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por um planeta vivo

Amaznia viva!amaznia viva!

Uma dcada de descobertas: 1999-2009

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uma dcada de descobertas

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A Amaznia representa a maior oresta tropical e bacia hidrogrfica do mundo. Abriga milhares de espcies e 30 milhes de pessoas.

Brent Stirton / Getty Images / WWF-UK

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A Amaznia a maior floresta tropical da Terra. famosa por sua incomparvel diversidade biolgica, com uma fauna selvagem que inclui onas-pintadas, botos, peixes-boi, ariranhas, capivaras, harpias, sucuris e piranhas. Os vrios habitats exclusivos dessa regio globalmente importante escondem uma riqueza de espcies, que continuam a ser descobertas pelos cientistas em um ritmo incrvel. Entre 1999 e 2009, pelo menos 1.200 espcies novas de plantas e vertebrados foram descobertas no bioma Amaznia (veja na pgina 10 um mapa que mostra a extenso da regio abrangida pelo bioma). Entre as novas espcies esto 637 plantas, 257 peixes, 216 anfbios, 55 rpteis, 16 aves e 39 mamferos. Alm disso, foram descobertas milhares de novas espcies de invertebrados. Devido ao imenso nmero destas ltimas, elas no so tratadas de forma detalhada nesta publicao.

Esta publicao procurou oferecer uma listagem abrangente das novas plantas e vertebrados descritos na Amaznia ao longo dos ltimos dez anos. Porm, para os invertebrados, um dos maiores grupos de seres vivos da Terra, essas listas no existem. Assim, no h dvida de que o nmero de novas espcies apresentado aqui uma subestimativa.Capa: Ranitomeya benedicta, nova espcie de sapo-flecha Evan Twomeyamaznia viva!

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PrefcioA importncia vital da floresta amaznica bem conhecida. Com a maior rea de floresta tropical do mundo, a regio apresenta biodiversidade inigualvel. Abriga uma em cada dez espcies conhecidas no planeta e uma em cada cinco aves. A floresta amaznica possui a maior diversidade de espcies de plantas da Terra: dependendo do local da Amaznia, podem ser encontradas 150 a 900 rvores por hectare. A Amaznia tambm o lar de diversas comunidades indgenas, e seus recursos naturais valiosos constituem uma fonte de subsistncia para muitas pessoas, que vivem tanto dentro como fora da regio. No entanto, este tesouro do nosso planeta no escapou do apetite gigantesco do desenvolvimento insustentvel. Ao menos 17% da Amaznia foram assolados, e muito mais est severamente ameaado pela continuidade da destruio. Nas palavras do respeitado eclogo da Amaznia Dan Nepstad, Para a Terra, a Amaznia um canrio em uma mina de carvo. A perda da floresta tropical tem um impacto profundo e devastador para o mundo, pois essas florestas so muito ricas em biodiversidade. As mais de 1.200 espcies novas aqui apresentadas ilustram a riqueza encontrada na maior floresta e bacia hidrogrfica do mundo, e tambm indicam quanto ainda h para aprender sobre esse bioma incrvel. Muitos exploradores se aventuraram nas profundezas desconhecidas e espetaculares da Amaznia e fizeram contribuies significativas para aumentar nosso conhecimento sobre esse bioma. Contudo, diversas pesquisas bsicas sobre a histria natural da Amaznia ainda esto sendo conduzidas devido falta de conhecimento atual. Muito ainda permanece desconhecido para os cientistas. O meio cientfico est percebendo apenas agora o que os povos indgenas da Amaznia sabem h sculos: muitas culturas ancestrais que vivem na Amaznia tm um conhecimento profundo das riquezas da regio, e esse conhecimento dever ser essencial para o sucesso dos esforos futuros em preservar sua riqueza natural. Diante da crescente presso humana sobre os recursos do planeta, um sistema de reas protegidas efetivo vital para conservar os ecossistemas, habitats e espcies. O Programa de Trabalho de reas Protegidas (Powpa) da Conveno sobre Diversidade Biolgica (www.cbd.int/protected) fornece um panorama sobre como estabelecer, gerir e administrar reas protegidas, e quais ferramentas podem ser usadas para alcanar o trabalho planejado. O Powpa traa o caminho a seguir em detalhes e com metas claras. O resultado final dever ser um sistema de reas protegidas que cumprem seu papel principal na conservao da biodiversidade in situ. uma estrutura para a cooperao entre governos, doadores, ONGs e comunidades locais sem essa colaborao, os projetos no podero ser sustentveis no longo prazo. O Secretariado da CDB gostaria de parabenizar o WWF por apoiar a Rede Latino-americana de Cooperao Tcnica em Parques Nacionais, outras reas Protegidas, Flora e Fauna Silvestres (REDPARQUES) em promover um dilogo e viso regional

Ahmed Djoghlaf Secretrio Executivo CDB

para a implementao do Programa de Trabalho de reas Protegidas da CDB na Amaznia. A necessidade de conservar a Amaznia no poderia ser expressa de melhor forma do que nas palavras do seringueiro e ambientalista Chico Mendes: No comeo, pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a floresta amaznica, agora percebo que estou lutando pela humanidade. Atualmente, enquanto o mundo sofre sob a ameaa das mudanas climticas, conservar grandes extenses intactas de florestas tropicais tem uma importncia fundamental, no s para os povos dos pases amaznicos, mas como tambm para toda a populao mundial. Neste Ano Internacional da Biodiversidade, uma mudana no paradigma do desenvolvimento deve comear, com urgncia mxima, para garantir a funcionalidade e conservar a incrvel biodiversidade do bioma Amaznia. iuma dcada de descobertas

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Prefcio da edio brasileiraEm 2010 o mundo comemora o Ano Internacional da Biodiversidade, declarado pelas Naes Unidas como um momento importante de reflexo sobre a diversidade de formas de vida em nosso planeta e sobre a infinidade de bens e servios ecolgicos derivados da biodiversidade que a humanidade usufrui. A Amaznia desempenha um papel fundamental nesse cenrio, no somente por ser a maior floresta tropical do mundo e abrigar mais de um dcimo da biodiversidade conhecida do planeta, mas tambm por fornecer recursos e servios para milhes de pessoas que habitam a regio e tambm servir, alm dela, a todo o mundo. Alm disso, os expressivos estoques de carbono, gua e calor da Amaznia desempenham funo fundamental na regulao do clima mundial. A maior parte desse bioma, cerca de 60%, encontra-se em territrio brasileiro. A biodiversidade da Amaznia aliada s demais riquezas naturais encontradas nos diferentes biomas do Pas, coloca o Brasil num papel central e de liderana na tomada de decises sobre o destino da biodiversidade no mundo. O Brasil vem buscando implementar cada vez mais os compromissos de conservao da floresta amaznica e de toda a sua biodiversidade. Esforos significativos tm atingido resultados importantes, como a reduo dos nveis de desmatamento. Em 2004, a rea desmatada anualmente chegou a atingir 27,4 mil Km2, caindo para apenas 7,5 mil em 2009. Para 2010, os nmeros obtidos at julho pelo Sistema de Monitoramento em Tempo Real, Deter, do Inpe, se confirmados pelo Prodes, que capta a degradao com maior preciso, mostram uma clara tendncia de queda. A cobertura de reas protegidas em territrio brasileiro foi ampliada. Entre 2003 e 2009, por exemplo, o Brasil foiamaznia viva!

Izabella Teixeira Ministra do Meio Ambiente Brasil

responsvel pela criao de cerca de dois teros de todas as reas protegidas do planeta. Atingimos 76,3 milhes de hectares, grande parte na Amaznia. O programa reas Protegidas da Amaznia (Arpa), coordenado pelo Ministrio do Meio Ambiente, reconhecidamente o maior programa mundial de criao e consolidao de reas protegidas e tem como meta final a conservao de uma rea de 60 milhes de hectares em unidades de conservao na Amaznia brasileira, tendo conseguido, apenas em sua primeira fase, ultrapassar a metade desse total, mas sua consolidao depende agora de duas fases que ainda restam. Todos esses esforos precisam estar diretamente alinhados a uma iniciativa ampla de levantamento e maior conhecimento a biodiversidade. No sculo XX, os pesquisadores brasileiros foram responsveis por 45% de todas as publicaes cientficas em sistemtica biolgica sobre a biodiversidade neotropical. Em maio deste ano, por exemplo, foi lanado, sob a coordenao do Instituto de Pesquisa Jardim Botnico do Rio de Janeiro, o Catlogo das Espcies de Plantas, Algas e Fungos do Brasil um trabalho de grande envergadura longamente aguardado. Porm, como mostra a presente publicao, ainda h muito a ser descoberto e catalogado. Nesse sentido, os resultados aqui apresentados so de extrema importncia, na medida em que compilam e valorizam os esforos de descrio de espcies novas na Amaznia nos ltimos dez anos. Nmeros impressionantes, mais de 1.200 espcies descobertas no perodo, incluindo grupos tradicionalmente bem conhecidos, como 39 novas espcies de mamferos e mais de 200 espcies de peixes e anfbios reforam o papel essencial das instituies que vm desenvol-

vendo e apoiando a pesquisa sobre a biodiversidade na Amaznia. Vale destacar que os esforos para criao e planejamento das reas protegidas contriburam com esse esforo de conhecimento. Tambm as reas protegidas e a reduo do desmatamento tm garantido a permanncia das espcies descobertas, ou daquelas que ainda por serem descobertas. Merecem destaque tambm os esforos coordenados no Brasil pelo Ministrio da Cincia e Tecnologia e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPq em ampliar o financiamento da pesquisa sobre a biodiversidade brasileira, incluindo o Programa de Pesquisa em Biodiversidade PPBio e o recm lanado edital do Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade - SISBIOTA Brasil, que contam com o apoio do Ministrio do Meio Ambiente. Esta publicao , portanto, uma demonstrao da contribuio para implementao dos objetivos da Conveno sobre Diversidade Biolgica - tendo a pesquisa e o conhecimento na base de todos eles, mas carecendo ainda de maior esforo para concretizar a repartio de benefcios - e mostra o interesse de construo de uma viso conjunta para a Amaznia de todos os pases que a conformam.

