. Ou precisa ser um momento de consciência? E qual a diferença?

Existem várias maneiras de pensar sobre consciência perceptiva e consciência. Consciência perceptiva concerne a um foco mental num objeto de experiência. Consciência refere-se ao processo de perceber que você está percebendo, ou metapercepção.

Os desenvolvimentistas foram forçados a definir variados tipos de consciência, a fim de descrever a ontogenia da consciência desde a infância. Usando um modelo que chama de Modelo de Níveis de Consciência, Zelazo (1996,1999) listou os primeiros três níveis da seguinte maneira: consciência mínima (normalmente chamada de “consciência perceptiva”), consciência reflexiva (às vezes chamada de consciência “secundária” ou “recursiva”) e autoconsciência. A distinção entre consciência perceptiva (consciência mínima) e cons­ciência (consciência reflexiva) é o que mais nos interessa. Em ter­mos desenvolvimentistas, a consciência perceptiva é considerada uma forma primitiva de consciência confinada nas fronteiras do momento presente no qual a experiência está ocorrendo. Como diz Zelazo: “Um bebê está consciente [leia-se: percebe] daquilo que vê, mas não está consciente de ver o que vê, muito menos de que ele (como um agente) está vendo o que vê” (1999, p. 98). A experiên­cia, portanto, não é refletida, é limitada ao presente, permanece sem relação com o self e não penetra na memória. Portanto, é irrecuperável. A consciência, por outro lado, é reflexiva — em ou­tras palavras, percebe que percebe. Graças à reflexividade, este tipo de consciência pode ser recordado, penetra na memória explícita e pode ser verbalizado. (Por enquanto, vou me ater aos níveis mental e comportamental enquanto tento desembaraçar estes termos, ig­norando os relatos neurocientíficos.)

Os filósofos têm lutado com distinções semelhantes expressas

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0 PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

de formas diferentes. A distinção entre consciência perceptiva e consciência é remodelada como a distinção entre consciência feno­menal e consciência introspectiva. A consciência fenomenal diz res­peito à experiência direta, “a sensação crua” (Rorty, 1982), à maneira pela qual as coisas parecem estar no “palco da mente”, “como é” (Nagel, 1998) e à experiência dos qualia (por exemplo, rubor). A consciência introspectiva, ou consciência de acesso (Block, 1995), é a consciência perceptiva de ter a experiência fenomenal. (Ver Block, Flanagan e Guzeldere, 1997, para uma discussão completa sobre estas distinções de muitos pontos de vista.) Nos debates filosóficos, a distinção entre consciência perceptiva e consciência é menos evi­dente, em parte porque pode-se ter uma experiência de consciência fenomenal sem percebê-la (Dretscke, 1998). A fronteira entre estes dois tipos de consciência não é muito clara. Entretanto, pode-se argumentar que a consciência reflexiva encontra-se necessariamen­te num contexto temporal diferente daquele da consciência perceptiva, por esta ser pós-fato. Descrições do fluxo da consciên­cia na literatura não esclarecem as fronteiras tênues entre consci­ência e consciência perceptiva.

Um problema da distinção entre consciente/não-consciente quan­do aplicada à situação clínica é que paciente e terapeuta estão sem­pre lidando com duas agendas simultâneas que interagem. Existe a agenda explícita do conteúdo do que eles estão dizendo e seu signi­ficado, que é, sem dúvida, um material reflexivamente consciente porque é acessado verbalmente. Muitas noções clínicas de consci­ência apóiam-se extensamente na linguagem como elemento indis­pensável. Extremamente falando, não pode haver consciência introspectiva ou reflexiva sem um rótulo para os objetos da experiên­cia na forma de linguagem ou símbolo. A maior parte da teoria psicanalítica abraçou essa idéia em algum grau, maior ou menor. Esta dependência da linguagem, entretanto, é problemática, por­que grande parte da ação clínica envolve “objetos de experiência” não-conscientes — especificamente, enactments e a agenda implíci­ta que microrregula o campo intersubjetivo terapêutico.

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O MOMENTO PRESENTE

Normalmente, as terapias através da conversa enfatizam a cons­ciência introspectiva ou reflexiva, o que é quase sempre sinônimo de acesso verbal. Por outro lado, nas terapias de movimento, dramaterapias e terapias com orientação existencial, a consciência fenomenal é enfatizada e em geral é sinônimo de enactments.

CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

Retorno à questão central: como pode um momento presente que é apreendido implicitamente tornar-se consciente? E com que tipo de consciência? A solução que proponho aqui envolve uma nova forma de consciência que vou chamar de consciência intersubjetiva. Ela é muito adequada aos intensos contatos diádicos característicos da psicoterapia.

Quando duas pessoas co-criam uma experiência intersubjetiva num momento presente compartilhado, a consciência fenomenal de uma sobrepõe-se à consciência fenomenal da outra e parcial­mente a inclui. Você tem sua própria experiência mais a experiên­cia do outro da sua experiência, como refletida em seus olhos, corpo, tom de voz etc. Sua experiência e a do outro não precisam ser exa­tamente a mesma. Elas têm origem em loci e orientações diferentes. Podem ter coloração, forma e textura ligeiramente distintas. Mas são semelhantes o bastante para que, quando as duas experiências são mutuamente validadas, uma “consciência” de compartilhar a mesma paisagem mental aflora. Isso é consciência intersubjetiva. E o que acontece durante momentos presentes especiais na psico­terapia. Tronik (1998) chamou a atenção para um fenômeno seme­lhante observado no relacionamento mãe-bebê e paciente-terapeuta. Ele o denominou “consciência diádica expandida”. Isso se refere mais ao escopo ampliado do compartilhamento, como se este fosse uma crescente base de conhecimento conjunta que existe sem es­pecificar quando está existindo na consciência real e quando é ape­nas uma parte potencialmente utilizável do conhecimento

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O PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

compartilhado. É uma espécie de consciência potencial. Isso con­funde consciência diádica com saber implícito diádico, ou implica que eles são sinônimos. Em contrapartida, estou usando “consciên­cia intersubjetiva” para me referir apenas ao que está acontecendo agora num momento presente específico, e não como um espaço potencial de saber compartilhado. A consciência não se estende além do agora. Portanto, a consciência intersubjetiva só pode ser criada agora — e não expandida para um futuro (mesmo um futuro ao alcance da mão) que ainda não está na consciência. Somente o cam­po intersubjetivo de saberes implícitos pode ser expandido por atos da consciência intersubjetiva.

Antes de prosseguir com a definição de consciência intersub­jetiva, é preciso examiná-la de diversas perspectivas. Cabe lem­brar que as explicações neurocientíficas para a consciência têm uma perspectiva intrapsíquica. Dentro de um cérebro, um agru­pamento neuronal inicial é ativado por uma experiência. Esse agru­pamento, em seguida, ativa um segundo agrupamento neuronal no mesmo cérebro, que então se reporta ao agrupamento inicial, reativando-o e criando um circuito de reentrada. Tais circuitos podem se estender a outros agrupamentos neuronais que se reativam mutuamente, criando uma rede recursiva. A experiência original, assim, é tratada sob diferentes perspectivas (em termos de circuitaria neural). Esta reiteração multifocada (uma forma de metaatividade) faz surgir uma experiência mais elevada no nível mental — especificamente, a consciência.

Já a consciência intersubjetiva é vista como um evento inter- psíquico que exige duas mentes. Uma experiência é vivida por um indivíduo. Isso é sentido diretamente. Ativa quase a mesma experi­ência em outro indivíduo, via compartilhamento intersubjetivo. Isto é, então, refletido de volta para o primeiro indivíduo pelo olhar e comportamento do segundo indivíduo. Quando eles se encontram mutuamente nesse momento presente compartilhado, um circuito de reentrada é criado entre as duas mentes. Em particular, o olhar mútuo deixa que o circuito de reentrada intersubjetivo reverbere e

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O MOMENTO PRESENTE

permaneça ativado pelos diversos segundos necessários para que o momento presente faça seu trabalho. Essa recursão intersubjetiva envolvendo a perspectiva de duas pessoas dá origem a uma expe­riência “mais elevada” em ambos (exatamente como a reiteração neurológica dá origem a uma experiência mais elevada). Essa expe­riência mais elevada é a consciência intersubjetiva.

Estou sugerindo uma concepção mais social da consciência. Que conceitos e evidências levam a essa direção? Na pesquisa da consci­ência, existe uma antiga questão sobre para qual estrutura cerebral ou para a estrutura cerebral de quem nossa experiência está sendo relatada para torná-la consciente. As primeiras idéias cartesianas sugeriam que um homúnculo existente na nossa cabeça observava os objetos de experiência atravessarem uma espécie de palco men­tal. Muitos trabalhos deixaram bastante claro que tais soluções não se sustentam (por exemplo, Block, 1995; Chalmers, 1996; Damasio, 1994; Dennett, 1998; Nagel, 1998). Ainda assim, a questão sobre a existência ou não de um relator persiste (Cotterill, 2001).

A perspectiva neurobiológica faz a versão moderna da pergunta de Descartes: que estruturas cerebrais “recebem o relatório” para de alguma forma torná-lo consciente sem a intervenção de um homúnculo? Até hoje, não há um local central da consciência no cérebro aceito. E muitos sugeriram que esse local não existe — ao contrário, que a consciência é um atributo coletivo do corpo intei­ro em seu envolvimento mental e motor com o meio ambiente (por exemplo, Cotterill, 2001; Freeman, 1999b; LeDoux, 1996; Sheets- Johnsone, 1999). Um envolvimento com o meio ambiente inclui, sobretudo, interações com a mente das outras pessoas, bem como com a cultura.

Essa linha de raciocínio leva a uma perspectiva mais social, na qual a pergunta “Quem recebe o relatório?” se abre para além da mente ou do cérebro de uma pessoa. E sob essa luz que a teoria do espelho social sugere que a consciência reflexiva tem origem social e depende de um mundo experiencial compartilhado e de uma reflexividade social (por exemplo, Whitehead, 2001). Como assi­

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O PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

nala Whitehead, estas idéias são baseadas numa longa tradição estabelecida por Dilthey (1976), Baldwin (1895), Cooley (1902) e Mead (1934/1988). Num viés semelhante, Vigostski (1934/1962) argumentou que a linguagem é socialmente construída — que sua aquisição somente ocorre em interação com outros falantes da lin­guagem, que a linguagem pública precede a linguagem privada, que o uso da linguagem está inevitavelmente imerso na participação cultural. Bruner, Olver e Greenfield (1966) chegaram à mesma con­clusão sobre a construção do significado. Os significados são co- construídos a partir da interação com mentes e artefatos da cultura circundante. Feldman e Kalmar (1996) defenderam o argumento de que a identidade é socialmente construída. Mesmo memórias autobiográficas que são contadas e recontadas a outros em forma narrativa são socialmente modeladas. Portanto, podemos adicionar a consciência intersubjetiva à lista de fenômenos que parecem ter uma origem social muito significativa.

Estas sugestões abrem um escopo mais amplo de questões para as neurociências. Como explicamos os circuitos recursivos que se estabelecem entre dois cérebros?

Segundo a teoria do espelho social, não pode haver espelhos na mente se não há espelhos na sociedade: tornamo-nos cientes de nossos estados internos quando descobrimos que outros também os têm. Mais ainda, outra pessoa pode perceber um estado existen­te dentro de nós e expressar essa percepção de seu ponto de vista (Whitehead, 2001). A consciência reflexiva não vai ocorrer a me­nos que haja um “outro” presente para testemunhar o fato de viver­mos uma experiência fenomenal — em outras palavras, para desempenhar o papel do homúnculo sentado no teatro da mente. A reentrada ocorre por meio da sua experiência da experiência do outro vivendo uma experiência sua (na qual a experiência do outro é apreendida intersubjetivamente).

O outro tem de ser diferente do se/^-que-está-vivendo-a- experiência. Existem diversos “outros” que podem cumprir esta função. Pode-se comparrilhá-la com outros aspectos do self. Hoje é

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O MOMENTO PRESENTE

amplamente aceito que existem múltiplos (específicos de contex­tos) selves que podem interagir e observar-se mutuamente, e dialo­gar fora da consciência. Isso é algo normal, que não se restringe a estados dissociativos patológicos. Em termos psicanalíticos, o ego observador testemunha o ego experimentador, ou o superego ob­serva e julga o ego experimentador. Existem ainda outros observa­dores dentro da mente, tais como “companheiros evocados” (Stern, 1985) e amigos imaginários. Portanto, aspectos do self (que não estão diretamente vivendo a experiência) podem atuar como o ou­tro, ou um outro virtual pode ser imaginado ou fantasiado como testemunha ou participante. Nestas últimas situações, a consciência reflexiva é, digamos, social-de-segundo-grau.

Mas a situação é muito diferente e muito mais social numa psi­coterapia. O outro é muito real. Está interagindo com você. Juntos, vocês co-criam experiências. Sua experiência fenomenal inclui a sua experiência direta da experiência fenomenal do outro. O setting não é apenas social, é quintessencialmente intersubjetivo. Pesquisas recentes trataram de algumas das questões fundamentais envolvi­das nessa situação (ver Boston CPSG, Report n° 3, 2003; Boston CPSG, Report n° 4, no prelo).

A idéia de um outro real atuando como refletor (espelho) da experiência do self recebe apoio do crescente consenso sobre quan­to é forte o compartilhar experiências diretas com os outros. As evidências comportamentais, desenvolvimentistas e neurocientíficas desse compartilhamento ou combinação são formidáveis, como descrito no capítulo 5.

Retornando brevemente à história do neurônio-espelho, existe outra descoberta interessante. Quando agimos em determinadas circunstâncias, alguns conjuntos dos nossos próprios neurônios-es- pelho disparam. É como se estivéssemos mapeando nossas próprias ações como faríamos com as de outra pessoa. Para quem estamos fazendo isso? Talvez seja para os outros que são membros de nossa própria família de múltiplos selves. Isso permitiria o tráfego inter­subjetivo dentro de nós mesmos e forneceria uma base para a cons­

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o PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

ciência reflexiva, fundada em duas visões de dois selves operando dentro de uma só pessoa.

Agora podemos retornar à concepção desenvolvimentista da cons­ciência. Zelazo (1996,1999) observou que, por volta dos 9 a 12 meses de idade, um conjunto inteiro de novas capacidades aparece. Os bebês começam a usar palavras para designar coisas. Também apontam para mostrar algo para outra pessoa, procuram objetos escondidos, exibem imitações postergadas, buscam atenção conjunta e pedem referências sociais (olham na direção do rosto de um adulto quando uma situação é emocionalmente incerta para ajudá-los a saber o que fazer ou sentir). Seriam todas essas ações não-verbais também reflexivamente consci­entes? (Sua ciência da consciência é menos óbvia.) Zelazo sugere que sim, tratam-se todas da manifestação da nova capacidade mental de recursividade neurofisiologicamente baseada. A recursividade dentro da mente de alguém é, para ele, o salto de desenvolvimento que cria a condição necessária para estar consciente.

Zelazo (1996, 1999) forneceu uma explicação neurofisiológica para a manifestação no desenvolvimento dos vários comportamen­tos, mas até hoje não existem evidências de tal salto de desenvolvi­mento no processamento neurofisiológico nessa idade. Ele parece ter raciocinado de trás para a frente, do comportamento para a neurofisiologia. Existe alguma outra maneira de imaginar como to­dos esses comportamentos surgem ao mesmo tempo que não seja baseada na aquisição de vocabulário ou na mudança no funciona­mento do circuito neural proposta? Agora, eis uma sugestão no ní­vel fenomenal. Por volta dos 9 a 12 meses de idade, os bebês mostram-se capazes de intersubjetividade secundária (Stern, 1985; Trevarthen e Hubley, 1978). Acredito que o salto crucial que faz surgirem esses novos comportamentos nos bebês seja sua capacida­de de intersubjetividade. O que Zelazo chamou de consciência recursiva ou reflexiva começa como consciência intersubjetiva.

Retornando ao nosso interesse principal, a situação clínica, há, em termos práticos, três tipos de consciência em jogo (suas frontei­ras nem sempre são nítidas na vida real).

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1. Consciência fenomenal. Diz respeito a experiências que são per­cebidas apenas enquanto estão acontecendo. Não penetram na memória de longo prazo, apenas na de curto prazo (memória operacional). Depois disso, desaparecem. Muito do que acon­tece no processo de terapia segundo a segundo se insere nesta categoria.

2. Consciência introspectiva. Diz respeito a experiências fenome­nalmente conscientes que são refletidas (como anteriormente descrito) e se ligam a um rótulo simbólico ou imagético para que possam ser verbalmente acessadas pela introspecção. A maior parte da agenda de conteúdo das terapias através da con­versa opera com essa forma de consciência. Em terapia, pode- se, para fins práticos, chamar a consciência introspectiva de “consciência verbal”, ainda que os símbolos de acesso não se­jam exclusivamente lingüísticos. (A operação de repressão ou outras defesas contra este tipo de consciência não requer mo­dificações no conceito básico.)

3. Consciência intersubjetiva. Diz respeito aos fenômenos que acontecem apenas em interações relativamente intensas, tais como aquelas que prevalecem na terapia e em momentos pre­sentes especiais. Aqui, uma experiência é co-criada e existe uma correspondência ou pelo menos uma grande superposição da consciência fenomenal de cada parceiro, mas a partir de um centro de orientação diferente. Além do fato de cada membro ter uma experiência fenomenal semelhante, existe uma consci­ência perceptiva direta da experiência do outro e uma cons­ciência perceptiva da concordância com a sua própria. Para que isso dê certo, a autoconsciência também deve estar operando, para que não haja confusão acerca de a quem pertence qual experiência fenomenal. As duas experiências estão entremeadas, mas ao mesmo tempo separadas. São necessárias duas. Como é um processo mútuo, a experiência compartilhada se torna “pú­blica”. Uma forma de reflexividade social resulta em consciên­cia intersubjetiva.

O PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

Também pode existir uma forma negativa de consciência intersubjetiva, na qual houve falha na co-criação de uma expe­riência esperada ou na correspondência ou ajuste. Nessa situação, a desejada e esperada co-criação ou correspondência é sentida como uma ausência. O reflexo social ausente é apenas imaginado, mas isso é suficiente para torná-lo intersub- jetivamente consciente e fechá-lo na memória.

Em resumo, a consciência fenomenal é perceptualmente basea­da. A consciência introspectiva é verbalmente baseada. E a consciên­cia intersubjetiva é socialmente baseada.

Estou sugerindo que, no decorrer do processo momento a momento da terapia, as experiências são co-criadas durante um mo­mento presente intersubjetivo. Quando isso acontece, as condições para a reflexividade social são satisfeitas e a experiência se torna intersubjetivamente consciente. É essencial que o encontro in­tersubjetivo ocorra no aqui e agora (isto é, num momento presente) para que as duas tomadas da experiência (a do self e a refletida pelo outro) aconteçam simultaneamente e juntas se tornem parte da mesma estrutura. Esta inclui o desdobramento temporal da história vivida, que é experimentada por ambos os parceiros. Eles fizeram algo e passaram por algo juntos. Esse compartilhamento é o con­teúdo do momento presente, que é intersubjetivamente consciente. Ele pode, então, penetrar na memória de longo prazo, tornar-se parte das redes associativas e talvez tornar-se suficientemente verbalizado para fins terapêuticos — com muito trabalho. A cons­ciência intersubjetiva que se liga a momentos presentes é bem ade­quada para lidar com o rico saber implícito que se acumula na psicoterapia e trabalha para mudar as pessoas.

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VISÕES DO PONTO DE VISTA CLÍNICO

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Capítulo 9

O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

NÃO ESTOU PROPONDO uma revisão da teoria psicoterapêutica nem uma nova e diferente técnica abrangente. Sugiro, sim, que olhemos a psicoterapia de um modo distinto, através das lentes de aumento do momento presente e de uma perspectiva fenomenológica. Essa visão modificada levará a mudanças na maneira como pensamos nosso trabalho e o que fazemos de momento em momento. Qual dessas alterações será a mais importante e duradoura ainda não está daro. Para indicar algumas das implicações deste material para a clínica, é necessária uma breve análise da natureza do momento presente e de seu relacionamento com o saber implícito, a intersubje­tividade e a consciência.

Uma das idéias de maior alcance é a proposta para que vejamos as relações humanas íntimas e a psicoterapia num micronível feito de momentos que ocupam um agora subjetivo — o que chamamos de momentos presentes. A única novidade sobre essas unidades é que as tratamos como o ponto de partida de nossa investigação. Em termos fenomenológicos, consideramos os momentos presentes como os menores aglomerados de experiência psicológica que têm

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O MOMENTO PRESENTE

sentido clínico e como as unidades básicas para examinar o proces­so terapêutico. O momento presente é visto como o material vivido do qual verbalizações, interpretações, representações, generaliza­ções e metapsicologia são abstrações derivadas. Alguém bem que poderia perguntar: “Por que, então, uma unidade que consiste no agora subjetivo não desempenhou um papel mais central em nossas psicologias?” E exatamente isso que estou tentando conseguir.

Em geral o momento presente, tanto como unidade subjetiva quanto como unidade de microprocesso, tem sido negligenciado. Apesar dos supramencionados trabalhos de James, Fraisse, Koffka, William Stern, Merleau-Ponty, Varela e outros, o assunto não en­trou no mainstream das preocupações psicológicas acadêmicas. A psicologia não-clínica autodefiniu-se como uma ciência objetiva e, até muito recentemente, afastou-se do subjetivo e do fenome- nológico. Essa relativa negligência tem razões históricas. As tentati­vas de tornar objetiva a experiência subjetiva tiveram até hoje um sucesso limitado. A psicologia introspeccionista, na primeira parte do século XX, nunca cumpriu sua promessa. A concepção de que a introspecção era, na melhor das hipóteses, uma retrospecção pri­mitiva parece ter condenado a objetividade. Além disso, os relatos fenomenológicos de experiência são limitados a estudos de caso único aos quais a replicação impõe grandes problemas.

Perto do fim do século X X , ocorreu uma mudança. Alguns pen­sadores (por exemplo, Marbach, 1988 ,1993 ,1999 ; Naudin, Gros- Azorin, Mishara et al., 1999; Varela e Shear, 1999; Zahavi, 2001) sugeriram como uma abordagem fenomenológica poderia ser útil para a psicologia objetiva. Com o advento de novas técnicas de imagem do cérebro, relatos auto-reflexivos ganharam importân­cia renovada (por exemplo, Cabeza, 1999; Gardiner, 2000). Na verdade, importantes eles sempre foram, apenas passaram sem ser examinados. Por exemplo, Silbersweig e Stern (1998) determina­ram que a atividade elétrica no córtex auditivo de um paciente paranóico durante uma alucinação auditiva era similar àquela ob­servada quando o paciente estava escutando alguém falar com

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O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

ele de fato. Mas o paciente tinha de contar aos experimentadores que estava ouvindo vozes e quando. A experiência subjetiva está no início e no fim de grande parte da ciência objetiva. É o inicia- dor do aceito-como-verdadeiro e árbitro final do que aconteceu. Sua “realidade” não é questionada nem examinada. Sabemos dis­so muito bem.

Embora aceitas, as descobertas da psicologia da Gestalt, que se apóiam muito na experiência subjetiva, não tiveram um papel tão importante quanto poderiam ter.

Numa vertente semelhante, a psicologia contemporânea conse­guiu viver com chronos como seu conceito de tempo e usá-lo pro­dutivamente. Por exemplo, se alguém está interessado nas noções de antes e depois, na estimativa de intervalos de tempo, nos limites temporais de perceber simultaneidade ou continuidade, na maioria dos estudos sobre a memória ou mesmo em como as narrativas ou o mundo real são construídos na mente, não é necessário um mo­mento presente tão denso quanto um ponto, nem unidades de tem­po subjetivas e tampouco momentos presentes que se desdobram com contornos de tempo característicos.

Em resumo, até recentemente, a psicologia acadêmica tradicio­nal não sentiu a necessidade urgente de prestar atenção à natureza e à estrutura de experiências subjetivas como o momento presente. A nova aliança da psicologia com as neurociências mudou isso, e um diálogo mais frutífero está ocorrendo agora.

Houve também uma negligência geral do momento presente por parte da psicanálise e das psicoterapias psicodinâmicas. De uma perspectiva psicodinâmica, o significado e a coerência narrativa de uma história de vida são as preocupações principais. Em termos mais amplos, a psicanálise está interessada no relacionamento entre partes da experiência atual, das experiências passadas e de estrutu­ras pré-formadas que, juntas, compõem padrões significativos. A sincronia entre essas partes (uma perspectiva de chronos) é impor­tante para a psicanálise, mas não a sincronia dentro das partes indi­viduais, especialmente o presente. (A noção de tempo psíquico

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fragmentado de Green [2000] é apenas uma exceção parcial.) No entanto, é o mundo microdiacrônico do presente que é nosso foco principal.

Na seguinte exploração do momento presente na terapia, estou evidentemente falando do momento presente como recordado ver­balmente, no qual a narração acontece após (mesmo que apenas instantes após) a experiência vivida. Ela foi remodelada pela lin­guagem. O que, então, torna esse exame do momento presente dife­rente do processo psicanalítico normal de exploração da experiência subjetiva? Existem duas diferenças.

A primeira reside no pressuposto de que o momento presente (mesmo quando contado) revela um “mundo num grão de areia* que vale a pena examinar clinicamente em si e por si mesmo. Por outro lado, o pressuposto mais tradicional é o de que o momento presente, quando contado, serve principalmente como a matéria- prima da qual um fio associativo pode ser escolhido para criar uma rede associativa. É, então, a rede associativa que contém “o mundo num grão de areia” — os significados buscados. A real experiênda- como-vivida não tem de ser examinada à exaustão para permitir a operação de associação livre e depois a interpretação. Muitas ve­zes, quando o paciente (bem treinado psicodinamicamente) come­ça a contar sobre um momento presente, assim que chega a uma sensação, sentimento, imagem ou palavra que leve a um caminho associativo, ele tende a tomar tal caminho. Isso significa que a ex­ploração da experiência-como-vivida é interrompida pelo trabalh associativo que o leva para longe do momento presente original O paciente pode ou não voltar a ele e retomá-lo de onde o deixo" Normalmente ele não o faz, preferindo saltar adiante para outro elemento da experiência ou para outra experiência que pareça pr missora para uma viagem secundária associativa relacionada que possa ampliar o significado.

Tecnicamente, estas não são viagens secundárias. São a essênc do trabalho psicanalítico, porque é a rede associativa que revela gí

O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

significados, e não uma descrição detalhada da experiência-como- vivida subjetiva num momento presente qualquer.

Meu argumento é o de que, quanto mais tempo o terapeuta puder permanecer no momento presente e explorá-lo, mais cami­nhos diferentes se abrirão para ele seguir. Sugiro que existe um gran­de valor clínico num interesse mais demorado no momento presente. Não é o mesmo que dizer que as redes associativas precisam ser substituídas por um foco no momento presente, ou que os dois estão teoricamente em competição. Eles são diferentes e comple- mentares. Qual deve ser seguido em que momento é uma decisão técnica. Muitos terapeutas dizem que se utilizam das explorações do momento presente. Mas como podem usá-lo bem quando têm um senso mínimo da natureza e da estrutura do momento presente e não conseguem entender o que faz dele um pacote de experiência em si psicodinamicamente fascinante? Quando a terapia é vista

ioroanaliticamente, tendo como foco o momento presente e as lüências de momentos presentes, começa-se a vê-lo desdobrar-se

de uma forma um pouco diferente do que de costume. A compre­ensão do processo se aproxima mais do primeiro plano, e a busca

; do significado se desloca mais para o segundo plano. O resultado é uma grande valorização da experiência e um avanço menos apres­sado para a interpretação.

Sob condições especiais e periódicas, a psicanálise tem um con­fronto total, prolongado e direto com momentos presentes que estão sendo verbalizados quase no instante em que estão aconte­cendo: durante o surgimento do material de transferência/contra-

isferência no palco mental no instante em que ela ocorre no aqui e agora. Este aspecto da psicanálise se destaca como bastante diferente da investigação psicodinâmica em geral. O enactment da transferência e contratransferência requer uma abordagem que é muito mais fenomenológica. Existe uma tradição de quase um século por trás disso. Ele é solidamente abordado no trabalho de alguns psicanalistas (por exemplo, Ehrenberg, 1992; Knoblauch,

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2000). É por esta razão que o Boston CPSG trabalhou tão inten­samente para compreender os encontros intersubjetivos no mo­mento presente.

Na maior parte da prática clínica, porém, o foco no relaciona­mento de transferência no momento presente é mantido apenas por tempo suficiente para ser interpretável na hora certa. Teorica­mente, após a interpretação, a parte da transferência explicada em termos do passado se afasta. O terapeuta, então, deixa o presente fenomenológico do relacionamento para retornar ao passado, aos aspectos históricos e narrativos mais tranqüilos da psicodinâmica. O relacionamento como ele ocorre no aqui e agora é abandonado e o tratamento prossegue em outro plano.

Em resumo, na maioria dos tratamentos psicodinâmicos, existe uma pressa rumo ao significado, deixando para trás o momento presente. Esquecemos que há uma diferença entre significado, no sentido de compreender o suficiente para explicar, e experimentar algo com profundidade cada vez maior. Retornarei mais tarde a esta distinção vital.

A segunda diferença entre minha busca do momento presente e o processo psicanalítico usual de exploração da experiência subjeti­va concerne à questão da revisão pós-fato (o après-coup ou só- depois) — em outras palavras, ao relacionamento problemático entre uma experiência vivida (um momento presente) e sua (re)construção lingüística posterior. Isso sempre foi uma grande preocupação para a psicanálise, que, normalmente, se interessa mais pela (re)construção do que pelo acontecimento (se conhecível). Afinal, é a (re)cons- trução que revisa o acontecimento e o transforma numa realidade psíquica psicodinamicamente pertinente. Num certo sentido, a psi­canálise está tão focada no aspecto verbalmente reconstruído da experiência que o fenomenal se perde. Tudo no tratamento é pós- fato. É como se as funções intelectual e lingüística sempre operas­sem no que pode acontecer ou no que aconteceu, mas nunca no que está acontecendo (Merleau-Ponty, 1945/1962).

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Vale a pena desvendar o conceito de revisão-pós-fato para que possamos ver melhor o momento presente, que de outro modo pa­rece desaparecer após ser revisado. Creio que a revisão se enquadra em quatro categorias ou níveis. A primeira é uma “revisão por eta­pas”, que se dá enquanto o momento presente ainda está se desdo­brando. Cada instante subseqüente do momento presente que passa revisa o passado-do-momento-presente imediato. (Lembre-se do presente de três partes de Husserl.) Este é um processo constante, que termina quando a gestalt do momento presente é apreendida. Em outras palavras, o après-coup opera no presente prolongado, no presente, e não apenas depois. A linguagem não é necessária a essa contínua revisão por etapas. Isso faz da revisão um processo mais geral. Todas as experiências estão sendo constante e sucessiva­mente revisadas instante a instante. Não se trata de uma ocorrência incomum ou periódica, é como a mente funciona.

