X Encontro Regional Nordeste - ABEM | Associação...
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A EDUCAÇÃO MUSICALNO BRASIL DO SÉCULO XXI:A RELAÇÃO COM O SABERNA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Tema
ANAIS
X Encontro Regional NordesteI ENCONTRO REGIONAL NORDESTEDE PROFESSORES DE ARTES /MÚSICA DOS IF’s
I FORUM PERNAMBUCANODE EDUCAÇÃO MUSICAL
2 a 4 junho 2011 Recife - PE
Realização
2 OA N O S
abemAssociação Brasileirade Educação Musical
Apoio
PROEXT PROPESO PROACAD
X ENCONTRO REGIONAL NORDESTE DA ABEM I ENCONTRO REGIONAL NORDESTE DE PROFESSORES DE
ARTES/MÚSICA DOS IFS I FÓRUM PERNAMBUCANO DE EDUCAÇÃO MUSICAL
A EDUCAÇÃO MUSICAL NO BRASIL DO SÉCULO XXI: a relação com o saber na sociedade contemporânea
ANAIS
RECIFE 2011
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
Reitor Prof. Amaro Henrique Lins Vice-Reitor Prof. Gilson Edmar Pró-Reitora para Assuntos Acadêmicos Profa. Ana Cabral Pró-Reitor para Assuntos de Pesquisa e Pós-Graduação Prof. Anísio Brasileiro Pró-Reitora de extensão Profa. Solange Coutinho Diretora do Centro de Artes e Comunicação Profa. Virgínia Leal Chefe do Departamento de Música Prof. Paulo Lima INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO Reitor Prof. Sérgio Gaudêncio Portela de Melo Vice-reitora Cláudia da Silva Santos Pró-Reitora de Ensino Edilene Rocha Guimarães Pró-Reitora de Pesquisa Ana Patrícia S. T. Falcão Pró-Reitora de Extensão Cláudia da Silva Santos
Diretoria da ABEM (2009-2011) Presidente Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber – UEL, PR Vice-presidente Profa. Dra. Jusamara Souza – UFRGS, RS Tesoureira Profa. Dra. Cristiane Almeida – UFPE, PE Segunda Tesoureira Profa. Ms. Vânia Malagutti Fialho – UEM, PR Secretário Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz – UFPB, PB Segunda Secretária Profa. Ms. Flávia Narita – UNB, DF CONSELHO EDITORIAL Presidente Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa – UFSM, RS Editora Profa. Dra. Maria Cecília Torres – IPA, RS Membros Prof. Dr. Carlos Kater – UFSCar, SP Profa. Dra. Cássia Virginia Coelho de Souza – UEM, PR Profa. Dra. Lilia Neves – UFU, MG DIRETORIA REGIONAL Norte Prof. Dr. Ruy Henderson Filho – UEPA – PA Nordeste Prof. Ms. Vanildo Marinho – UFPB, PB Centro-oeste Profa. Ms. Flavia Maria Cruvinel – UFG, GO Sudeste Profa. Dra. Ilza Zenker Joly – UFSCar, SP Sul Profa. Dra. Cláudia Ribeiro Bellochio – UFSM, RS
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X Encontro Regional Nordeste da ABEM – Associação Brasileira de Educação Musical I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Música dos IFs
I Fórum Pernambucano de Educação Musical
Coordenadora Geral: Profa. Dra. Cristiane Maria Galdino de Almeida (UFPE)
Comissão Organizadora: Profa. Ms. Ana Carolina Nunes do Couto (UFPE)
Profa. Dra. Cristiane Maria Galdino de Almeida (UFPE) Prof. Ms. José Davison da Silva Júnior (IFPE)
Prof. Ms. Sérgio Ricardo de Godoy Lima (UFPE)
Coordenação Científica: Prof. Dr. Paulo David Braga (UFPE/CAA)
Prof. Dr. Carlos Sandroni (UFPE)
Atividades Artístico-Culturais: Prof. Ms. Flávio Gomes Tenório de Medeiros (UFPE)
Profa. Ms. Ibrantina Guedes de Carvalho Lopes (SE-PE)
Infra-Estrutura: Prof. Ms. Sérgio Ricardo de Godoy Lima (UFPE) Prof. Ms. Leonardo Pellegrim Sanchez (UFPE)
Manassés Bispo da Silva (UFPE)
Financeiro e Secretaria Geral: Profa. Ms. Ana Carolina Nunes do Couto (UFPE)
Profa. Adilza Raquel Cavalcanti dos Santos (SE-PE) Prof. Ms. José Davison da Silva Júnior (IFPE)
Documentação e Comunicação: Profa. Ms. Ibrantina Guedes de Carvalho Lopes (SE-PE) Profa. Dra. Cristiane Maria Galdino de Almeida (UFPE)
Natália Dantas de Oliveira Duarte (UFPE) Crislany Viana da Silva (UFPE)
Programação Visual, Digital e Informática:
Manassés Bispo da Silva (UFPE) Jadiel Mendonça de Vasconcelos (UFPE)
Jadson Felipe Dias (UFPE) Paulo Henrique Lopes de Alcântara (UFPE)
Gleice Kelly Luiz da Silva (UFPE)
Apoio aos Participantes: Profa. Ms. Ana Carolina Nunes do Couto (UFPE)
Leonardo Ferreira da Silva (UFPE Priscila Daniele da Silva (UFPE)
Rebeca Juliana Farias da Costa (UFPE)
PROFESSORES PARECERISTAS
Profa. Ms. Ana Carolina Nunes do Couto (UFPE) Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz (UFPB) Profa. Dra. Ana Cristina Tourinho (UFBA) Prof. Ms. Marcos dos Santos Moreira (UFAL) Prof. Dr. Carlos Sandroni (UFPE) Profa. Dra. Maria Cristina Carvalho Cascelli de Azevedo (UnB) Profa. Dra. Cristiane Maria Galdino de Almeida (UFPE) Profa. Dra. Maria Guiomar de Carvalho Ribas (UFPB) Prof. Ms. Danilo Guanais (UFRN) Profa. Dra. Maria Isabel Montandón (UnB) Prof. Dr. Elvis de Azevedo Mattos (UFC) Prof. Dr. Paulo David Amorim Braga (UFPE) Profa. Dra. Flávia Candusso (UFBA) Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo (UDESC) Prof. Ms. Giann Mendes Ribeiro (IFRN) Prof. Ms. Tarcísio Gomes Filho (UFRN) Prof. Ms. Henderson de Jesus Rodrigues dos Santos (UERN) Profa. Dra. Valéria Lázaro de Carvalho (UFRN) Profa. Ms. Juciane Araldi (UFPB) Prof. Ms. Vanildo Mousinho Marinho (UFPB)
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Apresentação Prezados(as) colegas, É com muita alegria que damos as boas-vindas a todos(as) que vieram partilhar conosco suas experiências educativas no X Encontro Regional Nordeste da ABEM/ I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Artes/Música dos IFs/ I Fórum Pernambucano de Educação Musical. Desejamos que o Encontro, além de produtivo em sua proposta de refletir sobre os diversos aspectos da Educação Musical Brasileira, seja também festivo. Dentre os motivos para comemoração, destacamos o início dos dois outros eventos que se unem ao Encontro Regional Nordeste da ABEM, ampliando os espaços de trocas entre aqueles(as) que querem discutir o ensino de música e seus desdobramentos. Agradecemos aos que, nesses dez anos, contribuíram para a continuidade dos Encontros, como integrante da equipe organizadora ou como participante que vem somar com os demais para a realização desse momento de construção coletiva de conhecimentos. Um evento especial para todos(as)! Ana Carolina Nunes do Couto, Cristiane Maria Galdino de Almeida, José Davison da Silva Júnior e Sérgio Ricardo de Godoy Lima
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AGRADECIMENTOS Assessoria de Comunicação do IFPE Centro de Artes e Comunicação da UFPE Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE Coordenação de Comunicação e Design do CAC-UFPE Editora Universitária – UFPE Centro de Educação Musical de Olinda Conservatório Pernambucano de Música Escola Técnica Estadual de Criatividade Musical Pró-Reitoria de Extensão do IFPE Pró-Reitoria de Extensão da UFPE Pró-Reitoria para Assuntos Acadêmicos da UFPE Pró-Reitoria para Assuntos de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPE Professores(as) ministrantes de cursos Professores(as) coordenadores de GT's Professores(as) palestrantes Professores(as) pareceristas Funcionários(as) e alunos(as) do Departamento de Música da UFPE
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A educação musical dos cantores de Renovação: herança vocal da cultura
religiosa de Juazeiro do Norte - CE
Juliany Ancelmo Souza
Universidade Federal do Ceará – Campus [email protected]
Josemeire Medeiros Silveira de MeloUniversidade Federal do Ceará – Campus Cariri
Resumo: O presente trabalho apresenta informações resultantes de uma pesquisa em andamento, sobre a aprendizagem empírica dos cantores de Renovação de Juazeiro do Norte-CE. Os cânticos entoados por ocasião desta festa religiosa caracterizam-se como herança cultural, visto que são transmitidos pelas gerações mais velhas para as mais novas. Trata-se de um aprendizado informal, imitativo, que ocorre mediante observação da sonoridade do coro nas cerimônias religiosas ou nas experiências de ouvir-cantar do dia a dia. As vozes, predominantemente femininas, produzem sonoridade original, utilizam o vibrato e são executadas em uníssono ou em primeira e segunda voz, alternando-se entre sopranos, contraltos e tenores. Não há acompanhamento com instrumentos musicais. Esta manifestação cultural é muito importante, pois consegue penetrar no íntimo das pessoas através da vitalidade e potência vocal, bem como propicia a valorização do saber popular e fortalecimento da identidade do povo caririense.
Palavras-chave: Educação musical, herança vocal, Renovação.
Introdução
Este artigo apresenta algumas considerações iniciais acerca do processo de educação
informal dos cantores de Renovação.
Resulta de pesquisa em andamento, de cunho qualitativo, caracterizada como estudo
de caso. A intenção deste estudo é conhecer o processo de ensino e aprendizagem dos cantores
de Renovação da cidade de Juazeiro do Norte, identificando as características da educação
musical que permeiam sua formação. Neste contexto, faz-se necessário: entender as
metodologias e estratégias vocais utilizadas; analisar a forma de transmissão e assimilação
dos cânticos; identificar a relação entre a música e a religiosidade; perceber a presença
significativa das músicas de Renovação na trajetória de vida dos cantores; e compreender a
importância desta manifestação artístico-religiosa, para a valorização da cultura caririense.
Renovação: uma celebração religiosa
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Denomina-se de Renovação a celebração religiosa da Igreja Católica Apostólica
Romana, em louvor ao Sagrado Coração de Jesus e ao Sagrado Coração de Maria
consagrando a família no lar. Ocorre em geral por ocasião dos festejos do aniversário de
casamento, natalício ou outra data especial, escolhida pelos donos da casa. A partir da
entronização - cerimônia inicial em que se abençoa residência, imagens e quadros de devoção
- todos os anos vindouros, nesta mesma data se renovará esse compromisso religioso.
Essa cerimônia foi criada pelo Papa Pio X, em 1908 (documento da Sagrada
Penitenciária Apostólica sobre a consagração das famílias ao Sagrado Coração de Jesus). Com
efeito, no Brasil, desde o princípio a consagração promovida pelo Apostolado foi acolhida
com ardor. “Em 17 de fevereiro de 1918, a ‘União’ trazia a bela soma de 6.617 famílias, que
ao mesmo jornal mandavam participar que se haviam oferecido ao Coração Divino, colocando
também a imagem no lugar de honra da casa” (GENTIL, 1948, p. 56).
Nesta época, era comum o costume de construir capelas e igrejinhas nos povoados.
“Nas cerimônias de benzimentos de capelas, nos sítios e fazendas, ou então durante as festas
de padroeiro, o povo das redondezas comparecia com fervor” (PAZ, 2004, p. 12). Contudo, o
contato dessas pessoas com as celebrações da Igreja, com os padres e sacramentos, era muito
escasso devido ao número reduzido de sacerdotes para atender a população com serviços
religiosos. Então surgiram celebrações “paralitúrgicas de caráter devocional realizadas
coletivamente, tais como festas, procissões, novenas e renovações” (PAZ, 2004, p. 12).
A Renovação foi incentivada pelo Padre Cícero Romão Batista, no início do século
XX, na pequena vila de Juazeiro do Norte, Estado do Ceará. Cheio de disposição começou a
evangelizar todos os dias na capelinha de Nossa Senhora das Dores e a comunidade foi se
habituando e aceitando tudo que o vigário ordenava.
As bases da trajetória eclesiástica de padre Cícero tiveram como fundamento as Missões Populares ou Santas Missões, que atuaram no Brasil a partir do século XVII, numa tradição iniciada pelos jesuítas, franciscanos e lazaristas. (...) Nestas missões a participação de leigos era estimulada pelos padres (...) (MELO, 2004, p. 31).
Ele estava sempre pronto a ajudar aquele povo, como também os visitantes. Então
sua credibilidade foi aumentando a cada dia. Famílias de outros estados do nordeste vinham
para Juazeiro em busca de auxílio e palavra de conforto. O sacerdote os ajudava no intuito de
resolver seus problemas, e ele sempre tinha uma resposta produtiva para aqueles que
necessitavam. Evangelizava a todo o momento.
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Não há romeiro ou devoto do Padre Cícero, que não traga um rosário pendente ao pescoço, e os de classe social mais sofisticada trazem no bolso ou na bolsa um terço que, invariavelmente, rezado todos os dias. Nas casas de família, além da reza do rosário em comum, recita-se piedosamente o ofício de Nossa Senhora, que todo romeiro e devoto de brio sabe decorado. (VIEIRA, 1988, p. 117)
O sacerdote orientava as mulheres a rezar nas residências, convocava todos para
rezar o rosário da Mãe de Deus pedindo para minimizar as dificuldades: a seca, a guerra e
todas as doenças que assolavam a região. “O binômio oração e trabalho era o seu lema.
Juazeiro é o seu grande e incontestável milagre” (BEM FILHO, 2002, p. 41).
Ao tempo em que iniciava um intenso trabalho missionário, ao instigar a obediência e a devoção dos fiéis, padre Cícero, espelhando-se na ação missionária de padre Ibiapina, organizou um grupo de mulheres que passou a acompanhar os seus passos, dedicando-se aos rituais, às orações e às missas de maneira cada vez mais intensa (MELO, 2004, p. 32).
É nesta cidade onde atualmente, se verifica maior quantidade de adeptos a este ritual
religioso, mas ele ocorre também em outras cidades do Cariri cearense e pernambucano.
É em alguma espécie de forma cerimonial (…) que as disposições e motivações induzidas pelos símbolos sagrados nos homens e as concepções gerais da ordem da existência que eles formulam para os homens seencontram e se reforçam umas às outras. Num ritual, o mundo vivido e o mundo imaginário fundem-se sob a mediação de um único conjunto de formas simbólicas (…) (GEERTZ, 2008, p. 82).
Para a realização dessa atividade religiosa faz-se necessário ornamentar a sala de
visitas da casa com um altar, montado sobre uma pequena mesa (situada abaixo do quadro do
Sagrado Coração de Jesus e Sagrado Coração de Maria), coberta por uma toalha de seda e
renda branca, um jarro com flores artificiais de papel crepom ou plástico, um ou dois castiçais
com velas, uma Bíblia, esculturas de santos de devoção da família e cortinas de várias cores.
Baseadas na devoção e cultos aos santos e almas, as crenças e práticas desta forma de catolicismo viabilizam a relação direta entre santo e fiel, sem a necessidade de interferência de sacerdotes. Os devotos estabelecem com os santos uma relação afetizada, familiar, como um modo de marcar o lugar da religião em suas vidas, trazendo para a sua intimidade estes intercessores próximos, capazes de resolver questões cotidianas (PAZ, 2004, p. 14).
O turno em que ocorre esta festividade é geralmente à noite, para viabilizar a
presença dos convidados (familiares e vizinhos) que trabalham durante o dia. A cerimônia
inicia-se com música, leitura do evangelho e segue alternando com orações, realizadas pelos
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rezadores e rezadeiras (pessoas que memorizam a sequência das falas e cânticos deste ato
religioso). O tempo de duração desta “reza” é de, aproximadamente, uma hora e meia. No
final, a família oferece um lanche aos participantes com bolo de mandioca, batata, milho,
sequilhos (biscoitos feitos com goma), café, chá de ervas medicinais, aluá (bebida feita a
partir da fermentação do abacaxi), refrigerantes e às vezes, um jantar. Além do louvor a Deus,
essa é uma das formas de aproximação entre famílias.
A música presente nessa celebração são cânticos, orações, salmos, poemas melódicos
e benditos. É executada por coro formado predominantemente por mulheres, sem auxílio de
instrumentos musicais. Uma singela forma de transmitir o amor fraterno, como relata Vieira:
“para mim, a música e a sua irmã poesia nasceram dos lábios perfumados das mães, cantando
acalentos primorosos e melodiosos para adormecerem os seus filhos (...)” (VIEIRA, 1988,
p.87).
Os cantores entoam as músicas da celebração com uma sonoridade marcante
preenchendo toda a dimensão da residência sem necessidade de amplificação sonora. Uma
capacidade singular de extensão e potência vocal. Sabem conduzir os procedimentos da
celebração com seus cânticos dinâmicos, compartilhando e envolvendo todos os presentes
num momento de adoração cristã.
Assim acontece com Juazeiro, com o seu povo, que com uma das mãos faz deslizar as do seu rosário e com a outra maneja o instrumento de trabalho, e os acordes intermitentes dos hinos, benditos, e canções religiosas dos seus romeiros a cidade distende os seus músculos gigantescos para crescer e oferecer condições humanas de conforto, de bem-estar (VIEIRA, 1988, p. 102).
Através da voz essas cantoras de renovação despertam emoções, sentimentos
profundos e ao mesmo tempo conseguem transmitir uma agradável sucessão de sons. É
impressionante a extensão vocal desse pessoal que canta em harmonia, sem medo de errar,
cantando por mais de uma hora em cada residência, conseguindo tessituras vocais com
segurança e dinamismo. “Nenhum instrumento é comparável à voz, ela é a única que tem o
privilégio de unir o texto à música. Mas, só emociona dependendo da sensibilidade e da musicalidade
do intérprete” (DINVILLE, 1993, p.3).
O aprendizado das músicas de Renovação
O aprendizado dos cânticos consiste numa transmissão oral, realizada sem
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conhecimento sistematizado, nem saber específico na área de música e técnica vocal. Mesmo
diante desta constatação, o que se verifica é um processo de ensino e aprendizagem que
resulta na formação dos cantores de Renovação, que executam as músicas de maneira afinada,
com segurança e estratégia vocal que os possibilita cantar por longo tempo, sem irritar as
cordas vocais.
Os cantores de Renovação ensinam as músicas da maneira que aprenderam, de forma
oral e empírica, a seus familiares e vizinhos mais novos. Eles cantam juntos nas residências e
também levam as crianças para as celebrações, no intuito delas ingressarem nesse mesmo
grupo, pois quando não puderem comparecer, já terão alguns preparados para substituí-los.
A educação está presente durante toda a vida do indivíduo. Ela consiste na ação exercida pelas gerações mais velhas sobre as mais novas, suscitando o desenvolvimento dos aspectos físico, intelectual e moral, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a pessoa, particularmente, se destine (DURKHEIM, 1978 apud PILETTI, 2002, p. 111).
Muitos dos cantores de Renovação têm pouco ou nenhum conhecimento de leitura e
escrita. São, em geral, pertencentes à camada pobre da população. Manifestam grande fervor
religioso, também aprendido com seus antepassados. Assumem com responsabilidade o
compromisso de cantar em louvor a Deus, sem receber nenhum pagamento por esse ato. Dona
Maria Neuza1, cantora de Renovação de Juazeiro do Norte, revela como aprendeu os cânticos:
Nasci os ‘dente’ ouvindo a minha mãe cantando. Ela me levava pra Renovação, pra Igreja que só tinha missa de oito em oito dias. Eu sempre fui rude pra aprender a ler e escrever - leio um pouquinho e mal sei assinar meu nome - mas decorei as músicas. Aprendi com minha mãe e minhas irmãs também (...).
Ela também faz referência a Dona Quiterinha – cantora de Renovação, já falecida,
que teve a oportunidade de conviver com Padre Cícero Romão Batista. Esta senhora marcou a
trajetória de vida de Dona Maria Neuza, pela devoção divina e fervor religioso que transmitia
ao cantar.
Tinha uma velhinha, Dona Quiterinha que era cantora de Renovação. Meu padrinho ‘Ciço’ dizia a ela: - Não tenha preguiça Quiterinha, que cantora na terra é cantora no céu. O canto do Coração de Jesus é o que sai da alma, com alegria, cantando a vida Dele.
1 Entrevista concedida por Dona Maria Neuza, cantora de Renovação, 21 de março de 2011 em Juazeiro do Norte-CE.
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Dona Maria Neuza já ensinou às sobrinhas os cânticos de Renovação. Atualmente
assumiu a incumbência de ensinar também para sua irmã mais nova, que sabe ler e escrever
muito bem e já canta nas igrejas.
O que se observa é que o aprendizado dos cânticos de renovação se inicia na
infância. Neste período de desenvolvimento humano, a música pode suscitar na criança
emoções originais capazes de provocar ação motora e facilitar a compreensão do mundo
exterior, promovendo assim, a interrelação entre as dimensões individuais e sociais.
É possível também perceber a facilidade de familiarização dos pretensos rezadores
com a música. Mesmo sem domínio do código linguístico, conhecimento de teoria musical e
técnicas vocais, são capazes de compreender a melodia e memorizá-la. Há, portanto,
sensibilidade musical e aguçamento da percepção auditiva.
(...) a música é a relação entre os sons e não o próprio som, qualquer que seja o grau de artifício e de complexidade de sua sucessão. Ou melhor ainda: compreender e fazer música é primeiro ser dotado da faculdade de perceber intervalos e de estabelecer relações entre eles.(...) O intervalo é um movimento entre as alturas sonoras.(HOWARD, 1984, p. 63)
Não existe uma “seleção” prévia nem argumentos de “falta de dom” que impeçam as
pessoas de serem cantoras de Renovação. Para cantar, basta sentir o despertar de forte emoção
psíquica e tensão motora capaz de gerar esta ação. “(...) Em princípio, todas as crianças
manifestam profundo interesse pela música e, possivelmente mais profundo ainda, pelo seu
exercício” (HOWARD, 1984, p. 101).
A capacidade de cantar também propicia a elevação da auto-estima na medida em
que as pessoas tomam consciência do seu potencial e ao mesmo tempo, assumem a função de
mensageiras da Palavra de Deus. Na execução da música em coro, por ocasião da cerimônia
da Renovação, esta atividade coletiva assume a expressão de identidade popular, porque se
caracteriza como manifestação própria do povo e da sociedade que integram.
Diante do exposto é possível afirmar que a formação de cantores decorre de um
processo empírico, informal que valoriza movimentos de execução espontâneos, possui
características próprias e beleza singular, que perpassa por uma corrente contínua de
aprendizagem dinâmica e consciente em relação à habilidade vocal.
Considerações finais
As músicas cantadas nas Renovações apresentam forte caráter religioso, expressão
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singular da sociedade caririense, em que a base é a manifestação da fé em Deus.
A experiência informal e cotidiana gerou, ao longo do tempo, um saber popular que
vem sendo repassado das gerações mais antigas para as mais jovens. Esse tipo de
conhecimento envolve tanto a forma de cantar, como também a desenvoltura da voz no
momento da cerimônia.
As músicas de Renovação propiciam o vínculo entre a satisfação pessoal e social,
bem como promove a valorização cultural da região. Esta afirmação é evidenciada na fala de
Dona Maria Neuza, em que se percebe a alegria e honra de participar do grupo que foi
iniciado pelo Padre Cícero, que até hoje mantém e também visa perpetuar esta tradição.
Este trabalho revela que a preocupação puramente mecânica e técnica do canto, não
garante a qualidade estética. É preciso considerar a presença da emoção e a autenticidade da
manifestação artística.
Pretende-se com este estudo, possibilitar o conhecimento, reflexão e análise crítica
acerca do ensino dos cânticos religiosos de Renovação. Para tanto, faz-se necessário
aprofundar e concluir esta pesquisa para que se obtenham informações mais precisas sobre a
qualidade estética, processo de ensino e aprendizagem e implicações sócio-culturais desta
celebração religiosa para o povo da região do Cariri.
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Referências
BEM FILHO, Mario. Formação Religiosa de Juazeiro do Norte. Fortaleza: ABC, 2002.
DINVILLE, Claire. A técnica da voz cantada. Tradução Marjorie B. Couvoisier Hasson. 2a. ed. Rio de Janeiro: Enelivros, 1993.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução The Interpretation of Cultures. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
GENTIL, P. Josephus da Frota. Manual do Coração de Jesus. Rio de Janeiro: Mensageiro do Coração de Jesus, 1948.
HOWARD, Walter. A música e a criança. Tradução Norberto Abreu Silva Neto. São Paulo: Summus, 1984.
MELO, Rosilene Alves de. O outro Juazeiro: Histórias das crenças e práticas ocultas na cidade sagrada. Tendências: Caderno de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri, Crato, v. 2, n. 1, p. 29-40, jul. 2004.
PAZ, Renata Marinho. Cariri, campo fértil da religiosidade popular. Tendências: Caderno de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri, Crato, v. 2, n. 1, p. 9-27, jul. 2004.
PILETTI, Nelson. Sociologia da Educação. 18a. ed. São Paulo: Ática, 2002.
VIEIRA, Padre Antônio. Roteiro Lírico e Místico sobre Juazeiro do Norte. Fortaleza: Imprensa Oficial do Ceará – IOCE,1988.
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A formação dos professores de Arte/Música da Rede Municipal de
Ensino de Mossoró
Elder Pereira AlvesConservatório de Música D’alva Stella Nogueira Freire/UERN
Resumo: Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa concluída em nível de mestrado, desenvolvida na cidade de Mossoró-RN. O estudo teve como objetivo apresentar, analisar e refletir acerca da realidade do ensino da música, enquanto conteúdo obrigatório do componente curricular Arte, em escolas municipais de Mossoró. O trabalho buscou identificar: 1) qual a formação do professor de Arte desse contexto; 2) quais dentre esses profissionais trabalham com o ensino da música; 3) que práticas de educação musical são desenvolvidas por esses profissionais e que concepções norteiam suas práticas. Esse estudo possui uma metodologia quantitativo-qualitativa, pois além de ter buscado realizar um levantamento sobre o ensino da música e a formação dos professores de Arte, procurou também analisar concepções e práticas de educação musical desenvolvidas nesse contexto. Este artigo, especificamente, se propõe a apresentar os dados referentes à formação dos docentes de Arte da Rede Municipal de Ensino de Mossoró.
Palavras-chave: formação de professores, ensino de música, professor de arte.
Introdução
As discussões sobre o ensino da música na educação básica têm sido bastante
enfatizadas nas últimas décadas, tendo em vista, principalmente, a significativa ausência da
música nos currículos escolares. Diversos aspectos têm contribuído para essa ausência, tais
como a formação dos professores de arte/música atuantes nesse contexto, os problemas
relacionados à legislação educacional brasileira, concepções equivocadas sobre o ensino de
música, entre tantos outros. No entanto, no ano de 2008, através da Lei 11.769 que altera a
atual LDB - Lei nº 9.394/96, a música foi instituída como conteúdo obrigatório do
componente curricular Arte, devendo estar efetivamente presente na educação básica
brasileira até agosto de 2011. Tendo em vista esse cenário, senti o interesse de investigar
como se encontra o ensino da música nas escolas da cidade de Mossoró-RN, especificamente
na rede municipal de ensino da cidade.
Partindo dessa perspectiva, como objetivo geral o estudo buscou apresentar, discutir
e analisar a atual situação do ensino da música, enquanto conteúdo obrigatório do componente
curricular Arte, em escolas da Rede Municipal de Ensino de Mossoró-RMEM. Com vistas a
contemplar o objetivo geral, o trabalho de pesquisa realizado teve os seguintes objetivos
específicos: identificar a formação dos professores que atuam na disciplina de Arte, a
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quantidade desses docentes que trabalham com música e aspectos relacionados à formação e
experiência musical desses professores; analisar as concepções e práticas de educação musical
desenvolvidas por esses profissionais. Nesse trabalho, apresento apenas os resultados relativos
à formação do corpo docente de Arte/Música da RMEM1.
Na Educação Musical, os estudos brasileiros que giram em torno do ensino da
música na educação básica tem se intensificado cada vez mais, e essa temática tornou-se um
dos principais focos das discussões na área nos últimos anos. Vários estudiosos vêm se
dedicando a essa questão, desenvolvendo investigações nesse contexto sob diversas
abordagens, o que tem nos ajudado a compreender melhor essa realidade. Para fundamentar
essa investigação, selecionei dois aspectos fundamentais no que diz respeito ao ensino da
música na educação básica: a formação de professores (BELLOCHIO, 2003; DEL BEN,
2003b; MATEIRO, 2003; SANTOS, 2005; PENNA, 2007; FIGUEIREDO, 2004; QUEIROZ;
MARINHO, 2007) e a análise das politicas educacionais e termos normativos (PENNA, 2001;
2004a; 2004b; 2008a; ARROYO, 2003; FERNANDES, 2004; SOBREIRA, 2008).
Procedimentos metodológicos
O trabalho possui uma abordagem metodológica quantitativo-qualitativa,
proporcionando uma visão ampla da realidade estudada, através de um levantamento
quantitativo que investiga a formação dos professores de Arte e sua atuação no ensino da
música, assim como uma análise mais aprofundada, por meio de uma apreciação qualitativa
que analisa as concepções e práticas de educação musical desses profissionais. Como
comentei anteriormente, apresentarei nesse trabalho parte do levantamento quantitativo,
focando na formação dos professores.
O universo da pesquisa foi constituído pelas escolas da RMEM, de maneira mais
específica, foi selecionado o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) como alvo da investigação.
Atualmente essa rede de ensino conta com 72 escolas2, sendo 35 localizadas na região urbana
e 37 pertencentes à zona rural da cidade. O foco do estudo foi na zona urbana do município,
procurando abranger os professores de Arte que atuam nas escolas existentes nessa região.
Das 35 escolas da zona urbana, apenas 18 atendem aos anos finais do ensino fundamental.
1 Em Alves (2010), foram apresentados alguns resultados parciais dessa pesquisa, referentes à formação e atuação desses profissionais.2 Dados da Gerência Executiva da Educação – Órgão da prefeitura responsável pela educação no município - no início de 2010
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Deste modo, o universo da pesquisa foi constituído pelos professores de Arte que atuam
nessas 18 escolas.
A fase quantitativa da pesquisa de campo foi concretizada através da aplicação de
questionários. Esse instrumento é, geralmente, empregado em pesquisas desta natureza por
alcançar um grande público. Foi aplicado com todos os professores de Arte das 18 escolas
municipais, localizadas na zona urbana da cidade, com o objetivo de identificar,
principalmente, a formação dos professores de Arte e a quantidade desses docentes que
trabalham com música.
Resultados obtidos
Por meio da pesquisa de campo foi possível verificar que, atualmente, nas 18 escolas
onde há o Ensino Fundamental II, existem 24 professores atuando na disciplina Ensino da
Arte. Vale ressaltar que na época da pesquisa de campo, iniciada nas primeiras semanas do
ano letivo de 2010, uma dessas 18 escolas ainda encontrava-se sem professor de Arte. Dos 24
professores identificados, somente um se recusou a responder o questionário, alegando que
estava assumindo a disciplina há pouco tempo e que, por esse motivo, não gostaria de
participar. Apenas três professores não devolveram os questionários. Portanto, consegui
receber 20 questionários respondidos, o que corresponde a um percentual de 83,33%, um
índice significativo para uma pesquisa dessa natureza.
Desse universo, composto por 20 professores, há uma predominância de mulheres,
15 professoras e apenas cinco professores. De uma forma geral, essa é uma realidade
fortemente encontrada na educação básica brasileira, confirmando a existência da feminização
do magistério (Ver: DEL BEN, 2005; DINIZ, 2005; HIRSCH, 2007).
A faixa etária desses profissionais está entre 31 e 55 anos, com média de 44 anos. No
estudo desenvolvido por Del Ben (2005), encontrou-se uma faixa etária semelhante, no qual
Um percentual de 41,38% dos professores está acima dos 45 anos. Esse dado pode indicar que os jovens professores de música ou das demais modalidades artísticas não têm se sentido atraídos para atuar como docentes nas escolas públicas estaduais de educação básica. Ou, ainda, que têm sido escassos os concursos para professores nessas áreas (p. 73).
Portanto, parece haver um número reduzido de jovens professores de arte/música
atuando como docentes nas escolas públicas.
Através dessa pesquisa, procuro apresentar um panorama geral sobre a formação
inicial dos professores de Arte da RMEM, para que assim, através do conhecimento dessa
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realidade, seja possível verificar quem é o profissional que atua na disciplina Ensino da Arte,
pois, até bem pouco tempo não existiam cursos de formação de professores de arte na cidade
de Mossoró e região. O primeiro criado foi a Licenciatura em Música da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte – UERN, no ano de 2004.
Primeiramente, é importante destacar que todos os professores participantes da
pesquisa são licenciados, estando assim em consonância com a atual LDB, que exige
formação superior na modalidade de licenciatura para a atuação no Ensino Fundamental e
Médio. A TAB. 1 apresenta dados referentes à graduação desses docentes:
TABELA 1
Graduação dos professores de Arte da RMEM
GRADUAÇÃO QUANTIDADE PERCENTUAL
Letras 10 50%História 4 20%Teologia 2 10%
Educação Artística 1 5%Geografia 1 5%
Ciências Sociais 1 5%Não respondeu 1 5%
Como se pode observar, apenas um entre os 20 professores possui formação na área
de Arte, especificamente, no curso de Educação Artística com Habilitação em Música. Uma
realidade diferente da encontrada em outras cidades brasileiras, como em Porto Alegre, onde
“60,34% de todos os 58 professores participantes da pesquisa possuem formação específica
para atuar na área de artes” (DEL BEN, 2005, p. 75), e João Pessoa, onde “a grande maioria
dos professores tem formação específica: 86% (160 em 186) dos entrevistados informam ter
cursado ou estar cursando uma licenciatura em Educação Artística” (PENNA, 2002b, p. 22)3.
Constatei também que a metade dos professores que atua na disciplina de arte possui
formação na área de Letras. Esse fato parece ter relação com o título que o Curso de Letras da
UERN possuía até pouco tempo, denominado de “Letras e Artes”. Esse Curso funcionava
oferecendo uma ou duas disciplinas optativas na área de Arte e talvez passasse a impressão de
habilitar, efetivamente, o professor para atuar nessa área4. Como aponta um dos professores
de arte da RMEM, “apesar de ser chamado de Letras e Artes, o curso não traz essa formação
3 Ver também: (ARAÚJO, 2002; ALMEIDA, 2006; HIRSCH, 2007).4 Informação dada pelos professores formados nesse Curso.
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especificamente” (P8)5. No entanto, outro professor acredita que “o Curso de Letras e Artes,
habilita para ensinar Português, Inglês e Artes” (P5). Pelo o que se pode perceber, com a
falta de cursos específicos para a formação de professores de Arte na cidade, esse parece ter
sido o curso que, durante algum tempo, assumiu o papel dos cursos formadores de professores
da área na região, talvez por causa desse título. Inclusive, um dos docentes participantes da
pesquisa afirmou que assumiu o cargo de professor de Arte na RMEM através de concurso
público para a área. Ou seja, já existiram concursos públicos no Município, nos quais,
professores sem formação específica puderam concorrer e assumir o cargo.
Os demais professores possuem formações diversas: quatro em História, que também
é uma quantidade significativa (20%); dois em Teologia; um em Geografia; um em Ciências
Sociais; e apenas um não respondeu a essa questão. Apesar de existirem alguns contextos
diferenciados, como os apontados anteriormente, essa ainda é a realidade do ensino de arte
encontrada em grande parte das escolas brasileiras, nas quais a grande maioria dos professores
não possui formação para atuação na área de Arte:
De acordo com o trabalho, baseado no Censo Escolar da Educação Básica 2007, o Brasil possui cerca de 124 mil professores de Artes. A grande maioria (92%) tem licenciatura. Mas o dado preocupante é que Artes é a disciplina com menor proporção de docentes com formação na área específica de atuação: 25,7%, nos anos finais do ensino fundamental. Destes, só 2,4% lecionam a disciplina correspondente ao curso em que se formaram na graduação. O trabalho do MEC informa ainda que 50,2% dos professores que lecionam Artes são formados em outras áreas (BOLETIM ARTE NA ESCOLA, 2010, p. 6).
Em Mossoró, a situação é ainda mais complicada, pois, só existe um profissional
com formação específica para trabalhar na área de Arte em toda a rede municipal.
Atualmente, de acordo com o EDUCACENSO6, a RMEM atende a uma demanda de mais de
21 mil alunos matriculados da educação infantil ao último ano do ensino fundamental.
Outro aspecto importante é que, dos 20 professores identificados, apenas dois atuam,
exclusivamente, na disciplina de Arte: o professor formado em Educação Artística e o que é
formado em Letras concursado na área de Arte. Os demais professores também ministram
aula de outras disciplinas, geralmente, relacionadas a seu campo de formação.
Nesse contexto, o que tem levado a maioria desses professores de outras áreas a
trabalharem com o ensino de arte é a necessidade da complementação de suas cargas horárias.
5 P – Refere-se a uma numeração utilizada nesse trabalho para identificação dos 20 Professores.6 Censo Escolar realizado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
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Dez professores (50%) apontaram que esse é o principal motivo que os levaram a trabalhar
com essa disciplina, como se pode verificar na TAB. 2:
TABELA 2
Motivação dos professores para trabalhar com Arte
MOTIVOS QUANTIDADE PERCENTUAL
Complementação de carga horária
10 50%
Se sentem preparados 3 15% Não responderam 3 15%
Identificação com a área 2 10% Necessidade da escola 1 5%
Aprovação em concurso público na área
1 5%
Total 20 100%
Apenas três assinalaram que se sentem preparados para ensinar na área (incluindo o
professor que tem formação específica) e dois que possuem, de fato, alguma identificação
com a disciplina. Esses dados são preocupantes, primeiramente, porque os profissionais não
possuem formação para a atuação, mas como já apontei essa não é a realidade apenas de
Mossoró, mas de boa parte do país. E segundo, porque a maioria assume a disciplina em
função de uma circunstância empregatícia e não por se sentir preparada ou pelo menos
identificar-se com a área.
Com o intuito de conhecer detalhadamente a atuação desses professores, procurei
verificar em quais das quatro modalidades artísticas eles se sentem melhor preparados para
trabalhar. A maioria dos professores apontou mais de uma modalidade7. Como era de se
esperar, a maior parte afirmou que se sente preparada para atuar com Artes Visuais, num total
de 15 professores. Essa tendência, após a LDB de 1971, tem sido muito forte nas aulas de
Arte, chegando ao ponto de poder configurar-se apenas como “Ensino de Artes Visuais” (ver:
PENNA, 2008b). Dos 20 professores, 12 acreditam também estarem preparados para trabalhar
com Música, 13 com Teatro e apenas cinco com Dança.
Por terem sua formação fundada em outras áreas, é interessante observar que esses
professores demonstram sentirem-se preparados para atuarem nas diversas modalidades
artísticas, alguns chegando a apontar as quatro modalidades. São dados que nos levam a
7 Essa questão era de múltipla escolha, na qual os professores poderiam eleger quantas modalidades quisessem,entre as quatro existentes (Artes Visuais, Música, Teatro ou Dança).
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refletir acerca das concepções dessas aulas de Artes desenvolvidas por esses profissionais,
pois, essas práticas educativas parecem estar baseadas numa concepção polivalente.
Para verificar essa situação, solicitei aos professores que apontassem quais as
modalidades artísticas que eles, efetivamente, trabalham em sala de aula. Suas respostas
confirmaram a concepção da atuação polivalente, que parece acontecer em grande parte das
aulas de arte, como podemos verificar na TAB. 3:
TABELA 3
Modalidades artísticas trabalhadas pelos professores
MODALIDADES QUANTIDADE PERCENTUAL
Música e outras modalidades (Artes Visuais, Teatro e
Dança)13 65%
Outras modalidades (Artes Visuais, Teatro e Dança) 3 15%
Somente Artes Visuais 3 15%Somente Música 1 5%Somente Teatro 0 0%Somente Dança 0 0%
Total 20 100%
Somente três professores trabalham exclusivamente com Artes Visuais e um com
Música, o restante atua ensinando mais de uma modalidade artística. Um aspecto positivo que
ressalto nesses dados é que 14 professores afirmam trabalhar com Música, 13 de forma
polivalente e um de forma exclusiva.
Como é possível perceber, a influência da polivalência nas aulas de Arte ainda é
muito forte atualmente. Pude verificar também que, em diversos estudos realizados em
escolas brasileiras, a influência da formação e da concepção polivalente esteve presente em
grande parte deles. No estudo desenvolvido por Del Ben (2005) em Porto Alegre, “os dados
indicam que a maioria dos professores investigados atua concomitantemente nas áreas de
artes plásticas, artes cênicas e música” (p. 77). Do mesmo modo, na região Sul do Rio
Grande do Sul,
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Nota-se que ainda há a presença de uma atuação polivalente, quando o somatório de 33,1% dos professores afirma trabalhar com mais de uma modalidade artística, contra o somatório de 59,0% dos professores que declaram trabalhar com apenas uma modalidade artística (HIRSCH, 2007, p. 48).
Na pesquisa realizada em Belo Horizonte, pôde-se evidenciar que “ainda há
influência da formação polivalente (cursos de Educação Artística) sobre a prática pedagógica
e as concepções docentes sobre o ensino de música” (MARINO, 2005, p. 5). Em João Pessoa,
foi possível verificar
Uma forte tendência à atuação polivalente, comprovada pelos dados coletados. [...] 85 (45,7%) professores trabalham apenas uma linguagem artística em sala de aula, enquanto 43 (23,1%) trabalham com duas, 34 (18,3%) com 3 linguagens e os demais trabalham com 4 (PENNA, 2002b, p. 27).
Todo esse cenário reflete, no mínimo, que os profissionais que estão sendo formados
nas novas licenciaturas (Licenciatura em Artes Visuais, Música, Dança e Teatro), ainda não
estão presentes, efetivamente, na educação básica, pelo menos é o que se pode evidenciar na
realidade de Mossoró.
Aproveitando essa rápida discussão sobre as concepções dos professores de arte,
procurei verificar se esses profissionais conhecem ou, pelo menos já ouviram falar, da Lei
11.769/08, para ter uma ideia da repercussão e discussão dessa Lei nesse contexto
educacional. Apenas quatro professores afirmam conhecê-la, sendo que um deles desconhece
o seu texto. Portanto, os demais 16 professores de Arte da RMEM (80%) nunca ouviram falar
das discussões sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação básica, após mais de
um ano da promulgação dessa Lei8.
Essa realidade não deixa de ser impactante, e por mais que esses profissionais não
possuam formação nas áreas de Arte e Música, seria importante que estivessem atentos às
discussões que envolvem suas áreas de atuação, das quais a Música faz parte. Portanto, se os
professores de arte, potenciais professores de música desse contexto, desconhecem as
discussões que tratam da obrigatoriedade do ensino da música na educação básica, é provável
que, praticamente, não existam reflexões e ações a respeito desse aspecto no âmbito da
RMEM.
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Conclusões
Na cidade de Mossoró e na Rede Municipal de Ensino, especificamente, até o
presente momento, pouco se sabia a respeito de quem vem atuando com o ensino de
arte/música, uma vez que, até então, nenhum estudo dessa natureza fora desenvolvido nesse
contexto. Através desse trabalho, procurei apresentar um breve levantamento sobre a
formação dos professores que atuam na disciplina Arte na RMEM.
Foi possível identificar que apenas um professor possui formação na área de Artes,
no extinto curso de Educação Artística. Verifiquei também que a metade dos professores de
Arte possui formação na área de Letras, e que o curso de Letras da UERN, até bem pouco
tempo denominado de “Letras e Artes”, parece ter assumido o papel dos cursos formadores de
professor de Arte na região. Esse curso funcionou oferecendo umas duas disciplinas optativas
na área de Arte e acabou passando a impressão de formar, efetivamente, os professores para
atuarem na área.
Contudo, a maior parte dos professores de Arte da RMEM tem assumido a disciplina
de Arte por causa de uma circunstância empregatícia, ou seja, por necessitarem complementar
suas cargas horárias. Assim, essa formação oferecida nesse curso de “Letras e Artes” parece
não ter exercido tanta influencia na atuação desses professores.
De forma geral, a partir da realização desse estudo, foi possível verificar que a
grande maioria dos professores de Arte atuantes nesse contexto não possuem formação nas
áreas de Arte e Música. Portanto, o que se pode evidenciar, a partir de todo o exposto, é a
urgente necessidade de formação existente nesse contexto educacional, tanto na área de Arte,
quanto em Música especificamente, pois, praticamente não há profissionais especializados
atuando nessas áreas.
8 Ressaltando que esses dados foram coletados no início de 2010.
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A informalidade construindo a formação musical dos adolescentes
frequentadores da Praça Verde Historiador Raimundo Girão (Centro
Dragão do Mar de Arte e Cultura)
Yure Pereira de AbreuUniversidade Federal do Ceará
Luiz Botelho Albuquerque Universidade Federal do Ceará
Resumo: O presente artigo é um relato de pesquisa que teve como objetivo identificar e compreender como está se estruturando a formação musical, formal e informal, dos adolescentes entre 12 – 18 anos frequentadores da Praça Verde Historiador Raimundo Girão, espaço pertencente ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e mantido pelo Instituto de Arte e Cultura do Ceará (IACC), situado na Rua Dragão do Mar, nº 81, Praia de Iracema. Entender a formação musical destes adolescentes é de certa forma, compreender os contextos sócio-culturais em que estão inseridos. Sob essa perspectiva foi realizado estudo de caso sobre o impacto que as mídias e grupamentos jovens exercem sobre a formação musical dos indivíduos que freqüentam o centro,vislumbrado apontar um panorama acerca da formação musical, em caráter formal e informal, e repensar estratégias de incentivar uma dissipação igualitária ao acesso àmúsica.
Palavras-chave: Adolescentes, Grupamentos Jovens, Formação Musical.
Introdução
Compreender o processo de construção da formação musical é de certa forma
compreender o contexto sócio-cultural no qual a juventude está inserida. É em meio à
sociedade moderna com o advento da cultura de massas, vinculada às mídias, que a
educação musical se torna ainda mais dinâmica e interativa. No entanto a educação
passa a operar tanto na formalidade quanto e principalmente em uma mescla entre a
formalidade e informalidade. É neste contexto que a educação musical informal cresce,
sendo acentuada pelas mídias e grupamentos jovens.
Graduando em Música (licenciatura) pela Universidade Federal do Ceará. É bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência MEC/CAPES – UFC e integrante do grupo de pesquisa Ensino de Música, atuando na linha de Culturas Contemporâneas e Educação Escolar, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Botelho Albuquerque.
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Atualmente a cidade de Fortaleza não oferece educação musical em caráter
formal acessível a toda população, pelo simples fato de não ofertar nenhuma disciplina
de música nas matrizes curriculares das escolas públicas de ensino básico nem escolas
de música ou conservatórios públicos, deixando a formação musical por conta da
informalidade e, em nível superior, as universidades que ofertam cursos de licenciatura,
bacharelado e de nível técnico.
O presente trabalho visa refletir sobre um processo da formação musical dos
adolescentes entre 12 – 18 anos, de caráter informal e a educação musical de caráter
formal, vislumbrando apontar os mecanismos formativos presentes no cotidiano dos
adolescentes que freqüentam a Praça Verde Historiador Raimundo Girão (Praça Verde).
Espero que este artigo venha a contribuir com a comunidade científica,
educadores musicais, bem como toda a comunidade educacional ao apresentar um
panorama da formação musical, formal e informal, dos adolescentes acima citados,
repensando estratégias e fazendo reflexões acerca da formação musical no que diz
respeito à implementação do ensino de música na educação básica, o que já está
previsto na Lei 11.769 de 18 de agosto de 2008.
Metodologia
A pesquisa foi realizada a partir da observação do local e suas especificidades
com 21 sujeitos freqüentadores da Praça Verde, numa tentativa de identificar elementos
e concepções acerca dos processos formativos em música, na busca de responder a
pergunta: como ocorre o processo de formação musical dos adolescentes de Fortaleza na
contemporaneidade.
Um estudo de caso foi realizado com o intuito de compreender certas nuances
acerca da formação musical dos jovens e o modo como os grupamentos jovens e as
mídias tendem a influenciar nesse processo, colaborando para uma padronização.
Dessas fontes empíricas extraíram-se dados importantes sobre o assunto, de observação
do cotidiano e do entendimento que os adolescentes freqüentadores da Praça Verde têm
sobre a sua formação musical, relacionando-as com suas próprias experiências. Segundo
Gil (2009), estudos de casos: “Caracterizam-se pelo estudo profundo e exaustivo de um
dos poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado.”
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Com o intuito de recolher informações acerca da formação musical dos
adolescentes que freqüentam a Praça Verde, eu confeccionei e apliquei um questionário
contendo 11 perguntas, dentre abertas e fechadas, direcionadas a temática do artigo, tais
como: se os entrevistados já haviam estudado música, formalmente ou informalmente
(autodidata); Em qual instituição e/ou local tiveram acesso ao conhecimento musical; Se
os entrevistados cantam ou tocam algum instrumento musical e se participam de
formações artísticas (corais, bandas, etc.); quais meios de comunicação os entrevistados
mais utilizam; quais os gêneros musicais, artistas ou bandas favoritas e quais meios
culturais mais freqüentam; na busca de responder a pergunta supracitada.