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IntroduoEm lugar nenhum da Terra a teia da vida to intrincada e exuberante quanto na Amaznia. Aqui, a maior bacia hidrogrfica do planeta forma um gigantesco sistema vital para a maior e mais diversificada floresta tropical do mundo. H milnios, povos indgenas se valem dos servios ambientais e recursos naturais da regio que, conforme demonstra esta publicao, ainda nos esforamos para compreender totalmente. A riqueza natural da Amaznia vai alm de qualquer superlativo. O expressivo volume das recentes descobertas que apresentamos aqui mostra que ainda estamos aprendendo sobre a total amplitude de sua diversidade. Entre 1999 e 2009, mais de 1.200 novas espcies de plantas e vertebrados foram descobertas na regio amaznica, o que equivale a uma taxa de uma descoberta nova a cada trs dias sem considerar os invertebrados. Esta publicao apresenta novas espcies dos oito pases amaznicos e da Guiana Francesa. Entre as deslumbrantes descobertas esto um peixe vermelho cego impressionante, um sapo do tamanho de uma moedinha com anis cor-de-rosa no corpo, uma nova espcie de sucuri que mede 4 metros, uma tarntula com presas azuis e um papagaio careca. Estas descobertas vm aumentar o nosso reconhecimento do imenso valor da Amaznia. Infelizmente, as pesquisas esto revelando que muitas espcies amaznicas mal acabam de ser descobertas e j esto sob sria ameaa. Por exemplo, a descoberta de uma das menores espcies de porco-espinho j registradas foi feita durante uma operao de resgate de fauna na barragem de uma usina hidreltrica na Amaznia. A Amaznia habitada por seres humanos h mais de 11.000 anos. Entretanto, s nos ltimos 50 anos a humanidade provocou a destruio de pelo menos 17% do bioma. A maior parte da regio permanece razoavelmente intacta, mas as ameaas so considerveis. Modelos de desenvolvimento inadequados, rpido crescimento econmico regional, demanda crescente por energia e tendncias insustentveis do agronegcio esto repercutindo na Amaznia em ritmo exponencial. A mudana do clima tambm est agravando os problemas. H mais de 40 anos, a atuao do WWF tem sido decisiva para a proteo da Amaznia. Apoiamos a criao de unidades de conservao emblemticas, como o Parque Nacional de Manu, o Parque Amaznico da Guiana, o Parque Nacional do Ja, a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau e o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Estes foram os pontos de partida de alguns dos mais importantes esforos de conservao na regio, incluindo iniciativas como o Programa reas Protegidas da Amaznia (Arpa). Outros exemplos de esforos de conservao do WWF na Amaznia incluem o trabalho com comunidades locais para o estabelecimento do manejo sustentvel de recursos de pesca na regio da vrzea brasileira. Ns apoiamos as comunidades indgenas em sua luta contra a contaminao da explorao petrolfera nas reas alagadas da Amaznia ao norte do Peru.

Francisco Jos Ruiz Marmolejo Lder Iniciativa Amaznia Viva WWF

E promovemos a produo de madeira certificada no Peru, Bolvia e Guiana. No entanto, apesar desses avanos, a degradao continua. E ainda, a abordagem que o WWF e parceiros tm adotado para a conservao continua a evoluir para fazer frente s crescentes ameaas e para assegurar a proteo de reas cada vez maiores. Atualmente, estamos aplicando nossa experincia de mais de 40 anos na rea de conservao em nossa Iniciativa Amaznia Viva. Promovemos o desenvolvimento sustentvel em todos os pases da Amaznia. Formamos alianas entre as populaes locais, as autoridades nacionais e regionais, e o setor privado. E mais: procuramos assegurar a manuteno sustentvel das indispensveis contribuies ambientais e culturais que a Amaznia faz em nvel local, regional e global de forma justa para os habitantes da regio. A Amaznia ajuda a sustentar a vida. Agora, est em nossas mos a defesa do bioma, de sua impressionante diversidade de espcies e dos imensurveis servios que ele presta para todos ns.amaznia viva!

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Sumrio executivoA Amaznia uma das regies com maior diversidade na Terra. Isso confirmado, entre outros fatores, pela extraordinria riqueza de novas espcies descobertas na regio entre 1999 e 2009. Muitas das descobertas foram feitas na crescente rede de reas protegidas que vm sendo estabelecida na regio. Cerca de 1.200 novas espcies de plantas e vertebrados foram descobertas no bioma Amaznia nesse perodo. Esse nmero maior do que a soma total de novas espcies descobertas durante um perodo similar em outras reas de alta diversidade biolgica, incluindo Bornu, a bacia do Congo e a regio oriental do Himalaia. As novas descobertas ilustram a impressionante biodiversidade encontrada na maior floresta tropical e bacia hidrogrfica do mundo. Tambm mostram o quanto ainda h para se aprender sobre este incrvel lugar. Obviamente, esta publicao no seria possvel sem o profissionalismo e dedicao de vrios cientistas locais e internacionais, alm das instituies que apiam a pesquisa na regio. Esta publicao celebra as espcies nicas e fascinantes que so encontradas na Amaznia, uma regio que se estende por oito pases sul-americanos e um departamento ultramarino francs, e que abriga 30 milhes de pessoas. A publicao destaca tambm muitos habitats vitais que enfrentam presses crescentes em consequncia do desenvolvimento insustentvel. A Amaznia ainda contm cerca de 83% de sua cobertura original, mas uma desastrosa combinao de ameaas est comprometendo cada vez mais sua conectividade. Diversas espcies endmicas esto sujeitas a ciclos de explorao de recursos e aps sculos de distrbios antrpicos limitados, pelo menos 17% das florestas da Amaznia foram destrudas em apenas 50 anos. A principal causa dessa transformao a rpida expanso dos mercados regionais e globais de carne, soja e biocombustveis, que aumentaram a demanda por terras na regio. Os projetos de larga escala de infraestrutura de transporte e gerao de energia, aliados ao planejamento precrio, governana deficiente e falta de uma viso integrada de desenvolvimento sustentvel para a Amaznia, tambm esto contribuindo para o desmatamento e degradao dos ambientes florestais e aquticos. Alm disso, aumentam a presso sobre os recursos naturais e servios ambientais amaznicos dos quais milhes de pessoas dependem. O aumento das temperaturas e diminuio da precipitao causados pela mudana do clima iro acentuar essas tendncias. Isso pode levar a um ponto de ruptura em que o ecossistema da floresta tropical mida entra em colapso. As implicaes dessa mudana macia dos ecossistemas para a biodiversidade, o clima global e os meios de subsistncia humanos seriam profundas. As florestas da Amaznia armazenam entre 90 e 140 bilhes de toneladas de carbono. A liberao, mesmo que de uma parcela, desse montante aceleraria o aquecimento global consideravelmente. Alm de 30 milhes de pessoas, uma em cada dez espcies conhecidas na Terra habita essa regio. Todas elas dependem dos recursos e servios da Amaznia, assim como outros muitos milhes de espcies e povos, na Amrica do Norte e Europa, que ainda esto dentro da abrangente influncia climatolgica da Amaznia1. A Amaznia oferece recursos naturais e servios vitais e fonte de sustento para muitas pessoas dentro e fora da regio. Porm, o seu destino depende de uma mudana significativa na forma com que os pases amaznicos esto aderindo ao desenvolvimento. indispensvel que a Amaznia seja gerida de forma sustentvel e como um sistema nico. O desejo de garantir a funcionalidade do bioma para o bem comum deve ser foco de atuao das naes amaznicas. A administrao responsvel da Amaznia crtica em virtude, entre outros fatores, do papel desempenhado pela regio no combate s mudanas do clima global. Nesse sentido, tambm do interesse de longo prazo de cidados e sociedades de todo o mundo manter o equilbrio ecolgico da Amaznia, para garantir sua contribuio ambiental e cultural para as populaes locais, os pases da regio e do mundo, em um panorama de equidade social, desenvolvimento econmico inclusivo e responsabilidade global.

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Tarntula (Ephebopus cyanognathus)

Por meio da Iniciativa Amaznia Viva, o WWF trabalha com atores nacionais e regionais de todos as nove naes amaznicas para a criao das condies de alto nvel que permitiro a conservao e o desenvolvimento sustentvel da Amaznia. Como parte dessa iniciativa, o WWF, juntamente com a Unio Internacional para Conservao da Natureza (UICN), a Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica (OTCA) e o Secretariado da Conveno sobre Diversidade Biolgica (CDB) e outras entidades, est apoiando a REDPARQUES na concepo de uma viso de conservao para a Amaznia. Esta viso ser construda a partir das estratgias de conservao e sistemas de reas protegidas de cada um dos pases amaznicos. Ela vai ajudar a cumprir os compromissos assumidos no mbito da CDB; em particular, aqueles relacionados s reas protegidas. Na Amaznia, o todo mais do que a soma das partes e o desenvolvimento de uma viso de conservao vai ajudar a manter a integridade e funcionalidade da regio, alm de sua resilincia s ameaas crescentes, em especial s mudanas climticas.

Peter Conheimamaznia viva!

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O bioma Amaznia

A maior oresta tropical e bacia hidrogrfica do mundo abriga uma em cada dez espcies da Terra.

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GeografiaA Amaznia possui a maior floresta tropical remanescente do planeta, com uma diversidade de espcies e habitats sem igual. Essa diversidade incomparvel em escala e complexidade, e sua importncia reconhecida mundialmente. A regio cobre 6,7 milhes de km2 na Bolvia, Brasil, Colmbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. dominada por floresta tropical densa e mida, mas tambm abrange vrios outros tipos de habitats exclusivos, como florestas montanas, florestas de baixada, florestas de vrzea, campos, pntanos, bambuzais e florestas de palmeiras. Essa floresta tropical traz chuvas e gua doce para cidades e fazendas de toda a Amrica do Sul. Cobrindo uma rea 50% maior do que os 27 pases da Unio Europia, a floresta amaznica to grande que ajuda a manter o clima global em equilbrio. Alm de abrigar quase metade das florestas tropicais, a Amaznia tambm comporta a maior bacia hidrogrfica do mundo. O rio Amazonas corre no sentido leste e desgua no Oceano Atlntico. Essa bacia contida pelo macio das Guianas ao norte, o planalto central do Brasil ao sul e os Andes a oeste. O Rio Amazonas o maior do mundo em termos de volume de gua lanado ao mar. Com uma mdia de 219.000 metros cbicos por segundo, corresponde a 15 ou 16% do total do escoamento fluvial mundial para os oceanos. Apenas duas horas de seu fluxo seriam capazes de abastecer os 7.5 milhes de moradores de Nova York durante um ano inteiro2. O sistema fluvial a linha vital da floresta tropical e tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento de suas populaes. Mais de 30 milhes de pessoas vivem em toda a regio, onde so faladas mais de 280 lnguas diferentes. Cerca de 9% (2,7 milhes de pessoas) da populao da Amaznia composta por mais de 320 grupos indgenas, dos quais 60 ainda permanecem no contatados ou vivem em isolamento voluntrio3. As identidades e tradies das populaes da Amaznia, seus costumes, estilos de vida e meios de subsistncia foram determinados pelo ambiente, sendo que elas permanecem profundamente dependentes da Amaznia apesar da crescente integrao com a economia do pas e do mundo.i

BiodiversidadeA incomparvel biodiversidade terrestre e aqutica da Amaznia remete a algumas das mais poderosas imagens do que a natureza pode oferecer. A Amaznia abriga um impressionante valor de 10% da biodiversidade conhecida do mundo, incluindo espcies de plantas e animais endmicasi e ameaadas de extino. A Amaznia possui a maior diversidade de aves, peixes de gua doce e borboletas do mundo. Constitui o ltimo santurio para espcies ameaadas, como a harpia e o boto-cor-de-rosa, alm de espcies como a ona-pintada, a ariranha, a arara-vermelha, a preguia-real, o sagui-leozinho, o sagui-de-carasuja, o sagui-imperador, o mico-de-goeldi e o bugio. Mais espcies de primatas podem ser encontradas na Amaznia do que em qualquer outro lugar. A riqueza biolgica do bioma tamanha que incorpora, total ou parcialmente, elementos de 56 Ecorregies Globais, que so paisagens de importncia internacional4. Alm disso, podem ser encontrados seis Patrimnios Naturais da Humanidade5 da Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura (Unesco) e mais de dez reas de Endemismo de Aves6. A regio formada por mais de 600 tipos diferentes de habitats terrestres e de gua doce. Uma parcela considervel da fauna e flora do mundo vive na Amaznia. At o presente momento, pelo menos 40.000 espcies de plantas j foram encontradas na regio7, e 75% destas so endmicas. At 2005, 427 mamferos, 1.300 aves, 378 rpteis, mais de 400 anfbios e pelo menos 3.000 espcies de peixes foram identificadas pelos cientistas na regio8. Trata-se do maior nmero de espcies de peixes de gua doce e, provavelmente, de invertebrados do mundo. Em aproximadamente cinco hectares de floresta amaznica, foram encontradas 365 espcies de 68 gneros de formigas9. A extenso de muitos habitats singulares e a inacessibilidade de boa parte da vasta regio amaznica tambm tem dificultado a descoberta cientfica de vrias espcies.