O segundo tipo de revisão-pós-fato é aquela produzida pela transposição da experiência para a linguagem — a revisão através da verbalização.

O terceiro tipo é o que foi originalmente concebido pelo só- depois — especificamente, no qual uma experiência posterior modi­fica significativamente o passado ao compreender um acontecimento anterior. E uma espécie de reavaliação que poderia se chamada uma revisão “conceituai”.

O quarto tipo de revisão é aquele que ocorre durante a entre­vista microanalítica. (Ver o Apêndice para mais detalhes.) Em resu­mo, não se trata de uma simples e única descrição lingüística de um momento presente, mas de uma detalhada composição e integração de camadas para se chegar à experiência do momento presente. Tem como objetivo a verossimilhança da vida — e não o significa­do. Grande parte das informações para os capítulos que se seguem foi reunida usando aspectos, modificações ou abreviações deste úl­timo tipo de revisão. Muitos terapeutas acreditam fazer algo bas­tante semelhante em determinados pontos de seu tratamento ou ao longo do tempo. Questiono veementemente esta afirmação.

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Este último tipo de revisão não é uma questão psicoterapêutica comum. Os pressupostos básicos que a guiam são diferentes, o co­nhecimento a respeito da natureza de um momento presente é dife­rente, o método é diferente, o objetivo é diferente e as descrições resultantes são diferentes.

Em suma, a psicanálise trata os acontecimentos conforme estes se desdobram no momento presente como eventos deslocados no tempo e na pessoa (transferência), como mais uma representação de padrões passados, como trampolins para associações livres ou como apenas acontecimentos superficiais, como o conteúdo mani­festo dos sonhos. Muito se perde.

Algumas psicoterapias dão especial atenção ao “aqui e agora”, especialmente as escolas de psicoterapia existencial, relacionai e gestalt-terapia, bem como as terapias de movimento, dançaterapia, musicoterapia e terapias expressivas. Elas tentam manter o foco, o máximo possível, no que está se desenrolando no momento pre­sente do relacionamento. Essa interação centrada no presente é vista como o contexto principal para a emergência do material a ser trabalhado. Tradicionalmente, as terapias sistêmicas também têm voltado bastante atenção para o presente. Muitas das mano­bras terapêuticas tradicionais tentam alterar o contexto prevalente, físico ou psicológico, para que os pacientes se encontrem num presente modificado. Nesse contexto alterado, novos comporta­mentos, pensamentos e sentimentos emergem e são usados terapeuticamente.

Mas, embora o presente tenha sido usado clinicamente, não houve tentativas sistemáticas de explorar e descrever a feno- menologia da experiência no momento presente. Da mesma forma, em muitas psicoterapias corporais e terapias de movimento, embo­ra a ação presente esteja se desdobrando em contornos temporal­mente dinâmicos, poucas vezes tentou-se conceitualizar esse aspecto microdiacrônico. Muitas dessas “terapias que extrapolam a conver­sa” usam suas técnicas poderosas para evocar um material que é

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então representado verbalmente e usado psicodinamicamente. Em outras palavras, o que as torna diferentes das terapias “através da conversa” é, sobretudo, o método utilizado para evocar esse mate­rial e sua fonte. Como esse material é finalmente usado não difere muito das terapias através da conversa. Embora dispensem muita atenção à estrutura microtemporal do processo na prática, essas terapias dão menos importância a sua descrição detalhada e conceitualização.

A natureza e o amplo escopo do saber implícito trazem diversas implicações para a clínica. Um dos conceitos mais inclusivos usados no tratamento psicanalítico tradicional é o da resistência. Uma de­finição simples e abrangente de resistência é feita por Laplanche e Pontalis: “O nome ‘resistência’ é dado a tudo que nas palavras e nos atos do analisando obstrui seu acesso ao inconsciente” (1967/ 1988, p. 394). Inconsciente, aqui, refere-se ao inconsciente dinâmi­co reprimido. No pensamento de Freud, repressão e resistência eram essencialmente a mesma coisa, no sentido de que ambas impediam o inconsciente dinâmico de ganhar a consciência. Segundo Laplanche e Pontalis, Freud acabou por ver a resistência como um conceito mais amplo, como demonstra sua descrição dos cinco diferentes tipos de resistência: recalque, resistência de transferência, resistên­cia do benefício secundário da doença (estas são defesas do ego), resistência do superego, proveniente da culpa inconsciente e da ne­cessidade de punição, e resistência do id, na forma da compulsão à repetição.

O problema com que agora deparamos é que o saber implícito não é dinamicamente inconsciente e não é, portanto, impedido de chegar à consciência por resistências (recalque). Ele é não conscien­te por outras razões que mencionei. O conceito de resistência não se aplica ao saber implícito. Esta limitação adquire importância ainda maior quando consideramos o enorme escopo do saber implícito, tanto na vida cotidiana quanto na psicoterapia. Memórias e repre­

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sentações reguladoras implícitas desempenham um papel constante na modelagem da transferência e do relacionamento terapêutico, em geral, bem como na constituição de boa parte de nosso passado vivido e presente sintomático.

Aparentemente, a maior parte do material descritivamente inconsciente prescinde do conceito de resistência, que deve ago­ra ficar confinado apenas a situações que envolvem um material inconsciente dinâmico recalcado. Os enactments, que estão re­cebendo a atenção de que tanto necessitam, caem numa zona cinzenta entre o dinamicamente inconsciente e implicitamente não-consciente.

Poderia a tipologia inicial de Freud das resistências ser útil para a compreensão das dificuldades de se passar do implícito para o explícito? Vem à tona a questão da violação de alguma espécie de completude e pureza. Vale recordar a citação de Alessandro Baricco no capítulo 7, que descreveu o estado puro de uma idéia não ver­balizada como uma “bela bagunça”, um saber implícito. Isso é co­mentado na descrição de Stern (1985) da criança que está adquirindo a linguagem, cujo mundo confortável, rico, implícito e pré-verbal é fraturado em pedaços irreconhecíveis quando a linguagem se ane­xa às suas experiências implícitas. Em Diário de um bebê (Stern, 1990, p. 122), uma criança de 9 meses, fictícia, brinca na parte iluminada pela luz do sol de um assoalho de madeira. Isso cria para ela um mundo rico, sentido através de sensações multimodais. Ele tenta lamber o raio de sol no chão. A mãe o impede abruptamente e diz: “É só um raio de sol, querido. É só para olhar. É apenas luz no chão. Você não pode comer o raio de sol. E sujo.”

Se a criança fictícia tivesse compreendido as palavras da mãe, teria pensado algo como: “Cada uma das palavras dela é um golpe abafado que parte meu espaço em pedaços. ‘Só um raio de sol’ — mas era a minha poça, uma poça especial! ‘E só para olhar’ — eu ouvi. Eu senti, também! ‘Apenas luz no chão’ — Como? ‘E sujo’ — Eu estava dentro dela.”

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Quando a mãe pára de falar, os pedaços do mundo do bebê jazem espalhados por toda parte. Aquele mundo original se foi.

Algo se ganha e algo se perde quando a experiência é posta em palavras. A perda é de completude, verdade sentida, riqueza e sin­ceridade. Existe algum tipo de resistência operando para reagir a essa perda — uma resistência que mantenha algumas experiências protegidas em seu estado ricamente complexo, não-verbal, não- reflexivamente consciente? Talvez seja uma resistência estética e moral fiel a si mesma, uma resistência existencial contra o empo­brecimento da experiência vivida. Em todo caso, com o reconhe­cimento da natureza e do alcance do saber implícito, o escopo e a aplicabilidade do conceito de resistência foram significativamente reduzidos.

Outra implicação crucial de uma melhor compreensão do do­mínio do saber implícito concerne à mudança psicoterapêutica. Nós do Boston Group (BCPSG) e muitos outros nos demos conta de que, para efetuar a mudança terapêutica, nem sempre é necessário interpretar no domínio explícito. Ela pode vir através de alterações no saber implícito.

Uma implicação diferente para a teoria clínica diz respeito ao lugar da ação versus linguagem. Quanto mais proeminente o saber implí­cito se torna, mais importância o não-verbal adquire. Todos os momentos presentes envolvendo contato intersubjetivo implicam ações, seja um olhar mútuo, uma mudança de posição, um gesto, uma expressão facial, uma alteração na respiração ou no tom ou força da voz. Esquecemos que todos os contornos paralingüísticos dos sons da fala são atos motores sentidos por um ouvinte que está participando da experiência proprioceptiva vocal do falante. Knoblauch (2000) descreveu isso de uma bela maneira na situação clínica. Cabe lembrar que todas as vinhetas clínicas usadas como exemplos de momentos presentes no capítulo 1 contêm uma ação básica — por exemplo, o cumprimento com ambas as mãos e o olhar mútuo que o acompanhou.

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Estaria eu dando prioridade à ação (ou ação conjunta) em rela­ção ao pensamento? Sim e não. Tal pergunta não faz sentido da pers­pectiva contemporânea de uma mente incorporada e de uma capacidade para a participação centrada no outro. A recente mudan­ça de paradigma nas ciências cognitivas propõe uma mente que não é uma entidade desincorporada independente. Na verdade, o próprio pensar requer e depende de sentimentos que emanam do corpo, bem como de movimentos e ações (ver Clark, 1997; Damasio, 1999; Sheets-Johnstone, 1999; Varela, Thompson e Rosch, 1993). Momen­tos presentes envolvendo encontros intersubjetivos baseiam-se em pessoas com mentes incorporadas que agem e reagem tanto física quanto mentalmente.

Antes dessa mudança conceituai, quando corpo e mente ainda se achavam separados, era pertinente perguntar: “Estamos dando prioridade à ação em relação ao pensamento?” As respostas deter­minaram a teoria e a prática. Por exemplo, Freud foi cartesiano ao separar o mental do físico. Ele concebeu o pensamento como um derivado da (secundário à) ação inibida. A ação era primária para ele. Muitas vezes nos esquecemos disso. Seu exemplo clássico era um bebê faminto que não conseguia dar início à “ação específica” da pulsão (sugar para satisfazer o desejo) porque a mãe não estava presente. Conseqüentemente, a energia psíquica em geral dire­cionada para as funções motoras e sensoriais da boca foi redirecionada e canalizada para a parte perceptual da mente para criar uma alucinação de sugar-beber. A ação inibida se transforma num produto derivado, os fenômenos mentais.

De forma semelhante, a técnica do divã e a proibição do acting- in ou do acting-out eram para empurrar a energia psíquica para a expressão via pensamento, onde ela poderia ser seguida com a as­sociação livre e a “cura pela fala”. As proibições técnicas e teóricas da ação, especialmente do acting-in, também foram originalmente utilizadas pela psicanálise para conter e redirecionar enactments de transferência e contratransferência potencialmente disruptivos para

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o mental. Como, então, devemos justificar o fato de que agora ve­mos a terapia, até a psicanálise, como extremamente baseada na ação no domínio implícito, mesmo quando estamos apenas falando e escutando?

O problema real não é a ação em si, mas certos tipos de ações que permitem possíveis interpretações (equivocadas). A expres­são de amor de um paciente por seu terapeuta que é carregada no tom de voz, no olhar e na maneira de se movimentar, e não ence­nada de forma clara e inegável, é permitida (Stern, 1992). Por quê? Porque as ações são negáveis? Inconscientes? Não-conscien- tes? Ações pouco reais? Tecnicamente capazes de serem manipu­ladas e utilizadas? Dessa forma, a linha divisória entre ações permissíveis e não-permissíveis se torna técnica ou moral e legal em vez de teórica.

Estas considerações levantam questões antigas sobre a divisão entre as terapias mais psicanalíticas e aquelas de corpo, ação, movi­mento e expressão. Dada a tradicional posição da psicanálise, com sua concentração no verbal, era inevitável que terapias privilegian­do o físico surgissem. Nesse ponto no tempo, ninguém pode reivin­dicar um caminho real para o inconsciente. O sonho, a associação livre, o momento presente, sensações ou expressões corporais e ações são todos, senão reais, ainda bons caminhos para a mente, incluin­do o inconsciente e o implícito.

Outra importante implicação diz respeito à visão da inter­subjetividade como um sistema motivacional importante, como descrito no capítulo 6. Quantos sistemas motivacionais importan­tes e menores existem, afinal? Esta questão ultrapassa o escopo des­te livro, portanto a abordaremos apenas de passagem (ver Dornes, 2002; Lichtenberg, 1989).

Num extremo, a psicanálise propôs somentes dois sistemas im­portantes prioritários: os instintos de vida e os de morte. Estes ten­diam a absorver todos os outros sistemas motivacionais importantes, desse modo borrando suas fronteiras e impedindo-os de ser de­

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vidamente considerados. O caso da teoria do apego é instrutivo. Por muitas décadas a psicanálise ou rejeitou a teoria do apego ou a assimilou, fazendo-a desaparecer, apesar do fato de que esse siste­ma motivacional importante originou-se, em parte, de uma pers­pectiva psicanalítica. Só mais recentemente é que a teoria do apego está assumindo um lugar confortável no pensamento psicodinâmico vigente. Vejo a intersubjetividade ocupando uma posição semelhante à que o apego mantinha anteriormente.

No outro extremo, muitos sistemas motivacionais desempenham papéis diferentes na sobreviência da espécie e do indivíduo. Mas sem uma hierarquia clinicamente útil, os terapeutas estariam extremamente limitados. Atualmente, parece que fomos pegos en­tre estes dois extremos. A quantidade e a ordenação dos sistemas motivacionais que são clínica e teoricamente satisfatórias são um trabalho em curso.

Talvez as duas conseqüências clínicas que mais se destacam por ser a intersubjetividade um sistema motivacional importante sejam: (1) que ela afirma a idéia de que o relacionamento terapêutico é essencialmente um fenômeno de duas pessoas e co-criado (o intrapsíquico tornou-se subordinado ao intersubjetivo), significan­do que a terapia é uma jornada co-criada; e (2) que é clinicamente benéfico ver o desejo de ser conhecido e realizar o contato inter­subjetivo como um motivo importante para levar em frente a psicoterapia. Também nos permite olhar o processo terapêutico como uma tentativa de regular o campo intersubjetivo, o que nos fornece uma perspectiva de organização. Nos capítulos seguintes isso vai se tornar evidente.

Finalmente, que implicações fluem por se desviar a investigação do inconsciente e apontá-la para a consciência? Talvez o verdadeiro mistério seja a consciência, e não o inconsciente. Lembre-se de que o momento presente, ainda que formado intuitiva e implicitamen­te, atinge a consciência. A psicologia acadêmica começou com a consciência como o problema e ignorou o inconsciente dinâmico.

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O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

A psicanálise começou com o inconsciente e descartou a consciên­cia como auto-evidente. Entretanto, o inconsciente psicanalítico, em sua máxima simplicidade, é a consciência mascarada pela re­pressão. Portanto, a questão mais crucial é: o que é a consciência e como algo se torna consciente? Como mascarar esse fenômeno misterioso é uma questão importante, porém secundária. A virada para a consciência está ligada à virada para o momento presente. Ambos se originam da mesma tendência.

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Capítulo 10

O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

SEGUIR a d ia n t e É O TERMO que o Boston CPSG usa para o diálogo cotidiano que leva à frente uma sessão de terapia, ao menos no tempo. É o que terapeuta e paciente fazem juntos. E o que torna o seguir adiante especial é a escala na qual observamos o diálogo. E o processo terapêutico visto através de uma lente microanalítica, na qual as unidades têm duração de alguns segundos. Como vimos, a vida entre as pessoas é vivida diretamente numa escala relativamen­te pequena: uma frase, uma pausa, uma expressão facial, um gesto, um sentimento, um pensamento. Evidentemente, tudo isso pode ser amarrado e reunido em unidades abrangentes. Chamaremos esta escala pequena de nível local. E nele que os momentos presentes emergem (Boston CPSG, Report n° 3 ,2 0 0 3 ; Boston CPSG, Report n° 4, no prelo; Stern et al., 1998; Tronick, Bruschweiler-Stern, Harrison, 1998).*

Quando uma sessão de terapia completa é analisada após seu término, é fácil reconstruir sua trajetória, ver seus principais temas

*Muitas das idéias centrais deste capitulo e dos dois subseqüentes são oriundas do trabalho do Boston Change Process Study Group (Boston CPSG). A colaboração do grupo apareceu em diversas publicações citadas no texto. Assumo a responsabilidade pelas várias mudan­ças feitas em nossas formulações coletivas.

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e estimar onde ela se encaixa no seu curso geral. Entretanto, quan­do a sessão é vista de dentro, enquanto ainda está acontecendo, seu caminho fica menos claro, simples e direcional. O seguir adiante captura o processo muitas vezes sem direção e perambulante de procurar e encontrar um caminho a seguir, de perdê-lo e depois reencontrá-lo (ou achar um novo), e de escolher objetivos a atingir— objetivos que são com freqüência descobertos apenas à medida que se avança. Esta é a visão do processo no nível local à medida que ele se desdobra.

O que é único nesta abordagem é a perspectiva do processo: de dentro da terapia no nível local. (O trabalho de Labov e Fanshel [1977] é um estudo pioneiro que aponta nessa direção.)

Vou explorar o seguir adiante no nível local na forma de diver­sas perguntas: Quais são os elementos que o compõem? O que leva o seguir adiante à frente e regula o seu fluxo? Qual é a natureza do processo do seguir adiante? E para onde vai o seguir adiante?

QUE ELEMENTOS COMPÕEM O SEGUIR ADIANTE?

Dois elementos formam o seguir adiante: momentos presentes dos quais simplesmente se está ciente e momentos presentes que pene­tram a consciência. Os últimos são as unidades que aglomeram pa­lavras, gestos, silêncios etc. em agrupamentos significativos. Eles envolvem o fluxo do comportamento. Chamarei os momentos pre­sentes que só estão na consciência perceptiva de movimentos re­lacionais. A pessoa está ciente de um movimento relacionai enquanto este está sendo executado. Mas ele não penetra a memória de longo prazo nem aparece mais tarde em relatos narrativos como um acon­tecimento autobiográfico recordado. E provável que tenha a mes­ma arquitetura temporal e estrutura de história vivida que um momento presente consciente.

Metodologicamente, o momento presente consciente pode ser descrito como um fenômeno de primeira pessoa aberto à in-

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O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

trospecção e à co-(re)construção. O movimento relacionai, por ou­tro lado, como não penetra a consciência, só pode ser descrito obje­tivamente, como um fenômeno de terceira pessoa, ainda que seja uma experiência de primeira pessoa enquanto está acontecendo. Os aspectos mentais do movimento relacionai precisam ser inferidos.

Os momentos presentes conscientes podem ser divididos em três grupos. Primeiro, há o momento presente normal, descrito em detalhe em capítulos anteriores. Segundo, há o momento agora. É um momento presente que espoca de súbito, altamente carregado de conseqüências imediatamente iminentes. E um momento de kairos, repleto de presentidade e de necessidade de agir. Terceiro, há o momento de encontro. E um momento presente no qual as duas partes têm um encontro intersubjetivo. Nele, os dois se dão conta do que cada um está experimentando. Eles compartilham uma paisagem mental suficientemente similar para que um senso de “adaptabilidade específica” seja atingido (Sander, 1995a, 1995b, 2002), Em geral, momentos de encontro vêm imediatamente em seguida a momentos agora, que os montam, e resolvem, então, a necessidade de solução criada no momento agora.

O QUE LEVA O SEGUIR ADIANTE À FRENTE E REGULA O SEU FLUXO?

Em grande parte, o que impulsiona o seguir adiante é a necessidade de estabelecer um contato intersubjetivo. É por este motivo que consideramos o motivo intersubjetivo geral como particularmente relevante para a situação clínica. Existem três motivos intersubjetivos principais que impelem o processo clínico. O primeiro é sondar o outro e verificar onde nos encontramos no campo intersubjetivo. Foi isso que chamei de orientação intersubjetiva. Ela envolve o exa­me momento a momento, sobretudo fora da consciência, de onde está o relacionamento entre paciente e terapeuta e para onde este se dirige. Esta é uma precondição do trabalho em conjunto.

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O MOMENTO PRESENTE

O segundo motivo intersubjetivo é compartilhar a experiência, ser conhecido. Implica o desejo de aumentar constantemente o cam­po intersubjetivo — em outras palavras, o território mental manti­do em comum. Toda vez que o campo intersubjetivo é aumentado, o relacionamento é implicitamente alterado. Isso significa que o paciente está experimentando um novo modo-de-estar-com o terapeuta e, tomara, com os outros. A mudança é implícita. Não é preciso que ela se torne explícita e que se fale dela. Ela se torna parte do saber relacionai implícito do paciente. Outra conseqüên­cia é que sempre que o campo intersubjetivo é ampliado, abrem-se novos caminhos para a exploração explícita. Um pouco mais do mundo do paciente se torna consciente e verbalmente compreensível.

O terceiro motivo intersubjetivo é definir e redefinir nosso self usando o self refletido nos olhos do outro. Nossa identidade é re­modelada ou consolidada nesse processo.

Estes objetivos são atingidos no nível local pelas seqüências de movimentos relacionais e momentos presentes que formam a sessão.

O exemplo a seguir ilustra um diálogo de movimentos relacionais e momentos presentes que ajustam o campo intersubjetivo. Ele pro­vém da experiência clínica de um membro do Boston CPSG. Com­parado a muitos casos clínicos, este é bastante banal, e não contém acontecimentos dramáticos. Isso vale para a maioria dos exemplos clínicos que utilizo. Lembre-se de que estamos investigando o pro­cesso e não o conteúdo. Teoricamente, poderíamos aterrissar numa sessão quase em qualquer lugar para vislumbrar algumas das carac­terísticas de seu processo.

Movimento relacionai 1 (abertura da sessão)

Paciente: N ão me sinto inteiramente aqui hoje. (A intenção intersubjetiva é anunciar o estado imediato da posição dela no relacionamento. Isso estabelece uma certa distância e relutância em fazer o trabalho intersubjetivo, ao menos por enquanto. Ela

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O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

está dizendo que ainda não está disponível ou não deseja esse tra­balho em conjunto.)

Movimento relacionai 2

Terapeuta: Ah. (Dito com um aumento no tom da voz no fim. Isso serve como um reconhecimento da declaração da paciente. Não está claro se é uma aceitação total do estado intersubjetivo que a paciente externou, um discreto questionamento dele, ou ambos. De qualquer modo, é preciso um pequeno passo à frente em dire­ção ao trabalho em conjunto — pequeno, porém significativo, com­parado a um silêncio ou mesmo a um “humm” [com uma queda final no tom da voz]. O “ah” é mais aberto e questionador do que o “humm”. Ele implica um acontecimento futuro.)

Movimento relacionai 3

Ambos: [Um silêncio de seis segundos se segue.] (A paciente sinaliza sua hesitação em se apressar para mudar o statu quo intersubjetivo imediato. Ao deixar o silêncio evoluir, o terapeuta expressa uma intenção implícita de não modificar as coisas por enquanto. É tam­bém um convite implícito e talvez uma pressão suave para que a paciente quebre o silêncio. Ou ambos. De uma forma ou de outra, eles estão co-criando uma espécie de aceitação mútua do statu quo imediato — em outras palavras, não fazer nem dizer nada. Resta saber se se trata de uma aceitação sólida ou instável.)

Movimento relacionai 4

Paciente: É. (A posição intersubjetiva original é reafirmada pela paciente. Ela ainda não está pronta para ir em frente ou chegar mais perto. Entretanto, indica que deseja manter contato ao dizer algo. Ela não se aproximou, mas não se retraiu.)

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O MOMENTO PRESENTE

Movimento relacionai 5

Ambos: [Mais uma vez um silêncio intervém.] (A paciente ainda não aceita o convite implícito para continuar do último movimen­to. No entanto, como o contato foi mantido com o “E”, o silêncio pode prosseguir sem criar nenhuma perda importante de território intersubjetivo. O terapeuta está guardando seu território, mas, como sua posição exata não ficou clara, o relacionamento pode tolerá-la. Eles estão se deixando estar-juntos neste estado um tanto instável.)

Movimento relacionai 6

Terapeuta: Onde você está hoje? (O terapeuta agora faz um nítido movimento na direção da paciente na forma de um convite para alargar o campo intersubjetivo.)

Movimento relacionai 7

Paciente: Não sei, só não estou muito aqui. (A paciente dá um passo à frente e meio passo atrás. O passo à frente é provavelmente o maior, porque ela compartilha algo, especificamente, o não saber onde está hoje. [Mais tarde, fica claro que isso não é verdade. Ela sabe, mas não está pronta para falar sobre isso. As condições intersubjetivas ainda não estão boas.] Seu “só não estou muito aqui” reafirma seu primei­ro movimento relacionai. A paciente também recusa parcialmente o convite do analista para aumentar o campo intersubjetivo.)

Movimento relacionai 8

Ambos: [Um silêncio relativamente longo.] (Com seu silêncio, o terapeuta indica que não pretende fazer outro convite, pelo menos não agora. Nem vai pressioná-la mais fortemente. Vai esperar que a paciente tome a iniciativa. Isso, também, é uma espécie de convite e pressão, fraco ou forte, dependendo do padrão habitual para lidar

ia n

O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

com os silêncios. A paciente mantém distância mas também o con­tato, para que uma sensação de que ela está se decidindo paire no ar. Está claro que as posições intersubjetivas de um em relação ao outro são instáveis. Mas sinalizaram que por enquanto podem tole­rar este modo de estar-junto limitado e temporário. O compar­tilhamento desta tolerância conjunta, em si, traz uma ligeira mudança no campo intersubjetivo.)

Momento agora

Paciente: Aconteceu uma coisa na última sessão que me aborreceu... [pausa]... mas não sei se quero falar sobre isso. (A paciente dá um grande passo à frente na direção do terapeuta no sentido de com­partilhar uma experiência e expandir o campo intersubjetivo. Há também um hesitante passo atrás. A tensão anterior é quebrada e uma nova é criada. Foi feita uma abertura que promete expandir mais o campo intersubjetivo. Isso se qualifica como um pequeno momento agora porque concentra a atenção em novas implicações do momento presente e sua solução.)

Tentativa de um momento de encontro

Terapeuta: Entendo... Então, nossa última sessão é o outro lugar onde você está agora? (Ele valida o que ela disse como um agora intersubjetivamente compartilhado — especificamente, que ela não está inteiramente ali, estando ainda ocupada por algo inquietante que aconteceu na última sessão. Ele se aproxima dela, mas sem pressioná-la.)

Movimento relacionai 9

Paciente: É... Não gostei quando você disse... (A paciente explica o que a desagradou na última sessão. Um campo de intersubjetividade maior agora começa a ser reivindicado e compartilhado.)

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O MOMENTO PRESENTE

Interrompo aqui a transcrição para evitar discutir o conteúdo pertencente à primeira agenda e restringir-me à segunda agenda de regular o ambiente microintersubjetivo.

Ainda que pouco pareça ter acontecido até agora no nível da agenda de conteúdo, paciente e terapeuta estão se posicionando intersubjetivamente para que algo possa emergir no nível do con­teúdo. Mais importante ainda, de nosso ponto de vista, eles estão estabelecendo um corpo de saber implícito sobre como trabalham juntos para chegar a algum lugar. Estão estabelecendo padrões im­plícitos complicados, exclusivos a eles, de como regular seu campo intersubjetivo.

QUAL A NATUREZA DO PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE?

Imprevisibilidade

Enquanto está acontecendo, o seguir adiante é em grande parte um processo espontâneo e localmente imprevisível. O terapeuta não tem como saber exatamente o que o paciente vai dizer em seguida, muito menos o que ele mesmo vai dizer depois, até que o diga ou faça. E o mesmo se aplica ao paciente. Mesmo quando o terapeuta sabe de antemão que o paciente em breve terá de falar sobre certo assunto, não pode saber quando tal assunto virá à baila ou a exata forma que irá assumir. Muitas vezes o tema que está à mão é bem conhecido, mas ainda não se sabe o que vai acontecer em seguida. (Se o terapeuta acha que sabe, está tratando uma teoria e não uma pessoa.) Por esta razão, a psicoterapia (como experimentada de dentro) é também um processo muito “desordenado”.

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O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

"Desordem" e co-criação: as virtudes criativas da "desordem" no processo psicoterapêutico

A desordem resulta da interação de duas mentes trabalhando num regime de “acerta-erra-conserta-elabora”, a fim de co-criarem e compartilharem mundos semelhantes. Como o processo de enca­dear (às vezes bem frouxamente) movimentos relacionais e momen­tos presentes é altamente espontâneo e imprevisível de movimento a movimento, existem muitas combinações inadequadas, descar­rilamentos, desentendimentos e indeterminação. Estes “erros” re­querem um processo de conserto. O termo “desordenado” tornou-se um conceito legítimo no discurso científico graças à teoria dos sis­temas dinâmicos, na qual tal fenômeno é crucial.

Minhas observações de pais e bebês me familiarizaram com esse processo de constante descarrilar e consertar em interações diádicas. Existem muitos “maus passos” a cada minuto nas melhores in­terações, e a maioria deles é rapidamente consertada por um ou ambos os parceiros. Em alguns períodos de interação, ruptura e conserto constituem a principal atividade da mãe e do bebê. Des­crevi esses descarrilamentos e escorregões como “maus passos na dança” (Stern, 1977). Tronick (1986) dedicou ainda mais atenção a este fenômeno. Nós dois comentamos que os maus passos são mui­to valiosos porque a maneira de negociar os consertos e de corrigir os escorregões é um dos mais importantes modos-de-estar-com-o- outro que se tornam implicitamente conhecidos. Eles eqüivalem a mecanismos de enfrentamento. Assim, a seqüência ruptura-conser- to é uma das experiências de aprendizado mais importantes para que o bebê enfrente o imperfeito mundo humano. Os maus passos na dança também foram descritos na tríade mãe-pai-bebê (Fivaz- Depeursinge e Corboz-Warnery, 1998; Fivaz-Depeursinge, Corboz- Warnery e Frascarolo, 1998). Outros maus passos foram descritos em situações de consultas médicas (Heath, 1988).