A Praça Verde Historiador Raimundo Girão: um espaço de lazer,
formação e encontros.
A Praça Verde Historiador Raimundo Girão, ou simplesmente “Praça Verde”
como dizem às pessoas que ali freqüentam, é um dos mais amplos espaços pertencente
ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, o qual tem por finalidade promover
atividades artísticas, culturais e recreativas visando propagar e preservar as culturas
locais, bem como auxiliar no desenvolvimento artístico, educacional, cultural e
cognitivo das crianças que participam dos projetos do local. O espaço também tem por
proposta abrigar espetáculos, shows e eventos de grande porte como, por exemplo, a
Feira da Música de Fortaleza; ainda conta com um espaço anexo, o Ateliê das Artes,
que é um espaço voltado para a realização de cursos, oficinas, debates, dentre outras
atividades.
No entanto é durante as noites de sábado que o local recebe o público alvo
deste trabalho, visto que é esse o dia escolhido pelos jovens para realizarem as reuniões
de seus grupos e encontrarem seus amigos, com inúmeros objetivos, tais como: divertir-
se, namorar, trocar idéias, fazer música, etc. Porém as atividades realizadas por esses
jovens não possuem ligação com as atividades ofertadas pela instituição, visto que esta
é uma atividade que não compõe a programação do local. Assim as ações realizadas
nestes encontros não possuem nenhum direcionamento específico, o que as torna
bastante diversificadas e heterogêneas, atendendo a diversos campos e interesses como
dança, música, pintura, teatro, dentre outras.
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A influência das mídias e dos grupamentos jovens e os impactos na
formação musical
No decorrer do século XX as sociedades passaram por significativas mudanças
estruturais que influenciaram os campos social, ideológico e científico-tecnológico
colaborando para o surgimento de uma nova cultura que Morin (1997) define como a
terceira cultura, originária das mídias novas e antigas como cinema, rádio, televisão,
jornal, projetando-se ao lado das culturas tradicionais. Esta cultura de massas que tem
como objetivo a padronização, criando uma cultura dita “Universal”, que é uma junção
de crenças, costumes, mitologias, etc.
É no decorrer do desenvolvimento industrial que a mídia se apresenta como
uma grande ferramenta de propagação da lógica do consumo, proporcionando estímulos
de massificação social de uma cultura “universal”, incorporado pelos grupamentos
jovens que associam elementos da cultura universal aos hábitos intimamente
relacionados ao modo como esses grupamentos se organizam.
Para tanto, em meio ao desenvolvimento midiático, surgem diversas práticas
correntes, que muitas vezes não emergiam com o propósito de educação, mas ao final,
constituem um imenso mecanismo educacional. Então, tomando por base que a
educação é um processo dinâmico e que a educação ocorre em todos os locais e com
todas as coisas, a mídia com certeza auxilia no desenvolvimento educacional dos
jovens.
Para analisar a formação musical dos adolescentes que freqüentam a Praça
Verde, ressaltando as contribuições do local que aos sábados congrega jovens de toda a
cidade de Fortaleza e região metropolitana, o que favorece a criação de grupamentos
jovens, surge a necessidade de compreensão dos processos de formação dos
grupamentos jovens e de interação entre os adolescentes que compõem o grupo, ao
entender que ambos exercem influências sobre a formação musical dos jovens que ali
freqüentam. Para Janotti Jr. (2003) o conceito de grupamento jovem está intimamente
relacionado à perspectiva das:
Agremiações de indivíduos que partilham interesses comuns, vivenciam valores, gostos, afetos, privilegiam determinadas produções
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de sentido em espaços desterritorializados, através de processos midiáticos que se utilizam de referenciais globais.
Levando em conta que a adolescência é um período instável e conturbado, que
Pfromm Netto (1976) define como inquietação, pode-se afirmar que é nessa fase da vida
que as pessoas sofrem mais influências, pelo simples fato de ainda estar constituindo
seus valores e hábitos, sua identidade. Assim foi possível perceber que a formação
musical dos jovens que freqüentam a Praça Verde é influenciada pela mídia e
grupamentos jovens.
Resultados e discussões
Após coleta dos dados ficou constatado que a maioria dos jovens entrevistados
não havia estudado música de forma mais sistemática, em caráter formal, ou seja, ligada
a uma instituição de ensino, seja ela pública ou privada, como, por exemplo,
conservatórios, escolas de música, escolas de educação básica, etc. Segundo Arroyo
(2000, apud WILLE, 2005):
Ao utilizarmos o termo formal para qualificarmos a educação musical diferentes significados poderão ser destacados, pois esse termo pode ter significação como escolar, oficial, ou dotado de uma organização.
Eu acredito que o fato da maioria dos jovens não terem estudado música
formalmente esteja intimamente ligado ao fato da carência de escolas ou conservatórios
de música públicos e também pela ausência de música na matriz curricular da rede
publica de ensino básico.
Deste modo pude constatar uma predominância dos estudos musicais
informais, o que podemos denominar de autodidatismo, ou seja, não ligado a nenhuma
instituição, o que contribui para uma maior fragilidade no aprendizado musical. Eu
entendi também que o estudo autodidata pode afetar a saúde física dos adolescentes, já
que nem sempre ao se tocar um instrumento musical ou cantar os alunos tomam cuidado
com postura, técnicas, dentre outras coisas.
Dentre os jovens que afirmaram ter estudado música formalmente, alguns
afirmam possuir habilidades como cantar e/ou tocar um instrumento musical. Entre os
instrumentos mais citados estão o violão, o teclado e a bateria. Porém, a maioria dos
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entrevistados dizem saber tocar algum instrumento e/ou cantar, mesmo sem haver
estudado música formalmente.
Considerações Finais
A partir de minha pesquisa pude constatar como está se estruturando a
formação musical dos adolescentes freqüentadores da Praça Verde Historiador
Raimundo Girão, e que tal formação está bastante implicada na informalidade, ao passo
que os grupamentos jovens e as mídias vêm intensificando suas influências sobre o
processo de formação musical dos jovens que ali freqüentam e que, apesar de algumas
ações isoladas que têm sido realizadas no município, na tentativa de promover um
acesso mais igualitário ao ensino de música, analiso que estão sendo insuficientes e
deficitárias, já que a maioria dos jovens ainda não possuem acesso ao conhecimento
musical formalmente.
Também foi possível constatar como está ocorrendo a formação musical
informal, sendo realizada através de amigos, livros, métodos, vídeos-aula, revistas,
dentre outros.
Por fim podemos concluir que a mídia juntamente com os grupamentos jovens
e a carência de educação musical em caráter formal na cidade de Fortaleza colaboram
na dissipação da cultura educacional informal.
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Referências
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6º Edição. São Paulo: Atlas, 2009.
JANOTTI JUNIOR, Jeder Silveira. Mídia, cultura juvenil e rock and roll: comunidades, tribos e grupamentos urbanos. Disponível em: <http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/4994/1/NP13JANOTTI.pdf>. Acessado em 28 de outubro de 2010.
MORIN, Edgar. Culturas de massas no século XX: Neurose. Tradução de Maura Ribeiro Sardinha. 9º Edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1997.
PFROMM NETTO, Samuel. Psicologia da adolescência. 5. Edição. São Paulo, Pioneira; Brasília, INL, 1976.
WILLE, Regiana Blank. Educação musical formal, não formal ou informal: um estudo sobre processos de ensino e aprendizagem musical de adolescentes. Disponível em: <http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/revista13/revista13_artigo4. pdf>. Acessado em 28 de março de 2011.
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A Licenciatura em Música da UFPI: diálogo entre a formação oferecida e a formação almejada
Juliana Carla Bastos Universidade Federal do Piauí (UFPI)
Resumo: O presente artigo tem como objetivo investigar e identificar as características inerentes ao perfil de curso traçado pelo Projeto Político-Pedagógico da Licenciatura em Música da Universidade Federal do Piauí, bem como compreender de que maneira(s) essa caracterização está sendo recebida pelos alunos e trabalhada pelos professores. Com base no referencial teórico e na revisão bibliográfica já constituídos, a discussão inicial aqui apresentada servirá de base para a fase prática da pesquisa, que será de aplicação de questionários e realização de entrevistas com o intuito de conseguir informações efetivas sobre a opinião de alunos e professores com respeito ao caminho que o curso vem trilhando.
Palavras-chave: educação musical, UFPI, formação do professor.
Apresentação
Como professora do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do
Piauí desde janeiro de 2011, alguns aspectos me chamaram a atenção no que diz respeito ao
perfil profissional que o curso salienta como ideal para seus egressos. Interessei-me,
especialmente, em investigar de que maneira(s) esse ensino está aliado ao conhecimento
extra-sala de aula, relacionando-o não só com o perfil dos licenciandos, mas também
observando a interação destes com o mercado de trabalho musical em Teresina. O impulso
inicial de pesquisa surgiu de conversas com alunos e professores do curso, nas quais se
menciona uma desconexão de usos entre o que se ensina na universidade e o que se aplica
efetivamente no cotidiano profissional dos licenciandos. Além de procurar compreender os
possíveis motivos geradores e/ou intensificadores desse descompasso, julgo necessário
também perguntar o que os docentes esperam e pretendem fazer no/com o curso. Com base
nessas informações, o objetivo do trabalho, ainda em fase inicial, é realizar uma pesquisa
básica com a intenção de levantar dados sobre essa realidade, compreendendo aspectos
característicos do contexto.
O referencial teórico está sendo construído com base nas idéias de educadores
musicais consolidados nacionalmente e que apresentam, a cada trabalho, contribuições
significativas para a área (PENNA, 2007, 2008; MARINHO; QUEIROZ, 2005; MATEIRO,
2009; CAJAZEIRA; OLIVEIRA, 2007). Para constituir o quadro de revisão bibliográfica,
busquei trabalhos sobre Educação Musical que contemplem a cidade de Teresina ou o Estado
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do Piauí, percebi que as questões tratadas em quase todos os exemplos encontrados giram em
torno ensino fundamental e médio, como questões oriundas da normatização e estruturação do
ensino da música nas escolas (FERNANDES, 2004)1, ou fazendo menção aos processos de
cognição envolvidos na formação musical das crianças e jovens participantes bandas de
música (BENEDITO, 2008)2. A exceção, nesse sentido, é o trabalho de Ferreira Filho (2009),
que contempla o assunto da pesquisa ao traçar um panorama histórico da Educação Musical
no Piauí, englobando atores do ensino fundamental ao superior. Completando as bibliografias,
utilizo também três outros escritos que versam sobre análise de projetos político-pedagógicos
(PPP) em licenciaturas em música no Brasil (MATEIRO, 2009); saberes e competências
compartilhados entre o professor de música e o aluno que pretende ser um professor de
música (REQUIÃO, 2002); e um artigo que fala sobre o perfil dos graduandos em música da
Universidade Federal da Paraíba e procura discutir definições sobre a significação de valores
e concepções musicais para esses discentes (BASTOS, 2009).
A Educação Musical para educar o... professor!
A Educação Musical, como área em ampla consolidação no Brasil, sobretudo nas
últimas três décadas, aponta aspectos com relação ao ensino da música e à formação do
educador musical quase sempre relacionando o contexto social com a sala de aula - e quem
foi que disse que esses dois universos deveriam, algum dia, ter sido dissociados? Certamente,
devemos sistematizar os processos ocorrentes em nossa sociedade para que seja possível
aplicá-los, mas talvez tenhamos nos equivocado quanto à definição sadia da palavra
“organização”, resultando, em parte, na fragmentação presente por muito tempo no ensino
brasileiro – algo como um conjunto de gavetas, cada qual com seu assunto; cada assunto a ser
tratado separadamente. Atualmente, com base nas falas dos estudiosos sobre o assunto
(PENNA, 2007; MATEIRO, 2003), a constatação de que essa fragmentação não é assim tão
benéfica é bastante óbvia, já que não podemos compartimentar a vida. Sendo assim,
compartimentar o ensino também não deveria fazer sentido.
1 FERNANDES, José Nunes. Normatização, estrutura e organização do ensino da música nas escolas de educação básica do Brasil: LDBEN/96, PCN e currículos oficiais em questão. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 10, p. 75-87, 2004.
2 BENEDITO, Celso. Curso de capacitação para Mestres de Filarmônicas: o prenúncio de uma proposta curricular para formação do mestre de bandas de música. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO, 18., 2008, Salvador. Anais... Salvador: 2008. Disponível em: http://www.anppom.com.br/anais/. Acesso em: 22 abr. 2001.
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Quer dizer que, nessa conversa de convergir e aliar, a discussão sobre a extinção do
ensino polivalente de artes caminha na direção contrária ao querer separar seus conteúdos? De
maneira alguma. O caso do ensino das artes demonstra, historicamente, a gradativa predileção
por uma das frentes, que não é a música, em detrimento das demais. O que a Lei 11.769/083
ordena, ao colocar a música como conteúdo obrigatório, porém não exclusivo, na aula de
artes, é apenas uma “luz no fim desse túnel”, uma primeira vitória que deve ser comemorada,
certamente, mas que não pode desviar-nos do foco, que é a delimitação da disciplina de
música. Cada frente de conhecimento deve demonstrar sua autonomia dentro do sistema de
ensino, já que são áreas delimitadas. No entanto, e tão importante quanto, compreender que as
fronteiras entre elas não são estanques parece ser o cerne desse processo de entendimento
sobre aliar à sala de aula o contexto social e do cuidado para não fazer confusões sobre o uso
da polivalência.
No ensino superior, a crescente migração das habilitações em música presentes no
curso de educação artística para a transformação em cursos específicos de música
(MATEIRO, 2009, p.59) demonstra que as discussões sobre a reconfiguração da área de
Educação Musical estão atingindo um dos degraus iniciais de todo esse processo educacional:
a formação do professor de música.
Panorama atual do curso de Música da UFPI
Assim como presenciamos, atualmente, as discussões acerca da Lei 11. 769/08,
algumas leis anteriores implementaram justamente o que ela procura modificar. Em 1971, a
disciplina de Educação Artística foi definida como obrigatória nos ensinos fundamental (atual
educação básica) e médio pela Lei 5692/71. Data dessa época a criação de cursos de
Licenciatura em Educação Artística com habilitações em quatro frentes de conhecimento
artístico: Artes Cênicas, Artes Plásticas, Desenho e Música.
Na Universidade Federal do Piauí, a Licenciatura em Educação Artística nasceu em
19774 e, tal como referido acima, oferecia a habilitação em música até 2008 (PROJETO
POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2009, p. 6). As turmas remanescentes dessa grade curricular5
encontram-se em fase de conclusão de curso e alguns estudam a possibilidade de migração
para a grade curricular atual, da qual falarei adiante.
3 Altera a LDB 9394/96, que, no § 2 do Art. 26., diz que a arte deve ser componente obrigatório na educação básica, a fim de promover o desenvolvimento cultural dos alunos, sem especificação de conteúdo.
4 Resolução nº 01/77 CCE/UFPI, CONSUM.5 A última ingressou em 2008.1, portanto, forma-se, no mínimo, em 2011.2 e, no máximo, em 2012.2.
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O recorte do presente estudo se aterá às características do curso a partir do primeiro
semestre de 2009, quando os aprovados no vestibular passaram a ingressar num curso de
Música, e não mais em Educação Artística com habilitação em Música. O PPP desse novo
curso, aprovado em 22 de junho de 2009, apresentava, como titulação acadêmica dos
egressos, a formação de “Licenciado em Música”. O ensino superior em música no Estado
acontece apenas na UFPI, e atende a demanda de Teresina e da Região Integrada de
Desenvolvimento da Grande Teresina6.
A aprovação do referido projeto demonstrou que o curso já havia iniciado sua
trajetória em direção a um delineamento condizente com as discussões atuais da Educação
Musical. Nesse ínterim, há, ainda, outro importante aspecto a ser mencionado: na UFPI, e a
exemplo do que acontece em outras licenciaturas em música, como a da UFPB (QUEIROZ;
MARINHO, 2005), a UFG e a UFMG (MATEIRO, 2009, p. 65), observa-se que a formação
oferecida tem procurado aliar ao embasamento musico-pedagógico da licenciatura a
habilitação em instrumento. Isso se deve a vários fatores, grande parte justificados pelo
remodelamento do campo de atuação profissional do músico que, cada vez mais, abrange
aspectos além dos inerentes a saber dar aulas de música ou dominar um instrumento. O que
vários autores demonstram em suas falas é que tanto as possibilidades quanto os deveres
aumentaram significativamente (REQUIÃO, 2002; CAJAZEIRA; OLIVEIRA, 2007;
BASTOS, 2009).
Observando essas mudanças, o PPP (2009) de Música da UFPI dá ao aluno a opção
de escolher um dos instrumentos contemplados pelas titulações do corpo docente – violão,
piano, violino, canto. Composição e regência também estão entre as titulações dos
professores, mas não são oferecidas como habilitações.
O que se constata, contudo, é que o perfil das pessoas que ingressam no curso é
variado: apenas uma parcela se dedica exclusivamente a um dos instrumentos contemplados
pelas habilitações. Noutros casos, o estudante toca dois instrumentos – o da habilitação e
outro, fora da universidade. Existe, ainda, o grupo que não toca nenhum instrumento dos
ofertados pela universidade, relegando o estudo deste somente aos momentos restritos aos
muros universitários, e, fora deles, toca outro(s) instrumento(s), como é o caso de alguns
bateristas, percussionistas, trompetistas, trombonistas, guitarristas, baixistas e cavaquinistas,
por exemplo. Essa “vida dupla” gera um sentimento de insatisfação em alguns estudantes.
Segundo relatos informais de alguns deles, a prática do “instrumento de universidade” fica em
6 Composta pelos municípios de Altos, Beneditinos, Coivaras, Curralinhos, Demerval Lobão, José de Freitas,
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segundo plano porque em seu trabalho pela cidade e em seu interesse pessoal, o(s) outro(s)
instrumento(s) (em geral, executado a mais tempo) é o que, de fato merece sua atenção e
dedicação. Tem-se, então uma problemática dupla: o “instrumento de universidade”, para
alguns, significará um aprendizado não prazeroso e, por vezes, até prejudicial às suas carreiras
musicais. Além disso, o fato de não se ter um ensino superior no instrumento de real interesse
faz com que o aproveitamento do curso seja reduzido, haja vista que as disciplinas práticas
terão um foco diferente do almejado pelo estudante.
Frente à necessidade eminente de ampliação desse quadro, o PPP foi reformulado em
2010 e tem previsão de implantação ainda em 2011. Revisto pela mesma equipe docente, ele
prevê, além das habilitações já mencionadas, também titulação em: viola, violoncelo,
contrabaixo, saxofone, flauta doce, trompete, trompa, trombone, bombardino, tuba, flauta
transversal, oboé, clarinete, fagote e percussão. Funcionará da seguinte forma: por ano, são
disponibilizadas quarenta vagas, distribuídas entre as quatro habilitações contempladas no
curso. Caso nem todas sejam preenchidas, o PPP prevê que
[...] as vagas [...] [que sobrarem] serão redistribuídas conforme a oferta de práticas instrumentais em novos instrumentos; isto é, as 40 vagas se dividirão igualmente pelo número total dos instrumentos cujo ensino possa ser oferecido. Por exemplo, se houver a possibilidade de se disponibilizar práticas instrumentais em 8 instrumentos diferentes, as vagas serão distribuídas na proporção de 5 para cada opção instrumental. A oferta de ensino em instrumentos diferentes daqueles ora realizada (piano, canto, violão e violino) estará, é claro, condicionada à contratação de novos professores especializados nos novos instrumentos (PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO, 2010, p. 35).
Ou seja: no PPP prestes a entrar em vigor, novas habilitações estão previstas;
contudo, seu implemento depende da contratação dos referidos professores. A titulação do
egresso desse curso será, ainda, a de “Licenciado em Música”, com a diferença de acrescer ao
título a frase “com habilitação em [instrumento]”.
Procedimentos metodológicos
Além da pesquisa bibliográfica, já referida anteriormente; a metodologia conta
também com a pesquisa documental, dando ênfase ao PPP do curso; e com a observação
Lagoa Alegre, Lagoa do Piauí, Miguel Leão, Monsenhor Gil e União, no Piauí; e por Timon, no Maranhão.
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participante, tanto nos momentos em que eu estiver em sala com os discentes, quanto quando
realizar a coleta dos dados diretamente com eles e com os professores.
Os dados a serem informados pelo corpo docente (7 professores efetivos e 1
substituto – não contando comigo) serão obtidos por meio de entrevistas individuais,
esclarecendo aspectos fundamentais do curso e andamento dos implementos. A administração
está contemplada no corpo docente na figura do Professor Cássio Martins que é também o
coordenador do curso.
A amostragem do corpo discente pretende contemplar 20 alunos por ano de ingresso
(50% do total), totalizando 80 pessoas. A fim de investigar as relações entre os diversos
mundos musicais presentes no contexto, a coleta de dados acontecerá da seguinte forma:
Entrevista com 5 alunos de cada grupo de 20;
Questionário para os 60 indivíduos restantes.
As entrevistas serão utilizadas para que dados qualitativos delineadores dos grupos
sejam cruzados com dados quantitativos do panorama geral extraído dos questionários,
fornecendo, dessa maneira, resultados rigorosamente mais fiéis ao contexto.
Os questionários a serem aplicados são divididos em três partes: dados quantitativos
a respeito do curso e da habilidade escolhida; opinião dos graduandos sobre gêneros musicais
e sua utilização dentro e/ou fora do contexto acadêmico através da indicação de adjetivos; e,
por fim, compreensão dos estudantes sobre elementos musicais diversos encontrados em
obras musicais de diferentes períodos.
Em suma, serão 28 pessoas investigadas através de entrevistas e 60 pessoas
investigadas por questionário.
A fase de análise dos dados contemplará a catalogação do material coletado. A partir
de então, os dados dos questionários serão quantificados a fim de obter, ainda que de maneira
panorâmica, o delineamento do pensamento ocorrente entre os estudantes; e as entrevistas
passarão por transcrição e posterior análise, a qual utilizará como base a análise da
conversação e da fala7 (MYERS, 2002), e a análise de discurso8 (GILL, 2002).
7 Tipo de análise na qual procuram-se decifrar os padrões comportamentais, bem como afirmações atribuídas a grupos e tipos de atividade específicos.
8 Tipo de análise que procura revelar aspectos fundamentais que constituem a dimensão ideológica e política das
argumentações consolidadas no processo discursivo de pessoas num determinado contexto.
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Outro aspecto importante a ser mencionado no cruzamento dessas informações é a
atuação que a própria IES9 possui no processo de consolidação de um curso de formação
superior. Devemos lembrar que uma parcela considerável de decisões tomadas dentro de uma
coordenação de curso passa por instâncias outras que vão além da reunião de professores ou
da reivindicação dos discentes. Espero compreender o perfil do curso de Licenciatura em
Música da UFPI através da observação da atuação conjunta dessas três frentes – professores,
alunos, administração.
Considerações
Observar e analisar os processos de interação entre o PPP e a realidade do curso
universitário de música da UPFI significa não só compreender alguns valores e concepções
inerentes ao processo de formação, mas também se configura em mais uma opção para
vislumbrar possíveis adequações que visem a melhoria do ensino oferecido e/ou para dar
ênfase a aspectos que já funcionam nesse contexto. O curso é bastante “jovem”, e o caminho
de sua consolidação qualitativa deve ser o mesmo a ser trilhado pela aplicabilidade efetiva na
carreira dos indivíduos que o buscam como alternativa de formação musical profissional no
Estado do Piauí.
9 Instituto de Ensino Superior.
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Referências
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Projeto Político-Pedagógico do Curso de Graduação em Música, Modalidade Licenciatura, do Centro de Ciências da Educação, Campus Universitário Petrônio Portela, Universidade Federal do Piauí. Teresina, junho 2009.
Projeto Político-Pedagógico do Curso de Graduação em Música, Modalidade Licenciatura, do Centro de Ciências da Educação, Campus Universitário Petrônio Portela, Universidade Federal do Piauí. Teresina, 2010.
REQUIÃO, Luciana Pires de Sá. Saberes e competências no âmbito das escolas de música alternativas: a atividade docente do músico-professor na formação profissional do músico. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 7, p. 59-67, 2002.
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A utilização do Método “O Passo” em aulas de Solfejo no Conservatório de
Música D’alva Stella Nogueira Freire
Alexandre Milne-Jones Náder Filho1
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte [email protected]
Evandro Hallyson Dantas Pereira2
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte [email protected]
Resumo: A utilização de diferentes formas de ensino na abordagem de aspectos musicais tem suscitado distintas possibilidades de assimilação e internalização de questões referentes à música como pulso, acento, compasso etc. Acreditando que essas formas de ensino podem estender suas contribuições para além dos contextos que foram propostos, o presente trabalho tem por objetivo apresentar e analisar as atividades práticas pedagógico musicaisdesenvolvidas por mim numa turma de solfejo I do Conservatório de Música D´alva Stella Nogueira Freire utilizando em algumas atividades o método O’PASSO do professor Lucas Ciavatta, desenvolvido principalmente para auxiliar o aprendizado de música em escolas regulares de ensino. A partir dessa experiência foi possível perceber, que as atividades de execução rítmica através do PASSO, as práticas de solfejo e execução se retroalimentam fornecendo um auxílio mútuo entre as atividades. Com relação ao contexto de ensino, vemos que mesmo tratando de um repertório específico, o ensino de música erudita, esses espaços especializados de ensino podem melhorar suas estratégias pedagógicas através da utilização de diferentes formas de trabalhar aspectos musicais.
Palavras-chave: movimento expressivo, aula de música, solfejo.
Introdução
A educação musical, a partir do reconhecimento dos diversos locais em que ocorre o
ensino e aprendizagem de música, tem se voltado a compreender como os processos de ensino
utilizados em diferentes espaços podem dialogar com práticas musicais efetivadas em espaços
como as escolas regulares de ensino e conservatórios de música. Neste sentido, várias
pesquisas tem se voltado para análise das estratégias do ensino de música utilizadas em
diversos contextos e seus principais objetivos.
Nessa perspectiva Brito (2002) comenta que:
É cada vez maior o número de projetos - subvencionados por instituições diversas - voltados à educação, ampliação do universo cultural, capacitação para o trabalho etc, envolvendo crianças e jovens do país. O Terceiro Setor
1 Prof. Ms. da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e orientador da pesquisa. 2 Graduando em Música pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
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vem desempenhando um importante papel ao proporcionar experiências e formação em áreas diversas, complementando o papel da escola e – mesmo - suprindo lacunas presentes nos desenhos curriculares. Neste contexto, contamos com iniciativas diversas relacionadas à educação musical que, por vezes, priorizam um ou outro aspecto: a prática de orquestra, os ritmos brasileiros e a percussão, a música popular, o hip-hop, o canto coral etc (BRITO, 2002, s.p).
A busca por novas metodologias de ensino na área da educação musical tem refletido
em importantes discussões a respeito da ampliação e elaboração de formas de ensino que
contribuam de forma efetiva no processo de aprendizagem musical. Nesta perspectiva, a
prática pedagógica em diversos contextos tem possibilitado novas formas de se ensinar, como
também novas formas de se aprender. Com vistas a essas novas possibilidades, as maneiras de
se pensar em ações metodológicas e até mesmo sua adaptação para determinada realidade,
necessita que o educador, enquanto facilitador de conhecimentos, esteja habilitado a essa
prática para facilitar o processo de aquisição do conhecimento do educando (ESPERIDIÃO,
2002; ARROYO, 2001).
Com referência a esse tipo de prática, Lima (2002) comenta essa prática seja:
[...] uma educação musical que aborde princípios teóricos, técnicos e práticos da música, com vistas a formação de indivíduos capazes de estabelecer relações entre os conhecimentos musicais, suas potencialidades e o meio em que vivem, a partir de uma intervenção contextualizada dialógica e dinâmica. Partimos do principio de uma educação para a vida, não encarando-a como um mero acúmulo de informações e habilidades práticas (LIMA, 2002. s.p.).
Existem discussões a respeito das estratégias de ensino musical contemporâneo, na
qual também é levada em consideração toda uma série de conhecimentos já adquiridos pelo
indivíduo que está participando do trabalho. Esse conhecimento adquirido em seu cotidiano
faz dele um ser que tenha condições de desempenhar inúmeras atividades.
Podemos tomar como exemplo a pulsação de uma música. Por mais que um indivíduo
não seja músico, ele consegue facilmente marcar a pulsação com o pé ou até mesmo com a
mão. Isso acontece às vezes sem nem sentir. É uma ação “involuntária” que é desenvolvida de
dentro para fora.
Essas experiências adquiridas, muitas vezes são estudadas, discutidas e até
sistematizadas, de forma a ser compreendida numa determinada realidade, fazendo com que
novas possibilidades de se ensinar sejam elaboradas.
A existência de métodos que auxiliam no processo de ensino aprendizagem indica
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caminhos e possibilidades para desenvolver determinadas práticas. Muitas vezes é necessário
que se façam adaptações para determinada realidade/situação, pois, os métodos não são
embasados em regras fixas pré-estabelecidas, mas, apresentam formas para desenvolver ações
pedagógicas.
Trataremos de apresentar nesse texto os fundamentos teórico-práticos do Método “O
Passo” e a sua utilização nas aulas de solfejo em uma escola especializada em música.
A união de movimento, corpo e ritmo fazem do Passo um referencial metodológico
propício para qualquer contexto, pois, a prática do método não necessita de instrumentos
musicais, mas, apenas o corpo e a voz. Segundo Ciavatta, criador do método:
O Passo não trabalha visando este ou aquele tipo de realização. Ele trabalha com a construção de uma base, algo que traz inúmeras possibilidades e abre uma porta, não apenas para os ritmos e os sons, mas para a rítmica como umtodo e para uma real aproximação com o universo sonoro. O Passo surge em resposta ao processo altamente seletivo do acesso à prática musical tanto nos espaços acadêmicos quanto nos espaços populares. Sua maior inspiração veio da riqueza do fazer musical popular brasileiro, principalmente no que diz respeito à relação corpo e música no processo de aquisição do suingue. (CIAVATTA, 02/04/11)3
A partir dessa prática do método, podemos pensar numa variedade de formas didáticas
e pedagógicas para desenvolver a prática musical de forma diferenciada do tradicional,
buscando eficácia no trabalho desenvolvido.
O Método está embasado em dois princípios, o de inclusão e autonomia.
Em se tratando de inclusão no Passo Ciavatta comenta sobre esse aspecto que “só
estamos de fato incluídos num determinado fazer musical quando somos afetados por ele e,
principalmente, quando o afetamos4”.
Essa ideia de inclusão passa a ser verdadeira não somente quando fazemos as
atividades propostas pelo método como bater palmas, marcar o pulso com os pés, mas,
quando há uma reciprocidade no fazer musical, no resultado coletivo da prática musical que
fora interferido pelo nosso fazer.
Já no fator autonomia, Ciavatta comenta que a prática coletiva propicia uns aos outros
não uma forma de sempre estar esperando um pelo outro na hora da prática musical, mas,
estar sempre atento e verificar se o erro existe. Se isso ocorrer, a própria percepção do
3 Texto extraído do site: www.opasso.com.br
4 Texto extraído do site: www.opasso.com.br
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indivíduo faz com que ele se enquadre dentro dos eixos que fundamentam aquela atividade
prática.
Atividades
O método propõe a utilização do ritmo e da melodia para a construção musical. No
que diz respeito ao desenvolvimento das aulas de solfejo I5 no Conservatório de Música,
apresentaremos como são desenvolvidas as atividades e os resultados obtidos em um mês e
meio de trabalho fazendo o uso de proposta metodológica melódica do Passo.
Não existe no método uma hierarquização de qual estudo vem primeiro, se o rítmico
ou o melódico, mas, dependendo da necessidade é que se faz a utilização da proposta.
No método, é apresentado um esquema no qual deve ser iniciado com a escala
diatônica maior. Esse esquema é uma sequência de números que devem ser cantados sempre
fazendo referência a uma sequência base. Segue abaixo o esquema apresentado pelo método:
Com base nesse gráfico, foi utilizado inicialmente nas aulas de solfejo apenas três sons
(dó, ré e mi) sendo estes substituídos pelos números 1, 2 e 3, como mostra a figura 2:
5 Aulas realizadas semanalmente com duração de 1:30 min.
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Durante o processo de cantar, houve problemas de afinação dos intervalos, pois, como
havia variação numérica, os alunos não conseguiam afinar a diferença entre eles, e também
por ser o primeiro contato com música no sentido de solfejar melodias, muito embora simples.
Após algumas repetições, fora conseguido alcançar o objetivo.
Foram inseridos mais dois novos sons (fá e sol) como mostra a figura 3. A dificuldade
aumentou, fazendo com que as relações de altura se tornassem um novo entrave. Contudo, a
relação de graus conjuntos que foi elaborado propositalmente com a finalidade de se
conseguir uma melhor afinação, surtiu um bom resultado, e aos poucos as variações foram
sendo inseridas, dificultando o processo e fazendo com que houvesse o despertar da
assimilação de diferentes alturas mais distantes, diferentemente de quando havia apenas três
sons.
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O bom resultado conseguido de forma rápida e eficiente fez com que ultrapassássemos
a inserção das duas últimas notas finais, fazendo com que usássemos a escrita tradicional. Em
se tratando de ritmo, foi proposta uma atividade que substituísse sinais alternativos pelas
figuras. Contudo, a leitura de partituras utilizando figuras como semínima e colcheia e
intervalos com salto de até quarta facilitasse o processo de cantar bem como a interpretação
da codificação musical com melodias simples.
Em conjunto com o processo de musicalização por meio de solfejo melódico, são
utilizados ainda movimentos corporais e células rítmicas. Em algumas vezes são formados
grupos na sala onde cada um deles faz uma célula diferente de um determinado ritmo, que,
quando é executado em conjunto, percebemos o envolvimento de toda a turma.
No tocante às duas atividades, sempre que vamos realizar os exercícios melódicos ou
rítmicos, sempre fazemos aquecimentos vocais e alongamento corporal, haja vista a
importância desse tipo de atividade, prevenindo qualquer tipo de lesão ao aluno.
ConsideraçõesAs pesquisas na área da educação musical têm contribuído de forma efetiva para a
implementação de propostas metodológicas no sentido de sanar problemas advindos de
diversas situações. A dialética nas áreas afins com a música tem promovido impactos
relevantes no sentido de fornecer possibilidades prático-metodológicas, almejando um bom
resultado na prática musical.
Neste sentido, o ensino musical tem ganhado novo formato, possibilitando novas
formas de ensino e aprendizagem, pois, o educador enquanto facilitador do conhecimento está
cada vez mais capacitado para desenvolver metodologias de acordo com a necessidade de
uma realidade.
Os materiais didáticos que auxiliam a prática docente têm enorme contribuição nessa
prática, pois auxiliam de forma a explanar maneiras de se lidar com determinadas situações, e
a partir do conhecimento do professor, é elaborada a devida metodologia.
Diante dessa situação, o método O Passo foi elaborado com o objetivo de possibilitar
novos caminhos ao aluno que está sendo envolto por essa prática.
Com vistas ao estudo em foco, é percebido nos alunos o rápido resultado que o método
tem propiciado, fomentando o fazer musical de forma prática e lúdica, estimulando o aluno.
Ainda não podemos apresentar resultados concretos, tendo em vista que as atividades
das aulas de solfejo têm uma carga horária de 60h/a e apenas 15h/a foram realizadas.
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Contudo, podemos afirmar que o método tem oferecido bons resultados em curto
espaço de tempo e espera-se que ao final do curso o desempenho seja satisfatório.
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Referências
ARROYO, Margarete. Música popular em um Conservatório de Música. Revista da ABEM,Porto Alegre, V. 6, 59-67, set. 2001.
BRITO, Teca Alencar de. Uma passo a mais: educação mucial como parte de um projeto de educação complementar. In: Encontro anual da Associação Brasileira de Educação Musical, XI., 2002, Natal. Anais... s.p..
CIAVATTA, Lucas. O Passo: princípios d’o passo. s.d.. Disponível em: http://www.opasso.com.br/. Acesso em: 02/04/2011.
ESPERIDIÃO, Neide. Educação profissional: reflexões sobre o currículo e a prática pedagógica dos conservatórios. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 7, 69-74, set. 2002.
LIMA, Maria Helena de. Projeto Música & cidadania: uma proposta de movimento. In: Encontro anual da Associação Brasileira de Educação Musical, XI., 2002, Natal. Anais... s.p.
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A Criação Musical na iniciação coletiva ao violão à luz da Teoria de
Aprendizagem Musical de Gordon.
Marcelo Mateus de OliveiraUniversidade Federal do Ceará
Elvis de Azevedo Matos Universidade Federal do Ceará
Resumo: Esta pesquisa em andamento faz parte de uma pesquisa de mestrado em Educação Brasileira e pretende observar o papel da criação musical em contextos coletivos durante a iniciação ao violão. Muitas publicações citam a importância da criação musical no desenvolvimento musical/humano do sujeito mas há uma carência quanto a utilização desta atividade como ferramenta pedagógica em contextos coletivos na iniciação ao instrumento, em nosso caso o violão. Nos apoiamos na Teoria da Aprendizagem Musical de Edwin Gordon, que utiliza categorias como “audiação”, “criação”, “improvisação”, tendo como foco de observação a aprendizagem do sujeito. É uma pesquisa de cunho qualitativo, utilizando amodalidade pesquisa-ação. Utilizará como instrumento de coleta de dados o registro dos encontros em vídeo, diário de campo e relatórios coletivos.
Palavras-chave: Criação, Aprendizagem Musical, Iniciação Coletiva.
Introdução
Em meados do século XVIII, Jean-Jacques Rousseau já nos apontava a importância
da criação musical quando afirmou que “(...) para bem saber a música, não basta executá-la, é
preciso compor, e uma coisa se deve aprender com a outra, sem o que jamais a saberemos
bem.” (ROUSSEAU, 2004, p.188) Keith Swanwick, no século XX, corrobora com Rousseau
ao afirmar que:
Uma vez que a composição permite mais tomadas de decisão ao participante, proporciona mais abertura para a escolha cultural. A composição é, portanto, uma necessidade educacional [grifo nosso], não uma atividade opcional para ser desenvolvida quando o tempo permite. Ela dá ao aluno uma oportunidade para trazer suas próprias idéias à microcultura da sala de aula, fundindo a educação formal com a “música de fora”. Os professores, então, tornam-se conscientes não somente das tendências musicais dos alunos, mas também, até certo ponto, de seus mundos social e pessoal. (SWANWICK, 2003, p.68)
O exercício da criação, portanto, parece permitir o desenvolvimento de uma
característica musical particular, um produto da “personalidade” musical do sujeito. Essa
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característica pessoal exteriorizada através do fazer artístico coloca o ser aprendente em um
novo patamar de encontro/entendimento do mundo e de si mesmo. Essa percepção ampliada
do “eu” a partir da musica pode, talvez, ser exercitada a partir de procedimentos de criação
artística, na qual o sujeito sai do âmbito individual para iniciar um diálogo com outrem,
encontrando-se com a coletividade. Pensando na iniciação musical, o exercício da criação
pode mediar esses encontros e quiçá favorecer os processos de aprendizagem musical.
Duas modalidades principais de criação musical serão abordadas em nosso relato de
pesquisa em andamento: a composição e a improvisação.
A composição musical aqui é entendida como a manipulação e organização do
material sonoro com atribuição de significado musical. O compositor, pois, realiza uma
atividade intelectual/experimental de seleção e organização do som buscando expressar-se
artisticamente. Seria possível que, na iniciação na aprendizagem musical, essa prática da
composição contribuísse significativamente para a apreensão do conhecimento musical?
A improvisação também nos parece um precioso instrumento de entendimento da
música, favorecendo a aquisição de conhecimentos e habilidades musicais. A improvisação é
por nós entendida como um tipo de construção na qual a música é composta enquanto está
acontecendo (SCHAFER, 1991, p. 52). A improvisação musical promove interações do
sujeito com o instrumento e o fazer musical que podem ser trabalhadas já nas primeiras aulas.
Teca de Alencar Brito, ao abordar o lugar da improvisação na metodologia do professor H. J.
Koellreutter, nos diz que:
Sua prática permite vivenciar e conscientizar importantes questões musicais,que são trabalhadas com aspectos como autodisciplina, tolerância, respeito, capacidade de compartilhar, criar, refletir etc. O professor [Koellreutter] entende que, por meio do trabalho de improvisação, abre-se espaço para dialogar e debater com os alunos e, assim, introduzir os conteúdos adequados. (BRITO, 2001, p.45)
As concepções de composição e de improvisação aqui apresentadas são reflexões
iniciais para apresentação de nossa proposta de trabalho. Nosso objetivo maior é elaborar uma
reflexão sobre o papel desses processos na iniciação musical. Para uma boa consecução do
que nos propomos faz-se necessário considerar perspectivas de Educação que influenciaram
– e, muitas vezes determinaram – o desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem.
Explanaremos sucintamente esses direcionamentos no campo da Educação e seus reflexos
mais imediatos no campo da Educação Musical.
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Educação reducionista e Educação progressista
John Dewey coloca que nós, humanos, gostamos de “pensar por meio de opostos
extremos”. (2010, p.19) Nessa perspectiva, uma polaridade desenvolveu-se no campo da
Educação entre educação tradicional de um lado e, do outro, educação progressista. A
diferença principal entre as duas é que a educação tradicional vê a educação como formação
de fora para dentro, e a educação progressista entende a educação como um processo de
desenvolvimento de dentro para fora. (DEWEY, 2010, p.19)
Na perspectiva tradicional, educação é a transmissão de um conjunto de informações
e habilidades construídas no passado para as novas gerações. O intuito do processo educativo,
sob este foco, é preparar o estudante para responsabilidades e situações futuras. Quanto a
postura do aluno, deve ser “(...) de docilidade, receptividade e obediência”(DEWEY, 2010,
p.20). Uma vez que esta conduta reduz o processo de ensino-aprendizagem ao binômio
transmissão-assimilação – informações e habilidade do passado transmitidas/impostas ao
estudante em atitude passiva – trataremos este modelo por abordagem reducionista.
A insatisfação com a abordagem reducionista fez crescer um movimento que
chamaremos por abordagem progressista, que considera que o conhecimento ocorre de
dentro para fora. Esta abordagem admite a experiência real com a educação na qual o
estudante tem um papel ativo no processo. Entende-se que a experiência do estudante é
fundamental no processo de construção do conhecimento. Quando a abordagem progressista é
entendida como uma simples oposição à abordagem reducionista surgem novos problemas,
como por exemplo o equívoco de não organizar os conteúdos para não “interferir” na
experiência do estudante. Não é nesse sentido que seguiremos. O intuito é que a organização
curricular contemple o processo educativo não como um mero repasse de informações
elaboradas no passado para um estudante que se prepara para a vida, mas que esta
organização curricular possa ser concebida a partir da percepção de que o processo educativo
é um movimento dinâmico de construção do conhecimento, movimento no qual as
informações do passado contribuirão nessa construção do conhecimento a partir da
experiência. Nesta perspectiva o objetivo é formar o sujeito para o presente. “Educação é
vida, não preparação para a vida” (DEWEY, 1978, p.36)
A autoridade do professor permanece como aquele que irá conduzir/mediar o
processo educativo. O que não interessa nesta perspectiva progressista é o autoritarismo, aqui
entendido como o exercício vazio do poder sobre aqueles que lhe são subordinados. O
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conhecimento do passado na perspectiva progressista participa ativamente como meio para a
construção do conhecimento a partir da experiência, e não como o fim do processo educativo.
Assim, o objetivo da educação é a transformação da realidade uma vez que o conhecimento
modifica o comportamento do indivíduo. (DEWEY, 2010, p. 19-25)
Abordagem reducionista e Abordagem progressista na Educação Musical
É possível encontrarmos ecos do pensamento reducionista na Educação Musical.
Tais ecos, ou práticas, se configuram como transmissão estática de informações
desconectadas da prática, privilegiando a teoria, decodificação da escrita musical e aspectos
técnico-mecânicos numa prática que visa a preparação do músico profissional, o “virtuose”.
Segundo Fonterrada (2008) “no século XIX que findava, essa intenção concentrava-
se, antes de mais nada, na produção de bons intérpretes musicais; no âmbito acadêmico, o que
se buscava era a excelência no conhecimento técnico/instrumental e científico.” (p. 121) Essa
intenção primeira de, no ensino de música, formar o exímio executante de instrumento antes
da formação musical mais ampla ainda têm fortes marcas na prática de ensino da atualidade.
Tourinho reforça esse argumento ao dizer que
“No caso de escolas, conservatórios, universidades, parece ser notório o destaque dado à leitura musical nas aulas de instrumentos. A habilidade de poder decifrar um código, associando a grafia a teclas, trastes, chaves ou orifícios parece também suplantar os objetivos afetivos.” (TOURINHO, 1995, p. 175)
Questões como interesse do estudante são deixados de lado nesse processo, minando,
muitas vezes, a ocorrência de experiências musicais significativas para dar lugar a realizações
essencialmente mecânicas e pouco musicais.
Tourinho também destaca a importância do interesse no processo de aprendizado do
estudante. Enfatiza que o apelo excessivamente técnico em detrimento ao fazer musical faz
com que o interesse pelo estudo do instrumento e da música em geral decaiam, já que – salvo
algumas exceções – os estudantes desejam, desde a primeira aula trabalhar o som num sentido
musical, ou seja: desejam fazer música. (TOURINHO, 1995, 178-179)
O interesse será, pois, um dos motivadores das experiências significativas em
educação. A partir do interesse do estudante o objeto de estudo toma nova feição, e com a
mediação/direção do professor, os processos educativos de construção do conhecimento
baseados na experiência do estudante têm mais oportunidades de ocorrer. Dewey
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complementa este pensamento ao afirmar que não devemos buscar o interesse, mas promover
as condições para o produzir e desenvolver. (DEWEY, 1978)
Fonterrada, ao descrever o que chamou de “métodos ativos em Educação Musical”,
nos mostra a influência da abordagem progressista na educação musical. De maneira geral, a
aproximação com a música não é vista como um procedimento técnico ou teórico, preferindo
o contato musical como “experiência de vida”. “É pela vivência que a criança aproxima-se da
música, envolve-se com ela, passa a amá-la e permite que faça parte de sua vida”
(FONTERRADA, 2008, p.177). Tais métodos ativos também enfatizam a o papel do
movimento corporal e do canto na aprendizagem musical.
Trabalhos como o de Fonterrada (2008) atestam a importância do papel ativo do
estudante no processo de ensino-aprendizagem musical; propõem que os sujeitos
experimentem o material sonoro dando-lhe sentido musical (OLIVEIRA, 2009); reforçam a
importância de considerar a bagagem cultural do estudante utilizando do seu repertório de
interesse como material no processo de aprendizado musical ao instrumento (TOURINHO,
1995).
Cabe ainda lembrar que, a título de organização teórica, a separação adotada nesta
introdução é necessária à medida que contribui para a compreensão de alguns aspectos
concernentes aos processos de ensino-aprendizagem. Porém, seria ingenuidade pensar que as
relações educativas se resumem a essa arbitrária e limitada contraposição. Pretendemos
refletir sobre os principais direcionamentos que orientarão a prática adotada no andamento da
pesquisa, mas não reduzir a riqueza do processo educativo à simples contraposição de
algumas abordagens.
A criação na iniciação coletiva ao violão
Realizamos estudos preliminares através de entrevistas exploratórias (QUIVY e
CAMPENHOUDT, 2008) com o intuito de relacionar o objeto de estudo com a prática de
professores de violão. Os público trabalhado foi de três professores da Escola de Música
Maestro Wilson Brasil1. De acordos com esses estudos exploratórios percebemos que, na
prática do professor de música em contextos coletivos, há um consenso de que a criação
musical só pode ser realizada pelo estudante após um período posterior à iniciação musical.
Assim, o estudante estaria apto a experimentar, uma vez que já teria reproduzido uma
quantidade considerável de obras consagradas e legitimadas. Essa visão da criação musical
1 Escola de Música da cidade de Sobral, Ceará.
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como etapa posterior ao processo de iniciação pode ser melhor compreendido com a
abordagem dada por Cristina Tourinho (2007) ao abordar duas tendências principais no
ensino do instrumento: o ensino tutorial e o ensino coletivo.
No ensino tutorial a música é vista como um privilégio de poucos. O regime é de um
aluno para um professor e este tem como pressuposto para a aprendizagem a atenção
exclusiva ao aluno. O objetivo deste é a formação do música profissional. Há um duro
processo seletivo no qual os critérios de aprovação são, basicamente, a habilidade em leitura
musical com um repertório, na maior parte, de origem europeia.
No ensino coletivo o aprendizado da música é entendido como acessível a todos. Há
mais de um aluno por professor e a seleção constitui-se de entrevista de classificação e
nivelamento. O objetivo do ensino coletivo não é a formação do músico profissional, mas
contribuir na aquisição de conhecimentos musicais independentemente da continuidade que o
estudante preferir. A observação e a interação dos sujeitos dentro do grupo são os agentes
principais da aprendizagem.