O termo endmico refere-se a uma espcie que ocorre exclusivamente em um local especfico, no sendo encontrada em nenhum outro lugar. Por exemplo,o kiwi uma ave endmica da Nova Zelndia.amaznia viva!

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1.200 espcies descobertasIntroduoO homem habita a Amaznia h mais de 11.000 anos10. No entanto, foi s no sculo XVI que o rio Amazonas foi navegado pela primeira vez pelo explorador e conquistador espanhol, Don Francisco de Orellana (1511-1546). Em busca de vastas florestas de canela e da lendria cidade do ouro El Dorado, Orellana deixou Quito, no Equador, em fevereiro de 1541. A expedio no encontrou nem canela e nem ouro, e sim o maior rio da Terra, chegando confluncia do Napo com o Amazonas em 11 de fevereiro de 1542. Orellana batizou o rio recm-descoberto de rio de Orellana, que depois seria abandonado em favor do nome rio Amazonas, inspirado na mtica tribo de guerreiras. Passaram-se muitos anos at a Amaznia receber uma nova expedio a primeira a subir o rio inteiro. Entre 1637 e 1638, as primeiras informaes detalhadas sobre a regio, sua histria natural e seu povo foram registradas pelo Padre Cristvo de Acua, que viajou como membro de uma grande expedio comandada pelo general portugus Pedro Teixeira. Ele registrou dados de impressionante preciso acerca da extenso e tamanho do rio Amazonas, e da topografia de seu curso, com descries detalhadas das reas de floresta inundada ao longo do rio, da fauna aqutica, dos sistemas agrcolas e das plantaes dos povos indgenas. A primeira explorao cientfica moderna da regio amaznica foi realizada por Alexander von Humboldt e Aim Jacques Goujaud Bonpland, que viriam a provar a existncia de uma conexo entre os sistemas dos rios Amazonas e Orinoco. Sucederam-se a von Humboldt uma srie de exploradores cientficos e aventureiros, inclusive von Spix e von Martius, que fizeram muitas coletas botnicas e zoolgicas na Amaznia brasileira entre 1817 e 1820. Henry William Bates, que passou 11 anos no interior da Amaznia, acumulou a maior coleo de insetos jamais feita por uma nica pessoa na regio, reunindo quase 15.000 espcies, das quais cerca de 8.000 eram novas para a cincia.

reas ProtegidasA expanso da cobertura da rede de reas protegidas da Amaznia, e a consequente proteo de importantes habitats, ecossistemas e diversidade biolgica, certamente ajudaram os cientistas em suas descobertas de novas espcies. Uma das reas protegidas de maior visibilidade o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, criado em 2002. Os limites do parque, estrategicamente traados para proteger sua rica biodiversidade, foram concebidos pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis) e WWF, sob a orientao do Ministrio do Meio Ambiente. Cobrindo 38.800 km2, o maior parque nacional de floresta tropical do mundo, com rea equivalente ao territrio da Sua. O parque abriga espcies ameaadas como a ona-pintada e a harpia, animais cuja sobrevivncia depende de amplas reas de floresta tropical. Com o apoio do Programa reas Protegidas da Amaznia (Arpa), at o final de 2009, foi criado um total de 25 milhes de hectares de novas unidades de conservao na Amaznia brasileira, contribuindo para dobrar a rea sob proteo na Amaznia antes do incio do programa. O reconhecimento do parque foi uma das primeiras conquistas do programa Arpa, que tem como objetivo garantir a proteo no longo prazo de alguns dos mais importantes recursos biolgicos e ecolgicos da Amaznia em um sistema de unidades de conservao bem geridas. Ao proteger partes essenciais da floresta amaznica, o Arpa tambm beneficia numerosas comunidades locais que dependem da floresta, ao mesmo tempo em que protege um impressionante conjunto de espcies de aves, mamferos, peixes, rpteis e anfbios. Espera-se que o Arpa apie a criao e gesto efetiva de 60 milhes de hectares (600.000 km2) de unidades de conservao na Amaznia brasileira.

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Rogerio Bertani

Evan Twomey

Fernando Rivadavia

1a. Drosera amazonica 1b. Ameerega pepperi 1c. Cyriocosmus nogueiranetoi

Kitt Nascimento

O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque no Brasil tem o tamanho da Sua. Faz fronteira com o Parque da Guiana Amaznica na Guiana Francesa, representando uma rea vasta para espcies que precisam de grandes extenses, como a ona-pintada e a harpia.

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Atractus tamessari (macho)

Philippe J. R. Kok

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O Parque Nacional de Yasuni, no Equador, possivelmente abriga a maior diversidade biolgica do mundo. O Parque Nacional de Manu, no Peru, declarado como Patrimnio da Humanidade pela Unesco, abriga 850 espcies de aves e protege 10% das espcies da flora terrestre. Um nico hectare de floresta em Manu pode abrigar mais de 220 espcies de rvores, enquanto na Europa e Amrica do Norte um hectare de floresta temperada pode ter apenas 20 espcies de rvores. Em parques como esses os cientistas foram capazes de aprofundar a explorao da floresta tropical e a verdadeira dimenso da biodiversidade encontrada na Amaznia. Essa busca levou descoberta de algumas espcies notveis por dedicados cientistas nos ltimos dez anos. Pesquisas recentes renderam resultados extraordinrios, como a descoberta do flautim-rufo (Cnipodectes superrufus), no Parque Nacional de Manu; da drsera amaznica (Drosera amazonica) no Parque Estadual do Rio Negro Setor Sul, no Brasil; uma nova espcie de cobra (Atractus tamessari) no Parque Nacional de Kaieteur, na Guiana; e um formidvel sapo-flecha (Ranitomeya amazonica), da Reserva Nacional de Alpahuayo Mishana, no Peru. O ritmo de descobertas na Amaznia surpreendente: entre 1999 e 2009 pelo menos 1.220 novas espcies de plantas e vertebrados foram encontradas na regio. Entre as novas espcies esto 637 plantas, 257 peixes, 216 anfbios, 55 rpteis, 16 aves e 39 mamferos, alm de milhares de novas espcies de invertebrados que no so apresentadas em detalhes nesta publicao. Muitas das novas espcies so endmicas ou raras, o que ressalta ainda mais a importncia das reas protegidas para a preservao das espcies. No entanto, tudo isso no passa de uma viso superficial da Amaznia. Muito ainda permanece desconhecido para os cientistas. O mundo da cincia est s comeando a se dar conta daquilo que os povos indgenas da Amaznia j sabem h sculos: as vrias culturas ancestrais na Amaznia possuem um profundo conhecimento das riquezas da regio. Esse conhecimento pode mostrarse essencial para o sucesso de futuros esforos para a sua preservao.Alexandre Aleixo, ornitlogo brasileiro do Museu Paraense Emlio Goeldi com uma espcie de arapau. Esta uma das 11 espcies novas descobertas durante uma expedio cientfica, apoiada pelo WWF, Floresta Nacional de Altamira em 2009.

Expedio cientfica explora reas no estudadas no BrasilEm junho de 2009, o WWF apoiou uma expedio cientfica Floresta Nacional de Altamira, uma unidade de conservao de 689.012 hectares no corao do Par, Brasil. Essa parte da Amaznia ainda guarda segredos desconhecidos mesmo para os pesquisadores mais experientes. A expedio descobriu 11 espcies desprovidas de descrio cientfica no interior da floresta nacional: oito espcies de peixes, um gnero possivelmente novo de caranguejo e duas espcies de aves. Entre as novas espcies de peixes esto um bagre da famlia Trichomycteridae, duas espcies de peixes com nadadeiras raiadas da famlia Anostomidae, dois caracdeos (Characidae) e um cascudo (Loricariidae). Alm disso, duas espcies de aves desconhecidas descobertas na rea, inclusive de um tipo de arapau (Campylorhamphus sp.), devem ser confirmadas como espcies novas ainda este ano. O WWF apia expedies cientficas como parte de nossos esforos para promover a criao e maior conhecimento das unidades de conservao na regio amaznica. No Brasil, organizamos 10 expedies nos ltimos cinco anos para coletar informaes e dados cientficos sobre a flora e a fauna da regio. Essas informaes so usadas na criao de novas unidades de conservao ou no fortalecimento de unidades que j existem.

Zig Koch / WWF

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PlantasAlm de abrigar cerca de 40.000 espcies de plantas, a maior floresta tropical do mundo revelou ainda a descoberta de 637 novas plantas nos ltimos 10 anos. Seria uma imensa modstia afirmar que a Amaznia possui uma grande quantidade de espcies de plantas. A diversidade de plantas relatada por cientistas em algumas reas da Amaznia impressionante. Por exemplo, 473 espcies de rvores e um total de 1.000 espcies de plantas vasculares foram documentadas em apenas um hectare de floresta de vrzea na regio amaznica do Equador11, e 3.000 espcies foram encontradas em 24 hectares na regio de Chribiquete-Araracuara-Cahuinar, na Amaznia colombiana12. Ainda o conhecimento cientfico relacionado diversidade de plantas na regio est longe de atingir o seu auge. Nos ltimos dez anos, foram registradas centenas de novas plantas com uma diversidade vertiginosa. As plantas pertencem a uma combinao variada de famlias, incluindo herbceas, rvores, arbustos, trepadeiras e samambaias. Entre a imensa quantidade de novas espcies, esto membros da famlia da pinha (Annonaceae), do apcino (Apocynaceae), da hera (Araliaceae), das palmeiras (Arecaceae), da margarida e girassol (Asteraceae) e da no-meesqueas (Boraginaceae). Tambm houve acrscimos famlia das bromlias (Bromeliaceae, conhecida pelo abacaxi), da urze (Ericaceae), da mirra e incenso (Burseraceae), da alcaparra (Capparaceae), da seringueira (Euphorbiaceae), do louro (Lauraceae), da malva (Malvaceae, que inclui o hibisco) e da murta (Myrtaceae, conhecida pelo cravo, goiaba e eucalipto). Cresceram tambm as famlias do repolho (Brassicaceae), melo (Cucurbitaceae) e Solanaceae. Esta ltima famosa por agrupar plantas importantes para a agricultura, como batata, pimenta, tabaco e tomate, mas tambm por causa de plantas txicas como a beladona. Uma expedio revelou a existncia de uma nova drsera endmica no catalogada nas montanhas de Pakaraima a sudeste do famoso Monte Roraima, situado na fronteira entre Venezuela, Guiana e Brasil13. A espcie DroseraBromelia araujoi

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novas espcies de plantas

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E. Esteves Pereira

Andreas Fleischmann

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Uma das descobertas mais excntricas uma rvore que produz miojo. Oficialmente reconhecida em 2004, a Syagrus vermicularis15 uma palmeira de mdio porte, que atinge altura mdia de 10m, e possui um tronco verde coberto por uma fina camada aveludada e esbranquiada. Possui uma densa coroa verde-escuro composta de folhas pinuladas, macias e brilhantes que formam um harmonioso dossel arqueado. Os botes recm floridos da palmeira lembram o emaranhado contorcido do miojo. Depois de pensar em um nome engraado, algo que soaria como Syagrus macarronensis, o Dr. Larry Noblick optou por algo que soasse um pouco mais sofisticado: Syagrus vermicularis (expresso latina que quer dizer com a aparncia de verme). A espcie foi originalmente catalogada como proveniente do Maranho, Brasil, mas desde ento j foi descoberta tambm no Par, Tocantins, Rondnia e possivelmente em Mato Grosso16. Incrivelmente, 78 novas espcies de orqudeas esto entre as recentes descobertas.