Quanto mais o Boston Group examinava o processo de seguir adiante, mais começávamos a notar a desordem no processo mo­

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O MOMENTO PRESENTE

mento-a-momento da psicoterapia. (O Boston Group Report n° 4 [no prelo] é dedicado a uma discussão muito mais ampla e profunda da desordem. A atual discussão é um resumo.) Identificamos diver­sas fontes ou elementos da desordem. Em primeiro lugar, a dificul­dade do indivíduo de conhecer as próprias intenções, de transmiti-las e a dificuldade do outro de lê-las corretamente. Chamamos isso de difusão intencional. Em segundo, existe a imprevisibilidade. Em terceiro, uma grande redundância, mais freqüentemente com vari­ações de evolução. E, finalmente, o processo de seguir adiante é por natureza improvisado.

Progressivamente, começamos a apreciar o papel fundamental da desordem e vê-la não como um erro ou ruído no sistema, mas como uma característica inerente das interações. A desordem do processo joga elementos novos, inesperados e muitas vezes confu­sos no diálogo. Mas estes podem ser usados para criar novas possi­bilidades. A desordem não é para ser evitada nem lamentada, mas é, sim, necessária para compreender a co-criatividade quase ilimitada do processo de seguir adiante.

De pouco valeria a desordem se não ocorresse num contexto de co-criatividade. Tanto a desordem como seu conserto ou uso ines­perado são o produto de duas mentes trabalhando juntas para maximizar a coerência. Note que uso a palavra co-criar em vez de co-construir porque esta última carrega a sugestão de que um plano prévio está sendo executado com peças já formadas, montadas con­forme um modelo conhecido.

Um conhecimento mais completo do papel dos movimentos relacionais e momentos presentes no processo de seguir adiante baseia-se na idéia de que o que quer que aconteça é co-criado, ou co-ajustado. Este é um processo profundamente diádico embutido numa matriz intersubjetiva. Diversas idéias deixam isso claro. Pri­meiro, cada movimento e momento cria o contexto para o seguinte. Portanto, se o paciente (ou terapeuta) encena um movimento relacionai, o movimento relacionai seguinte por parte do parceiro já foi restringido e preparado. Esta mútua criação de contexto pros­

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O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

segue, um movimento relacionai após o outro, de forma que a dire­ção que vão tomar juntos é em grande parte determinada diadi- camente. Segundo, cada movimento relacionai e momento presente é projetado para expressar uma intenção relativa às intenções in­feridas do outro. Os dois acabam por buscar, perseguir, perder, en­contrar e moldar a intencionalidade de cada um. Nesse sentido, também, o processo de seguir adiante é co-criado.

Para desenvolver um pouco mais esta linha de raciocínio, a de­sordem numa psicologia de duas pessoas pode ser vista como aná­loga às irrupções de material inconsciente numa psicologia de uma pessoa (associação livre, lapsus linguae). Ao lado de outros eventos emergentes não planejados, os dois criam as descobertas-surpresa que empurram a díade para sua singularidade. Potencialmente, eles estão em meio a seus elementos mais criativos. Afinal, sozinha, a teoria só fornece os ossos, a desordem e as irrupções de material inconsciente são dois modos diferentes de prover a carne.

Os produtos da desordem são, assim, propriedades emergentes que brotam da contribuição mais ou menos igual de duas mentes e não tinham existência prévia, nem em forma latente. Conseqüente­mente, nada há para ser analisado de maneira psicodinâmica. A desordem cria algo que, mais do que compreendido, precisa ser vivido por completo e trabalhado. A idéia tradicional da análise da defesa não se aplica aqui. Um lapsus linguae não é desordem. Isso não eqüivale a dizer que algumas pequenas porções da desordem não possam ser determinadas dinamicamente. Mas nem todas elas o são. São mais um produto inerente da interação do que do funcio­namento psicodinâmico.

A seguir, um exemplo de desordem e seu uso criativo.* Pode ser que pareça um tanto confuso; afinal, é desordenado.

‘ A fonte deste material é um caso conduzido por um dos membros do Boston Group. A transcrição completa e os acontecimentos precedentes e subseqüentes estão incluídos no Boston CPSG, Report n° 4 (no prelo). Eles ampliam e enriquecem enormemente os argu­mentos expostos aqui.

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0 MOMENTO PRESENTE

A paciente tinha um histórico de abuso infantil. As questões de auto-estima, aceitação e capacidade de ação eram preponderantes. Ela teve dois sonhos, um alguns dias antes da sessão (o “sonho de sexta-feira”) e um na noite anterior (o “sonho de terça-feira”). Além disso, após a primeira sessão, o terapeuta havia oferecido uma ses­são extra e estava preocupado se a paciente se sentira coagida a aceitar.

Paciente: Então, são dois completamente diferentes... O sonho que tive ontem à noite fez com que eu me sentisse muito ligada a você, e você sabe que isso me fez sentir... Não sei, acho que mais perto de você, que você me dizia que não era perfeito. (Dois so­nhos já haviam sido trazidos para a sessão. A paciente decide falar sobre o mais recente, o de terça-feira. Ela decidiu isso na hora? Embora possa haver muitos motivos para a escolha — estar na defensiva, proximidade no tempo etc. — , este é um exem­plo de intencionalidade difusa. Isso também deixa o primeiro sonho, o de sexta-feira, não abordado, pendente no ar. De ime­diato, a situação torna-se potencialmente mais complexa. E, mesmo dentro da escolha que fez — o sonho de terça-feira —, ela introduz algumas pequenas incertezas: “Não sei, acho...” Estes esclarecimentos poderiam ser resistências, relutâncias ou uma questão real no momento sobre o que ela estava dizendo. De qualquer modo, eles colaboram com difusão intencional. O fato de que eles podem ser defensivos não afasta a difusão, apenas a elucida.)

Terapeuta: Ahã. (Isso “significa”: “Vá em frente, porque estou acom­panhando. Porque ainda não entendi bem e preciso ouvir mais. Porque não tenho nada a dizer, ainda. Porque nem sei aonde você quer chegar. Porque preciso de mais tempo. Porque talvez o outro sonho seja mais importante. Porque talvez tudo isso esteja ope­rando.” A paciente vai entender a idéia geral por causa das con­venções e de sua história passada. A difusão está presente, mais ainda não tem grande importância.)

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O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

Paciente: Hum. (Isso “significa”: “Não sei aonde vou chegar com isso. Ou, se eu sei, não tenho certeza se vou chegar lá. Parece que você não vai me ajudar muito. Ou vai?” [o terapeuta aju­da, sim].)

Terapeuta: Você realmente pensou em me ligar no sábado para fa­lar do outro sonho. (Aqui temos a primeira surpresa. O terapeuta repentinamente muda para o sonho de sexta-feira, embora a paciente tenha começado com o de terça-feira. Na verdade, a mudança não é nem mesmo de sonho, mas do que ela pensou em fazer após o sonho — telefonar para ele. Por quê? Ele parece ter alterado radicalmente a direção das coisas. Ele sabia por quê, no momento em que o fez? A palavra realmente se destaca. Ou é um pedido de esclarecimento de que ela de fato pensou em ligar ou uma afirmação da própria surpresa dele de que ela tenha pensado nisso. Ou estaria a palavra relacionada à preocupação que ele sente de tê-la previamente pressionado a aceitar a sessão extra? Ou à sensação dele de que o sonho de sexta-feira está pairando no ar? Em qualquer um dos casos, as intenções dele são provavelmente múltiplas, e ainda não estão bem formadas. A mudança deu certo, mas isso não quer dizer que ele soubesse o que estava fazendo. E não queremos recorrer à sua intuição clí­nica para esclarecer, pós-fato, algo que na ocasião era difuso. O abandono do sonho de terça-feira por parte do terapeuta tam­bém é surpreendente, porque ele parece conter um material de transferência mais intenso.)

Paciente: É! (Ela trabalha parte da difusão concentrando-se em apenas um ponto que não está claro: ela pensou mesmo em ligar para ele?)

Terapeuta: Qual teria sido, ahn, e o motivo de você estar pensando nisso, esse tipo de ligação muito real, era o quê? (Ele aqui está lutando para encontrar seu caminho. De repente, ele mudou de direção novamente. Faz quatro diferentes investidas incomple­tas e rapidamente as abandona para descobrir e expressar sua intenção. Ao fazer isso, ele chega, ou melhor, retorna de uma

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O MOMENTO PRESENTE

orientação diferente, às palavras ligação real, que ela usou antes, em sua primeira afirmação sobre o sonho de terça-feira. Ele recontextualizou o termo. Ele está agora começando a fazer uma ponte pequena e experimental entre os dois sonhos. Esta inten­ção ainda permanece difusa. Mas o termo “ligação real” está começando a se tornar uma noção co-criada enriquecida que mais tarde vai ajudar a organizar a sessão. O enriquecimento desta noção é um produto conjunto da desordem e das tentati­vas de lidar com ela.)

Paciente: A que você está se referindo, ao telefonema? (Aqui, ela está fazendo um conserto.)

Terapeuta: É, ao telefonema. (Eles trocam tentativas de reduzir a desordem e descobrir/criar menos intenções difusas. Tam­bém vemos aqui recorrências e variações para fixar os escla­recimentos.)

Paciente: Bom, porque eu o tinha visto na sex... e senti que havia como um fio de consciência que tinha entrado naquele sonho. (Ela, também, vagamente sente existir um relacionamento entre os dois sonhos. Suas intenções difusas estão começando a con­vergir. A desordem entre eles em relação a qual sonho abordar e a troca de um sonho para o outro fez emergir o tema do relaci­onamento entre os dois sonhos. No entanto, esta não era a in­tenção original do terapeuta nem da paciente. Isso emergiu no processo.)

Terapeuta: E.Paciente: Pareceu meio confuso para mim que... Não sei como di­

zer isso exatamente. E como um retrocesso ou algo assim. Estar sonhando com X [um terapeuta de grupo de uma terapia anteri­or] e sentir aquele tipo de pressão. (De modo instável, ela retoma o sonho de sexta-feira. Existe um ir e voltar disjuntivo. Neste contexto, a “sensação de pressão” emerge. Vem à tona como um novo elemento interessante, mas não foi prevista.)

Terapeuta: E. (Leia-se: “Ainda não a acompanho totalmente, con­tinue.”)

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0 PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

Paciente: É isso que eu não entendo bem — quero dizer, acho. (Ela avança aos tropeções aqui.)

Terapeuta: Tem uma pressão, não tem? Aqui vamos nós falar de coação para fazer alguma coisa. E nesse sonho você realmente está sendo pressionada a dizer algo mais. E acho que eu me pergunto o que isso, ahn, tem a ver com o fato de que tivemos aquela sessão extra na sexta-feira. (A nova noção de coação e pressão está emergindo agora. Nesse instante têm de trabalhar as intenções difusas que vão compor e esclarecer essa noção. Ele a interrompe sugerindo que a pressão é sobre a coação da sessão extra.)

Paciente: O que a mim parece é que... o sonho estava mais ligado à idéia de eu sentir que tenho de me igualar, trazer as coisas cer­tas... (O terapeuta estava em parte certo e em parte errado. Para a paciente, a sugestão do terapeuta de que o sonho estava ligado à sessão extra foi um caminho errado. Ela não o segue. Neste momento, o mais importante é que ela está explicando o que a pressão significa — especificamente, “trazer as coisas certas”. O surgimento deste esclarecimento crucial da parte dela foi facili­tado pelo erro de ênfase do terapeuta e as tentativas dela de consertar e reposicionar a ênfase, para ele e em sua própria mente. Outro fruto proporcionado pela desordem.)

Terapeuta: ... ahã... (Com ela retomando o caminho, ele está ob­servando e encorajando este desdobramento inesperado.)

Paciente: ... do que o sentimento de coação para vir aqui. De algu­ma forma existe uma diferença qualquer ali meio que fazendo uma ligação com... (Ela está refinando o esclarecimento e avan­çando aos tropeços. O nível de desordem parece ter por um ins­tante aumentado de novo.)

Terapeuta: ... É, ahã... (Ele a está instigando a continuar a procurar e desbravar seu caminho, o caminho deles.)

Paciente: ... o fato de me sentir coagida a vir aqui na sexta-feira, o que eu não senti, ao menos conscientemente. Porque o que eu estava sentindo tinha mais a ver com o fato de eles [o grupo] me

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O MOMENTO PRESENTE

perguntarem — fo i como se eu tivesse de estar mais doente do que estava. E acho que muitas vezes essa é uma parte da minha atitude quando venho aqui, de que existe uma parte doente da minha mente que preciso acessar.

Terapeuta e paciente avançam aos tropeços durante o restante da sessão abordando vários tópicos inter-relacionados, entre eles:

• A pergunta: Ela precisa estar doente para ser tratada pelo terapeuta?• O fato de que ela agora não se sente tão mal acerca de si mesma;

ela está bem, mais forte.• O sonho de terça-feira no qual ela se sentia igual ao terapeuta,

graças, em parte, ao fato de ele ser humanamente falível.• A razão de ter sido este o motivo pelo qual ela não teve de ligar

para ele após o sonho de sexta-feira.• Um sentimento de igualdade e aceitação.• Um desejo de sentar-se e encarar o terapeuta, o que ela fez no

início da sessão seguinte.• O fato de ela ter-se dado conta de que ela tem seus próprios

meios de agir na vida e na terapia, o que lhe permitiu deitar-se no divã para continuar trabalhando.

• Um sentimento de estar “muito mais ligada aqui”.• Trabalhar mais livre e profundamente na terapia.

Progressivamente, eles co-criaram ilhas de adaptabilidade a partir da desordem. Estas depois coalesceram por meio do mesmo pro­cesso de utilizar a potencial criatividade da desordem para criar espaços mais amplos de saber relacionai implícito compartilhado. O campo intersubjetivo mudou e novos caminhos se abriram.

É importante enfatizar que a desordem só é potencialmente cria­tiva quando ocorre dentro de uma estrutura bem estabelecida. Sem ela, é apenas desorganização. Conseqüentemente, o terapeuta pre­cisa trabalhar com técnicas e diretrizes teóricas nas quais tenha ex­

O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

periência e se sinta confortável. Não estou absolutamente advogan­do pela “psicanálise selvagem”. Antes, estou indicando que, mesmo dentro das fronteiras normais de qualquer abordagem, existe mui­to espaço para a desordem. Além disso, dentro do estilo idiossin­crático de cada indivíduo para aplicar uma abordagem, existe um amplo grau de liberdade para a desordem ser co-criada.

A desordem realmente nos surpreendeu. Passou de um grande problema na compreensão do tratamento a uma das chaves para apreender sua enorme criatividade. Este insight não teria sido pos­sível sem a aplicação da perspectiva da teoria dos sistemas dinâmi­cos no nível local dos momentos presentes.

PARA ONDE VAI O SEGUIR ADIANTE?

O desejo de contato intersubjetivo mobiliza a co-criatividade de duas mentes que trabalham juntas no nível local (tendo em vista metas terapêuticas de longo e curto prazos), para chegar a algum lugar. Mas aonde?

Vou descrever cinco destinos do processo de seguir adiante: (1) resulta em mudanças terapêuticas repentinas e drásticas; (2) resulta em oportunidades de mudança fracassadas, com conseqüências te­rapêuticas negativas; (3) resulta em mudanças implícitas progressi­vas no relacionamento terapêutico que favorecem mudanças desejadas; (4) prepara o caminho para novas explorações de mate­rial explícito; (5) prepara o caminho para interpretações.

Mudança terapêutica drástica

O seguir adiante pode levar a mudanças terapêuticas repentinas e drásticas, por meio de "momentos agora” e "momentos de encon­t r o O campo intersubjetivo pode ser reorganizado drasticamente em momentos-chave. Isso ocorre quando o atual estado do saber relacionai implícito é abruptamente questionado e os pressupostos

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O MOMENTO PRESENTE

básicos sobre o relacionamento são colocados em risco. A mudança se dá pelo surgimento imprevisível de uma propriedade emergente, que estava sendo preparada, sem ser vista, no processo de seguir adiante. Ela ameaça lançar o campo intersubjetivo inteiro num novo estado, seja quais forem as conseqüências.

Tais momentos capturam a essência de kairos. Um novo estado está ganhando vida ou ameaçando ganhar vida, com conseqüências para o futuro. Existem inovação e uma “contrariedade”, bem como uma carga emocional crescente. A situação emerge inesperadamen­te e algo precisa ser feito (incluindo a opção de não fazer nada). Esta confluência de elementos resulta na emergência de momentos agora e de momentos de encontro.

Neste ponto, são necessários exemplos destes tipos de momento presente. Começo pelo momento agora. Suponhamos que uma paciente já se submetia a terapia analítica, deitada no divã, havia alguns anos e ocasionalmente expressava sua preocupação por não saber o que a terapeuta fazia ali atrás — se dormia, tricotava ou fazia caretas. Então, certa manhã, a paciente entra sem aviso, dei­ta-se no divã e diz: “Quero me sentar e ver seu rosto.” E, sem maiores cerimônias, ela se senta e se vira. Terapeuta e paciente se vêem frente a frente num silêncio assustado. Este é um momento agora. A paciente não sabia que ia fazer aquilo — logo antes, cer­tamente não naquele dia, naquele momento. Foi uma erupção es­pontânea. Tampouco o previu a terapeuta, naquele momento, daquela maneira. Entretanto, elas agora se encontram numa nova situação interpessoal e intersubjetiva. Kairos paira pesadamente. (Este é o relato clínico de um caso conduzido por Lynn Hofer, psicanalista de Nova York [comunicação pessoal, 23 de fevereiro de 1999].)

Ou suponhamos que um paciente esteja se submetendo à tera^ pia face-a-face. Um dia, ele diz: “Estou farto de olhar para a sua cara o tempo todo. Não consigo pensar sem saber ou imaginar como você está reagindo. Vou virar minha poltrona e olhar para a paredea) Agora mesmo.” E assim ele faz. O paciente agora está virado para a

O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

parede e o terapeuta está de frente para as costas do paciente. Um silêncio se instala. Este também é um momento agora.

Ou um paciente diz algo muito engraçado e o terapeuta cai na gargalhada, o que nunca aconteceu antes. Ou um terapeuta vai ao cinema e se vê na fila dos ingressos bem atrás de um paciente. Exis­tem muitos momentos agora, dentro, fora e nas margens da estru­tura terapêutica. Uma estrutura clara é crucial para o processo. Nunca é demais enfatizar a necessidade de uma estrutura clara para que estes acontecimentos ganhem significado.

Quando uma propriedade emergente dessa importância se de­clara, ela imediatamente ocupa o centro do palco. Um momento agora é assim chamado porque há uma sensação imediata de que o campo intersubjetivo existente está ameaçado, que uma importante mudança no relacionamento é possível (seja quais forem as conse­qüências), e que a natureza preexistente do relacionamento foi pos­ta sobre a mesa para renegociação. Estas conclusões (na maioria das vezes sentidas mais do que verbalizadas) tornam a atmosfera diádica altamente carregada afetivamente. O terapeuta se sente de­sarmado e o nível de ansiedade se eleva porque ele não sabe o que fazer. Além disso, em momentos como esses, os participantes são empurrados totalmente, até mesmo com violência, para dentro do momento presente que agora os está olhando de frente. Muitas ve­zes, na terapia, não estamos inteiramente “ali”, no presente. Estamos pairando tanto no passado como no presente e no futuro. Mas, tão logo chega um momento agora, tudo mais é abandonado e cada parceiro finca os dois pés no chão no presente. A presentidade ocupa o tempo e o espaço. Só existe agora.

A essência do momento agora é que a natureza estabelecida do relacionamento e o modo habitual de estar-com-o-outro são impli­citamente questionados. Tais momentos poderiam ser descon­siderados como sendo várias formas de “acting-out ou acting-in”, mas com isso não se acerta o ponto central (mesmo quando parcial­mente verdadeiro). Todos os terapeutas e pacientes, independente­mente da abordagem teórica e do corpo de técnicas aceitáveis às

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O MOMENTO PRESENTE

quais aderem, estabelecem um modo de trabalhar juntos. Grande parte desse estilo é único para o terapeuta e para a díade. Ele forne­ce a estrutura habitual na qual o trabalho é realizado e o relaciona­mento é definido. Num sistema dinâmico como a terapia, é inevitável que a costumeira estrutura do estilo individual receba impactos e que até seja temporariamente rompida — mesmo quando as am­plas diretrizes técnicas da abordagem são respeitadas. Isso pode as­sinalar a necessidade de redefinir seu modo de trabalhar juntos ou seu relacionamento implícito, e pode ser extremamente positivo quando bem utilizado. Muito do trabalho que envolve diretamente transferência, e contratransferência se encaixa nesta categoria. Mas aqui estamos falando sobre um material mais do que tradicional detransferência-contratransferência.

Quando um momento agora ocorre, o terapeuta defronta-se com uma difícil tarefa para a qual nem sempre está preparado. Em geral, a natureza de um momento agora exige mais do que uma resposta tecnicamente aceitável: impõe um momento de encontro, que é o momento presente que resolve a crise deflagrada pelo mo­mento agora. (Vale lembrar que esta é apenas uma forma especial de momento presente.) Busca-se a “adaptabilidade” intersubjetiva, na qual ambos os parceiros compartilham uma experiência e sabem disso implicitamente. Isso requer uma resposta autêntica muito bem combinada com a situação local momentânea. Precisa ser espontâ­nea e deve levar, digamos, a assinatura pessoal do terapeuta. Assim, ela vai além de uma resposta neutra, técnica, e se torna uma adap­tação específica a uma situação específica.

Vejamos, por exemplo, a paciente que de súbito sentou-se para olhar para sua terapeuta. Logo depois que ela se sentou, as duas viram-se fitando uma a outra intensamente. O silêncio prevaleceu. A terapeuta, sem saber exatamente o que a paciente ia fazer, suavi­zou a expressão do rosto lentamente e deixou a sugestão de um sorriso formar-se ao redor da boca. Então, inclinou a cabeça para a frente ligeiramente e disse “olá”. A paciente continuou a olhar para ela. Ficaram assim presas num olhar mútuo por longos segundos.

0 PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

Após um momento, a paciente deitou-se novamente e continuou seu trabalho no divã, porém mais profundamente e num novo tom, que abriu o caminho para novo material. A mudança foi drástica em seu trabalho terapêutico conjunto.

O “olá” (com expressão facial e movimento da cabeça) foi um “momento de encontro”, quando a terapeuta deu uma resposta pessoal autêntica lindamente ajustada à situação iminente (o mo­mento agora). Isso alterou a terapia de maneira singular. Formou- se um ponto nodal quando foi realizada uma modificação quantal no campo intersubjetivo. Na teoria dos sistemas dinâmicos, isso representa uma mudança irreversível para um novo estado.

Após um momento de encontro bem-sucedido, a terapia reto­ma seu processo de seguir adiante, porém o faz num novo campo intersubjetivo expandido que permite diferentes possibilidades.

O “olá” foi uma combinação ajustada específica. Foi moldado para o contexto local imediato. E por isso que a maioria das mano­bras técnicas padrão não funciona bem nestas situações. Imagine se, em vez de “olá”, a terapeuta tivesse dito à paciente: “Sim?” ou “No que está pensando agora?” ou “O que está vendo?” ou “Você está vendo o que esperava?” ou “Hummm?” — ou deixasse o silên­cio continuar. Todas estas são respostas tecnicamente aceitáveis (ain­da que não necessariamente as melhores) dentro de uma estrutura psicanalítica. Elas podem levar a lugares interessantes, mas pare­cem inadequadas à situação específica.

Um dos obstáculos a se moldar uma resposta espontânea e au­têntica para consumar um momento de encontro é a ansiedade ex­perimentada pelo terapeuta durante o momento agora. A forma mais fácil e rápida de reduzi-la é apelar para movimentos técnicos padrão e se esconder atrás deles. Tanto a ansiedade quanto a sensa­ção de ser desarmado são eliminadas, mas a terapia pode ter perdi­do a oportunidade de dar um salto à frente.

É essencial acrescentar que esse momento de encontro no exem­plo anterior só foi discutido em uma sessão anos mais tarde, quan­do a paciente disse, de passagem, que o “olá” foi um ponto nodal

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na terapia, que a fez perceber, em algum nível, que sua analista estava “do lado dela” e “verdadeiramente aberta para ela”. Para a paciente, isso mudou seu relacionamento e reorganizou de modo irreversível o campo intersubjetivo. Entretanto, esse momento não foi verbalizado na ocasião, nem jamais foi interpretado durante o tratamento. Ele exerceu sua mágica implicitamente.

Diversos colegas perguntaram-me por que a terapeuta, a certa altura, não marcou verbalmente esse acontecimento nodal — di­zendo, por exemplo: “Algo importante acabou de acontecer entre nós.” O motivo é este: a terapeuta e a paciente já sabem que algo importante ocorreu. Ainda estão atordoadas sob a força do aconte­cimento. Uma tal resposta pode fazer muitas coisas interessantes emergirem, mas tem uma grande desvantagem. Ela torna o implíci­to explícito, o que necessariamente empurra o processo para longe do aqui e agora que está se desenrolando, para um aqui e agora diferente no qual o ponto de vista é mais abstrato e distanciado. O fluxo sofre um corte. Em vez disso, deve-se deixar o fluxo realizar seu trabalho e encontrar seu próprio destino imediato.

Tomemos como exemplo este exagerado paralelo da vida cotidia­na. Suponhamos que um menino diga a uma menina: “Eu gosto mui­to, muito de você.” Qual seria o efeito se ela respondesse: “Acho que é muito importante que você tenha dito isso para mim”? (Se fosse esper­to, iria fugir correndo.) Ela não permitiu que o acontecimento se esgo­tasse. Chutou-o para um nível diferente e mais distanciado. Recusou-se a encontrá-lo onde ele está. Redefiniu a natureza de seu relacionamen­to imediato. Este é o risco de marcar verbalmente o implícito. O fluxo do processo é interrompido, a perspectiva muda e o relacionamento imediato é abandonado e segue para outro lugar.

É muito provável que um material interessante, mas diferente, aflorasse se esses momentos de encontro fossem marcados verbal­mente e não vivenciados até se esgotarem. A questão é que estamos geralmente menos inclinados a tolerar a crescente tensão de perma­necer no aqui e agora. Este se torna o caminho não seguido, com todas as oportunidades perdidas que ele implica.

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Outra maneira de descrever o momento de encontro é falar de “adaptabilidade de intenções”. (As vezes, em seus textos o Boston Group usa “adaptabilidade de intenções”, “reconhecimento de adap­tabilidade” e “momentos de encontro” quase que intercam- biavelmente.) O termo adaptabilidade vem do trabalho de Sander acerca da interação pais-bebê (Sander, 1995a, 1995b, 1997, 2002; Lyons-Ruth, 2000; Seligman, 2002), no qual ele fala do “reconhe­cimento da adaptabilidade” e da “especificidade da adaptabilida­de”. Inicialmente, ele estava preocupado com a regulação dos estados fisiológicos, especialmente o sono. As intenções (encenadas) pelos dois parceiros podem começar a fluir juntas. Eles começam a com­partilhar a mesma intenção — por exemplo, para que o bebê passe da irritação/sonolência ao sono. E em determinado momento suas intenções se adaptam uma à outra. A essa altura o bebê pode mudar seu estado fisiológico.

Num belo caso, que eu microanalisei com Sander usando um editor de filmes especial, um pai estava de pé, embalando seu filho nos braços. O bebê estava irritado e sonolento, mas não conseguia romper a barreira e pegar no sono. O pai estava interagindo com outras pessoas naquele instante mas ao mesmo tempo balançava suavemente o bebê. Num determinado momento, ele olhou para o bebê e o bebê olhou para ele. Logo depois disso, o bebê estendeu devagar o bracinho para o lado e para cima e abriu a mão. O pai, quase no mesmo exato instante, levantou a mão de forma a encon­trar a do bebê. (O pai estava apenas parcialmente prestando aten­ção ao próprio gesto.) As duas mãos se tocaram. O bebê passou os dedos em torno do dedo mindinho do pai. E a mão do pai fechou- se suavemente em torno da mão do bebê, agora repousada na pal­ma da mão dele. Nesse instante, o bebê perfurou a barreira fisiológica e adormeceu. A última alavanca da fechadura foi para o lugar (adap­tabilidade) e a porta para o sono se abriu. Para Sander, esse mo­mento foi o “reconhecimento de adaptabilidade intencional” (para um sistema sociofisiológico).

Aqui, a idéia básica de Sander é mantida, mas se aplica mais a

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mudanças nos estados intersubjetivos do que nos fisiológicos. Bus­camos intenções compartilhadas, intenções adaptadas e algo como “reconhecimento de adequação”. A palavra reconhecimento carre­ga a implicação de se perceber conscientemente a adequação. Te­nho em mente algo menos explícito — um senso de adaptação.

O momento de encontro é um dos eventos-chave no surgimento da mudança. Um momento de encontro cria uma experiência com outra pessoa que é vivenciada pessoalmente ou verdadeiramente vivida no presente. Quero deixar claro o que quero dizer com “verdadeiramente vivida”, quando estão envolvidas duas (ou mais) pessoas. Chamarei este processo de viagem de sentimentos com­partilhada. Este termo mantém o aspecto temporal em primeiro plano e o sentimento no centro. E uma espécie de viagem, que dura segundos, feita por duas pessoas, mais ou menos juntas através do tempo e do espaço.

Durante uma viagem de sentimentos compartilhada (que é o momento de encontro), duas pessoas atravessam juntas uma paisa- gem-sentimento à medida que ela se desdobra em tempo real. Cabe lembrar que o momento presente pode ser uma rica e emocional história vivida. Durante essa jornada de alguns segundos, os parti­cipantes descem a crista do instante presente enquanto este cruza a extensão do momento presente, desde seu horizonte do passado até seu horizonte do futuro. À medida que se deslocam, eles passam por uma paisagem narrativa emocional com suas montanhas e vales de afetos de vitalidade, ao longo de seu rio de intencionalidade (que corre por toda a sua extensão) e sobre seu pico de crise dramá­tica. E uma viagem feita à medida que o presente se desenrola. Uma paisagem subjetiva transitória é criada e forma um mundo num grão de areia.

Como esta viagem é realizada com a participação de alguém, durante um ato de intersubjetividade afetiva, as duas pessoas fize­ram a viagem juntas. Embora esta viagem compartilhada dure ape­nas os segundos de um momento de encontro, isso é o suficiente.

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Elas passaram juntas pela viagem. Os participantes criaram um mundo particular compartilhado. E, tendo entrado nesse mundo, eles descobrem que, ao deixá-lo, seu relacionamento mudou. Hou­ve um salto descontínuo. A fronteira entre ordem e caos foi rede­finida. A coerência e a complexidade foram ampliadas. Eles criaram um campo intersubjetivo expandido que abre novas possibilidades de modos-de-estar-com-o-outro. Estão mudados, e ligados de ma­neira diferente por terem modificado um ao outro.