Tourinho também destaca a importância das diferenças e da interação entre os
estudantes para um aprendizado mais rico e diversificado ao afirmar:
O mito da atenção exclusiva é bastante forte no ensino tutorial e a ele se contrapõe a crença do ensino coletivo, de que é possível compartilhar conhecimento, espaço, e que a interação e a diferença são partes importantes do aprendizado. (TOURINHO, 2007)
Convém esclarecer o que consideramos como ensino coletivo de instrumentos
musicais. Concordamos com Nascimento (2006) quando este afirma que o ensino coletivo de
instrumentos musicais
consiste em ministrar aulas ao mesmo tempo para vários alunos. Essas aulas põem ser de forma homogenia ou heterogenia e é efetuada [sic] de maneira multidisciplinar, ou seja, além da prática instrumental, podem ser ministrados outros saberes musicais intitulados academicamente como: teoria musical, percepção musical, história da música, improvisação e composição. (p. 3)
Nosso trabalho de pesquisa propõe-se a discutir/refletir sobre estratégias de ensino
que propiciem espaços de aprendizagem no ensino de música. No âmbito desta pesquisa em
andamento, pretendemos compreender como a criação musical – mais especificamente a
improvisação e a composição musicais – pode ou não servir de ferramenta pedagógica na
promoção de aprendizagens significativas no processo de iniciação musical coletiva ao
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instrumento.
Pressupostos Teóricos
Edwin Gordon, ao propor a mudança do foco do aprendizado de música do “como se
ensina” para o “como se aprende” contribui para nossa discussão com a noção de aprendizado
por discriminação e aprendizado por inferência. O aprendizado por discriminação refere-se ao
que é trazido ao estudante e ocorre por imitação. Trata-se do aprendizado da linguagem, a
formação de um vocabulário que será a base para realizações mais autônomas. Quando o
aluno é capaz de aprender de maneira mais autônoma, construir conhecimento a partir das
próprias conclusões, temos o aprendizado por inferência. (RODRIGUES, 2001, p. 5-6)
A criatividade e a improvisação são níveis posteriores na sua sequência de aprendizagem. São fundamentais, até porque expressam essa capacidade de pensar por si próprio em termos musicais. Mas ninguém cria a partir do nada. (RODRIGUES, 2001, p.7)
Gordon também nos traz novas categorias como a audiação, uma escuta mais ativa
que envolve a compreensão dos elementos ouvidos. Para Gordon, a audiação ocorre quando
assimilamos e compreendemos uma música que acabamos de ouvir ou que ouvimos a
execução num momento do passado. Também audiamos quando assimilamos e
compreendemos ao ler música, compor ou improvisar. Enquanto na percepção auditiva
lidamos com “acontecimentos sonoros imediatos”, na audiação lidamos com acontecimentos
musicais que podem não ocorrer simultaneamente a audição. (GORDON, 2000, p. 16-17)
Também é destacado atividades de criação e improvisação na Teoria de
Aprendizagem Musical. Tais atividades atuam como ferramentas de apropriação do fazer
musical pelo estudante:
(...) quando um professor incute nos alunos a capacidade de criar e improvisar a sua própria música, a música torna-se propriedade dos próprios alunos e isto é que deve constituir a finalidade última de todos os professores. A relativa qualidade da música que os alunos criam não é realmente importante. O que é importante é os alunos acreditarem que a música lhes pertence. (GORDON, 2000, p. 64)
Assim, a audiação tem para Gordon essa característica de permitir e potencializar a
expressão musical do sujeito:
“Quem é capaz de audiar música, é capaz de aprender a criar, a improvisar e
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a acompanhar-se a si próprio, ou a acompanhar outros músicos com uma progressão melódica apropriada e, se assim o desejar, a ler e escrever notação, compreendendo-a. Apropria-se da música.” (GORDON, 2000, p. 27)
Procedimentos Metodológicos De Investigação
Consideramos que a pesquisa qualitativa está mais adequada ao propósito da nossa
investigação uma vez que pretendemos atuar em um âmbito específico atentando para a
qualidade das relações de aprendizado, e não a quantidade de conteúdos memorizados.
Bogdan e Biklen colocam que a abordagem qualitativa atingiu a maturidade completa e que:
Um campo que era dominado pelas questões da mensuração, definições operacionais, variáveis, teste de hipóteses e estatística, alargou-se para contemplar uma metodologia de investigação que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais. (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.11)
Dessa maneira, a qualidade do processo é colocada em análise. A composição e a
improvisação trazem o caráter ativo e co-autor do trabalho aos sujeitos da pesquisa. Essa
característica nos levou a optar pela pesquisa-ação como modalidade investigativa. Jean
Dubost caracteriza a pesquisa-ação como uma:
ação deliberada visando a uma mudança no mundo real, engajada numa escala restrita, englobada por um projeto mais geral e submetendo-se a certas disciplinas para obter efeitos de conhecimento ou de sentido. (DUBOST apud BARBIER, 2007, p.36)
Bogdan e Biklen(1994, p.292) concordam com Barbier ao afirmarem que “a
investigação-ação consiste na recolha de informações sistemáticas com o objetivo de
promover mudanças sociais.”
Baseados na Teoria de Aprendizagem Musical de Gordon realizaremos a pesquisa
buscando compreender o papel da criação musical na iniciação coletiva ao instrumento. Para
este propósito, realizaremos como primeiro momento de aprendizado de um repertório
coletivo através da memorização da vozes de arranjos musicais (aprendizagem por
discriminação). Após a internalização pelo grupo de alguns conceitos-chave e um certa
desenvoltura com o instrumento – de maneira que possam realizar passagens musicais com
conforto – proporemos como segundo momento atividades de criação musical, utilizando
como material básico os conceitos e elementos apreendidos na primeiro momento. Ao final da
segunda etapa, realizaremos o registro em áudio da criação construída. O terceiro momento
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consistirá na audição do que foi construído anteriormente pelo grupo e uma discussão coletiva
acerca do que foi elaborado na segunda etapa.
A discussão das composições e a análise do processo junto aos estudantes em rodas
de conversa, debates e relatórios coletivos fortalecerá o caráter de pesquisa-ação, tipo de
pesquisa adotado neste trabalho. (BARBIER, 2007)
A pesquisa de campo ocorrerá como parte de um projeto de extensão do curso de
Música da Universidade Federal do Ceará, Campus de Sobral. No decorrer dos meses de
agosto a novembro do ano de 2011 serão observadas atividades de criação em contextos
coletivos de aprendizagem musical durante a iniciação ao violão. Utilizaremos como
instrumento de coleta de dados a gravação em vídeo (análise documental) dos encontros, além
de diário de campo e relatórios coletivos elaborados pelos estudantes.
Conclusão
Há indícios de que a criação musical pode contribuir significativamente para o
aprendizado do violão já no processo de iniciação ao instrumento. Diversos autores abordam a
temática, detendo-se, ora na importância da improvisação musical (GORDON, 2000; BRITO,
2001), ora na composição (SWANWICK, 2003). Porém, não encontramos trabalhos que
detenham-se mais especificamente à iniciação musical ao instrumento em contextos coletivos
e estratégias de criação musical com/dos estudantes na promoção de possibilidades para
aprendizagens significativas.
No contexto atual de implementação da lei 11.769/2008, que torna a música
componente curricular obrigatório e do atual movimento resgatar o ensino de música no
âmbito da escola básica, este trabalho, ao refletir sobre o processo de apropriação do
conhecimento musical e da contribuição desse processo na formação do cidadão crítico – e
um pouco mais consciente do ambiente sonoro e social que integra – pode ajudar a
fundamentar futuras ações no campo da Educação Musical. Fornecerá, assim, alguns
subsídios para os profissionais atuantes nas diversas esferas da Educação Musical, mas
principalmente, na rede de ensino básico brasileira.
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Referências
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BRITO, Teca Alencar de. Koellreutter educador: O humano como objetivo da educação musical. São Paulo: Peirópolis, 2001.
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Tradução: Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto: Porto Editora, 1994.
DEWEY, John. Experiência e Educação. Tradução: Renata Gaspar. – Petrópolis, RJ: Vozes,
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2010.
DEWEY, John. Vida e Educação. Trad. E estudo preliminar por Anísio Teixeira. 10ª ed. – São Paulo: Melhoramentos, 1978.
FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensio sobre música e educação. 2.ed. São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.
GORDON, Edwin. Teoria de Aprendizagem Musical: Competências, conteúdos e padrões. Trad. Maria de Fátima Albuquerque. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
OLIVEIRA, Marcelo Mateus. Ruído, Silêncio e Musicalização: O trabalho com Sequências Musicais na escola Marcos Valentin. In: ENCONTRO REGIONAL DA ABEM NORDESTE, 8., 2009, Mossoró, Anais... Mossoró: ABEM, 2009.
QUIVY, Raymond; CAMPENHOUDT, Luc Van. Manual de investigação em ciências sociais. Trad. João M. Marques, Maria A. Mendes e Maria Carvalho. 5ª edição. Lisboa – Gradiva, 2008.
RODRIGUES, Helena. Pequena Crónica sobre notas de rodapé na Educação Musical:Reflexões a Propósito da Teoria de Aprendizagem Musical. Revista de la Lista Electrónica Europea de Música en la Educación. nº8, 2001. Retirado dia 26/03/2007 do endereço eletrônico: http://musica.rediris.es/leeme/revista/rodrigues.htm
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, Da educação. Trad. Roberto Leal Ferreira. – 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2004.
SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira eCristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.
SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Trad. Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva, María Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991.
TOURINHO, Cristina. A motivação e o desempenho escolar na aula de violão em grupo: a influência do repertório de interesse do aluno. Salvador: Dissertação de Mestrado, Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, 1995.
TOURINHO, Cristina. Ensino coletivo de instrumentos musicais: crenças, mitos, princípios e um pouco de história., 2007. Disponível em: http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/anais2007/inicio.html acessado em 20 de fevereiro de 2011.
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A educação musical em ONGS: a prática do coral infantil na ADOTE-RN
Janieri Luiz da Silva Faculdade de Natal (FAL)[email protected]
Resumo: Este artigo relata sobre o desenvolvimento das aulas de coral infantil da ADOTE-RN (Associação de Orientação aos Deficientes do Estado do Rio Grande do Norte), aulas essas financiadas pelo CONSEC através do Projeto Ateliê de Talentos, que aconteceu de 01 de outubro de 2009 a 28 de julho de 2010. Será apresentada uma descrição, de forma breve, sobre a instituição ONG, sobre a ADOTE-RN e sobre como foi desenvolvida a proposta pedagógica e a prática em sala de aula. Foi uma experiência engrandecedora, pois além de proporcionar uma nova experiência a 20 crianças, foi uma proposta desenvolvida na área de educação inclusiva, algo ainda muito recente em nosso país.
Palavras-chave: Educação Musical, ONGs, Canto Coral Infantil.
Introdução
A educação musical entra no cenário da educação brasileira e para cada setor ou área
em que ela irá ser empregada terá objetivos, metodologias e didáticas especificas. Ela está
presente em diferentes instituições, seja na escola de educação básica, nas escolas de música
onde sempre esteve presente com objetivos e metodologias voltadas para prática musical, em
empresas um número ainda raro, mas com finalidades terapêuticas e em ONGs, onde os
objetivos variam entre educacionais, terapêuticos e musicais. Podendo-se assim entender as
ONGs como: “O espaço composto por organizações privadas, sem fins lucrativos, cuja
atuação é dirigida a finalidades coletivas ou públicas” (FISCHER, 2002, p.45).
As ONGs apóiam a comunidade e oferecem serviços em vários âmbitos: sejam de
saúde, de educação ou de cultura. Existem instituições que oferecem estes três serviços
simultaneamente e que contam com o apoio do estado. Essas instituições são filantrópicas e
contam também com a arrecadação financeira e ajuda da sociedade.
Nas ONGs, a educação musical é uma prática nova e que ainda está ligada a
contextos educativos. Principalmente o canto coral por necessitar de pouco custeamento
financeiro, não saindo tão caro para as instituições. As instituições tentam, através desses
trabalhos, conscientizar a sociedade sobre a relevância dos mesmos para os participantes.
O coral é uma prática muitas vezes utilizada nessas instituições e que é de grande
importância para os participantes, pois atua nos processo de interação social, de afinação e de
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conhecimento de si:
O trabalho do coro é solidário. O canto coral privilegia a união entre as pessoas e a socialização, além de proporcionar um conhecimento de caráter cultural. O canto coral é assim, tido como uma atividade importante na formação social da criança e do adolescente. A música faz parte da vida das pessoas e as escolas não podem desconsiderar isso. (BRÉSCIA, 2003, p.84).
Contexto de Ensino
A ADOTE (Associação de Orientação aos Deficientes) onde esse trabalho foi
realizado é uma instituição sem fins lucrativos que desenvolve um trabalho de aprendizagem
na inclusão de pessoas com necessidades especiais na sociedade, sejam estas: intelectual,
física, auditiva, múltiplas síndromes, Paralisia Cerebral e Distrofia Muscular Progressiva. A
mesma está situada na Rua Aracati nº30 no bairro de Cidade da Esperança, Natal RN, sendo
reconhecida como serviço de utilidade pública nos âmbitos municipal, estadual e federal.
A ADOTE é uma instituição que atende pessoas com múltiplas deficiências tendo a
Escola Madre Fietzbach que atende hoje cerca de 260 alunos focando no ensino inclusivo, o
Centro de Conivência Teresinha Gurgel de Faria, que trabalha com artes de forma geral
atuando em diversas linguagens e que busca apoio financeiro através de projetos na
concorrência de vários editais, além do setor de atendimento clínico com acompanhamento
psicológico, psicopedagógico, odontológico, fonoaudiológico etc.
A missão da instituição é “valorizar a pessoa com deficiência do Rio Grande do
Norte, promovendo a assistência integral, por meio de atendimento nas áreas de saúde,
educação, reabilitação, esporte, cultura, lazer e trabalho.” (ADOTE, 2009).
As aulas de canto coral fizeram parte do Projeto Atelier de Talentos autorizado pelo
CONSEC, onde a ADOTE concorreu ao edital para financiamento do mesmo. O Projeto
Ateliê de Talentos ofereceu diversas atividades culturais para os alunos da Escola Madre
Fitzbach e pessoas da comunidade onde em seu objetivo geral relata que:
Oferecerá as crianças e adolescentes, com ou sem deficiência, e aos jovens, com deficiência intelectual, práticas de expressividade cultural nas linhas de música, teatro e artes visuais, contribuindo para o seu desenvolvimento como cidadãos de direitos, se descobrindo enquanto possibilidade expressiva e, consequentemente, como possibilidade social e humana. (ADOTE, 2009, p.1)
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O coral foi formado com 20 crianças, entre 8 a 10 anos, com deficiência física,
intelectual e crianças com déficit de atenção e diversas dificuldades de aprendizagem, sendo a
maioria alunos da Escola Madre Fitzbach, escola pertencente a ADOTE RN.
Objetivos
Os objetivos na área de canto coral infantil do projeto tinham como meta, além de
atender a quantidade de alunos, que eram 20 (vinte), desenvolver atividades na área de
percepção musical, concepção de ritmo, melodia, musicalidade, a interação sócio-cultural, a
apreciação e principalmente o fortalecimento da família através da participação dos pais em
palestras incentivadoras para o desenvolvimento do trabalho.
A prática coral em sala de aula
A prática da oficina foi realizada no Centro de Convivência Teresinha Gurgel de
Faria, onde funcionam oficinas de Artes de forma geral e que faz parte da Associação de
Orientação aos Deficientes. A oficina tinha 20 participantes de modo a trabalhar de forma
inclusiva.
Refletindo um pouco sobre esta área tão abrangente e importante que chamamos de
educação musical, gostaria de lembrar as palavras de Koellreutter, quando defende: “a
educação musical como um meio que tem a função de desenvolver a personalidade do jovem
como um todo.” (BRITO, 2001, p.41).
O processo de escolha dessas crianças que participaram dessas oficinas deu-se de
forma seletiva, através de um teste de vocalize, onde foram analisados os seguintes aspectos:
afinação, ritmo, acompanhamento e andamento. No projeto, em relação a esse processo de
seleção, foi estabelecido que:
O processo de seleção se dará através de entrevistas sendo levado em consideração o interesse e habilidades para oficina escolhida. Essa etapa será realizada pela coordenação geral do projeto em conjunto com os instrutores de cada oficina. (ADOTE. 2009, p. 9).
Refletindo sobre o processo de seleção e a metodologia empregada é necessário
observarmos o quanto a diversidade musical pode ser trabalhada nas oficinas, além da
humana. A educação musical de qualidade, mais uma vez segundo Koellreuter é “aquela
voltada às necessidades da sociedade” (BRITO, 2001, p.31). Durante todos os oito meses de
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trabalho com esse grupo, as atividades eram voltadas à sua necessidade e ao seu contexto
cultural. Era necessário trabalhar todas as competências corais e educativo-musicais sem
perder a magia do universo da criança, despertando-lhe a vontade de aprender mais e mais,
buscando “um ensino personalizado, criativo, que respeite o aluno” (BRITO, 2001, p.31).
A metodologia empregada durante o processo se edificou na escola inclusiva, onde
crianças com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem e crianças sem nenhuma
deficiência pudessem aprender juntas e desenvolver suas habilidades: “Há ainda muito
preconceito contra as pessoas com necessidades especiais, o que faz com que elas, não
participem da sociedade com as mesmas chances que um não deficiente” (LOURO. S.d., p.1).
É necessário tentar incluir essas crianças no contexto musical, dar novas
oportunidades, proporcioná-las um ambiente novo e diferente da sua realidade atual.
A inclusão se caracteriza na perspectiva de que todos os indivíduos pertencentes a um coral encontram-se na mesma posição de aprendizes, unindo-se na busca de objetivos comuns de realização pessoal e grupal.(AMATO, 2007, p. 80).
Para Brito “A música, dentro da escola deve ser viva”. Acredito que viva a música
deverá ser em todos os espaços de ensino aprendizagem, mesmo que não seja a escola regular.
Para a mesma autora:
Música Viva significa bem mais do que realizar exercícios mecânicos para desenvolver uma ou outra habilidade (musical ou não); mais do que aprender a cantar e/ou reproduzir músicas, preparar apresentações ou, ainda; iniciar-se nos processos de leitura e escrita musical. Tudo isso pode fazer parte, sim do todo de realizações musicais, mas só terão sentido se estiverem integradas as atividades de criação, de exploração, pesquisa e reflexão. A música só tem sentido quando é parte do jogo do viver, da vida em si mesma. (BRITO. S.d., p.5).
Proposta pedagógicaAs atividades das aulas da oficina de canto coral do projeto Ateliê de Talentos
aconteciam nas sextas-feiras de 13:30h as 17:30h, contabilizando quatro horas semanais.
Formado com 20 alunos com a faixa etária de 8 a 10 anos, as atividades foram fundamentadas
em teóricos da pedagogia musical muito importantes para o ensino de música e que serão
citados no decorrer desse item.
O trabalho do coro é solidário. O canto coral privilegia a união entre as pessoas e a socialização, além de proporcionar um conhecimento de caráter cultural. O canto coral é assim, tido como uma atividade importante na formação social da criança e do adolescente. A música faz parte da vida das
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pessoas e as escolas não podem desconsiderar isso. (BRÉSCIA, 2003, p.84).
Durante esse projeto as atividades buscavam desenvolver, nessas crianças,
conteúdos em âmbitos gerais como o relacionamento social, interação, desenvolvimento
motor, mas também conteúdos específicos como percepção sonora, percepção rítmica,
afinação, cuidados com o aparelho fonador, além de alguns conhecimentos de teoria musical.
Villa Lobos diz que:
O canto coletivo, com seu poder de socialização, predispõe o indíviduo a perder no momento necessário a noção egoísta da individualidade excessiva, integrando-a na comunidade, valorizando no seu espírito a idéia da necessidade de renúncia e da disciplina (VILLA-LOBOS, 1987, p. 87).
O trabalho desenvolvido com essas crianças utilizou-se de algumas competências
citadas por Rita Fucci Amato, em seu trabalho intitulado: O canto coral como uma prática
sócio cultural e educativo musical (AMATO, 2007). Essas competências contribuíram para o
processo de ensino e aprendizagem dos alunos do coral infantil da ADOTE-RN, na medida
em que buscou desenvolver os seguintes aspectos:
1ª INTELIGÊNCIA VOCAL
2ª CONSCIÊNCIA RESPIRATÓRIA
3ª CONSCIÊNCIA AUDITIVA
4ª PRÁTICA DE INTERPRETAÇÃO
5ª PRODUÇÃO VOCAL EM VARIADAS FORMAÇÕES
6ª RECURSOS AÚDIO-VISUAIS
7ª APRESENTAÇÃO DE PESQUISAS E DEBATES
Em relação à percepção sonora, o primeiro elemento a ser trabalhado foi a audição
ou inteligência auditiva, sabendo que um bom cantar surge de um bom ouvir. “É através do
desenvolvimento auditivo que utilizamos a leitura e a escrita musical para fixar e transmitir o
pensamento sonoro” (ROCHA, 1990, p.34).
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FIGURA 1 – Apresentação dia das mães 2010
As atividades que trabalhavam o desenvolvimento auditivo na oficina coral
correspondiam desde o simples ouvir a sequência rítmica e repetir, até o identificar as notas
nas atividades que envolviam a escala musical, além do apreciar e poder refletir sobre essas
apreciações. Tomou-se por base o método Willems, sobretudo dois elementos considerados
importantes quando o ponto é desenvolvimento auditivo: o escutar (interesse por parte do
aluno) e o despertar atenção (proveniente do professor).
FIGURA 2 – Atividade de percepção.
Trabalhar as propriedades sonoras – timbre, altura, duração e intensidade – foi a
proposta inicial para as aulas de canto coral. O timbre a partir da identificação da origem do
som, observando todos os sons, desde sons do ambiente até os sons musicais, pois segundo
Murray Schafer “o corpo todo é um ouvido” (SCHAFER, 1991, p.333).
Trabalhou-se a altura, nos registros do som grave e agudo, com diferentes
instrumentos como: flauta doce, teclado, flauta Pã, onde o aluno aprendeu primeiramente os
registros grave e agudo (as extremidades) para depois entrar nos registros medianos. Uma
dificuldade encontrada foi com os alunos que tinham déficit de aprendizagem principalmente
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na identificação do som, o que foi resolvido com momentos extra-sala no intuito de focar a
atenção dos alunos.
A forma de registros para os sons são apresentados por Carmen Metting, no livro
“Educação Musical Método Willems”, onde ela apresenta a relevância do uso dos variados
materiais sonoros. Segundo ela: “O bom uso do material sonoro será recompensado pelo
progresso que o aluno apresentará no domínio da audição.” (ROCHA, 1990, p.38).
Sobre a forma como foi trabalhada a propriedade sonora intensidade também foi
abordado o fator “ritmo”. Durante as aulas, esta propriedade foi abordada a partir da
diferenciação do forte e fraco, onde o aluno conhecia a propriedade e de início aprendia a
diferenciar os sons. Após esse primeiro momento, os alunos foram chamados a aprender a
pulsação, onde foi organizada para os mesmos uma seqüência de fortes e fracos e com um
instrumento percussivo eram chamados a executar essa sequência de acordo com o pulso
apresentado pelo professor.
EX: F f f F f f F F Obs: F = FORTE f = fraco
As dificuldades encontradas nesse exercício foram com os alunos que apresentavam
dificuldade na coordenação motora e déficit de atenção e a estratégia desenvolvida foi a
diminuição do pulso, primeiro obedecendo ao ritmo do aluno, para que o mesmo pudesse
diferenciar o forte do fraco e depois obedecendo um pulso bem lento. Para Pederiva, ao
explicar o método Dalcroze “O objetivo do método é a realização expressiva do ritmo, bem
como a sua vivência por meio do movimento corporal” (PEDERIVA, 2004, p.94).
A propriedade sonora duração foi trabalhada na perspectiva do som curto e longo.
Fazer com que os alunos identificassem que existiam esses dois parâmetros nessa propriedade
para que os mesmos ao chegarem às canções entendessem que existiriam notas que seriam
mais longas e mais curtas que outras.
O movimento corporal foi trabalhado desde o início nas aulas de canto coral, tanto
nas atividades que envolviam o conteúdo musical quanto nos ensaios para o espetáculo final
de apresentação. Esse movimento corporal era desde uma atividade de identificação de nota,
onde a criança precisava andar para apontar a nota que foi tocada, como no plano de aula nº.
17, até os gestos desenvolvidos para cada canção e os acompanhamentos rítmicos que
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precisavam ser executados. Nada de movimentos estereotipados, mas que desenvolvessem
consciência corporal e percepção si.
“O movimento é o fator essencial e predominante para o desenvolvimento rítmico do
ser humano” (FARIAS. 2005, p.1). O movimento corporal deve ser vivenciado e trabalhado
de diversas formas como no saltitar, na marcha, no galope (ROCHA, 1998). “O trabalho
corporal é realmente muito importante no fazer de iniciação musical e também muito bem
aceito pelos alunos.” (ROCHA, 1998, p.39).
As primeiras canções escolhidas para que os alunos cantassem de início foram
canções do seu cotidiano, com aquilo que já estavam acostumados; após um espaço de tempo
foram introduzidas canções do repertório do folclore, canções de caráter infantil, com letra de
fácil acesso para os mesmos. “É inegável o valor da canção na iniciação musical das crianças,
não só pelo seu aspecto sintético, globalizador, mas também pelo seu poder de despertar a
sensibilidade afetiva.” (ROCHA, 1998, p.28).
A canção é o principio do coral e deve ser pensada com mais rigor e principalmente
deve-se pensar nos participantes antes de um desenvolvimento de trabalho com a mesma.
Outro fator importante é que fazíamos apresentações na Escola Madre Fitzbach, onde eles
estudavam, o que foi muito bom para assim trabalharmos a expressão artística antes do
espetáculo final.
Preparar os meninos para o espetáculo tornou-se a preocupação maior no fim do
trabalho. Transformar as músicas ensaiadas e o conteúdo estudado em performace era o que
deveria ser trabalhado nas ultimas semanas. O primeiro passo tomado foi dialogar com os
alunos sobre as músicas escolhidas e quais as que eles elegiam para a apresentação final no
teatro. Após essa conversa os alunos elegeram as seguintes canções: Pipa, Carrinho e
Brincadeira, de minha autoria, Como Pode um Peixe Vivo, Para Ser Feliz e Mamãe Segure
Firme, do folclore. Todas essas canções fizeram parte do processo pedagógico musical das
aulas. Também precisávamos elaborar a encenação para esse momento, estimular o processo
criativo de cada aluno e formar idéias, que era a maior meta a ser cumprida, respeitando o
ritmo de cada aluno. Esse processo criativo não é considerado “solto”, ou seja, é necessário
que o professor tenha a consciência da disposição da sua turma e principalmente conheça cada
um e a sua deficiência, pois pensar nela será muito importante para o acontecimento na
prática.
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FIGURA– Apresentação no CEMURE. 17/12/2010
Esse trabalho de conscientização corporal visava mostrar para a criança que o corpo
precisava estar preparado, existiam passos a serem seguidos, tempo cronometrado, mas que a
prática do cantar era o mais importante. Precisávamos ao mesmo tempo fazer bem a
encenação e cantar as musicas coma afinação correta. Também era importante mostrar que
além da teorização existem momentos em que o corpo vai ser essencial para o
desenvolvimento do trabalho e retificamos o quanto é necessário deixar a criança ser criança.
“A criança precisa ter oportunidade de se expressar com o corpo, interagir com a natureza e
não só ficar presa em uma cadeira diante de um quadro negro.” (KRAMER, 2005, p.7).
Considerações finaisConsiderar a Educação Musical como importante, mostrar o quanto os elementos de
aprendizagem musical e as consequências desse trabalho podem atuar como elemento
fundamental em determinados contextos. A educação musical, mesmo sendo uma prática
inicial em instituições do terceiro setor, contribui para o desenvolvimento de uma
determinada localidade. As ONGs que trabalhavam independentes do apoio do estado na
época da sua fundação, hoje felizmente oferecem um serviço de apoio à comunidade em
parceria com o mesmo. O estado conhece o papel fundamental e relevante da instituição e por
isso a financia tanto em verbas para os departamentos em que ela atua quanto em ceder mão
de obra, profissionais do estado para trabalharem nessas instituições.
As instituições que trabalham com arte precisam manter o compromisso com a
comunidade. Conhecemos muito bem a desvalorização ainda existente deste setor e o quanto
precisamos desenvolver trabalhos que demonstrem sua relevância. O nosso trabalho desperta
a emoção e ela é fundamental para a propagação dele. Nosso objetivo é mostrar o quanto a
música é essencial na vida dos indivíduos que participam desta atividade, tendo deficiência ou
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não.
O governo oferece os projetos, as instituições concorrem e devem desenvolver o seu
trabalho com compromisso social, respeitando o público com o qual atua. A ADOTE visa
esse compromisso social que é respeitado pela comunidade e que está representado por todos
os seus profissionais. Trabalhar com a pessoa com deficiência e estabelecer relações na
sociedade inclusiva faz parte do nosso papel, além de proporcionar à sociedade a
oportunidade de conviver com a diversidade que está presente em todos nós.
Agradeço a todos que participaram efetivamente desse trabalho, pois também
conheciam a sua importância. Agradeço também a todas as crianças que me fizeram ser um
ser humano bem melhor, que aprende a cada dia na oficina de canto coral com eles através
das trocas de experiências. Crianças com deficiência, sim, especiais todos nós somos.
Crianças que precisam de atenção, de respeito e de carinho como todas as outras, que não tem
porque serem discriminadas e que precisam ser amadas o suficiente para o progresso do seu
desenvolvimento.
Referências
ADOTE - ASSOCIAÇÃO DE ORIENTAÇÃO AOS DEFICIENTES. Projeto Ateliê de Talentos. Natal. 2009
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A interação compositor-intérprete-pedagogo na Escola de Música da
UFRN: uma proposta de trabalho
Cláudia Roberta de Oliveira Cunha
UFRN [email protected]
Elkke Beatriz Riedel UFRN
Resumo: Este trabalho surgiu por meio de um exercício para interiorização de noção de tempo em segundos, como preparação de uma das peças do repertório para a especialização em práticas interpretativas dos séculos XX e XXI. Em Impressões nº 1 de Helder Alves de Oliveira1 o parâmetro duração é o único estritamente estabelecido. No início do exercício de contagem do tempo em segundos surgiram dificuldades de percepção desta nova proporção de tempo que foram superadas depois de várias tentativas de erro e acerto. Surgiu então a idéia de repetir o experimento com os alunos do bacharelado. Todos os passos da vivência serão gravados em vídeo como forma de registro da atividade didático-pedagógica que visa à inclusão do repertório de música contemporânea nos conteúdos curriculares em nossa universidade. E, assim, possibilitar não só o estudo dos mais conhecidos compositores contemporâneos do cenário internacional, como também divulgar a literatura vocal escrita por autores locais.
Palavras-chave: música vocal contemporânea, pedagogia da performance, interação compositor-intérprete-pedagogo
Introdução
Este trabalho é um relato de experiência surgida a partir do estudo do repertório de
músicas para soprano e várias formações instrumentais. Tais peças foram compostas
especialmente para o projeto de pesquisa do curso de especialização em práticas
interpretativas dos séculos XX e XXI, destacando-se que os seus compositores fazem parte do
Grupo de Pesquisa em Composição e Computação Musical da Escola de Música da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o BRAVO. Um diferencial deste projeto é que
ele ultrapassa os limites da composição e seus desdobramentos nas práticas interpretativas.
Além das análises, recitais e gravação das músicas, pretendemos que este repertório seja
rapidamente difundido com o uso didático, realizando-se masterclasses e elaborando-se um
manual que sirva de subsídio a uma ampla divulgação e utilização do conjunto da obra por
estudantes de Canto da Escola de Música da UFRN e por outras instituições afins.
1 Compositor paraibano residente em Natal-RN. Atua como professor substituto na Escola de Música da UFRN, nas disciplinas de análise musical e percepção musical.
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Analisando os conteúdos curriculares dos cursos de canto das universidades e
conservatórios brasileiros, inclusive da EMUFRN, observamos que o repertório estudado é
limitado aos compositores da primeira metade do século passado (Fauré, Debussy, Poulenc,
Britten, Vaughan Williams, Manuel de Falla, Richard Strauss, Wagner). No que se refere à
escolha de compositores brasileiros, os mais executados são Alberto Nepomuceno, Villa-
Lobos, Jaime Ovalle, Francisco Mingnone, Osvaldo Lacerda, Cláudio Santoro, Guerra-Peixe,
Ernani Braga, Lorenzo Fernandez, Waldemar Henrique, Camargo Guarnieri, Edmundo
Villani-Cortez, Willy Correia de Oliveira, Altino Pimenta e Marlos Nobre. É fácil perceber
que a escolha das peças ainda está atrelada ao gosto pela linguagem mais tradicional.
Panorama da música contemporânea
Desde o final do século XIX a linguagem musical vem passando por grandes
transformações dos pontos de vista harmônico, formal e rítmico. Temos no século XX as
experiências de Edgar Varèse, John Cage e Karlheinz Stockhausen que ampliaram as
possibilidades de produção de sonoridades dando origem não só a uma nova notação, mas
criando novos meios e formas de execução dessa música.
Na maioria das peças escritas a partir de 1950 os compositores utilizaram o que se
denominou de técnica vocal expandida ou técnica de voz expandida. Para seguirmos com
segurança por este caminho, nós nos baseamos no livro Exploring Twentieth – Century Vocal
Music, (MABRY, 2002). A autora aborda a notação não tradicional e a técnica vocal
expandida e também apresenta idéias de seleção, preparação, interpretação e programação
dessas peças. Das emissões vocais classificadas como híbridas temos o sprechgesang e a
recitação. O sprechgesang, por exemplo, foi desenvolvido por Arnold Schönberg na obra
Pierrot Lunaire. Nesta técnica as alturas são alcançadas e logo abandonadas em movimentos
ascendentes e descendentes por meio de glissandos. Segundo ainda a autora, estes glissandos
servem para fazer a conexão entre as notas (MABRY, 2002 p. 77 – 81).
Os efeitos vocais mais explorados são sussurro, riso, grito, inspiração, expiração,
glissando, portamento, vibrato, estalo de língua e trillo de língua. Destacaremos os três
primeiros mencionados e as respectivas orientações de execução. O sussurro é um som surdo
e de pouco volume. Sua produção não requer a vibração das pregas vocais: deve ser feito
simplesmente com a abertura e relaxamento da garganta. (MABRY, 2002 p. 127). O riso, por
sua vez, é para ser emitido nas mesmas cavidades de ressonância do canto e, dependendo da
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indicação do compositor, nas regiões de ressonância de peito e de cabeça. Por exigir muito
dos músculos da garganta, recomenda-se o uso do fonema [h] no ataque do riso para evitar a
fadiga vocal e rouquidão (MABRY, 2002 p. 125). Já o efeito grito pode também causar dano
à voz. Para sua execução é importante, especialmente para as vozes femininas, que a voz de
peito não seja usada em regiões muito agudas (MABRY, 2002 p. 129).
Desenvolvimento da atividade didático-pedagógica
Essas orientações nos conduzem à próxima fase do nosso enfoque que é a preparação
do repertório composto pelo grupo BRAVO. O estudo teve início com Impressões nº 1 para
canto individual, composição de Helder Alves de Oliveira. Esta peça é a primeira da série
composta para instrumentos individuais. Trata-se de música textual que utiliza recursos de
técnica expandida da voz, ordenados segundo procedimentos contemporâneos como
probabilidade e serialização de parâmetros musicais, tais como registro vocal e duração.
Ao iniciarmos o estudo, o primeiro obstáculo foi encontrado no parâmetro duração,
que é o único estritamente estabelecido para a realização dos módulos da composição. O
experimento desse parâmetro foi proposto por meio de um exercício para interiorização de
noção de tempo segundo Maby (2002 p. 71-72). Durante as primeiras tentativas ficou nítida a
falta de familiaridade com este nova proporção de tempo, o segundo. O sentido de pulsação
rítmica que até então era claro e compreensível tornou-se um labirinto de imprecisão. Ainda
havia a falta de familiaridade com o manuseio do cronômetro. Como ultrapassar esta etapa e
seguir adiante? Com paciência e perseverança seguimos exercitando e, ao mesmo tempo,
sentindo o efeito dos segundos no corpo, aprimorando essa percepção tão sutil, equilibrando
razão e intuição.
Antunes (1989, p. 75) aborda as questões do parâmetro da duração e do ritmo. Ele
afirma que a duração é causa para o surgimento de tantas e novas notações musicais e sugere
dois tipos de duração: a física e a psicológica. A física é absoluta, pois pode ser mensurada
utilizando um cronômetro; a psicológica é relativa e subjetiva. Tudo depende do contexto
inserido. O ritmo entendido tradicionalmente como articulação do tempo, conceito de
periodicidade (batimentos cardíacos, ritmo respiratório), tornou-se relativo nas novas
concepções estéticas da música contemporânea. “O bom músico profissional embora não seja
necessariamente aquele que tem ouvido absoluto, é sempre aquele que, entre outras
qualidades, é capaz de “bater o segundo”, porque registrado em sua memória, graças à sua
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vivência musical [...]” (ANTUNES, 1989 p. 78, grifo do autor). No nosso caso, o aspecto em
foco é o uso do cronômetro para controle do tempo. Portanto, todos os outros parâmetros só
poderão ser executados se o cantor tiver a consciência da passagem do tempo.
A experiência com a contagem e vivência do tempo em segundos possibilitou a idéia
de replicar o experimento com os estudantes do bacharelado. Todos os passos da vivência
serão gravados em vídeo como forma de registro da atividade didático-pedagógica. É
igualmente um passo para a preparação do repertório que pretendemos estudar com ênfase em
nossa universidade. E, dessa forma, possibilitar não só o estudo dos mais conhecidos
compositores contemporâneos do cenário internacional, como também divulgar a literatura
vocal escrita por autores locais.
O vídeo vai proporcionar aos alunos a oportunidade de vivenciar os exercícios e
oferecerá condições para trabalhos futuros, tanto em termos de levantamento de diferentes
impressões da consciência da passagem do tempo como para possibilitar uma melhor
execução da obra em questão, aprofundando a sensibilidade rítmica, vivenciando a noção de
gesto vocal e aperfeiçoando a noção intervalar.
As conclusões finais têm como base as impressões percebidas ao fazer os exercícios.
Como já foi citado anteriormente, o obstáculo encontrado foi o parâmetro duração, cuja
indicação é estritamente estabelecida na peça Impressões nº 1. Ao iniciar o manuseio do
cronômetro com as devidas orientações, percebemos a falta de habilidade de sentir, nessa fase
inicial dos exercícios, o sentido de pulsação (o que causou espanto), já que o ritmo é uma das
matérias-primas no dia-a-dia de uma professora de canto. Sendo um experimento, as
tentativas de erro e acerto foram acalmando a inquietude inicial. A persistência em
experimentar proporcionou a percepção desta nova proporção de contagem de tempo, esse
novo pulso. A sensação de conseguir com mais exatidão medir e sentir esse tempo abriu as
portas para uma necessidade de aprofundar os níveis cada vez mais sutis de percepção. No
entanto, ainda é preciso vivenciar com mais propriedade esse tempo. Cremos que é possível
sentir-se à vontade nele como na concepção de tempo vigente na literatura vocal mais
tradicional.
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Referências
MABRY, Sharon. Exploring Twentieth Century vocal music: a pratical guide to innovations in performance and repertoire. Oxford: Oxford Univesity, 2002.
ANTUNES, Jorge. Notação na música contemporânea. Brasília: Sistrum Edições Musicais,1989.
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Acesso e permanência no curso de Licenciatura em Música: primeiras
impressões
Rebeca Juliana Farias da Costa Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
Bolsista PIBIC/CNPq/[email protected]
Cristiane Maria Galdino de Almeida Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Resumo: Este texto apresenta um recorte do projeto de pesquisa, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Formação e atuação profissional de professores de música, cujo objetivo geral é investigar as motivações para a permanência no curso de Licenciatura em Música da UFPE, dos alunos passíveis de “jubilamento” e como objetivos específicos identificar as diferentes razões para o ingresso no curso; identificar, também, os aspectos mais relevantes para a permanência no curso; e analisar o descompasso entre a motivação inicial e a atual para a permanência no curso. Apresentaremos os resultados parciais da pesquisa, que incluem dados coletados por meio do questionário aplicado aos discentes e, também, por meio de entrevista realizada com um dos estudantes que ingressou na universidade entre 1993 e 2001. Os dados analisados até o momento têm ajudado a entender as motivações para a profissionalização dos estudantes de licenciatura, mesmo daqueles que permanecem no curso além do tempo previsto, como também têm auxiliado na caracterização do perfil do aluno de licenciatura em nossa universidade.
Palavras-chave: Ensino superior, acesso e permanência, motivação.
Introdução
O acesso e a permanência de estudantes no ensino superior tem sido tema de
discussão em todas as áreas do conhecimento. Na subárea da educação musical, pesquisadores
que estudaram sobre cursos de graduação, destacam esses aspectos em seus trabalhos (ver
MORATO, 2009; PRATES, 2004; CERESER, 2003; entre outros).
Da mesma forma, nossos questionamentos incluíam os cursos de graduação em
música, mais especificamente os cursos de formação de professores. Ao investigarmos sobre
o perfil dos alunos que pertencem ao curso de licenciatura da Universidade Federal de
Pernambuco – UFPE, identificamos alunos que ingressaram no curso ainda na década de
1990. Essa constatação levou à realização de um subprojeto denominado Acesso e
permanência no curso de Licenciatura em Música: motivações para a profissionalização, que
tem como objetivo geral investigar as motivações para a permanência no curso, dos alunos
passíveis de “jubilamento” e como objetivos específicos identificar as diferentes razões para o
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ingresso no curso; identificar, também, os aspectos mais relevantes para a permanência no
curso; e analisar o descompasso entre a motivação inicial e a atual para a permanência no
curso.
Outro fato que reforçava a necessidade de ter esse aspecto do perfil discente como
parte de um subprojeto específico, foi o de ter sido aprovada na UFPE, a Resolução 09/2009,
que disciplina a recusa de matrícula nos cursos de Graduação. Em seu Artigo 1º, a Resolução
define que será recusada a matrícula ao estudante que houver esgotado o prazo máximo
estabelecido pela universidade para a integralização curricular.
Nesta comunicação, apresentaremos os resultados parciais da pesquisa, que incluem
dados coletados por meio do questionário aplicado aos discentes e, também, por meio de
entrevista realizada com um dos estudantes que ingressou na universidade entre 1993 e 2001.
Metodologia
Como referencial teórico-metodológico, utilizamos alguns conceitos da teoria crítica
pós-moderna de Boaventura de Sousa Santos (2004). Sua teoria reconhece o conhecimento
como “agregador de todos os outros conceitos dessa teoria, entre eles ecologia dos saberes,
ecologia das temporalidades e dos reconhecimentos” (SANTOS, 2004). Esses conceitos e
outros conduziram a nossa reflexão durante os momentos de análises dos dados do
questionário e das entrevistas.
Este subprojeto faz parte de uma pesquisa maior que é desenvolvida por um grupo de
pesquisa, cujos integrantes são alunos da graduação, que participam voluntariamente. No
entanto, o subprojeto foi aprovado no edital do PIBIC e tem uma das integrantes do grupo
como bolsista. Seguindo as metas estabelecidas, foram realizadas a revisão de literatura, onde
buscamos autores que abordavam conceitos que se relacionavam com o nosso tema: acesso e
permanência nos cursos universitários. Dentre os textos consultados, encontramos aqueles que
comentavam sobre o jubilamento, que é entendido como o desligamento ou afastamento de
aluno de Instituição de Ensino Superior (IES) por ter ultrapassado o prazo máximo permitido
para a conclusão do curso (RODRIGUES, 2006).
Além desses, alguns textos apresentavam o acesso e a permanência nos cursos de
graduação entre os grandes desafios da Reforma no Ensino Superior (BARRETO, 2008). Para
essa autora, esses desafios demandam do Estado a criação de políticas públicas de inclusão,
a qual precisamente refere-se ao processo de implementação de medidas que visem à garantia da permanência dos estudantes na educação superior, até a
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integralização de seus cursos, sobretudo os advindo das classes populares. (BARRETO, 2008, p. 60).
Ainda em relação à permanência na Educação Superior, Mota (2008) afirma que,
com relação ao processo de evasão nos cursos superiores, em termos gerais, os números do INEP não demonstram de imediato um processo de evasão acentuado, ou seja, em torno de 60% dos alunos de graduação concluem seus cursos no tempo mínimo. No entanto, nossas experiências pessoais em salas de aula evidenciam que desses 40% que evadem boa parte tem motivações de ordem econômica, variando da necessidade de trabalho a dificuldades de acompanhamento decorrentes de fraca formação no ensino médio. O processo de evasão pode e deve ser compensado via ocupação das vagas ociosas e por políticas assistenciais e acadêmicas adequadas, elevando o nível de diplomação (MOTA, p. 4).
Outro item da metodologia era o primeiro contato com os possíveis participantes,
aqueles alunos que ingressaram no curso entre 1993 a 2001 e que ainda permaneciam no
curso. A técnica de pesquisa escolhida para o contato com esses estudantes foi a entrevista
que, neste subprojeto, é vista como uma “forma específica de conversação” que “favorece o
acesso direto ou indireto às opiniões, às crenças, aos valores e aos significados que as pessoas
atribuem a si, aos outros e ao mundo circuncidante” (FRASER; GONDIM, 2004, p. 140).
Portanto, após termos refletido sobre os procedimentos que poderíamos adotar durante as
entrevistas, iniciamos essa etapa. Realizamos com os alunos as entrevistas na própria
Universidade. Estas entrevistas foram gravadas e logo após transcritas e enviadas para os
mesmos, para que pudessem confirmar e rever seus depoimentos, assinando posteriormente o
termo onde pudessem consentir a utilização de sua entrevista como material do projeto, sendo
este um dos procedimentos éticos da pesquisa.
A partir da execução desta parte do trabalho, começamos a categorização inicial dos
dados obtidos. Além disso, outros textos foram consultados, nos auxiliando tanto na parte de
categorização, quanto na compreensão dos dados coletados.
Acesso e permanência: primeiras impressões
Apresentaremos, a seguir, alguns dados da entrevista realizada com um dos
estudantes selecionados. Para manter seu anonimato, o nomeamos de Aluno X. Na entrevista,
questionamos a sua formação anterior, se possuía algum vínculo empregatício e as
motivações que o levaram a permanecer por um longo período de tempo vinculado ao curso.
Foi possível observar que antes de ingressar no curso superior, o Aluno X tinha frequentado
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aulas em escolas próprias de música, por exemplo, conservatórios. Ao fazer o vestibular para
Licenciatura em Música, a ideia ao ingressar no curso era que a universidade funcionaria
como uma continuidade dos seus estudos anteriores em escolas de música, ou de outra
formação que recebeu anteriormente, que seus conhecimentos seriam expandidos. É
importante também ressaltar que, ao mencionarem a ideia de continuidade e aprimoramento
dos conhecimentos já adquiridos,
os alunos constroem sentidos de que o curso os instrumentaliza em diversos aspectos constituindo como uma espécie de “amadurecimento profissional” do que já trazem consigo. Sendo, pois uma expansão do seu mundo profissional proporcionado pelo curso de música, como também um investimento na carreira profissional (MORATO, 2009, f. 151).
Não havia, entretanto, por parte do entrevistado, clareza sobre a proposta do curso
que é a formação de professores, embora houvesse o contato anterior com o ensino, pois já
ensinava informalmente, tanto em escolas de amigos como em aulas particulares. Essa
profissionalização anterior à formação é apresentada por Louro (2004), em sua tese. A autora
afirma que
para muitos professores de música, a experiência em lecionar inicia muitas vezes concomitante ao processo formal de formação para a profissão, podendo, em algumas vezes, ser anterior à mesma. (LOURO, 2004, f. 75 ).
Para essa autora, esse fenômeno tem caracterizado a profissão na área da música na
contemporaneidade, não podendo se desconsiderar a formação que o aluno vivenciou.
Uma das problemáticas apresentadas pelo entrevistado foi a falta de interesse dos
alunos da sua turma, pois alguns já possuíam uma formação universitária anterior a de
música, em outra área profissional. Na perspectiva do Aluno X, seus colegas de turma vinham
de outros cursos para estudar música porque gostavam, não porque pretendiam ou mostravam
interesse em seguir carreira profissional na área.
Pelo menos que eu me lembre, não tinha quase ninguém que pretendia ser músico, sabe, tinha um que era farmacêutico, a outra era formada em não sei quantos cursos, tava fazendo música, porque queria fazer música [como hobby]. (Aluno X).
Além disso, o Aluno X comenta que a turma onde havia ingressado “era uma galera
bem mais velha”, com as aulas acontecendo no turno da noite, sendo este fato uma das razões
para não conseguir uma aproximação com seus colegas de turma, o que o desmotivava.
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Outra dificuldade apresentada na entrevista do aluno foi a estrutura da universidade
na época, como também a reprovação e o atraso em disciplinas, que ocorriam por ele faltar às
aulas:
Me desestimulei até com a estrutura daqui da faculdade na época, [...] aí fui pagando [as disciplinas]... às vezes me matriculava em mais, mas reprovava por falta, não dava prioridade, qualquer coisa que aparecesse, eu deixava de ir, para a faculdade, para poder tocar... não vinha por falta de estímulo mesmo. (Aluno X).
Este aspecto, destacado pelo entrevistado, tem similaridade com a perspectiva
descrita por Salgado e Silva (2005) quando focaliza um “distanciamento” entre os cursos e os
interesses musicais dos alunos. Para o autor, esse distanciamento se refere à uma concorrência
entre os conteúdos vivenciados nos cursos e sua relevância para a prática profissional dos
estudantes, que o faz priorizar as atividades “de fora” em detrimento das atividades
acadêmicas.