A drsera amaznica, uma descoberta que levou 10 anos para se concretizarA descoberta da drsera amaznica (Drosera amazonica), oficialmente descrita pelos cientistas em 200917, tem um significado especial devido sua localizao incomum e grande abundncia. Essa espcie de planta vermelha e amarela, e atinge apenas 10 cm de altura. Como a espcie encontrada em savanas de areia de quartzo branco, que so inundadas sazonalmente, o solo possui alto teor cido e extremamente pobre em nutrientes. Para complementar a nutrio mineral deficiente que essas espcies extraem do solo, elas enganam, capturam e digerem insetos usando tentculos glandulares com secrees aderentes e um doce perfume. Aps 10 anos de buscas pela misteriosa planta, em 2006 o Dr. Fernando Rivadavia encontrou duas vastas populaes a cerca de 500 m de distncia entre si no Parque Estadual do Rio Negro, Setor Sul, uma unidade de conservao pouco desmatada. As duas populaes estavam em lados opostos de um pequeno afluente do rio Cuieiras, que desgua no rio Negro, no estado do Amazonas. Ali, em clareiras naturais na floresta que consistem em vegetao de savana e habitats arenosos e midos, a nova Drosera foi encontrada aos milhes. Outra populao da espcie foi descoberta cerca de 450 km ao norte dessa rea no Parque Nacional do Viru, na regio central do estado de Roraima18. Larry Noblick

A palavra satisfao pouco para expressar o xtase que senti quando finalmente descobri essa planta aps 10 anos de buscas.Dr. Fernando Rivadavia, cientista que descobriu a drsera amaznica (Drosera amazonica)

2c.

2a, 2b. Drosera amazonica 2c. Syagrus vermicularis

Essa descoberta tem um significado especial porque pouqussimas espcies de Drosera so encontradas nas vrzeas da Amaznia brasileira. As que foram registradas ocorrem em habitats costeiros arenosos e muito poucas foram descobertas no interior do pas, como a Drosera amazonica.amaznia viva!

Fernando Rivadavia

solaris foi oficialmente reconhecida em 2007 e registrada apenas em pntanos em um pequeno planalto a 2.065 m de altitude, logo abaixo do cume do Monte Yakontipu. Foi descoberta em uma populao isolada dentro de uma pequena clareira na floresta nebulosa. O nome solaris (palavra grega que quer dizer ensolarado ou helifilo) foi escolhido para ilustrar o aspecto brilhante e reluzente dessa drsera, com seus luminosos pecolos verde-amarelados, que contrastam com suas folhas em vermelho vibrante. Essas rosetas bicolores so nicas entre todas as espcies sul-americanas conhecidas de drseras14.

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PeixesMais espcies de peixes de gua doce podem ser encontradas na Amaznia do que em qualquer outro lugar. A mais poderosa das bacias hidrogrficas do mundo o cenrio de algumas notveis descobertas de novas espcies nos ltimos dez anos. Pelo menos 257 novas espcies de peixes foram encontradas nos rios e afluentes da Amaznia, inclusive trs novas espcies de piranha, uma piraba negra e um peixe cego que habita guas subterrneas. Um novo bagre gigante foi descoberto na Amaznia em 2005. A espcie Brachyplatystoma capapretum, a chamada piraba negra, foi descoberta no rio Amazonas. A espcie migratria e foi registrada de Belm, no Par, at pelo menos Iquitos, no Peru, e em diversos afluentes e lagos de grande porte19. O maior exemplar desse peixe, medindo quase 1,5 m e pesando 32 kg, foi capturado em 2007 no rio Pasimoni, Amazonas, Venezuela. O gnero Brachyplatystoma abrange algumas das maiores espcies de bagres amaznicos, inclusive a piraba (Brachyplatystoma filamentosum), que chega a medir 3,6 m e pode pesar 200 kg. Embora normalmente se alimente de outros peixes, por vezes possvel encontrar pedaos de macacos no estmago de representantes do gnero20. Um das descobertas mais coloridas foi a de uma variedade verde e vermelha, com 5 cm, da famlia dos peixes tetra de nadadeiras vermelhas. A espcie identificada em 200321 recebeu o nome latino Aphyocharax yekwanae em homenagem aos ndios YeKwana que habitam a rea, uma floresta tropical virgem com pequenas drenagens encravadas em plats. Os especialistas temem que a nova espcie, bem como os YeKwanas que tambm dependem da gua, possam acabar sendo vtimas de impactos negativos de assentamentos humanos e da expanso da agricultura e da pesca. Outra possvel ameaa regio so os projetos de gerao de energia hidreltrica. Diversas espcies de colorido impressionante do gnero Apistogramma foram descobertas em reas da Amaznia no Peru e na Bolvia, inclusive a espcie Apistogramma barlowi, oficialmente registrada como novidade cientfica em 200822. Descoberta na regio de Loreto na Amaznia peruana, essa espcie bem diferente de todas as do gnero Apistogramma por ter a cabea e a boca

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novas espcies de peixes

maiores, com volumosas mandbulas. As fmeas levam as larvas boca e as mantm ali durante seu desenvolvimento at a fase de nado livre. As larvas normalmente s so liberadas para que a fmea possa se alimentar. Um peixe bastante incomum foi descoberto em 2009 no rio Amazonas, no Peru e no Brasil23. O aspecto do peixe-faca (Compsaraia samueli) singular j que o macho apresenta mandbulas extremamente alongadas. A colorao da espcie varia entre branco semi-translcido para rosa semi-translcido, o que rendeu espcie o nome de peixe-faca-pelicano. Poucos exemplares da espcie Compsaraia samueli so conhecidos e sua ecologia pouco compreendida. Os machos so muito agressivos e propensos a brigar entre si, podendo passar de uma postura ofensiva para ataques com mordidas em questo de minutos. Essa estratgia usada pelos machos na competio por abrigos e/ ou fmeas. A espcie tambm recebe o nome de peixe-faca-eltrico pois emite uma onda de alta frequncia para se comunicar. s vezes, novas espcies so descobertas nos lugares mais inusitados. O novo bagre Phreatobius dracunculus, descrito em 2007 no estado de Rondnia, um dos mais peculiares membros da fauna de peixes de gua doce neotropical. Habita principalmente guas subterrneas e a maioria dos indivduos descobertos at o momento foi encontrada em poos cavados a mo24. A espcie de colorao vermelha vibrante cega e minscula, medindo apenas 3.5cm. De acordo com os moradores de Rio Pardo, cidade a 90 km ao sul de Porto Velho, Rondnia, o peixe comeou a aparecer depois que um poo foi cavado, e alguns exemplares foram aprisionados acidentalmente em baldes usados para extrair a gua. De l para c, a espcie j foi encontrada em outros 12 dos 20 poos da regio. Por causa de sua aparncia e provavelmente tambm devido sua natureza subterrnea, os cientistas batizaram a espcie de dracunculus, sendo que a palavra latina draco significa drago. A descoberta tambm ampliou a distribuio geogrfica dos bagres do gnero Phreatobius em extraordinrios 1.900 km. Certamente h muito mais espcies de peixes a serem descobertas na Amaznia. Por exemplo, uma recente expedio Serra do Cachimbo, nos rios Xingu e Tapajs, no Par, para amostrar uma regio de ictiofauna rica em espcies e

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Apistogramma barlowi

Uwe Romer

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3a. Otocinclus cocama Ingo Siedel 3b. Apistogramma baenschi Kris Weinhold 3c. Apistogramma baenschi Nicholas Poey 3d. Compsaraia samueli William Crampton 3e. Hypancistrus contradens M.H. Sabaj 3f. Iranduba capapretum John G Lundberg 3g. Aphyocharax yekwanae Barry Chernoff 3h. Phreatobius dracunculus Janice Muriel Cunha 3i. Compsaraia samueli Mark Sabaj-Prez

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pouco conhecida, registrou quase 250 espcies de peixes, entre as quais pelo menos 86 espcies de bagre. Desse nmero, aproximadamente 35 (40%) so consideradas novas para a cincia25 e no momento esto passando pelo processo necessrio, porm trabalhoso, de descrio oficial, que pode levar anos. Os cientistas afirmam que, com tantas ameaas para os peixes da regio, as espcies correm o risco de ser extintas antes mesmo de serem descritas.

Serrasalmus altispinis

Novas espcies de piranhasA Amaznia possui 20 ecorregies de gua doce26, reas ricas em diversidade e de importncia global. Inclui-se a o rio Uatum, afluente do rio Amazonas no estado do mesmo nome. Em 2000, no meio da densa floresta tropical, uma nova espcie de piranha foi descoberta27. A espcie Serrasalmus altispinis pode alcanar 19 cm de comprimento, e predatria. As espcies do gnero Serrasalmus se alimentam principalmente das barbatanas e escamas de outros peixes, e dispensam a mandbula inferior musculosa tpica das piranhas para dilacerar msculos e ossos. exceo de algumas espcies, as piranhas desse gnero so solitrias e no se alimentam em cardumes. Em geral, no toleram os outros peixes, so muito agressivas e territorialistas. Devido falta de pesquisa, seu comportamento na natureza bastante desconhecido. As piranhas se dividem em 11 gneros diferentes; certamente as espcies do gnero Serrasalmus esto entre as maiores, sendo capazes de crescer at mais de 50 cm. Descritas em 2002, as espcies Tometes lebaili28 e Tometes makue29 so diferente das outras espcies do gnero por serem herbvoras, e se alimentarem principalmente de ervas aquticas da famlia Podostemaceae. Tambm so incomuns por serem ambas gigantes, chegando a medir mais de 50 cm. As duas espcies foram descobertas na regio norte do escudo da Guiana. De acordo com o Dr. Michel Jegu, um dos cientistas que descobriu as espcies, as duas piranhas so endmicas rea em que foram encontradas, e so direta e altamente dependentes da manuteno das ervas aquticas Podostemaceae de que se alimentam. As Podostemaceae da regio so vulnerveis e dependem da frequncia de elevao das guas, de sua qualidade e transparncia para realizar fotossntese. Ameaas como as barragens hidreltricas, os efluentes da minerao e a coleta de ervas para as companhias farmacuticas esto aumentando as presses sofridas por essa fonte de alimentos sem igual30.