Por que uma viagem de sentimentos compartilhada é tão dife­rente de apenas escutar um amigo ou paciente narrar episódios da história de sua vida? Nesse caso, também, ficamos imersos nas ex­periências do outro através de uma compreensão empática. Aí está a diferença. Numa viagem de sentimentos compartilhada, a experiên­cia é compartilhada à medida que ela se desdobra originalmente. Não há afastamento no tempo. Ela é direta — e não transmitida e reformulada por palavras. Ela é co-criada pelos dois parceiros e vivida originalmente por ambos.

Apesar de tão simples e naturais, as viagens de sentimentos com­partilhadas são muito difíceis de explicar ou mesmo de comentar. Precisamos de outra linguagem que não existe (além da poesia) — uma linguagem encharcada na dinâmica temporal. Isso é parado­xal, porque estas experiências fornecem os momentos nodais da nossa vida. As viagens de sentimentos compartilhadas estão entre os acontecimentos mais surpreendentes, porém normais, da vida, capazes de alterar nosso mundo passo a passo ou num único salto.

Uma grande dificuldade para se apreender o conceito é que o conteúdo explícito precisa ser temporariamente posto de lado e afastado da mente. Outra dificuldade é manter o foco no desdobra­mento temporal dos sentimentos. Finalmente, é difícil pensar em duas pessoas co-criando sua experiência conjunta numa matriz intersubjetiva. Outro exemplo não-clínico que aproveita partes de capítulos anteriores pode ser útil aqui.

Um rapaz e uma moça saem juntos pela primeira vez numa noi­te de inverno. Eles mal se conhecem. Por acaso, passam por um

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rinque de patinação no gelo. Num impulso, decidem patinar. Ne­nhum dos dois é muito bom naquilo. Alugam patins e vão para o gelo. Eles fazem uma dança desajeitada. Ela quase cai de costas. Ele se adianta e a estabiliza. Ele perde o equilíbrio e se inclina para a direita. Ela estica a mão e ele a segura. (Note que cada um também está participando neurológica e experiencialmente do sentimento corporal centrado no outro. E cada um deles sabe, em certos mo­mentos, que o outro sabe como é ser ele ou ela.) Durante alguns períodos eles conseguem andar para a frente juntos, de mãos dadas, com uma variedade de contrações musculares repentinas enviadas da mão e do braço de um para o outro, a fim de mantê-los juntos, estáveis e em movimento. São muitas risadas, arquejos e tombos. Não há espaço para conversa.

Ao fim de meia hora, cansados, eles param e vão tomar uma bebida quente nas imediações do rinque. Mas agora seu relaciona­mento está num lugar diferente. Eles experimentaram diretamente, cada um deles, algo da experiência do outro. Estiveram indireta-: mente dentro da mente e do corpo um do outro, através de uma série de viagens de sentimentos compartilhadas. Criaram um cam­po intersubjetivo implícito que perdura como parte de sua breve história juntos. Quando agora se encontram fisicamente descon­traídos e livres para se olharem de frente sentados à mesa, o que vai acontecer? Pode haver uma desorientação social inicial entre eles. Eles ainda não se conhecem oficial e explicitamente. Mas começaram a se conhecer implicitamente. Estão numa terra de ninguém. E o que eles vão ver? Pessoas diferentes com um passado diferente e futuros possíveis diferentes de antes de patinarem. Poderíamos ten­tar explicar o relacionamento modificado em termos dos significa­dos simbólicos e associativos incorporados aos seus toques e atos mútuos. Acho esta explicação fraca e imprecisa, ainda que possa contribuir com significados adicionais.

O que dirão nossos patinadores? Vão conversar sentados à mesa e compartilhar significados. E, enquanto estiverem conversando, o domínio explícito de seu relacionamento vai começar a se expan­

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dir. O que quer que seja dito, será contra o pano de fundo do rela­cionamento implícito que foi expandido antes, através das viagens de sentimentos compartilhadas que fizeram no gelo. Uma vez que começarem a falar, também vão atuar junto com as palavras — pe­quenos movimentos do rosto, das mãos, da cabeça, da postura. Eles acompanham, seguem ou precedem as palavras. O explícito torna- se, então, temporariamente, o pano de fundo para o implícito. A expansão dos domínios implícito e explícito brinca de pular carni­ça, construindo uma história compartilhada — um relacionamento.

Se seu campo intersubjetivo compartilhado implícito e explíci­to foi alterado o bastante para que eles sintam mutuamente que gostam um do outro, o suficiente para desejar continuar a explorar o relacionamento, o que pode acontecer? Eles vão encetar uma se­qüência de movimentos de intenção. Kendon (1990) descreveu os movimentos de intenção trocados pelas pessoas a fim de testar a motivação de um em relação ao outro. Consistem em movimentos de milésimos de segundo, incompletos, parcialmente demonstra­dos e abreviados que pertencem à seqüência comportamental que leva à consumação de uma intenção ou motivação. (São os análo­gos físico-comportamentais da orientação intersubjetiva.)

Nossos patinadores vão agora encetar uma série de movimen­tos de intenção. Um curto movimento de cabeça para a frente, interrompido após diversos centímetros, discretas aberturas da boca, olhares para os lábios do outro e depois para os seus olhos, para a frente e para trás, inclinações para a frente etc. vão aconte­cer. Essa coreografia de movimentos de intenção passa por fora da consciência mas é claramente capturada como “vibrações”, que são viagens de sentimentos compartilhadas em curto-circuito e produzem um senso do que está acontecendo. Um padrão em evolução se desenvolve à medida que a seqüência de intensida­de, proximidade e demonstração de seus movimentos de inten­ção avança. Estes movimentos relacionais são encenados fora da consciência, levando ao momento de encontro — suas mãos se movem até se tocar.

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Aqui, também, uma noção de prontidão é necessária, porque repentinamente o ato completo é executado num salto. O momen­to presente emerge rapidamente como uma baleia rompendo a su­perfície da água. Não existe uma progressão incessante e agonizante até o ato final.

Esse relato só terá um valor bastante limitado se permanecemos cegos à dinâmica temporal e não a vemos como o tecido da expe­riência vivida.

Em suma, momentos de encontro propiciam algumas das mais nodais experiências para mudanças em psicoterapia. Com muita freqüência eles são os momentos mais recordados, anos depois, que mudaram o curso da terapia. Estamos falando de algo basicamente tão simples quanto “fazer alguma coisa juntos”, seja mental, afetiva ou física. Um momento de encontro é um caso especial de “fazer alguma coisa juntos”. Entretanto, não é tão simples, afinal. Certas coisas que fazemos juntos ocorrem sob condições especiais que são reunidas num momento de encontro, tais como: quando duas men­tes fazendo algo juntas são parcialmente permeáveis, promovendo a intersubjetividade; quando a experiência da participação-centrada- no-outro resulta daquela intersubjetividade; quando o momento presente de “fazer alguma coisa juntos” está carregado com um grande afeto e um forte kairos, de tal modo que se eleva como uma espécie de pico em meio aos outros movimentos circundantes e momentos presentes; quando a coisa que é feita em conjunto en­volve uma viagem no tempo sobre afetos de vitalidade que cruza toda a extensão de um momento presente. Quando todas estas con­dições são satisfeitas, ocorre um acontecimento nodal que pode modificar uma vida.

Oportunidades perdidas

O seguir adiante pode resultar em oportunidades de mudança fra­cassadas ou perdidas, com conseqüências terapêuticas negativas. Momentos de encontro sucedem momentos agora. Muitas vezes

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O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

acontece de o terapeuta simplesmente não perceber que um mo­mento agora está sendo experimentado pelo paciente, ou ele se dá conta de que um momento agora foi penetrado, mas isso o deixa ansioso demais e ele foge e se esconde por trás de movimentos téc­nicos. Ou então os terapeutas entram e ficam no momento agora mas não conseguem encontrar uma resposta autêntica e espontânea e adequada à situação imediata. Na maioria dessas situações fracassa­das, as conseqüências não são desastrosas. Um momento agora se­melhante vai provavelmente reaparecer. Em geral, há diversas chances. No entanto, às vezes uma terapia pode ser gravemente ferida ou mesmo levada ao fim por esses fracassos. Por exemplo:

Um adolescente estava sendo submetido a terapia psicodinâmica. Quando criança, ele sofrerá uma grave queimadura em grande par­te do peito e abdome, que deixou uma cicatriz descolorida impres­sionante. Muito tempo terapêutico havia sido empregado falando, em particular, sobre até que ponto a cicatriz repugnava ou repelia as garotas. Um dia, durante a sessão, sem planejar, ele disse: “De­pois de toda essa conversa, você deveria ver como ela é.” E imedia­tamente começou a levantar a camisa. (Um momento agora.) O terapeuta rapidamente disse: “Não”, com muita ênfase e pressa. “Não precisa me mostrar — basta me dizer como ela é para você.” O menino estancou e expressou sua incompreensão do porquê do terapeuta não querer ver a cicatriz. Eles discutiram sobre isso o resto da sessão e na seguinte também. (Pode ter havido diversos motivos convincentes para a recusa do terapeuta. Talvez ele tenha visto o gesto como exibicionista, homossexual ou alguma outra for­ma de acting-in. Embora qualquer um desses motivos possa ser ver­dadeiro, o terapeuta agiu com uma rapidez excessiva que impediu a reflexão, e o menino pescou isso.) Finalmente, na sessão seguinte, o terapeuta disse: “Tenho pensado no que aconteceu e acho que de­cepcionei a mim mesmo ao não olhar sua cicatriz.” Ao que o meni­no respondeu: “Não me importa se você decepcionou a si mesmo, você decepcionou a mim.” E iniciaram outro desentendimento. Para o paciente, o assunto nunca ficou completamente resolvido. A cica­

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triz jamais foi olhada. E a terapia ficou gravemente ferida apesar de ter continuado. Mas uma parte significativa do mundo do paciente foi cortada de um maior compartilhamento intersubjetivo. O mun­do terapêutico se encolheu, em vez de se expandir.

Ainda pior, às vezes um momento de encontro fracassado traz um fim bastante súbito ao tratamento. Em tais casos o paciente sente (com ou sem razão) que o terapeuta é incapaz de compreendê-lo.

Mudanças progressivas

O seguir adiante pode resultar em mudanças implícitas progressivas no relacionamento terapêutico que facilitam as mudanças desejadas. Nas primeiras publicações do Boston CPSG (Stern et al., 1998; Tronick, 1998), dávamos ênfase aos momentos agora e aos momen­tos de encontro afetivamente carregados — iluminados com luz piscante de neon, digamos. No entanto, sabíamos que momentos agora/momentos de encontro são ocorrências bastante raras. Muitas sessões podem transcorrer sem que um deles aconteça. Ainda assim, progressos e mudanças ocorrem durante os momentos mais silencio­sos e menos carregados que compõem o processo diário de seguir adiante. De forma semelhante, reconhecemos que o seguir adiante não tinha o propósito único de preparar as pessoas para esses mo­mentos presentes carregados, mas realizava mudanças por si mesmo. Essa conclusão nos forçou a redirecionar nosso foco para o processo de seguir adiante e ver como ele funcionava. Nossas duas publica­ções seguintes concentraram-se nessa questão (Boston CPSG, Report n° 3, 2003; Boston CPSG, Report n° 4, no prelo).

O relato clínico apresentado no início deste capítulo é um bom exemplo. Ele começa com a paciente dizendo: “Não me sinto intei­ramente aqui hoje” e termina nove movimentos relacionais depois, quando ela diz: “É... Não gostei quando você disse...” Neste exem­plo, paciente e terapeuta estão ganhando experiência em: como estar-juntos quando a paciente está relutante em trazer à tona um assunto carregado e sobre eles dois; como aceitar a relutância e

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ainda encorajar gentilmente, mas sem aplicar pressão demasiada; e como lidar com silêncios e tolerá-los nesta situação, e que durações de silêncio são aceitáveis nesta tarefa. A paciente está adquirindo a confiança de que estas situações difíceis podem ser superadas com sucesso. O terapeuta está aprendendo a confiar no modo de a paci­ente chegar lá (com alguma ajuda). Ambos estão aprendendo (im­plicitamente) que, juntos, podem trabalhar esse tipo de situação. Estão co-criando modos-de-estar-com-o-outro. Em resumo, estão implicitamente aprendendo modos de regular seu campo inter­subjetivo. A delicada coreografia acontece sobretudo fora da cons­ciência.

Esse saber implícito pode ser generalizado para situações seme­lhantes à medida que elas surgem entre paciente e terapeuta. Ele também pode ser generalizado além da terapia, em situações seme­lhantes em outros relacionamentos. Suponhamos que esse tipo de negociação e regulação seja uma novidade para a paciente. Em seus relacionamentos anteriores, ela pode ter tido experiências negativas com esse mesmo tipo de situação, na qual ela não está “inteiramen­te aqui” porque existe algo que deseja dizer, mas tem de combater uma relutância em tocar no assunto. Isso pode ter levado a impaci­ência e desistência por parte do seu interlocutor, ou raiva e rejei­ção, desdém e menosprezo, ou uma resposta agressiva que a fez sentir que contar já não era possível. Com o terapeuta, ela experi­menta um novo modo de estar-com “quando não inteiramente ali”.

Alguns podem considerar esta interação como uma espécie de “experiência emocional microcorretiva”. Vejo isso mais como uma nova experiência que não conserta o passado ao complementar um défice, mas, antes, cria uma nova experiência que pode ser trans­portada para o futuro e se desenvolver,

Esta visão não se baseia num modelo de déficit, mas num mode­lo de criação de contextos nos quais novas propriedades emergentes sejam permitidas e encorajadas a vir à tona. Essas novas propriedades emergentes, então, estabelecem o novo contexto onde algo mais pode surgir. Este modelo é em grande parte baseado na teoria dos

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sistemas dinâmicos (Freeman, 1999a, 1999b; Prigogine, 1997; Prigogine e Stengers, 1984) e sua aplicação ao desenvolvimento(Thelen e Smith, 1994).

A questão de como paciente e terapeuta podem estar-juntos em diferentes situações é maior do que a questão da técnica. As técni­cas aceitáveis oferecem diretrizes rudimentares. Dentro delas, terapeuta e paciente precisam dar forma ao seu estilo mútuo de regular o campo de intersubjetividade e, assim, negociar o curso da terapia. O estilo deles terá seus próprios rituais, cânones, ritmo e flexibilidade.

Onde e como uma seqüência de movimentos e momentos chega ao fim? Ela não pode continuar para sempre. Pontos terminais têm de algum modo fechar o processo (ainda que temporariamente). Precisa acontecer algo que sinalize “chegamos lá, agora podemos ir a outro lugar” ou “não chegamos lá, vamos deixar de lado e ir a outro lugar”. O sinal é o senso de adaptabilidade de intenções ou, dizendo de outra forma, um grau suficiente de intersubjetividade. E aí que entra o impacto emocional da intersubjetividade. Em tais momentos um estado afetivo de completude é sentido. Sander (1995b) chamou esse estado de “vitalização”, uma espécie de afir­mação emocional no sentido de suficiência intersubjetiva. Entre­tanto, tais pontos terminais são também observáveis objetivamente. Quando o seguir adiante alcança um desses pontos, a progressão é levada a um encerramento intersubjetivo. No exemplo clínico ante­rior, os pontos terminais foram:

Momento agora: Aconteceu uma coisa na última sessão que mel aborreceu... [pausa]... mas não sei se quero falar sobre isso.

Tentativa de um momento de encontro: Entendo... então, nossa última sessão é o outro lugar onde você está agora?

Movimento relacionai 9: É... Não gostei quando você disse...Uma série de oito movimentos relacionais levou a este ponto

onde o movimento relacionai seguinte tornou-se um momento pre­sente e o ambiente intersubjetivo pôde mudar. Um claro encerra­mento ocorreu, porque eles abandonaram a negociação da hesitação

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dela em estar “ali” e ela pôde começar a contar o que estava em sua mente. Eles mudaram radicalmente de direção e de metas. A se­qüência de movimentos relacionais fez seu trabalho; um pedaço do campo intersubjetivo foi compartilhado e reivindicado. Eles agora podem continuar a seguir adiante, mas numa área diferente do cam­po intersubjetivo, bem como com um novo conteúdo explícito até a co-criação do próximo encerramento.

Como devemos ver esses encerramentos? A teoria dos sistemas dinâmicos fornece uma descrição. Em sistemas complexos com variá­veis múltiplas, independentes e interdependentes (como o clima ou a psicoterapia), a mudança ocorre de maneira não linear, e portanto não se pode prever o exato momento da mudança ou a forma especí­fica que ela vai assumir. Esses saltos descontínuos se dão quando as variáveis interagem de tal modo que uma “propriedade emergente” surge. Ela representa um novo elemento criado pela auto-organiza- ção do sistema e pode lançar o sistema num novo estado.

Como saber que se chegou lá? Grande parte do processo de seguir adiante consiste em repetições e variações de movimentos relacionais. Estas recorrências têm a vantagem de manter um movi­mento relacionai na memória operacional, que é constantemente reativada por ensaio, neste caso por repetições. Manter uma se­qüência de movimentos relacionais na memória operacional per­mite que as progressões de um movimento para o próximo sejam notadas. Assim, um senso de fluxo ou de direcionalidade pode ser captado e o ponto de encerramento, identificado mais prontamente.

O processo de seguir adiante leva a encerramentos intersubjetivos (mudanças de estado). Estes se acumulam e alteram o relaciona­mento terapêutico como implicitamente conhecido. E um processo gradativo, contínuo e normalmente silencioso verbalmente. Exerce seus efeitos mutatórios quase despercebidamente. O acúmulo de tais mudanças é o que pretendemos ao mudar terapeuticamente um paciente implicitamente. Nada menos está em jogo. A maioria dos novos estados intersubjetivos emergentes que surgem nestes mo­mentos de encerramento não precisa ser irreversível.

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Seria o processo que estamos chamando de mudança implícita progressiva diferente do processo que denominamos mudança drás­tica repentina} Há uma diferença clara na magnitude da mudança. Há também duas outras diferenças. A primeira concerne à irre- versibilidade. As mudanças drásticas parecem ser irreversíveis, en­quanto as progressivas podem precisar ser reaplicadas. Essa questão deve ser observada com mais cuidado. Uma segunda diferença qua­litativa é que as mudanças drásticas resultam de momentos de en­contro. Estes encontros intersubjetivos levam o novo saber implícito para um estado de “consciência intersubjetiva”. Essa entrada na consciência pode ser um dos motivos para a irreversibilidade. Ape­sar disso, estamos sempre funcionando “nas margens da ordem e do caos” (Waldorp, 1992), ou, em nossos termos, na fronteira en­tre desordem e coerência. Isso se aplica às mudanças drásticas irreversíveis tanto quanto às mudanças não drásticas reversíveis no campo intersubjetivo.

Novas explorações

O seguir adiante pode preparar o caminho para novas explorações do material explícito. Uma mudança no campo intersubjetivo pode ter como efeito a criação de um novo contexto para que o material explícito possa emergir. Cabe lembrar que a agenda implícita con- textualiza a agenda explícita. Um caso relatado por Harrison (2003), psiquiatra e psicanalista infantil, demonstra isto. As sessões foram gravadas em vídeo.

Um trecho muito curto de uma sessão é apresentado aqui.* A terapeuta havia cancelado sua última sessão com a criança. Embora ambas explicitamente soubessem do fato, ele não foi comentado. A transcrição começa em meados da sessão. (O diálogo foi realizado de forma muito ritmada e monocórdia.)

‘ Para uma completa transcrição do caso e do diálogo terapêutico, ver Harrison (2003).

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O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

Mariah: Acho que vou fazer uma sopa de legumes.Terapeuta: Muito bem! Porque eu gosto de sopa de legumes! Mariah: Eu sei que você gosta.Terapeuta: Você é uma boa... você é uma boa... hummm, mãe. Mariah: Não sou sua mãe.Terapeuta: Você é boa cozinheira.Mariah: Não sou cozinheira, estou num restaurante. E estou fazen­

do [murmúrio].Terapeuta: Ah, isso é muito melhor! Você é uma boa dona de restau­

rante!Mariah: Nnnnn... uma chef.Terapeuta: A chef de um restaurante.Mariah: Sou uma menina.Terapeuta: A menina de um restaurante — muito bem! Este é nosso

restaurante e...

O diálogo assim prosseguiu até que a menina de repente pergun­tou: “Onde você estava na quinta-feira?” (a sessão cancelada).

Harrison (2003) comentou que ela tentou “estabelecer uma se­qüência repetitiva de frases curtas que vão permitir muita negocia­ção entre elas, embora ainda mantendo Mariah no comando. Claramente o padrão que estão criando juntas é mais importante do que o conteúdo verbal. O diálogo ritmado e repetitivo tem a qualidade de uma canção de ninar ou canção infantil”. Isso permi­tiu à terapeuta e à criança não apenas ficar em contato, mas tam­bém construir o impulso de experimentarem algo juntas. O campo intersubjetivo estava crescendo apesar da falta de progressão linear no nível explícito. Uma importante parte do acúmulo da experiên­cia implícita era que a menina tinha as rédeas soltas para afirmar sua capacidade de ação com aceitação da terapeuta e sem medo de represálias ou rejeição. Este seguir adiante atingiu um ponto no qual o campo intersubjetivo ficou posicionado de tal forma que foi possível para Mariah perguntar de repente: “Onde você estava na quinta-feira?” (a sessão cancelada). Sem o teste preliminar do cam­

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po intersubjetivo e a segurança que ele propiciou, é improvável que essa menina tivesse mencionado a sessão cancelada. Para saber exa­tamente como elas chegaram a esse ponto e as questões psicodi- nâmicas em jogo, ver Harrison (2003).

Como o caso ilustra, o seguir adiante muitas vezes pavimenta o caminho para o surgimento de um novo tópico explícito. Isso tam­bém aconteceu no primeiro relato clínico do capítulo (“Não me sinto inteiramente aqui hoje”). A seqüência de movimentos rela­cionais levou a um novo conteúdo — especificamente o que havia acontecido na última sessão que “aborreceu” a paciente. A mudan­ça para um novo tópico não ocorreu de forma linear. Paciente e terapeuta não estavam seguindo uma linha lógica. Na verdade, o campo intersubjetivo foi alterado (implicitamente) durante a seqüên­cia de movimentos relacionais, só o bastante para criar um contex­to favorável para o surgimento de material explícito. A agenda do processo agiu a serviço da agenda do conteúdo. E isso que quero dizer com agenda implícita contextualizando o explícito.

Interpretações

O seguir adiante pode preparar o caminho para interpretações. É ex­tremamente comum nas terapias dinâmicas, nas quais a interpreta­ção é uma ferramenta fundamental, que elas sejam preparadas no processo de seguir adiante. Momentos agora indicam a “pronti­dão” e a oportunidade propícia para uma interpretação, bem como para um momento de encontro. A situação é resolvida explicita­mente, e não implicitamente. Vou discutir isso com mais detalhes no próximo capítulo. Aqui, estou concentrado nas mudanças im­plícitas. A situação, na realidade, não está tão claramente definida, porque, quando olhada de perto, a interpretação envolve tanto uma mudança no conhecimento explícito quanto no conhecimen­to implícito.

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O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

O PAPEL CENTRAL DA REGULAÇÃO INTERSUBJETIVA

Quase desde o início, a psicoterapia vem lutando com o encontro terapêutico de duas subjetividades. Historicamente, na psicanálise, isto tomou a forma inicial de colisão da transferência com a contra- transferência. O atual foco na intersubjetividade em outras terapi­as, bem como na psicanálise, é um passo lógico na evolução deste conceito. Atualmente, “a intersubjetividade emergiu como o con­ceito líder entre as abordagens psicanalíticas para a interação” (Beebe e Lachman, 2002, p. 2). Este conceito, porém, foi aplicado de dife­rentes maneiras. Beebe e Lachman (2002), Knoblauch (2000), Mitchell (2000) e Aron (1996) analisaram e compararam os vários usos do conceito de intersubjetividade na psicanálise por seus prin­cipais proponentes (Benjamin, 1995, Ehrenberg, 1982,1992; Jacobs, 1991; Lichtenberg, 1989; Mitchell, 1997; Ogden, 1994; Stolorow e Atwood, 1992; Stolorow, Atwood e Bandschaft, 1994).

A abordagem adotada aqui difere da maioria das abordagens intersubjetivas já mencionadas nos seguintes aspectos. Primeiro, vejo a troca intersubjetiva no âmbito da díade como algo que ocorre o tempo todo, a cada minuto, e não como alguma coisa que aparece periodicamente. Segundo, vejo isso como uma condição básica da mente e dos relacionamentos (Stolorow e Atwood [1992] compar­tilham dessa opinião). Terceiro, vejo-a como uma motivação básica e não apenas como uma ferramenta, um método ou uma fonte de informações para o tratamento. Quarto, vejo as trocas intersubjetivas como algo que ocorre principalmente no domínio implícito e que não requer verbalização para surtir efeito terapêutico. Quinto, vejo a intersubjetividade no “nível local” dos pequenos atos e microatos subjacentes, e não em pinceladas clínicas mais largas. Finalmente, como considero que a terapia se passa na matriz intersubjetiva, não enfatizo nenhuma das várias “formas de intersubjetividade” que Beebe e Lachman (2002) delinearam. Por exemplo, para Benjamin (1995), o vetor mais importante é o reconhecimento por parte do paciente da subjetividade do terapeuta. Para Stolorow e colegas

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O MOMENTO PRESENTE

(1994), o vetor principal é a experiência do analista quanto à subje­tividade do paciente. Em geral, há uma grande assimetria nos vetores intersubjetivos clinicamente enfatizados. Em minha opinião, o pro­cesso é sempre diádico, com graus de assimetria que mudam com freqüência, em ambas as direções.

A importância do aqui e agora é em grande parte presumida e não enfatizada na maioria dessas abordagens. Ehrenberg (1992) e Knoblauch (2000) são exceções parciais, pois fundamentaram seu trabalho no presente, no “calor e na intensidade” do aqui e agora, como diz Ehrenberg. Essa é uma abordagem mais próxima da mi­nha, que vê a presentidade do trabalho intersubjetivo como um ele­mento absolutamente essencial. Estas opiniões estão amplamente de acordo com a posição do Boston CPSG.

Neste capítulo, tentei trazer os acontecimentos cruciais de mu­dança em psicoterapia para a mesma escala de microtempo e para o mesmo nível local composto de momentos presentes que vimos dis­cutindo ao longo do livro. E esta perspectiva que forma o quadro aqui descrito.

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Capítulo 11

O ENTRETECER DO IMPLÍCITO COM O EXPLÍCITO NA SITUAÇÃO CLÍNICA

A MAIORIA DAS TERAPIAS psicodinâmicas e cognitivas usa a interpre­tação (numa forma ou noutra) e a narrativização de uma história de vida como técnicas essenciais. Para tanto, o implícito precisa fazer- se explícito e o inconsciente, consciente. O relacionamento entre o implícito e o explícito tem sido menos estudado do que aquele en­tre inconsciente e consciente. Ele propõe problemas e fascinantes questões. O implícito e o explícito se entremesclam em muitos pon­tos. Nas narrativas, existe um tráfego em mão dupla entre o implícito e o explícito. Imagens, sentimentos, intuições no domínio implícito precisam ser transpostos para o domínio explícito verbal pelo fa­lante. E, na direção oposta, as palavras precisam ser traduzidas em imagens, sentimentos e intuições pelo ouvinte. O implícito (o cam­po intersubjetivo) também desempenha um papel na criação do contexto “certo” para permitir que o material explícito emerja. E contar e escutar, como atos em si mesmos, combinam elementos tanto do implícito quanto do explícito.

Onde os momentos presentes se encaixam aqui? De um ponto de vista fenomenológico, uma interpretação ou narrativa também

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cria momentos presentes no narrador e no ouvinte. Portanto, con­tinuamos a trabalhar com as mesmas unidades de processo subjetivas.

INTERPRETAÇÃO E MOMENTOS DE ENCONTRO

O processo de seguir adiante leva não só a momentos de encontro, mas também a momentos que são propícios ao trabalho inter- pretativo, ou trabalho de esclarecimento verbal. Os mesmos “bom senso de oportunidade” e “prontidão” que se aplicam a momentos presentes de encontro podem se aplicar igualmente a momentos pre­sentes quando uma interpretação se faz necessária. Quando certas condições confluem, o momento está maduro para uma interpreta­ção ou para um momento de encontro. Estes são: quando o relaci­onamento terapêutico, na forma de transferência, vem à tona; quando houve uma progressão de acontecimentos que levou a um clímax ou crise que requer algum tipo de ação (um momento de kairos)', e quando esta urgência chama os dois parceiros inteira­mente para o aqui e agora.

Mesmo quando uma interpretação, mais do que um momento de encontro, é escolhida como a rota terapêutica a seguir, os pro­cessos implícitos ainda entram em jogo. Na verdade, eles facilitam o efeito da interpretação. O implícito e o explícito estão profunda­mente entretecidos.

Suponhamos que uma interpretação seja feita. Suponhamos, ade­mais, que seja uma excelente interpretação oferecida num momento ideal na sessão e no tratamento. O paciente vai ter uma forte reação afetiva. O impacto emocional da interpretação nele é uma parte es­perada do processo clínico quando este está correndo bem. O paci­ente pode ter uma reação do tipo “ahá”, como em “Agora entendi!" Entretanto, freqüentemente, a reação é mais afetiva do que cognitiva. O corpo e a mente se juntam por completo na reavaliação, que pode ser sentida mais ou menos como: “Sim, eu realmente tenho sido as­sim.” “É assim mesmo que eles são e foi assim que me trataram.”

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“Acho que tenho que começar outra vez do zero.” “Onde eu estava todo esse tempo, droga?” “Fui muito prejudicado.” E então um si­lêncio se segue enquanto o paciente assimila a informação. O silên­cio é um momento carregado. O paciente está passando por uma importante reorganização na presença do terapeuta — uma reorga­nização que foi catalisada pelos comentários do terapeuta. Sua rea­ção é, portanto, um acontecimento interpessoal e intersubjetivo porque tanto o paciente como o terapeuta sabem, mais ou menos, o que o paciente está experimentando. Esse silêncio, imediatamente após a interpretação, é um tipo de momento agora. O que normal­mente acontece é o seguinte: o terapeuta sente-se obrigado a dizer algo para deixar claro para o paciente que ele entendeu o impacto afetivo da impretação. Ele pode dizer algo mínimo, como “sim”, algo indistinto como “hum” ou algo mais elaborado, como: “Sim, às ve­zes a vida parece ser assim.” Mas o terapeuta diz isso de um modo especial, com um tom de voz especial que tem nuances de compreen­são empática, de um mergulhar na experiência de mundo deles e expressá-la, de estar ao lado do paciente neste momento de reavaliação freqüentemente dolorosa. (É comum que a vocalização dos terapeutas seja prolongada, com tonicidade na última sílaba e tenha um volume mais baixo.) Em outras palavras, o terapeuta cria um momento de encontro sobre a reação à interpretação. Às vezes isso assume a for­ma de uma harmonização afetiva.