Considerações finais
O acesso e a permanência de alunos nos cursos de Ensino Superior é um tema que
apresenta questões problemáticas não somente para as Universidades, mas para toda a
sociedade. O problema do acesso ao ensino superior se inicia bem antes do ingresso na
universidade, com as deficiências vivenciadas na educação básica, dificultando sua entrada
nos cursos de graduação. Posteriormente, para permanecer o estudante encontra outras
dificuldades, como a incerteza sobre a carreira profissional que almeja seguir, a necessidade
de trabalhar enquanto estuda e o distanciamento entre o curso e os seus interesses. Os dados
analisados até o momento têm ajudado a entender as motivações para a profissionalização dos
estudantes de licenciatura, mesmo daqueles que permanecem no curso além do tempo
previsto, como também têm auxiliado na caracterização do perfil do aluno de licenciatura em
nossa universidade.
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Referências
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Arranjo no Ensino Coletivo da Performance Musical: experiência com
Violão em grupo na cidade de São Luís/MA
Daniel Lemos Cerqueira
Universidade Federal do Maranhã[email protected]
Guilherme Augusto de ÁvilaUniversidade Federal do Maranhão
Resumo: Pretende-se relatar a experiência realizada em uma oficina de Violão em São Luís, dialogando com a literatura para estabelecer considerações acerca das estratégias de ensino adotadas. Há uma breve seção sobre a história do ensino coletivo da Performance Musical, bem como suas características didático-pedagógicas. Conclusões reforçam o desenvolvimento desta temática no Brasil atualmente, enfatizando a necessidade de elaborar pesquisas acerca do ensino individual.
Palavras-chave: Ensino Coletivo, Arranjo, Violão
Introdução
O ensino coletivo da Performance Musical é um meio instrucional que
provavelmente remonta aos primeiros registros de manifestação musical. Chailley (1970, p.4-
5) menciona a descoberta de um arco musical na caverna dos Trois-Fréres, localizada no Sul
da França, há cerca de 40.000 anos. Assim como visto em diversas tribos africanas, a Música
não era concebida de forma separada como na cultura Ocidental, mas associada a um ritual
cultural de forma orgânica. Na presença de instrumentos musicais, subentende-se que seja
necessário transmitir saberes acerca de sua prática, e na inexistência dos recursos a nós
disponíveis na atualidade (registros documentais e audiovisuais, por exemplo), é possível
deduzir que o aprendizado musical ocorria através da observação, audição e imitação,
podendo haver transmissão oral de conhecimentos – este último também presente do ensino
individual de Música, segundo Harnoncourt (1988, p.29).
Dessa forma, pretende-se neste trabalho tratar de uma experiência de ensino coletivo
da Performance Musical, dialogando com a literatura específica e refletindo sobre as
estratégias didáticas adotadas. O presente artigo está associado ao ENSAIO – Grupo de
Pesquisa em Ensino e Aprendizagem da Performance Musical, vinculado à Universidade
Federal do Maranhão, adequando-se à linha de pesquisa intitulada “Estratégias para o ensino
de instrumento musical”.
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Breve história do ensino coletivo
No início do Século XIX, o ensino coletivo era utilizado como ferramenta para o
aprendizado de teoria musical, em especial Harmonia. Ainda neste período, instrumentistas
como Franz Liszt (1811-1886) e Fréderic Chopin (1810-1849) ensinavam aspectos
interpretativos em grupo, através da metodologia conhecida como master-class, cujo objetivo
é trabalhar aspectos interpretativos do repertório, exigindo, portanto nível de instrução
apropriado (CERQUEIRA, 2010). Neste modelo, as aulas coletivas são utilizadas como
complemento ao ensino individual.
No final do século XIX, nos Estados Unidos, o ensino coletivo foi inserido na
educação básica, utilizando o instrumento Piano, devido ao favorecimento econômico
provindo da construção deste instrumento e ao alto custo do ensino individual. Este cenário
propiciou o surgimento de material didático para este fim, concentrado principalmente no
ensino tradicional de Música, com orientações sobre estratégias de ensino, organização e
número de alunos. (FISHER, 2010, p.3-4). Apesar de estar associada ao ensino tradicional de
Música, esta estratégia não requer níveis elevados de experiência musical, sendo possível
trabalhar com um público-alvo menos específico.
Na primeira metade do século XX, o ensino coletivo obteve significativos avanços,
trabalhando aspectos não abordados no ensino individual tradicional. Dentre as habilidades
desenvolvidas, há transposição, leitura à primeira vista, improvisação, harmonia e treinamento
auditivo (FISHER, 2010, p.5). Ainda, surge neste contexto a necessidade de se desenvolver
estratégias pedagógicas para diferentes faixas etárias, importante avanço para o ensino da
Performance Musical. Contanto, é importante perceber que, neste período, o ensino coletivo
ainda continuava atrelado aos objetivos do ensino profissional de Música.
Características do ensino coletivo de instrumentos musicais
No Brasil, o ensino coletivo tem tido amplo desenvolvimento nas últimas décadas,
sendo aplicado nos mais variados contextos e objetivos de ensino musical. Dentre alguns,
podemos citar o ensino profissional de música – orquestras, bandas, música de câmara, big-
bands e master-classes, por exemplo – e o ensino musical na escola regular e em cursos livres
– iniciação musical, oficinas de arranjo e improvisação e corais amadores, entre outros.
Dentre os aspectos musicais, pedagógicos, sociais e econômicos relativos ao ensino
coletivo de instrumentos, Oliveira (1990), Cruvinel (2008), Tourinho (2008), Cerqueira
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(2009) e Fisher (2010) reforçam as seguintes características:
Acessibilidade econômica em todos os contextos sociais;
Autonomia a partir da necessidade de iniciativas e decisões;
Interação com os colegas como recurso de aprendizagem – Teoria da Aprendizagem
Colaborativa (FISHER, 2010, p.51-66);
Abordagem prática no aprendizado de conceitos teórico-musicais, permitindo sua
assimilação sensorial;
Desenvolvimento interdisciplinar de habilidades musicais, entre elas Treinamento
Auditivo, Leitura de Notação Musical, Audição Crítica, Análise Musical, História da
Música, Improvisação, Harmonização, Composição e Performance;
Utilização de repertório provindo de culturas e contextos variados;
Considerações sobre a técnica instrumental e suas implicações anatômico-fisiológicas;
Desenvolvimento da sensibilidade artística através da Audição Crítica.
Ainda, Trindade (2010) reforça, a partir de seu modelo “CLATEC”, a possibilidade
de se trabalhar no ensino coletivo com construção de instrumentos musicais não-tradicionais,
sendo sugerida como recurso de ensino e aprendizagem para portadores de deficiência visual.
Cerqueira (2010) reforça que no ensino coletivo de bandas ou grupos de cordas – como nos
trabalhos de Barbosa (1994) e Cruvinel (2005) – é possível tratar de técnica, tendo em vista a
semelhança entre instrumentos do mesmo naipe.
Alguns dos possíveis ambientes de aplicação do ensino coletivo são, segundo
Tourinho (2008), escolas profissionais de Música, projetos sociais, ONGs, centros
comunitários e na educação básica.
O Arranjo no Ensino Coletivo
Segundo Tourinho (2008) há diversos critérios para divisão das turmas para o ensino
coletivo, cabendo ao professor definir uma opção pertinente a sua metodologia de trabalho.
Dentre tais critérios, podemos enumerar:
Faixa Etária;
Posse do instrumento;
Habilidade prévia no instrumento;
Conhecimento musical anterior.
Sobre a elaboração de arranjos como estratégia pedagógica, é possível trabalhar sem
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exigência de pré-requisitos musicais. Durante o processo de composição, o professor pode
adaptar o material às condições técnico-musicais de cada aluno. Cerqueira (2010, p.133-137)
descreve tal fato, sugerindo a adição de “desafios” – trechos de maior exigência psicomotora
– gradualmente, a fim de desenvolver as habilidades instrumentais dos alunos. Dessa forma,
todos os participantes desempenham papel relevante na produção musical sem uma
hierarquia, sendo uma estratégia de motivação.
Relato de experiência com o ensino coletivo de Violão através de arranjo
Em seguida, haverá o relato de uma oficina de ensino coletivo de Violão, ministrada
pelo professor desta disciplina no Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal
do Maranhão, e segundo autor do presente trabalho.
Esta oficina ocorreu em um mini-curso do X Encontro Humanístico do Centro de
Ciências Humanas, na Universidade Federal do Maranhão, em outubro de 2010. O grupo de
alunos possuía idade média de 22 anos, e nenhum deles havia participado das minhas aulas de
violão em grupo. Dois dos alunos eram do interior do estado, e estavam na capital
exclusivamente para o evento. A realização da tarefa durou quatro horários (uma manhã).
No início da aula, houve uma conversa com os alunos onde foram abordados
assuntos como a vivência musical, na tentativa de conhecer a experiência de cada um e
diagnosticar as capacidades momentâneas de execução no Violão. Ao tocar, dois alunos
arriscaram pequenas peças com dedilhado e acordes mais complexos, enquanto os demais não
tentaram executar o instrumento, demonstrando estar em uma fase inicial de aprendizagem.
Este procedimento norteou o grau de dificuldade para as experimentações posteriores, onde
cada um desenvolverá estruturas musicais compatível com suas possibilidades performáticas
(CERQUEIRA, 2009, p.136).
A próxima etapa foi definir o repertório a ser trabalhado com arranjos em grupo.
Foram dadas algumas sugestões pelo professor, entre eles clássicos do rock (como Yesterday,
dos Beatles) e música popular maranhense. Em seguida, o professor perguntou se algum dos
alunos possuía composições para violão, sendo que um deles mostrou uma peça ainda sem
nome. A turma demonstrou interesse pela peça, ficando acordado que esta seria trabalhada.
Esta consulta certamente propiciou maior envolvimento, sendo a escolha conjunta do
repertório uma estratégia de motivação indicada por Kaplan (1987, p.60-68) e Tourinho
(1995). É possível que a utilização de peças compostas por alunos contribuam mais à
motivação, valorizando a experiência musical dos mesmos e oferecendo maior proximidade
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com a criação.
Esta peça possuía um padrão rítmico em dedilhado semelhante à introdução de uma
balada de rock. O aluno compositor demonstrou prática ao tocar sua peça, pois apresentava
interessantes recursos harmônicos e idiomáticos do violão. A métrica da peça é quaternária,
com movimento harmônico de um acorde por compasso – Em, Bm7, Am7, D7 e depois Am,
Bm, C, D7. Em seguida, o aluno tocou a peça algumas vezes para que os demais a
memorizassem através da audição, recurso de aprendizagem típico da Música Popular
(CAVALCANTI, 2010). Logo, foi realizada uma análise textural da peça, com o professor
direcionando a percepção musical do grupo às estruturas musicais. Foi concluído que esta era
composta por um baixo, melodia e uma parte intermediária de acompanhamento. Para chegar
às conclusões, foram utilizadas perguntas como: “de que forma vocês acham que esta música
foi feita? Que elementos temos aqui?” Esta estratégia pedagógica é conhecida como
aprendizagem por descoberta, sendo sua eficácia no ensino musical reforçada por Uszler
(USZLER et al, 2000, p.244-248) e Fisher (2010, p.44-45). O ponto mais evidente desta
técnica pedagógica é desenvolver a capacidade de tomar decisões de forma independente,
cabendo ao professor apenas direcionar a percepção do conteúdo para que as conclusões –
descobertas – sejam feitas pelo aluno.
Continuando, o professor sugeriu que a peça poderia ser executada por um grupo
instrumental (chamado no momento de “mini-banda”), e que o trabalho seguinte seria
desmembrá-la em vozes. Poderia, ainda, haver o acréscimo de elementos musicais, tendo em
mente o tamanho do grupo. Assim, foi elaborado um esquema formal da peça no quadro
branco (tabela 1):
Estrutura Forma MusicalMelodia XAcompanhamento Em Bm7 Am7 D7 Em Bm7 Am7 D7 G Em C D7Baixo X X
TABELA 1 – Partitura esquemática da música executada pelo aluno compositor
Ainda, durante o processo de elaboração do arranjo, o professor procurou estabelecer
relações com o cotidiano musical de violonistas. Uma das práticas mais utilizadas no Violão é
justamente a elaboração de arranjos e transcrições, seja para solo, grupos de violões ou de
instrumentos diversos, como flautas, vozes e percussão, entre outros (FUNCK, 2006). Este
comentário foi levantado para que os alunos relacionem esta instrução com sua utilização
prática, propiciando maior atenção e interesse nas tarefas.
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Em seguida, foi realizado um esquema que apresentasse a ordem de eventos do
conteúdo executado pelo compositor da música. Cifras foram colocadas na voz intermediária
(acompanhamento), pois todos sabiam ler cifras. Logo após, as vozes foram separadas em três
violões, levando em consideração questões idiomáticas do instrumento. O baixo, então
executado pelo compositor, foi adaptado para se adequar a esta proposta. A voz intermediária
foi executada em acordes “batidos”. A seguir, foram acrescentadas estruturas musicais,
através de experimentações. Por fim, todos chegaram a consenso, transformando-se em um
novo esquema (tabela 2):
Estrutura Forma MusicalViolão solo 1 XViolão solo 2 XAcompanhamento Em Bm Am D7 Em Bm Am D7 G Em C D7 AmBaixo X X XPercussão no violão X X X
TABELA 2 – Esquema, após experimentações
Como podemos ver, a melodia escrita no esquema anterior deu lugar a duas vozes de
violões solo. Essas mudanças foram parte das experimentações.
Durante o processo de experimentação, foi perguntado se alguém era capaz de
improvisar. Dois alunos se prontificaram, demonstrando habilidades satisfatórias. Assim,
ficou combinado que ambos improvisariam, em forma de “pergunta e resposta”. Um fato
importante a ser considerado é a forma natural com que os alunos se ofereceram para
improvisar. Isto não é comum, pois os alunos costumam ficar tímidos ao se arriscar frente a
grupos. Fisher (2010, p.45) reforça que a estratégia de aprendizagem por descoberta, adotada
durante toda a atividade, traz autoconfiança, pois incentivam os alunos à tomada de decisões e
descoberta de conceitos individualmente. Logo, é provável que o ambiente de interação e
participação ativa trouxe esta sensação de liberdade.
Próximo ao fim da oficina, o esquema para a condução da peça foi finalizado, dando
início ao trabalho com intensidade musical. Em geral, há restrita consciência acerca deste
parâmetro musical, em especial por alunos que não possuem o Violão como primeiro
instrumento. Na falta de maior projeção sonora, os violonistas são constantemente obrigados a
usufruir de uma ampla gama de diferentes ângulos de toques, variando timbres e intensidades
como forma de compensar a restrita variação de intensidades do instrumento (NAVEDA,
2002). Dessa forma, foram inseridos no esquema alguns sinais de dinâmica utilizados em
partituras tradicionais, sendo que os mesmos requerem mínimas explicações.
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Para encerrar a aula, foi realizada uma gravação do arranjo via celular, pois não foi
possível utilizar o estúdio de gravação da rádio universitária. Os alunos ficaram contentes
com o resultado. Inclusive, aqueles que residem no interior manifestaram interesse em
retornar a São Luís para gravar esta peça, caso fosse conseguida uma vaga no estúdio da
rádio.
Considerações finais
O estabelecimento de um ambiente saudável de trabalho, onde o aprendizado ocorre
através da motivação, participação ativa e colaboração (FISHER, 2010, p.51-56), aumenta a
eficácia do ensino, tendo em mente que o aprendizado de um instrumento musical é
basicamente psicológico (KAPLAN, 1987, p.14). Experiências no emprego de estratégias que
contemplem facilitadores psicológicos tem sido bem sucedidas, e um número significativo de
pesquisas nacionais reforçam seus benefícios (TOURINHO, 1995; CRUVINEL, 2005;
NASCIMENTO, 2007; CRUVINEL, 2008; TOURINHO, 2008; CERQUEIRA, 2009;
CAVALCANTI, 2010; CENCI; PRESGRAVE, 2010; CLEMENTINO, 2010; RIBEIRO,
2010). Tal fato demonstra o atual desenvolvimento e interesse pelas estratégias de aplicação
do ensino coletivo, provavelmente devido às suas diversas possibilidades aplicação na
sociedade e a seu caráter mais próximo dos objetivos de formação dos diversos Cursos de
Licenciatura em Música abertos recentemente no país. Entretanto, o ensino individual – mais
associado aos Bacharelados em Música – tem tido menores atenções, havendo a necessidade
de pesquisar por estratégias pedagógicas adequadas a este contexto. Reforça-se, então, que o
ensino individual seja objeto de futuras pesquisas no ensino da Performance Musical.
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As canções dos Songbooks analisadas como material didático:
levantamento de repertório para uma proposta contemporânea de aula de
instrumento
Ana Carolina Nunes do Couto Universidade Federal de Pernambuco
Sérgio Ricardo de Godoy Lima Universidade Federal de Pernambuco
Resumo: Apresentação dos resultados parciais do estudo A música brasileira popular e a pedagogia instrumental: pesquisa de repertório e confecção de guia ilustrativo (LIMA;COUTO, 2010). Traz uma primeira listagem das páginas onde se encontram as músicas nos Songbooks das editoras Lumiar e Gryphus, que exemplificam onze categorias de conteúdos técnico-musicais, analisadas e catalogadas através de análise documental e fenomenológica.
Palavras-chave: Songbooks, aprendizagem, didática do instrumento.
Introdução
Este artigo traz os resultados parciais de um estudo publicado nos Anais do IX
Encontro Regional da ABEM Nordeste (LIMA; COUTO, 2010). Ele tem como objetivo
apresentar uma primeira listagem das páginas onde se encontram músicas dos Songbooks das
editoras Lumiar e Gryphus, analisadas e catalogadas a partir de uma lista de onze categorias
musicais.
Esta pesquisa surge num momento em que a música popular já é aceita como
repertório dentro da sala de aula sem as antigas barreiras que a excluíram por tanto tempo de
ambientes formais de ensino (COUTO, 2009). Tal aceitação, reflexo de uma sociedade
contemporânea que busca diálogos entre diferentes saberes e práticas ora marginalizados pela
academia, torna necessárias pesquisas que tratem dos mais diferentes aspectos que a utilização
deste repertório pode demandar do professor em sala de aula. No caso específico do professor
de instrumento, estudos apontam que sua prática costuma não ser devidamente sistematizada,
e um dos motivos alegados para isto é a inexpressiva produção de material didático na área da
pedagogia da performance (BORÉM, 2006, p. 50-51; COUTO, 2008, p. 77-78; HARDER,
2008, p. 137; SANTIAGO, 2007, p.17).
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Com o intuito de colaborar com o crescimento do conhecimento na área da
pedagogia da performance instrumental, mais especificamente com a utilização do repertório
oriundo da música brasileira popular, propomos, através do projeto inicial desta pesquisa, a
sistematização de parte de nossa atividade enquanto docentes. Ela se caracteriza pela seleção,
análise, categorização e catalogação de conteúdos teórico-musicais presentes em peças que
fazem parte dos Songbooks. Este nome é como ficaram popularmente conhecidos os diversos
livros de partituras, publicados com intuito comercial, e amplamente utilizados por músicos,
professores de música e público em geral (BOTELHO, 1997). Contudo, tal utilização é feita
de maneira não sistematizada, e cada indivíduo lança mão de uma busca pessoal de
organização de processos de autoaprendizagem com este material.
Almejando contribuir para a diminuição desse déficit na produção didática da
pedagogia da performance instrumental, pretende-se investigar a seguinte questão:
* É possível identificar padrões de elementos composicionais de ordem rítmica,
melódica, harmônica e estrutural na música brasileira popular que possam ser organizados e
catalogados em categorias temáticas pré-estabelecidas, permitindo assim orientar a
organização de programas de estudo de instrumentos musicais?
Esperamos, com esta investigação:
1. Catalogar peças que ilustrem elementos característicos da música brasileira
popular por conteúdos teórico-musicais a serem considerados durante o estudo instrumental;
2. Estabelecer critérios de seleção de peças que possam orientar a organização de um
programa de aprendizagem do piano popular;
3. Elaborar material didático na forma de guia de consulta para utilização de
professores e alunos de instrumentos musicais
Procedimentos de coleta e análise
Dentre as editoras que se dedicam a publicar este tipo de material, a pesquisa optou
em trabalhar com as publicações da Lumiar, Irmãos Vitale e Gryphus, pois são produtoras de
materiais facilmente encontrados e de amplo uso por escolas especializadas e músicos
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profissionais. Entretanto, até o momento só foram analisados os Songbooks da Lumiar e
Gryphus. A extração de dados desse material está obedecendo a duas estratégias de análise:
uma objetiva, composta por leitura, análise e interpretação, típicas da técnica de análise
documental (MICHEL, 2005, p. 38), aliada a uma subjetivista, fenomenológica, que inclui a
análise auditiva da partitura com sua execução em instrumento e/ou fonograma
(CAVAZOTTI; FREIRE, 2007, p. 47).
No entanto, dado à vasta quantidade de Songbooks existentes no mercado (48 da
Lumiar, 82 da Irmãos Vitale e 7 da Gryphus1), o trabalho demandou uma seleção da
amostragem. Os Songbooks escolhidos para fazerem parte do corpo documental são os
volumes que constam na Biblioteca do Centro de Artes e Comunicação da UFPE (37 volumes
registrados2), somados aos volumes de nosso acervo pessoal3 (11 volumes). Acredita-se que
esta seleção da amostragem facilitará o acesso dos interessados, já que a maioria das obras
listadas na pesquisa poderá ser consultada em material disponível na biblioteca citada.
As categorias inicialmente estabelecidas deram-se pela observação de índices de
materiais pedagógicos tanto do repertório popular (tais como ALMADA, 2009; CURIA,
1990; FREITAS, 1995; GUEST, 2006; FARIA, 1991), como também de materiais
tradicionais (KOELLREUTTER, 1980), e alguns oriundos do Jazz Americano, cuja
estruturação didática é tida como referência de organização para a aprendizagem da música
popular (COKER et. al, 1997; LEVINE, 1995). Após uma primeira análise, que constou na
verificação da freqüência de ocorrências destes conteúdos pré-estabelecidos no projeto inicial,
certas categorias permaneceram, enquanto outras foram eliminadas ou substituídas. O critério
utilizado para a seleção de determinadas categorias se deu pelo seu uso no programa previsto
no plano de ensino das disciplinas Instrumento Auxiliar - Teclado 1, 2, 3 e 4, do curso de
Licenciatura em Música da UFPE, na qual atuamos como docentes.
Contudo, faz-se necessário esclarecer que, para que uma determinada música seja
aceita como representante de determinada categoria e a indicação de sua página figure na
listagem, ela deve apresentar de forma facilmente identificável aquela categoria em sua
estrutura. Desse modo, no caso da categoria “Músicas com amplo uso da progressão II – V –
I”, por exemplo, só figuram aquelas que utilizam significativamente tal progressão, de
1 Informações disponíveis no site das editoras: www.irmãosvitale.com.br; www.lumiar.com.br; www.gryphus.com.br, obtidas no período de elaboração do projeto (janeiro/2010).2 Conforme informações obtidas no momento de elaboração do projeto inicial, em março de 2010.3 Os volumes repetidos não serão computados.
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maneira que ela possa vir a ser utilizada pelo professor como um exemplo didático desse
conteúdo harmônico.
Resultados parciais
Até o momento, foram analisados 20 volumes dos Songbooks que constam da
amostragem, representando 41,6 % do total. A Tabela 1 apresenta uma primeira listagem
desta análise, separadas em onze categorias.
Tabela 1 – Categorias e localização das músicas analisadas
Conteúdo Musical Editoras Songbook Páginas
Melodias construídas sobre pentacordes Lumiar
Dorival Caymmi vol.1 p. 40-41
As 101 melhores canções do século XX vol. 2 p. 35-37
Cazuza vol. 1 p. 64-65
Cazuza vol. 2 p. 50-51
Gilberto Gil vol. 2 p. 94-95
Rita Lee vol.1 p. 40-41
Gryphus A cor do Som p. 120-121
Melodias construídas sobre pentatônicas Lumiar
As 101 melhores canções do século XX vol. 1 p. 36-37
Rita Lee vol. 1 p. 44-45; 60-61
Rita Lee vol. 2 p. 62-63; 74-75
Cazuza vol. 1 p. 54-55; 74-75; 76-77; 80-81; 82-83
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Cazuza vol. 2 p. 44-45; 47; 48-49; 56-57; 68-69
Djavan vol. 1 p. 29-31
Gilberto Gil vol. 1 p. 42-43; 54-55; 132-133; 134-135; 138-139
Gilberto Gil vol. 2 p. 48-50; 127; 102-103; 132-133
Gryphus A cor do Som p. 76-78; 85-87
Melodias que mudam de modo
Lumiar
As 101 melhores canções do século XX vol. 1 p. 25-29; 117-121; 151-153; 161-163
As 101 melhores canções do século XX vol. 2 p. 68-70; 71-72
Caetano Veloso vol. 1 p. 42-43
Djavan vol. 2 p. 129-131
Dorival Caymmi vol. 1 p. 54-55; 92-93
Dorival Caymmi vol. 2 p. 27; 30-31; 116-118
Edu Lobo p. 198-202
Francis Hime p.153-155; 276; 295-297
Ary Barroso vol. 1 p. 57-58
Ary Barroso vol. 2 p. 118-119
Rita Lee vol. 1 p. 44-45
Gilberto Gil vol. 2 p. 134-135; 148-149
Gryphus A cor do Som p. 91-93
Melodias que
modulam para tons Lumiar
Ary Barroso vol. 1 p. 99-101; 109-111; 126-128
Ary Barroso vol. 2 p. 39-41; 109-111;
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vizinhos Caetano Veloso vol. 1 p. 35
Gilberto Gil vol. 1 p. 140-141; 142-143
Djavan vol. 1 p. 90-91; 104-105
Djavan vol. 2 p. 152-153
Edu Lobo p. 55-58; 198-202
Tom Jobim vol. 1 p. 48-49
Tom Jobim vol. 2 p. 48-49; 67-72; 84-86; 109-110
Tom Jobim vol. 3 p. 65-67
Gryphus A cor do Som p. 104-106
Melodias que modulam para tons
afastados
Lumiar
As 101 melhores canções do século XX vol. 1 p. 55-58; 170-171
Dorival Caymmi vol. 1 p. 90-91
Dorival Caymmi vol. 2 p. 87-89
Ary Barroso vol. 1 p. 114-117
Gilberto Gil vol. 1 p. 70-74; 116-117; 138-139; 158-159
Gilberto Gil vol. 2 p. 40-41
Djavan vol. 1 p. 56-58; 92-94
Djavan vol. 2 p. 36-39; 81-83
Edu Lobo p. 71-75; 212-213; 229-232
Francis Hime p. 69-71; 110-111; 118-119; 138-141; 153-155; 246-247; 295-297
Tom Jobim vol. 2 p. 40-43; 44-48; 51-53; 54-56; 81-83; 84-86
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Tom Jobim vol. 3 p. 39-41; 42-44; 70-71; 72-73
Gryphus A cor do Som p. 62-65
Melodias modais Lumiar
As 101 melhores canções do século XX vol. 1 p. 104-105;
As 101 melhores canções do século XX vol. 2
p. 35-37; 58-60; 79-82; 120-123; 159-161;
Rita Lee vol. 2 p. 66-67
Caetano Veloso vol. 1 p. 35
Cazuza vol. 2 p. 27
Gilberto Gil vol. 1 p. 58-59; 70-74; 78-79; 108-112; 127; 128-129; 138-139; 155-157; 158-159
Gilberto Gil vol. 2 p. 98-99
Djavan vol. 1 p. 49-51; 122-123
Djavan vol. 2 p.58-59; 109-111
Edu Lobo p. 52-53; 92-95
Tom Jobim vol. 2 p. 81-83
Harmonias que utilizam
predominantemente acordes I, IV e V
Lumiar
As 101 melhores canções do século XX vol. 1 p. 132-133
As 101 melhores canções do século XX vol. 2 p. 35-37
Dorival Caymmi vol. 1 p. 124-125
Dorival Caymmi vol. 2 p. 30-31; 35; 56-57; 60; 66; 90-91; 92-93; 99-101
Rita Lee vol. 1 p. 44-45
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Gilberto Gil vol. 1 p. 42-43; 104-105; 147;
Gilberto Gil vol. 2 p. 48-50; 148-149
Gryphus A cor do Som p. 82-84
Harmonias que utilizam
predominantemente acordes do campo
harmônico
Lumiar
As 101 melhores canções do século XX vol. 1 p. 53-54
Dorival Caymmi vol. 1 p. 32-33; 46-47; 90-91; 104-105
Dorival Caymmi vol. 2 p. 48-49; 52-53; 61-63; 87-89
Rita Lee vol. 1 p. 40-41; 72-73
Caetano Veloso vol. 1 p. 35
Cazuza vol. 1 p. 64-65; 74-75; 82-83
Cazuza vol. 2 p. 27; 44-45; 68-69; 88
Gilberto Gil vol. 1 p. 56-57; 127; 130-131; 134-135;138-139; 158-159; 162-163; 175-177
Gilberto Gil vol. 2 p. 36-37; 54-57; 94-95
Ary Barroso vol. 1 p. 42-43
Ary Barroso vol. 2 p. 46-47 (1ª parte)
Djavan vol.1 90-91; 161-163; 167-170
Djavan vol. 2 p. 53-55; 78-80; 90-91
Francis Hime p. 110-111
Tom Jobim vol. 1 p. 57
Gryphus A cor do Som p.66-68 (1ª parte); 85-87; 120-121
Músicas com amplo uso da progressão
As 101 melhores canções do século XX vol. 1 p. 66-69; 144-145
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II - V - I
Lumiar
Dorival Caymmi vol. 1 p. 104-105; 115-117
Dorival Caymmi vol. 2 p. 42-44; 52-53; 84-86; 87-89
Ary Barroso vol. 1 p. 48-50; 57-58
Ary Barroso vol. 2 p. 46-47
Caetano Veloso vol. 1 p. 42-43
Djavan vol. 1 p. 32-35; 40-42; 43-45; 52-55; 56-58; 59-61; 62-63; 76-80; 81-83; 87-89; 95-97; 104-105; 111-113; 158-160
Djavan vol. 2 p. 36-39; 63-65; 69-71; 72-74; 115-117; 118-120; 121-123; 129-131; 132-134; 156-158; 166-168
Edu Lobo p. 86-89; 99-103; 116-119; 180-185; 220-221
Francis Hime p. 138-141; 171; 153-155; 194-195; 214-215; 238-239; 254-255; 260; 267-269; 280; 295-297; 304-305
Tom Jobim vol. 1 p. 48-49; 50-51; 52-53; 58-59; 60-61; 65; 78-79; 88; 90-91; 98-99; 106; 108-109; 112-113; 114-115; 116; 117
Tom Jobim vol. 2 p. 40-43; 51-53; 57-58; 67-72; 76-77; 78-80; 81-83; 84-86; 87; 88-89; 90-91; 98-99; 100-102; 103-106; 107-108; 109-110
Tom Jobim vol. 3 p. 26-27; 32-34; 35-36; 37-38; 39-41; 42-44; 45-47; 54-56; 57-58; 59-60; 61-62; 70-71; 72-73; 86-87; 88-91; 92-94; 95-97; 98-99; 102-103
Rita Lee vol. 1 p. 38-39
Rita Lee vol. 2 p. 36-37; 62-63
Cazuza vol. 1 p. 90-91
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Gilberto Gil vol. 1p. 108-112; 118-119; 140-141; 162-163
Gilberto Gil vol. 2 p. 71-73; 112-113; 172-173
Músicas com amplo uso da progressão
I - VI - II - V Lumiar
As 101 melhores canções do século XX vol. 1 p. 170-171
As 101 melhores canções do século XX vol. 2 p. 140-141
Ary Barroso vol. 1 p. 48-50
Ary Barroso vol. 2 p. 46-47; 54-56
Dorival Caymmi vol. 1p. 36-38; 40-41; 44-45; 46-47; 56-57;90-91; 92-93
Dorival Caymmi vol. 2 p. 72-73; 84-86; 122-123
Rita Lee vol. 1 p. 38-39
Rita Lee vol. 2 p. 36-37; 62-63
Tom Jobim vol. 1 p. 65
Tom Jobim vol. 2 p. 67-72; 100-102
Gilberto Gil vol. 2 p. 68-70; 71-72
Músicas com amplo uso de dominantes
estendidasLumiar
Ary Barroso vol. 1 p. 59-60; 65-66; 86-88; 126-128;
Ary Barroso vol. 2 p. 21-22; 39-41; 54-56; 109-111; 112-113
Dorival Caymmi vol. 1 p. 76-77; 115-117
Djavan vol. 1 p. 29-31; 81-83
Djavan vol. 2 p. 118-120; 126-128; 156-158
Edu Lobo p. 27-29; 47-51; 142-146; 180-185
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Francis Hime p. 118-119; 153-155; 194-195
Tom Jobim vol. 1 p. 108-109
Tom Jobim vol. 2 p. 54-56; 59-60; 100-102; 109-110
Tom Jobim vol. 3 p. 35-36; 63-34
Gilberto Gil vol. 1 p. 102-121; 140-141
Gilberto Gil vol. 2 p. 71-73; 112-113; 140-141
Discussão dos resultados parciais
Conforme já exposto, as categorias foram escolhidas de modo a atender, em parte, os
conteúdos teórico-musicais das disciplinas Instrumento Auxilar – Teclado 1, 2, 3 e 4, de
forma que as músicas encontradas sirvam de repertório para análise e aplicação de tais
conteúdos. Os dados apresentados anteriormente permitem verificar a existência de canções
populares brasileiras que ilustram todas as categorias. A Tabela 2 traz a visualização das
categorias com a quantidade de canções que foram encontradas naquele item:
Tabela 2 – Quantidade de músicas por categoriaConteúdo Musical Quantidade
Melodias construídas sobre pentacordes 7
Melodias construídas sobre pentatônicas 27
Melodias que mudam de modo 22
Melodias que modulam para tons vizinhos 19
Melodias que modulam para tons afastados 35
Melodias modais 25
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Harmonias que utilizam predominantemente acordes I, IV e V 18
Harmonias que utilizam predominantemente acordes do campo harmônico 42
Músicas com amplo uso da progressão II - V - I 115
Músicas com amplo uso da progressão I - VI - II - V 23
Músicas com amplo uso de dominantes estendidas 35
Perspectiva de continuidade e desdobramento do trabalho
Algumas das peças presentes na listagem da Tabela 1 estão sendo utilizadas como
repertório nas aulas de Instrumento Auxiliar – Teclado 1, 2, 3 e 4 do curso de Licenciatura em
Música da UFPE. Pretende-se, ao final do 2º semestre do corrente ano, verificar as
contribuições que o uso deste repertório trará ou não à aprendizagem dos alunos. Para isso,
ainda serão analisadas as possibilidades da criação de um sub-projeto, e/ou de um relato de
experiência para futuras publicações.
Conclusão
As músicas presentes nos Songbooks das editoras Lumiar e Gryphus fornecem uma
vasta fonte de utilização didática por professores de instrumento. Através das análises
realizadas até o momento, é possível conhecer e mapear determinados conteúdos teóricos e
musicais muito freqüentes no repertório popular brasileiro. Agora, pela primeira vez no
Brasil, o público que utiliza os Songbooks em sala de aula poderá facilmente encontrar a
música mais adequada para se trabalhar os conteúdos desejados, graças ao olhar didático que
esta pesquisa lança sobre tal material.
O processo realizado até o momento também permite visualizar a possibilidade de
transformar este trabalho num Guia de Consulta aos Songbooks destas três editoras, com
intuito comercial, disponibilizando estas informações a quem mais desejar delas se beneficiar.
Acreditamos que isto pode contribuir para uma melhor sistematização da prática docente, no
que diz respeito não apenas à pedagogia da performance instrumental da música popular, mas
de todo tipo de aula de música que lance mão deste repertório.
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COUTO, Ana Carolina Nunes do. Música popular e aprendizagem: algumas considerações. Opus, Goiânia, v. 15, n. 2, dez. 2009, p. 89-104.
______. Ações pedagógicas do professor de piano popular: um estudo de caso. 101 f. Dissertação (Mestrado em Música). Escola de Música da UFMG. Belo Horizonte, 2008.
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FARIA, Nelson. A arte da improvisação. Rio de Janeiro: Lumiar, 1991.
FREITAS, Sérgio P. R. de. Teoria da Harmonia na música popular: uma definição das relações de combinação entre os acordes na música tonal. 197 p. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 1995.
GUEST, Ian. Harmonia método prático. v. 1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 2006. 164 p.
HARDER, Rejane. Algumas considerações a respeito do ensino de instrumento: trajetória e realidade. Opus, Goiânia, v. 14, n.1, p. 127-142, jun. 2008.
KOELLREUTTER, H. J. Harmonia funcional: introdução à teoria das funções harmônicas.São Paulo: Ricordi, 1980.
LEVINE, Mark. The jazz theory book. Petaluma: Sher Music Co., 1995.
LIMA, S. R. de Godoy; COUTO, A.C. Nunes do. A música brasileira popular e a pedagogia instrumental: pesquisa de repertório e confecção de guia ilustrativo. IN: Anais do IX Encontro Regional da ABEM Nordeste. Natal, jun de 2010. Disponível em:
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MICHEL, M. Helena. Metodologia e pesquisa científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 2005. 138 p.
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CHEDIAK, Almir. 101 Melhores Canções do Século XX. Rio de Janeiro: Lumiar, 2004. 2 v.
______. Songbook Ary Barroso. Rio de Janeiro: Lumiar, 1994. 2 v.
______. Songbook Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Lumiar, 1997. 2 v.
______. Songbook Cazuza. Rio de Janeiro: Lumiar, 1990. 2 v.
______. Songbook Djavan. Rio de Janeiro: Lumiar, 1997. 2 v.
______. Songbook Dorival Caymmi. Rio de Janeiro: Lumiar, 1994. 2 v.
______. Songbook Edu Lobo. Rio de Janeiro: Lumiar, 1994.
______. Songbook Francis Hime. Rio de Janeiro: Lumiar, 1994.
______. Songbook Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Lumiar, 1992. 2 v.
______. Songbook Rita Lee. Rio de Janeiro: Lumiar, 1990. 2 v.
______. Songbook Tom Jobim. Rio de Janeiro: Lumiar, 1994. 3 v.
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As pesquisas sobre Educação Infantil e Música no Brasil
Mônica Luchese Marques Universidade de Brasília
Maria Cristina de Carvalho Cascelli de AzevedoUniversidade de Brasília
Resumo: A relação entre Música e Educação Infantil vem sendo investigada de diversas formas por diferentes autores. A fim de conhecer como essa relação é abordada em teses e dissertações nacionais, utilizou-se o Banco de Teses da CAPES para realizar um mapeamento de pesquisas que abordam essa temática. Esse mapeamento foi orientado pelas seguintes questões: 1) como a Música na Educação Infantil vem sendo investigada? 2) em que áreas as investigações sobre Música e Educação Infantil estão sendo desenvolvidas? e 3) como os paradigmas investigativos qualitativos e quantitativos estão sendo caracterizados nessas pesquisas? Os resultados encontrados nos mostram uma predominância de trabalhos qualitativos, centralizados na região sul e sudeste do país, defendidos na área de Educação e que focam no sujeito o professor. As temáticas mais pesquisadas discutem as práticas musicais de professores unidocentes na Educação Infantil.
Palavras-chave: Educação Infantil, Música, Estado da Arte.
Introdução
A Educação Infantil é considerada a primeira etapa da Educação Básica e abrange
crianças de 0 a 6 anos de idade. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN, essa modalidade de ensino tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança.
(BRASIL, 1996). 1
O reconhecimento da educação infantil como parte integrante da Educação Básica
resultou na elaboração do Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil – RCNEI
(BRASIL, 1998), documento não obrigatório, que apresenta referências e orientações
pedagógicas que visam contribuir com as práticas educativas a fim de promover o
desenvolvimento das crianças na primeira infância. Esse documento é dividido em três
volumes: Introdução, Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo. Neste, a Música
é eixo de trabalho sendo considerada linguagem em que se destaca a sua importância na
comunicação, expressão e desenvolvimento cognitivo das crianças. Desde o primeiro volume
1 Com a criação do nono ano, a faixa etária de 6 anos passou a integrar o Ensino Fundamental, artigo 32 seção III, de 2006, no entanto o texto legal do artigo 29, II seção, da LDBEN 9394/96 considera a faixa de 0 até 6 anos como Educação infantil.
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do documento, o texto enfatiza que o desenvolvimento das capacidades cognitivas das
crianças deve incluir as práticas da linguagem musical juntamente com a corporal, plástica,
oral e escrita. (BRASIL, 1998)
A concepção de aprendizagem musical no RCNEI aponta para a presença da música
como conhecimento específico nessa etapa da Educação Básica. Porém, a forma como a
música está sendo inserida nesse contexto varia em cada instituição escolar quanto aos seus
objetivos, atividades, conteúdos e profissional. Geralmente, é consenso a presença da música
com diferentes fins e objetivos na rotina das crianças como: 1) disciplinar o comportamento e
desenvolver atitudes e valores – lavar mão, alimentar-se, fazer silêncio, dormir, respeitar o
colega -; 2) comemorar datas e festividades – dia da árvore, dia das mães, dia dos pais, dia do
índio -; 3) memorizar conteúdos – números, letras do alfabeto, vocabulário e 4) executar
instrumentos de “bandinhas” reproduzindo e imitando padrões sonoros e rítmicos (BRASIL,
1998).
O RCNEI em contraposição a essa prática destaca que a atividade musical na
educação infantil deve superar a concepção tradicional de atividades musicais reprodutoras e
mecanicistas, em que a expressão musical da criança e seus saberes e fazeres musicais são
ignorados. No cenário musical atual, o professor tem o desafio de trabalhar o conhecimento
musical prévio do aluno, oportunizando a convivência e a reflexão sobre diferentes gêneros e
estilos musicais. Nesse sentido, o RCNEI, ao compreender a música como linguagem e forma
de conhecimento defende que a música tem estrutura e características próprias que devem ser
vivenciadas por meio da produção, apreciação e reflexão (BRASIL, 1998). Por produção o
documento entende a experimentação e a imitação, sendo produtos musicais a interpretação, a
improvisação e a composição. A apreciação envolve a percepção de sons e silêncios, a
organização das estruturas musicais em que se objetiva desenvolver a escuta ativa, a
capacidade de observação, a análise e o reconhecimento. A terceira atividade pedagógica está
relacionada com a reflexão sobre a organização, criação e produção musical (BRASIL, 1999).
A proposta musical do referencial curricular exige que o professor tenha conhecimento
específico sobre música, ou seja, domine a linguagem musical e seus fundamentos.
Segundo Penna (2008), as especificidades musicais do RCNEI, torna improvável sua
concretização, pois em suas palavras esse referencial “é uma idealização muito distante da
realidade atual, e somente em poucas escolas deste país encontramos um professor licenciado
na área especifica de música atuando neste nível escolar, especialmente na rede pública”
(PENNA, 2008, p. 135). A transformação desse quadro ainda é lenta e depende da formação
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de professores e de políticas educacionais. Espera-se, que a presença do profissional de
música na Educação Infantil possa ser impulsionada pela aprovação da Lei nº 11769/08 que
exige a inclusão da música como conteúdo obrigatório do componente curricular Artes na
Educação Básica. Segundo a lei, os estabelecimentos de ensino tem até Agosto de 2011 para
sua implementação, o que tem provocado discussões e debates sobre quem e como a Música
deverá ser inserida no currículo das escolas.
O como a Música está sendo inserida na Educação Infantil e a sua relação com o
desenvolvimento da criança são temáticas recorrentes nas pesquisas sobre Música e Educação
Infantil. A função da Música nessa etapa da educação é destacada por diversos autores, que
enfatizam a relevância da formação musical no desenvolvimento cognitivo e afetivo das
crianças. Embasadas pelos princípios pedagógicos do RCNEI, as investigações nessa área
apresentam problemáticas, objetivos, metodologias e resultados distintos e convergentes.
Como parte da revisão de literatura da pesquisa de mestrado em andamento, cujo objetivo é
compreender a ação pedagógica de professora específica de música em escola de Educação
Infantil, foi realizado um mapeamento da produção de teses e dissertações brasileiras que
abordam a temática da Música na Educação infantil. Este levantamento visou compreender:
1) como a Música na Educação Infantil vem sendo investigada; 2) em que áreas as
investigações sobre Música e Educação Infantil estão sendo desenvolvidas; e 3) como os
paradigmas investigativos qualitativos e quantitativos estão sendo caracterizados nessas
pesquisas.
O levantamento2 teórico realizado faz parte do questionamento permanente da
pesquisa, que carrega consigo um passado prático-teórico, ou como denomina Lima e Mioto
(2007) uma “carga histórica”, que “trilha” o assunto. Sendo assim, as autoras afirmam que o
pesquisador “realiza uma atividade de aproximações sucessivas da realidade, sendo que esta
apresenta “uma carga histórica” e reflete posições frente à realidade” (LIMA e MIOTO, 2007,
p. 38). Para conhecer o “histórico” das pesquisas que envolvem Música e Educação Infantil,
adotou-se como referência a base de dados de Teses e Dissertações da CAPES3, fonte
legítima de pesquisas realizadas no âmbito nacional.
A metodologia utilizada para busca seguiu os seguintes passos: 1) digitação das
palavras-chaves: Educação Musical e Educação Infantil e Música, com a seleção do tópico
“todas as palavras”; 2) seleção da opção de “expressão exata” com os termos: Educação
Musical e Educação Infantil, Música e Educação Infantil, Música na Educação Infantil,
2 Esse levantamento foi realizado no período de Março a Maio de 2011.
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Educação Infantil e Música e Educação Musical Infantil. Todos os termos foram digitados na
categoria “assunto”. Optou-se assim, partir de um assunto mais amplo e com a análise
quantitativa dos resultados obtidos seguir realizando um recorte mais específico por meio do
tópico “expressão exata”, como descrevemos a seguir.
Procedimentos de seleção das pesquisas no portal CAPES
A palavra-chave Educação Musical foi abordada inicialmente com o intuito de
verificar as publicações que estão relacionadas a essa área do conhecimento, sem a restrição
de palavras foram encontradas 538 teses/dissertações que abordam esse tema. Diante da
quantidade, restringiu-se a busca por meio do termo “expressão exata”, sem restrição de ano.
Nessa seleção, foram encontradas 378 teses e dissertações, sendo que destas, 60 são teses de
doutorado, 317 são dissertações de mestrado e 1 pesquisa profissionalizante. Para verificar a
produção científica mais recente fez-se um recorte dos últimos 10 anos, que está retratado na
tabela a baixo:
ANO TESES DISSERTAÇÕES TOTAL
2000 3 9 12
2001 3 9 12
2002 2 15 17
2003 6 28 34
2004 6 18 24
2005 3 30 33
2006 8 23 31
2007 6 40 46
2008 11 52 63
2009 18 57 75
TOTAL 66 281 347
Ao longo dos 10 anos percebe-se um aumento de pesquisas que abordam o termo
Educação Musical, tanto nas teses quanto nas dissertações. Somente nos anos de 2004 e 2006
houve uma diminuição nas defesas de dissertações. Em relação às teses no ano de 2005 há
uma queda na produção. Porém, é evidente o aumento das pesquisas que em 2000 eram 12
trabalhos defendidos e em 2009 são 75, um crescimento de 625%.
3 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
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A partir dessa verificação foi feita a busca com o termo: Educação Infantil e Música,
sem restrição de “expressão exata” e ano. O resultado mostrou 85 teses e dissertações. Sendo
destas 13 teses, 71 dissertações e 1 pesquisa de nível profissionalizante. A partir desse
resultado, as palavras-chaves Educação Musical e Educação Infantil, Música e Educação
Infantil, Música na Educação Infantil, Educação Infantil e Música e Educação Musical
Infantil com expressão exata foram pesquisadas. À medida que se obtinha os resultados, a
lista era comparada ao primeiro resultado geral obtido, ou seja: 85 teses/dissertações. Dessa
análise, apenas uma dissertação não estava relacionada na primeira busca. Ela foi encontrada
quando utilizada a palavra-chave: Educação Musical e Educação Infantil:
Eduardo Guedes Pacheco- Educação Musical e Educação Infantil: uma investigação-
ação na formação e práticas de professoras. 2005.
Com essa constatação o levantamento dos trabalhos ficou com um total de 86
teses/dissertações. Sendo que destas 6 teses, 25 dissertações e 1 pesquisa de nível
profissionalizante não têm temática que envolva Música e Educação Infantil, ou seja, o foco é
a Educação Infantil ou o universo infantil, como exemplos: Ingrid Wiggers. Corpos
desenhados: Olhares de crianças de Brasília através da escola e da mídia. 2003.
Celso Luiz Prudente. A pedagogia afro da Associação Meninos do Morumbi: entre a
carnavalização e a cultura oficial .2003
Gilberto Aparecido Damiano. Semente Voadora: Germinação Epistemestética de uma
Pedagogia Spathodea. 2001
Gisleine Bartolomei Fregoneze Corrêa. Contribuições ao estudo da adoção de
produtos/marcas por meio de comportamentos imitativos: uma investigação com o
consumidor infantil. 2009
Outros 12 trabalhos enfatizavam somente aspectos musicais não englobando a
Educação Infantil como uma tipologia da Educação Básica ou a faixa etária das crianças.