Duas novas espcies de Tometes

Michel Jeguamaznia viva!

Jerry Plakyda

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AnfbiosSob o dossel da maior floresta tropical do mundo, 216 novas espcies de anfbios foram descobertas nos ltimos dez anos. Entre 1999 e 2009, 24 sapos-flecha de quatro gneros diferentes foram descobertos pela cincia. A grande maioria foi encontrada na Amaznia peruana. Os sapos-flecha so pequenos (entre 1,5 e 6 cm), txicos e tm cores vibrantes. Na natureza, os sapos usam seu veneno para se defender dos possveis predadores. A espcie Ranitomeya benedicta, oficialmente descrita em 200831, possui aparncia impressionante: corpo e membros negros, com manchas azuis espalhadas pelo corpo. A cabea vermelha vibrante, com manchas negras sobre os olhos. Algumas populaes apresentam maior colorao azul no corpo, fazendo com que as pernas e costas paream ser completamente azuis. A espcie amplamente distribuda nas vrzeas das regies de Loreto e San Martin, no Peru. Igualmente impressionante a espcie Ranitomeya summersi, tambm descoberta em 200832. Embora do mesmo gnero, a espcie apresenta diferenas notveis em relao Ranitomeya benedita: preta com listras alaranjadas contnuas que do a impresso de terem sido pintadas. A face do sapo alaranjada, com uma mscara preta sobre os olhos. A espcie tambm encontrada na regio de San Martin, na Amaznia peruana. Foram descobertas tambm uma srie de surpreendentes espcies de sapos-flecha do gnero Ameerega. Inclui-se a a descrio formal, em 2009, das espcies Ameerega yoshina, Ameerega ignipedis e Ameerega pepperi, de Ucayali e Huallaga, no Peru33. O nome sapo- flecha derivado da prtica dos povos indgenas das florestas Choc, no oeste da Colmbia, de esfregar os dardos nas costas dos sapos desse grupo para adicionar veneno s flechas quando saem para caar34. Historicamente, a espcie escolhida era a Phyllobates terribilis ou o sapo dourado venenoso. Apesar do nome, apenas trs sapos foram documentados na Colmbia como sendo usados para esta finalidade, sendo que as plantas venenosas so mais comumente utilizadas nesse sentido.

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novas espcies de anfbios

No apenas o Peru que ostenta novos sapos de extraordinria aparncia. Na Amaznia equatoriana, a espcie Nymphargus wileyi conhecida apenas das florestas nebulosas nas proximidades da Estao Biolgica Yanayacu, na provncia de Napo35. A espcie foi descrita em 2006, e conhecida apenas com base em seis exemplares coletados durante trs anos de levantamentos em Yanayacu. Esse fato sugere que a Nymphargus wileyi uma espcie rara36. A espcie um das chamadas pererecas de vidro. Embora as pererecas de vidro tenham colorao predominante verde-limo, a pele do abdmen de alguns membros desta famlia transparente. O corao, o fgado e o trato gastrointestinal ficam visveis atravs dessa pele translcida; da o seu nome comum. Como se sapos transparentes no fossem suficientemente surpreendentes, imagine o espanto dos cientistas que descobriram um sapo preto com anis corde-rosa chocantes. Embora esteja aguardando descrio formal, a nova espcie do Suriname, que os cientistas acreditam pertencer ao gnero Atelopus37, algo de outro mundo. Se por um lado a cincia ainda incapaz de caracterizar o sapo cor-de-rosa, a espcie merece ser citada como mais um exemplo da estonteante profuso de seres vivos que continua a ser descoberta na Amaznia.

Atelopus sp.

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Paul Ouboter

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Devin Edmonds

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Evan Twomey

Ranitomeya amazonica Philippe J. R. Kok 4e. Chris Funk

4a. Ameerega pongoensis 4b. Ranitomeya summersi 4c Scinax iquitorum (macho) 4d. Hypsiboas liliae (macho) 4e. Nymphargus wileyi

A Ranitomeya amazonica uma das mais extraordinrias espcies recm-descobertas na Amaznia, representando o melhor de sua diversidade e singularidade. Descrita em 1999 e oriunda do nordeste da regio amaznica do Peru38, o padro de colorao da espcie simplesmente deslumbrante: a cabea apresenta manchas que lembram chamas de fogo e, em absoluto contraste, pernas com motivos aquticos. Seu principal habitat so as florestas midas de baixada, prximo rea de Iquitos, na regio de Loreto. O sapo tambm j foi encontrado na Reserva Nacional de Alpahuayo Mishana. Embora o parque oferea certa proteo espcie, o sapo est ameaado pela crescente perda de habitat para as atividades agrcolas que ocorrem ao sul da rea protegida. Alm disso, por causa da aparncia atraente da espcie, ela est ameaada pelo comrcio de animais silvestres39.

Jiri Moravec

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RpteisUma tartaruga, 28 cobras e 26 lagartos foram descobertos na Amaznia nos ltimos 10 anos. As descobertas de 55 novas espcies de rpteis ocorreram de forma constante ao longo dos anos e distribuda em todos os pases que compem a Amaznia. Duas das novas descobertas so membros da famlia Elapidae. Trata-se da mais venenosa das famlias de cobras do mundo, que tem como membros a taipan, a mamba-negra, a naja e a serpente-do-mar. A cobra coral Micrurus pacaraimae foi descoberta em 2002 na fronteira do Brasil com a Venezuela, no estado de Roraima40. A espcie, com seus anis vermelhos e pretos e com at 30 cm de comprimento, uma entre mais de 65 espcies de corais conhecidas, sendo que muitas figuram entre as serpentes mais venenosas da Amaznia41. Outra espcie, a Leptomicrurus renjifoi, foi encontrada na floresta tropical semi-decdua dos llanos orientais da Colmbia, uma rea de campos na Amaznia. Descrita oficialmente em 2004, esta espcie de 40 cm, denominada coral-de-rabo-curto a menor de seu gnero e difere de outras cobras coral por possuir um padro de anis pretos separados por anis laranja-claro igualmente ou mais longos. Os llanos orientais da Colmbia formam um complexo de savanas e de diversos tipos de florestas. Abrigam tambm o endmico crocodilo do Orinoco (Crocodylus intermedius), uma espcie que chega a medir 7 m e um dos rpteis mais ameaados de extino da Terra. Outra espcie de cobra de cor vibrante, a Pseudoboa martinsi, foi descrita em 2008, originria dos estados do Par, Amazonas, Roraima e Rondnia42, no Brasil. A nova espcie, com um metro de comprimento, tem uma mancha negra na cabea, uma grande faixa negra vertebral, laterais em vermelho brilhante e a barriga toda branca. Uma das caractersticas mais notveis das cobras pseudoboine a mudana da cor durante o crescimento. Os cientistas sugerem que isso pode estar relacionado com a chegada da maturidade sexual. No entanto, a nova espcie diferente de todas as suas contemporneas, pois mantm o padro de cor brilhante e colar plido.

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Foram encontrados indivduos dessa nova espcie tanto em reas de florestas primrias como degradadas. A espcie parece ser predominantemente noturna e arisca, e foi encontrada forrageando noite entre a serrapilheira de uma floresta primria, perto de crregos. Segundo os cientistas, apesar de sua colorao brilhante e de ser conhecida por comer outras serpentes, ao ser manuseada a espcie mostrou-se inofensiva, e no tentou comprimir nem morder o suposto agressor. A espcie faz parte da famlia Colubridae, que predominantemente inofensiva e no-peonhenta, e responde por cerca de dois teros de todas as espcies de cobras da Terra, inclusive a grande maioria das novas descobertas de cobras amaznicas. Treze novas espcies de colubrdeos do gnero Atractus, ou cobras-daterra, tambm foram descobertas nos ltimos dez anos. A maioria das quase 100 espcies que compem o gnero tem distribuio restrita. Na Guiana, onde o conhecimento da diversidade da herpetofauna ainda muito limitado, uma nova espcie, a Atractus tamessari, foi descoberta no Parque Nacional de Kaieteur. A espcie tem colorao que vai do marrom ao preto, com manchas castanho-escuro e pintas cor de ferrugem43. Outra espcie, a Atractus davidhardi, que exibe um padro listrado, foi descrita um ano depois, oriunda da Amaznia brasileira e colombiana44 45. A descoberta de serpentes na Amaznia brasileira tem sido constante, mas apesar disso, segundo a Sociedade Brasileira de Herpetologia, at 30% dessa fauna permanece desconhecida. Isso significa que mais de 100 espcies ainda podem ser descobertas, com o nmero total de serpentes ultrapassando a marca de 350. Outra descoberta importante no grupo dos rpteis inclui uma nova espcie de tartaruga, encontrada em uma variedade de habitats na bacia do Alto Amazonas, abrangendo o sul da Venezuela, oeste do Brasil, nordeste do Peru, leste do Equador e sudeste da Colmbia. O novo cgado (Batrachemys heliostemma), descoberto em 200146, apresenta porte mdio a grande, com uma cabea grande, redonda e larga. O nome dado espcie uma

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Steven Poe

5a. Pseudoboa martinsi 5b. Atractus davidhardi 5c. Anolis cuscoensis 5d. Anolis williamsmittermeierorum

Steven Poeamaznia viva!

Jairo H Maldonado

Vinicius Carvalho

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Sucuri-boliviana (Eunectes beniensis)

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Jos Mara Fernndez Daz-Forment

combinao do grego helios (sol) e stemma (grinalda) em referncia s listras amarelo-alaranjadas vibrantes em forma de ferradura que a espcie exibe na cabea. Pouco se sabe sobre o comportamento ou preferncias alimentares dessa espcie na natureza, mas parece que prefere guas rasas e lmpidas. Foi observada apenas em florestas elevadas no inundadas, prximas a corpos dgua permanentes e crregos lentos.

Sucuri-boliviana (Eunectes beniensis)

Uma nova sucuri para a AmazniaEntre as incrveis descobertas est uma nova espcie daquele que talvez seja um dos mais famosos e temidos rpteis da Amaznia: a sucuri47. Descrita em 2002, inicialmente acreditava-se que a nova espcie das savanas campestres de uma provncia a nordeste da Bolvia era resultado da hibridao entre sucuris verdes e amarelas. Entretanto, aps novos estudos morfolgicos e moleculares, determinou-se que era uma espcie distinta, que depois foi chamada de beni, ou sucuri-daBolvia (Eunectes beniensis)48. A espcie foi posteriormente encontrada tambm nas vrzeas da provncia boliviana de Pando. A nova descoberta tem significado especial, pois a primeira espcie de sucuri vlida a ser descrita desde 1936, integrando um grupo de apenas trs outras espcies conhecidas de sucuri. A sucuri-da-Bolvia pode atingir at quatro metros de comprimento, mas, segundo os cientistas, possvel que cresa ainda mais. Sua colorao bsica varia entre marrom e verde-oliva escuro, com cinco listras na cabea. Apresenta at 100 manchas grandes, escuras e contnuas, em menor quantidade e maiores do que em outras espcies. De acordo com os especialistas, a sucuri-da-Bolvia tem parentesco mais prximo com a sucuri-amarela (Eunectes notaeus) e a sucuri-malhada (Eunectes deschauenseei) do que com a sucuri-verde (Eunectes murinus). Todas as sucuris so serpentes primordialmente aquticas, com olhos pequenos em posio dorsal e cabea relativamente estreita. Esses animais se valem predominantemente da emboscada capturando, sufocando e devorando um variado leque de presas; quase certamente qualquer coisa que consigam dominar, inclusive anfbios e rpteis aquticos, mamferos, aves e tambm peixes. Indivduos maiores podem comer jacars grandes e mamferos do porte de capivaras, antas e onas.amaznia viva!