A maioria dos terapeutas experientes faz isso sem pensar muito. Quando se chama sua atenção para o fato, muitos colegas dizem: “Bom, é claro que faço isso; é uma parte natural do processo interpretativo.” Mesmo assim, vale a pena refletir sobre o assunto, porque se esse momento de encontro não foi adicionado aos acon­tecimentos afetivos desencadeados pela interpretação, esta poderia ser vivenciada como uma manobra técnica de um profissional neu­tro. Poderia ter vindo de qualquer lugar. Seria, nesse caso, estéril e apenas minimamente interpessoal e intersubjetiva. Pode ter altera­do o conhecimento explícito do paciente sobre si mesmo, mas não o campo intersubjetivo entre ele e o terapeuta.

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O MOMENTO PRESENTE

Se, por outro lado, o terapeuta cria um momento de encontro em torno do impacto da interpretação, o compartilhar do impacto amplia o campo intersubjetivo. Um momento de encontro acerca da interpretação mira a interpretação e seu impacto como uma ex­periência conjunta. O paciente pode, então, prosseguir em novas direções com base num saber implícito alterado e também num co­nhecimento explícito de si mesmo e do relacionamento terapêutico.

E verdade que a maioria dos psicanalistas e psicoterapeutas ex­perientes cria estes momentos de encontro em torno de interpreta­ções de grande impacto. Mas isso não é considerado uma parte formal da interpretação. Alguns dizem que é uma parte da catego­ria mais ampla da “atividade interpretativa”, mas essa afirmação nubla demais e muito facilmente as coisas. A análise destes momen­tos intersubjetivos é ignorada e, quando eles chegam a ser mencio­nados, são tomados como certos. No entanto, desempenham um papel importante e requerem uma terminologia descritiva e um modelo explanatório diferentes daqueles que se aplicam à interpre­tação tomada isoladamente.

Muitas vezes esta resposta ao impacto da interpretação não re­cebe a devida atenção, pois ocorre no rastro turbulento da inter­pretação verbal. Mas ela acontece de qualquer maneira e faz seu trabalho. Um exemplo fornecido por Margherita Spagnuolo-Lobb (comunicação pessoal, 22 de janeiro de 2000) se mostra muito ade­quado. Ela estava em tratamento com Isadore Form, um conhecido gestalt-terapeuta, que estava doente, com câncer, e não tinha uma expectativa de vida longa. Este fato era publicamente conhecido na comunidade terapêutica da qual Spagnuolo-Lobb também era mem­bro. Entretanto, ela e o terapeuta nunca tocaram no assunto, ape­sar de ambos terem necessariamente de saber que o outro sabia. Um dia, ela teve uma sessão por telefone com ele, após um sonho perturbador no qual viu um pôster típico daqueles impressos para anunciar um falecimento que são colados nos muros da Sicília. Ele caíra do muro e jazia na rua e trazia o nome dela. Os carros passa­vam por cima. Depois que ela contou o sonho, o terapeuta disse:

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O ENTRETECER DO IMPLÍCITO COM O EXPLÍCITO NA SITUAÇÃO CLÍNICA

“Deveria ter o meu nome nele.” O assunto de sua morte iminente assim brotou com certa força. Nunca havia sido mencionado antes. Sua interpretação comoveu-a profundamente. Ela comentou isso comigo como um exemplo do poder de uma interpretação.

Concordei, porém perguntei o que aconteceu logo depois que ele disse aquilo. Ela disse: “Bom, alguns momentos depois, desliga­mos.” Curioso para saber se ali havia ocorrido um momento de encontro acerca dessa forte intervenção, questionei-a usando uma versão abreviada da técnica da entrevista microanalítica. Perguntei- lhe o que se passou exatamente com ela quando ele fez o comentá­rio. Ela contou que respirou fundo e prendeu o fôlego, e depois soltou o ar, exalando-o pesada e progressivamente. Do outro lado da linha houve silêncio. Indaguei-lhe se ela chorara. Ela disse “não”. Sugeri que ela estava respirando como se estivesse chorando. Ela respondeu: “Sim, é verdade.” Em seguida, questionei o que ele fez para quebrar o silêncio. Ela descreveu que ele disse algo não muito incomum ou memorável. Na verdade, ela não se lembrava do que era. Mas lembrava-se do tom de voz dele. Estava incomumente suave, uma voz que jamais ouvira nele. Sentiu-a como uma carícia transmitida a ela através do telefone. Esse foi um momento de en­contro. Eles haviam realizado um contato implícito além das pala­vras. E a esse contato implícito juntou-se a intervenção verbal dele, formando uma experiência integral.

Assim como uma interpretação pode causar um momento de encontro, um momento de encontro pode causar uma interpreta­ção. Mas não obrigatoriamente. Por exemplo, vale recordar o caso no qual a terapeuta respondeu à paciente que se sentou no divã, olhou para ela e disse “olá”. Nenhuma interpretação veio em segui­da, mas pode-se facilmente imaginar uma. Sugeri anteriormente que uma tentativa de tornar este momento de encontro explícito, em especial imediatamente depois que ele ocorreu, poderia anular par­te de seu efeito. Mas outras vezes uma interpretação pode ser útil. É uma questão de julgamento clínico, mas precisa-se estar ciente das vantagens e desvantagens. Se a terapeuta tivesse perguntado à

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0 MOMENTO PRESENTE

paciente após esta ter tornado a se deitar como ela se sentiu a res­peito do que acabara de acontecer e a paciente tivesse respondido dizendo que pela primeira vez sentiu que a terapeuta estava aberta para ela e do lado dela, esta poderia ter sido uma excelente abertu­ra para uma interpretação mais ampla da parte da terapeuta. Ela poderia ter sugerido que a paciente sentiu que seus pais não esta- vam a seu lado nem abertos para ela, como acabava por esperar aquilo dos outros, como perdera diversas oportunidades na vida por causa daquilo que se tornara uma postura defensiva, como aquela situação havia acontecido no escritório semana passada, e como ela vira a terapeuta sob aquela luz e tinha, assim, imposto limitações ao trabalho terapêutico. Tal interpretação poderia ter feito o trabalho terapêutico avançar, mas também poderia tê-lo atrasado. Aparente­mente, isso não foi necessário neste caso.

A questão é que interpretações verbais e expansões implícitas do campo intersubjetivo são atos que se complementam. Na práti­ca, servem um ao outro. No entanto, exigem modelos explanatórios diferentes.

CONSTRUINDO, CONTANDO E ESCUTANDO NARRATIVAS

A linguagem é o veículo para transpor a experiência para uma nar­rativa contada. Em geral isso é verdade, mesmo em terapias que são chamadas de terapias “além da fala” (Wiener, 1999). O que está “além da fala” é o meio para induzir e empurrar as experiências implícitas para o aberto explícito. Mas, uma vez que elas estão lá, o problema de colocá-las em algum tipo de forma que seja significati­va permanece uma tarefa lingüística de criação da narrativa. Mas ali, também, o implícito e o explícito fazem companhia um ao outro.

Contar a narrativa é o caminho principal, comum e final para os dados, tanto nas terapias baseadas na fala como naquelas que usam outras técnicas para criar experiências explícitas. A constru­

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O ENTRETECER DO IMPLÍCITO COM 0 EXPLÍCITO NA SITUAÇÃO CLÍNICA

ção da narrativa, porém, envolve não apenas palavras, mas também experiências diretas que estão no domínio implícito. São estas ex­periências implícitas diretas que nos interessam.

Três momentos presentes paralelos estão envolvidos: (1) o mo­mento presente de pôr na forma de narrativa verbal a experiência original; (2) o momento presente criado no narrador durante a narração para alguém; e (3) o momento presente evocado no ou­vinte durante a narração. Primeiro, o paciente precisa (re)viver (ago­ra) a experiência a ser verbalizada e moldá-la dentro de uma forma narrativa. Isso não é automático. Neste estágio, o pensar se dá prin­cipalmente na forma de imagens visuais, sensório-motoras, viscerais e sentimentos — não de linguagem. Existe uma compatibilidade forçada entre o relato verbal e a experiência. Este processo cria seus próprios momentos presentes com suas próprias intenções, afetos de vitalidade, e assim por diante. O ouvinte (o terapeuta) observa os atos mentais e físicos da transposição no narrador. Isso é uma performance. Naturalidade, dificuldade, tatear, hesitar, bloqueio, frustração, esforço, mudanças no fluxo, na velocidade, no volume e na força, e um senso de alívio, surpresa ou inevitabilidade com­põem a performance. Cada uma dessas experiências implícitas, em si, poderia ser um foco produtivo para uma intervenção terapêuti­ca. Além das palavras que saem, e mesmo da paralingüística, existe a performance como um todo, a qual, como qualquer outra performance, evoca no narrador e no ouvinte um fluxo constante de experiências implícitas, inclusive participações centradas no ou­tro acerca do ato de transposição. Em resumo, há um com­partilhamento intersubjetivo implícito sobre a experiência de transpor o material implícito para uma forma narrativa explícita. Mesmo enquanto estamos altamente concentrados nas palavras que saem e em seu significado como formas, mantemo-nos intensamen­te sensíveis à experiência implícita (parcialmente compartilhada) de transposição à medida que ela ocorre.

E, finalmente, a narrativa precisa ser moldada para uma audiên­cia, real ou imaginária. Contar uma narrativa é uma constante tare­

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O MOMENTO PRESENTE

fa de procurar, testar e ajustar-se subjetivamente ao ouvinte. Exis­tem muitos comportamentos implícitos durante este aspecto da performance. Em última forma, a performance de chegar a uma narrativa e contá-la é um tipo especial de enactment, no qual o conteúdo é tornado explícito, mas o processo permanece implícito. Esses constituem os diversos momentos presentes paralelos.

Em psicoterapia, narrativas são contadas ou encenadas, e não lidas, de modo que a performance como performance é de funda­mental importância. Uma narrativa contada em psicoterapia não só é uma história coerente, como também uma experiência emocional expressa. A história e sua expressão constituem um material clínico valioso.

Ricoeur (1984-88) comentou a respeito do tempo de contar uma narrativa em contraste com o tempo da, ou na, história. Ao pensar nos atos da criação da narrativa e da narração em termos de momentos presentes, estou acrescentando uma dinâmica temporal interna como parte do ato de narrar — e de ouvir.

O ponto central é que mesmo considerando as narrativas tera­pêuticas, não fugimos do mundo dos momentos presentes. E eviden­te que a narrativa, uma vez construída, pode ser vista objetivamente e desconstruída. Mas não enquanto está sendo contada e ouvida. E mesmo depois de contada, quando é exposta e observada objetiva­mente, sua completude, inclusive seu significado central, será apre­endido ainda em um momento presente de captura.

A fenomenologia de contar e ouvir narrativas requer muito mais atenção do que tem recebido ou que pode ser dada aqui.

INTERMESCLANDO O IMPLÍCITO E O EXPLÍCITO

Uma frase com um claro significado explícito também constitui um momento presente enquanto a frase está se desdobrando. Quando a frase é considerada do ponto de vista do ouvinte, cabe lembrar que, em média, uma frase falada leva 3-4 segundos para ser pro­

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O ENTRETECER DO IMPLlCITO COM O EXPLÍCITO NA SITUAÇÃO CLÍNICA

nunciada (a duração do momento presente). Vale ainda ressaltar que o significado da frase falada é construído à medida que ela é ouvida ao longo do tempo. E seu significado completo só se encai­xa quando a última palavra é dita. Esta construção no tempo não é simplesmente uma questão de compreensão progressiva da sintaxe, mas também de traçar o curso da sintaxe encaixando-se em seus lugares cognitivo e afetivo. Por exemplo, considere uma frase sim­ples, tal como: “Você gostaria de ir ao cinema hoje à noite?” Quando o ouvinte embarca na crista da frase à medida que ela se desenvolve, ele primeiro escuta: “Você gostaria.” Fica imediatamente claro que uma pergunta está prestes a ser feita a ele. Há um aumento de inte­resse e atenção. O subgrupo seguinte é “de ir”. Isso mantém e tal­vez eleve o interesse e a atenção, à medida que as coisas se tornam mais específicas. Em seguida vem “ao cinema”. Dependendo do contexto e da história, isso pode acrescentar prazer à mistura de sentimentos ou pode fazer com que tudo que veio perca o efeito, com uma resultante perda de interesse e aumento de sentimentos negativos, como em: “Você sempre quer fazer as mesmas coisas.” Finalmente, chega o “hoje à noite”. Provavelmente isso estava im­plicitamente entendido pelo contexto e acrescenta pouco, entre­tanto estabiliza o tom emocional antes da resposta e, assim, o momento presente seguinte tem de começar.

Nesta frase, então, há uma viagem sintática, uma viagem de construção de significado explícito, e uma viagem de experiência afetiva com contorno nítido. Quando a frase termina, esquecemos a viagem sintática que teve lugar fora da percepção. Lembramo-nos principalmente da gestalt da viagem de significado e, muito impor­tante, de como ela foi colorida pela viagem afetiva.

Eis outro exemplo fornecido por Patel (2003). Ele sugere que existe uma sobreposição surpreendente, neuroanatomicamente, entre o processo de aglomeração e de organização de elementos seqüenciais na linguagem e na música. Eles não se acham tão sepa­rados como anteriormente se concebeu. A frase é: “A menina que beijou o menino abriu a porta.” Mais uma vez, vamos seguir a via-

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0 MOMENTO PRESENTE

gem afetiva. “A menina”, o primeiro subgrupo encontrado, cria sua própria carga afetiva. Depois vem “que beijou o menino”. Com isso, interesse, curiosidade e carga afetiva aumentam depressa. Se­gue-se “abriu a porta”. Há uma queda na carga afetiva, substituída por um aumento devido a um possível problema cognitivo. Quem abriu a porta? A frase diz “o menino abriu a porta”, mas sabemos, conforme a sintaxe, que foi a menina quem a abriu. Esta é uma viagem curiosa. Agora, usando as mesmas palavras, suponhamos que a frase dissesse: “A menina que abriu a porta beijou o menino.” Teríamos sido levados numa viagem microafetiva bastante diferen­te. A ordem e o momento da chegada do significado também deter­minam a experiência afetiva sentida implicitamente. (Não é necessário avançarmos em questões de estilo.)

Em suma, a intrincada interdependência entre o significado ex­plícito e a experiência afetiva implícita fica clara no nível local do momento presente.

Há, ainda, uma importante diferença entre as duas análises (sig­nificado e afeto) dentro do momento presente. A diferença reside em seus respectivos enquadramentos no tempo. A viagem afetiva e a jornada falada têm a mesma duração, poucos segundos. Entretan­to, o acontecimento a que as palavras se referem durou muito mais. Existe uma discrepância no tempo, no nível de abstração e, neces­sariamente, na proximidade da experiência original. Sentir o con­torno afetivo, ouvir as palavras e fazer seu significado se encaixar no lugar são experiências diretas e originais. As palavras, por outro lado, referem-se a uma experiência indireta, já removida. Retoma­remos essa importante diferença no capítulo 13.

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Capítulo 12

O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

0 PASSADO TEM DE SER CAPAZ de influenciar a experiência do presen­te. Dito de outro modo, o passado deve de alguma forma ser incor­porado na experiência presente. Sem isso, o passado não pode ter papel algum na vida atual, e não pode haver determinismo psíquico nem psicodinâmica. Por outro lado, a experiência presente tem de ser capaz de alterar o passado, reduzindo sua influência, selecio­nando novamente quais elementos do passado vão desempenhar o papel de maior influência, ou simplesmente modificando o passado. Se o presente não consegue fazer isso, não pode haver mudança terapêutica. Entretanto, como vivemos apenas no presente, subjeti­vamente, a ação do passado no presente e a ação do presente no passado devem ser esgotadas no momento presente. O momento presente é o território de encontro entre o passado e o presente.

A AÇÃO DO PRESENTE SOBRE O PASSADO

O conceito de um contexto de recordação do presente ajuda a expli­car um dos modos pelo qual o momento presente pode atuar sobre o passado. O passado funcional é aquele que influencia o presente,

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O MOMENTO PRESENTE

por ser rearrumado no território de encontro do momento presente. O exemplo da memória se adapta bem para esclarecer este concei­to. A noção de contexto de recordação do presente é amplamente aceita no pensamento sobre a memória (por exemplo, Damasio,1999, 2000; Edelman, 1990). Em resumo, a memória não é vista como uma biblioteca de experiências na qual as primeiras edições são mantidas em sua forma original e uma delas pode ser solicitada e trazida para o presente como uma lembrança a ser revivida fiel­mente. Ao contrário, a memória é vista como um conjunto de frag­mentos de experiências. Estes são transformados numa experiência recordada inteira, da seguinte maneira: acontecimentos e experiên­cias em curso no tempo presente atuam como um contexto (um contexto de recordação do presente) que seleciona, monta e orga­niza os fragmentos sob a forma de uma lembrança. O contexto de recordação do presente constitui o que quer que esteja acontecen­do no palco mental neste momento presente. Isso pode incluir um cheiro, um som, uma melodia, um palavra, um rosto, a qualidade da luz, estados de sentimentos internos, sensações corporais, um pensamento etc. Também pode incluir experiências que são menos efêmeras e mais contínuas, como um estado de espírito, um pensa­mento ou sentimento preocupantes, um sonho persistente, um con­flito, um desejo de vingança, uma dor ou uma perda. O contexto de recordação do presente não é apenas mais uma dessas experiências em curso, mas a totalidade do que está se passando agora. É o com­pleto amálgama de percepções, sensações, cognições, afetos, senti­mentos e ações que estão atualmente atuando sobre nós, consciente e inconscientemente, implícita e explicitamente. Nesse sentido, trau­mas passados, conflitos e outros elementos básicos da psicanálise tradicional que permanecem parcialmente ativados podem ser uma parte de primeiro plano ou de pano de fundo do contexto de recor­dação do presente.

Estas experiências atualmente em curso atuam como gatilhos para selecionar e montar fragmentos do passado que, quando inte­grados, ajudam-nos a reconhecer o que está acontecendo agora no

O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

presente e lidar com isso, seja como for. É nesse sentido que Edelman falou de “recordar o presente” (Edelman, 1990). Não recordamos um passado histórico fixo, só podemos “recordar” o presente. Sob esse ponto de vista, as lembranças são mais centradas no presente do que no passado. Sua função é tornar a vida, como a encaramos atualmente, mais familiar e mais fácil de adaptar. Um corolário dis­so é que cada lembrança, embora sobre a “mesma coisa”, é diferen­te, porque é selecionada e montada sob diferentes contextos de recordação do presente, que quase nunca se repetem totalmente. Para cada contexto de recordação um conjunto ligeiramente dife­rente de fragmentos é selecionado, ou montado diferentemente. Isso pode soar radical e contra-intuitivo, mas somente porque algu­mas lembranças foram repetidamente ensaiadas, fechadas na forma narrativa e parecem não variar entre diversas rememorações. O lu­gar das lembranças traumáticas não fica tão claro aqui (Siegel, 1995, 1996, 1999).

Um momento presente é um contexto de recordação do presen­te por excelência. Durante o seu desdobramento, enquanto ele pas­sa do horizonte do passado-do-presente para o horizonte do futuro-do-presente, ocorrem mudanças analógicas ou categoriais ao longo de seu curso. Cada mudança pode atuar como um contex­to de recordação separado. Isso permite que o passado seja cons­tantemente incorporado, não na forma de memórias inteiras distintas, mas sim de influências fora da percepção.

Mas pode este encontro se dar num período tão curto quando um momento presente? Recentes estudos de neurociência sobre tomadas de decisão sugerem que, quando um novo estímulo é apre­sentado, o efeito neurofisiológico de uma estimulação relacionada, porém passada, pode ser gravado dentro de poucas centenas de milissegundos a partir do início do novo estímulo (Romo, Her- nandez, Zainos, Lemus e Brody, 2002) — em outras palavras, o passado é trazido para o presente presente ou para junto dele quase instantaneamente e muitas vezes durante a evolução de um mo­mento presente. Assim, muitas influências passadas diferentes po­

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O MOMENTO PRESENTE

deriam ser incorporadas ao momento presente em vários pontos ao longo de sua passagem.

Como o contexto de recordação do presente “seleciona”, não- conscientemente, que partes do passado ativar e remontar numa nova lembrança? Em outras palavras, qual a natureza e o processo de criação de ligações e associações entre experiências com datas, endereços e naturezas diferentes? Há algumas dicas úteis a partir de descrições de níveis mentais e fenomenológicos em discussões de sonhos, associação livre, trabalhos com processo primário e disso­ciação. Desde o início Freud esteve extremamente ciente dos possí­veis mecanismos para a complexa ligação ou desligamento de passado e presente. Os teóricos da Gestalt adicionaram outros pro­cessos de ligação que governam a percepção e a associação, tais como proximidade ou destino comum. Atualmente, a metáfora é um candidato interessante a este papel crucial. Modell (2003) suge­riu que ela é uma forma importante de conexão entre a memória autobiográfica inconsciente e a experiência consciente. Dando su­porte às idéias de Modell, lingüistas cognitivos como Lakoff e Johnson (1980, 1999), Turner (1991) e Gibbs (1994) propuseram que a metáfora não é simplesmente uma figura de linguagem mas uma forma primária de cognição (anterior à formação do símbolo e à linguagem) que liga diferentes domínios da experiência, inclusive o passado e o presente. A linguagem pode mais tarde usar estas conexões e transformá-las em metáforas lingüísticas, mas isso não começa com a linguagem, exceto na mente da pessoa que está escu­tando uma metáfora falada. A isso deve ser acrescentada toda a expe­riência clínica sobre metáforas proveniente de dramaterapia e terapias do corpo (Landy, 1990, 1993). Bucci (1997) sugeriu que toda expe­riência é multiplamente codificada (Teoria dos Códigos Múltiplos) e é conectada através de um processo referencial. As dificuldades de ligar e dissociar o passado e o presente permanecem em muitos ní­veis da investigação clínica (ver Siegel, 1999).

Um segundo modo mais radical de ver a ação do presente sobre o passado é imaginar que quando cada novo momento presente

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0 PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

toma forma, ele refaz a fiação do registro neural real do passado e reescreve as possíveis memórias dele. Os originais são alterados e não mais existem da maneira que foram inicialmente estocados. Esta é, em parte, a experiência que se tem ao ouvir música. Quando alguém escuta a frase que se desdobra atualmente, a experiência da frase precedente é alterada — uma forma de après coup.

Existem evidências neuroanatômicas que sustentam tal visão (Freeman, 1999a). Freeman demonstrou que, quando coelhos jo­vens são expostos pela primeira vez a um cheiro novo (por exem­plo, cenouras), um padrão de ativação neural é estabelecido. Mais tarde, quando são expostos a um segundo cheiro (por exemplo, nabos), um padrão de ativação diferente é estabelecido para aquele cheiro. No entanto, o estabelecimento do segundo padrão altera o padrão de ativação do primeiro. E mais tarde, quando outro novo padrão é estabelecido para um terceiro cheiro, os dois padrões an­teriores serão alterados. Em outras palavras, o passado está per­manentemente sendo revisado, tanto como um padrão neural quanto como uma experiência de recordação. Ou, em termos mais vigoro­sos, o presente pode mudar o passado. Evidentemente, ele não muda de uma perspectiva histórica, mas é modificado funcional e experiencialmente, e é aí que vivemos.

Pode um momento de encontro ou uma interpretação modifi­car o passado dessa maneira? Sim, mas apenas em pequenos peda­ços a cada vez. E isso não significa que não se pode reter uma lembrança do passado antes que ela seja alterada. Duas lembranças da mesma experiência não só é possível mas comum. As neuro- ciências terão de descobrir o circuito neural para tais passados pa­ralelos e como saber qual deles é o passado atualizado.

O fato clínico de padrões inflexíveis que parecem resistentes à mudança a partir de novas experiências atuais vai de encontro à idéia de que o presente pode fácil, natural e rapidamente mudar o pas­sado. Este emperramento dá suporte à idéia da “compulsão à repe­tição”. Existem condições (conflitos, traumas, first-shot leartiing) que tornam algumas experiências passadas relativamente imunes à

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O MOMENTO PRESENTE

influência do presente. Apesar disso, o princípio geral sustenta que o presente reescreve constantemente o passado. As exceções reque­rem uma investigação, e não um questionamento do conceito básico.

Um terceiro modo pelo qual o presente pode modificar o passa­do funcional é alterando o processo de seleção do contexto de re­cordação do presente para que diferentes partes do passado sejam ativadas e usadas no presente.

Fenomenologicamente, o processo do presente alterando o pas­sado ocorre fora da percepção. Em geral, só percebemos quando somos confrontados com o produto final, e às vezes nem assim.

A AÇÃO DO PASSADO SOBRE O PRESENTE

Vou agora tratar da influência na outra direção, o efeito do passado sobre o presente. Existem diversos passados diferentes. A natureza de sua influência e sua presença sentida assume formas variadas. Vou adotar uma postura fenomenológica, mais uma vez, para ex­plorar os vários tipos de passado que nos interessam clinicamente.

O "passado silencioso" como um fractal

Este tipo de passado está atuando sobre o presente sentido mas não é sentido em si mesmo. É silencioso e apenas reconhecível ao se assumir uma postura objetiva. Consiste sobretudo no inconsciente reprimido e no não-consciente implícito. Em psicanálise isso inclui­ria todas as influências do passado reprimido (por exemplo, confli­tos, fantasias, traumas) que foram tornadas inconscientes e portanto não experimentadas como atuantes no presente sentido. Incluiria, ainda, traços de personalidade que são tradicionalmente encarados como não-conscientes por se tornarem automáticos.

Também inclui o passado não-consciente das lembranças, re­presentações e padrões de resposta que pertencem ao saber implíci­to. Estes, também, estão atuando no presente, sem serem sentidos.

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O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

Exemplos deste “passado” são o que Fogel (2003) chamou de “me­mórias implícitas reguladoras” de como negociar espaço social, interações interpessoais e o campo intersubjetivo. Coisas que co­meçamos a aprender na infância. Esses padrões reguladores se acumularam, ganharam forma ao longo da vida e são influências contínuas sobre o presente. Muito do nosso passado é contínuo e atualizado o tempo todo. Este “passado contínuo atualizado” é al­tamente ativo, embora silencioso. A idéia de um passado feno­menologicamente silencioso porém ativo sempre foi intrigante.

Como podemos explicar que a experiência do presente pode ser largamente determinada pelo passado silencioso? Costumamos pensar em termos de acontecimentos passados influenciando pro­cessos atencionais, percepções, sentimentos e cognições, de tal modo que cada momento presente se torna apenas mais um exemplo de padrões passados. Uma questão semelhante foi levantada em rela­ção aos processos na natureza física. Por que cada câmara da con­cha de um caramujo tem exatamente a mesma forma, apenas numa escala diferente? A pergunta traz à mente uma comparação entre um momento presente e um fractal, conforme descrita na teoria dos sistemas dinâmicos. O fractal é um padrão que tem a mesma

Iforma geral independentemente de seu tamanho ou escala, como um cristal ou a concha de um caramujo (Fivaz, 1989; Gleick, 1987). Eles podem ter algumas variações, dependendo das condições ini­ciais e locais de sua formação. Esses fractais foram identificados no mundo físico como um importante aspecto de auto-organização. Existiria aí uma analogia no mundo temporalmente dinâmico da experiência humana? Por exemplo, lembre-se do aluno de pós-gra­duação da entrevista do café-da-manhã, no capítulo 1, que testou os limites de até onde ele poderia ir enquanto abria a porta da gela­deira e enchia o copo de suco de laranja. A essência destes peque­nos atos de testar limites é idêntica às lutas dele da noite anterior, quando ele estava verificando até onde poderia ousar nas conclu­sões da pesquisa de sua tese. O tamanho é diferente. A importância é diferente. Mas é a forma básica realmente diversa, exceto em va­

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U M U M t N I U H K t h t N l t

riações ditadas por condições locais alteradas? A abertura da porta da geladeira ou o encher do copo se tornam um mundo num grão de areia. O determinismo psíquico trabalha no nível do momento presente.

Outro exemplo retirado de uma “entrevista do café-da-manhã”: uma pessoa descreve como, durante o café-da-manhã, ela observou as últimas gotas de café pingarem de sua antiquada e amada máqui­na de café expresso na xícara. Houve um acúmulo de expectativa e impaciência nela enquanto cada gota se formava, crescia e levava cerca de 4 segundos para cair. Quando ela finalmente caiu na xíca­ra, a satisfação durou pouco e a expectativa pela gota seguinte co­meçou num crescendo mais uma vez, quase imediatamente. Quando a entrevista terminou, ela refletiu que costumava sentir que vivia demais no futuro, que ela se permitia estar no presente com pou­quíssima freqüência, e por períodos que eram curtos demais. No­vamente, é a atividade mental/afetiva de observar a gota de café semelhante ao fractal?

De onde vem o padrão prioritário do fractal? Não é do passado do cristal. Ele não preexiste em forma latente esperando para ser expressado. Na natureza física ele vem das coerções internas e ex­ternas/graus de liberdade enquanto eles operam num sistema dinâ­mico que se auto-organiza ao modificar as condições locais. Como traduzimos isso para um sistema humano com uma história, hábi­tos etc., onde coerções podem ser modificadas pela experiência de vida ou pela terapia?

Psicodinamicamente, presumimos que o momento presente é um exemplo de um padrão mais geral preexistente que (especial­mente quando ele é inconsciente ou não-consciente) encontra sua exata forma de expressão quando é posto em ação num determi­nado ambiente. Sua influência é expressa em todas as atividades independentemente de seu tamanho. Esta visão é surpreendente­mente próxima à noção de fractais. E possível substituir represen­tações/fantasias originais/conflitos/lembranças traumáticas/defesas/ estratégias de enfrentamento ou “memórias implícitas regulado­

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O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

ras”, como concebidas nas psicologias, por coerções intrínsecas e graus de liberdade como definido num sistema físico dinâmico auto-organizador.

Entretanto, importantes diferenças permanecem entre fractais e exemplos psicodinâmicos ou enactments implícitos. O que nos interessa mais é que não se supõe que um fractal contenha um pro­jeto ou planta preestabelecidos. Em outras palavras, ele não tem um passado ativo. Ele não tem um passado no sentido de que o passado é um produto da subjetividade humana. Um fractal tem apenas tendências intrínsecas que sempre operam. O padrão emer­ge de um diálogo dinâmico das tendências intrínsecas com as con­dições locais. Em contraste, para o passado psicodinâmico e para o saber implícito existe a clara suposição de padrões passados pré- formados e ativos que buscam expressão e, portanto, determinam o comportamento. Nesta visão, cada momento presente sucessivo na vida é um exemplo diferente do passado atuando no presente. A variabilidade vem somente das coerções e permissões das condi­ções locais imediatas. Se isso não fosse verdade, seriamos psico­dinamicamente incorentes ou descontínuos, e apenas o enfileirar narrativo dos acontecimentos nos manteria junto ao tempo psiqui­camente fragmentado. Por outro lado, se isso fosse totalmente ver­dade, um momento conteria tudo e não poderíamos mudar.