Esses trabalhos também não foram considerados para a análise dos textos, exemplos: Alberto
Sampaio Neto. A iniciação infantil à flauta do pífaro: repertório, aspectos técnicos e recursos
didáticos. 2005
Alexandre Henrique Isler Chagas. A Orquestra de Cordas infanto-juvenil como
instrumento metodológico na Educação Musical. 2007
Celio Roberto Eing. Acertando o compasso sobre a apropriação de conceitos musicais
do ensino fundamental. 2008
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Após a seleção realizada, restaram para análise 6 teses de doutorado e 34
dissertações de mestrado, ou seja, 40 investigações. Todos os trabalhos selecionados para a
realização dessa pesquisa estão listados em anexo.
Resultados do Mapeamento
Do universo de 40 trabalhos, foram destacados: 1) a Universidade onde o trabalho foi
desenvolvido; 2) o programa de pós-graduação; 3) a temática estudada; e 4) a abordagem
metodológica. Na tabela abaixo consta a freqüência de teses e dissertações relacionadas com o
lugar e o programa de pós-graduação (PPG):UNIVERSIDADE PPG TESES DISSERTAÇÕES TOTAL
Universidade Federal do Rio Grande do sul (UFRGS)
Música 0 1 2Educação 1 0
Universidade Estadual de São Paulo Júlio de Mesquita Filho (UNESP)
Música 0 2 2
Conservatório Brasileiro de Música Música 0 2 2Universidade do Paraná (UFPR) Música 0 1 2
Educação 0 1Universidade de Minas Gerais (UFMG) Música 0 1 2
Ciências da Saúde 1 0Universidade federal de Goiás (UFG) Música 0 1 3
Educação 0 2Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Música 0 1 2Memória Social 0 1
Universidade Federal da Bahia (UFBA) Música 0 1 1Universidade Federal de Mato Grosso do sul (UFMS)
Educação 0 1 1
Universidade Regional de Blumenau Educação 0 1 1Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Educação 1 1 2
Universidade Federal de Uberlândia Educação 0 3 3Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Educação 1 2 4Artes 0 1
Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
Educação Especial 0 1 2Educação 1 0
Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)
Educação 0 1 1
Universidade São Francisco Educação 0 1 1Universidade do Vale do Itajaí Educação 0 1 1Pontifica Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
Educação 0 1 1
Universidade de Tuiuti do Paraná Educação 0 1 1Universidade Presbiteriana Mackenzie Educação, Arte e
História da Cultura0 2 2
Universidade Nove de Julho Educação 0 1 1Universidade Metodista de são Paulo Educação 0 1 1Universidade de Santa Maria (UFSM) Educação 0 1 1Universidade de São Paulo (USP) Educação 1 0 1Tabela 1 - Quantidade de Teses e Dissertações por Universidade e, Programa
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Com o cruzamento das informações percebemos que ainda são poucas as
universidades que possuem trabalhos que abordam a Música na Educação Infantil, ao todo são
25 universidades federais, particulares e estaduais. Em PPGs específicos de Música essa área
é ainda pouco pesquisada, sendo que não há nenhuma tese de doutorado e apenas 10
investigações de mestrado. Em PPGs de Educação essa temática é mais explorada, sendo
encontradas 4 teses e 20 dissertações.
As temáticas que abordam essas pesquisas concentram-se no professor como sujeito
e fonte de informações das problemáticas pesquisadas. Percebe-se que a maioria dos trabalhos
analisados selecionam a prática docente como palavras centrais nos seus objetivos, buscando
assim compreendê-la, investigá-la, percebê-la e identificá-la. A tabela abaixo demonstra a
categorização de temáticas relacionadas à frequência de teses e dissertações. Essa
categorização foi realizada a partir dos objetivos apresentados pelos autores da pesquisas:
TEMÁTICAS TESES DISSERTAÇÕES TOTALPráticas musicais de professores unidocentes na Educação Infantil
0 11 11
Práticas de professores de Música com crianças 0 5 5O papel da Música na Educação Infantil 0 6 6Repertório 2 4 6Desenvolvimento musical infantil 2 4 6Formação de professores 2 1 3
A importância da Música na Educação Infantil 0 2 2
Materiais didáticos 0 1 1Tabela 2 – Quantidade de teses e dissertações por temáticas e problematizações
Todos os trabalhos abordam a questão da importância da Música para crianças, no
entanto enfatizam principalmente valores e atitudes não musicais. A maioria dos trabalhos
tem o foco na função da Música em instituições infantis e no seu valor para execução de
diversas atividades, comandos e aprendizagens sem objetivos musicais.
Sobre as abordagens de pesquisa adotadas, 2 dissertações adotam o paradigma
quantitativo e 38 o qualitativo. Para Pacheco (1995) a diferenciação da investigação
qualitativa e quantitativa está relacionada à definição do objeto, à natureza epistemológica da
investigação e aos procedimentos metodológicos da pesquisa. A esses três pontos, Merriam
(1998) acrescenta mais seis princípios que definem a orientação metodológica a ser adotada:
foco da pesquisa, raízes filosóficas, frases associadas, meta de investigação, características do
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projeto, amostra, coleta de dados, método de análise e resultados. A tabela a baixo demonstra
a frequência da utilização dos métodos de pesquisa:
METÒDOS TESES DISSERTAÇÕES TOTALEstudo de Caso 0 2 2Estudo Multicaso 0 1 1Investigação-ação 1 1 2Etnográfica 0 1 1Survey 0 2 2Pesquisa-ação colaborativa/comunicacional 1 0 1Análise Documental 0 4 4
Análise de Conteúdo 1 0 1
Documentação Indireta 0 1 1
História Oral 0 1 1
Autoetnografico 0 1 1Análise Ideográfica e monotética dos depoimentos 0 1 1Experimental 0 1 1Correlacional 0 1 1Observação Longitudinal 1 0 1Instrumentos de pesquisa: observação, entrevista e questionário 2 17 19Tabela 3 – Quantidade de teses e dissertações por métodos de pesquisa
Percebe-se na pesquisa qualitativa a predominância de trabalhos que relatam como
seu método de pesquisa apenas os instrumentos utilizados para colher as informações
desejadas, totalizando assim 19 pesquisas. Outros determinam o seu método com formas de
definir seus procedimentos, sujeitos e instrumentos metodológicos como os demais mostrados
na tabela à cima. Dentre os instrumentos de coleta de dados, os mais utilizados foram: a
observação, seguida de entrevistas, a análise de documentos e os questionários.
Nas pesquisas quantitativas os métodos investigativos adotados foram o Estudo
Correlacional e a pesquisa Experimental. Nestas pesquisas, apesar do uso de análise
quantitativa como testes e escalas, os dados numéricos foram submetidos a uma análise
qualitativa.
Conclusão
A análise das pesquisas levantadas com a temática Educação Infantil e Música nos
mostra a trajetória histórica desse assunto nos PPGs do Brasil. Desse modo, nos permite
avaliar a contribuição da pesquisa de mestrado em andamento para os estudos na área de
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Educação Musical, como também nos permite discutir o que os estudos realizados
acrescentam a pesquisa.
A maneira como a Música é apresentada pelo RCNEI e o como ela vem sendo
concretizada na primeira infância, seja pelo ensino, pelo desenvolvimento musical individual
e pelas vivências proporcionadas pelo meio são problemáticas levantadas pelas investigações
analisadas. Percebe-se que a música na Educação Infantil ainda é pouco explorada nos
programas de pós-graduação das universidades, sendo que esses estudos se concentram no Sul
e Sudeste do país, principalmente em PPGs da área de Educação, em que a Música é abordada
como meio e não como fim em si mesma. Na análise metodológica, o predomínio de
pesquisas qualitativas, nos faz refletir sobre o interesse particular em determinados casos em
detrimento de um conhecimento mais panorâmico e geral sobre o ensino de música na
Educação Infantil. De modo geral, os trabalhos não permitem inferências para um universo
maior o que não permite a conhecer a situação da Música na Educação Infantil no Brasil. No
entanto, a partir dos trabalhos realizados é possível identificar que resultados são comuns e
aproximam as pesquisas realizadas possibilitando conhecer como a música está se inserindo
na Educação Infantil no Brasil.
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Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. 3° volume. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. 1° Volume. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei no 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.
LIMA, Telma C. S. de; MIOTO, Regina C. T. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. esp. p. 37-45 2007.
PENNA, Maura. Música(s). 2° edição Editora: Sulina. 2008
PACHECO, José Augusto. O Pensamento e a Acção do Professor. Porto Editora. Portugal, 1995.
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ANEXO A- Teses
1. Kelly Stifft. A construção do conhecimento musical no bebê: um olhar a partir das suas relações interpessoais. 2008
2. Maria Audenora das Neves Silva Martins. Cantigas de roda: o estético e o poético e sua importância para a Educação Infantil. 2003
3. Maria Betania Parizzi Fonseca. O desenvolvimento da percepção do tempo em crianças de dois a seis anos: um estudo a partir do canto espontâneo. 2009
4. Ilza Zenker Leme Joly. Um processo de supervisão de comportamentos de professores de musicalização infantil para adaptar procedimentos de ensino. 2000
5. Iveta Maria Borges Avila Fernandes. Música na escola: desafios e perspectivas na formação contínua de educadores da rede pública. 2009
6. Marcia Aparecida Baldin Guimarães. O Canto Coletivo na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. 2003
ANEXO B- Dissertações
1. Ana Maria Paes Leme Carrijo Abrahão. A música na escola: um privilégio dos especialistas? Concepções dos professores sobre o talento musical e a música na escola e a representação gráfica do som de crianças de 3 a 6 anos de idade. 2006
2. Angelita Maria Vander Brook. A abordagem pontes na musicalização para crianças entre 0 e 2 anos de idade. 2009
3. Anita Henriqueta Kubiak Tozetto. Educação musical: a atuação do professor na educação infantil e séries iniciais. 2003
4. Beatriz De Souza Bessa. Não atire o pau no gato: o politicamente incorreto e memória na educação infantil. 2007
5. Beatriz Helena Furlanetto. Infância em pauta - um estudo histórico sobre as concepções de infância presentes nas canções e na formação de professores. 2006
6. Caroline Brendel Pacheco. Habilidades musicais e consciência fonológica: um estudo correlacional com crianças de 4 e 5 anos de Curitiba. 2009
7. Cintia Vieira Da Silva Soares. A música na educação infantil: o movimento dos bebês em ambiente musical. 2007
8. Claudia Maria Fróes De Toledo. As contribuições do ensino de música e sua interface com a educação infantil. 2004
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9. Daiane Solange Stoeberl Da Cunha. Educação musical e emancipação: a formação do educador musical a partir de uma perspectiva crítica. 2006
10. Daniela Vilela de Morais. O material concreto na educação musical infantil: uma análise das concepções docentes. 2009
11. Edna Aparecida Costa Vieira. Música: sua influência no processo de alfabetização no período pré-escolar. 2004
12. Eduardo Guedes Pacheco. Educação musical e educação infantil: uma investigação-ação na formação e práticas das professoras. 2005
13. Egle Maria Luz Braga Zamarian de Siqueira. Música: da casa à escola de educação infantil e ensino fundamental. 2000
14. Fabrícia Piva. Educação musical: a perspectiva de professoras da educação infantil.2008
15. Gisele Crosara Andraus Oliveira. A música na escola tem futuro: uma análise dasituação do ensino de música na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, em Uberlândia/MG, 10 anos após a promulgação da lei de diretrizes e bases da educação nacional – lei 9.394/96. 2007
16. Isa Stavracas. O papel da música na educação infantil. 2008
17. Jéssica Mami Makino. A arte invade o Brás: uma proposta de educação musical na creche do Brás. 2003
18. João Ricardo De Souza. Os cancionistas urbanos e a educação musical infantil. Estudos de caso: Colégios Clip e Passionista São Paulo da Cruz (SP 1996-2006). 2007
19. Juliane De Sousa Silva Paiva. A música nas propostas educacionais dos parques infantis na cidade de São Paulo: 1947 a 1957. 2009
20. Karen Ildete Stahl Soler. A música na educação infantil: um estudo das EMEIS e EEIS da cidade de Indaiatuba, SP. 2008
21. Leila Yuri Sugahara. Música na escola: um estudo a partir da psicogenética Walloniana. 2008
22. Lélia Negrini Diniz. Música na educação infantil: um survey com professoras da rede municipal de ensino de porto alegre - RS. 2005
23. Liara Roseli Krobot. A inclusão da modalidade música no curso de pedagogia - habilitação educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental: o caso do curso de pedagogia em Jaraguá do Sul - SC. 2006
24. Margaterh Darezzo. Impacto de um programa de ensino para cuidadoras em creche: música como condição facilitadora de condutas humanas ao lidar com bebês. 2004
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25. Maria Cristina de Campos Pires. O som como linguagem e manifestação da pequena infância: música? Percussão? Barulho? Ruído?.2006
26. Maria de Fátima Marinho Jordão. "musicalização infantil na creche Berta Lutz". 1997
27. Maria Teresa de Beaumont. Paisagens polifônicas da música na escola: saberes epráticas docentes. 2003
28. Maristela De Oliveira Mosca. Como se fora brincadeira de roda: a ciranda da ludopoiese para uma educação musical humanescente. 2009
29. Melita Bonna. Nas entrelinhas da pauta: repertório e práticas musicais de professores dos anos iniciais. 2006
30. Patricia Alves Carvalho. Re-tocando a aprendizagem na educação de infância: a música como linguagem. 2005
31. Roberta Alves Tiago. Música na educação infantil: saberes e práticas docentes. 2007
32. Sonia Regina Catellino Loureiro. Música na educação infantil, além das festas comemorativas. 2009
33. Thaís Lobosque Aquino. A música na formação inicial do pedagogo: embates e contradições em cursos regulares de pedagogia da região centro-oeste. 2007
34. Vera Bloch Wrobel. A educação musical na educação infantil sob uma abordagem construtivista. 1999
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As mudanças na atuação profissional do técnico em música do século XXI e
suas implicações para a formação do músico nos cursos técnicos
Beatriz de Macedo OliveiraUniversidade Federal de Uberlândia
E-mail: [email protected]
Resumo: Os músicos egressos dos cursos técnicos dos Conservatórios de Música encontram atualmente uma sociedade totalmente modificada e globalizada devido aos avanços tecnológicos. Isso acarreta modificações no mercado de trabalho e consequentemente na atuação profissional dos músicos. O artigo expõe o papel do ensino da música nos diferentes períodos históricos até chegar à criação dos Conservatórios de Música como centros de formação profissional de músicos a nível técnico e o modelo curricular adotado desde acriação destas escolas no Brasil. Sendo assim, o artigo apresenta um recorte da pesquisa em andamento que tem o objetivo de estudar a relação entre a formação e atuação profissional dos músicos de nível técnico na sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Formação e atuação profissional o músico, Cursos Técnicos de Música, Conservatórios de Música.
Introdução
Ao longo da história, a função da preparação de artistas e músicos nem sempre foram
atribuídas às escolas especializadas. Em Minas Gerais, os Conservatórios de Música foram
criados inicialmente com a função de formação de professores para atuar nas escolas e
também para formar instrumentistas virtuosos. Atualmente a formação profissional do músico
se dá em dimensões bem maiores e para além dos muros escolares. Políticas governamentais
voltadas para mudanças legais têm provocado várias reformas curriculares nas instituições
formadoras, especialmente com relação à Educação Profissional de nível médio. As escolas
técnicas, e entre elas estão os Conservatórios de Música, têm se desenvolvido para o
atendimento das demandas do mercado de trabalho para a atual sociedade de massa,
totalmente tecnológica e industrializada, cujos conhecimentos acumulados oferecem subsídio
a sua rápida transformação. Porém estas mudanças curriculares se relacionam com mudanças
nas concepções pedagógicas e estas refletem visões de mundo, de sociedade e de humanidade.
Os profissionais responsáveis pela educação profissional do músico necessitam
distinguir entre os modelos de formação de forma a perceber as transformações ocorridas nos
processos de construção do conhecimento e do ensino da arte ao longo da história. Refletir
sobre os modelos de formação fornecerá subsídios para entendermos de que forma eles
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orientam a atuação profissional do músico de acordo com cada época.
Na cidade de Uberlândia, o Conservatório Estadual de Música Cora Pavan Capparelli
passou por várias mudanças curriculares, mas foi especialmente com a Resolução n. º 718 de
18 de novembro de 2005 que o curso foi reestruturado para o trabalho técnico. Em 2008
concluiu a primeira turma de Técnicos em Instrumento e Canto dentro desta nova grade
curricular.
É nesse universo que se insere o meu próprio objeto de pesquisa, por ser professora
do Conservatório de Uberlândia há 23 anos e nos últimos dez anos lecionando no Curso
Técnico e por acompanhar as transformações no currículo e as modificações nas leis.
Considerando os desafios enfrentados por esses profissionais recém formados esta
pesquisa tem o objetivo interpretar as informações que os egressos de 2008 do Curso Técnico-
Instrumental/Canto do Conservatório Estadual de Música Cora Pavan Capparelli oferecem
acerca das relações que estabelecem entre a formação técnica que tiveram no curso com as
suas atuações profissionais no mercado musical de trabalho. A coleta de dados será através de
fontes orais, através de entrevistas com os egressos de 2008, e documentais, como as
legislações e as grades curriculares do Conservatório.
Com essa preocupação, o objetivo deste artigo é fazer uma breve descrição histórica
do desenvolvimento do ensino musical ocidental até a sua aplicação na realidade brasileira
como modelo de excelência na formação dos artistas e músicos, como recorte da pesquisa,
que tem como objeto a formação e atuação do músico técnico na sociedade contemporânea.
1. A origem do ensino da música na sociedade européia e sua importância
na formação musical profissional
Segundo Plaza (1997) o modelo de ensino de arte medieval era da relação direta e
pessoal entre mestre e discípulo e visava à convivência técnica e ao aprendizado através das
encomendas de obras de arte. O mundo medieval era dominado pelo fanatismo religioso e
pela submissão do povo aos senhores feudais, transformando a Idade Média em Idade das
Trevas.
Para Elmerich (1977, p. 28) essa situação resultou num período de estagnação nas
ciências e nas artes. Raynor (1978, p. 26) diz que “qualquer história da música nos primeiros
dias da Europa cristã começa inevitavelmente pela Igreja, pois só esta oferece dados
verificáveis em registros precisos”. Segundo Stehman (1964), “a ciência musical evoluiu
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através da música religiosa; e a música religiosa transmitiu à música profana”. Segundo
Raynor (1978) a Igreja utilizava-se da música “para afastar o culto do reino da experiência e
sentimentos subjetivos pessoais” (p. 26). Nesta direção a música pertencia à criação coletiva
(ou individual, imediatamente transmitida à coletividade), e por isso tinha sido anônima. Os
nomes que conhecemos se devem mais à sua importância e influência reconhecida por seus
contemporâneos, seja na música religiosa ou dos trovadores, que por se tratarem de nobres,
sua fama foi conquistada por outros motivos. Fora da Igreja, como manifestação da música
profana surge a canção, difundida pelos trovadores, de origem nobre, que as cultivava em
seus castelos, enquanto o povo as difundia nas ruas, festas e nas feiras. Estes músicos
ambulantes de origem nobre eram acompanhados por músicos chamados de menestréis, que
eram geralmente pessoas de baixa categoria social, que, além de tocar harpa ou viola
(guitarra), exibiam-se como dançarinos, acrobatas, prestidigitadores etc. “Devido à vida
desregrada que levaram muitos desses músicos ambulantes e o conseqüente mau conceito no
qual eram tidos, é que foram fundadas as primeiras confrarias junto às igrejas, espécie de
associação de músicos profissionais” (ELMERICH, 1977, p. 28). Como a missa e os ofícios
diários nas catedrais e igrejas eram invariavelmente cantados, existiam as escolas de canto
que davam ensino musical aos meninos pobres dotados de boa voz antes de examinar até que
ponto e de que modo dar-lhes educação geral.
Conforme Plaza (1997), ao modelo de ensino de arte medieval se sucedeu o modelo
da Academia no século XVI onde havia disciplinas organizadas para complementação teórica
e intelectual do trabalho artesanal dos ateliês. O renascimento libertou o homem das severas
normas de vida, mas ao mesmo tempo, gerou abusos como o desregramento e a licenciosidade
dos costumes. Reagindo a isso surgiu a Reforma com Lutero, que entre outras modificações,
aboliu o latim das cerimônias religiosas e criou o canto coral na língua do país, o que
aumentou o número de adeptos. O canto gregoriano deixou de ser o único admitido nas
igrejas.
O desenvolvimento das cidades, com a ascensão da burguesia nos fins da Idade
Média favoreceu a música revolucionária no seio da Igreja. A mudança no modo de vida
exigiu da música a expressão da dignidade e enaltecimento das cerimônias. A música devia
acrescentar glórias simbólicas e concretas aos feitos da nobreza. Ao mesmo tempo em que as cidades continentais tratavam de glorificar as igrejas e ampliar os coros religiosos além de empregar os melhores cantores e compositores para o serviço da religião, desejavam música socialmente, para fomentar a dignidade e civilização de suas vidas (RAYNOR, 1978, p. 69).
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Raynor (1978, p. 70) diz que entre os séculos XVII e XVIII os músicos “adotaram o
padrão das organizações de ofícios e reuniam-se em guildas de músicos”. [...] “Na
terminologia da guilda, os músicos eram ‘mestres’ do seu ofício; cada um deles preparava
tantos aprendizes quantos possível ou de acordo com as estipulações da guilda”. Durante o
Renascimento a corte era um centro musical com grande força criativa, que necessitava tanto
da música religiosa como da música secular. Houve aumento do prestígio do compositor
através da música palaciana, embora nem sempre esta lhe proporcionasse condições materiais
favoráveis.
O século XVIII caracterizou-se pela efervescência do Iluminismo, a racionalidade
científica se sobrepunha à fé e a religião. Alguns compositores se mantiveram trabalhando a
serviço da Igreja, por sobrevivência ou para a corte, mas para alguns compositores totalmente
influenciados pelas idéias iluministas estes ambientes eram por demais castradores. Foi o caso
de Wolfgang Amadeus Mozart, que desejava a liberdade para compor vivendo um enorme
conflito pessoal sofrendo a pressão da corte de um lado, e a influência superprotetora do pai
de outro, que o impediam de desenvolver sua música. Mozart é um bom exemplo de um
músico iluminista.
Foi na Itália, no século XVI que se originou uma instituição de caridade onde se
conservavam crianças órfãs e pobres com o nome de “conservatório”. Nestas instituições se
desenvolviam atividades educacionais e dentre elas estava a música. Segundo Vieira (2004, p.
142), o modelo institucional de conservatório difundido pela Europa surgiu na França e foi
consolidado no século XIX. Ainda segundo Vieira (2006) tanto no Brasil como na Europa,
O conservatório, afirmado no século XIX no mundo ocidental, constituiu-secomo lugar onde o conhecimento musical europeu até então acumulado passou a ser conservado e difundido. Trata-se de um processo que não pode ser dissociado de pelo menos quatro séculos da história da criação de condições materiais e institucionais para a incorporação de valores europeus pela sociedade local que se ia construindo (VIEIRA, 2001, apud VIEIRA, 2006). A música européia vem sendo conservada e difundida nos conservatórios dentro de um "modelo conservatorial" que compreende a cultura musical erudita européia do século XVIII e meados do XIX, quando os sistemas musicais métrico e tonal alcançaram o apogeu (PENNA, 1995, apud VIEIRA, 2006). Esse modelo dá ênfase, sobretudo à performance, distinguindo-a do ensino teórico, mantendo, assim a velha divisão entre prática e teoria na formação do músico, datada da Idade Média (BEYER, 1993 apud VIEIRA, 2006).
Com o passar dos anos esse modelo de ensino passou a ser o padrão de formação
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profissional de músicos e professores, não só na Europa, mas também no Brasil.
1.1. Aspectos históricos da institucionalização do ensino de música no Brasil
A introdução da música erudita no Brasil se deu com a colonização e com a vinda
dos jesuítas em 1549, sendo que a música tinha a função na catequização e sensibilização dos
povos indígenas na tarefa principal de conquistar novos servos para a igreja católica. Esses
missionários trabalharam em princípio com o cantochão e depois acrescentaram o ensino de
instrumentos como o cravo, viola e órgão, utilizados nas missas. A primeira notícia da
existência de uma escola de música funcionando nos moldes dos conservatórios europeus vem
do século XVII, na qual ensinava-se música aos negros escravos. Foi dessa escola que surgiu
uma das figuras mais importantes da música brasileira do século XVIII, o Padre José
Maurício Nunes Garcia.
A construção do Teatro São João se deu após a chegada de D. João VI com sua corte
no Brasil, pois a música erudita passou a ter maior importância, não se limitando somente às
igrejas. Porém, após este tempo de D. João VI, houve um longo período de estagnação na a
música brasileira.
Conforme Esperidião (2001), a partida de D. João VI e a expulsão dos jesuítas
fizeram com que o ensino musical fosse gradativamente exercido por professores particulares,
compensando a ausência de escolas e Conservatórios nesta época.
As primeiras escolas de música no Brasil foram criadas em meados do século XIX,
através da burguesia nascente e que aspirava ao poder e cultivava a cultura nos moldes
ocidentais. Algumas dessas escolas eram denominadas “conservatórios” seguindo os modelos
europeus. Como estabelecimentos surgidos naquela época podemos citar três que hoje
recebem os seguintes nomes: Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1848), Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (1895) e Instituto Estadual Carlos
Gomes (1895), localizado em Belém do Pará.
Desta forma, vemos que a deflagração dessas escolas de música no Brasil estava em
consonância com o projeto governamental brasileiro pós-independência, para construção do
Estado-Nação.
Os conservatórios mineiros foram criados no século XX, em especial na década de
50. Segundo Gonçalves (1993) a criação destes conservatórios partiu de uma iniciativa oficial
do então governador Juscelino Kubitschek
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com o objetivo de ‘atender os pendores artísticos da juventude mineira’ (KUBITSCHEK, mensagem, ano de 1953), ‘cultuar as tradições culturais de nosso povo’ (SALGADO, 1955) resultou, pois, na criação e institucionalização destas escolas de música que seriam responsáveis pela formação técnica-profissionalizante de contingente habilitado para atuar nas escolas de ensino primário e secundário e no ensino instrumental propriamente dito, no Estado de Minas Gerais. (GONÇALVES, 1993, p. 23)
A Lei n º 811, de 12 de dezembro de 1951 deu suporte a criação dos conservatórios
em minas Gerais, e o Decreto-lei 3.870 de setembro de 1952 estipulou os conteúdos
obrigatórios.
Atualmente, Minas Gerais possui 12 conservatórios estaduais funcionando com o
objetivo de desenvolvimento das habilidades artísticas dos jovens e formação profissional
para o mercado de trabalho, além da preservação e difusão da cultura.
Gonçalves (1993) aponta alguns fatores envolvidos na criação e institucionalização
dos conservatórios, como o fator econômico expresso no discurso do então governador
Juscelino Kubitschek; o fator político – prestígio dos políticos por serem “cultos” e “amantes”
das tradições; somados a esses estariam mais dois fatores conjugados da preservação das
“tradições musicais e culturais” e dos interesses baseados nas relações “político-pessoais”.
(GONÇALVES, 1993, p. 45-46).
Os conservatórios mineiros possibilitaram a formação profissional de professores de
música e canto coral para atuarem nas escolas e desenvolvimento das habilidades musicais e
artísticas de músicos para atuarem em diversos espaços existentes na sociedade. Mudanças na
legislação, já no final do século XX fizeram com estes estabelecimentos deixassem de ter a
função de preparar docentes, tarefa que passou a ser exclusiva das universidades. Hoje estas
instituições têm a função de preparação de profissionais para atender às demandas do mundo
do trabalho.
Apesar das mudanças legais, e considerando os profissionais que já atuavam nestes
conservatórios, não foi oferecido nenhum curso preparatório com a finalidade de preparação
dos docentes para essa tarefa de formar técnicos em música para atuarem nas novas funções
postas por esse mercado profissional em mudanças.
Levando em consideração que o mercado de trabalho hoje exige a formação de uma
real competência, conforme defendido por Grossi (2003) estas noções de competência
orientam um fundamento para a formação do músico que tenha habilidades para a prática
reflexiva, para o conteúdo musical no contexto amplo e diversificado da linguagem musical e
ainda para prática política e ética.
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Este conjunto de competências musicais e profissionais colocadas num projeto de
qualificação profissional do músico de nível técnico permite pensar ainda em uma educação
profissional musical como práxis social. Segundo Vasquez (1968) a educação profissional
como práxis, exige que a teoria e a prática sejam indissociáveis no âmbito de uma práxis
social. Finalizando, observa-se que o mundo do trabalho musical vem exigindo dos músicos
uma capacidade para articular conhecimentos teóricos e práticos de tal forma que eles saibam
criar, executar, gravar, editar, distribuir, (em atividades musicais previsíveis ou improvisadas)
e também saibam entender e explicar fundamentos e princípios que sustentam estas ações.
Neste contexto a pesquisa poderá colaborar com uma avaliação da instituição.
Também por entender que é necessária uma reflexão sobre a formação do Curso Técnico a
partir da legislação específica e de dados oferecidos pelos próprios egressos que atuam no
mercado. Ainda pela importância de conhecer o perfil dos profissionais formados, os espaços
de atuação dos egressos, suas atividades musicais e desafios que enfrentam profissionalmente.
Os resultados da pesquisa irão colaborar com um crescimento da qualificação profissional e
provocar mudanças qualitativas no ensino técnico musical do Conservatório e de outras
instituições de ensino musical.
Considerações Finais
O músico profissional encontra hoje um mercado musical bastante modificado
devido aos avanços tecnológicos exigindo conhecimentos mais amplos que vão desde o
domínio instrumental e das técnicas de arranjo e composição até a utilização dos aparatos
eletrônicos e noções de empreendedorismo. Essas mudanças na atuação profissional da
contemporaneidade implicam uma revisão dos modelos de formação adotados pelas
instituições formadoras.
Observamos que o modelo de excelência em que estes conservatórios foram
fundamentados desde a sua criação teve fortes ligações com as aspirações da burguesia
ascendente e formação de uma nacionalidade brasileira. O modelo de conservatório europeu
foi aceito como tipo de formação legítima para o músico profissional e também alicerçou o
ensino nas escolas e nos conservatórios, levando-os a desenvolver uma formação
fragmentada, organizando os cursos com divisão disciplinar. Com a divisão dos cursos em
disciplinas estanques, deixou-se a cargo do aluno a integração dos conteúdos, o que nem
sempre acontece, perdendo-se a consciência global e o afastamento da realidade em sua
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plenitude.
A fragmentação leva tanto os professores como os alunos a um processo de restrição
reprodutória do conhecimento. Os docentes adotam como metodologia o princípio de que o
aluno necessita aprender inicialmente os conteúdos geralmente informativos para depois
passar a aplicação destes conteúdos na prática. Desta maneira, devido a essa fragmentação
ocorre a dissociação entre a teoria e a prática e a predominância de procedimentos apoiados
na repetição e memorização.
Partido desta lógica, o conhecimento musical estrutura-se como um saber acabado,
ocorre uma supervalorização da música européia do período clássico e barroco em detrimento
da música brasileira e contemporânea, causando uma descontextualização social e histórica na
vida. Dentro de um sistema como esse os processos mentais de comparação, criação,
resolução de problemas perdem espaço para a quantificação e memorização nas quais se
baseiam as avaliações do processo de ensino-aprendizagem. Nesse caminho é vedado ao
aluno qualquer questionamento.
As idéias desenvolvidas até aqui não tiveram a pretensão de dar um traço conclusivo
ao trabalho de pesquisa, mas, ao contrário, tivemos a intenção de deixar a impressão de
abertura, uma vez que ainda não temos as respostas que procuramos sobre a relação do
profissional da música a nível técnico com sua formação e os desafios que enfrenta em sua
atuação profissional.
A participação dos alunos egressos do curso do conservatório na pesquisa será uma
maneira de contribuir para a avaliação do curso oferecido a partir de problemas levantados
por eles, contribuindo na proposição de caminhos voltados para as necessidades do aluno o
que contribuirá também para sua própria reflexão, proporcionando para o conservatório um
feedback das suas ações educativas.
Diante dessa nova realidade, através da análise documental das legislações e das
grades curriculares somadas às informações que esses egressos poderão nos fornecer, talvez
possamos ter as pistas para verificar o modelo adotado atualmente nos conservatórios e sua
adequação à realidade contemporânea. Ao mesmo tempo poderemos descobrir caminhos para
melhorias qualitativas nos cursos de formação oferecidos pelos conservatórios e outras
instituições de ensino musical.
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Referências
ELMERICH, Luis. História da Música. Fermata, São Paulo, 1977.
GROSSI, Cristina. Reflexões sobre atuação profissional e mercado de trabalho na perspectiva da formação do educador musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 8, p. 87-92, mar. 2003.
GONÇALVES, Lilia Neves. Educar pela música: um estudo sobre a criação e as concepções pedagógico-musicais dos conservatórios estaduais mineiros na década de 50. Dissertação de mestrado. UFRS, Porto Alegre, 1993.
PLAZA, Marcus. Arte, ciência, pesquisa: relações. Trilhas. IAR – UNICAMP, n. 6. p. 21-32. jul./dez. 1997.
RAYNOR, Henry. História Social da Música: da Idade Média a Beethoven. Tradução deNathanael C. Caixeiro. Zahar Editores. Rio de Janeiro, 1978. 434 p.
STEHMAN, J. História da Música Européia: das origens aos nossos dias. Tradução de Maria Tereza Athayde. Revisão técnica de Fernando Cabral. 2ª ed. Livraria Bertrand, S.A.R.L., Lisboa. c 1964, Éditions Gerard & Cie, Verviers, Bélgica. 298 p.
VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. Editora Paz e Terra, Série Rumos da Cultura Moderna, Rio de Janeiro, 1968. 11 v.
VIEIRA, José G. S.; FERNANDES, R. Garcia. A estrutura das revoluções científicas na economia e a Revolução Keynesiana. Estudos Econômicos. SciELO Brasil, v. 36 n º 2, São Paulo, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-41612006000200007&script=sci_arttext&tlng=en, Acesso em: 15/07/2010.
VIEIRA, Lia Braga. A escolarização do ensino de música. Pro-Posições, v. 15, n. 2 (44) - maio/ago. 2004. Disponível em: http://www.proposicoes.fe.unicamp.br/~proposicoes/textos/44-dossie-%20vieiralb.pdf, Acesso em: 19/07/2010.
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A avaliação da performance sob a perspectiva da preferência do aluno
Jonathas Joktaniel Raposo da Silva Universidade Federal de Alagoas
Milson Casado FiremanUniversidade Federal de Alagoas
Resumo: Este artigo é o resultado de um estudo piloto realizado para uma disciplina de um curso de Licenciatura em Música a partir da experiência com uma turma de alunos de um professor de clarinete de uma instituição particular. O objetivo principal foi observar a relação entre preferência do estudante e a avaliação praticada pelo professor. Buscou-se inicialmente informações acerca da forma utilizada para avaliar as performances dos estudantes de clarinete e posteriormente pediu-se que a escolha da peça a ser executada fosse feita pelos alunos. Observou-se uma mudança nas médias dos estudantes.
Palavras-chave: Avaliação musical, performance musical, repertório, clarinete
Introdução
A avaliação permeia todas nossas ações diárias. Em qualquer hora e lugar sempre
estabelecemos critérios que nos dão suporte para avaliar e decidir sobre as relações
apresentadas em determinadas situações. Um exemplo bem simples de avaliação cotidiana é
quando vamos ao trabalho; sabemos que será necessário acordar em uma hora determinada a
fim de que estejamos no ponto de ônibus em tempo de chegar ao local de trabalho na hora
exata. A partir do momento que pensamos quantas horas iremos precisar para acordar antes da
hora do trabalho já estamos avaliando. Essa avaliação será realizada no sentido de determinar
estimativas para cada procedimento durante o ritual de preparação para as atividades laborais.
Este é um de muitos exemplos de avaliação que fazemos habitualmente em nossa vida.
Em uma oportunidade ímpar que abrolhou em uma determinada aula na universidade
onde curso Licenciatura em Música, o professor propôs que fizéssemos um planejamento de
avaliação para aplicarmos em alguma atividade de ensino musical. Prontamente refleti sobre
essa proposta e procurei estabelecer um plano que não priorizasse a escolha do objeto a ser
avaliado pelo docente, mas que possibilitasse ao aluno escolher em qual performance ele
gostaria que seu professor avaliasse. Nosso objetivo foi observar de que maneira a preferência
do estudante poderia interferir na avaliação do professor e vice-versa. Também seria possível,
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a partir dessa proposta, vislumbrar se a auto-avaliação do estudante estaria em consonância
com a avaliação do professor.
Fundamentação Teórica
Avaliação em Música
Oliveira e Tourinho (2003, p. 08) argumentam que “Avaliar é o processo de
determinar até onde os objetivos de uma tarefa educacional foram atingidos” (OLIVEIRA;
TOURINHO, 2003, p. 08). Podemos ainda dizer que cada avaliação realizada nas aulas de
performance musical traz consigo uma série de comparações estabelecidas em um plano
cognitivo. De acordo com Swanwick (2003, p. 83), essas comparações podem ser descritas
em duas categorias: intrapessoal e interpessoal. A comparação intrapessoal fundamenta-se nas
performances fornecidas por um mesmo sujeito em dois momentos temporais distintos
enquanto a interpessoal baseia-se na comparação entre duas performances de dois sujeitos
distintos.
Gordon (2002, p. 5) comenta sobre a diferença entre avaliar e mensurar (medir).
Normalmente mensurar está relacionado a objetividade e avaliar a subjetividade. Ele acredita
que a objetividade e subjetividade estão em um continuum. “Nada é perfeitamente objetivo;
isto é, tudo em algum grau é subjetivo, a extensão vai do muito pouco ao absoluto.”1
(GORDON, 2002, p. 5). Fireman (2010, p. 68) concorda com Gordon e acrescenta:
Até mesmo avaliar um estudante na resolução de cálculos matemáticos possui certo grau de subjetividade. Nem todos os estudantes resolvem cálculos da mesma maneira. Ainda que todos dêem respostas erradas aos problemas, os processos cognitivos durante a resolução dos problemas foram diferentes. Alguns podem saber determinar o tipo de problema, os meios para se resolver, o caminho mais curto para encontrar a resolução e os procedimentos para executar a resolução, mas podem se distrair durante o processo. Enquanto outros podem nem saber determinar nenhum dos passos para resolver o problema. Mesmo assim, a maioria dos testes de matemática considera como critério o resultado estar correto (FIREMAN, 2010, p. 68).
Essa subjetividade tem um direto relacionamento com o meio pelo qual avaliamos.
Frequentemente verbalizamos, atribuímos nota ou conceito ao avaliar alguma performance
musical. Contudo, esses meios de manifestar a avaliação não alcancem um nível de
proximidade adequado com a natureza do material avaliado. Talvez uma maneira adequada de
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avaliar a performance seja fornecer uma performance de acordo com as referências de quem a
avalia. Muitas vezes os professores fazem isso, mas nem sempre esses modelos de
performance estão presentes nas avaliações. Temos que refletir sobre a função da avaliação.
Guiar a carreira do intérprete; motivá-lo; ajudar a melhorar o ensino do professor; manter o padrão da escola ou de determinada região ou, ainda, coletar dados para uso em pesquisas, gerando conhecimento para orientar outras situações de avaliação baseadas em sistemas mais adequados. (OLIVEIRA; TOURINHO, 2003, p. 13).
Em aula, ao invés de ser um instrumento de punição, a avaliação serve para conduzir
o aprendizado do estudante.
Motivação
Oliveira e Tourinho (2003, p.13) acrescentam ainda que a avaliação nas aulas de
performance musical se dá no repertório musical. A maior parte da aula de performance
musical compreende a execução de um repertório musical estabelecido de acordo com
objetivos pretendidos. Muitas vezes o professor estabelece esse repertório a fim de dar
continuidade ao desenvolvimento musical sem envolver o estudante. Seashore (1967, p. 157)
orienta que “fazer o estudante querer aprender e colocar a responsabilidade nele é o primeiro
elemento de um ensino de sucesso”2. A proposta do autor é manter o aluno motivado e uma
das formas de se alcançar essa motivação é envolvê-lo ativamente no processo de ensino-
aprendizagem. A responsabilidade do sucesso educacional não é apenas do docente,
acreditamos que a maior parte é do discente. Uma vez que a escolha do repertório é algo
fundamental na aula de instrumento, envolver o estudante nessa escolha pode contribuir para
o sucesso no trabalho. Fireman (2006) em uma pesquisa sobre repertório em aula de violão
observou que um dos alunos envolvidos passou mais tempo estudando peças escolhidas pelo
próprio aluno.
De forma geral, o programa para cada aluno deve ser fonte de aprendizagem, nem tão fácil que não ofereça um desafio nem tão difícil que seja tocado no limite da compreensão e da fluência. Da mesma forma deve oferecer a possibilidade de explorar fraseado, dinâmica, textura, possibilitando um crescimento musical e técnico (OLIVEIRA E TOURINHO, 2003, p.22).
1 Nothing is perfectly objective; that is, everything is to some degree subjective, the range being from very little to absolute2 Making the student want to learn and placing the responsibility on him is the first element of successful teaching.
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Sabemos que a seleção de um repertório musical atualmente é algo bastante flexível,
embora não seja algo muito fácil de realizar e que nem todos os professores atentam para o
equilíbrio das variáveis envolvidas. É importante refletir sobre os próprios procedimentos e
utilizar propostas didáticas de referência no meio musical como, por exemplo, as mudanças
metafóricas apresentadas por Swanwick (2003, p. 85). Precisamos continuamente avaliar os
repertórios estudados de maneira que o estudante possa adquirir autonomia para se auto-
avaliar e conduzir seu próprio desenvolvimento. A participação do aluno na escolha de seu
repertório ajuda a manter o estudante motivado e a aprimorar sua visão da performance
musical.
Metodologia
Partimos do pressuposto de que normalmente o professor avaliava seus alunos para
que novos objetivos fossem traçados a fim de conduzir o processo de ensino-aprendizagem de
forma consistente. Contudo, era necessário conhecer como essa avaliação estava inserida nas
atividades em aula. Este estudo pode ser subdividido em duas partes. A primeira, consistiu da
aplicação de um questionário cujo objetivo foi conhecer o modo de pensar e avaliar do
professor e a segunda resumiu-se em propor ao docente que modificasse a maneira como
escolhia o objeto a ser avaliado.
O questionário elaborado era composto por quatro perguntas: 1) O que avaliar? 2)
Por que avaliar? 3) Como avaliar? 4) Qual seu plano de avaliação?
Este estudo foi elaborado com a intenção de experimentar modificações no objeto de
avaliação utilizado por um professor de clarinete em uma instituição musical onde ministra
aulas a uma turma de 11 alunos, 1 hora-aula por semana. Para melhor compreensão da leitura
dividi a turma em dois níveis, onde os alunos 1, 2, 3, 4, 5 e 6, encontravam-se no nível A,
apresentavam um desenvolvimento musical inicial, e os alunos 7, 8, 9, 10 e 11, encontravam-
se no nível B, ou seja, já tinham mais experiência no instrumento. Os critérios utilizados para
distribuir os níveis A e B foram classificados de acordo com do tempo de estudo e com a
visão que o professor tinha da performance dos estudantes:
NÍVEL A: menos que um ano de instrumento e desenvolvimento musical inicial.
NÍVEL B: mais que um ano de instrumento e desenvolvimento musical avançado.
Outra informação importante foi que utilizamos para a análise as notas atribuídas aos
estudantes no semestre anterior ao da coleta de dados desse trabalho.
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Análise
Respostas ao questionário
Para a primeira questão o docente respondeu: “Eu avalio o desenvolvimento técnico
deles baseando-se em seu empenho”. É possível perceber que o professor relaciona o que
avalia, “desenvolvimento técnico”, com seu objetivo para o estudante, “empenho”. Ele utiliza
o empenho como referência para a avaliação. Empenho no sentido utilizado, refere-se à
motivação. Acreditamos que ele observa se a dificuldade técnica das peças estudadas estão
produzindo resultados no interesse do estudante.
Para a segunda: “Para saber as deficiências e facilidades em determinados pontos
musicais que o aluno realmente tem para saber se ele está melhorando ou não”. Nota-se que a
preocupação é conduzir o aprendizado de maneira consciente. Ele está preocupado em saber
quais os problemas enfrentados na execução da peça e o desenvolvimento alcançado.
A resposta para a quarta questão, como avaliar, foi: “Faço uma entrevista para saber
quanto tempo de estudo eles têm, peço para eles tocarem uma música para avaliar o nível
técnico incluindo avaliação da postura, embocadura, respiração, sonoridade, e etc. durante as
aulas estou sempre corrigido os erros cometidos e no fim do semestre faço uma comparação
de quando eles iniciaram até hoje, fazendo uma audição escolhendo uma peça (estudo de
método) e uma música (minueto ou concerto, sonata e etc.) e uma música em grupo”. Uma
constatação no discurso do professor é que ele está comprometido com o desenvolvimento
musical do estudante e que as avaliações realizadas servem de base para conduzir os
trabalhos, como comentado no parágrafo anterior. Outra coisa importante é a avaliação
intrapessoal realizada ao final do semestre. Ele se fundamenta na comparação de dois
momentos temporais distintos de cada aluno. Acreditamos que outro ponto positivo é a
utilização de um repertório musical que possibilita a prática individual e coletiva.
Para a última questão a resposta do docente foi: “No início do curso uma entrevista e
a execução de uma música. Acompanho seu desenvolvimento na sala de aula e no fim do
semestre faço uma audição escolhendo uma peça (estudo de método) e atribuo uma nota de 0
a 10, uma música (minueto ou concerto, sonata e etc.) e do mesmo modo atribuo uma nota de
0 a 10 e uma música para ser executada em grupo também com notas de 0 a 10 e todas com
médias sete.” O professor inicia as atividades com uma avaliação diagnóstica, com o objetivo
de determinar onde o aluno se encontra e o que traz de experiência musical para daí traçar um
plano de ensino. Oliveira e Tourinho (2003, p. 18) escreveram que a avaliação diagnóstica é
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realizada “quando se determinam atividades a ser desenvolvidas a médio e longo prazo”. O
docente expressou também que acompanha o desenvolvimento em sala de aula. Swanwick
(2003, p. 82) apresenta três funções da avaliação e uma das funções é ensinar: “Eles
interagem com o que os estudantes dizem e fazem”. O autor complementa mais adiante que
os professores também fazem comparações. No parágrafo anterior constatamos que o
acompanhamento das aulas serve para que o professor faça uma comparação intrapessoal.
Contudo, certamente ao ensinar o professor reage de maneira adequada às performances do
estudante utilizando como referência conhecimentos armazenados em sua memória: “Ao se
deparar com situações semelhantes em momentos distintos de sua carreira, o professor
construiu e reconstruiu representações mentais que o auxiliaram nas orientações ao
estudante.” (FIREMAN, 2007, p. 122). No final, o docente comenta que atribui notas de 0,0 a
10,0 para cada performance o que caracteriza a necessidade de quantificar para fins de
registro escolar. O professor comentou que a intenção não é reprovar, mas saber quais alunos
podem avançar para etapas posteriores.
Avaliação realizada no semestre anterior
Para as apresentações individuais o professor pontuou os alunos 1, 2, 3 e 4 com
médias entre 5,0 e 7,0, os estudantes 5, 6, 7 e 8 com médias entre 7,1 e 8,5 e os alunos 9, 10 e
11 com médias entre 8,6 e 9,0. Na apresentação em grupo ele analisava mais as presenças, o
interesse do aluno e também o domínio técnico nas músicas, e obteve os alunos de 1 ao 5
ficaram com médias entre 7,0 e 8,9 e os alunos de 6 a 11 com médias entre 9,0 e 10,0. Ao fim
do semestre o professor tem um total de aprovação de ± 80% dos alunos. A seguir
apresentamos os resultados resumidos em tabelas.
Variação das Médias individuais Estudantes5,0 a 7,0 1, 2, 3 e 47,1 a 8,5 5, 6, 7 e 88,6 a 9,0 9, 10 e 11
TABELA 1 - Médias para as performances individuaisno semestre anterior.
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Variação das Médias em grupo Estudantes7,0 a 8,9 1 ao 59,0 a 10 6 ao 11TABELA 2 - Médias para as performances coletivas no semestre anterior.
Aplicação da nova proposta
Com base na análise das respostas do docente ao questionário, lançamos a proposta
de avaliação apenas com a alteração do objeto a ser avaliado. Anteriormente o professor
construía o repertório a ser trabalho e escolhia qual peça o aluno iria apresentar para ser
avaliado. Nessa nova proposta o aluno estaria livre para escolher quais performances gostaria
de apresentar na oportunidade da avaliação somativa ao fim do semestre, considerando
também um estudo do método e uma música para ser executada em grupo.
Resultados da nova proposta
Nessa nova proposta as notas atribuídas pelo professor foram mais satisfatórias e
elevou a média dos alunos. Os estudantes 1, 2 e 4 obtiveram médias entre 6,0 e 7,5, os alunos
3, 5, 6 e 7 médias entre 7,6 e 8,5, os estudantes 8, 9 e 10 médias entre 8,6 e 9,5 e o discente 11
com média 10 na avaliação das performances. Na apresentação em grupo o resultado foi
extremamente satisfatório e pelo empenho e dedicação todos os alunos obtiveram média 10,0.
Ao fim do semestre o professor teve a aprovação de 100% dos alunos.
Variação das Médias individuais Estudantes6,0 a 7,5 1, 2 e 47,6 a 8,5 3, 5, 6 e 78,6 a 9,5 8, 9 e 1010,0 11
TABELA 3 - Médias para as performances individuais a partir da nova proposta.