Jos Mara Fernndez Daz-Forment

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AvesNo total, 16 novas espcies de aves foram descobertas na Amaznia nos ltimos 10 anos. As novas espcies de aves da regio abrangem um amplo leque de famlias e incluem a descoberta de uma ave de rapina do sul da Amaznia. O falco-crptico (Micrastur mintoni) foi descoberto em 200249. Essa espcie brasileira apresenta uma faixa alaranjada brilhante em torno dos olhos. Presume-se que a populao total desse falco seja grande, dada sua ampla distribuio, mas no geral, pouco se sabe sobre essa nova espcie. Em 2007, foi descrita uma nova espcie de ave da Amaznia peruana50. O flautim-rufo (Cnipodectes superrufus) exibe uma infinidade de variaes de cor castanho-avermelhadas. Apesar da extensa pesquisa ornitolgica da regio sudeste de Madre de Dios, esta espcie tinha passado despercebida, principalmente por causa da inacessibilidade de seu habitat: as moitas de bambus espinhosos de 5 m de altura (Guadua weberbaueri), pouco pesquisadas na Amaznia. Originalmente encontrada apenas em alguns locais de Madre de Dios e uma regio vizinha, a distribuio dessa ave foi ampliada de 3.400 para 89.000 km2 de floresta dominada pelo bambu Guadua em Pando (Bolvia), Acre (Brasil) e Madre de Dios (Peru), incluindo o Parque Nacional de Manu51. Segundo os cientistas, provvel que o flautim-rufo seja o menos abundante dentre todas as espcies restritas aos habitats de bambu na Amaznia. O risco de extino no curto prazo baixo, mas projetos de desenvolvimento recentes, inclusive a pavimentao da Rodovia Interocenica, vo aumentar a ocupao humana e a destruio de habitats na regio52 53. Alm disso, o valor socioeconmico dos bambus de grande porte e a tendncia crescente de uso54 da planta sugerem que a extenso de habitat adequado para a espcie pode diminuir no futuro. O balana-rabo-de-Iquitos (Polioptila clementsi), apesar de ter sido descoberto em 200555 j considerado criticamente ameaado. Tambm originria da Amaznia peruana, esta nova ave foi descoberta na Reserva Nacional Allpahuayo-Mishana, a oeste de Iquitos, na regio de Loreto, no Peru.

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novas espcies de aves

raramente encontrado nas florestas de areia branca que habita. Em levantamentos na reserva em que a espcie ocorre, foram encontrados apenas 15 casais. E, desde a descoberta, a espcie aparentemente vem se tornando mais difcil de localizar a cada ano. Atualmente, o risco de extino da espcie real, devido distribuio e populao extremamente pequenas e ao desmatamento na regio. Seu habitat continua sob a ameaa da abertura de clareiras para a agricultura - favorecida por incentivos do governo colonizao das terras nos arredores de Iquitos - e extrao de madeira na reserva nacional, para a construo e a produo de lenha e carvo vegetal56. As florestas antigas e de crescimento lento, habitat primordial da Polioptila clementsi, ocorrem principalmente em solos quartzticos pobres em nutrientes e podem no se regenerar se forem destrudas57. As florestas da Amaznia situadas sobre a areia branca e outros solos pobres em nutrientes guardam muitas surpresas ornitolgicas, como a descoberta do tirandeo Zimmerius villarejoi, em 2001, perto de Iquitos, na regio de Loreto, no Peru58. Entre as diversas aves da Amaznia, os papagaios so muitas vezes os que ostentam as cores mais espetaculares. O papagaio-careca (Pyrilia aurantiocephala, originalmente conhecido como Pionopsitta aurantiocephala), membro da famlia Psittacidae (papagaios verdadeiros), causou furor quando foi descrito em 200259, sobretudo porque difcil acreditar que uma ave to grande e colorida possa ter passado despercebida ao mundo durante tanto tempo. Como o prprio nome sugere, a espcie tem a cabea careca desprovida de plumagem, mas de resto uma ave de colorido impressionante. O animal exibe um formidvel espectro de cores: cabea de cor laranja intensa60, nuca verdeamarela, ps amarelo-alaranjados e corpo e asas verdes, repletas de azul marinho-escuro, turquesa, laranja-amarelado, verde-esmeralda e escarlate. O papagaio conhecido apenas de algumas localidades do Baixo Rio Madeira e do Alto Rio Tapajs, na Amaznia brasileira, ocorrendo somente em dois tipos de habitats em uma rea relativamente pequena. Essa populao de aves encontra-se sob a ameaa da explorao madeireira. Os cientistas

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7a. Papagaio-careca (Pionopsitta aurantiocephala) 7b. Falco-crptico (Micrastur mintoni) 7c. Flautim-rufo (Cnipodectes superrufus)

Andrew Whittakeramaznia viva!

Joseph Tobias

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Dossel de oresta preservada na Amaznia peruana. Na ltima dcada, muitas espcies novas de aves foram descobertas aqui.

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apontam que, embora a regio em que coletaram espcimes de Pionopsitta aurantiocephala atualmente tenha sua gesto econmica calcada no turismo ambiental, regies prximas, no entorno da cabeceira do rio Tapajs e de toda a borda sul da Amaznia, esto constantemente ameaadas pelas atividades destrutivas das empresas madeireiras61. A espcie considerada quase ameaada, devido sua populao razoavelmente pequena, que est em declnio em decorrncia da perda de habitat62. Outra nova espcie de papagaio, a Aratinga pintoi, foi encontrada na bacia do rio Amazonas em 200563. O cacau, como a espcie comumente conhecida, foi encontrado apenas em reas abertas com solos arenosos em Monte Alegre, na margem norte do Baixo Amazonas, no estado do Par. A espcie tem um corpo de colorido impressionante, com uma coroa verde, testa alaranjada, costas amarelas com pintas verdes, peito amarelado e ponta das asas azuis. Acreditava-se originalmente que fosse um filhote de outra espcie ou um hbrido de duas espcies. Os cientistas vinham coletando, examinando e identificando a espcie de forma equivocada desde o incio do sculo XX. Hoje, a Aratinga pintoi uma ave razoavelmente comum em Monte Alegre, facilmente localizada em grupos de at 10 indivduos ao longo das principais estradas e sobrevoando a cidade. No entanto, como habitual no caso de novas espcies de papagaios, os cientistas agora temem que a espcie passe a ser comercializada no mercado negro64. Alguns cientistas esto preocupados no apenas com a conservao da avifauna amaznica ameaada e recm-descrita, mas principalmente com as espcies esquecidas65. Muitas espcies dependem de ornitlogos e de equipes de museus sul-americanos com financiamento deficiente, que dedicam tempo e recursos pessoais para descrever oficialmente as aves. Enquanto isso, h tambm uma enorme demanda por estudos ecolgicos para melhor compreender e definir a situao de ameaa de um grande nmero de espcies consideradas deficientes de dados. Como uma corrida contra o tempo, a pesquisa ornitolgica para descrever corretamente a avifauna mais rica e complexa do planeta no est acompanhando o ritmo de desenvolvimento na regio, de modo que muitas espcies ainda nem descritas j esto ameaadas de extino66.

Flautim-rufo (Cnipodectes superrufus)

Arthur Grossetamaznia viva!

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MamferosNos ltimos dez anos, 39 novas espcies entraram para a extensa lista de mamferos encontrados na Amaznia. Entre as novas espcies de mamferos esto um boto, sete primatas, dois porcos-espinhos, nove morcegos, seis marsupiais e catorze roedores. Em 2001, duas novas espcies de porcos-espinhos foram descobertas na Amaznia67. As novas espcies so nicas por representarem os primeiros registros documentados de porcos-espinhos pequenos da Amaznia ocidental, onde apenas eram conhecidos porcos-espinhos grandes (Coendou prehensilis e Coendou bicolor). O Coendou ichillus foi encontrado na densa floresta tropical das vrzeas amaznicas da regio leste do Equador. Esta espcie distingue-se das demais pela longa cauda, a falta de pelos visveis no adulto, espinhos com pontas pretas mais extensas e espinhos tricolores de ponta descolorida. Possui vrios espinhos de 8 cm de comprimento, e tem uma listra mediana que varia entre marrom e preto. O nome peculiar dado a esta espcie, ichilla, significa pequeno no dialeto Quchua, em cujo territrio tribal a nova espcie ocorre. O segundo porco-espinho, Coendou roosmalenorum, originrio das duas margens do Mdio Rio Madeira, no Brasil, um importante afluente do Amazonas e um dos maiores rios do mundo. Notavelmente, esta espcie foi capturada durante o resgate de fauna no local da barragem da hidreltrica de Samuel. Com 600g, os cientistas acreditam que o Coendou roosmalenorum possa ser um dos menores membros da famlia Erethizontidae (roedores arborcolas de grande porte). Tambm foram descobertas sete novas espcies de macacos durante o perodo. Um habitante da floresta amaznica de baixada, o sagui-do-rio-acari (Mico acariensis), descoberto em 2000, uma espcie de sagui endmica do Brasil68. Estava originalmente sendo mantido como animal de estimao por habitantes de um pequeno povoado perto do rio Acari, na Amaznia central brasileira. A espcie pesa 420 g, tem 24 cm de altura, com comprimento total de 35 cm, e apresenta colorao laranja marcante na regio lombar, partes inferiores do corpo, pernas e base da cauda. Essa espcie ocorre em uma regio relativamente remota da Amaznia, distante de distrbios humanos significativos. Como a espcie no foi estudada na natureza, atualmente no h informaes confiveis sobre seu status populacional ou principais ameaas.Sagui-do-Rio-Acari (Mico acariensis)