Em resumo, no que‘diz respeito ao “passado silencioso”, a dife­rença entre fractais e exemplos psicodinâmicos é apenas teórica, e não fenomenológica. Um passado pessoal que age silenciosamente para fazer com que alguém repita padrões em toda e qualquer esca­la e em toda e qualquer condição só pode ser sentido como uma coerção intrínseca que reduz os graus de liberdade no presente.

Ao contrário de não-existente, o passado é fenomenologicamente silencioso. Mas é possível fazê-lo falar e revelar-se mediante as con­dições adequadas. Ele, então, torna-se um “passado vivo”. Quando o passado silencioso está atuando, há muitas vezes um senso de familiaridade em segundo plano, de ter estado ali antes, ou de estar onde você foi feito para estar. O frescor único foi subtraído à novi­

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dade. O silêncio fenomenológico pode ser sentido como uma Iraca sombra caindo sobre a experiência do momento presente.

O passado não existente

Existem acontecimentos passados que influenciam radicalmente o presente, mas não por moldá-lo ativamente numa maneira contí­nua e sim por impor coerções iniciais e graus de liberdade no que são experiências possíveis. Estas coerções incluem alterações neuropsicológicas que foram irreversivelmente fixadas no início do desenvolvimento devido a períodos sensíveis/críticos, traumas, con­flitos (Schore, 1996, 1997, 1998, Siegel, 1996, 1999; Solomon e Siegel, 2003). As conseqüências de privações precoces, maciças e socioafetivas, como vistas em alguns orfanatos (Gunnar, 2001), ou as conseqüências tardias no desenvolvimento advindas de padrões infantis precoces (Stroufe, 1999) são exemplos.

Este passado não é mais uma influência ativa. E um passado apenas no sentido histórico ou narrativo, quando visto de fora. Fenomenologicamente ele não existe e nunca existirá.

O passado vivo

A terceira combinação fenomenológica de passado e presente se dá onde o passado é sentido como atuante agora, embora conti­nue a ser reconhecido como um passado. Uma lembrança simples fornece um bom exemplo. Durante a lembrança, experiências do passado são trazidas para o presente sentido. O senso de ter uma lembrança, do fato de ela pertencer a um passado pessoal mas que acontece agora, é o resultado de dois tempos sendo reunidos e sobrepostos: o passado recordado e o presente existencial. Se a presentidade existencial do momento presente (captada através de sensações corporais de fundo, luz ambiente, espaço e outras imposições contextuais) não estivesse atuando como o tempo-espa- ço sentido no qual o acontecimento passado está agora (re)ocorrendo

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(sendo lembrado), jamais seria possível saber que o momento passado é uma lembrança e não uma realidade ou uma alucina­ção. Portanto, temos um presente sentido no qual um passadosentido está atuando. Esse é o passado que está vivo e sentido no presente.

Esse passado vivo resulta de uma apresentação multitemporal na qual dois acontecimentos, o passado reconstituído e o presente existencial, dialogam, embora cada um carregue um selo cronoló­gico diferente. E apenas mediante tal diálgo que podemos “recor­dar o presente”.

Esse passado é de extrema importância na compreensão do pro­cesso de uma sessão ou de uma seqüência de sessões no nível local, um quase-passado relativo. Nós, como terapeutas, empregamos muito tempo e esforço tentando discernir padrões ao longo do tem­po, no âmbito de uma sessão ou por várias sessões. Esse passado consiste no que vem acontecendo antes do momento presente atual e para onde é provável que ele vá. O passado se torna um padrão de mudança revelado em seqüências. Aqui, ele não é um acontecimen­to único, mas sim as diferenças e semelhanças entre acontecimen­tos sucessivos que traçam um padrão e direção de movimento. É um passado feito de intermediários. E o momento presente que apreende esse padrão em evolução é como o acorde final numa sucessão de acordes. Existem muitos tipos de passados assim em psicoterapia. A seguir, alguns exemplos gerais.

Expansão do momento presente.” A expansão é um conceito familiar nas artes, mas não tanto na psicologia clínica. Ela é essenci­al para entender uma importante influência dos padrões de quase- passado sobre o presente. Mais uma vez, um exemplo da música é útil. Minsky (1981, p. 15) concluiu sua descrição da Quinta sinfo­nia de Beethoven indagando: “Qual é o tema da Quinta sinfonia de Beethoven? São apenas aquelas primeiras quatro notas? Ele inclui o transposto companheiro gêmeo também [as quatro notas seguin­tes]? E as outras variações, aumentos e inversões? Derivam todos de um único protótipo? Neste caso, sim. Ou não?”

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O MOMENTO PRESENTE

As primeiras quatro notas podem ter sido um protótipo para Beethoven ou para aqueles familiarizados com a música, mas para o ouvinte de primeira viagem elas simplesmente preenchem um momento presente. (A maior parte da vida, ao contrário da arte, não repete fielmente.) Para esse ouvinte, existem, evidentemente, diretrizes culturais sobre música ocidental, mas, para esta peça em particular, não há por enquanto nenhuma representação específica. Cada momento presente subseqüente (frase) progride em direção a quê? Uma generalização? Uma representação? Um protótipo? No­vamente, a resposta é sim e não. Sim, porque uma representação está de fato se formando. Não, por causa de outras coisas igual­mente importantes que estão também acontecendo.

Frases anteriores progridem até uma compreensão mais pro­funda da frase que está sendo executada agora. E frases subseqüen­tes vão progredir até uma compreensão mais profunda do que já foi ouvido, como, por exemplo, a primeira frase de quatro notas de Beethoven. As implicações e riqueza de ambas são expandidas. De­pois que todo o movimento é ouvido, terminamos com uma aprecia­ção mais rica e profunda de algo, mas, novamente, de quê? Não se trata de um aprofundamento ou enriquecimento de um significa­do, mas de uma experiência. Esta distinção não pode ser negligen­ciada porque o enriquecimento da experiência está entre os aspectos mais fortes e preciosos da vida humana. O mesmo enriquecimento se dá nas interações humanas, não apenas na arte.

Expansão do momento. Coloca-se em posição de contraste à generalização no seguinte sentido: a generalização é o processo de estender-se de casos particulares, específicos, para conclusões ge­rais, mais abstratas. Expansão é o processo de permanecer com ou dentro de cada momento específico quando ele chega, tratando-o com mais totalidade e completude, e dotando-o de mais sentido eapreciação mais profunda.

Durante as expansões, o passado é ativamente sentido como um pano de fundo contra o qual os acontecimentos do presente estão sendo encenados e tomam forma. A expansão adapta-se bem

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O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

a uma abordagem fenomenológica porque não requer um afasta­mento da posição de primeira pessoa para o modo objetivo. É um processo, por excelência, da posição subjetiva, que acarreta um en­contro de nova experiência que oferece um mundo em camadas à medida que é vivida — tudo em questão de segundos.

Progressões relacionais. As progressões relacionais são outro exemplo de padrões que se acumulam no quase-passado e são sen­tidos no presente. São abundantes na terapia. São “relacionais” no sentido de que é o relacionamento terapêutico que está traçando um padrão de mudança. Subjetivamente, à medida que uma sessão de terapia avança, terapeuta e paciente têm de construir o que está acontecendo ao relacionamento à medida que isso ocorre, levando em conta, de algum modo, de onde aquilo veio e para onde parece estar indo. Um único momento presente obviamente não é suficiente para esta tarefa. Entretanto, você não pode esperar o fim da sessão, ou por mais uma ou duas sessões, para ver estes padrões se repeti­rem diversas vezes. (E claro que se faz isso também.) Precisamos de uma unidade de processo subjetiva que seja intermediária em tama­nho, maior do que um único momento presente e mais curta do que uma sessão inteira — uma unidade de processo que agrupe as seqüências em experiências maiores, coerentes e subjetivas que são, digamos, estrofes ou movimentos da sessão. Diversas ocorrem den­tro de uma sessão. Chamo tais seqüências de “progressões relacionais” porque carregam um sentido de movimento em dire­ção a pontos finais relacionais ou locais de repouso dentro da ses­são. (Muitos terapeutas acham útil também pensar na sessão como um todo, como uma gestalt sentida — por exemplo, Spagnuolo- Lobb [2001]. Esta seria, porém, uma unidade maior e provavel­mente diferente.)

Como o presente momento incorpora em si mesmo uma pro­gressão relacionai que é uma seqüência padronizada de acontecimen­tos passados? E como isso é experimentado fenomenologicamente? Passemos a um exemplo clínico para emoldurar a pergunta. O mate­rial a seguir (resumido pelo autor) vem de um membro do Boston

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0 MOMENTO PRESENTE

CPSG.* A paciente está falando sobre um sonho que ela teve na noite

anterior.

TemaPaciente: Foi como [no sonho] se eu estivesse me sentindo aceita

como sou, e alguma coisa em relação a isso me dá medo. (Ela estabelece o tema “aceitação leva ao medo”. Ao mesmo tempo, ela cria uma experiência com o terapeuta na narração. Ela tam­bém estabelece o contexto para o que quer que venha depois. O contexto temporal [referente] para este tema está longe do aqui e agora; nem mesmo está na realidade consciente. Ocorre no passado, num sonho, e ao relatar o tema ela diz que foi “como”. O terapeuta faz uma pausa e depois produz algum ruído de fun­do para sinalizar para que ela prossiga.)

Variação 1Paciente: Comecei a sentir medo de me machucar quando percebi

que estava baixando a guarda. (O mesmo tema é reiniciado, mas com ligeiras variações que fazem pouca diferença. O gatilho para o medo dela é enunciado com mais precisão. Mais importante, ela o torna uma afirmação mais geral aplicável além do sonho. Não está mais fora da realidade. Ela alterou o contexto para o surgimento do que pode vir depois. O terapeuta, novamente, faz uma pausa e produz ruídos de fundo para sugerir que ela

continue.)

Variação 2Paciente: E você sabe, uma das coisas que estão me perturbando é

que vou acordar com a sensação de estar sendo aceita. (O mesmo tema sofre variação de novo, ligeiramente. Mas existem dois

*Para uma exposição mais extensa deste exemplo dínico, ver Boston CPSG, Report N° 4

(no prelo).

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0 PASSADO E 0 MOMENTO PRESENTE

novos elementos introduzidos muito perifericamente e sem muita ênfase. O terapeuta é introduzido explicitamente quando ela diz “e você sabe”. Ela também ainda está se deslocando do sonho para a realidade: “Vou acordar com a sensação...”)

Variação 3

Paciente: E aí, assim que tomo consciência de que é um sonho, começo a ter medo da sensação. (O tema original é agora recon- textualizado ao ser posicionado na realidade e mais perto do pre­sente, como se o tema estivesse começando a mudar de tom — o do aqui e agora.)

Variação 4

Paciente: É como se eu realmente não quisesse sentir isso com você. (Os elementos que vinham se desenvolvendo vieram para pri­meiro plano e o mesmo tema está agora num tom alterado — especificamente, o contexto de aqui-e-agora-com-o-terapeuta. Ela minimiza a inteireza do novo tom dizendo que “é como se”. Mas está claramente ali para ser visto pelos dois.)

A progressão não está no desenvolvimento do tema em si. Ele quase não se desenvolve. Foi claramente declarado no início. A progressão está no contexto, incluindo a posição do falante — em outras pala­vras, nos reajustes de direção do campo intersubjetivo. Há duas pro­gressões nesse exemplo. A primeira refere-se ao fato de os pacientes partirem de uma posição distante, num acontecimento passado, e um tanto fora da realidade, e se deslocarem para mais perto, para o aqui-e-agora e para o real. A segunda mudança é a substituição do tema estritamente dentro do relacionamento terapeuta-paciente.

A última variação traz a dupla progressão para algo que se asse­melha a um encerramento temporário, um local de repouso. O tera­peuta sente claramente que algum ponto de chegada foi alcançado, porque ele agora intervém.

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O MOMENTO PRESENTE

Terapeuta: Ah! Algo assustador. (Como se dissesse: “Tudo bem, en­tendi. Está sobre a mesa agora onde nós dois podemos ver e lidar com isso.”)

Ação conjunta

A paciente responde: É. E o terapeuta imediatamente se une a ela, repetindo: E.

Eles compartilharam uma breve viagem de movimentos incrementais que compõem a progressão relacionai. O acordo entre os dois é mutuamente ratificado o “É”, “E”.

Agora temos sete movimentos relacionais em seqüência (um tema original, quatro variações da paciente, uma afirmação do terapeuta e uma ratificação conjunta de sua aceitação mútua). A experiência de cada um dos movimentos relacionais deve penetrar a percepção. Mas cada um dos momentos que levam à variação 4 (“E como se eu realmente não quisesse sentir isso com você”) não requer muita consciência, não mais do que o necessário para colocá-la em pala­vras. (Lembre-se de que não é necessário ter a percepção de estar consciente de algo.) A paciente e o terapeuta estão lutando juntos para deixar ou fazer algo emergir. E o que emerge é uma espécie de momento agora menor — “Eu não quero sentir isso com você” —•, que o terapeuta mantém no centro do palco, no aqui e agora, ao dizer: “Ah! Algo assustador.” Isso, então, leva a um pequeno mo­mento de encontro e torna-se parte dele — o “É”, “É”. Isso confir­ma mutuamente a completa progressão de trazer este padrão seqüencial para a frente. É importante lembrar que existem gran­des Momentos de Encontro, com iniciais maiúsculas, e pequenos momentos de encontro.

Não há razão para imaginar que cada etapa da progressão (por exemplo, cada movimento relacionai individual) precise tornar-se um momento presente, com seu requisito de algum tipo de consciên­cia, e de ser lembrado por si mesmo. A progressão reside não em um movimento qualquer, mas nas mudanças seqüenciais.

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0 PASSADO E 0 MOMENTO PRESENTE

Como podemos captar o sentido de uma progressão que vem de muitos movimentos já passados e imprensá-la num único mo­mento presente? Como fazer isso ao mesmo tempo ainda insistindo que a experiência subjetiva acontece apenas no presente? Problema idêntico surge ao ouvir música. Só é possível escutar a parte da música que está sendo tocada agora. As frases precedentes desliza­ram para o passado embora continuem a a agir.

Como uma cadeia de eventos, enquanto estão acontecendo, são reunidos de modo a formar uma unidade maior? É o “enquanto estão acontecendo” que é a parte difícil. A noção de apresentações multitemporais é útil aqui. O primeiro momento da seqüência (que acabou de passar) e o segundo momento (ocorrendo agora) for­mam uma apresentação multitemporal quando reunidos. Supomos que o primeiro (anterior) momento é reativado e trazido da memó­ria operacional por causa de sua similaridade (repetições e varia­ções) e adjacência ao segundo momento. O momento que está ocorrendo agora atua como o contexto de recordação para evocar o momento que acabou de passar. Isso é inevitável porque, se o presente deve ser avaliado pelo que tem de novo, ele precisa ser comparado ao que é familiar, que se encontra no passado.

Com cada momento presente sucessivo a apresentação multi­temporal muda. A apresentação composta dos momentos 1 e 2 é adicionada ao momento 3, formando uma apresentação multi­temporal que combina os três momentos (experiências). E assim por diante. A cada adição à seqüência, a apresentação multitemporal em evolução avança como uma série rápida de acordes em música, na qual a progressão inteira é levada a um repouso e sentida no último acorde, que contém a história da própria evolução. Dessa maneira, o último momento presente da seqüência engloba o sentido da progressão, e o quase-passado formado de padrões mutantes é levado para o momento presente.

Esse tipo de arrancada para um acontecimento final que englo­ba o processo seqüencial é semelhante ao modelo de avaliação afetiva proposto por Scherer (2001). Neste modelo, um acontecimento que

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O MOMENTO PRESENTE

produz um afeto passa por uma rápida sucessão de avaliações ou verificações, cada qual com uma duração de centésimos de segundo e sendo executada numa ordem seqüencial fixa: primeiro, uma ve­rificação de novidade (o acontecimento é novidade?); segundo, uma verificação de ação (é algo que requer aproximação ou afastamen­to?); terceiro, uma verificação hedônica (é prazeroso ou pesaro­so?); quarto, uma verificação cognitiva/perceptual (o que é?); quinto, uma verificação de enfrentamento (pode-se lidar com isso?), e sex­to, uma verificação moral (o mecanismo de enfrentamento é mo­ralmente aceitável?). A qualidade e o tipo de afeto que finalmente emerge e que é sentido são o resultado de todas essas avaliações efetuadas juntas, o que lhe dá sua essência particular. E como uma série de apresentações multitemporais sendo sobrepostas, em que apenas a última penetra a percepção — como o último acorde na seqüência, como o último momento presente na série de progres­sões. Progressões relacionais são criadas muito bem na dança, na música ̂ nas terapias de movimento, nas quais a agenda implícita está com freqüência em primeiro plano.

Por que ou como as progressões relacionais terminam ou pa­ram, formando uma unidade? Este é um ponto clínico chave. A percepção de uma progressão relacionai surge de repente na cons­ciência como uma propriedade emergente. Ela se dá mais ou menos assim: as diferenças ou a direcionalidade inerente à progressão de apresentações multitemporais ficam em segundo plano. Estas dife­renças (nas quais reside a progressão) vão sendo trabalhadas, fora da percepção, até que a progressão relacionai esteja “pronta” para emergir na consciência. Nesse ponto ela é montada e surge num momento presente novo, e o padrão de progressão é apreendido. A maior parte das fundações já foi executada.

No mesmo momento em que a progressão atinge um ponto de completude suficiente, tanto paciente quanto terapeuta percebem isso, assim como percebem que o outro também percebe. O mo­mento é compartilhado e penetra a consciência intersubjetiva. En­tão, os últimos três momentos do exemplo anterior (variação 4, a

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O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

resposta do terapeuta e o “É”, “É” conjunto) penetram a consciên­cia intersubjetiva. Isso faz com que esses momentos sejam mais úteis terapeuticamente. Uma unidade maior com um passado sentido foi fechada. A exigência de que toda experiência intersubjetiva ocorra apenas agora, no presente, é preservada, e ao mesmo tempo res­ponda pela impressão de estar se desenvolvendo ao longo do tem­po passado.

A memória operacional é um mecanismo necessário a este tipo de evolução de apresentações multitemporais. Os momentos sepa­rados que formam a seqüência saíram do presente sentido quando o momento seguinte da seqüência chega. Eles já não são parte da “cauda do cometa”. Deslizaram para o passado descontínuo. A memória operacional serve para manter esses momentos passados num estado de ativação para que eles possam ser evocados e vi- venciados como sobrepostos ou paralelos ao momento presente. Aqui, o enorme número de repetições e variações que compõem uma sessão de terapia adquire uma função. A memória operacional é mantida ativada pela repetição. Se repetido, algo pode ser manti­do na memória de curto prazo bem além de seu limite habitual de alguns segundos. Uma espécie de ensaio (na forma de variações) é exatamente o que vemos nas seqüências de momentos que formam uma sessão de terapia. Como os momentos têm duração relativa­mente curta, de apenas segundos, em geral com pausas entre eles, uma repetição ou variação nova aparece bem dentro do limite da memória operacional e constantemente prepara a memória para mantê-la ativada. Dessa forma, os pedacinhos essenciais (variados) da seqüência podem ser conservados na memória e, em última ins­tância, tornados contemporâneos dos acontecimentos do presente, possibilitando, assim, as apresentações multitemporais nas quais a progressão é sentida.

Vale notar que as apresentações multitemporais são amplamen­te tratadas no domínio implícito. Elas envolvem processos não-li- neares e não-causais e têm um relacionamento mais próximo com a metáfora como um modo fundamental de cognição.

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0 MOMENTO PRESENTE

Existem muitos tipos diferentes de progressões relacionais, cada qual descrevendo um diferente passado sentido. Vou mencionar apenas dois outros exemplos além daqueles que já forneci para com­

pletar a idéia geral.Impulso emocional é outra progressão na qual o passado é o

padrão de uma seqüência sentida no presente. É um bem conheci­do modo-de-ser-com-alguém, uma técnica de retórica, uma tática de diplomacia emocional, e uma forma de convencer-se a si mesmo

de algo.Dr. Seuss, escritor de livros infantis, ofereceu um excelente exem­

plo. Sam-Eu-Sou é o personagem principal de Green eggs and ham (1960). Perguntam-lhe repetidamente se ele vai comer ovos verdes com presunto. A questão e sua resposta negativa ficam mais tolas, mais divertidas e convincentes por causa do peso abreviado de sua repetição e do acúmulo progressivo de novas maneiras de dizer “Não!”. Sam-Eu-Sou responde à pergunta sobre se gosta de ovos verdes com presunto retrucando: “Não gosto deles/numa casa./Não gosto deles/com um rato./Não gosto deles/nem aqui nem lá./Não gosto deles em nenhum lugar./Não gosto de ovos verdes com pre- sunto./Não gosto deles, Sam-Eu-Sou.” Ele é então indagado se os comeria numa caixa ou com uma raposa. Ele responde: “Nem numa caixa./Nem com uma raposa./Nem numa casa./Nem com um ratoV Não os comeria nem aqui nem lá./Não os comeria em nenhum lu- gar./Sam-Eu-Sou.” E assim por diante, com repetições e variações divertidas. Qual é a progressão aqui? Além de diversão e prazer, a convicção emocional de Sam-Eu-Sou vai crescendo e ganhando impulso. Isso é aumentado pelo fato de ele acrescentar, após cada série de negativas, “Sam-Eu-Sou”, como se sua identidade estivesse estritamente vinculada à sua recusa a comer ovos verdes com pre­sunto. Isso confere impulso crescente às suas reafirmações. (No fi­nal, ele come e adora.)

Esse é mais um exemplo de um tipo de padrão acumulativo que é levado adiante em sucessivos momentos presentes. Já vimos esse padrão no diálogo entre Mariah e seu terapeuta (capítulo 9), no

0 PASSADO E 0 MOMENTO PRESENTE

qual a ação principal está na flutuação do tom afetivo. Mariah, tam­bém, por fim, “come os ovos verdes com presunto”.

Um senso de possibilidades em explosão é outro exemplo de uma progressão relacionai que no entanto guarda no presente um diferente passado sentido. Uma invenção musical é um exemplo descomplicado. E normalmente definido como uma breve compo­sição que desenvolve um único tema (em geral em contraponto de duas partes como nas invenções para piano de Bach). Um exemplo mais complicado pode ser o balé de Jerome Robbins, Dances at a gathering, no qual não existe uma linha de história específica, mas muitas variações das maneiras de as pessoas se movimentarem e estarem juntas em grupos de dois, três, quatro ou oito, executando o que parecem ser ilimitadas variações que continuam espantosa­mente. Cada momento sucessivo carrega uma sensação dos momen­tos passados. Mas qual é o tema dessas obras? Ficamos espantados a cada variação. E, quando acaba, nos vemos divertidos e satisfei­tos. A seqüência de variações cria a experiência de expansão de múltiplas possibilidades. E a abertura de cada uma cria um senso de surpresa e encanto. O fluxo de variações constantemente reanima nosso interesse nas infinitas possibilidades que existem no mundo. Isso é um tema ou um significado? Deixamos o espetáculo sentin­do-nos maiores, mais abertos, mais cientes das possibilidades em nossas próprias vidas.

Isso também pode acontecer em psicoterapia em períodos cur­tos, por exemplo, quando o paciente apreende que pode dizer qual­quer coisa que pensar ou quiser dizer. Todos os caminhos de exploração de repente se abrem como trilhas potenciais a seguir. Esse é um momento presente afetivamente carregado. O conteúdo espe­cífico de cada caminho possível não é tão importante quanto o senso de possibilidades até-agora-impensadas a explorar. Uma atitude foi captada — uma que é extremamente valiosa na psicoterapia. Os pa­cientes não cessam de redescobrir isso no curso de um tratamento.

Além da terapia, estar com determinadas pessoas pode dar esta pressão de possibilidades em explosão. Há um sentimento de

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O MOMENTO PRESENTE

que se pode falar sobre qualquer coisa com elas, que os assuntos mudam inexplicavelmente e são inesgotáveis. Esta situação é um poderoso modo-de-estar-junto, especialmente quando existe um reconhecimento mútuo deste estado de coisas diádico.

O passado não ancorado temporalmente

A emergência de certas memórias traumáticas dissociadas pode representar uma quarta combinação fenomenal de passado e presen­te. Quando tais memórias irrompem na cena, não são expe­rimentadas como um passado sentido nem como vindas do passado. Tampouco ocorrem num presente ambiente sentido, habitado por um self que está existencialmente situado no presente. Os aspectos relevantes do self encontram-se pendentes. Estas experiências “ape­nas são”. Elas não estão temporalmente ancoradas. Normalmente, as lembranças que emergem da memória operacional parecem adentrar a sala do presente e sentar-se em sua cadeira designada. Memórias episódicas recordadas ou memórias não reprimidas po­dem irromper na sala do presente em total desorientação e circular ruidosamente pelo lugar antes de se acomodarem. Em ambos os casos, porém, existe um passado sentido habitando um presente sentido separadamente. Este não é o caso de algumas memórias traumáticas recordadas. Elas aniquilam tanto o presente sentido como o passado sentido. E uma situação extrema de estar não an­corado temporalmente.

Em resumo, tentei mostrar que o momento presente pode conter o passado dentro de seu pequeno alcance, e que o passado só está “vivo” quando no palco do momento presente. O passado tem um papel constante influenciando o que experimentamos segundo a segundo. E o momento presente incessantemente reordena nossa memória do passado. O momento presente e o passado são cada qual o pai e o filho um do outro. Isso é verdade independentemente de se o passado é inconsciente, não-consciente ou consciente. No

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O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

diálogo entre o passado e o presente, a psicodinâmica não precisa ser abandonada. Entretanto, a tradicional asfixia do passado sobre o presente é minimizada. Passado e presente tornam-se sócios igua­litários. Talvez o que seja mais importante em termos terapêuticos é que se comece a enxergar como a experiência do momento presen­te pode reescrever o passado.

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Capítulo 13

MUDANÇA TERAPÊUTICA: UM RESUMO E ALGUMAS

IMPLICAÇÕES CLÍNICAS GERAIS

AGORA, TODAS AS PEÇAS e stã o em seus lugares. Temos uma unidade de processo de experiência subjetiva: o momento presente. Ele tem uma duração e uma arquitetura temporal que lhe permite aglome­rar e entender a experiência enquanto ela acontece. Isso resulta na experiência de estar numa história vivida à medida que ela se de­senvolve. A história vivida tem um início, um fim, pontos altos afetivos, uma trama primitiva, intenções subentendidas e, acima de tudo, uma duração com um contorno temporal ao longo do qual a experiência se forma durante seu desdobramento. Esta é sua dinâ­mica temporal. Em suma, o momento presente é direta e integral­mente vivido em tempo real. Ele é vivenciado na realidade e à medida que está acontecendo. É uma experiência direta e temporal. Não é uma experiência produzida através da linguagem num segundo momento, e nem produzida num terceiro momento através de abs­tração, explicação ou narrativa.

Uma sessão de terapia (ou qualquer diálogo íntimo) é formada por uma série de momentos presentes que são impulsionados pelo desejo de contato intersubjedvo e ampliação do campo intersubjetivo

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compartilhado. A intersubjetividade é uma motivação primária nesse movimento. A medida que a díade avança, conectando momentos presentes, um novo modo de-ser-com-o-outro pode aflorar a qual­quer etapa do caminho. Essas novas experiências penetram a percep­ção mas não necessariamente a consciência o tempo todo. Elas contribuem para o domínio do saber implícito. Esse tipo de mudança ocorre no nível local. Esses momentos, cada um durando apenas se­gundos, acumulam-se e provavelmente respondem pela maioria das mudanças terapêuticas que são lentas, progressivas e silenciosas.

Com menos freqüência, de maneira mais sensacionalista e me­nos silenciosa, esses movimentos relacionais podem preparar o ter­reno para o surgimento de um momento presente especial, o momento agora. Trata-se de uma propriedade emergente do pro­cesso de seguir adiante, um processo que é imprevisível, de­sordenado, dinâmico e co-criado — um meio ideal para a irrupção de propriedades emergentes. Estes momentos presentes especiais, quando afloram repentinamente, ameaçam o status quo do relacio­namento e desafiam o campo intersubjetivo como mutuamente acei­to até então. Estes são momentos de kairos. Eles testam o terapeuta e a terapia. Eles montam o palco para uma crise que precisa dealgum tipo de solução.

A solução se dá num momento presente especial diferente, cha­mado momento de encontro. Quando bem-sucedido, o momento de encontro é uma resposta autêntica e adequada à crise criada pelo momento agora. É um momento que reorganiza implicitamente o campo intersubjetivo para que este se torne mais coerente e as duas pessoas sintam uma abertura do relacionamento, que lhes permite explorar juntos novas áreas, implícita ou explicitamente. O mo­mento de encontro não precisa ser verbalizado para efetuar a mu­dança. Um momento agora seguido de um momento de encontro é o evento nodal que pode modificar drasticamente um relaciona­mento ou curso de uma terapia.

Por causa de sua carga afetiva e importância para o futuro ime­diato, o momento agora e o momento de encontro focalizam os

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participantes na presentidade do momento que eles estão vivendo agora. Ambos estão experimentando o desdobramento de um pe­daço da realidade. Eles lêem no comportamento do outro um refle­xo de sua própria experiência. Isso fornece uma forma de reentrada através da mente do outro, de modo que a experiência se torna subjetivamente consciente. Isso abre a porta para a experiência ser verbalizada e narrada, e tornar-se um marco na história narrativa do tratamento.

A questão do mecanismo de mudança agora se apresenta. O motivo pelo qual dou ênfase à experiência e não ao significado é o seguinte: é minha suposição básica que experiências originais são expostas (inscritas na memória e na circuitaria neural) de uma for­ma que retém o fluxo em tempo real de seu desdobramento. São também um registro temporal. Suponho que estas memórias formativas devem ser tão temporalmente baseadas quanto a vida é quando vivida subjetivamente. E por isso que a dinâmica temporal foi acentuada ao longo do livro.

Se experiências passadas devem ser mudadas, elas precisam ser reescritas ou substituídas por uma nova experiência temporal ocor­rendo na mesma estrutura de tempo. A reescrita também precisa ser vivida inteiramente com sua própria dinâmica temporal. Em contraste, o conteúdo de linguagem e narrativa é uma experiência abstraída. Ela é removida uma vez da experiência direta e provoca um curto-circuito em seu fluxo temporal. Tem uma dinâmica tem­poral diferente da experiência direta. Mas só pode reescrever o passado explícito, não o passado experimentado implícito.