Discussão
Pode-se observar que de uma forma geral a média dos estudantes apresentou um
acréscimo. Para as performances individuais os estudantes geralmente apresentaram um
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aumento nas médias mais baixas em 0,5 ponto e também reduziram a variação das médias
para aproximadamente 1,0 ponto. Ainda é possível observar que no semestre anterior nenhum
estudante recebeu média 10,0 e a partir da nova proposta um dos estudantes obteve essa
média. Para as performances coletivas, as notas ficaram no máximo. Outra fato interessante
foi a mudança nas médias do estudante 3. Este aluno estava classificado com médias mais
baixas e passou para outro grupo de estudantes. Podemos sugerir que tanto o estudante pode
ter se dedicado mais ao estudo do instrumento como também a possibilidade de escolher a
peça a ser avaliada pode ter contribuído para que sua melhor performance realmente fosse
destacada.
Conclusão
O presente trabalho teve como objetivo observar a relação entre a preferência do
estudante e a avaliação da performance realizada pelo professor. A preferência se deu no
momento em que os alunos escolheram as peças para performance. Ao escolherem é provável
que tenham optado por uma execução que considerassem a melhor dentre as que estudaram,
ou seja, algo que gostassem e que conseguissem apresentar bem. Os resultados apresentados
demonstraram que houve uma mudança na avaliação do professor. Essa mudança pode ser
decorrente do intervalo de tempo entre as avaliações, mas é possível que a escolha do
estudante tenha interferido positivamente nas notas.
A preferência nesse caso está diretamente ligada à auto-avaliação. Na primeira
avaliação dos alunos, realizada no semestre anterior, não existia abertura para a auto-
avaliação, visto que o estudante não tinha a oportunidade de escolher a performance a ser
avaliada. A partir do momento em que existe essa oportunidade, a avaliação que faz de sua
própria performance toma lugar, pois acreditamos que serão escolhidas as peças que
considerarem melhor executadas. Dessa maneira ao escolher o estudante avalia qual execução
está em condições de ser submetida ao crivo do professor.
Nessa relação entre auto-avaliação do estudante e avaliação do professor existe uma
aproximação, ou seja, um certo tipo de modelagem. Acreditamos que se o aluno continuar a
praticar essa auto-avaliação ele se aproximará da avaliação realizada pelo docente, uma vez
que aprenderá a avaliar sua performance. Não se aprende somente repertório musical e
práticas interpretativas, aprende-se também a exercer a crítica musical a partir de um modelo.
Também essa prática avaliativa contribui para o desenvolvimento de um estudo instrumental
mais autônomo.
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Este trabalho permitiu ao professor praticar a avaliação através da mudança na
escolha do objeto a ser avaliado. A mudança no processo de avaliação teve o intuito de obter
informações e resultados do ensino-aprendizagem com seus alunos e dessa forma lhe deu
subterfúgios para desenvolver sua didática de ensino. A partir do momento que o professor
avalia a performance do aluno ele irá corrigir algum item, assim estará comparando e
aprimorando ainda mais aquela performance e contribuindo para que o aluno desenvolva.
Gostaria de mencionar que, apesar da porcentagem de aprovação ter sido superior à
prática do professor no semestre anterior, esta pesquisa pretende realizar uma primeira
abordagem ao assunto. Também temos consciência de que, como qualquer outra proposta,
este trabalho terá que ser aprofundado e minuciosamente estudado a fim de que conheçamos
um pouco mais sobre a avaliação em aulas de música e evitemos prejuízos à formação das
performances dos alunos.
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Referências
FIREMAN, M. A escolha de repertório na aula de violão como uma proposta cognitiva. Revista Em Pauta, Porto Alegre, v. 18, n. 30, 2007.
FIREMAN, M. Leitura Musical à Primeira Vista ao Violão: a influência da organização do material de estudo. Tese (Doutorado), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
GORDON, E. E. Rating Scales And Their Uses For Measuring And Evaluating Achievment In Music Performance. Chicago: GIA Publications, 2002.
OLIVEIRA, A.; TOURINHO, C. Avaliação da performance musical. In: HENTSCHKE,LIANE E SOUZA, JUSAMARA. Avaliação em Música: Reflexões e Práticas. São Paulo: Moderna, 2003.
SEASHORE, C. E. Psychology of Music. New York: Dover Publications, 1967.
SWANWICK, K. Ensinando Música Musicalmente. Tradução de Cristina Tourinho e Alda Oliveira. São Paulo: Moderna, 2003.
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Avaliação em música: proposta de registro avaliativo diário
Maria Luiza Santos Barbosa
Universidade Federal da Bahia [email protected]
Otávio FidalgoUniversidade Federal da Bahia
Quedma CristalUniversidade Federal da Bahia
Letícia BartholoUniversidade Federal da Bahia
Luana ValentimUniversidade Federal da Bahia
Vinícius FerrazUniversidade Federal da Bahia
Isis CarlaUniversidade Federal da Bahia
Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa em andamento em dois cursos de extensão da UFBA, o projeto de Iniciação Musical com Introdução ao Teclado (IMIT) e o projeto de Iniciação Musical com Introdução ao Violão (IMIV). A caderneta, que era utilizada somentepara registro da presença dos alunos, foi modificada, servindo também como um registro de avaliação diário desses educandos. Avaliar em música sempre foi uma questão bastante discutida. Quais os parâmetros que se deve usar para avaliar o conhecimento do aluno? Oque, realmente, se deve avaliar? Baseada na abordagem TECLA, de Swanwick, há a possibilidade de registro dos itens trabalhados durante a aula, e espera-se que, ao final do semestre, o professor tenha elementos significativos para elaborar uma avaliação mais precisa sobre a aprendizagem do aluno.
Palavras-chave: Avaliação, Educação Musical, IMIT
INTRODUÇÃO
O processo avaliativo tem sido constantemente tema de discussões em todas as áreas
de pesquisas, principalmente em Educação. Em Educação Musical, não é diferente. Avaliar
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musicalmente levanta alguns questionamentos: Como avaliar os processos criativos dos
alunos? Quais os parâmetros que se deve usar para avaliar o conhecimento do aluno? O que,
realmente, se deve avaliar? É necessário, de fato, avaliar algo tão subjetivo quanto o processo
de aquisição musical?
Neste sentido, a proposta de reestruturação do registro de presença, comumente
chamada de caderneta, pretende auxiliar o professor no processo contínuo e reflexivo de
avaliação dos alunos. O novo modelo está sendo testado em dois cursos de extensão da
Universidade Federal da Bahia, o IMIT e o IMIV, e está baseado na abordagem TECLA, de
Keith Swanwick.
CONTEXTO DO CURSO
O Curso de Iniciação Musical com Introdução ao Teclado, IMIT, é um projeto de
extensão universitária, desenvolvido desde 1988 pela Profa. Dra. Alda Oliveira. A
Metodologia é baseada na abordagem TECLA, elaborada pelo educador musical Keith
Swanwick.
As aulas são, atualmente, ministradas por estudantes de Música da UFBA, sendo,
neste ano de 2011, três do curso de Licenciatura, um bacharelando em Instrumento (piano) e
outro bacharelando em Regência, sob a coordenação, desde 2009, da mestranda em Educação
Musical Maria Luiza Barbosa.
As turmas possuem entre 2 e 6 alunos, com idades que variam entre 7 e 12 anos, e a
duração das aulas é de 1 hora e meia, uma vez por semana. Os níveis variam de IMIT 1.1 a
IMIT 4.2, num total de 4 anos, contados a partir do primeiro nível. O programa do curso é
baseado em atividades adequadas ao nível cognitivo, afetivo, psicomotor e social dos alunos.
A cada semestre, elabora-se um projeto com um tema escolhido entre o coordenador e os
estagiários. A partir deste tema, elaboram-se atividades de técnica, execução, composição,
literatura e a apreciação musicais.
O curso de Iniciação Musical com Introdução ao Violão (IMIV) começou em 1994
pela Profa. Dra. Cristina Tourinho (após fazer observações não participante das aulas do
IMIT). O planejamento de repertório e atividades foi feito por Cristina e contou com a ajuda
de Allison Carvalho (na época estudante de licenciatura em Música da UFBA). Atualmente,
o curso atende 7 turmas com, no máximo, 4 alunos por turma, entre 6 e 11 anos. Dois
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professores trabalham no projeto, com aulas de musicalização para os alunos de 6 anos e
iniciação ao violão, a partir dos 7, com duração de 1 hora e meia/aula, uma vez por semana.
Para que não se perdesse nenhum dos momentos vivenciados em sala, procurou-se
registrar a avaliação das atividades musicais trabalhadas na sala de aula no momento em que
elas foram ministradas. Sendo assim, a avaliação semestral e/ou anual será mais precisa, uma
vez que o professor tem em mãos o registro de todas as aulas.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Avaliar em música sempre foi uma questão bastante discutida. Quais os parâmetros
que se deve usar para avaliar o conhecimento do aluno? O que, realmente, se deve avaliar? É
necessário, de fato, avaliar algo tão subjetivo quanto o processo de aquisição musical?
A avaliação é uma ferramenta imprescindível para que o professor auxilie seu aluno
no processo de aprendizagem. Segundo Hoffman:
A avaliação, enquanto relação dialógica, vai conceber o conhecimento como apropriação do saber pelo aluno e também pelo professor, como ação-reflexão-ação que se passa na sala de aula em direção a um saber aprimorado, enriquecido, carregado de significados, de compreensão. Dessa forma, a avaliação passa a exigir do professor uma relação epistemológica com o aluno – uma conexão entendida como reflexão aprofundada a respeito das formas como se dá a compreensão do educando sobre o objeto do conhecimento. (HOFFMAN, p. 56)
O acompanhamento do processo de construção de conhecimento implica favorecer o
desenvolvimento do aluno, orientá-lo nas tarefas, oferecer-lhe novas leituras ou explicações,
sugerir-lhe investigações, proporcionar-lhe vivências enriquecedoras e favorecedoras à sua
ampliação do saber.
Segundo Luckesi,
A avaliação, diferentemente da verificação, envolve um ato que ultrapassa a obtenção de configuração do objeto, exigindo decisão do que fazer ante ou com ele. A verificação é uma ação que “congela” o objeto; a avaliação, por sua vez, direciona o objeto numa trilha dinâmica de ação. (LUCKESI, p.76)
Outros educadores definem o processo avaliativo. Para Haydt, há três formas de
avaliação: diagnóstica, formativa, somativa. A avaliação diagnóstica é aquela que verifica a
presença ou ausência de pré-requisitos para novas aprendizagens. Também detecta
dificuldades específicas de aprendizagem, tentando identificar suas causas. Segundo Hadji
(2001), este tipo de avaliação é chamada também de prognóstica, pois compreende que “toda
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avaliação pode ser diagnóstica, na medida em que identifica certas características do aprendiz
e faz um balanço, certamente mais ou menos aprofundado, de seus pontos fortes e fracos”. Ela
permite um ajuste entre o educando e o seu programa de estudos, seja modificando este
programa, seja orientando os educandos a cumprirem-no segundo suas competências.
Haydt (2004) descreve a avaliação formativa como aquela que constata se os
objetivos estabelecidos foram alcançados pelos alunos. Também fornece dados para
aperfeiçoar o processo ensino-aprendizagem. Hadji afirma que sua principal função é
“contribuir para uma boa regulação da atividade de ensino (ou de formação, no sentido
amplo). Trata-se de levantar informações úteis à regulação do processo ensino-aprendizagem”
(2001, p. 20).
Ela diz ainda que a avaliação somativa é aquela que classifica os resultados da
aprendizagem alcançada pelos alunos, de acordo com os níveis de aproveitamento
estabelecidos. Este tipo de avaliação é feito no término no ano letivo. A avaliação que ocorre
depois da ação é chamada de cumulativa, cuja função é de “verificar se as aquisições visadas
pela formação forma feitas” (HADJI, 2001). A avaliação somativa traduz-se em um escore e
abrange toda uma unidade ou um ciclo de unidades de aprendizagem. (SANTIAGO, 1994, p.
139).
Jussara Hoffman defende um paradigma de avaliação que se opõe ao paradigma
sentencioso, classificatório. Ela o define como “avaliação mediadora”:
[...] a perspectiva da ação avaliativa como uma das mediações pela qual se encorajaria a reorganização do saber. Ação, movimento, provocação, na tentativa de reciprocidade intelectual entre os elementos da ação educativa. Professor e aluno buscando coordenar seus pontos de vista, trocando idéias, reorganizando-as. (HOFFMANN, p. 67)
Através do diálogo, entendido como momento de conversa com os alunos, o
professor despertaria o interesse e a atenção pelo conteúdo a ser transmitido. O
acompanhamento significaria estar junto aos alunos, em todos os momentos possíveis, para
observar passo a passo seus resultados individuais.
Corrigir para ver se aprendeu reflete o paradigma positivista de uma avaliação.
Refletir a respeito da produção de conhecimento do aluno para encaminhá-lo à superação, ao
enriquecimento do saber significa desenvolver uma ação avaliativa mediadora (HOFFMAN,
p. 57).
Swanwick diz que “a avaliação musical genuína é a chave para uma educação
musical efetiva.” (Swanwick, 2003, p. 80). Ele levanta a questão de que, mesmo que haja uma
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avaliação intuitiva fazendo parte da vida diária das pessoas, a avaliação em educação e,
especialmente em artes, parece ser tão problemática. Afirma que
Devemos buscar um vocabulário que seja significativo e compartilhado, ou encontrar e declarar critérios que façam sentido para qualquer pessoa. Mesmo que o formal seja uma tentativa de comparar com alguma espécie de norma, ou talvez com as expectativas do que possam aprender os alunos de certa idade ou que estejam em um estágio determinado de um curso. É nesse ponto de comparação que começamos a ter consciência da necessidade e critérios confiáveis para explicitar padrões, para uma linguagem compartilhada de crítica musical. (SWANWICK, 2003, p. 83).
Buscando uma forma de avaliar os alunos de maneira reflexiva e contínua, elementos
de uma avaliação qualitativa, procurou-se modificar o instrumento de registro da presença
destes alunos em sala: a caderneta. Para isso, foi utilizado o modelo TECLA (Técnica,
Execução, Composição, Literatura e Apreciação), de Swanwick.
Em resposta aos sistemas de ensino, que necessitam de uma avaliação quantitativa
para promover – ou não – o aluno para um nível mais adiante, fez-se uso de uma escala
numérica, variando de 1 a 5 (1 – mínimo; 5 – máximo). Após estabelecer os critérios para
cada nível da escala, o professor pode registrar sua avaliação de acordo com a resposta dada
pelo aluno e segundo os critérios anteriormente discutidos.
A CADERNETA
O modelo a seguir apresenta as características de uma caderneta elaborada para as
turmas do IMIT e IMIV. Como as aulas são ministradas uma vez por semana, é possível fazer
o calendário bimensal. Cada linha corresponde a uma das atividades do modelo TECLA. Há
um espaço em branco, caso o professor necessite registrar algum ponto relevante ocorrido em
sala:
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Além desta, o professor também recebe outra folha para registrar, de forma sucinta,
as atividades aplicadas durante a aula. Este tipo de registro é necessário para que o professor
tenha um melhor controle das atividades realizadas e das alterações ocorridas durante as
aulas, pois, por mais que a aula seja planejada de forma a atender um plano, podem ocorrer
mudanças na aula que satisfaçam melhor as necessidades musicais dos alunos. Há, também,
uma legenda, com orientações relativas ao preenchimento da caderneta. Segue, portanto, a
segunda folha para anotações:
Ao final do semestre, o professor terá preenchido todos os campos das atividades
aplicadas, seguindo, então, para um diagnóstico final relativo à aprendizagem dos alunos no
semestre corrente.
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Vale ressaltar que este instrumento é apenas uma ferramenta de auxílio docente, não
um fim em si mesma. O professor pode utilizar outros recursos para complementar sua
avaliação final.
RESULTADOS ESPERADOS
Quando se propõem determinadas atividades, o proponente espera que seu trabalho
seja bem recebido por aqueles que irão executá-la e, por fim, realiza-se uma avaliação de tudo
o que foi feito. Com o professor acontece o mesmo. As atividades aplicadas em sala, os
conteúdos transmitidos, os objetivos de cada aula requerem uma avaliação no final deste
período de trabalho. Sendo assim, quanto mais anotações das respostas dos alunos o professor
fizer, melhor e mais justa será sua avaliação, bem como darão um retorno mais confiável aos
pais dos seus educandos.
No Imit, após 15 aulas, os pais e alunos receberão uma ficha de avaliação do
semestre, contendo uma análise de todas as avaliações feitas a cada aula. Esta ficha será
preenchida baseada nas anotações feitas durante o semestre e pelas observações de cada
professor.
Espera-se que a nova forma de preenchimento da caderneta auxilie o professor, que
terão todas as informações registradas como auxílio para um parecer reflexivo, crítico e
condizente com o desenvolvimento musical do aluno neste período letivo.
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REFERÊNCIAS
COUTO, Ana Carolina Nunes; SANTOS, Israel Rodrigues Souza. Por que vamos ensinar Música na escola? Reflexões sobre conceitos, funções e valores da Educação Musical Escolar. Opus, Goiânia, v. 15, n. 1, p. 110-125, jun. 2009.
HAYDT, Regina Célia Cazaux. Avaliação do Processo Ensino-aprendizagem. São Paulo: Ática, 2004.
HOFFMAN, Jussara Maria Lerch. Avaliação Mediadora: uma relação dialógica na construção do conhecimento. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_22_p051-059_c.pdf>. Acesso em 15/04/2011.
LUCKESI, Cipriano C. Verificação ou Avaliação: O Que Pratica a Escola? Disponível em: www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_08_p071-080_c.pdf. Acesso em 15/04/2011.
SANTIAGO, Diana. Mensuração e avaliação em Educação Musical. IN: Fundamentos da Educação Musical. Vol. 2, ABEM, 1994. p. 136-164.
SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. Trad. Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.
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Compartilhando conhecimentos entre educadores: ação e reflexão
Ricardo Oliveira Ribeiro Universidade Federal da Bahia
Resumo: O artigo relata a experiência do Grupo de Estudo e Experimentação em Educação Musical e sua influência na prática pedagógica de cada participante. Partindo do modelo de transmissão de saberes da cultura popular, desenvolvemos todas as experiências em conjunto, visando um aprimoramento das práticas pedagógicas ao cultivar o compartilhamento de experiências, de práticas e saberes como um meio de criar novos conhecimentos. Procuramos desenvolver discussões e atividades didático-musicais levando em consideração o contexto de duas escolas públicas onde atuamos. Neste texto pretendemos conduzir uma reflexão sobre a experiência, verificando através dos participantes do grupo, de que forma o trabalho desenvolvido contribuiu para um crescimento pessoal e profissional. Para esse fim elaboramos um questionário. Concluímos através da análise dos dados que a criação de comunidades de educadores aprendizes é um caminho seguro de se trilhar para a formação da identidade docente enquanto educador e pesquisador, contemplando todos os quatro pilares da educação, segundo Jacques Delors em relatório para a UNESCO (1999): aprender a conhecer,a ser, a conviver, e a fazer. Assim, o educador adquire uma fonte referencial prática ao estimular em si esses aspectos considerados essenciais para a formação integral do cidadão, antes de pretender estimulá-lo em seus educandos.
Palavras-chave: Pedagogia da roda, Compartilhamento de conhecimentos, Prática pedagógica
Introdução
O Grupo de Estudo e Experimentação (GEE) surgiu do Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID) que propõe, em linhas gerais, a inserção gradual e
acompanhada do licenciando no ambiente da Escola Pública, antecipando vários aspectos da
rotina do educador, principalmente o saber-fazer necessário ao trabalho em sala de aula. A
idéia central é suprir a grande carência de articulação entre a teoria e prática nos cursos de
licenciatura, propondo uma visão crítico-propositiva frente à resolução de problemas e
estimulando a reflexão acerca da educação e seus desafios. O estímulo para a
pesquisa/experimentação didática surgiu da síntese entre os direcionamentos do edital do
PIBID, às necessidades de aprendizagem dos participantes do grupo e dos educandos das
escolas públicas envolvidas no projeto. As atividades didáticas foram desenvolvidas em
formato de laboratório para depois serem experimentadas em sala de aula com os educandos
das escolas públicas, retornando depois para avaliação pelo grupo.
Desde a primeira reunião foi utilizada a metodologia da roda como elemento
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unificador dos encontros, visando promover o estímulo à participação de todos na busca pelo
aprimoramento das práticas pedagógicas. Tomando como base o cultivo dos ideais que
consideram o compartilhamento de experiências, de práticas e saberes como um meio de criar
novos conhecimentos. As atividades didático-musicais desenvolvidas sempre levaram em
consideração o contexto das Escolas Públicas envolvidas com o projeto.
O Grupo de Estudos e Experimentação em educação musical.
Este grupo surgiu com o intuito de compartilhar e desenvolver atividades
pedagógico-musicais, partindo do ideário popular de construção de saberes em grupo, “... por
toda a parte, onde se quer que sujeitos sociais troquem bens e serviços, há também trocas de
símbolos através dos quais entre si eles se ensinam-e-aprendem” (BRANDÃO, 1984, p. 100).
Buscamos na troca de experiências e na aplicação prática o caminho para o saber: “aprender é
uma experiência prática interativa, enquanto a prática é uma experiência de aprendizado sem
fim” (NZEWI, 2003, p. 14). Utilizamos desde o primeiro encontro a metodologia da roda, por
entender ser esse o melhor caminho para estimular a participação de todos os envolvidos, “…
na roda todo mundo se vê, não tem dono, a roda tem uma idéia que pertence a todo mundo,
todo mundo é educador e a roda não faz eleição faz consenso” (ROCHA, 2007).
Foram pesquisados assuntos considerados por todos os participantes de interesse para
a educação musical, com um enfoque interdisciplinar, procurando sempre as possibilidades de
transformar os conteúdos estudados em atividades didático-musicais. As matérias pesquisadas
levaram em conta os direcionamentos dos referenciais curriculares nacionais, estaduais e
municipais para a educação musical, contemplando a construção de instrumentos, exploração
sonora do corpo e do entorno sonoro assim como a percepção da paisagem sonora
(SCHAFER, 2001), cultura afro-brasileira e indígena. Encontramo-nos duas vezes na semana
durante o mês de julho e agosto do ano de 2010 com uma carga horária de 06 horas semanais
divididas em dois dias, elaboramos atividades internamente em formato laboratório sempre
tendo em vista sua aplicação em sala de aula.
Buscamos na aprendizagem em grupo o caminho para solucionar os problemas
causados tanto pela falta de estrutura quanto pela falta de experiência de cada participante do
grupo. Aproximamo-nos assim do conceito de aprendizagem organizacional muito utilizado
pela psicologia e economia, mas que, se visto dentro de uma ótica interdisciplinar permite
conceituar e descrever o processo de trabalho do grupo. Cardoso (2000) citando Senge (1990)
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define
as organizações que aprendem como organizações onde as pessoas continuamente expandem as suas capacidades no sentido de criar resultados desejados, onde novos sistemas são gerados, onde se liberta a aspiração coletiva e onde as pessoas fazem continuamente uma aprendizagem de aprender em conjunto. A aprendizagem organizacional é, assim, um processo que permite o desenvolvimento e a mudança do sistema de valores e de conhecimentos, a melhoria das capacidades de ação e resolução de problema. (CARDOSO, 2000, p. 97)... Segundo Kolb (1984), Trata-se de um processo cíclico, pelo que planos, ações e conceitos são modificados pela reflexão feita sobre experiências e não só sobre os resultados. (CARDOSO, 2000, p. 99).
Todo conteúdo aprendido e testado pelo grupo de estudos foi em um segundo
momento transformado em atividade didática e aplicado em sala de aula. Após este momento,
seguiu uma reflexão acerca dos resultados obtidos pela equipe, evidenciando os acertos e
expondo propostas de soluções viáveis para os problemas encontrados. No final de 2010
também foi realizado um workshop com o objetivo de socializar o que foi aprendido com
outros professores da área de educação musical e demais interessados.
Metodologia
Procuramos conduzir uma reflexão sobre a experiência, verificando através da
percepção dos participantes do GEE de que forma o trabalho desenvolvido contribuiu para o
crescimento pessoal e profissional. Para esse fim, elaboramos um questionário que foi
respondido pelos participantes considerando os aspectos das relações: a) do indivíduo com o
grupo (possíveis contribuições), b) do grupo com os indivíduos (resultados das aprendizagens
em grupo no campo pessoal), c) o indivíduo dentro do contexto profissional (contribuições
para a prática pedagógica), e d) dificuldades encontradas e soluções propostas. Foram
entregues dez questionários dos quais cinco foram respondidos e devolvidos.
Análise dos dados
As respostas seguiram um caminho de auto-avaliação, relatando aspectos positivos
no desenvolvimento pessoal e profissional e negativo quanto às possibilidades de produção
oferecidas pelas duas escolas públicas envolvidas no projeto. Revelaram que, apesar das
dificuldades o uso da criatividade pode transformar poucos recursos em grandes
possibilidades e que a chave para o sucesso do trabalho em grupo está na aceitação e respeito
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do outro.
Análise por tópico
a) Do indivíduo para o grupo – A maioria dos participantes considerou que colaborou
trazendo atividades, sugerindo linhas de pesquisa e estando abertos para aprender com todos,
mostrando que não só as idéias, mas também as atitudes foram consideradas como
contribuições.
b) Do grupo para o indivíduo – As atividades do grupo foram consideradas essenciais
para um constante desenvolvimento de conteúdos atitudinais. Houve relatos de quebras de
bloqueios psicológicos ao se manifestar em público, de uma crescente afirmação de si
enquanto ser humano transformador do meio, de melhora na capacidade de organização e nas
relações interpessoais.
c) Contribuições para a prática pedagógica – No aspecto profissional foram
consideradas de grande valia as contribuições do grupo tanto como espaço de
compartilhamento de idéias e dúvidas acerca da viabilidade de atividades didático-musicais,
como de reflexão após a aplicação das mesmas, criando assim um repertório de atividades a
serem feitas em sala. Além do desenvolvimento no campo profissional da música, já que ao
realizarmos as atividades propostas junto com o grupo estávamos trabalhando conteúdos
musicais, foram citadas também, contribuições na afirmação da identidade docente.
e) Dificuldades encontradas – A limitação de recursos físicos e humanos advindos
das duas instituições públicas (Escola e Universidade) envolvidas no projeto foi um dos
aspectos mais citados pelos participantes do grupo: falta de salas específicas para realizar
atividades previstas, falta de ferramentas necessárias ao trabalho como computadores, acesso
a internet, instrumentos musicais, etc. Foi muito mencionada também a dificuldade de
trabalhar em grupo no que diz respeito ao choque entre de personalidades, a falta de
engajamento de alguns participantes, constantes faltas e atrasos, houve também reclamações
quanto ao excesso de contribuições e sugestões de uma minoria. Dificuldades estas que foram
superadas com o aproveitamento criativo dos recursos existentes e maior aceitação do outro.
Em dado momento também percebemos um possível erro de planejamento, ao se pretender
muitos objetivos, o que resultou em certa frustração pelo fato de o grupo ter abordado alguns
conteúdos de maneira consistente e outros nem tanto.
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Conclusões
Concluímos que a criação de uma comunidade de educadores aprendizes pode se
tornar um caminho complementar na formação docente no que diz respeito à educação e à
pesquisa bem como contemplando todos os quatro pilares da educação, segundo Jacques
Delors em relatório para a UNESCO (1999): aprender a conhecer, a ser, a conviver e a fazer.
Através desta experiência o educador pode adquirir uma fonte referencial prática ao estimular
em si os aspectos considerados hoje essenciais para a formação integral do cidadão, antes de
pretender estimulá-lo em seus educandos. O grupo de estudos e experimentação se mostrou
muito produtivo, servindo de apoio a ações e reações em sala de aula diante de situações
problemas, sendo espaço de laboratório de atividades didático-musicais. Ampliou ou
reformulou o paradigma educacional de cada participante se tornando espaço para o
compartilhamento de experiências, de referências bibliográficas, material didático. Estimulou
a reflexão crítico-propositiva diante de problemas de toda ordem dentro do campo
educacional trazidos para o grupo por seus participantes, auxiliando-os também no
desenvolvimento pessoal em nível das relações interpessoais como na superação de
travamentos psicológicos.
Alguns aspectos podem ser questionados no intuito de melhorar a eficiência de
grupos dessa natureza. Como construir os objetivos sem que haja predominância das idéias
das personalidades mais fortes? Como fomentar o engajamento real dos membros do grupo?
Como conseguir o cumprimento das metas e prazos por todos, sem que seja necessário a
construção de uma hierarquia, trabalhando todos dentro do mesmo ideal de construção do
conhecimento?
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Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Casa de escola: cultura camponesa e educação rural. 2. ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 1984.
CARDOSO, Leonor. Aprendizagem Organizacional. Revista Psychologica, Coimbra, n. 23, p. 95-117, 2000.
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
NZEWI, Meki. Acquiring knowledge of the musical arts in traditional society. In: HERBST, Anri; NZEWI, Meki; AGAWU, Kofi. Musical arts in Africa: theory, practice and education. Pretoria: University of South Africa, 2003. Pp. 13-37.
ROCHA, Tião. Folha Online – Educação: As pedagogias do CPCD, nov. 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u348105.shtml>. Acesso em: 09 nov. 2010.
SCHAFER, Raymond Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente, a paisagem sonora. Tradução de Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: UNESP, 2001.
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Compreensão Musical: um processo desenvolvido na aula de instrumento
Kátia Suzette Braga Gurgel Conservatório Pernambucano de Música (CPM)
Escola de Música Anthenor Navarro (EMAN) [email protected]
Resumo: Este artigo expõe um estudo a ser realizado, que pretende observar o desenvolvimento da compreensão musical em alunos de piano. A primeira etapa consiste emutilizar uma abordagem interativa visando à possibilidade de desenvolver a compreensão musical na aprendizagem instrumental. Esta etapa do estudo será aplicada a partir do segundo semestre de 2011 e realizada durante dois anos. Na segunda etapa observar-se-á o processo de compreensão musical verificado na aprendizagem pianística nesse período. O procedimento metodológico está fundamentado nas propostas da educação musical contemporânea. A relevância do estudo para a área consiste na possibilidade de levantar reflexões sobre o ensino de piano, fomentando discussões que visem proporcionar ao aluno meios de desenvolver umaperformance mais significativa.
Palavras-chave: compreensão musical, aprendizagem pianística, ensino instrumental
Introdução
O interesse em observar o desenvolvimento da compreensão musical em alunos de
piano surgiu a partir de minha experiência profissional como professora de piano na escola
especializada. O desempenho dos alunos verificado em suas performances levaram-me a
refletir as seguintes questões: Como se dá a apreensão das habilidades técnicas no processo de
aprendizagem pianística? Que fatores, além das habilidades técnicas, podem auxiliar o aluno
na assimilação da compreensão musical de maneira que possa proporcioná-lo desenvolver
uma performance mais significativa?
Tais questões implicam em aplicar procedimentos metodológicos que visem
proporcionar a compreensão na aprendizagem, seja na habilidade motora ou na assimilação de
elementos da linguagem musical. Abordá-las faz parte de um estudo cujo objetivo é observar
o desenvolvimento da compreensão musical em alunos de piano na escola especializada.
A primeira questão envolve aspectos técnicos específicos que não serão comentados
no momento. Esse artigo irá se ater na reflexão da segunda questão. Para dar início à reflexão
é necessário estabelecer etapas, pois desta forma o estudo será melhor conduzido.
A primeira etapa do estudo consiste em utilizar uma abordagem interativa visando a
possibilidade de desenvolver a compreensão musical na aprendizagem instrumental. Nesse
sentido serão utilizados determinados elementos da linguagem musical que, abordados na
aprendizagem pianística, poderão auxiliar o aluno na assimilação do conteúdo musical. Esta
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abordagem visa a compreensão do repertório na sua totalidade, ou seja, consciência técnica e
compreensão musical.
A segunda etapa consiste em observar o processo de compreensão musical verificado
na aprendizagem pianística.
Fundamentação Teórica
Propostas em desenvolver a compreensão musical já se configuravam desde o início
do século XX. Dalcroze, educador e professor de piano, ao observar que os alunos de piano
apresentavam dificuldades em executar determinados ritmos no instrumento lançou uma
reforma que objetivava desenvolver no aluno uma ‘consciência musical’. (CAUDURO, 1992)
Na metade do século XX surgiram novas propostas de educação musical que
impulsionaram profissionais da música a refletirem e discutirem procedimentos
metodológicos adotados no ensino da música. Tais propostas visam desenvolver no aluno a
consciência da música.
Entre os educadores musicais contemporâneos que se destacaram a partir da metade
do século XX podemos destacar o educador musical Keith Swanwick. Este educador enfatiza
a importância da compreensão musical no ensino instrumental dizendo que “permitir que as
pessoas toquem qualquer instrumento sem compreensão musical – sem realmente ‘entender
música’- é uma negação da expressividade e da cognição e, nessas condições, a música se
torna sem sentido”. ( SWANWICK, 1994, p. 7).
A ênfase dada por Keith Swanwick levanta reflexões sobre procedimentos utilizados
na aula instrumental, pois desenvolver no aluno a consciência musical é imprescindível no
processo de aprendizagem. Portanto, o professor de instrumento deve buscar alternativas
metodológicas para atingir este objetivo.
A compreensão musical é considerada por França como “o entendimento do
significado expressivo e estrutural do discurso musical, uma dimensão ampla que permeia e é
revelada através do fazer musical”. (FRANÇA, 2000, p.52).
Estudos verificados na literatura específica abordam alguns aspectos inerentes à
performance instrumental. (MORAES, 2000; FRANÇA, 2000, 2004). A abordagem pretende
demonstrar que uma melhor atuação na performance envolve não apenas a habilidade motora
mas outros fatores que, somados, auxiliam o intérprete na performance.
Moraes (2000) descreve o resultado parcial de um estudo sobre os níveis da
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consciência possíveis de serem alcançados pelo intérprete na performance musical. O autor
aborda também como estes níveis podem beneficiar a performance. Na contextualização de
um desses níveis, que não é objetivo desse trabalho se aprofundar, Moraes diz que:
“alcançando uma linguagem simbólica, o instrumentista integra naturalmente os aspectos
musicais envolvidos na performance – técnica, conhecimentos musicais e interpretação.”
(MORAES, 2000, p. 39).
França (2004) apresenta resultados de uma pesquisa sobre a avaliação da
performance de alunos de piano no Vestibular e no Bacharelado em Música da UFMG. A
autora observou que nas performances dos graduandos em música ”a compreensão estrutural
e formal da peça favorece tanto a memorização quanto a consistência musical da
performance” (FRANÇA, 2004, p. 44).
A definição de ‘análise musical’ encontrada no The New Harvard Dictionary of
Music complementa a abordagem discorrida pelos autores citados. O termo ‘análise musical’
significa “o estudo da estrutura musical aplicado a obras ou performances”. (RANDEL, 1996,
p. 37).
Portanto, partindo desse referencial teórico, através de uma abordagem interativa, se
utilizará nas aulas determinados elementos da linguagem musical na aprendizagem pianística,
visando a compreensão do repertório na sua totalidade, ou seja, consciência técnica e
compreensão musical.
Procedimento Metodológico
Ao refletir sobre os fatores que poderiam auxiliar o aluno na assimilação da
compreensão musical na aprendizagem pianística, resolvi estabelecer estratégias de ensino
não somente baseada no desenvolvimento da leitura e técnica. Com a preocupação em
proporcionar aos alunos uma ‘consciência musical ‘ sobre o conteúdo musical abordado,
objetivei utilizar um procedimento metodológico fundamentado nas propostas da educação
musical contemporânea.
Esta atitude surgiu por observar nos alunos um desconhecimento de elementos
básicos da estrutura musical no repertório executado nas aulas. Este fato ainda persiste devido
à frequência verificada no cotidiano do ensino de música onde se constata muitas vezes uma
dicotomia existente entre aula prática e aula teórica. Frequentemente se observa que o
conteúdo abordado na aula teórica não é praticado na aula de instrumento, ou então, que o
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repertório utilizado é executado sem a observação dos elementos intrínsecos na obra. Este
procedimento pode acarretar dificuldades na assimilação de conteúdos e consequentemente
poderá comprometer o resultado final, ou seja, a performance.
Nesse sentido a aprendizagem integrada, uma das propostas da educação musical
contemporânea, poderia auxiliar o aluno na compreensão do repertório na sua totalidade,
consciência técnica e compreensão musical.
A integração no ensino da música é defendida por educadores. Para Swanwick a
aprendizagem musical é um processo que pode ser iniciado na aula de instrumento. Este
educador comenta que “aprender a tocar um instrumento deveria fazer parte de um processo
de iniciação dentro do discurso musical” (SWANWICK, 1994, p. 7).
Para Borém, a partir da proposta de Swanwick, o professor poderia:
[...] ampliar um pouco mais esse raciocínio para um engajamento multifacetado ideal e chegar ao desafio de uma cooperação efetiva entre a música na teoria e a música na prática, nas suas diversas interfaces [...]Performance e História da Música, Performance e Educação Musical são apenas algumas das interfaces de que o professor pode lançar mão para tornar a experiência do aprendizado musical mais significativa e duradoura (BORÉM, 2006, p 47, grifo meu).
Portanto para iniciar o estudo, como primeira etapa, selecionei determinados
elementos da linguagem musical que, abordados no repertório, pudessem possibilitar o
desenvolvimento da compreensão musical. Os elementos selecionados à princípio para serem
aplicados nas aulas serão os seguintes: pequenas frases musicais, frases e períodos musicais,
padrões rítmicos, cadências facilmente reconhecíveis (V-I) e utilização de dedilhado no
âmbito melódico explorado (no máximo uma oitava).
Esse conteúdo musical será vivenciado nos estudos e peças para iniciantes constantes
no programa de piano das escolas especializadas que atuo.
A aplicação dessa etapa do estudo se dará a partir do segundo semestre de 2011 e
será realizada durante dois anos. Todo conteúdo explorado (aspectos melódicos e harmônicos,
aspectos técnicos específicos e aspectos estruturais) será abordado gradativamente, visando o
crescimento progressivo na performance pianística durante o período estipulado.
A compreensão do repertório na sua totalidade poderá proporcionar ao aluno meios
de desenvolver uma performance mais significativa pois o entendimento dos elementos
constitutivos de uma obra musical nos dão subsídios para tomar decisões de como devemos
executar o texto musical, onde nem todas as indicações são precisas.
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Nesse sentido, a segunda etapa pretende observar o processo de compreensão
musical verificado nos dois anos de realização do estudo. Para esta observação será utilizado
o Modelo Espiral de Desenvolvimento Musical de Swanwick. Neste Modelo a compreensão
musical pode ser investigada através da composição, apreciação e performance, modalidades
centrais do fazer musical. (SWANWICK, 1994 apud FRANÇA, 2000).
A Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical de Swanwick é, segundo França,
defendida por vários autores como “a contribuição mais expressiva sobre o desenvolvimento
cognitivo-musical encontrada na literatura” (FRANÇA, 2004, p.33). Avalia a compreensão
musical através de quatro estágios de aprendizagem da música. Esses estágios (Materiais
Sonoros, Caráter Expressivo, Forma e Valor) supõem etapas cumulativas de aquisição do
conhecimento musical. Cada um dos estágios se desdobra em dois níveis: O primeiro, nos
níveis ‘Sensorial’ e ‘Manipulativo’; o segundo, nos níveis ‘Pessoal’ e ‘Vernacular’; o terceiro,
nos níveis ‘Especulativo’ e ‘Idiomático’ e o quarto, nos níveis ‘Simbólico’ e ‘Sistemático’.
(FRANÇA, 2004).
A abordagem gradativa realizada na primeira etapa visa o crescimento progressivo
na performance pianística. Será observado nos alunos iniciantes durante um período de dois
anos. Como nas escolas especializadas que atuo o aluno é avaliado no final de cada semestre
será possível a realização desta etapa do estudo.
Devido ao estudo ser realizado com alunos iniciantes, pressupõe-se que os alunos
inicialmente estarão classificados em um dos níveis do estágio ‘Materiais Sonoros’. O nível
‘Sensorial’ ou ‘Manipulativo’.
No nível ‘Sensorial’ “a performance é errática e inconsistente. O fluxo é instável e as
variações de colorido sonoro e intensidade não parecem ter significado expressivo ou
estrutural”. No nível ‘Manipulativo’ “algum grau de controle é demonstrado por um
andamento estável e pela consistência na repetição de padrões. O domínio do instrumento é a
prioridade principal e não há evidência de contorno expressivo ou organização estrutural.
(SWANWICK, 1994 apud FRANÇA, 2004, p. 34).
Ao final do período estabelecido espera-se que a maioria dos alunos iniciantes possa
estar classificada, no mínimo entre o nível ‘Vernacular’ do estágio ‘Caráter Expressivo’ e o
nível ‘Especulativo’ do estágio ‘Forma’.
No nível ‘Vernacular’ “a performance é fluente e convencionalmente expressiva.
Padrões melódicos e rítmicos são repetidos de maneira semelhante e a interpretação é bem
previsível”. No nível ‘Especulativo’ “a performance é expressiva e segura e contém alguns
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toques de imaginação. A dinâmica e o fraseado são deliberadamente controlados ou
modificados com o objetivo de ressaltar as relações estruturais da obra” (SWANWICK, 1994
apud FRANÇA, 2004, p. 34).
Considerações Finais
O estudo a ser realizado, ao propor uma abordagem interativa, poderá contribuir para a
área de educação musical através da possibilidade de levantar reflexões sobre o ensino de
instrumento. As possíveis discussões poderão gerar propostas de ensino que proporcionem ao
aluno meios de desenvolver uma performance mais significativa.
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Referências
BORÉM, Fausto. Por uma unidade e diversidade da pedagogia da performance. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 14, p. 45-54, 2006.
CAUDURO, Vera R. P. Implicações pedagógicas na apreensão e compreensão de estruturas rítmicas e melódicas. In: 1º ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 1992, Rio de Janeiro. Anais... UFRGS: Setor Gráfico do CPG-Música/UFRGS, 1992, p.28-40.
FRANÇA, Cecília Cavalieri. Performance instrumental e educação musical: a relação entre a compreensão musical e a técnica. Per Musi. Belo Horizonte, v.1, p. 52-62, 2000.
______. Dizer o indizível?: considerações sobre a avaliação da performance instrumental de vestibulandos e graduandos em música. Per Musi. Belo Horizonte, n.10, p.31-48, 2004.
MORAES, Abel. A unidade da consciência e a consciência da unidade nas performances musicais. Per Musi. Belo Horizonte, v.2, p.30-49, 2000.
RANDEL, Don Michael (Ed.) Analysis. In: The New Harvard Dictionary of Music. Londres, 1996. p. 37.
SWANWICK, Keith. Ensino Instrumental enquanto Ensino de Música. Cadernos de Estudo Educação Musical, n. 4 e 5, p.7-14, 1994.
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Concepções dos adolescentes no ensino médio: reflexões sobre o fazer musical
Michal Siviero Figuerêdo
UFBA/ [email protected]
Resumo: Neste artigo, apresento os resultados da pesquisa sobre as concepções e experiências musicais anteriores de adolescentes estudantes da primeira série do ensino médio integrado do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano/ campus Santa Inês,no ano de 2010, na disciplina Artes da qual sou docente com formação em educação musical.Foram utilizados dois questionários a fim de conhecer as concepções e opiniões dos estudantes especialmente nas atividades de cantar e tocar um instrumento musical. Como resultados que mais chamaram a atenção, vale salientar a imagem negativa que os educandosapresentaram da própria voz; o desejo que todos demonstraram em aprender a tocar algum instrumento; e os conceitos sobre música que trazem de suas vivências anteriores em suas famílias e comunidades. O conhecimento de como os educandos experimentam e concebem a música e as práticas musicais é imprescindível para que o educador musical (1) reflita sobre essas experiências trazidas pelos educandos, (2) crie articulações entre este conhecimento trazido e as novas aprendizagens; e (3) procure manter uma postura flexível aprendendo com os educandos e consigo mesmo, adaptando os conteúdos e as atividades, enfim, potencializando o processo educacional. Palavras-chave: Adolescentes, Educação Musical, Ensino Médio.
Introdução: o contexto educacional
Neste trabalho, apresento os resultados da pesquisa sobre as concepções e
experiências musicais anteriores dos adolescentes, com idade entre 13 e 17 anos, estudantes
da primeira série do ensino médio integrado1 do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia Baiano – IFBAIANO/ campus Santa Inês, no ano de 2010, na disciplina Artes da
qual sou docente com formação em educação musical. Na atualidade, as orientações do
Ministério da Educação e Cultura – MEC – para o Ensino Médio apresentam uma concepção
contemporânea da disciplina Artes, segundo a qual a arte é considerada um conhecimento
humano articulado no âmbito da sensibilidade, da percepção e da cognição (LINGUAGENS,
2006, p. 179); e a disciplina Artes pode direcionar seus conteúdos e atividades à concepção da
Arte em geral como aprofundar-se em conteúdos específicos das diferentes linguagens
1 Ensino Médio Integrado: segundo a Lei nº 11.741, é a educação profissional técnica de nível médio articulada com o nível médio ou subsequente, desenvolvida, nesta instituição, de forma integrada, com matrícula única (BRASIL, 2008a).
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artísticas as quais “podem ser consideradas separadamente ou articuladas entre si.” (PCN
Mais Orientações Educacionais Complementares aos PCN, p.181).
Assim sendo, como educadora musical, procurei fomentar a compreensão sobre o
conceito e as funções da Arte como expressão das culturas humanas e promover experiências
mais aprofundadas com a linguagem musical. Através de aulas expositivas, discussões e
vivências, o desenvolvimento musical e da consciência corporal foi estimulado através da
experimentação de sons e percussão corporais; da criação de trechos sonoro-musicais; das
oficinas de canto-coral e da aprendizagem sobre higiene da voz, classificação vocal e
expressão corporal; além da pesquisa e reflexão sobre as abordagens sobre o “corpo” nas
letras de músicas populares. As aulas aconteceram em salas arejadas e amplas com
disponibilidade de aparelho de som, teclado, flauta doce, além de violões trazidos por alunos
e instrumentos de percussão construídos nas aulas. Em cada bimestre, às atividades de
pesquisa, exposições orais, criações musicais, vivências, provas escritas, dentre outros, foram
atribuídos valores numéricos para fins de registro avaliativo da instituição.
A Pesquisa
Instrumentos utilizados
No primeiro de dia de aula, após as apresentações iniciais – da professora, dos
educandos e do plano de ensino – os adolescentes das sete turmas de primeira série do ensino
médio integrado responderam a um questionário sobre suas preferências e experiências
artísticas e musicais. Destas sete turmas, foram selecionadas, aleatoriamente, como amostra,
quatro turmas para análise dos dados. A fim de aprofundar a investigação sobre as questões
mais específicas sobre o fazer musical, em duas destas turmas, um segundo questionário foi
respondido pelos educandos que afirmaram, no primeiro questionário, tocar um instrumento
ou participar de grupo vocal (ou ainda aqueles que já tocaram ou começaram a aprender a
tocar). O primeiro questionário foi apresentado como atividade em classe, enquanto que o
segundo buscou a colaboração de educandos que quisessem responder livremente as questões.
Quando estava distribuindo o segundo questionário, descobri que vários educandos
que não informaram “tocar um instrumento” no primeiro questionário, haviam começado a
aprender a tocar um instrumento, mas não deram continuidade. Desta forma, estes últimos
foram incluídos na segunda amostra enquanto que, alguns que afirmaram já tocar um
instrumento, por motivos desconhecidos e não informados, não devolveram o segundo
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questionário respondido. Vale salientar que escolhi nomes fictícios para substituir os nomes
dos estudantes a fim de preservar a identidade dos mesmos.
Preferências, desejos e experiências dos adolescentes: resultados e análises
Como o questionário foi aplicado na primeira aula do bimestre, poucos educandos
não participaram desta atividade.
Tabela 1: cantar e tocarTurma/educandos Respondentes Gosta de cantar? Toca um instrumento
A: 37 37 SIM: 30 – NÃO: 07 10B: 37 34 SIM: 28 – NÃO: 05 12C: 37 33 SIM: 22 – NÃO:10 (01 não respondeu) 07E: 38 27 SIM: 19 – NÃO: 09 07 Nas turmas A e B, mais de 75 % dos educandos afirmaram gostar de cantar enquanto
que nas turmas C e E, menos de 50%. Em média, um terço dos respondentes afirmou tocar um
instrumento e, dentre estes, o mais citado foi o violão, seguido de outros como bateria,
guitarra, teclado, cavaquinhos, flauta, contrabaixo. Um dado que muito chamou a atenção é o
fato dos respondentes terem acrescentado comentários negativos sobre a própria voz. A
pergunta era específica: “gosta de cantar?” não sendo acrescida de “por que?” mas vários
educandos resolveram complementar a resposta “sim” ou “não” com depreciações sobre as
suas capacidades relacionadas ao canto. Gráfico 1: Gosta de cantar
0
5
10
15
20
25
30
35
Turma A Turma B Turma C Turma D
Gosta de cantar
Comentário negativo sobre a própia voz
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O Gráfico 1 demonstrou os que afirmaram gostar de cantar ao lado de alguns que,
embora gostassem de cantar, fizeram comentários depreciativos sobre a própria voz. O
Gráfico 2, abaixo, demonstra aqueles que não gostavam de cantar e aqueles que não gostavam
de cantar porque pensavam que “a voz não era boa”. Gráfico 2: Não gosta de cantar
0
2
4
6
8
10
12
Turma A Turma B Turma C Turma E
Não gosta de cantar
Comentário negativo sobre a própria voz
Frases como “sim, gosto de cantar, mas só no chuveiro” e “gosto de cantar, mas não
quero que ninguém ouça” denotam a impressão ruim que alguns dos adolescentes tinham da
própria voz, uma espécie de baixa “auto-estima” vocal. Os comentários também informam o
desejo de “esconder-se” dos outros, sendo reflexos da preocupação em relação à opinião dos
colegas e das outras pessoas sobre as suas capacidades. Mesmo entre os adolescentes que
afirmaram não gostar de cantar, alguns também julgaram necessário explicar a razão: “minha
voz não é boa” ou “não levo jeito pra isso”.