novas espcies de mamferos

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Georges Nron

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O boto-bolivianoO chamado golfinho do rio Amazonas, ou boto-cor-de-rosa, foi registrado pela cincia na dcada de 1830 e recebeu o nome cientfico de Inia geoffrensis. Em 1977, foi sugerido pela primeira vez que o boto-boliviano poderia ser uma espcie distinta. Nos ltimos dez anos, pesquisas genticas apresentaram mais provas de que a variedade boliviana , de fato, uma espcie separada (Inia boliviensis), embora alguns ainda a considerem uma subespcie da Inia geoffrensis. Conhecida localmente como bufeo, o boto-boliviano isolado de seus vizinhos mais prximos no Brasil por uma srie de 18 corredeiras ao longo de um trecho de 400 quilmetros do rio Madeira, entre a Bolvia e o Brasil, que explicariam a sua diferenciao evolutiva. Quando o boto-boliviano foi identificado como uma espcie distinta em 2006, foi imediatamente adotado pelo governo do departamento de Beni como smbolo dos esforos de conservao da regio. Em contraste com os botos do rio Amazonas, a variedade boliviana tem mais dentes, alm de cabeas e corpos menores. Os cientistas tambm consideram que a espcie mais rolia. A declarao da nova espcie aconteceu durante o indito censo dos botos sul-americanos, realizado pela Fundacin Omacha, Wildlife Conservation Society, Whale and Dolphin Conservation Society, Faunagua, WWF e por outros parceiros. Durante 15 meses entre 2006 e 2007, os cientistas navegaram mais de 3.000 quilmetros entre os rios Amazonas e Orinoco e seus afluentes. Eles estudaram 13 rios em cinco pases (Bolvia, Colmbia, Equador, Peru e Venezuela) e contabilizaram mais de 3.000 botos. Os estudos cientficos dos botos ajudam a medir e avaliar as ameaas aos sistemas de gua doce, inclusive a poluio por hidrocarbonetos e mercrio, e o impacto de projetos de infraestrutura, como barragens e hidrovias. Como uma espcie nica e endmica da Bolvia, esse boto considerado um importante indicador da qualidade dos ecossistemas de gua doce em que habita. Durante a expedio ao longo do rio Itnez, em Beni, um total de 1.008 botosbolivianos foram avistados em ambientes com bom estado de conservao. Fernando Trujillo, Fundacion Omacha

8b.

8a. 8b. Boto-boliviano (Inia boliviensis)

Fernando Trujillo, Fundacion Omacha

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InvertebradosFormigas de Marte e tarntulas roxas... S no Brasil, que engloba 60% da regio amaznica, entre 96.660 e 128.840 espcies de invertebrados foram descritas pelos cientistas at o momento69. Os insetos representam 90% das espcies animais encontradas na regio amaznica. Cerca de 50.000 espcies de insetos podem ser encontradas em 2,5 km2 da floresta. Milhares de novos invertebrados j foram descobertos nessa regio desde o incio do novo milnio. Estas espcies no foram includas na listagem dessa publicao, porm algumas das novas descobertas sero apresentadas a seguir. Pelo menos 503 novas aranhas foram descobertas nos ltimos dez anos em toda a Amaznia, abrangendo um amplo leque de famlias de aracndeos70. O gnero Pamphobeteus compreende algumas das maiores aranhas do mundo. Duas novas espcies do gnero foram descobertas recentemente na Amaznia brasileira: Pamphobeteus crassifemur, uma admirvel espcie negra dos estados de Rondnia e oeste de Mato Grosso; e a Pamphobeteus grandis, do Amazonas e do oeste do Acre71. Esta ltima de interesse especial j que esta tarntula que exibe uma inacreditvel colorao violeta. Encontrada nas profundezas da floresta amaznica, o nome dessa espcie significa enorme o corpo da aranha mede mais de 6 cm de comprimento. Outra nova espcie de tarntula a Cyriocosmus nogueiranetoi, de Rio Branco, no Acre72. Essa espcie castanho-avermelhada, oficialmente descrita em 2005, apresenta um desenho incomum nas costas: cinco pares de listras negras. As espcies do gnero Avicularia possuem as pontas das pernas visivelmente cor-de-rosa. A Avicularia geroldi apresenta colorao azul com um brilho metlico e foi descoberta nas regies amaznicas da Venezuela e do Brasil73 74,. Segundo os especialistas, essa aranha gil, mas no agressiva. Uma caracterstica fundamental das espcies do gnero Avicularia sua preferncia por saltar e fugir o mais rpido possvel quando ameaada. s vezes, porm, elas lanam um jato de excremento no suposto agressor, podendo atingir um alvo com preciso a at um metro de distncia.9c. 9a. 9b. Rogerio Bertani

novas espcies de invertebrados

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Rogerio Bertani

9a. Pamphobeteus crassifemur (fmea) 9b. Avicularia braunshauseni 9c. Cyriocosmus nogueiranetoi (fmea) (male)

Karl Csaba

Pamphobeteus grandis

Rick C. Westamaznia viva!

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A tarntula Ephebopus cyanognathus tem visual marcante. Descoberta na Guiana Francesa em 2000, a espcie totalmente marrom, exceto por duas presas em tom azul brilhante75. Tanto as aranhas do gnero Avicularia como Ephebopus so consideradas predadoras de aves. A floresta amaznica tambm famosa pelas numerosas espcies de formigas76. Alguns cientistas estimam que 15% da biomassa animal da Amaznia composta por formigas. Constatou-se que uma nica rvore da Amaznia abrigava 43 espcies de formigas, aproximadamente o mesmo nmero de espcies de formigas em toda a Alemanha77. Uma nova espcie de formiga cega, subterrnea e predadora foi descrita na Amaznia brasileira em 2008. Pertence ao primeiro gnero de formigas atuais (no fsseis) descoberto aps 1923, provvel que seja descendente direta de uma das primeiras formigas a evoluir na Terra, h mais de 120 milhes de anos78. O Dr. Christian Rabeling, cientista da Universidade do Texas, em Austin, coletou o nico exemplar conhecido da nova espcie da formiga em 2003, na serrapilheira da rea da Embrapa em Manaus. Um relato da descoberta apresentado no mais recente livro da primatloga Jane Goodall: Ele encontrou a formiga plida e sem olhos por puro acaso. Uma noite, quando j estava quase escuro, ele estava sentado na floresta se preparando para ir para casa. Foi ento que viu uma formiga branca estranha percorrendo a serrapilheira e, no a reconhecendo, botou-a em um dos pequenos frascos com conservantes que sempre carregava e colocou no bolso. Ao voltar para casa, estava cansado e se esqueceu completamente do inseto. Trs dias depois, encontrou o espcime no bolso da cala e ento se deu conta de que tinha descoberto algo extraordinrio79. A nova formiga foi batizada de Martialis heureka, cuja traduo aproximada equivale a formiga de Marte, porque apresenta uma combinao de caractersticas jamais registradas. adaptada para viver no solo, tem entre dois a trs milmetros de comprimento, plida, no tem olhos e tem grandes mandbulas, que o Dr. Rabeling e colegas suspeitam que sejam usadas para capturar presas. Segundo os cientistas, esta descoberta aponta para uma infinidade de espcies, possivelmente de grande importncia evolutiva, ainda escondida nos solos da floresta amaznica. Rabeling diz que sua descoberta ajudar os bilogos a compreender melhor a biodiversidade e a evoluo das formigas, que so insetos abundantes e importantes do ponto de vista ecolgico80.uma dcada de descobertas

Keegan Rowlinson

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Christian Rabeling

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Embora no seja a descoberta de uma nova espcie, no deixa de ser fascinante que, em 2009, cientistas descobriram que a espcie de formiga cortadeira Mycocepurus smithii toda composta por fmeas81. Sobrevivendo em um mundo sem machos, as formigas evoluram para reproduzir apenas quando as rainhas se clonam. Nunca foram encontrados machos da espcie. De acordo com os especialistas, a reproduo assexuada singular e o comportamento de clonagem tambm tornam a espcie vulnervel extino.10c.

10d.

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Mathieu Lapointe

10a. Ephebopus cyanognathus 10b. Martialis heureka 10c. Cyriocosmus perezmilesi 10d. Avicularia braunshauseni

Karl Csabaamaznia viva!

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Amaznia sob ameaaApesar de sua magnitude, a Amaznia um lugar cada vez mais frgil. A maior floresta tropical do mundo est sendo desmatada para abrir espao para a pecuria e a agricultura. De maneira geral, em comparao com outras florestas tropicais ao redor do mundo, a Amaznia est relativamente bem conservada. Contudo, embora a Amaznia ainda tenha 83% de seus ecossistemas naturais preservados82, a situao est mudando rapidamente. Uma desastrosa combinao de ameaas est comprometendo cada vez mais a conectividade da Amaznia e diversas espcies endmicas esto sendo submetidas a ciclos de explorao de recursos. Aps sculos de distrbios humanos limitados, pelo menos 17% (cerca de 930 mil km2) de florestas aparentemente infinitas da Amaznia foram destrudos em apenas 50 anos83. Essa rea maior que o territrio da Venezuela ou o dobro do tamanho da Espanha. A principal causa dessa transformao a rpida expanso dos mercados regionais e globais de carne, soja e biocombustveis, que aumentaram a demanda por terras. Em quase todos os pases da Amaznia, a pecuria extensiva a principal causa do desmatamento84. Dos 930.000 km2 de floresta desmatada na Amaznia at 2000, 80% foi substituda por pastagem. Em meio crescente demanda externa e interna por carne bovina, o nmero de cabeas de gado na Amaznia mais do que duplicou desde 1990, chegando a 57 milhes. O Brasil uma potncia agropecuria. No caso da produo pecuria, o Brasil tem 84% da rea de pastagens e 88% do rebanho da Amaznia, seguido pelo Peru e Bolvia85. Em 2003, o Brasil ultrapassou a Austrlia como o maior exportador mundial de carne bovina. A rea em que ocorre a maior parcela deste crescimento a Amaznia, onde os rebanhos brasileiros esto se expandindo a uma taxa anual de 9% em comparao com a taxa de crescimento de 6% do rebanho nacional8687,. O resultado um espantoso crescimento da pecuria na Amaznia brasileira. Entre 2004 e 2008, a oferta de carne bovina abatida nos estados amaznicos de Mato Grosso, Par, Rondnia e Tocantins aumentou rapidamente de 107 toneladas, com o valor de US$ 155 milhes, para 494 toneladas, com o valor de US$ 1,1 bilho88. Alm da converso da floresta, a pecuria a principal causa de converso de vrzea na Amaznia89. Juntamente com as prticas agrcolas, provoca expressiva eroso do solo e assoreamento de rios, bem como a contaminao da gua atravs de resduos fecais de bovinos e do uso de agrotxicos9091,. O segundo maior fator determinante de converso de florestas a agricultura. Em contraste com a pecuria, a agricultura na Amaznia extremamente diversificada. Em um extremo, est a agricultura de pequena escala para subsistncia, produzindo culturas como mandioca, feijo, arroz, milho, caf, banana e outras frutas. No outro extremo, e indiscutivelmente, de maior impacto, esto os setores agroindustriais, com tendncias de rpida expanso na Amaznia, sobretudo no Brasil e na Bolvia. O Brasil o primeiro exportador mundial de suco de laranja, etanol, acar, caf e soja92. Os expressivos investimentos do Brasil no setor agroindustrial repercutiram por todo o pas, e na Amaznia em particular. A produo de soja na Amaznia brasileira triplicou, passando a ocupar de dois milhes para mais de seis milhes de hectares entre 1990 e 2006. Outras culturas, como a canade-acar e o leo de dend para a produo de biocombustveis, assim como o algodo e o arroz, tambm esto se expandindo na regio. O cultivo de coca para a produo de cocana foi um importante fator para a converso de florestas localizadas nas bacias mais altas da Amaznia, e na vertente oriental da Cordilheira dos Andes na Colmbia, Peru e Bolvia. O cultivo de plantas ilcitas foi responsvel por metade da rea desmatada na Colmbia em 199893. A pecuria e a agricultura so as duas mais graves ameaas que pesam sobre a Amaznia hoje, e esto interligadas. Na dinmica de desmatamento da Amaznia, a extrao de madeira a primeira atividade que atinge as reas ainda intactas. Estradas so ento criadas para possibilitar a retirada dessa madeira. Ento, em algumas reas, os pequenos agricultores pouco a pouco desmatam a floresta que margeia as estradas madeireiras usando mtodos de

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As queimadas e o desmatamento andam lado a lado na Amaznia. As terras so queimadas para a abertura de pastos e plantaes. Cerca de 17% da oresta amaznica j foi destrudo.