Não é possível mudar sem alterar o passado funcional — em outras palavras, o passado ativado e que agora influencia o com­portamento atual. O momento presente é um “contexto de recor­dação do presente” que seleciona quais partes do passado serão ativadas e trazidas para o presente, e ainda como elas serão monta­das de modo a lidar melhor com a situação atual e influenciá-la.

O momento presente modifica o passado funcional (não o pas­sado histórico, como visto de fora por uma terceira pessoa) de duas

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maneiras. Primeiro, na medida em que o momento presente atual é uma experiência nova que surge no processo de seguir adiante, ela vai atuar como um novo contexto de recordação do presente. Como tal, vai selecionar e montar partes do passado nunca-vistas-antes ou menos-usadas para criar um novo passado funcional para influeciar o presente. O passado funcional antigo não é remontado nem trazi­do para a frente. Ele é ignorado, e o novo passado funcional fica pronto para atuar sobre o futuro. Este processo precisa ser repetido diversas vezes para fortalecer a seleção do novo passado funcional particular e sua base neural. É por isso que este modo de mudar é lento, progressivo e silencioso. O passado é, digamos, substituído ao ser remontado de forma diferente.

A segunda maneira pela qual o momento presente muda o pas­sado funcional é reescrevendo-o e apagando o registro antigo ao longo de uma experiência. Aqui, torno a enfatizar que momentos presentes são experiências reais vividas em tempo real. Lembre-se da evidência (por exemplo, o repertório de odores dos coelhos) de que uma nova experiência pode reescrever a circuitaria neural e a expressão fenomenal de uma experiência previamente escrita e re­cordada. A noção-chave, mais uma vez, é um acontecimento real em tempo real com uma dinâmica temporal — uma história vivida que está sendo reescrita sobrescrevendo a antiga.

É importante lembrar que a experiência contida nos momentos presentes está ocorrendo em paralelo à troca de linguagem durante a sessão. Os dois se apóiam e influenciam mutuamente em turnos. Não estou tentando diminuir a importância da linguagem e do ex­plícito em favor da experiência implícita. Estou tentando chamar a atenção para a experiência implícita e direta porque ela tem sido relativamente negligenciada.

Com a ênfase na experiência implícita e não no conteúdo explí­cito, as metas terapêuticas voltam-se mais para o aprofundamento e enriquecimento da experiência e menos para a compreensão de seu significado.

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ALGUMAS IMPLICAÇÕES CLÍNICAS GERAIS

O objetivo deste livro não foi desenvolver uma nova abordagem clínica, mas sim sugerir uma visão diferente do processo clínico quando visto no nível momentâneo e local. No entanto, existem algumas implicações para a teoria e para a prática. Aonde elas vão levar ainda está por ser descoberto. Minha experiência e a dos clí­nicos do Boston CPSG têm sido a de que nossas sensibilidades clínicas foram alteradas por esta visão de um modo que é difícil estabelecer com clareza. Todavia, eis algumas delas.

Quando focalizamos no nível local formado de momentos pre­sentes, uma sensibilidade clínica diferente aflora. Tornamo-nos mais cientes de pequenos eventos, especialmente dos não-verbais e im­plícitos. Estes também ocorrem na forma de atos de fala. Eles cir­cundam e acompanham o que está sendo falado e formam a agenda implícita paralela. O observador/ouvinte precisa estar atento simul­taneamente ao conteúdo verbal explícito e à experiência implícita. Mas é difícil acompanhar os dois igualmente se não acreditamos que ambos podem ter igual valor para o tratamento. E muitas abor­dagens não crêem nisso. Entretanto, quando os dois recebem peso igual, torna-se tão razoável e frutífero intervir acerca de um peque­no comportamento implícito quanto de uma verbalização. E a in­tervenção pode ser no domínio implícito ou no explícito. Isso aumenta enormemente o espectro das oportunidades terapêuticas.

Quando se acredita que o fluxo de uma sessão é ditado pelo desejo de regular e aumentar o campo intersubjetivo, alguns even­tos caem para segundo plano, particularmente a busca por um sig­nificado explícito (ao menos por um período). Outros eventos até agora menos esperados pulam para o primeiro plano, tais como a direção na qual o campo intersubjetivo está sendo levado. Estrate­gicamente, é com freqüência mais importante seguir inicialmente o movimento do campo intersubjetivo em direção a um lugar que possa permitir que a agenda explícita se abra do que focalizar a produção de material explícito no caminho. A ênfase desvia-se tem­

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0 MOMENTO PRESENTE

porariamente do conteúdo intrapsíquico para a regulação intersub­jetiva. Vale lembrar o caso de Mariah e o tempo necessário para estabelecer o campo intersubjetivo apropriado antes que qualquer conteúdo explícito pudesse aparecer. Alguém poderia facilmente ter focalizado sua negatividade e agressividade enquanto seguia adiante, em vez de em seu trabalho em direção a um ponto de par­tida intersubjetivo aceitável para falar do que estava em primeiro lugar em sua mente.

O mesmo se aplica às progressões de momentos presentes. A ação clínica tende a estar na modelagem seqüencial do campo inter­subjetivo, bem como, ou até mesmo mais do que, no desenvolvi­mento de conteúdo explícito.

Sob uma luz semelhante, os movimentos de transferência- contratransferência ficam subordinados à regulação mais abrangente do relacionamento terapêutico, particularmente seus aspectos intersubjetivos. Nem todos os atos para definir ou alterar a nature­za do relacionamento terapêutico são originalmente transferenciais ou defensivos.

Isso levanta um assunto mais amplo. O ponto de vista desenvol­vido aqui sugere a recomendabilidade de manter a teoria a uma maior distância durante a sessão para que o relacionamento imedi­ato possa ser vivido em sua totalidade. Quando as interpretações devem ser feitas ou adiadas a fim de se manter dentro do processo diádico co-criado e esperar até que este tenha percorrido um tre­cho mais completo? Esta é uma questão de bom timing, que é determinante em técnicas tradicionais. Na prática, porém, uma in­terpretação é normalmente concebida e usada como uma hipótese a ser testada pelo paciente e terapeuta em termos de sua verdade e valor heurístico. Está tudo muito bem, mas isto adiciona uma forte influência direcional sobre o fluxo do processo de seguir adiante que vem em grande parte do exterior do processo diádico imediato e se origina da teoria e da metapsicologia residindo apenas na men­te do terapeuta. A interpretação-como-hipótese puxa o processo terapêutico para um relacionamento mais assimétrico no que diz

MUDANÇA TERAPÊUTICA: UM RESUMO E ALGUMAS IMPLICAÇÕES.

respeito à co-criação. Ela ainda define uma direção que não era necessariamente o que estava acontecendo naquele momento do processo. Durante e logo depois da interpretação, o terapeuta se encontra num terreno muito diferente do paciente. Eles precisam renegociar a distância entre eles enquanto negociam o valor da in- terpretação-como-hipótese. Todavia, interpretações precisam ser feitas quando julgado apropriado. O único modo de contornar este dilema é tratar as interpretações como uma desordem em potencial tanto quanto uma hipótese discutida (possivelmente verdadeira).

Tenho a impressão de que, em certas escolas terapêuticas, são feitas interpretações muito precoces e freqüentes. Estas parecem forçar a direção do processo diádico ao longo das linhas teóricas, deixando inexploradas as linhas únicas intrínsecas ao paciente.

A atenção ao fluxo implícito da sessão tem implicações no ob­servar e lidar com a natureza desordenada do processo terapêutico, sua imprevisibilidade e sua espontaneidade. Se aceitamos que a de­sordem não é apenas necessária mas também potencialmente criati­va, e não necessariamente psicodinamicamente determinada mas inerente ao processo de seguir adiante, nós a tratamos diferente. Primeiro, ela não precisa ser tratada como o vazamento de material inconsciente, como um lapsus linguae ou uma palavra ouvida erra­do ou um mal-entendido, ao menos não de imediato. A questão clínica passa a ser não por que aquele mal-entendido ocorreu, mas aonde ele pode nos levar, agora; isso é o que interessa. Segundo, o terapeuta sempre pode voltar pelo mesmo caminho mais tarde e apanhar os aspectos psicodinâmicos se eles então ainda parecerem salientes. Normalmente, isso não acontece. Dito de outra forma, a análise da defesa vem em segundo lugar. Entretanto, isso só vai acontecer quando houver um total reconhecimento do escopo e da criatividade em potencial de desordem e imprevisibilidade.

Vale mencionar ainda uma outra questão em relação aos mo­mentos agora. Eles levam em si um duplo perigo. Se não são respon­didos e redirecionados para outro propósito, podem rapidamente levar a um acting-in maior e mais disruptivo. Adicionalmente, eles

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podem provocar ansiedade no terapeuta, que reage escondendo-se por trás da técnica que impede que o momento agora dê muitos frutos. A aceitação do momento agora não apenas como um evento normal em terapia, mas também como uma rara oportunidade cri­ativa, muda o limiar do terapeuta para este tipo de ansiedade. Isso lhe permite tolerar a situação com a naturalidade suficiente para ser mais autêntico e encontrar uma resposta que seja ao mesmo tempo ajustada à situação específica e que carregue a sua assinatura pessoal. Todos os membros do Boston CPSG notaram esta mudan­ça neles mesmos.

Finalmente, enfatizei em diversos pontos que a abordagem ado­tada aqui focaliza a experiência e não o significado cognitivo. Nova­mente recorro à experiência da música (poderia ser qualquer outra forma de arte) para explorar melhor esta distinção. Podemos ouvir e desconstruir a música, expressando um conhecimento explícito de como ela é construída. Isso exige certo treino. Mas, freqüentemente, não fazemos isso. Ao contrário, ao escutarmos repetidamente, che­gamos a experimentá-la mais profundamente. Ela se enriquece. Dife­rentes aspectos nos interessam, surpreendem e deliciam em escutas subseqüentes. Nós a “conhecemos” melhor, no sentido de que a ex­periência é enriquecida. Quando paciente e terapeuta trabalham jun­tos, algo semelhante acontece. A distinção entre a compreensão cognitiva da experiência e o enriquecimento da experiência é vital.

Evidentemente, é necessário que haja uma busca por significa­do para que uma compreensão psicodinâmica possa ser construída, e uma narrativa de vida, criada. Para tanto, um relato explícito ver­bal da experiência do paciente é essencial. Mas também é preciso haver um processo de reconhecimento da experiência do paciente com mais profundidade, de sentir sua experiência e compartilhá-la com ele para que haja um enriquecimento de quem ele é, de como é ser ele e de como é estar-com-ele. Para que ocorra este enriqueci­mento da experiência do outro, o fluxo do seguir adiante na sessão, os momentos presentes intersubjetivamente compartilhados e os sa­beres implícitos são de suma importância.

As distinções entre implícito/explícito, não-verbal/verbal, reco­nhecimento/compreensão e experiência/significado podem ser re­sumidas em termos de seu papel na mudança terapêutica. Em terapias com base na fala o trabalho de interpretar, construir sentidos e narra- tivizar pode ser visto como um veículo quase não-específico, con­veniente, mediante o qual paciente e terapeuta “fazem algo juntos”. E o fazer-juntos que enriquece a experiência e traz as mudanças nos modos-de-ser-com-os-outros através do processo implícito discuti­do. Como um complemento, a construção verbal de sentidos e a narrativização como formas de explicar podem ser vistas como tam­bém produzindo mudança terapêutica. Aqui, o fazer-junto implíci­to e o saber implícito alterado circunscrevem o fluxo de compreensão explícita e o fecha em casa.

Ambos são necessários. Mas cada um demanda um modelo des­critivo e explanatório diferente. Concentrei-me no implícito e no experiencial por ser este um território menos mapeado. Para fazer isso, foi necessário observar o processo terapêutico através das len­tes do momento presente.

MUDANÇA TERAPÊUTICA: UM RESUMO E ALGUMAS IMPLICAÇÕES...

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Apêndice

A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

INTRODUÇÃO: O QUE ESTÁ SENDO ESTUDADO?

É importante sermos claros sobre qual aspecto da consciência está sendo estudado. Ainda que o foco do livro seja a experiência enquanto está sendo vivida, a exploração da entrevista micro- analítica é um experimento piloto que concerne à narração pós- fato sobre o que é vivido conscientemente. O sujeito do estudo, então, é um tipo especial de narrativa sobre uma experiência cons­ciente. É bom sublinhar que se trata de uma narrativa especial. Ela é derivada de uma técnica de entrevista que constrói o relato nar­rativo a partir de múltiplas narrações do mesmo material, em que cada narração pode “corrigir”, acrescentar, subtrair ou enrique­cer as anteriores; em que os eventos contados têm curta duração, raramente ultrapassando um minuto; em que a entrevista é mi- croanalítica no sentido de que o menor acontecimento, ação, sen­timento ou pensamento recordado é explorado à exaustão do conteúdo recordado; em que a narração é co-construída pelo experimentador com o sujeito; em que todos os elementos narra­dos são representados graficamente ao longo das dimensões de tempo (estimado) e intensidade (julgada subjetivamente).

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O resultado é um relato único, uma narrativa em camadas, microanaliticamente enfocada e co-construída. Provisoriamente, vou chamá-la de narrativa compósita, que não é a experiência vivida nem é uma narrativa construída de modo normal, a qual é rascu­nhada rapidamente na mente mais ou menos à medida que vai sen­do contada e é em geral narrada apenas uma vez ou periodicamente. Embora um relato narrativo normal seja derivado de uma experiên­cia consciente original, ele é, em si, também um dado fundamental no sentido de que este é o modo pelo qual nós comumente di­mensionamos na mente, ou pensamos e contamos sobre nossas ex­periências. A narrativa compósita provavelmente se localiza em algum ponto entre a experiência vivida e uma narrativa normal. Ela é um produto mais artificial e experimental.

Por que, então, este nível de análise é justificado e possivelmente interessante? É uma tentativa de chegar mais perto de uma objetificação da experiência subjetiva vivida. Os estudos da consci­ência estão num estágio no qual se faz necessário um diálogo entre diferentes níveis de descrição. O relato presente é uma tentativa de desenvolver outro nível de descrição para juntar-se ao diálogo. A necessidade de tal diálogo foi amplamente sugerida por muitos ou­tros (citados em pontos deste livro).

A idéia por trás da entrevista microanalítica veio da experiência com a microanálise de interações entre pais-filhos usando filme e videoteipe como um microscópio para entender mais profundamente como elas funcionavam. As descrições no micronível das frações de segundo que emergiram foram fascinantes e muito úteis na con- ceitualização e tratamento do relacionamento pai-filho (ver cita­ções em outros pontos deste livro). Entretanto, sua realidade fenomenal estava por explorar.

Suponho que a narrativa compósita, que é análoga à microanálise do comportamento, vá nos aproximar da experiência vivida e desse modo permitir novos insights e idéias. E com esta disposição que o método e os resultados são apresentados.

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A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

METODOLOGIA

A população

A entrevista foi realizada com alunos, colegas e amigos. Inicialmen­te, começando há 10 anos, 12 entrevistas foram conduzidas. Usei-as para estabelecer o método. Os resultados dessas entrevistas não es­tão incluídos aqui, por não terem sido quantificados de maneira padrão.

Com a ajuda de alguns de meus assistentes de pesquisa na Uni­versidade de Genebra (Philip Santos, Janine de Haller e Pierre Scheidegger), entrevistei um segundo grupo de seis sujeitos. O mé­todo e resultados quantitativos deste segundo grupo, resumidos aqui, são descritos e discutidos em detalhe por Santos (2000). Um dos sujeitos foi retirado do grupo por não conseguir manter a distinção entre aquilo de que se tem percepção e aquilo de que se tem total consciência. Um terceiro grupo de cinco sujeitos foi reu­nido por mim após o fim do segundo experimento, com o propó­sito de esclarecer e refinar aspectos da entrevista. O número total de casos separados relatados quantitativamente com o mesmo método é de oito.

A perspicácia ou facilidade narrativa dos sujeitos não foi avali­ada. Suficiente dizer que embora todos os sujeitos tivessem apro­ximadamente status educacional e inteligência equivalente, havia uma ampla variação de perspicácia e facilidade narrativa. Não te­nho dados sobre as variações referentes a diferentes culturas, ida­des, sexos ou tipos de psicopatologia, embora isso teria sido interessante.

O tema das entrevistas

Todas as entrevistas relatadas tiveram apenas um assunto geral: o que foi conscientemente experimentado naquele dia no café-da- manhã (daí o nome original, “entrevista do café-da-manhã”). Essa

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O MOMENTO PRESENTE

refeição foi escolhida porque podíamos contar com sua ocorrência na manhã logo antes da entrevista. Em outras palavras, tinha uma recentidade constante, estava suficientemente automatizada (signi­ficando que a mente está mais livre para vagar) e normalmente não contém eventos emocionais que exigiriam muita censura. Este últi­mo motivo provou não ser tão verdadeiro. Os sujeitos escolheram qual segmento do período do café-da-manhã seria explorado. A base da escolha não era conhecida. Isso abriu a porta para uma seleção baseada em fatores psicodinâmicos, facilidade narrativa, carga emocional etc.

Também conduzi esta entrevista quando o tema era a experiên­cia mais efetivamente carregada que o sujeito tivera durante a se­mana anterior. Um quadro ligeiramente diferente vem à tona. No entanto, isso não vai ser comentado aqui.

O procedimento

Instruções gerais

Os voluntários, que nada sabiam a respeito de nosso estudo, fo­ram convocados ao laboratório às 10 horas. Foi-lhes dito apenas que estávamos realizando um estudo sobre a experiência da cons­ciência e que explicaríamos com mais detalhes ao fim do estudo. Em seguida, perguntaram-lhes: “Conte-me sobre as experiências que você viveu conscientemente hoje durante o café-da-manhã.” Examinei a diferença entre o que eles logicamente sabiam que devia ter acontecido (que é em geral bastante automático e não-consci- ente) e aquilo de que estavam claramente conscientes. Também lhes foi pedido que me avisassem sobre qualquer parte da experi­ência que eles não desejassem contar, para que eu soubesse se ha­via lacunas no relato.

E importante perguntar o que eles experimentaram — e não sobre o que aconteceu (o que leva a contar ações e eventos), sobre o que pensaram, o que sentiram ou sobre qualquer coisa que os leve a

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A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

favorecer qualquer modalidade ou tipo de experiência. Estas per­guntas específicas sobre modalidade vêm depois.

Escolhendo um segmento e suas fronteiras

A primeira tarefa é estabelecer o segmento da experiência do café- da-manhã a ser explorado. O segmento não pode durar muito mais que 30 a 90 segundos, por causa das restrições de tempo de um exame intensivo. Ele deve ser contínuo, em tempo real, mesmo que seja composto de diversos pedaços de consciência separados.

O segmento é escolhido da seguinte forma: primeiro, o sujeito conta a experiência do café-da-manhã completa. Isso é invariavel­mente um breve resumo sem grande interesse. Em seguida, é pedi­do a ele ou ela que escolha qualquer parte do todo que tenha início e fim claros. O sujeito então escolhe quais acontecimentos clara­mente definidos (em sua mente) servirão de fronteiras.

Analisando o segmento

O sujeito quebra o segmento em partes (ver exemplo no capítulo 1). A primeira análise se dá no nível do episódio de consciência. O epi­sódio é um período contínuo de consciência cercado por períodos de não-consciência, ou non-CS holes. A segunda análise quebra os episódios contínuos de consciência em momentos presentes.*

Alguns episódios de consciência contêm somente um momento presente, caso em que os principais marcos de fronteira para esse momento presente são também non-CS holes cercando o momento presente. Mais freqüentemente, cada episódio de consciência con­tém diversos momentos presentes que são temporalmente adjacen­tes um ao outro. Nesse caso, as fronteiras entre momentos presentes adjacentes consistem em mudanças observáveis na experiência. Es­

*No trabalho de Santos (2000), o que estou chamando de episódios de consciência são chamados de “momentos presentes”, e o que estou chamando de momentos presentes são chamados de “tomadas”.

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0 MOMENTO PRESENTE

sas alterações em geral envolvem uma mudança de lugar, ação, per­sonagens, tempo, ponto de vista do narrador em relação à experiência ou qualquer combinação desses itens. O resultado é uma análise semelhante a esta:

Segm ento escolhido para ser narrado

lacuna------- episódio de consc------- lacuna------- episódio de consc------- lacuna

(m om ento presente 1) (m om ento presente 2) (etc.)

Atenção repetida é dada à distinção entre coisas que devem ter ocor­rido e aquelas que claramente penetraram na consciência. A per­gunta é feita ao sujeito diversas vezes.

Representando graficamente o segmento analisado pela primeira vez

O sujeito recebe instruções sobre como representar graficamente sua experiência, em duas dimensões: duração estimada (em segun­dos ou frações de segundos) e intensidade subjetiva (1 a 10). (Ver Figura 1.1, capítulo 1.) Os elementos gráficos da experiência são desenhados como linha, curvas ou contornos. A abscissa do gráfico é o tempo e a ordenada é a intensidade da experiência. O primeiro gráfico é muito tosco e aproximado. E um esboço de trabalho.

Múltiplas passagens pela experiência para compor a narrativa compósita

Qualquer dos elementos da experiência dentro de um momento presente é então selecionado para uma exploração mais detalhada. Por exemplo, se os afetos são o primeiro elemento destacado, per- gunta-se ao sujeito o que exatamente sentiu e pede-se que desenhe a forma de tempo-intensidade no gráfico. Esta é a primeira passa­gem. Na segunda passagem, os pensamentos do sujeito são adicio­

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A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

nados ao gráfico. Em passagens subseqüentes, ações, lembranças, posturas ou mudanças posturais, gestos, imagens, fantasias, senti­mentos etc. são acrescentados separadamente em seqüência.

Cada vez que uma nova passagem é feita e novos elementos são acrescentados, em geral é necessário fazer correções nas anteriores,o que pode modificar todo o gráfico, inclusive sua análise, tempo ou a forma de curvas previamente posicionadas. A ordem das per­guntas feitas acerca de diferentes elementos (por exemplo, pensa­mentos ou afetos) é variável e normalmente formulada com base em sua aparente relevância. O resultado é um gráfico que se asse­melha a uma partitura de sinfonia peculiar. Em seguida, isso é com­primido em um gráfico compósito.

Uma verificação final na consciência

Após terem sido assinaladas todas as passagens e adicionadas as alte­rações progressivas, pede-se ao sujeito que escolha o momento exato em que um elemento se tornou consciente engrossando a linha de sua curva naquele ponto. Isso é necessário porque muitos atos físicos e mentais traçam uma longa linha que fica vagamente na percepção mas entra e sai da consciência em certos pontos (ver Figura 1.1).

Estimativas de duração

Quando se tem um gráfico quase final, pede-se ao sujeito que esti­me, em segundos, quanto tempo durou, em tempo real, cada ele­mento, momento presente e episódio de consciência. Muitas das experiências são descritas como momentâneas ou flashes. Estas re­cebem uma duração arbitrária de um quarto de segundo. O tempo total é estimado de três maneiras. O tempo somado total é obtido somando-se as durações separadas dadas a cada um dos momentos presentes. O tempo global total é a duração estimada de todo o segmento narrado. Pede-se também ao sujeito que encene a experi­ência na mesma estrutura de tempo em que pareceu ocorrer. O tempo necessário para esse enactment é o tempo encenado total.

*)C3

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O MOMENTO PRESENTE

Quando termina a entrevista?

Feitas todas as passagens, e algumas delas são realizadas mais de uma vez, chega-se a um ponto em que o sujeito sente que a entre­vista colheu todas as informações que a experiência continha. É realizada, então, uma verificação final de verossimilhança. Pergun­ta-se ao sujeito se o gráfico final é uma representação fiel de como foi a experiência. Se não for, são feitos ajustes.

Perguntas sobre o status fenomenológicode aspectos da experiência

Três perguntas são formuladas depois que o gráfico é finalizado. A primeira examina o status existencial da experiência durante o momento presente. Ele envolve objetos da experiência que são reais e presentes ou objetos ausentes ou virtuais?

A segunda pergunta examina a localização no tempo da expe­riência. Ela se encontra no passado, no presente ou no futuro, ou ocupa um tempo indeterminado?

A terceira pergunta examina o ponto de vista do narrador quanto à experiência narrada. O sujeito está observando a experiência a distância ou está inteiramente presente nela? O sujeito é mais um espectador ou um ator da experiência? O sujeito está pouco con­centrado e distraído ou altamente focalizado na experiência?

Duração da entrevista

A entrevista inteira dura cerca de uma hora e meia.

Os resultados

A estrutura temporal da experiência conscientecomo encontrada na narrativa compósita

A unidade mais longa é o segmento da experiência escolhido para ser narrado. Usando o “tempo somado total”, a variação foi de 4,5

264

A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

segundos a 367 segundos, com uma duração média de 91,7 segun­dos e uma duração mediana de 28,5 segundos (ver Tabela A.l). Embora grande, esta variação não influenciou muito a duração das unidades menores e mais básicas.

Tabela A .l

A estrutura tem poral de ep isód ios de consciência

e m om entos presentes (durações em segundos)

A. Episódios de consciência

SUJEITOS

1 2 3 4 5 A B C média

Número Duração média

Duração mediana

11 3 7 4 6 3 2,6 8,7 52,4 52 4,5 15 2 8 5 8,5 4 9

42012

1 4,94.5 20,24.5 6,6

B. Momentos presentes

SUJEITOS

1 2 3 4 5 A B C médiaNúmero

Duração média Duração mediana

29 10 19 14 22 10 16 8 2,6 19,3 15,4 1,2 7 16

2,6 3,3 2 ,7 3,5 3,7 2,9 4,2

1 16,44.5 9,34.5 3,4

C. Momentos presentes por episódio de consciência

SUJEITOS

1 2 3 4 5 A B C médiaNúmero 2,6 3,3 2 ,7 3,5 3,7 3,3 2,5 1 2,8

D. Tempo total do segmento escolhido para ser narrado

SUJEITOS

1 2 3 4 5 A B C médiaTempo somado

Tempo global25 26 367 216 27 30 35 10 720 210 600 40

3850

4,5 91,7 8 209,1

265

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O MOMENTO PRESENTE

As unidades mais curtas seguintes, os episódios de consciência, fo­ram bem fáceis para os sujeitos identificarem, porque estavam cer­cadas por non-CS holes. Esses episódios tinham duração média de 20,2 segundos e duração mediana de 6,6 segundos (ver Tabela A. 1). Essa variabilidade deve ser esperada porque o número de momen­tos presentes por episódio é variável.

As unidades mais curtas de todas, os momentos presentes, fo­ram, às vezes, mais difíceis de separar e identificar, pois os critérios para as fronteiras são mais sutis. Houve, em média, 2,8 momentos presentes por episódio de consciência, com uma variação de 1 a 3,7 momentos presentes por episódio. Momentos presentes tiveram uma duração média de 9,3 segundos (com 2 entre 8 muito mais longos do que os demais).

Tabela A .2 .

A natureza das fronteiras entre m om entos presentes adjacentes

(expressa co m o um percentual d o to ta l de adjacências)

SUJEITOS1 2 3 4 5 A B C média

Mudança de ponto, . 100 100 95 100 91 100 94 100 98

de vistaMudança de cena 100 100 100 100 100 100 100 100 100

A descoberta mais impressionante, porém, foi que a duração mediana foi bastante constante: 3,4 segundos, variando de 2,6 a 4,5 segun­dos (ver Tabela A.1). Esta duração corresponde à que teria sido prevista a partir dos dados apresentados no capítulo 3 sobre a dura­ção do presente momento em diferentes domínios.

A natureza das fronteiras entre momentos presentes adjacentes

Como não existem non-CS holes separando momentos presentes adjacentes, são usados critérios menos óbvios. Entre momentos pre­

266

A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

sentes adjacentes, há uma mudança na cena (lugar, tempo, persona­gens ou ação) em 100% dos casos. Há uma mudança no ponto de vista do sujeito em relação à ação em 98% dos casos (ver Tabela A.2).

O status fenomenológico das experiências dentro de um momento presente (aspectos selecionados)

Três aspectos são identificados: o status existencial do objeto da experiência, a localização temporal do objeto da experiência e o ponto de vista do sujeito em relação ao objeto da experiência. Os resultados são apresentados na Tabela A.3. Em geral, eles corrobo­ram a idéia de um momento presente polifônico, politemporal que se modifica dinamicamente à medida que se desdobra.

DISCUSSÃO

Uma questão crítica envolve até que ponto a duração dos eventos nas narrativas compósitas (como recordadas, contadas e co-monta- das como um compósito) corresponde aos eventos como original­mente experimentados. Diversos autores sugeriram que a duração dos eventos como recordados ou representados é razoavelmente próxima ao tempo real dos eventos vividos. Por exemplo, em rela­ção a movimentos físicos, Jeannerod (1999) sugeriu que a mente representa com precisão o corpo em movimento no tempo e no espaço. Pode haver, porém, diferenças específicas de domínio na exatidão dessa correspondência, como para afetos comparados a pensamentos, comparados a ações etc.

Uma segunda questão crítica é: que tipo de validade pode ser atribuída a estas descobertas? O argumento mais forte pode ser apre­sentado em favor da validade aparente. As narrativas compósitas são sentidas como o foram quando ocorreram. A verossimilhança em relação à vida-como-vivida é forte. Esta é uma impressão pene­trante. Muitas vezes, quando falo sobre os resultados da entrevista do café-da-manhã para os sujeitos, eles riem e dizem: “Isso, foi as­

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O MOMENTO PRESENTE

sim mesmo.” O fato de encontrarmos a mesma duração média e variação para momentos presentes de diferentes domínios de expe­riência (ver capítulo 3) empresta uma validade convergente à entre­vista. Na última análise, estudos de registros cerebrais de atividade neural vão conseguir estabelecer uma forma de validade corre­lacionai acerca da duração de eventos como recordados e como vividos.

Até hoje, apenas um estudo publicado levantou a questão da utilidade da entrevista microanalítica na explicação de fenôme­nos clínicos. O estudo de Nachman (2001) de identificação ma­ternal com um filho em tempo real usou a técnica. Ele revelou muitas mudanças rápidas na força e na natureza da identificação da mãe com a criança. Tais alterações foram medidas em segun­dos, dependendo dos contextos. Dessa perspectiva, a identifica­ção é vista como um processo altamente dinâmico temporalmente, e não como um estado de longa duração ou mesmo estático, como às vezes pensamos.