Apenas um educando, dentre todas as quatro turmas não desejava tocar um
instrumento musical. Alguns respondentes citaram mais de um instrumento, mas foi
considerada apenas a primeira citação. Vale salientar que o violão era o desejo acalentado da
maioria e parece ter sido o mais acessível e oportunizado na região, uma vez que é o
instrumento mais citado pelos que tocavam algum instrumento, conforme aparece no Gráfico
3, a seguir: 163
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Gráfico 3: Instrumento que deseja aprender a tocar violão
bateria
guitarra
baixo
piano
teclado
violino
Os instrumentos citados fazem parte, principalmente, da formação de bandas de
estilo popular com ampla divulgação na mídia atual e nos eventos promovidos pelas
prefeituras da região. Em todo o vale do Jiquiriçá, numa extensão de, aproximadamente 90
km não, não há orquestras filarmônicas nem sinfônicas. Como os educandos desejariam tocar
instrumentos que não conhecem?
Dentre as quatro turmas, 17 adolescentes das turmas C e E responderam o segundo
questionário - 05 da turma E e 12 da turma C. Participaram (1) educandos que já tocavam em
algum nível e (2) aqueles que começaram a aprender, mas desistiram. Todos os educandos se
interessaram “vendo alguém tocar” – quer amigos, parentes e até pela televisão. Foram
considerados os diversos ambientes de aprendizagem, desde os mais formais com método
específico e/ou numa instituição até aqueles contatos mais informais com amigos e parentes,
conforme a Tabela 2. Tabela 2: Ambiente de aprendizagem
Ambiente de aprendizagem
Respondentes (17)
Colégio (profº. de música) 2Escola de Música 1Comunidade/Igreja 2Professor particular 2Fanfarra 1Amigos 6Sozinho 1Parente 1Imitando os outros 1
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As respostas às perguntas “Como foi o ensino?” e “O que você gostava ou não
gostava no ensino?” foram mais positivas entre os que tiveram a oportunidade de aprender de
forma mais sistematizada, quer em escola, quer com professor particular. No entanto, apesar
de afirmarem que a experiência foi “legal” ou “boa” e até elogiarem o professor (ou
professora), alguns teceram comentários sobre o método ou forma do ensino, principalmente
no que tange à relação entre a “teoria x prática”:A minha professora era calma, ensinava muito bem. Mas antes de começar a praticar órgão, tem que estudar o Bona2 e teorias, depois chegar no órgão e essa parte eu não gosto pois o Bona é difícil e tem que decorar várias coisas de teorias (Fernanda).
Fernanda demonstrou a insatisfação quanto ao estudo da teoria musical antes da
prática instrumental porque o método em questão – o Bona – “é difícil”. O educando Heitor,
que aprendeu a tocar o instrumento caixa-clara numa fanfarra municipal disse: “sempre no
começo é difícil, mas me acostumei”, revelando o entendimento de que as dificuldades
iniciais no processo de ensino e aprendizagem são naturais. Entretanto, é sabido que as etapas
da aprendizagem podem ser dificultadas pelo método utilizado ou pela desmotivação do
aprendiz em relação a este, conforme externou Fernanda (acima) e também Geisa: “(o ensino
era) interessante, mas às vezes se tornava chato. Não gostava no começo em que o professor
começou a ensinar as notas musicais” (Geisa).
Nas situações de ensino tradicional, geralmente não há abertura para a realização dos
desejos ou opiniões dos educandos nem mesmo espaço para o desenvolvimento de um
educador perceptivo a estes desejos. O olhar atento e observador do educador musical é
essencial para práticas significativas, conforme afirma Arroyo:
(...) um segundo aspecto sobre a relevância do olhar antropológico para a Educação Musical está na possibilidade de educadores musicais transformarem suas percepções sobre o que considerar como situações e práticas de ensino e aprendizagem de música (ARROYO, 1999).
Pesquisar o educando e seus anseios, e estar atento às oportunidades que surgem para
a aprendizagem, permite uma costura mais acertada da imensa colcha de retalhos que deveria
ser o ensino – um ensino multifacetado, com conhecimentos interconectados e interligados
entre si.
2 Pasquale Bona (1808-1878) – compositor e autor de livros, entre eles, o método de solfejo muito utilizado em bandas filarmônicas, conservatórios e igrejas. 3 Referência ao Terno de Reis - manifestação cultural brasileira.
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Com exceção do educando Baruc, todos os aprendizes de flauta, violão e órgão,
relataram ter aprendido algumas músicas. Celso afirmou que aprendeu algumas “batidas” de
rock na bateria e Heitor, instrumentista de caixa-clara, afirmou que aprendeu “vários ritmos”.
Em contrapartida, dentre os educandos que tiveram as primeiras experiências em um meio
informal, com amigos ou parentes, apenas José e Kelvin aprenderam músicas inteiras. Kelvin
afirmou ter aprendido músicas evangélicas e alguns tipos de rock, comentando: “Aprendi com
um amigo que me ensinou a maior parte das notas, etc. Não foi o melhor ensino, mas foi bom;
entendi tudo o que ele falou, bom, quase tudo” (José). Ele demonstrou uma satisfação parcial
quando disse “não foi o melhor ensino” talvez, revelando, implicitamente, que encontrou
algumas dificuldades.
Discutindo a auto-aprendizagem musical em sua pesquisa, CORRÊA (2008), revelou
que “a convivência com os amigos e as relações interpessoais que se criavam acabavam
gerando aprendizagens” e ainda “Na auto - aprendizagem do violão, o desejo e a intenção de
aprender, aliados à iniciativa do contato inicial com o instrumento através de uma ação
efetiva, exercem um papel fundamental” (CORRÊA, 2008, p.29). Embora algumas
experiências, como as relatadas por Corrêa (2008) e a de José (acima) tenham contribuído
para aprendizagens efetivas, outros educandos dessa pesquisa relataram algo semelhante ao
que Otto respondeu: “[como foi o ensino?] tentando aprender algumas notas que vi meus
primos tocar. Foi muito ruim porque não consegui aprender” (Otto).
Nem todas as pessoas aprendem apenas por ter motivação ou interesse. Após o
contato com o ensino instrumental, quer nos ambientes formais ou informais, é necessário dar
continuidade ao processo estudando sozinho e é neste ponto onde nem todos conseguem
manter a motivação inicial. Nas experiências relatadas – de ensino formal ou com amigos –
existem tanto pontos positivos bem como dificuldades. A predominância do ensino teórico
desprovido de estímulos práticos é algo marcante para os educandos que muitas das vezes,
deixam de aprender devido à redução da motivação. No entanto, embora ambiente mais
informais e agradáveis como “a casa dos amigos” sejam acolhedores e interessantes, a falta de
sistematização ou organização do ensino também oferece dificuldades. A mediação de um
educador, portanto, que desenvolva um ensino sistematizado com vivências práticas e
dinâmicas poderia ser considerado um “melhor ensino”.
Um dos respondentes aprendeu a tocar o instrumento zabumba com amigos em uma
manifestação cultural: “a gente saía à noite com os grupos de reiseiro3. Eu gostei de tocar com os
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amigos, era tudo massa, eu gostei de tudo” (Nelson). Nelson parece não ter sentido as dificuldades
iniciais da aprendizagem de coisas novas porque não comenta que “aprendeu” ou “não
aprendeu”, mas que “tocava com os amigos”. Sua experiência foi significativa e o estudo do
ensino e da aprendizagem em contextos culturais é relevante para a educação musical
(ALMEIDA, 2009). Aprende-se por toda a vida, em todo e qualquer lugar, de diferentes
maneiras e métodos. O exame dos processos da aprendizagem nas diferentes manifestações da
cultura rural e urbana, em seus aspectos religiosos, lúdicos e de trabalho, mostra a
predominância da linha de ação que contrasta com os processos formais de aprendizagem
aplicadas pelas escolas. (CONDE, Cecília; NEVES, José Maria. 1984/1985). A aprendizagem
na vida real e a aprendizagem na escola são, na maioria das situações, visivelmente
contrastantes. Assim sendo, é preciso tornar este ensino escolar formal mais articulado com as
experiências de vida e conhecimentos dos educandos.
Considerações finais
Após conhecer o contexto do IFBAIANO/campus Santa Inês ao mesmo tempo em
que já atuava nele, percebi a importância da atitude de conhecer os ambientes dos educandos
bem como suas experiências a fim de criar ou contribuir para um ambiente o mais propício
possível para uma efetiva educação musical. Segundo CONDE e NEVES:
(...) ao ingressarem na escola, a educação formal existente nestes estabelecimentos de ensino tende a desconhecer as experiências culturais destas crianças, passando a existir apenas a educação formal, desvinculada da sua realidade, de sua família, de sua comunidade. (CONDE, Cecília, NEVES, José Maria, p. 42, 1984/1985).
O problema não é a escola formal ou a sua formalidade. Afinal de contas, a
sociedade inventou, sistematizou os conhecimentos e todos devem ter acesso a eles. O
conhecimento dos educandos pode até ser bem conhecido pelos professores - muitas vezes
estes estão inseridos no mesmo ambiente cultural de seus educandos. O problema é que o
conhecimento dito formal geralmente não é ou não está vinculado ao contexto dos educandos.
Ressalto aqui, grandes desafios para os educadores: articular os saberes escolares com aqueles
trazidos pelos educandos; e vincular os próprios saberes escolares – isto é, as disciplinas entre
si. Além de vincular os diferentes saberes e disciplinas escolares, ainda existe a dificuldade
em vincular tantos saberes aos diferentes contextos: cada educando, na verdade, traz um
contexto único. E em classes com 30 ou mais educandos, como contemplar a todos eles? Para
Swanwick (2003):
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Não “recebemos” cultura, meramente. Somos intérpretes culturais. A concepção de educação musical como uma forma de estudos culturais ou reforço social tende a resultar num currículo muito diferente daquele que identifica música como uma forma de discurso. O ensino musical, então, torna-se não uma questão de simplesmente transmitir a cultura, mas algo como um comprometimento com as tradições em um caminho vivo e criativo, em uma rede de conversações que possui muitos sotaques diferentes. Nessa conversação, todos nós temos uma “voz” musical e também ouvimos as “vozes” musicais de nossos educandos. (SWANWICK, 2003, p.45-46)
Tornar a educação musical na escola uma espécie de “rede de conversações” é
imprescindível, mas incorporar estas conversas aos conteúdos e práticas não é tarefa fácil.
Entretanto, com criatividade, percorrendo um “caminho vivo”, atendendo, gradativamente, a
pelo menos alguns educandos em cada aula, os demais poderão também sentir-se incluídos
contribuindo para um ambiente motivador e propício para as aprendizagens.
Desta forma, a seleção de conteúdos e formas apropriadas de ensino também
produz intensa reflexão. Os adolescentes trazem para a sala de aula alguns conceitos um tanto
míticos ou estereotipados que podem levar algum tempo para serem transformados através
das aprendizagens proporcionadas. Todavia, enquanto novos conceitos são internalizados, os
antigos influenciam o processo sendo responsáveis por muitas das resistências a novos
conteúdos e pensamentos. O fato de acreditar que “cantar é um dom” ou pensar “minha voz
não é boa, não nasci pra isso” pode afastar os educandos de atividades que contribuiriam para
o seu desenvolvimento vocal e musical, por exemplo. Neste caso, o estudo de temas
relacionados à psicologia como auto-estima, auto-imagem, auto-conceito, desenvolvimento
adolescente, pode auxiliar o educador na formação de concepções e atuações mais adequadas.
Ao contrário de tantos adolescentes que pensavam que cantar não é tão fácil, nas
falas e experiências de praticamente todos os educandos ficou explícito o desejo de aprender a
tocar um instrumento. Apesar de a voz ser o instrumento mais acessível, não lhes foi
oportunizado experiências vocais como as do canto-coral, por exemplo. Ao longo do segundo
bimestre de 2010, após experimentar algumas atividades de canto-coral, alguns dos
educandos já comentavam que “cantar não é tão difícil”; e como fruto de debates e contínua
informação e conscientização, vários educandos concordaram que através do processo de
ensino-aprendizagem, todos podem conhecer e vivenciar a música: tocando, cantando,
criando, apreciando.
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Segundo a declaração da ISME4 (1998), a educação musical pela música e através da
música deve ser para todos e em todas as faixas etárias. Para tanto, as oportunidades deveriam
ser oferecidas de maneira mais ampla – tanto na sala de aula, como em projetos de oficinas,
por exemplo. Devido às particulares da sala de aula como inadequação do espaço físico,
escassez de material e quantidade de educandos por turma, atividades ligadas ao ensino
instrumental, por exemplo, podem ter a eficiência comprometida. Assim, no contexto
educacional aqui apresentado, a instituição poderia promover o desejo já existente através de
oficinas de violão, por exemplo, além de despertar novos desejos através de apresentações e
oficinas de instrumentos diversos, além de corais, grupos vocais e outros.
O dinamismo da pesquisa da prática escolar permite as abordagens de diversos temas
sob variados ângulos e matizes. Neste relato sobre o contexto educativo no ensino médio,
percebi a latência de temas relevantes para a área de educação e educação musical que
poderão ser estudados e aprofundados em pesquisas posteriores tais como: a avaliação do
processo de ensino-aprendizagem musical; currículo de música na disciplina Artes;
pluridisciplinaridade na escola; (in) disciplina na sala de aula; auto-imagem na aprendizagem
musical; projetos escolares de oficinas de música; formação do professor de ensino médio na
atualidade; todos eles estudos importantes para que a música na escola básica contribua com a
formação integral dos adolescentes e com o fortalecimento da área da Educação Musical.
4 The Isme Declarations of Beliefs – Declaração dos princípios da Sociedade Internacional de Educação Musical.
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Referências
ALMEIDA, Jorge Luis Sacramento. Ensino /Aprendizagem dos alabês: uma experiência nos terreiros Ilê Axé Oxumaré e Zoogodô Bogum Malê Rundó. 2009. 270f. Doutorado em Música – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.
ARROYO, Margarete. Representações sociais sobre práticas de ensino e aprendizagem musical: um estudo etnográfico entre congadeiros, professores e estudantes de música. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 1999.
BRASIL. Lei n. 9.394 de 20/12/1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Presidência da República, Casa Civil. São Paulo: Editora do Brasil S/A: [s.d] p.21.
BRASIL. Lei n. 11.741, de 17 de julho de 2008. Altera dispositivos da Lei no 9.394. Presidência da República, Casa Civil. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2008/Lei/L11741. Acesso em 26 jul. 2010.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. PCN Ensino Médio + Orientações Educacionais Complementares sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais. Disponível em: www. portal.mec.gov.br
CONDE, Cecília; NEVES, José M. Música e educação não-formal. In Pesquisa e Música. Rio de Janeiro, v. 1, 1984/1985, n 1, p. 41-52.
CORRÊA, Marcos Kröning. Discutindo a auto-aprendizagem musical. In Aprender e ensinar música no cotidiano. (Org.) Jusamara Souza. Porto alegre: Sulina, 2008. cap. II, p.13-38.
INTERNACIONAL Society Music Education. The Isme Declarations of Beliefs. ISME Newsletter. 5 nov. 1998. p. 24.
LINGUAGENS, Códigos e suas Tecnologias. Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. PCN. Ensino Médio ... Brasília; Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. p.179. Disponível em: portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf Acesso em 26 jul. 2009
SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003. p.45-46.
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Concerto Didático da Orquestra Sinfônica do Recife:
um Estudo de Caso
Andréia das Chagas Pedro
IBPEX – Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão [email protected]
Resumo: Esta comunicação apresenta um projeto de pesquisa que pretende observar como o concerto didático é preparado e para quais metas é realizado. Buscará entender, através de um estudo de caso, o processo de ensino-aprendizagem no concerto didático da Orquestra Sinfônica do Recife. Esta pesquisa terá cunho qualitativo. Os dados serão coletados nos documentos da orquestra, em jornais, em entrevistas e através de questionários, e analisados de acordo com o referencial teórico que está baseado nos conceitos de educação informal(WILLE, 2003), apreciação musical (BASTIÃO, 1995/2003; BOZZETTO et al., 2002; CHERÑAVSKY, 2008; FREIRE, 2000; KRÜGER, 2003; RODRIGUES, 2007) e avaliação em música (SWANWICK, 2003; VEBER, 2003). Este trabalho justifica-se pela necessidade de produção de materiais educativos sobre o concerto didático, que é um campo que pode ser mais explorado por pesquisadores e aproveitado pela educação musical.
Palavras-chave: concerto didático, educação informal, avaliação em música.
1. Introdução
A música sinfônica está presente há muito tempo na cidade do Recife, mas é pouco
difundida entre as camadas populares da sociedade. O concerto didático surge como uma
oportunidade, uma alternativa musical para alunos de escolas públicas. É conduzido de forma
interativa e didática. Apresenta: a orquestra e sua história, as composições para orquestra, os
instrumentos e como se agrupam, a organização do palco e o teatro.
Em outras regiões este concerto é chamado de concerto aula e concerto para a
juventude, que é um espaço de formação de público. Tem, também, como função estimular a
curiosidade e contribuir para a formação de músicos e de ouvintes mais atentos, informados e
críticos musicalmente (VEBER, 2003, p. 19), pois, o programa lança às crianças e jovens o
desafio de entrar num mundo que poucos alunos da escola pública tiveram ainda oportunidade
de descobrir. Pode, também, apenas ser uma ponte para despertar o interesse pessoal pelo
simples gosto de ouvir música sinfônica. O concerto didático ensina música fora da sala de
aula convencional, amplia e refina o conhecimento musical, desenvolvendo hábitos e
comportamentos auditivos. (BOZZETTO et al., 2002, p. 391 ).
Na Orquestra Sinfônica do Recife (O.S.R.), o concerto didático é uma apresentação
mensal, que acontece no Teatro Santa Isabel, para crianças e, consequentemente, alcança pais,
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irmãos, educadores, professores, que estão diretamente ligados a elas. Em cada concerto são
apresentadas as famílias dos instrumentos e músicas para cada uma delas e depois uma
música com toda a orquestra. Tem duração aproximada de uma hora para: ouvir música ao
vivo, divertir, informar e educar ao mesmo tempo, uma vez que em toda prática musical
acontece um aprendizado (LIMA, 2007, p. 4). Tem entrada gratuita e é aberto ao público em
geral. As escolas entram em contato com a administração da orquestra para agendar a visita,
apenas para controle de quantidade de público que , em sua maioria, são crianças da educação
básica de escolas públicas da cidade do Recife e da região metropolitana.
Em toda bibliografia pesquisada encontrei até o momento apenas um texto produzido
pela OSESP – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – que trata diretamente sobre
concerto didático, evidenciando a grande necessidade da existência de um estudo aprofundado
deste tema de grande importância na educação musical e manutenção de público para a
música sinfônica.
Dentre outros objetivos, o concerto didático tem em vista trazer novas experiências
que permitam aos alunos crescimento cultural e crítico (BASTIÃO, 1995, p. 31 apud
BASTIÃO, 2003, p. 886; KRÜGER, 2003, p. 800). Isto é, proporcionar ao ouvinte o
desenvolvimento da audição reflexiva, iniciando o hábito de aplicar estes conhecimentos às
exposições musicais a que está sujeito no dia a dia.
A apreciação musical amplia os meios de como se dá o processo da aprendizagem
conceitual da música, auxiliando também na melhor compreensão-assimilação das qualidades
do som, dinâmica e expressividade na obra, uma vez que só através dela são construídos
alguns esquemas mentais (RODRIGUES, 2007, p. 1). Quando todos os sentidos são
estimulados para uma atividade específica, o resultado é mais intensamente percebido e
apreendido. Residindo, também, aqui sua importância, pois esta atividade trabalha vários
aspectos como o cognitivo, afetivo e psicomotor. (BASTIÃO, 2003, p. 887)
Segundo Freire (2000), a apreciação musical constrói o conhecimento musical de
modo crítico, mas não discriminador. Essa é uma oportunidade de trabalhar para que o
educando aprenda, goste e, de forma independente, opte por manter a constância na
participação de atividades de apreciação em concertos e outras apresentações musicais. A
necessidade de formação de platéia para obras sinfônicas existe há algum tempo em nosso
país, e, de acordo com Cherñavsky (2008), foi uma das metas do movimento conhecido como
nacionalismo musical, que buscou formar um novo público com os jovens, pois eram abertos
a novidades.
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O concerto didático busca, entre outros, também promover a continuidade/constância
do público através de momentos de ensino não formais. Durante o concerto são ensinados e
vivenciados conceitos que poderiam levar muito tempo para serem abrangidos e
compreendidos numa sala de aula convencional. Entende-se aqui como aula convencional a
da escola de ensino fundamental e médio, e as escolas específicas de música.
A discussão a respeito das definições que giram em torno da educação fora do
contexto escolar é ampla, e não queremos aqui simplificá-la. Tais reflexões fazem uso de
termos como educação não formal, educação informal, educação extra-escolar. Uma vez que
algumas dessas explicações e pensamentos se complementam, é através dessas interações que
estabeleceremos alguns termos desta pesquisa.
A educação não formal ou informal, nesta pesquisa, será definida como aquela
realizada fora do âmbito escolar (OLIVEIRA, 2000 Apud WILLE, 2003, p. 9). É aquela que
educa sem se propor a ensinar, e o faz informalmente, ou seja, sem os moldes e rigidez
acadêmica. Não segue currículos, livros ou apostilas ainda que utilize seus tópicos e possua
um material didático próprio.
De um modo geral as atividades educativas são compostas por ensino e verificação
da aprendizagem. Sendo uma pesquisa da área de educação, será observado também o modo
como o público do concerto didático absorve as informações.
De acordo com Swanwick (2003), a música é uma forma de discurso, uma atividade
simbólica, uma experiência complexa, um processo metafórico e que também em música
muitas experiências podem ser indizíveis e incomunicáveis, parecendo difícil de avaliar.
Sendo assim, quem se expressa musicalmente comunica uma idéia, quem a recebe pode
interpretar como o emissor quis dizer e/ou dar outras interpretações, o que torna a avaliação
em música um ato subjetivo. No entanto, o autor afirma que é possível avaliar a aprendizagem
musical e segue explicando que em todo momento estamos fazendo novas avaliações
informais, com as escolhas e decisões que tomamos, como optar por ouvir uma estação de
rádio ou assistir a um canal de TV. Decidimos questões simples e complexas e muitas delas
ocorrem de modo intuitivo, mas quando começamos a “formalizar” as avaliações elas se
tornam complicadas.
Swanwick (2003) utiliza critérios de avaliação que estão divididos em: materiais
(reconhecer sonoridades); expressão (reconhecer o caráter expressivo da música); forma
(perceber relações estruturais e classificar a obra num estilo particular); e valor (desenvolver
idéias críticas e analíticas sobre música.
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A avaliação será definida nesta pesquisa como um modo de entender os processos de
ensino e aprendizagem para ampliar idéias e conhecimentos dos alunos (VEBER, 2003).
Como se dá o ensino-aprendizagem durante os concertos e o que é apreendido pelos
alunos? É a resposta que procuro através desta pesquisa.
2. Objetivos
O objetivo da pesquisa é entender como se dá o ensino e a aprendizagem no concerto
didático na Orquestra Sinfônica do Recife. Para isso os procedimentos buscarão: conhecer
quais objetivos do concerto didático e em quais regras está baseado; entender como se dá a
organização/planejamento do concerto; perceber como acontece o ensino musical durante o
concerto; compreender a avaliação, se houver; observar/estudar/procurar perceber como o
ensino está sendo absorvido pelo público.
3. Justificativa
Este trabalho justifica-se pela necessidade de compreender as práticas pedagógicas
no processo de ensino-aprendizagem no concerto didático e pela necessidade da
documentação desta atividade do tão importante e prestigiado patrimônio cultural da cidade
do Recife e da elaboração de uma literatura que faça um estudo sobre ensino e a
aprendizagem no concerto didático. Foi encontrado pouco material sobre o concerto didático.
O concerto didático é uma atividade de educação e sensibilização musical de
considerável relevância e precisa ser um campo mais explorado, concorrendo para o aumento
de literatura em português, orientações, sugestões e divulgação dos resultados já
concretizados por alguns grupos, o que levará à motivação de outros estudiosos musicais para
iniciarem tanto pesquisa como a prática documentada deste tipo de concerto-aula.
4. Metodologia
4.1 Tipo de Pesquisa
A abordagem metodológica desta pesquisa será de base qualitativa, escolhida pela
característica de descrever em detalhes um contexto ou evento (BRESLER, 2007). Será
realizado um estudo de caso, que é uma pesquisa aprofundada de um objeto e é utilizado para
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perceber, ter entendimento e descrever acontecimentos (ARAÚJO et al., 2008). O objeto de
pesquisa será o concerto didático.
4.2 Técnica de Pesquisa
O processo de coleta de dados será feito por meio de pesquisa de campo de caráter
descritivo através de observações não-participativas e diretas dos concertos, na busca de
compreender como se dá o ensino-aprendizagem, anotações, transcrições de concertos,
questionários e entrevista. Pedirei autorização para a administração da Orquestra Sinfônica do
Recife para entregar os questionários ao público na entrada do concerto, no teatro, recolhendo
na saída.
4.3 Participantes da Pesquisa
A instituição escolhida para o estudo é a Orquestra Sinfônica do Recife, que realiza
mensalmente seus concertos didáticos no Teatro de Santa Isabel, situado na Praça da
República s/n, no Bairro de Santo Antônio, na cidade do Recife, onde os dados serão
coletados para posterior análise.
Os sujeitos da pesquisa serão o público e o apresentador do concerto didático por
estarem diretamente envolvidos com o objetivo da pesquisa. A pesquisa será totalmente
custeada pela pesquisadora responsável. Sendo assim não terá ônus financeiro para os
sujeitos.
4.4 Procedimento de Coleta de Dados
Em data a combinar, será feita uma entrevista junto ao apresentador do concerto, na
sala da administração da orquestra, procurando entender como é concebido o ensino, bem
como a organização do concerto-aula. Questionários específicos serão distribuídos a alunos,
professores (público em geral), escolhidos de acordo com os critérios especificados neste
projeto, para verificar qual o resultado obtido, a aprendizagem alcançada pelo público e como
ela aconteceu. E ainda serão colhidas informações sobre o concerto didático nos arquivos da
Orquestra através de documentos, jornais, cartas etc.
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4.5 Procedimentos de Análise
Após a coleta e organização dos dados, serão feitas comparações entre as respostas
das entrevistas e questionários na busca de perceber/encontrar como acontece o ensino-
aprendizagem durante o concerto. Será realizada uma análise documental dos arquivos
encontrados na sede da orquestra: jornais, revistas, memorandos, cartas e outros escritos
relacionados ao concerto didático também servirão como base para a investigação.
Os dados serão analisados de acordo com o referencial teórico que está baseado nos
conceitos de educação informal (WILLE, 2003), apreciação musical (BASTIÃO, 2003;
BOZZETTO et al., 2002; CHERÑAVSKY, 2008; FREIRE, 2000; KRÜGER, 2003;
RODRIGUES, 2007 ) e avaliação em música (SWANWICK, 2003; VEBER, 2003).
Na fase de tratamento dos dados serão identificadas como as informações respondem
a pesquisa. A entrevista será transcrita. Todos os dados obtidos serão organizados e agrupados
de acordo com as respostas encontradas, estabelecerei conexões entre eles. Este agrupamento
levará à criação de categorias para interpretar os dados (ARAÚJO et al., 2008, p. 17). As
informações serão analisadas e comparadas respeitando estas categorias. Em seguida, será
elaborado um texto, a monografia, que apresentará o concerto didático sob a perspectiva do
apresentador do concerto, do público e o que dizem os documentos encontrados no arquivo da
Orquestra.
5. Conclusão
Dentre os resultados que busco encontrar através desta pesquisa, pretendo
compreender como se dá o ensino-aprendizagem nos concertos didáticos da Orquestra
Sinfônica do Recife com o intuito de, também, encorajar que outras pesquisas de educação
musical sejam feitas na subárea de apreciação e avaliação musical em ambientes extra-
escolares.
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I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Música dos IF'sI Fórum Pernambucano de Educação Musical
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Referências
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Condições de Implantação da Lei 11.769 na Cidade de Mossoró e
Diagnóstico: um Survey
Henderson de Jesus Rodrigues dos Santos Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN
Resumo: A presente comunicação apresenta as bases de uma pesquisa em andamento que visa levantar dados do contexto musical de Mossoró no que se refere às possibilidades de implantação da lei 11.769 de agosto de 2008. Com a aprovação da referida lei, a música passa a ser conteúdo obrigatório nas escolas de ensino regular, embora não exclusivo. Porém, não se verificam ações importantes para a implantação do ensino da música, uma vez que não basta a aprovação de uma lei para que a realidade mude de forma efetiva. As condições políticas e sociais precisam acompanhar o princípio que regeu a formulação desta lei, o que justifica a proposta de um Survey, uma vez que dados mais precisos devem ser apresentados, analisados e tabulados para que se conheçam os fatores que podem dificultar a implantação da referida lei na cidade de Mossoró/RN. Os resultados desta pesquisa poderão orientar setores específicos de nossa sociedade no sentido de amenizar as problemáticas inerentes a este processo.
Palavras-Chave: Educação musical, Lei 11.769, Políticas Públicas na Educação Musical
Implicações para a Implantação da lei 11.769
Atualmente a área da Educação Musical no Brasil tem, por meio das iniciativas de
vários professores e pesquisadores, proposto um novo contexto para a Educação Básica. Este
contexto, ao qual o país já fez parte em épocas passadas, sobretudo nos anos do governo
Vargas com Villa Lobos, diz respeito à inclusão da música como disciplina obrigatória nas
escolas regulares.
Com a aprovação da Lei nº 11.769 em agosto de 2008, a música passa a ser conteúdo
obrigatório nas escolas de ensino regular, embora não exclusivo. Porém percebe-se que as
condições políticas e sociais precisam acompanhar o princípio que regeu a formulação desta
lei.
Mossoró, segunda maior cidade do estado do Rio Grande do Norte e pioneira na
formação docente na área de música do estado, tem passado por grandes transformações no
contexto musical nos últimos 15 anos. Dentre estas mudanças podemos destacar a criação do
curso de licenciatura em música, a criação de diversos grupos de câmara em diversos
contextos (como por exemplo, a Camerata de cordas, a orquestra filarmônica sacra da Igreja
Assembléia de Deus e etc.), o crescimento da busca pela profissão de músico, representado
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pelo crescimento de grupos de música popular e de entretenimento e recentemente um
concurso para 19 músicos nesta Instituição, dos quais 15 de nível técnico e 4 de nível
superior.
Todo este contexto de crescimento musical aponta para um cenário propício para a
implantação da lei 11.769. Porém, a observação no contexto escolar parece apontar para
dificuldades, uma vez que a infra-estrutura e a existência de pessoal qualificado não parecem
condizer com a demanda existente na cidade.
Faz-se necessário a iniciativa de setores ligados à educação básica e à educação
musical da cidade no intuito de amenizar possíveis dificuldades de implantação da lei 11.769
que deverá ser implantada até agosto deste ano, conforme prazo dado. Iniciativas políticas
como publicações de editais para a contratação de profissionais preparados para lecionar tal
conteúdo, criação de um plano de implantação e definição das séries ou mesmo de propostas
de currículos por partes de pedagogos seriam algumas das ações esperadas. Soma-se ao fato
de que ainda há pouco conhecimento da existência desta lei por parte das autoridades do
ensino regular em nossa cidade e em várias cidades do estado.
Outro dado preocupante diz respeito ao fato de que pela lei 9394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases) o ensino da Educação Artística foi substituído pelo ensino específico das
modalidades de Arte da qual música já fazia parte. Porém, neste sentido, até este ano a música
não era conteúdo obrigatório, o que permitia que as escolas desenvolvessem conteúdo
relacionado às demais áreas sem prejuízo ao cumprimento da lei.
Neste contexto o que se observa, e não apenas no nosso estado, é a existência de
editais para concurso de professores polivalentes de artes (como já discutido em PENNA,
2002; PIRES, 2003; ANDRAUS, 2008; SOBREIRA, 2008; GROSSI, 2007). Esta realidade é
justificada pelo discurso de que existem poucos profissionais nas diversas áreas de artes, bem
como na dificuldade de lotação de professores que possam assumir a carga horária exigida
que, pela impossibilidade de concentração em uma escola, tenham que trabalhar em várias
escolas. Neste sentido um professor que pudesse ministrar mais de uma disciplina poderia
concentrar sua carga horária em uma ou duas escolas.
Outro fator a ser conhecido é a atuação dos professores chamados não especialistas,
ou seja, aqueles que não possuem formação específica em música, mas que estão lecionado o
conteúdo música, seja como disciplina ou incluído em outras práticas. Este conhecimento se
faz necessário, uma vez que um dos caminhos para facilitar a inserção da música nos
currículos das escolas é o fato da possibilidade de formação destes professores em
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conhecimentos musicais gerais, o que é por alguns, chamada de formação generalista. Neste
sentido, nos falam Queiroz e Marinho que:
Essa ação não visa à formação de especialistas, mas sim dar a esses profissionais condições necessárias para trabalharem com conteúdos musicais de forma adequada para o desenvolvimento da sensibilidade e da percepção dos alunos. Assim, esses professores teriam condições de encontrar alternativas para proporcionar aos estudantes conhecimento da estruturação de linguagens musicais e acesso ao patrimônio cultural artístico imaterial caracterizado pela música em suas diferentes expressões (QUEIROZ; MARINHO, 2007, p. 72).
Além do exposto, existem ainda variáveis relacionadas à metodologia dos
professores de música (ou o professor que ministra este conteúdo), perfil dos alunos nas
diversas faixas etárias e as condições materiais e de infra-estrutura para a implantação da lei
11.769. Desta forma se faz necessário este Survey, uma vez que dados mais precisos devem
ser apresentados, analisados e tabulados para que se conheçam os fatores que poderiam
dificultar a implantação da referida lei.
Metodologia do levantamento
O levantamento procurará determinar o perfil musical dos alunos, o perfil dos
professores e as condições físicas, materiais e estruturais para o desenvolvimento das aulas de
música. As duas primeiras categorias visam compreender a relação entre aquilo que os alunos
buscam em uma aula de música e as abordagens que os professores acreditam ser eficazes
para o aprendizado musical. O perfil dos alunos será identificado através de levantamento por
meio de questionário aplicado à amostra de alunos do ensino regular, aplicado nas séries pares
do ensino fundamental e nas séries impares de ensino médio elegendo-se de forma aleatória a
5 alunos (amostra probabilística) e de forma dirigida a 4 alunos (amostra não probabilística).
Além desta determinação será escolhida 4 escolas que apresentem diversidade de contexto
social. A forma dirigida a que se refere, diz respeito à escolha de alunos que gostaria de
estudar música, sendo que neste contexto se elegerá de forma aleatória desde que o universo
ultrapasse a amostra pretendida (Cf. BABBIE, 2001).
O perfil dos professores será conhecido por meio de questionário aplicado a 10
professores da rede básica de ensino de escolas que apresentem diversidade de contexto social
escolhidos de forma aleatória.
As condições físicas, estruturais e materiais serão conhecidos através do
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preenchimento de formulário contendo o conjunto de características que se acredita necessário
para um bom desenvolvimento da aula de música. Este formulário será dividido em categorias
como: itens indispensáveis, importantes, ideais, fatores de motivação/desmotivação, bem
como, de fatores conceituais que possam cercar a utilização da música na escola em questão
como o objetivo das aulas, o contexto do fazer musical na escola.
Os dados serão analisados e tabulados de modo a apresentar tendências, pontos fortes
e pontos fracos. Os possíveis problemas para a implantação da lei citada será sempre que
possível apresentado em conjunto com os fatores que os criam. A pesquisa como apresentada,
utilizará a abordagem quantitativa. Terá caráter exploratório e explicativo.
As amostras aqui sugeridas poderão sofrer modificações no decorrer da pesquisa no
intuito de melhor representar a realidade. A coleta de dados será do tipo corte-transversal
(ocorrida uma só vez), a unidade de análise será o próprio indivíduo, os dados serão
analisados, caso possível de forma multidimensional.
Os instrumentos de coleta serão testados tendo como base uma escola escolhida
apenas para este fim, bem como a aplicação dos questionários a indivíduos neutros e de
contexto conhecido (como alunos ou professores do curso de música).
Hipóteses e direcionamentos dos resultados
Acredita-se ser possível compreender melhor o contexto em que a música será
inserida na cidade de Mossoró, bem como possíveis dificuldades. Neste sentido as
expectativas dos alunos da rede de ensino básico quanto ao conteúdo que será trabalhado nas
aulas de música pode ser um fator que poderá entrar em choque com o caráter obrigatório do
ensino da música caso os professores não estejam preparados para atuarem de forma a incluir
as experiências dos alunos bem como, possibilitar re-significações de seus contextos culturais,
afim de, partindo de características do cotidiano do aluno, apresentar um universo de
vivências, dialogando com as tradições.
Além disto, as condições de implantação das atividades musicais em uma escola é
outro fator limitador para o cumprimento da Lei 11.769. Isto por que a música, como não era
praticada ao longo dos últimos anos, poderá ser de pouco interesse caso o aluno não encontre
condições de aprendizado, preferindo buscar este conhecimento fora da escola, onde, por
meio do contato direto com outros músicos, podem aprender aquilo que julgam ser de
interesse. Neste sentido, o poder de atração e de motivação das estratégias didáticas do
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professor, aliado a uma estrutura adequada de aprendizado, podem fazer diferença.
Em todo caso, sabemos que a atuação dos órgãos públicos e dos professores será
decisiva para um bom andamento das atividades musicais nas escolas. Para tanto, o resultado
desta pesquisa instruirá ambientes de discussões voltadas às condições materiais, físicas e
estruturais das escolas, bem como, o atual perfil de formação no curso de Licenciatura em
Música da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
O perfil do aluno nos ajudará a indicar possibilidade de adaptações de metodologias
para a atuação em sala de aula. Neste sentido, o contexto cultural local e regional traduz bem
este direcionamento, pois métodos como os chamados “ativos” ou mesmo os atuais métodos e
metodologias, devem ser adaptados para as realidades mossoroenses, permitindo uma maior
objetividade e resultados contextualizados. Processos como estes têm sido sugerido na última
década por diversos pesquisadores como: Queiroz (2000; 2003; 2004), Grossi (2000), Gomes
(1996), Oliveira (2000), entre outros.
No sentido de ampliarmos os direcionamentos de propostas metodológicas,
incluiremos na análise das condições materiais a possibilidade de se trabalhar com
tecnologias, como o computador, ou equipamento para rádios escolares etc. Esta possibilidade
poderá abrir caminho para a inclusão de professores não especialistas, que, atuando
conjuntamente com professores de música, possam dinamizar e ampliar a prática musical na
escola.
Neste sentido esperamos contribuir com a implantação da Lei 11.769 na cidade de
Mossoró e, ao mesmo tempo, apresentar uma experiência de adaptação em um dado contexto
com o intuito de instruir processos análogos em outras cidades.
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PENNA, Maura. Professores de música nas escolas públicas de ensino fundamental e médio: uma ausência significativa. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 7, 7-19, set. 2002.
PIRES, Nair. A identidade das licenciaturas na área de música: multiplicidade e hierarquia. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9, 81-88, set. 2003.
QUEIROZ, Luis Ricardo S. O ensino do violão clássico sob uma perspectiva da educação musical contemporânea. 2000. 90 f. Dissertação (Mestrado em Música - área de concentração Educação Musical) – Conservatório Brasileiro de Música, Rio de Janeiro.
_________. Educação musical e cultura: singularidade e pluralidade cultural no ensino e aprendizagem da música.Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 9, p. 20-32, 2004.
__________; MARINHO, Vanildo Mousinho. Educação musical nas escolas de educação básica: caminhos possíveis para a atuação de professores não especialistas. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 17, 69-76, set. 2007.
SOBREIRA, Sílvia. Reflexões sobre a obrigatoriedade da música nas escolas públicas.Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 20, 45-52, set. 2008.
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Construção de conhecimento no Grupo de Pesquisa
Educação Musical, Cotidiano e SociedadeMaria Guiomar de Carvalho Ribas
Juciane Araldi BeltrameUFPB
Cleide Alves da SilvaUFPB
Marcelo Cabral de Mello Dantas Alves UFPB
Olga Verônica Alves de OliveiraUFPB
Raquel Carmona Torres UFPB
Tiago Lima de Gusmão UFPB
Resumo: Nesse texto abordamos a prática de pesquisa em grupo no espaço acadêmico. O objetivo é apresentar o caminho pelo qual estamos fazendo pesquisa em grupo. Pretendemos ao trazer a tona nossa experiência, contribuir para o debate acerca da formação do/apesquisador/a em música no âmbito da graduação e pós-graduação. A opção por abordar esse assunto decorre do entendimento dos grupos de pesquisa como espaços potenciais para o aprendizado da prática investigativa.
Palavras-chave: pesquisa em educação musical, pesquisa em grupo, grupo de pesquisa.
Introdução
Nesse texto abordamos a prática de pesquisa em grupo no espaço acadêmico. A
reflexão sobre a prática de realizar pesquisa na academia tem sido um assunto pouco
explorado, principalmente entre nós da educação musical. Como Souza et. al. (2005)
colocam, orientar uma pesquisa é um ato complexo e a discussão sobre processos e maneiras
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de orientar ainda é algo relativamente pouco visível e debatido em nossa área. “Discute-se a
pesquisa, as metodologias, os resultados, mas raramente se discute o papel de quem orienta a
pesquisa” e as relações construídas entre os envolvidos nesse processo (SOUZA et. al. 2005,
p. 1).
O objetivo dessa comunicação é justamente apresentar o caminho pelo qual estamos
fazendo pesquisa em grupo. Pretendemos ao trazer a tona nossa experiência, contribuir para o
debate acerca da formação do/a pesquisador/a em música no âmbito da graduação e pós-
graduação. A opção por abordar esse assunto decorre do entendimento dos grupos de pesquisa
como espaços potenciais para o aprendizado da prática investigativa. Assim, optamos por
trazer para esse encontro regional os itinerários percorridos pelos membros do Grupo e as
aprendizagens que estão decorrendo da sua primeira pesquisa em conjunto.
Para discorrer sobre os itinerários percorridos, utilizaremos ao longo desse texto
citações extraídas dos Diários de Campo dos discentes do Grupo. Passamos a adotar esses
diários ao percebermos a riqueza dos relatos nos encontros semanais. Seu principal intuito foi
documentar as falas repletas de significados acerca do que estava acontecendo nos
‘bastidores’ dessa pesquisa. Como os diários de cada integrante passaram a compor o Caderno
de Campo do Grupo, configurando um documento coletivo, optamos por não citar a autoria de
cada trecho.
O texto está organizado em três partes: apresentação do Grupo; apresentação da
pesquisa; caminhos investigativos.
Apresentando o Grupo
O Grupo de Pesquisa Educação Musical, Cotidiano e Sociedade dedica-se ao
conhecimento acerca de processos e práticas musico-educativas pelos quais as pessoas
aprendem, ensinam e/ou compartilham música em suas vidas. Criado em 2009, conta
atualmente com sete integrantes sendo duas docentes, uma discente da graduação, e quatro
mestrandos.
A perspectiva teórica do nosso trabalho estabelece diálogo com as ciências sociais,
apoiando-se mais particularmente na teoria da vida cotidiana (CERTEAU, 2000; PAIS, 2003;
SOUZA, 1996; 2000; 2009, entre outros). Essa teoria permite a análise dos fenômenos sociais
livre de formas rígidas e estáticas, possibilitando ao ir além de visões monolíticas, estudar
suas dinâmicas e heterogeneidades. A sociologia da vida cotidiana considera a dimensão
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subjetiva do ser social, portanto, defende que a “realidade” é socialmente construída por
indivíduos plurais (CERTEAU 2000; PAIS 2003). Possibilita lidar com a complexidade dos
fenômenos sociais, que necessariamente reflete e são refletidos por construtos culturais
dinâmicos e muitas vezes efêmeros e fugidios.
Sobre a contribuição desse viés teórico para a construção de uma teoria da educação
musical, como argumenta Souza:
[...] a perspectiva da vida cotidiana entra nas brechas, nas falhas, nas ausências de perspectivas totalizantes. Ela se compromete com a análise individual histórica, com o sujeito imerso, envolvido num complexo de relações presentes, numa realidade histórica prenhe de significações culturais. Seu interesse está em restaurar as tramas de vidas que estavam encobertas; recuperar a pluralidade de possíveis vivências e interpretações; desfiar a teia de relações cotidianas e suas diferentes dimensões de experiências fugindo dos dualismos e polaridades e questionando dicotomias. (SOUZA, 2000, p. 28).
Partimos ainda do entendimento da educação musical enquanto área de
conhecimento autônoma, embora tecida por múltiplas dimensões disciplinares (KRAEMER,
2000; SOUZA, 1996).
Os encontros do Grupo são semanais, tendo duas horas de duração. Buscamos nesses
momentos construir laços entre os integrantes que vão ao encontro do que diz SOUZA et. al.
(2005): “transformar a relação orientando/orientador em uma relação de reciprocidade, de
interesses comuns para romper a visão fragmentada do conhecimento nas situações de
aprendizagem científica na qual o orientador também se modifica” (p. 2).
Leituras preparatórias e discussões foram realizadas, baseadas no livro Vidas
Cotidianas: enigmas e revelações do sociólogo português José Machado Pais (2003), bem
como no artigo de Kraemer (2000) Dimensões e funções do conhecimento pedagógico
musical. Em relação ao texto de Pais, o contato com a perspectiva do Cotidiano e o modo
como o autor aborda o papel de quem pesquisa suscitou provocações:
À primeira vista, a escrita de Pais (2003) parecia distante da minha compreensão. Lia e relia; e os “enigmas” trazidos pelo autor no campo da pesquisa pareciam ainda mais enigmáticos. Cheguei até mesmo a questionar se aquele autor seria referência para minha pesquisa, já que não compreendia muito bem o que ele queria dizer, aonde queria chegar com tantos “enigmas”. Com as discussões e posteriormente com a pesquisa já em andamento, a linguagem do autor foi se revelando mais clara no nosso fazer. As teias que tecem o percurso metodológico de uma pesquisa científica e as diferentes formas de vislumbrar o cotidiano foram tendo conotações mais significativas para mim. (Caderno de campo).
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As leituras têm oportunizado ampliar o olhar, propiciando uma emersão em campo
com maior potencial analítico:
Embora eu ainda estivesse dando os primeiros passos numa pesquisa científica, pude constatar que o olhar do pesquisador (a) deveria ir além daquilo que está aparente e parece ser conhecido; porque no campo científico tudo fica além da realidade. Nada é o que parece ser. Nada é fechado. Tudo se renova “retalhando a realidade”, “farejando pistas”, indo atrás do que está oculto, buscando não apenas o que lhe dizem para ver, mas aquilo que “falta ver”, refletindo sobre que rumo dar ao que temos nas mãos [Pais, 2003]. (Caderno de campo).
E assim, como diz uma participante do Grupo “a cada encontro, uma nova descoberta
que me [nos] fazia querer conhecer um pouco mais do que viria à frente”. Entendemos que
essa vontade de avançar na apreensão e produção de conhecimento tem nos impulsionado
enquanto grupo.
Apresentando a Pesquisa
Para tratar dos caminhos percorridos pelos integrantes do Grupo na realização dessa
primeira pesquisa coletiva, trazemos aqui os objetivos do estudo, bem como sua metodologia.
A pesquisa intitulada “Produção em ciências sociais e humanas em interlocução com
a educação musical: um estudo exploratório” tem por objetivo geral compreender como
estudiosos da educação, das ciências sociais e da comunicação têm abordado a música em
seus estudos. Para tanto, foram delineados os seguintes objetivos específicos: 1) localizar
trabalhos nas áreas de educação, ciências sociais e comunicação que estabeleçam uma
articulação com a música e/ou a educação musical; 2) identificar que concepções de música
estão subjacentes a esses trabalhos; 3) analisar como esses estudos problematizam o ensino e
aprendizagem da música, no fenômeno por eles estudado; 4) refletir sobre quais fenômenos
musicais tem captado atenção desses/as cientistas, e como se articulam com objetos e
temáticas dessas áreas (RIBAS e ARALDI, 2010).
A metodologia escolhida foi o estudo exploratório, tendo como fonte os anais dos
encontros anuais das seguintes associações: Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPED); Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais (ANPOCS); e Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em
Comunicação (COMPOS). Foi considerada a produção discente e docente publicada nesses
anais entre os anos de 2005 a 2009.
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A pesquisa iniciou em abril de 2010 e seu término está previsto para dezembro de
2011. Ela está organizada em três fases: (i) levantamento de dados; (ii) categorização; (iii)
análise do material coletado.