Brent Stirton / Getty Images / WWF-UK

corte e queima. Em seguida, os pecuaristas compram tais propriedades rurais menores e as consolidam em fazendas maiores, empurrando assim os pequenos agricultores para o interior da floresta. Quando as pastagens tornam-se degradadas, se a terra for apropriada para a agricultura de grande escala, ela comprada por grandes fazendeiros. Caso contrrio, as pastagens degradadas muitas vezes passam pelo sistema de rodzio ou so abandonadas como terras ociosas. A expanso da agricultura de grande escala est consolidando terras anteriormente destinadas pastagem. Trata-se de um ciclo impulsionado principalmente por produtores de soja, que compram essas terras degradadas dos pecuaristas. Isso permite que os produtores de soja expandam suas terras sem ter de recorrer a emprstimos onerosos. A especulao fundiria e a posse duvidosa da terra tambm so fatores determinantes. Os impactos da criao de gado e da agricultura na Amaznia so ampliados por uma srie de outras ameaas crescentes, tais como a intensa explorao madeireira, as mudanas climticas e os projetos de grande escala de transporte e infraestrutura energtica principalmente infraestrutura hdrica em grande escala. Em menor grau, a minerao para a explorao de importantes reservas de minerais industriais tambm contribuiu para ampliar os impactos. No ano 2000, 90% da energia do Brasil era fornecida por hidreltricas e sua rede de barragens est sendo expandida para atender s crescentes necessidades de energia do pas. As barragens podem causar perda de biodiversidade e de habitats, podem ter impactos sobre os recursos pesqueiros e provocar a eroso fluvial e costeira. Tambm podem desestabilizar diversas etapas do ciclo de vida dos peixes: desova, crescimento e reproduo. Muitos peixes da Amaznia so migratrios, exigindo longos trechos de rio desimpedidos para chegar a locais imprescindveis de desova. Alm de causar desmatamento para sua construo, os projetos de infraestrutura de transporte acessam reas remotas da Amaznia, permitindo assim que outras atividades insustentveis se expandam ainda mais para reas previamente intactas. A Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional da Amrica do Sul (IIRSA) um arrojado esforo por parte dos governos sul-americanos para a construo de uma nova rede de infraestrutura para o continente, incluindo estradas, hidrovias, portos e interligaes de energia e comunicao. A transformao econmica da Amaznia est ganhando impulso e mesmo com a intensificao dessas presses, contata-se que a Amaznia desem-

Pasto entre restos de rvores queimadas na Amaznia brasileira. A pecuria a principal causa de desmatamento na Amaznia.

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Mauri Rautkari / WWF-Canon

penha um papel indispensvel na manuteno do clima em nvel regional e global. uma contribuio da qual todos dependem sejam ricos ou pobres, estejam em Manaus ou em Londres. A cobertura de dossel da Amaznia ajuda a regular a temperatura e a umidade, e est estreitamente ligada a regimes climticos regionais por meio de ciclos hidrolgicos que dependem das florestas. Dada a enorme quantidade de carbono armazenada nas florestas da Amaznia, h um potencial enorme de mudanas no clima global caso as florestas no sejam geridas adequadamente. Atualmente, a converso de terras e o desmatamento na Amaznia liberam at 0,5 bilho de toneladas de carbono por ano, sem contar as emisses de incndios florestais. Isto faz da Amaznia um fator importante para a regulao do clima global94. Como um crculo vicioso, as mudanas no clima global e regional tendem a agravar a secura extrema de habitats, bem como incndios e a seca em toda a Amaznia. Os regimes de chuvas e o clima se alteram, o que enfatiza a importncia da Amaznia nos nveis local, regional e global95. O aumento das temperaturas e diminuio da precipitao causados pelas mudanas climticas acentuam essas tendncias. Elas podem levar a um ponto de ruptura, no qual o ecossistema da floresta tropical mida entra em colapso e substitudo em grandes reas por uma combinao de paisagens de savanas e formaes semi-ridas96. As implicaes dessa mudana macia dos ecossistemas para a biodiversidade, o clima global e os meios de subsistncia humanos seriam profundas. As florestas da Amaznia contm entre 90 e 140 bilhes de toneladas de carbono. A liberao de mesmo uma parcela desse montante aceleraria o aquecimento global consideravelmente. Alm de 30 milhes de pessoas, uma em cada dez espcies conhecidas na Terra habita essa regio. Todas elas dependem dos recursos e servios da Amaznia, assim como outros muitos milhes de espcies e povos, na Amrica do Norte e Europa, que esto dentro da abrangente influncia climatolgica da Amaznia. Para as muitas espcies da regio, a combinao dessas presses est levando diversas populaes beira da extino. O impacto que a continuidade da atividade humana tem gerado sobre a singular diversidade da regio em todos os estados da Amaznia devastador. Isso significa que um alarmante contingente de 4.800 espcies so atualmente consideradas ameaadas de acordo com a Lista Vermelha da UICN97ii.

O futuro da Amaznia depende do manejo sustentvel dos ecossistemas e servios que oferece. Os governos da regio reconhecem a importncia do desenvolvimento sustentvel na Amaznia para a biodiversidade, os meios de subsistncia e a gua doce, e esto ativamente mobilizados no trabalho de conservao dos ecossistemas. Eles elaboraram estratgias nacionais de desenvolvimento sustentvel, criaram agncias de proteo ambiental, legislaram para proteger o meio ambiente e firmaram numerosos convnios e tratados ambientais em nvel internacional e regional. Em 2009, o governo brasileiro anunciou que o ndice de desmatamento da Amaznia caiu 45%, a menor taxa registrada desde que o monitoramento comeou, h 21 anos. Segundo os dados anuais mais recentes, pouco mais de 7.000 km2 foram destrudos entre julho de 2008 e agosto de 2009, em comparao com os 12.911 km2 do ano anterior. Alm disso, a poltica do governo brasileiro para as mudanas climticas inclui um compromisso de reduo do desmatamento na Amaznia em 80% entre 2006 e 2020.

Coletor de castanha peruano mostra sua safra. A castanha-do-Par um dos muitos produtos que pode ser explorado de forma sustentvel e gerar renda para as comunidades locais.

ii O nmero de espcies consideradas criticamente ameaadas, ameaadas ou vulnerveis em cada pas de acordo com a Lista Vermelha da UICN (2009) o seguinte: Bolvia: 159; Brasil: 769; Colmbia: 658; Equador: 2.211; Guiana Francesa: 56; Guiana: 69; Peru: 545; Suriname: 65; e Venezuela: 268. Os nmeros representam a quantidade total de espcies ameaadas de extino nas naes da Amaznia, e no apenas no bioma Amaznia.

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ConclusesA conservao da Amaznia essencial para o futuro da humanidadeAs vrias ameaas que confrontam a Amaznia esto aumentando a presso sobre os recursos naturais e servios ambientais de que dependem milhes de pessoas. Essas grandes ameaas esto vinculadas, em ltima anlise, a foras do mercado global, bem como s prticas cotidianas das pessoas que extraem seus bens e servios da Amaznia. A Amaznia influencia os regimes climticos e ajuda a estabilizar o clima do planeta. Portanto, imprescindvel conservarmos a floresta amaznica se quisermos combater as mudanas climticas globais. Qualquer iniciativa de desenvolvimento na Amaznia deve ser gerida de forma integrada e sustentvel, de modo que os principais atributos e funes ecolgicas da regio sejam mantidos. Historicamente, cada pas da regio preocupou-se apenas com a poro da Amaznia situada dentro de suas fronteiras nacionais, considerando os benefcios que ela proporciona aos seus cidados. Isso acarretou a fragmentao da formulao de polticas, bem como a sobreexplotao desenfreada de bens e servios da Amaznia, alm de negligenciar a viabilidade da regio como um todo. Os efeitos negativos dessa dinmica so ampliados pelo crescimento de setores-chave, como a agricultura, a pecuria e a gerao de energia. Esses setores econmicos esto em expanso em resposta demanda global e dependem de investimentos em infraestrutura, tais como aqueles previstos na IIRSA. Estas so as foras que atualmente formam a base para a integrao da Amaznia s economias nacional e global. Esto gerando renda no curto prazo e melhorando os indicadores macroeconmicos nacionais. Porm, a anlise dos custos sociais e ambientais desse crescimento ainda precisa ser incorporada ao planejamento de desenvolvimento vigente. Em todo o mundo, os impactos ambientais e sociais do desenvolvimento insustentvel muitas vezes recaem sobre os grupos marginalizados ou minoritrios da sociedade, principalmente as populaes indgenas e as comunidades rurais. A Amaznia no exceo. A conservao da Amaznia prioritariamente crucial para a sobrevivncia dos 2,7 milhes de representantes de mais de 320 grupos indgenas que dependem h sculos das riquezas da regio. Nesse contexto, o destino da Amaznia depende, em ltima instncia, de uma mudana significativa na forma com que os pases amaznicos esto aderindo ao desenvolvimento. indispensvel que a Amaznia seja gerida de forma sustentvel e como um sistema nico. O desejo de garantir a funcionalidade da regio para o bem comum deve se tornar o foco de atuao das naes da Amaznia. A administrao responsvel da Amaznia fundamental para ajudar o mundo a combater as mudanas climticas. Nesse sentido, tambm do interesse de longo prazo de cidados e sociedades de todo o mundo manter a Amaznia saudvel.

A viso do WWF para a AmazniaDurante sculos, a Amaznia foi considerada uma regio extica que precisava ser dominada e uma fonte infinita de recursos a serem explorados. Atualmente, a Amaznia e as suas muitas funes ecolgicas so determinantes para a sobrevivncia da humanidade, em um momento em que as enormes demandas humanas sobre a Terra excedem sua capacidade de atendimento. Assim, a proteo da mais vasta floresta tropical do planeta no apenas uma tarefa prioritria para os nove pases amaznicos, mas um dever global. Por meio da nossa Iniciativa Amaznia Viva, o WWF trabalha com atores nacionais e regionais de todos os oito pases amaznicos e um departamento ultramarino para a criao das condies de alto nvel favorveis conservao e ao desenvolvimento sustentvel da Amaznia. A viso do WWF para a Amaznia o bioma Amaznia ecologicamente saudvel que mantm sua contribuio ambiental e cultural para as comunidades locais, os pases da regio e o mundo, num panorama