Minha previsão é de que a narrativa compósita que resulta da entrevista microanalítica vai ajudar a explorar melhor característi­cas fenomenológicas de interesse clínico e neurocientífico. Eu diria que o perfil quantitativo de diferentes características da narrativa compósita seria diverso sob variadas condições, ambientes, estados psicológicos ou outros estados patológicos e contextos culturais. Mesmo a duração do momento presente, que parece ser o elemen­to mais constante, pode variar sob condições diversas. Todas essas diferenças, porém, favoreceriam nossa compreensão.

Em todo caso, os resultados atestam a riqueza do mundo micro- momentâneo de momentos presentes e sugere que a noção de um momento presente como “um mundo num grão de areia” fornece uma hipótese sustentável.

268

A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

Tabela A .3 .

Status fen om enológico da experiência dentro

de um m om ento presente

A. Status existencial da experiência num momento presente (porcentagem)

SUJEITOS

1 2 3 4 5 A B C média

Objeto presente 51,7 50 57,9 74,1 45,6 49,4 35 100 57,5Objeto ausente 44,8 30 36,8 28,6 45,6 50 ,6 65 0 45,8

Objeto presente e6,9 20 21,1 42,8 0 0 10 0 12,6ausente

B. Localização do momento presente no tempo (porcentagem)(Pode haver localizações simultâneas)

SUJEITOS

1 2 3 4 5 A B C média

Passado 6,9 90 10,5 28,6 45,6 33 40 0 31,8Presente 79,3 10 84,2 78,5 77,3 80 60 100 71,2

Futuro 24,1 20 26,3 35,7 50 10 15 0 24,5Indeterminado 3,4 10 15,5 2,1 0 5 12,5 0 7,6

C. Variação de posições assumidas ao longo de diferentes momentos presentes (variação de 1-5)

SUJEITOS1 2 3 4 5 A B C

A distância (1) Totalmente presente (5) 1-5 3-5 1-5 2-5 1-5 2-5 2-5 4

Espectador (1) Ator (5)

2-5 2-5 1-5 1-5 1-5 2-5 2-5 3

Sujeito a distração (1) Absolutamente 1-5 2-5 2-5 2-5 1-5 2-5 1-5 4

concentrado (5)

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Glossário*

Afetos de vitalidade são experiências subjetivas. Trata-se da dinâmica temporal das alterações nos sentimentos, consistindo em mudanças analógicas, fração de segundo a fração de segundo em tempo real, em afetos, pensamentos, percepções ou sensações. Por exemplo, a aceleração sentida e a explosão de raiva subseqüente. Em geral ocorrem em paralelo com os contornos tempo­rais de estimulações. Afetos de vitalidade são experiências subjetivas. Con­tornos temporais de estimulações, ao contrário, são eventos objetificáveis. Há um isomorfismo incompleto entre os contornos temporais e os afetos de vitalidade. Afetos de vitalidade são sinônimo de formas de sentimento tem­porais, formas de sentimento ou formas temporais.

Ansiedade intersubjetiva é o sentimento que aflora quando o processo de orien­tação intersubjetiva não oferece coordenadas suficientemente claras sobre onde se está no campo intersubjetivo. É uma forma de ansiedade que não é diretamente identificada nas teorias psicológicas nem nos princípios dar- winianos. Talvez esteja mais próxima de uma ansiedade existencial.

Campo intersubjetivo é o domínio de sentimentos, pensamentos e conhecimento que duas (ou mais) pessoas compartilham acerca da natureza de seu relacio­namento atual. Não só esse domínio intersubjetivo é compartilhado como também o próprio compartilhar é validado entre eles, implícita ou explicita­mente. Esse campo pode ser transformado. Pode-se entrar ou sair dele, aumentá-lo ou diminuí-lo, torná-lo mais ou menos claro.

Consciência intersubjetiva é uma forma de consciência que aflora quando um circuito de reentrada é estabelecido entre a experiência direta na mente de

•Os termos contidos aqui são específicos do uso do autor ou do Boston Change Process Study Group (BCPSG).

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O MOMENTO PRESENTE

uma pessoa e a experiência, dessa mesma pessoa, de segunda pessoa experi­mentando a experiência da primeira pessoa. Esse circuito recursivo inter­subjetivo permite que a experiência dupla da primeira pessoa emerja na consciência — consciência intersubjetiva. A consciência intersubjetiva é so­cialmente baseada, e não derivada de circuitos de reentrada de experiência originando-se exclusivamente de uma única mente. Ela não precisa se tornar reflexivamente consciente nem ser verbalizada. Mas ela penetra na memória

episódica.Contorno temporal é a forma temporal de estimulações que invadem o sistema

nervoso, pelo lado de dentro ou pelo lado de fora. O contorno temporal consiste nas mudanças analógicas, fração de segundo a fração de segundo em tempo real, na intensidade, no ritmo ou na forma da estimulação. É, em

teoria, uma entidade objetificável.Desordem refere-se à desorganização do processo de seguir adiante. Inclui o se­

guinte: imprevisibilidade, intencionalização indefinida, redundância e varia­ções freqüentes, todas as quais tendem a tornar o processo de seguir adiante menos linear e mais complexo. Ao mésmo tempo, a desordem é vista como algo que acrescenta elementos potencialmente criativos ao processo. Esses elementos criativos são propriedades emergentes que, quando bem utiliza­das, podem desviar a natureza do campo intersubjetivo para novas direções.

Dinâmica temporal são mudanças no tempo ou ao longo do tempo, particular­mente mudanças na força, na intensidade, na qualidade, na forma ou no ritmo de uma experiência ao longo do tempo. Como usado no livro, o termo em geral se refere ao que poderia ser mais adequadamente chamado de dinâ­mica microtemporal, porque as mudanças ocorrem em segundos.

Fluxo-de-sentim ento-in tencional é o senso subjetivo de uma intenção que se move em direção ao seu objetivo. Ele inclui o senso de se inclinar na direção do objetivo e o senso de diminuir a “distância” do objetivo, bem como mudan­ças na intensidade da expectativa e do prazer à medida que a trajetória é

percorrida.Harmonização afetiva (também harmonização) é uma forma especial de com­

portamento em resposta ao comportamento afetivo comunicativo de outra pessoa. Assim como a imitação é uma fiel representação das ações abertas do outro, a harmonização afetiva é uma fiel representação do que o outro deve ter sentido quando se expressou por meio de tais ações. Isso requer que a harmonização imite apenas a dinâmica temporal da intensidade, da forma ou do ritmo do comportamento do outro, mas numa modalidade ou escala diferente. Assim, as ações reais do outro não se tornam o referente da harmonização (como ocorreria na imitação); antes, o sentimento por

272

GLOSSÁRIO

trás das ações se torna o referente. É um modo de imitar, partindo do interior, como é uma experiência, e não a forma pela qual ela foi expressa numa ação.

História vivida (ou história microvivida) refere-se à estrutura da experiência que se desenrola durante um momento presente. Consiste num enredo seme­lhante a uma narrativa e em uma linha de tensão dramática que sobe e desce durante o momento presente. É uma história vivida, sentida ou experimen­tada que não é verbalizada nem narrada. Posteriormente, narrativas reais podem ser engendradas a partir dessas histórias vividas.

Intencionalização difusa é (1) a natureza inexata de tentar expressar suas inten­ções sentidas — dizendo de outro modo, de colocá-las em palavras; (2) o processo equivocado de tentar inferir as intenções de outra pessoa coim base em suas palavras, em seus comportamentos e no contexto; e (3) as aproxi­mações negociadas quando duas pessoas tentam compartilhar ou compreen­der o estado intencional de um dos parceiros. Essa difusão é considerada intrínseca ao processo de “ler” o outro. E claramente notada durante o se­guir adiante no nível local durante a psicoterapia.

Momento agora é um momento presente que aflora subitamente numa sessão como uma propriedade emergente do processo de seguir adiante. É um mo­mento afetivamente carregado porque põe em questão a natureza do relacio­namento paciente-terapeuta. Normalmente isso envolve contrariar ou ameaçar romper a moldura ou as “regras” habituais de como eles trabalham juntos e são juntos. O que está em jogo é como eles serão um com o outro. O nível de ansiedade no paciente e no terapeuta aumenta. Eles são ambos pu­xados com força para o presente. O terapeuta sente que uma resposta técni­ca de rotina não vai ser suficiente, o que aumenta sua ansiedade. Uma crise que precisa de solução foi criada. A solução pode vir na forma de um mo­mento de encontro ou de uma interpretação.

Momento de encontro é um momento presente entre dois participantes capaz de resolver a crise criada por um momento agora. Assim, ele dá nova forma ao campo intersubjetivo e altera o relacionamento. É evocado como uma pro­priedade emergente do microcontexto do momento agora e deve ser extra­ordinariamente sensível a esse contexto. Envolve uma resposta à crise que seja bem ajustada à especificidade dessa crise em particular. Não pode ser uma resposta técnica geral, mas sim uma resposta específica e autêntica que leve a assinatura pessoal do terapeuta, digamos assim. Isso é necessário por­que existe um compartilhamento intersubjetivo nesse momento que altera o campo intersubjetivo entre os dois. O compartilhamento afetivamente car­regado expande o campo intersubjetivo de tal forma que o relacionamento

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O MOMENTO PRESENTE

conforme sentido por ambos de súbito torna-se diferente do que era antes do momento de encontro. Essa mudança no campo intersubjetivo em virtu­de do momento de encontro não requer verbalização nem narração para ser

efetiva e duradoura.Momento presente é o intervalo de tempo no qual processos psicológicos agru­

pam unidades muito pequenas de percepção na menor unidade global possí­vel (uma gestalt), que tem um sentido ou significado no contexto de um relacionamento. Objetivamente, momentos presentes duram de um a dez segundos, com uma média por volta de três ou quatro segundos. Subjetiva­mente, são aquilo que experimentamos com o um agora ininterrupto. O momento presente é estruturado como uma história microvivida, com um enredo mínimo e uma linha de tensão dramática feita de afetos de vitalida­de. Ele é, portanto, temporalmente dinâmico. Embora seja um fenômeno consciente, não precisa ser reflexivamente consciente, verbalizado ou narra­do. É visto como o bloco de construção básico de experiências de relaciona­mento. Abstrações tais como generalizações, explicações e interpretações, ou fenômenos de ordem superior, como narrativas, são formadas dessas ex­periências psicológicas básicas e primárias. São somente estas que aconte­cem “agora” e somente estas que são diretamente vividas.

Movimentos relacionais são comportamentos abertos (entre os quais fala e silên­cios) que são as menores unidades às quais uma intenção de alterar ou ajus­tar o relacionamento pode ser atribuída por um parceiro ou observador interativo. São momentos presentes que não se tornaram conscientes. Como os momentos presentes, formam o processo de seguir adiante.

Nível local é a interação vista numa microescala de momento em momento, na qual as unidades são feitas das menores gestalts comportamentais para as quais uma intenção poderia ser inferida. Essas unidades consistem de movi­mentos relacionais e momentos presentes que têm sua duração medida em segundos. O nível local é feito das seqüências dessas unidades. É o nível

psicológico fundamental para o enactment do parentesco.Orientação intersubjetiva é ao mesmo tempo a necessidade e o ato de testar o

campo intersubjetivo, sabendo “onde ele se situa” entre duas pessoas, sen­tindo “em que pé o relacionamento está” nesse momento, sabendo “aonde as duas pessoas estão indo uma com a outra”. Funciona para orientar a pes­soa no campo intersubjetivo e para avaliar a natureza do campo no momen­to. É um processo quase contínuo e às vezes provoca uma impressão imperativa (quando perdido e a ansiedade intersubjetiva aflora). Semelhante à orientação espacial, mas num espaço intersubjetivo.

274

GLOSSÁRIO

Participação alterocêntrica (Braten, 1998b) é a capacidade inata de experimen­tar, normalmente sem estar consciente disso, o que outra pessoa está experi­mentando. É um ato involuntário de experimentar como se seu centro de orientação e sua perspectiva estivessem localizados no outro. Não é uma forma de conhecimento sobre o outro, e sim uma participação na experiên­cia do outro. É a capacidade intersubjetiva básica que torna possível a imita­ção, a empatia, a simpatia, o contágio emocional e a identificação. Apesar de inata, a capacidade aumenta e se refina com o desenvolvimento.

Saber relacionai implícito é o domínio do conhecimento e da representação não- verbais, não-simbolizados, não-narrados e não-conscientes. Consiste em procedimentos motores, padrões afetivos, expectativas e até padrões de ra­ciocínio. Neste livro, diz respeito principalmente a saber como ser com ou­tras pessoas, uma forma de saber interpessoal e intersubjetivo. Daí o termo saber relacionai implícito. Preferimos saber em vez de conhecimento porque este último, na maioria dos casos, implica um conhecimento consciente. O saber relacionai implícito é não-consciente; ele não é inconsciente no senti­do de reprimido. Ao contrário, até hoje, não foi necessário colocá-lo em palavras e talvez nunca seja. Ele é não-consciente no sentido de jamais tor­nar-se reflexivamente consciente. A grande maioria de tudo que “sabemos” sobre como ser com os outros (inclusive a transferência) reside no saber relacionai implícito.

Seguir adiante é o processo de avançar através da sessão no nível local. Esse processo encontra seu caminho à medida que segue adiante. Seu percurso não é conhecido com antecedência. Ele consiste em movimentos relacionais e momentos presentes que, reunidos, formam a sessão. É caracterizado por tentativas de obter um campo intersubjetivo maior e mais coerente. Isso, contudo, envolve muita imprevisibilidade quanto ao que vai acontecer em seguida, pois o processo é extremamente inexato, não-linear e desordenado. Devido à sua natureza, o processo dá origem a muitas propriedades emer­gentes, tais como momentos agora e momentos de encontro.

Viagem de sentimentos compartilhada refere-se à experiência conjunta de um momento de encontro. Enfatiza que as duas pessoas viajam juntas durante um momento presente através de uma paisagem de sentimentos semelhante, na qual as alterações nos sentimentos servem como marcos divisórios. É, portanto, uma viagem de sentimentos. Além disso, existe um reconhecimen­to mútuo entre essas pessoas de estarem fazendo a viagem juntas — em ou­tras palavras, ela é compartilhada. É um fenômeno intersubjetivo.

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296

índice remissivo

adaptabilidade de intenções, 197 afetos de vitalidade, 16,58-59, 84, 86-

92artes visuais, 90-91 dança, 89 definidos, 86 música, 89natureza intrínseca dos, 87

agenda explícita, 142-143 agenda implícita, 143-144 aglomeração, 64, 65 agora

duração do, 47-49 gráficos, 32, 38 mudança terapêutica e, 25-26 perspectiva fenomenológica do, 30-

31Agostinho, Santo, 48 amor, intersubjetividade e, 130-131 analisadores de detecção de contin­

gência inatos, 107 ansiedade intersubjetiva, 128 apaixonar-se, 130-131 apego, 123-124

conhecimento implícito e, 137-138 après-coup, 52, 164, 165, 227

apresentação multitemporal, 60, 233, 239, 241

Aron, L., 211asp ectos tem porais do m om ento

presente, 57-60 afetos de vitalidade, 58-59 grupos de estímulos perceptuais,

63-66na interação não-verbal mãe-filho,

71-72 na linguagem, 66-68 na música, 68-69 nas ações, 69-71nas operações mentais em geral, 73-

74atos de significação, 78 autismo, 109, 125-126

apego e, 123matriz intersubjetiva e, 113-116

autoconsciência, 146

Baldwin, J. M., 150 Baricco, A., 140-141, 168bebês

conhecimento implícito e, 136 formação da família e intersubje­

tividade, 121

297

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0 MOMENTO PRESENTE

matriz intersubjetiva e evidências do desenvolvimento dos, 105-113

ver também desenvolvimento in­fantil; interações mãe-bebê

Beebe, B., 105 ,211 Benjamin, J., 211 Bollas, C., 139Boston Change Process Study Group

(BCPSG), 15, 20, 175, 183-184, 204, 212, 236, 251, 254

Bowlby, J., 138 Braten, S., 110, 115, 117 Bruner, J. S., 78, 151 Bucci, W., 138, 226

caminhos associativos, 162, 163 Cartier-Bresson, H ., 91 centro cerebral detector de intenções,

ldl-102 chronos, 27, 28, 47, 48, 49 ciclo de respiração, 67 Clarke, E. F., 68 Clynes, M., 88 co-criatividade, 184-190 companheiros imaginários, 130 compulsão à repetição, 227 conhecido impensado, 139 consciência conhecedora, 46 consciência diádica expandida, 148 consciência fenomenal, 147, 153-154 consciência intersubjetiva, 16-17,148-

155, 249adaptabilidade intersubjetiva, 194 definida, 148, 154-155 explicação neurocientífica para a,

149-151 perspectiva social na, 150-152

consciência introspectiva, 147 consciência mínima, 146

consciência perceptivacomparada a consciência, 146-147 definida, 146no momento presente, 54-55

consciência reflexiva, 146, 151, 153 intersubjetividade e, 127

consciência temporal, 46 consciência, 18

circuito de reentrada, 75 comparada a consciência percep­

tiva, 146-147 consciência conhecedora, 46 consciência fenomenal, 153-154 consciência intersubjetiva, 148-155 consciência introspectiva, 154 consciência reflexiva, 127 consciência temporal, 46 definida, 146 despertar da, 74-75 imagem de pássaro pousado da, 65,

81Modelo dos Níveis de Consciência,

146, 153 no momento presente, 54 relacionamento do saber implícito

com a, 139-144 contexto de recordação atual, 223-226,

249-250 contornos temporais, 84-86 contratransferência, 163, 170 Cooley, C., 151 coordenação diádica, 102-103 coup, 52 crescendo, 85

Damasio, A., 88, 101 dança

afeto de vitalidade e, 89

298

INDICE REMISSIVO

duração do momento presente na, 69

desenvolvimento infantilevidências da matriz intersubjetiva

e, 105-113 história vivida, 77-78 intenções, 83

desordem do seguir adiante, 182-191, 253

co-criatividade e, 184-190 difusão intencional, 183

devolver o tempo à experiência, 26-27 Diário de um bebê (Stern), 168 difusão intencional, 183, 186 Dilthey, W., 151 Dunn, J., 112 duração do agora, 47-49 duração do momento presente, 55-56,

64, 264-265agrupamentos de estímulos percep­

tuais, 64-66 na interação não-verbal mãe-filho,

71-72 na linguagem, 66-68 na música, 68-69 nas ações, 69-71nas operações mentais em geral, 73-

74

Edelman, G. M., 224 Ehrenberg, D. B., 212 enactments, 168encerramento intersubjetivo, 206-207 enredo, história vivida, 79, 81-84 entrevista do café-da-manhã, 31-32,

259-260entrevista microanalítica, 31-33, 165,

257-269discussão da, 266-268

gráficos, 32, 38 metodologia, 259-267 o que está sendo estudado, 257-258 população para a, 259 procedimento para a, 260-267 tema de entrevistas, 259-260

envelope protonarrativo, 80 episódios de consciência, 261

gráficos, 32, 38 époché, 55escola introspeccionista, 160 especificidade da adaptabilidade, 177,

197especioso, presente, 54 esquizofrenia, 109 estados meditativos, 64-65 evidência neurocientífica da matriz

subjetiva, 100-104 exemplo do aperto de mão, 41-42 expansão do momento presente, 233-

235experiência polifônica, 60 experiência polirrítmica, 60 exp eriên cia , d evo lver o tem po à

experiência, 26-27

famílias, intersubjetividade e, 120-122 Feldman, C. F., 151 fenomenologia, 14-15

evidência da matriz intersubjetiva e, 116-118

trancam ento da experiência no presente, 45

agora, 30-31psicologia objetiva e, 160-161

Fivaz, R., 72Fivaz-Depeursinge, E., 120 fluxo de experiência ótima, 65 fluxo-de-sentimento-intencional, 83

299

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O MOMENTO PRESENTE

Fogel, A., 138, 228 fonema, 64, 66 fractal, 229-231 Fraisse, P., 68, 160frase musical com o analogia para

momento presente, 48 duração do momento presente na,

68passado e futuro, 50-52

frase, 64, 66-67 Freeman, W. J., 227 Freud, S., 2 7 ,1 2 7 , 145 ,168 , 170, 226 função psicológica do momento pre

sente, 56-57 futuro, protegendo o momento presen­

te do, 49-53 futuro-do-momento-presente, 49

Gallese, V, 101 Gergely, G., 107, 110 Gestalt, 50, 161, 166, 226

momento presente como, 57 Gibbs, R., 226gráficos, entrevista microanalítica, 32,

38Grandin, T., 114, 115 Green, A., 27 grupos

coesão mediante pressão moral, 127

formação de, e intersubjetividade, 120-125

funcionamento dos, e intersubje­tividade, 125-126

Gunnar, M., 132

harmonização afetiva, 106 Harrison, A., 208, 209, 210 Heidegger, M., 48

história contada, 77 elementos da, 78-79

história vivida, 15, 16-17, 37, 77-93 afeto de vitalidade, 86-92 contorno temporal, 84-88 definida, 77desenvolvimento infantil e, 77-78elementos da, 78-79enredo, 79, 81-84gatilho para a, 78-79intenções na, 82-84porquê da, 82-84quando da, 82quem na, 81tensão dramática, 79, 84-92

Hockney, D., 91 Hofer, M. A., 113 Husserl, E., 48-49, 54, 55, 82, 117

imitação, 70, 104 autismo e, 115-116 matriz intersubjetiva e, 105-106

impulso emocional, 242 inconsciente, 167

relacionamento do saber implícito com o, 139-144

intenções, 57compartilhadas, 197-198 desenvolvimento infantil, 83 matriz intersubjetiva, 108-110 na história vivida, 82-84

interações mãe-bebê duração das, 72 passos errados na dança, 183

interpretações, 252-253entretecer do implícito com o ex­

plícito, 213, 214-218 momento de encontros e, 214-218 seguir adiante, 210

300

In d ic e REMISSIVO

intersubjetividade diádica, 112 intersubjetividade secundária, 108 intersubjetividade, 16, 18

apego e, 123-124 coesão por meio de pressão moral,

126-127como motivo com valor de preemp­

ção, 127-132 como sistema motivacional básico

e primário, 119-133 foco em terapias, 211-212 formação de grupo e, 120-125 funcionamento do grupo e, 125-

126implicações clínicas da, 172 inatismo e universalidade da, 132-

133propensão natural para a, 97-99 vantagem de sobrevivência e, 120-

127

Jaffe, J , 106 James, W , 65, 160 Jeannerod, M., 267

kairos, 15, 29, 47, 4 8 ,5 6 , 62, 192 Kendon, A., 126, 201 Kestenberg, J., 88 Knoblauch, S., 169, 211, 212 Koffka, K., 160 Kugiumutzakis, G., 70

Laban, R. von, 88 Lamb, W , 88 Langer, S. K., 89 Laplanche, J., 167 Lausanne Group, 120 Lee, D. N ., 103

linguagem, 125duração do momento presente na,

66-68entremesclagem implícita com sa­

ber explícito, 220-222 saber implícito e, 168 unidades perceptuais da, 64

matriz intersubjetiva, 97-98analisadores de detecção de contin­

gência inatos, 107 autismo e, 113-116 centro cerebral detector de inten­

ções, 101-102 definida, 99evidências clínica da, 113-116 evidências da fenomenologia, 116-

118evidências do desenvolvimento da,

105-113evidências neurocientífica da, 100-

104intenção, 108-110 intersubjetividade secundária, 108 neurônios-espelho, 100-101

Mead, G. H., 151 Meltzoff, A. N ., 105-106, 109 memória implícita reguladora, 138-

139, 229 memória participativa, 139 Memória

contexto de recordação atual, 224- 226

operacional, 241 passado vivo, 232-233

Merleau-Ponty, M., 47, 48, 160 metáfora, 226 microkairos, 62 Minsky, M., 233

301

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O MOMENTO PRESENTE

Mitchell, S., 211 Modell, A. H., 226 modelo de implicação-realização, 42 M odelo dos N íveis de Consciência,

146, 153momento agora, 18, 192-194, 248,

253-254 definido, 177oportunidades perdidas, 202-204

momento de encontro, 18, 192, 194- 202, 248

definido, 177 interpretação e, 214-218 oportunidades perdidas, 202-204

momento decisivo, 91 momento presente regular, 177 momento presente, 11

ação do passado no presente, 228- 244

ação do presente no passado, 223- 228, 249-250

características do, 53-62 da narração, 45duração do, 47-49, 55-56, 63, 65,

264-265 exemplos de, 34-44 expansão do 233-235 função psicológica do, 56-57 gráficos, 32-33, 38 momento agora, 177 momento de encontro, 177 momento presente comum, 177 mudança terapêutica e sumário do,

247-250 narração do, 219 padrões passados e futuros e , 39-

40pontos básicos sobre o , 3 6 ,3 7 ,4 1 -

42

primeiros nomes para o, 54 protegendo do passado e do futu­

ro, 49-53 uso em terapia, 162-167

momentos de ser, 64 movimento de intenção, 201 movimento para a frente, 82

na música, 68 movimento

coordenação síncrona do, 102-103 duração do momento presente no,

69-71movimentos relacionais

definidos, 176-177 exemplos de, 178-182

mudança terapêuticamomento presente e, 25 -26 ,43-44 mudança drástica e seguir adiante,

191-202, 208 mudança progressiva e seguir adi­

ante, 204-208 sumário do momento presente e

implicações clínicas, 247-255 mudança

experiências vividas, 13 ver também mudança terapêutica

música, afeto de vitalidade, 89

Nachman, P., 268 Nadei, J., 71, 125 Narmour, E., 51, 53 narrativa compósita, 258 , 262 narrativas, 77

elementos das, 78-79 entretecer do implícito e explícito,

213, 218-220 momento presente das, 219 narrativa composta, 258

neurônios-espelhos, 100-101, 152

302

INDICE r e m is s iv o

nível local, 175 non-CS boles, 261

gráficos, 32, 38

operacional, memória 73-74, 241 operações mentais, duração do mo­

mento presente nas, 73-74 orientação intersubjetiva

definida, 177-178 necessidade de, 128-129 no seguir adiante, 177-178

osciladores adaptativos, 102 outros virtuais, 111

palavras, contorno temporal das, 86 participação alterocêntrica, 110-111 passado contínuo atualizado, 229 passado não ancorado temporalmente,

244passado não-existente, 232 passado vivo, 232-243 passado

ação do passado no presente, 228- 244

ação do presente no, 223-228,249- 250

passado não ancorado temporal­mente, 244

passado não existente, 232 passado silencioso, 228-232 passado vivo, 232, 243 protegendo o momento presente

do, 49-53 passado-do-momento-presente, 49 passos errados na dança, 183 Patel, A. D ., 221 Person, E. S., 131 pertencimento psicológico, 122 presente percebido, 54

presente perceptual, 68 presente pessoal, 54 presente psicológico, 54 presente real, 54presente-do-momento-presente, 49 presentidade, 13progressões relacionais, 60,66,235-241 protensão, 49 psicanálise, 50, 99

momento presente na terapia, 161- 167

psicologia existencial, 166 psicologia objetiva, fenomenologia e,

160-161 psicoterapia relacionai, 166 psicoterapia

momento presente na, 160-167 saber implícito e, 167-172

psicoterapias corporais, 166

reconhecimento da adaptabilidade, 197 recordar o presente, 225, 233 recursividade, 152-153 Reddy, V, 112reentrada, circuito de, 75, 149 referenciamento social, 111, 121 Reiss, D., 126 repressão, 139, 142, 167 resistência, 142, 167-169 retenção, 49 revisão, 164-166

tipos de, 165-166 Ricoeur, P., 48, 220 ritual, 70 Rochat, P., 110

saber explícitonarrativas e entretecer do implíci­

to com o explícito, 213 ,218 -220

303

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O M O M É N I U H K b i t N I t

seguir adiante e nova exploração do, 208-210

versus saber implícito, 136 saber implícito, 14, 18, 135-144

ação versus linguagem, 169-171 bebês e, 136implicações clínicas do, 167-172 narrativas e entretecer do implíci­

to e explícito, 213, 218-220 padrões de apego, 137-138 período de, 139relacionamento com a inconsciên­

cia, 139-144 resistência e, 167-169 versus saber explícito, 136

Sacks, O., 114, 115 Sander, L. W., 197-198 Santos, P., 259 Scheflen, A. E., 126 Schenellenberg, E. G., 51 Scherer, K. R., 239 seguir adiante

adaptabilidade de intenções, 197 definido, 175desordem e co-criação do, 182-191 elementos do, 176-177 encerramento intersubjetivo, 206-

207imprevisibilidade do, 182 impulso para a frente para o, 177-

182interpretações e, 210 momento de encontro, 192,194-202 momentos agora, 192-194 mudança terapêutica drástica, 191-

202mudanças progressivas a partir do,

204-208nova exploração de material explí­

cito, 208-210

oportunidades perdidas, 202-204 orientação intersubjetiva no 177-

178viagem de sentimentos comparti­

lhada, 198-201 senso de possibilidades explosivas,

242-243 senso de self

momento presente e, 52 orientação da intersubjetividade,

129-130 sentimentos de fundo, 81 Shapiro, T., 123 Silbersweig, D. A., 160 silencioso, passado, 228-232 Síndrome de Asperger, 114 sistema motivacional, intersubjetivi­

dade como, 119-133, 171-172 situações clínicas

agenda explícita, 142-143 agenda implícita, 143-144 implicações do momento presente

e, 251-255 sobrevivência, intersubjetividade e,

120-127terapias sistêmicas, 166

só-depois, 164, 165 sorriso, contorno temporal do, 85 Spagnuolo-Lobb, M., 216 Stern, D. N ., 168 Stern, W., 160 Stolorow, R. D., 139, 211 subjetividade, 61

ver também intersubjetividade

tempo psíquico, 27, 28 tempo

devolver o tempo à experiência, 26-27

304

ÍNDICE REMISSIVO

narrativa, visão de, 27, 28 objetiva, visão de, 27 psíquico, 27 , 28

tensão dramática, na história vivida, 79, 83, 84-92

teoria da mente, 111-112 teoria do espelho social, 151-152 teoria do tau, 103teoria dos sistemas dinâmicos, 206-

207teoria psicodinâmica, 145-146

momento presente, 39-40 terapias de movimento, 166 Tomkins, S. S., 87, 88 transferência, 163-164, 170 Trevarthen, C., 65, 105, 108 Tronick, E.Z., 148, 183

Turner, M., 226 Tustin, F., 88, 114

unidades perceptuais, 63-66

Varela, F. J., 48visão de tempo narrativa, 27-28 vitalização, 206 Vygotsky, L. S., 151

Watson, J. S., 106-107 welte-mignon, 90 Whitehead, C., 151 Woolf, V, 65

Zacks, J., 71 Zelazo, R D., 146, 153