A primeira fase foi concluída no final de 2010. Consistiu do levantamento dos
trabalhos que abordavam de alguma forma a música, publicados entre 2005 a 2009 nos
encontros da ANPED, ANPOCS e COMPOS. Primeiramente, o critério de seleção dos
trabalhos foi através da busca pelas palavras-chave “música”, “musical” e “músico”. Utilizou-
se para isso o comando ‘Ctrl + F’ que permite localização de palavras em textos formatados
em ‘pdf’, como era o caso. Posteriormente, foram lidos os resumos de todos os textos que não
continham as palavras-chaves elegidas, uma vez que mesmo assim poderiam versar sobre
música - como por exemplo, os que se referiam ao samba, funk, rock, entre outras
possibilidades.
Esse material foi editado em planilhas do Excel organizadas em pastas, sendo
separado por associação e ano. As tabelas geradas continham os seguintes elementos de
identificação dos trabalhos selecionados: título; grupo de trabalho ao qual está vinculado; link
do arquivo; data de acesso.
O Grupo encontra-se atualmente na segunda fase. Esta consiste da leitura na íntegra
dos trabalhos selecionados na primeira fase. De modo distinto da fase anterior, essa é de teor
mais analítico. Considerando os objetivos da presente pesquisa, o critério primordial de
seleção para essa fase é como a música tem sido abordada nesses trabalhos. Os artigos em que
o fenômeno musical não é tomado como elemento de compreensão ou constituição do objeto
de estudo - como por exemplo, em situações em que a música aparece como mera ilustração
e/ou em nota de rodapé - são desconsiderados.
A terceira e última fase será realizada ao longo do segundo semestre do corrente ano.
Caminhos investigativos
Tendo em vista a formação pela/para a pesquisa, uma preocupação primária das
coordenadoras do Grupo tem sido levar os membros discentes a se envolverem na pesquisa
proposta não meramente executando sem questionamento as tarefas necessárias ao andamento
do trabalho, haja vista que a “produção de conhecimento não se trata somente do domínio de
algumas operações técnicas” (SOUZA et. al. 2005, p.2). Mas, fundamentalmente através
dessas atividades promover reflexões e meios vivenciais para uma jornada investigativa
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prazerosa e consistente. Nesse sentido, abordamos a pesquisa coletiva desenvolvida no Grupo,
enquanto modo e processo pelo qual se busca fomentar a autonomia e empoderamento dos
seus integrantes enquanto pesquisadores/as emergentes. Trata-se de um processo bem
imbricado e convergente às orientações dos projetos individuais dos membros do Grupo, mas
o foco delineado para a presente comunicação está centrado na dimensão da prática da
pesquisa em grupo.
Tendo em vista o processo da pesquisa em grupo e as aprendizagens individuais e
coletivas das pessoas nele envolvidas, a ideia de criar um Caderno de Campo desta pesquisa,
surgiu como mencionado a partir dos relatos trazidos durante os encontros semanais. Em
vários desses encontros comentávamos “temos que escrever sobre isso” e assim, no início
deste semestre, solicitamos aos integrantes discentes que transformassem as falas em material
escrito, registrando suas impressões sobre a participação no Grupo e sobre a pesquisa. Tais
relatos constituem o que estamos chamando Caderno de Campo da pesquisa.
Sobre a primeira fase
A fase de levantamento dos dados foi feita em 2010 conforme mencionado. Como a
pesquisa está sendo realizada coletivamente, foram necessários alguns ajustes para uma
padronização do processo de coleta de dados. Dessa forma, o Grupo foi divido em duplas que
se responsabilizaram pela seleção dos trabalhos de uma associação específica.
No que se refere às palavras música, músico e musical, já citados anteriormente, a
escolha das mesmas, bem como a forma de proceder ao levantamento, foi trabalhada em
conjunto. Nesse sentido, foi necessário tempo para a compreensão de como utilizá-las, como
ilustra o relato que segue:
Nosso trabalho de busca começaria quando decidíssemos em conjunto, quais seriam as palavras-chave. Estas deveriam ser as mesmas para as equipes e escolhê-las gerou discussões entre o Grupo. [...] a cada reunião estávamos aprendendo uns com os outros como iniciaríamos esta pesquisa. (Caderno de campo).
Ademais, a suposta ‘simples’ tarefa de localizar as fontes consultadas utilizando o
comando de busca e posterior leitura de resumos gerou inúmeras dúvidas, incertezas que
foram compartilhadas e superadas gradativamente.
As metodologias adotadas para a garimpagem dos artigos foram a busca pelas palavras-chave música, músico e musical, nos artigos completos e a leitura dos resumos, para conseguir captar outra gama de textos
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relacionados à música, a qual escapasse à busca pelas palavras-chaves. Éramos em nove, e esta fase apresentou uma grande diversidade na forma das publicações, dúvidas e entendimentos variados. Neste sentido, as trocas de experiências, no Grupo, as discussões e sugestões, foram muito importantes para irmos sintonizando cada vez mais os procedimentos de todos, de forma a dar uma maior coerência e sistematicidade à coleta de dados. (Caderno de campo).
Ainda nessa fase emergiram dúvidas referentes à situação em que a música aparecia
de modo ‘figurativo’. Diante de situações como essas, retomávamos os objetivos da pesquisa
e principalmente o objetivo da primeira fase, que era fazer um levantamento e não análise de
como a música era abordada, o que seria feito nas fases posteriores:
A primeira fase foi mais trabalhosa do que se poderia inferir, já que era apenas o levantamento de dados a partir da busca pelas palavras-chave e leituras de resumo. [...] fugíamos um pouco do estabelecido em Grupo: quando víamos que a palavra buscada não tinha nenhuma relação com o artigo ficávamos pensando se “valia a pena” incluí-la ou não; parecia ser um trabalho “inútil”, já que antevemos excluí-la da próxima fase. (Caderno de campo).
Todavia as discussões propiciaram maior entendimento sobre a importância que o
método tem na condução da pesquisa e associado a isso a necessidade de uniformização das
buscas por meio das três palavras-chave elegidas e posterior leitura dos resumos. Além do
rigor científico, isso agilizou o processo de busca, levando a percepção de que “se cada um
começasse a agir deliberadamente a pesquisa teria pouca consistência e estancaria a cada
encontro”. Assim, a discussão nessa primeira etapa foi “imprescindível”, pois possibilitou
falar da experiência da busca a cada encontro, procurando melhorar o entendimento do
método. Desse modo:
Essa primeira fase, por ter sido também a primeira, foi um “divisor de águas, pois nada melhor que a vivência para fazer entender conceitos tão mencionados na graduação, como é o caso da metodologia. Para mim, ter um espaço para escutar e ser escutada, compartilhar idéias e dúvidas, como também construir soluções conjuntamente tem sido de uma riqueza tremenda, porque senti que todos tinham o que oferecer e que crescíamos juntos. Em sala de aula, às vezes esse sentimento fica um pouco em segundo plano. (Caderno de campo).
Sobre a segunda fase
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Terminada essa etapa, o início da segunda fase tem demandado encaminhamentos
específicos. Foi criado um formulário avaliativo contendo: título do texto e autoria; breve
descrição da pesquisa; análise; e parecer. Esse parecer determina se o texto analisado segue ou
não para a última fase.
Nesta fase da pesquisa, atenção tem sido dada a aspectos como: reflexões conjuntas
sobre como otimizar o tempo de leitura desse material (uma vez que são cerca de 800 artigos
para serem analisados); preocupação com a pertinência dos pareceres; e associado a isto,
dificuldades em saber se o texto segue para a próxima fase ou não.
No que se refere à categorização dos trabalhos, iniciamos com a análise de trinta
textos, sendo dez de cada associação. Tais análises foram feitas pelas docentes e apresentadas
como exemplo para que todos pudessem ter uma ideia do passo a passo, e da confecção dos
pareceres.
Dada ser distinta a quantidade de artigos selecionados em cada associação, nessa fase
a distribuição dos artigos está permitindo que cada integrante perpasse pelas três associações.
Nas reuniões semanais, estamos lendo pareceres feitos pelos membros, e quando necessário
discutindo os aspectos pendentes. Além disso, os que suscitam dúvidas são trazidos para
decisão conjunta. Isso tem possibilitado chegar a um ‘jeito’ próprio:
O jeito como nós realizamos a leitura e pareceres, acabou tendo bastantessemelhanças entre nós quando relatamos uns aos outros como havíamos feito nossos trabalhos durante a semana, o que também acabou ajudando alguns que tiveram dificuldades em finalizar suas atividades. Esse exercício de análise está sendo muito caro para mim ao contribuir para meu desenvolvimento intelectual, pois tenho sempre que fundamentar minha discordância ou aceitação do material analisado e me sinto responsável pelos pareceres que realizo, além de nos aproximarmos mais qualitativamente do objetivo da pesquisa. (Caderno de campo).
A relação entre tempo e modos de realização das tarefas tem sido um aspecto
bastante trabalhado atualmente. A fala de um dos integrantes ilustra essa preocupação:
Um ponto que tem chamado atenção, na segunda etapa, tem sido a relação entre o tempo que cada participante da pesquisa dispõe para esta e o volume de leitura, e a forma de fazer com que a empreitada seja viável e efetiva. Eu, por exemplo, tive dificuldades em cumprir as nossas metas de análises e pareceres. Queria ler todos os artigos, na íntegra, com a mesma atenção, do início ao fim [mesmo aqueles que não foram selecionados para a fase posterior, mas cujo tema ou abordagem teórico-metodológica eu tinha particular interesse]. (Caderno de campo)
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Ao longo dessa jornada, tem se percebido mudanças no envolvimento dos
participantes, seus questionamentos, e o fato de cada um se encontrar em uma parte da
pesquisa.
Merece ainda destaque nesse itinerário, a consciência de grupo que é exigida de cada
integrante, bem como o comprometimento com a forma de realizar a tarefa, remetendo ao que
consideramos um grande aprendizado sobre fazer pesquisa em grupo.
Assim, essa prática de pesquisa em grupo tem provocado reflexões e possibilitado
discussões acerca da práxis investigativa, representando uma experiência importante para a
formação acadêmica de seus membros.
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Referências
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PAIS, José Machado. Vida Cotidiana: enigmas e revelações. São Paulo: Cortez, 2003.
RIBAS, Maria Guiomar; ARALDI, Juciane. Produção em ciências sociais e humanas em interlocução com a educação musical: um estudo exploratório. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 19., 2010, Goiânia. Anais... Goiânia: ABEM, 2010, p. 1914-1920.
SOUZA, Jusamara. Contribuições teóricas e metodológicas da Sociologia para a pesquisa em Educação Musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 5., 1996, Londrina. Anais... Londrina: ABEM, 1996.
_____ (Org.). Música, cotidiano e educação. Porto Alegre: PPGM-UFRGS, 2000.
_____ (Org.). Aprender e ensinar música no cotidiano. 2ª edição. Porto Alegre: Sulina, 2009[2008].
SOUZA, Jusamara; BOZZETTO Adriana; SCHMELING, Agnes; LOURO, Ana Lúcia; GOMES, Celson; SILVA, Helena; ARALDI, Juciane; GONÇALVES, Lília; TEIXEIRA, Lúcia; KLEBER, Magali; CORRÊA, Marcos; TORRES, Maria Cecília; RIBAS, Maria Guiomar; SCHMITT, Marta; RAMOS, Sílvia; FIALHO, Vânia. Prática da pesquisa em grupo: um relato de experiência na área de educação musical. In: Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical, 14., 2005, Belo Horizonte. Anais...Belo Horizonte: ABEM, 2005
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Corpo, voz e ensino do canto: vivências corporais no canto coral
Simone Santos Sousa Universidade Federal do Ceará
Resumo: Este projeto tem por objetivo investigar a relação corpo-voz tal como constituída na prática pedagógica dos regentes de coro ao preparar a voz de seus coralistas. Parte das seguintes questões de pesquisa: a) Qual o significado do corpo no contexto da relação cantor-corpo-voz? b) Quais os maiores problemas ou dificuldades corporais de coralistas no processo de aprendizagem da voz cantada, quais seriam as suas causas, e como tentam resolver tais problemas? c) Que tipos de procedimentos os regentes, preparadores vocais e corporais utilizam ao lidar com o corpo do cantor no processo ensino-aprendizagem? Para tal delimitamos nosso universo ao Coral da Universidade Federal do Ceará. Abordamos a idéia de conhecimento musical pautado na vivência corporal, e da estreita relação existente entre a ação corporal e o desenvolvimento de estruturas cognitivas presentes na proposta educacional de Jaques-Dalcroze. Optamos pela abordagem qualitativa de natureza exploratória e descritiva, baseado na perspectiva etnográfica de pesquisa além do estudo de caso, para fundamentar nosso estudo. A análise partirá de uma pesquisa de campo em que procederemos à coleta de dados, constituídos de diários de campo construídos a partir dos ensaios do coral eentrevistas com os regentes, preparadores vocais e corporais e coralistas.
Palavras-chave: Canto coral, corpo, voz.
Introdução
Iniciei minha formação musical como aluna no Curso de Piano do Conservatório de
Música Alberto Nepomuceno (CMAN), em Fortaleza-CE. Entre outras atividades, cantava no
Coral Infantil da instituição, que apresentava pequenos espetáculos em dezembro. Em um
deles cantamos canções infantis como Sapo Cururu ou Carneirinho, Carneirão, que receberam
letras alusivas às comemorações natalinas, e montamos um presépio vivo. Para mim a
experiência de participar deste tipo de espetáculo com o coral infantil teve curta duração: em
breve eu seria considerada adulta para o coral.
Em 1994, assisti "Uma viagem a São Saruê", espetáculo com o Coral da Companhia
de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE). Em cena, música, teatro, figurinos, cenário,
movimentação. A criatividade e simplicidade do figurino, a expressão corporal do grupo bem
ensaiado, a iluminação em perfeita sincronia com a idéia geral, as vozes, as músicas e os
arranjos, produziram em mim magia e encantamento difíceis de descrever. Aquele coral tinha
me mostrado algo inteiramente novo, que ainda não tinha tido a oportunidade de
experimentar.
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Em 1995 ingressei na graduação em Música da Universidade Estadual do Ceará
(UECE) e comecei a cantar em corais independentes, que me levaram a novos caminhos.
Descobri em cantar uma nova perspectiva, e dentro dos corais, uma nova maneira de fazer
coro, a partir da idéia de juntar corpo e movimento ao ato de cantar. Comecei a reger e
trabalhar como professora de técnica vocal ainda na graduação. Este trabalho direcionou
minha escolha profissional, e tornei-me cantora e professora de canto.
O trabalho com o canto suscitou o surgimento de questões relativas ao ensino da voz
cantada e suas implicações com o corpo. Minha prática pedagógica, a princípio totalmente
voltada aos aspectos fisiológicos da voz, pouco levava em consideração vivências corporais.
As dificuldades apresentadas por meus alunos e por mim enquanto cantora, além do desejo,
surgido a partir do que vivenciei como coralista, de montar espetáculos com proposta cênica
nos corais que eu regia mostraram-me outro caminho: em 2003 ingressei na graduação em
Artes Cênicas do IFCE (ainda CEFET-CE).
As pesquisas de corpo realizadas pelos artistas de teatro e dança com os quais tive
contato naquele curso levaram-me a trazer algumas experiências para os ensaios de coral e
para a sala de aula. O estudo de trabalhos como as pesquisas de movimento de Rudolf Laban
e as experiências com o equilíbrio extra-cotidiano de Eugênio Barba embasaram, em minha
prática como professora e regente, experiências bem pessoais e desenvolvidas de modo
espontâneo em sala de aula. Refletindo sobre esta prática, me deparei com questionamentos
sobre possíveis dificuldades encontradas por outros professores. Como eles percebem e lidam
com o corpo no processo de ensino do canto? Que procedimentos de inclusão do corpo
utilizariam em sua rotina de trabalho? Como pensam a idéia de integração corpo-voz em suas
aulas de canto? Como seus alunos percebem a relação entre corpo e voz em seu aprendizado?
Neste projeto proponho realizar uma pesquisa em torno da problemática do uso do
corpo na preparação vocal do cantor.
Pensando a voz no corpo
Cantar, mais do que a emissão de sons melódicos, envolve em sua ação mais do
corpo do cantor do que ele tem consciência. Os princípios da técnica vocal dizem que um
cantor deve desenvolver capacidades como um comando voluntário da respiração e um
aproveitamento dos ressonadores naturais do corpo. No entanto, o excesso de informações, os
comandos utilizados pelos professores para o trabalho com músculos ou para atingir
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determinada postura podem gerar grande pressão sobre os alunos/cantores.
Para isso ele deve abrir a garganta, direcionar o som para ali ou acolá (escolas diferentes dizem coisas diferentes), soltar a mandíbula, ter agilidade de dicção e mais fazer coisas específicas para vogais específicas e notas específicas. Claro que se você não é ainda um cantor capaz de fazer tudo isso vai achar que está diante de um mistério total. Tá legal, abrir a garganta, mas COMO ASSIM? Usando algum tipo de aparelho? Usando a força mental? Rezando? Porque esperar que você faça isso por querer, na hora que quiser, ciente do que faz, parece de fato pedir demais a um ser humano (MESQUITA, 2000).
O corpo, veículo utilizado para a produção da voz, torna-se uma unidade mental,
física e emocionalmente na busca de um som vocal de qualidade, que alie conforto, técnica e
interpretação durante o ato de cantar. No caminho traçado para alcançar essa qualidade
sonora, muitos cantores (e professores de canto) preocupam-se exclusivamente com a técnica
vocal, aqui entendida como treinamento físico que lida especificamente com a emissão vocal
e os órgãos do corpo diretamente ligados a ela. Essa idéia de trabalho técnico pode se tornar
um problema quando o indivíduo não observa que a voz parte de um corpo que precisa ser
vivenciado integralmente. Para Mathias (1986), o cantor precisa desenvolver um senso de
consciência corporal, uma vez que o corpo (seu instrumento) não se resume ao local onde se
localiza a laringe. Priorizar a fragmentação do aparelho fonador produz uma visão equivocada
do canto, que não leva em consideração as dimensões cognitiva, física e emocional do ser
humano.
Nesse sentido, uma proposta de ensino do canto deveria necessariamente enfocar um
trabalho técnico que integrasse treinamento vocal e corporal. Para Coelho (1994), o processo
de ensino-aprendizagem vocal deve estar desde o início vinculado à busca de uma postura que
conscientizaria o cantor do próprio corpo, colocando-o em posição natural e desenvolvendo
equilíbrio e autocontrole. Rubim (2000) fala sobre a construção de um esquema corporal
vocal e a integração mente-corpo no aprendizado do canto e Quinteiro (2000) enfatiza a
importância de se aliar técnicas corporais e vocais na busca do equilíbrio da voz.
No entanto, apesar do quase consenso sobre a necessidade de integrar voz e corpo no
ensino do canto, pouco se publicou sobre como acontece essa integração. A maioria dos livros
publicados em língua portuguesa sobre técnica vocal enfoca principalmente anatomo-
fisiologia da voz, enfatizando a laringe e o aparelho respiratório, sem levar em consideração a
idéia do corpo sendo vivenciado integralmente nos exercícios propostos.
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Coral e formação de cantores
A partir de minha experiência pessoal, pude observar que o início do processo de
aprendizado e prática do canto, e em alguns casos, todo o processo de formação, acontece nos
corais. Em Fortaleza, cidade sem tradição forte no canto lírico, o canto coral é mais acessível
para o aprimoramento vocal de quem deseja cantar. Na experiência como coralista o cantor
tem um primeiro contato com a técnica vocal, o que pode levá-lo a buscar um maior
aprofundamento no estudo da voz e até a descobri-la como um projeto de vida em potencial.
Assim, o regente de coro, em geral responsável pela preparação vocal dos coralistas, torna-se
um grande formador de cantores.
É incomum que os professores de canto tratem o corpo como parte integrante do
objeto a ser estudado no processo de ensino-aprendizagem do canto. No entanto, há um
espaço no qual se faz necessário realizar um trabalho que alie preparação vocal e corporal: os
corais que se propõem a montar espetáculos cênicos. Estes corais seriam um espaço onde,
necessariamente, encontraremos o trabalho com voz e corpo com um mesmo objetivo.
Estabeleci então algumas questões de pesquisa:
1. Qual o significado do corpo no contexto da relação cantor-corpo-voz?
2. Quais os problemas ou dificuldades corporais de cantores/coralistas no
processo de aprendizagem da voz cantada, quais seriam suas causas, e como tentam resolver
tais problemas?
3. Que tipos de procedimentos os regentes, preparadores vocais e corporais
utilizam ao lidar com o corpo do cantor no processo ensino-aprendizagem?
4. Como acontece (se acontece), a integração corpo-voz no processo de
aprendizagem do canto para os cantores/coralistas?
Para entendermos como se dá o processo de ensino do canto de uma forma integral
(corpo-voz), tomaremos como população os integrantes do Coral da Universidade Federal do
Ceará.
O Coral da UFC
As atividades do Coral iniciam em 1963 com a criação do Madrigal do Ceará, grupo
a princípio ligado ao CMAN que recebia verba da Universidade para funcionar. Este grupo
teve importância fundamental na criação do primeiro Curso Superior em Música de Fortaleza
(SCHRADER, 2001).
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Em 1981, ao assumir a regência do grupo, Izaíra Silvino adota um repertório voltado
principalmente para o cancioneiro popular brasileiro, seguindo a direção do lema da
universidade, “chegar ao universal pelo regional”. A partir daí, o coral passa a ter duas
características importantes para a nossa pesquisa. A primeira delas é a busca por uma
sonoridade mais próxima do nordestino, distanciando-se do modelo tradicional europeu.
Sempre achei que aquela coloratura normalmente usada nos corais desvirtuava o som de nossas vogais e fazia o cantor demorar a encontrar sua própria voz. Desejávamos um som da voz dos cantores de nossa música popular e que guardasse o volume ideal e a saúde vocal de cada coralista (SILVINO, 2007, p. 163).
Para encontrar esse som brasileiro, a regente convidou a professora Leilah Carvalho
Costa para orientar vocalmente os cantores do coral. Falando a respeito de sua experiência no
grupo, a professora enfatiza a importância do corpo no processo de descoberta desta
sonoridade particular.
À medida que o trabalho ia se desenvolvendo, o coral começava a despontar para uma maneira mais natural de cantar, com a emissão mais apropriada ao tipo de música que a regente tinha como proposta. Enfatizamos também a importância do equilíbrio entre corpo e voz1. (...) A técnica de cantar para nós deve ser também a que permite treinar o corpo no sentido de permitir sua plena expressividade. Na dança como no canto, o corpo deve participar em sua totalidade (COSTA, 1989, p. 26).
Outro ponto importante do trabalho do Coral da UFC é o emprego de aspectos, além
de musicais, cênicos. Seus recitais eram espetáculos musicais que aliavam à preparação vocal
o trabalho corporal, pesquisa de repertório e confecção de figurinos.
Quando era espetáculo, este era montado assim: a partir das canções trabalhadas, escolhíamos um tema (...) que era o fio condutor de uma trilha cênica para o espetáculo. Após isso, cada coralista criava-se como personagem, e, daí, surgia o figurino, que podia ser diferente de pessoa para pessoa (SILVINO, 2007, p. 169).
Nos últimos anos o grupo permaneceu com a proposta de incluir pesquisa cênica em
seus espetáculos explorando a capacidade expressiva de seus coralistas. Seu trabalho, além da
pesquisa sobre as possibilidades de expressão do cantor, envolve a formação de novos líderes
de grupos corais. No site do grupo2 podemos ter uma ideia de sua proposta:
1 O grifo é meu.2 http://www.coral.ufc.br
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O grupo estimula seus participantes a construírem juntos um espetáculo de canto coral que recorra a outras linguagens artísticas que podem ser albergadas em um espaço teatral. No cotidiano de preparação deste espetáculo, discute-se a temática, o repertório, os cenários, os figurinos e os adereços, bem como se elabora interlocuções corporais e teatrais. O envolvimento intenso de todos os participantes no processo de construção dos espetáculos configura o processo formativo-musical, meta principal da opção pedagógica do grupo.
Objetivos
Objetivo geral
Investigar a relação corpo-voz no processo de ensino-aprendizagem do canto.
Objetivos específicos
Investigar a preocupação referente à utilização do corpo para a preparação vocal dos
coralistas.
Conhecer a percepção dos coralistas da relação corpo-voz em seu aprendizado.
Identificar e descrever procedimentos pedagógicos que incluam vivência corporal
integrada à voz no ensino/aprendizagem do canto, a partir da experiência de regentes e
coralistas nos ensaios do Coral da UFC.
Quadro teórico
Corpo e ensino musical
A partir do século XX, surgem educadores musicais que criaram metodologias de
ensino musical que buscavam um conhecimento musical pautado na prática e na vivência
corporal. Ao utilizar o corpo para sensibilizar o aluno a apreender conceitos teórico-musicais,
eles tomaram consciência da relação entre ação corporal e aprendizado, e do quanto de
emocional estava agregado ao movimento corporal. (LIMA; RÜGER, 2007). Destacamos
aqui o educador Jaques-Dalcroze.
Émile Jaques-Dalcroze desenvolveu suas primeiras idéias a respeito de educação
musical ao tornar-se professor no Conservatório de Genebra. Em suas primeiras lições ele
percebeu a deficiência na capacidade auditiva e rítmica de seus alunos, que compreendiam
unicamente os aspectos teóricos da experiência musical. A partir desta observação, Dalcroze
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cria uma nova prática de ensino musical. Em sua proposta, a educação musical deveria partir
da audição, entendida como escuta consciente, na qual haveria a participação de todo o corpo.
Para ele, os sons são percebidos por outras partes do organismo humano além do ouvido, e o
movimento corporal tem a dupla função de manifestar externamente os elementos sonoro-
musicais sentidos e pensados internamente e de ampliar e aperfeiçoar essa consciência
musical, a partir da sensação muscular (SANTOS, 2001). Parte então do movimento corporal
e da exploração do espaço para a apreensão de conceitos musicais.
Ponho-me a sonhar com uma educação musical na qual o próprio corpo desempenharia o papel de intermediário entre os sons e o pensamento e tornar-se-ia o instrumento direto de nossos sentimentos - em que as sensações do ouvido se tornariam mais fortes, graças àquelas provocadas pelas múltiplas matérias suscetíveis de vibrar e ressoar em nós: a respiração dividindo os ritmos das frases e as dinâmicas musculares traduzindo as dinâmicas que ditam as emoções musicais. Assim, na escola, a criança não só aprenderia a cantar e a escutar com precisão e no compasso, mas aprenderia também a mover-se e a pensar de modo preciso e ritmicamente(JACQUES-DALCROZE, 2010, p. 223).
Para Dalcroze, a consciência rítmica (base do conhecimento musical) é alcançada
através do movimento. Seu método pressupõe uma interação do aluno que, a partir das
reações às propostas de movimento, vai construindo, com seu corpo, um conhecimento
musical pautado em suas descobertas pessoais.
Significados de corpo
Pederiva (2005), tratando a respeito da formação do professor de instrumento, sugere
uma reflexão sobre a construção e vivência do corpo na formação do músico que viabilize a
compreensão do corpo e suas dimensões física, emocional e mental. Nesse sentido, propõe
diversos significados ou metáforas de corpo, no contexto da relação músico-corpo-
instrumento, referindo-se à percepção sobre o corpo na formação do intérprete musical:
Desse modo, as metáforas do corpo (...) – corpo-instrumento, corpo-mente, corpo-base, corpo-organismo, corpo-sujeito, corpo-emoção, cultura e objeto, revelam, cada qual, modos de pensar e viver o corpo no mundo, bem como referenciais conceituais aos quais estão ligados. Representam diversos "estados do corpo" no contexto ensino-aprendizagem de instrumentos (PEDERIVA, 2005, p. 97).
Para a autora, estas metáforas revelam o modo de conceber o corpo para professores,
e sua influência em seu procedimento pedagógico. Para esta pesquisa destacamos as seguintes
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metáforas, que dizem respeito diretamente ao estudo proposto: corpo-base, que traz a
concepção do corpo que é considerado parte importante no processo de aprendizagem
(significa o reconhecimento de um corpo tido como alicerce do trabalho pedagógico); corpo-
sujeito, aquele reconhecido como individualidade, no qual a subjetividade é parte integrante
do processo de aprendizagem; e corpo-emoção, no qual se reconhece que as emoções
participam do aprendizado musical.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa qualitativa busca uma compreensão particular daquilo que estuda sem se
preocupar com generalização, princípios e leis, pois o objetivo é o específico, o peculiar.
Busca sempre a compreensão e não a explicação dos fenômenos estudados. Para Minayo
(1994), a abordagem qualitativa trabalha com o universo de significados, valores e atitudes
que dizem respeito a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos
que não podem ser quantificados. Sendo de natureza simultaneamente teórica e prática, parte
das experiências e observações do pesquisador, cujas descrições são analisadas e interpretadas
para desvendar o fenômeno. Assim, o trabalho de campo torna-se característica básica.
Este trabalho também apresenta características da pesquisa etnográfica, tais como
contato direto do pesquisador com a situação estudada e obtenção de grande quantidade de
dados descritivos. A pesquisa etnográfica compreende o estudo, pela observação direta e por
um período de tempo, das formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas,
uma unidade social representativa para estudo, formada por poucos ou muitos elementos. O
objetivo é documentar, monitorar, encontrar o significado da ação (ANDRÉ, 1997).
Também podemos notar semelhanças no trabalho aqui realizado com o estudo de
caso, no que essa metodologia tem de específica, ou seja, o estudo de um grupo particular,
cujo processo dentro do contexto estudado é dotado de um valor intrínseco e representativo de
uma dada situação, com o objetivo de estabelecer posteriores generalizações sobre a
população a que essa unidade pertence. A preocupação central é a compreensão de uma
realidade singular, tratando-se o objeto estudado como único. Dessa forma, torna-se
desnecessário ser o caso representativo de uma população determinada, já que é tratado como
tendo valor intrínseco (LÜDKE & ANDRÉ, 1986, p. 17).
Optei então pela abordagem qualitativa de natureza exploratória e descritiva.
Investigaremos as significações relacionadas à questão corpo-voz acompanhando os ensaios
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do coral da UFC. Para conhecer a realidade do envolvidos, será utilizada como instrumento de
coleta de dados a entrevista individual, por se entender que este instrumento pode ajudar a
acessar significados subjetivos e conteúdos tais como: opiniões sobre fatos, sentimentos,
planos de ação, condutas atuais ou do passado e motivos conscientes para opiniões e
sentimentos; atitudes, valores e opiniões que só são acessados com a contribuição dos atores
sociais envolvidos, sujeitos interativos, motivados e intencionais (PEDERIVA, 2005).
Utilizarei ainda os recursos da observação direta de ensaios e apresentações do grupo. Estes
recursos metodológicos serão úteis para avaliar os aspectos de elaboração do movimento
corporal e sua relação com a voz.
Posteriormente procederemos à análise do conteúdo dos dados coletados. A análise
de conteúdo consiste numa técnica usada para ler, descrever e interpretar o conteúdo de
documentos e textos. Este tipo de análise é usado para ajudar a interpretar as mensagens e a
atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum.
A análise de conteúdo, em sua vertente qualitativa, parte de uma série de pressupostos, os quais, no exame de um texto, servem de suporte para captar seu sentido simbólico. Este sentido nem sempre é manifesto e o seu significado não é único. Poderá ser enfocado em função de diferentes perspectivas (MORAES, 1999, p. 9).
Por fim procederemos à sistematização dos resultados para efeito de elaboração da
dissertação.
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Curso técnico integrado em instrumento musical - guitarra: o primeiro
semestre de um professor
Marcos da Rosa Garcia Instituto Federal de Ciência e Tecnologia da Paraíba
Resumo: Este artigo é um relato de experiência do ensino de instrumento musical no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), tendo por base ações pedagógicas e reflexivas que fizeram parte de minha vivência como professor durante os primeiros meses de contratação, ministrando a disciplina Instrumento Musical – guitarra em um curso técnico integrado de música (ETIM). Para a produção deste trabalho, realizei uma pesquisa bibliográfica na área de educação musical, contextualizando o ensino de instrumento junto àsperspectivas contemporâneas desta área, tendo como foco os cursos técnicos de música. Otexto objetiva relatar como as práticas realizadas se articularam e construíram saberes pedagógicos no decurso de minhas experiências prático-reflexivas, além de apresentar exemplos de exercícios realizados em sala de aula e os conteúdos da disciplina ministrada.
Palavras-chave: guitarra, curso técnico integrado, ensino de instrumento.
É possível observar um aumento na quantidade de cursos de música em instituições
federais nos últimos anos. Mais especificamente, cursos com enfoque na instrumentalização e
certificação de instrumentistas e regentes populares que, em sua prática diária, já lidam
habitualmente com problemas e contextos diversos da profissão musical, mesmo que não
possuam titulação ou conhecimento específico, por vezes necessário.
Este artigo visa fazer um relato de experiência a partir de meu primeiro semestre
enquanto professor da disciplina Instrumento Musical no Instituto Federal de Ciências e
Educação da Paraíba (IFPB) – Campus João Pessoa, na qual seja possível expor e refletir
sobre a prática de ensino e aprendizagem do instrumento guitarra em um curso Técnico
Integrado de Música (ETIM). Em alguns momentos, foram feitas referências a aulas e alunos
de violão com o intuito de enriquecer o relato, uma vez que também ministro aulas deste
instrumento.
Para a elaboração do texto, utilizo uma bibliografia específica sobre educação
musical na atualidade e suas implicações para os cursos técnicos de música, meus planos de
aula e de curso e trabalhos referentes à implementação dos cursos técnicos, assim como a
ementa da disciplina de instrumento. Ainda faço uso da transcrição de exercícios propostos e
cito o repertório de músicas abordadas durantes as aulas.
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Escolas especializadas em ensino de música e a atuação do educador
Refletindo sobre as categorias técnicas formais, orientadas pela LDB, onde já se
pode verificar a distinção entre os níveis básico, técnico e tecnológico, e sobre contextos não
formais como os conservatórios e cursos livres de música, é possível perceber o quão díspar
pode ser a educação musical especializada.
Os cursos técnicos objetivam a formação de mão de obra especializada na área com o
intuito de “produzir um capital humano a serviço do mercado de trabalho” (LIMA, 2000, p.
40). Logo, reflete-se que os cursos técnicos em música devem buscar uma atualização
constante de seus currículos, dos repertórios e metodologias utilizados, havendo
disponibilidade de instrumentos, objetivando atender a demanda social. O velho modelo do
conservatório, que visava à formação unicamente de solistas e instrumentistas para orquestras
e que acreditava na predisposição dos talentosos não supre as necessidades do mercado
musical na atualidade, quando exigi-se dos músicos: trabalho em estúdios de gravação,
repertório variado, arranjos, produção musical e artística, manipulação de técnicas e aparelhos
eletrônicos diversos, dar aulas, somente para citar algumas possibilidades.
Reconhecemos, assim, a importância da prática de ensino/aprendizagem de música
em cursos específicos, não sendo, no entanto, a única forma de qualificação profissional
especializada, mas, sim, uma oportunidade de demanda para a prática musical consistente,
desde que em harmonia com a prática musical diversificada do mundo contemporâneo. “O
mundo do trabalho do artista tem indicado que, atualmente, não é mais suficiente a mera
preparação técnica. É preciso preparar o músico para gerir sua carreira, sensibilizando-o
quanto aos ambientes em que vai atuar e as diferentes interfaces dessa atuação”
(NASCIMENTO, 2003, p. 74).
Todavia, observamos que as pesquisas dos autores da área ressaltam que os cursos
profissionalizantes e específicos de formação em música continuam a priorizar a formação de
instrumentistas, fato decorrente da própria formação dos professores que ministram aulas
nesses contextos. Ainda existe uma desinformação ou desvinculação dos valores individuais
dos professores atuantes nesses cursos e da estrutura pedagógica das instituições que os
empregam, “um descompasso entre os objetivos da direção e dos professores em relação ao
direcionamento do ensino de música, à filosofia de ensino” (CUNHA, 2009, p. 3). Tais fatos
poderão ser observados neste relato.
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Sobre o curso
Logo que contratado pelo IFPB como professor substituto e locado no Núcleo de
Artes, Cultura e Eventos (NACE) no final do segundo bimestre de 2010, entre os meses de
junho e julho, fui chamado pelos coordenadores de música e requisitado a assumir e elaborar
a ementa da disciplina Instrumento Musical – guitarra e violão. Isso, de início, me
surpreendeu, visto que já existia uma turma matriculada no segundo ano do curso,
consequentemente, deveria existir algum tipo de ementa comum a essa disciplina exposta no
tronco de disciplinas do curso. Porém, observei que existia (e existe) uma ementa da
disciplina Instrumento Musical, que permitia o funcionamento do curso, mas essa era genérica
e válida para instrumentos distintos como violino, sax, baixo, sanfona, teclado, violão,
guitarra, todos orientados pela mesma ementa e tendo o mesmo diário de classe/turma.
Para a elaboração da ementa, foi preciso consultar os textos elaborados pelo instituto
e que dizem respeito ao “perfil da formação integrada”, onde lemos que o mesmo
[...] foi definido pela identidade da formação integrada, considerando o nível de autonomia e responsabilidade do técnico a ser formado, os ambientes de atuação, os relacionamentos necessários, os riscos a que estará sujeito e a necessidade de continuar aprendendo e se atualizando (IFPB, 2008, p.17).
E continua, ainda sobre características norteadoras dos alunos:
Profissional habilitado com bases científicas, tecnológicas e humanísticas para o exercício da profissão numa perspectiva critica, pró-ativa, ética e global, considerando o mundo do trabalho, a contextualização sócio-político-econômica e o desenvolvimento sustentável, agregando valores artístico-culturais (IFPB, 2008, p.17).
Também foi levado em consideração o perfil profissional de conclusão, onde “a
produção artístico-musical caracteriza-se pela aquisição e interpretação como também pela
preservação e utilização da linguagem musical” (IFPB, 2008, p.18). Além disso, fica explícito
que os estudantes formados devem compreender atividades de criação, desenvolvimento,
produção e difusão da linguagem musical. Portanto, foi necessária a elaboração do plano de
curso específico, seguido da ementa1 do instrumento guitarra, também elaborada por mim,
como consta a seguir:
1 As ementas utilizadas fazem referência ao primeiro e segundo anos do ensino médio do curso ETIM e elaboradas e seguidas por este professor relator. É preciso reforçar que o plano do curso de guitarra e a ementa por mim elaborada não fazem parte do Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Música desta instituição. Eles
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Ementa Guitarra: A prática da guitarra enfocando aspectos técnicos e musicais a
partir de concepções coletivas e individuais do ensino e aprendizagem instrumental.
Formatação de repertório para conclusão do curso e apresentação pública focando o mercado
e o desenvolvimento sócio-cultural do homem. Manutenção e conservação do instrumento.
Acredito que seja necessário não confundir os cursos de música oferecidos pelo
IFPB, visto que além do curso integrado – objeto deste relato – existem os cursos de
Extensão, Subseqüentes e o Certifique, cada qual com público e objetivos diferenciados e
específicos, apesar de usufruírem, praticamente, do mesmo colegiado e estrutura física onde
ocorrem as aulas.
Os cursos de nível médio integrado ofertados pelos Institutos Federais possuem um
diferencial em relação a outras escolas normais, pois em acréscimo às disciplinas técnicas
integradas, os alunos devem estudar na instituição durante quatro anos e não três, como é o
comum, para que possam receber o diploma de conclusão do nível médio. Sendo que, durante
os três primeiros anos, o aluno deve cursar três disciplinas específicas de música como, por
exemplo, Instrumento Musical I, II e III, paralelamente às disciplinas de português,
matemática, história, geografia, etc. Somente no quarto ano, opta-se por um currículo quase
que exclusivamente composto por disciplinas relacionadas à área técnica escolhida.
Na prática
Para os alunos do curso ETIM, não existe nenhum tipo de avaliação específica de
música, ou seja, não existem provas de seleção, logo, todos os alunos interessados na
habilitação música, dentre outras tantas oferecidas pela instituição, são orientados a
escolherem um instrumento musical de sua preferência e são aceitos pelo programa.
Tampouco existe um número de vagas por instrumento e, devido a isso, logo que iniciei as
aulas, fui recebido por 20 alunos de violão e 7 alunos interessados em guitarra, totalizando 27
alunos do primeiro e segundo anos do ensino médio.
Para um melhor rendimento das aulas, decidi que, durante a primeira semana de
aulas, marcaria uma reunião com todos os alunos de guitarra e violão. Feito isso, eu me
apresentei como novo professor, trocamos experiências musicais e toquei algumas músicas de
meu repertório em ambos os instrumentos. Em seguida, pedi para que cada aluno preenchesse
uma ficha de inscrição/interesses, deixando claro quais suas intenções para com as aulas de
foram elaborados apenas para melhor orientar minha prática e a de outros futuros professores de guitarra do curso.
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instrumento e comentando sobre experiências ou trabalhos com música. Desse modo, eu
poderia saber quem já tocava e há quantos anos, se já havia tido algum tipo de aula de música
e, por último, se era aluno do 1º ou 2º ano do ETIM.
Esse momento inicial, juntamente com as repostas dos alunos ao questionário
aplicado, foi de grande importância visto que o coordenador do curso havia me orientado a
agrupar os alunos considerando o seu nível musical e não o seu grau escolar, ou seja,
poderiam ser formadas turmas com alunos de 1º e 2º anos ao mesmo tempo, desde que com as
mesmas habilidades/conhecimentos instrumentais. Porém, foi meu objetivo, o qual consegui
atingir, não misturar alunos de anos letivos diferentes, uma vez que acreditava que, assim,
haveria um desenvolvimento melhor, podendo cobrar dos estudantes de maneira mais
homogenia, considerando sua idade e carga horária dentro do programa.
Baseado em minha prática anterior como professor em outras escolas, acreditei que
as aulas coletivas de instrumento poderiam propiciar o desenvolvimento de outros saberes e
habilidades para além daquelas dos conteúdos programáticos. Na prática das aulas coletivas,
existe uma maior troca de informações, especialmente quando essa metodologia é aplicada a
alunos iniciantes, como destacam Moura e Cruvinel em seu estudo com alunos de violão:
[...] o ensino coletivo de violão torna-se uma metodologia eficiente na democratização do acesso ao ensino musical na fase de iniciação instrumental, onde o compartilhar do conhecimento contribui de maneira contundente para o melhor desenvolvimento técnico-musical de cada aluno envolvido (2006, p.62).
De modo geral, na prática em grupo se dava a execução de exercícios e repertório
coletivamente, a exemplo da atividade na qual era preciso executar uma seqüência pré-
estabelecida de quatro acordes e a turma era dividida por acordes, ou seja, cada aluno toca um
acorde dentro de um compasso. Assim como na brincadeira de roda “batata quente”, a cada
compasso muda-se o acorde e o aluno, passando a vez ao próximo.
Em outra atividade, cada aluno ficava responsável por tocar um única nota formadora
de um acorde escolhido pelo professor, assim, quando cada nota fosse tocada ao mesmo
tempo por todos os alunos, teríamos a execução de um acorde específico. Alterando notas, era
possível fazer com que os alunos reconhecessem, através do som, acordes maiores e menores
e suas características formadoras sem que fossem necessárias extensas explicações sobre
harmonia ou formação de tríades.
Como último exemplo a ser destacado neste artigo, exponho exercícios relacionados
à improvisação e composição. Quando os alunos aprenderam escalas maiores e menores,
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foram escolhidas músicas de seu repertório, às quais fosse possível adicionar melodias tonais
a partir da escolha de notas formadoras da escala maior e menor. O grupo escolhia o trecho
onde seria criado um solo melódico e, em seguida, um aluno executava os acordes de forma
rítmica - batidas, outro aluno criava e tocava uma linha mais grave (baixos) e outro aluno
improvisava sobre a harmonia proposta. Caso fosse quatro o número de alunos, esse último
dedilhava (arpejava) os acordes, de preferência em uma diferente região daquela em que o
outro aluno tocava as batida rítmicas.
As aulas de guitarra
Para as aulas do instrumento guitarra, foram montadas três turmas (duas para os
alunos do 1º ano e outra para os alunos do 2º ano do ETIM). Foi possível aproveitar e juntar
os alunos de um mesmo ano no mesmo horário, apesar das habilidades técnicas dos alunos
serem heterogenias em uma mesma turma, especialmente com o grupo de alunos do segundo
ano. Tais diferenças foram aproveitadas em sala de aula, provocando certo nível de
competição e de orientação aluno-aluno, possibilitando um aprendizado respeitoso entre os
estudantes. Ainda, cada grupo de alunos tinha um encontro semanal com duração de uma
hora.
Diferentemente dos estudantes que buscaram aulas de violão, todos os alunos de
guitarra já tinham alguma experiência com o instrumento, especialmente experiências de
aprendizado em cursos livres, ministrados por instituições religiosas, ou aulas particulares,
sendo essa uma prática comum quanto ao ensino e aprendizagem desse instrumento
(GARCIA, 2010). Além disso, a maioria dos alunos possuía uma guitarra para estudo em suas
casas, apenas uma aluna teve que estudar com um violão emprestado, outra prática comum,
devido à relação de semelhança entre os instrumentos (violão e guitarra) em termos de
afinação e disposição das notas na escala. Desse modo, a utilização do violão tem auxiliado
vários estudantes de guitarra elétrica. Com apenas algumas adaptações, foi possível seguir o
plano de curso, assim como os conteúdos programáticos, como exposto a seguir:
1º Ano:
Estrutura física e funcionamento da guitarra – pequenos reparos;
Leitura de cifra e tablatura2;
2 Sistema gráfico de notação musical aplicada, especialmente, aos instrumentos violão, guitarra e baixo elétrico, formada, basicamente, por grupos de linhas que representam as cordas e números que correspondem as casas na escala dos instrumentos.
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Escalas diatônicas – maior e menor;
Tom relativo e tom homônimo;
Padrões melódicos sobre escalas;
Técnica instrumental pura: palheta alternada, palheta sweep, salto de cordas,
hammer on, pull of, bends, exercícios cromáticos, 1234 e variações;
Técnica aplicada;
Repertório;
Técnica aplicada ao repertório.
2º Ano:
História e estética do instrumento;
Leitura de tablatura e partitura;
Intervalos;
Arpejos, acordes de três sons – tríades (maior, menor, aumentado, diminuto e
suspenso);
Campo harmônico;
Padrões melódicos;
Técnica instrumental pura: palheta alternada, palheta sweep, salto de cordas,
hammer on, pull of, bends e exercícios cromáticos;
Repertório;
Técnica aplicada ao repertório.
O repertório sugerido pelos alunos foi, em sua maioria, relacionado a clássicos do
rock produzidos entre os anos 1980 e 1990. Porém, apesar desses alunos terem possibilitado
um desenvolvimento adequado do programa proposto e, por se tratar de um curso técnico,
com carga horária e programa definido, não foi possível satisfazer todos os desejos dos
alunos. Ainda assim, as músicas utilizadas em sala de aula durante o semestre foram:
Miserlou – Dick Dale, e Sweet Child of Mine – Guns n’ Roses. Foi comum a utilização de
backing tracks3 das músicas citadas, além de outras opções de backing tracks específicas para
o estudo de improvisação melódica.
A seguir, irei expor alguns exercícios utilizados durante as aulas de guitarra. Os
exercícios foram aqui transcritos em notação musical tradicional (pentagrama) juntamente às
tablaturas para possibilitar uma melhor análise ao leitor, mas os alunos de guitarra
3 Gravações de músicas sem guitarra (solo ou base), nas quais os instrumentos mais comuns são bateria, baixo e teclado, que constituem a base rítmica e harmônica do arranjo original.
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apresentaram grande dificuldade na leitura de partitura, especialmente os alunos do primeiro
ano e, por vezes, os exercícios e exemplos eram passados de forma oral.
1º - Exercícios cromáticos com variações (FIGURA 1) para o desenvolvimento de
sincronismo e independência dos dedos. Foram executados com utilização de palheta
alternada e semicolcheias. Cada número representa um dedo da mão na escala, na ordem que
devem ser pressionados entre os trastes, em casa paralelas (semitons). Cada combinação foi
feita em todas as cordas da guitarra.
FIGURA 1 – Exercício de técnica pura.
2º - Exercício com arpejos sobre acordes do campo harmônico de Mi menor com
utilização de palheta sweep (FIGURA 2). Com esse exemplo, os alunos estudavam a técnica
da palheta, mapeamento visual, sonoro e tátil de diferentes regiões da escala da guitarra.
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FIGURA 2 – Exercício palheta sweep e arpejos.
3º - O próximo exemplo trata da introdução da música Sweet Child of Mine
(FIGURA 3). Apesar da música ter sido gravada com afinação mais baixa do que o padrão do
instrumento, os alunos foram orientados a executá-la um semitom acima da gravação original.
Esse trecho possibilita o estudo de técnica aplicada ao repertório e a técnica aplicada aqui foi
o “salto de cordas”, com utilização de palheta alternada.
FIGURA 3 – Introdução da música Sweet Child of Mine.
Nos últimos anos como professor de guitarra, tenho notado que exercícios de técnica
pura despertam o interesse dos alunos quando aplicados juntamente ao metrônomo e como
proposta de desafio ao estudante. Os guitarristas iniciantes gostam ser desafiados pela
possibilidade de tocar cada vez mais rápido, superando seus colegas, professores e ídolos, de
modo que não consideram esse tipo de exercícios “chatos”.
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Considerações finais
Os alunos de guitarra demonstraram, desde o início, bastante interesse em se
tornarem músicos profissionais, além de terem ídolos (modelos a serem seguidos) bem
definidos, fato que facilitou o desenrolar das aulas durante semestre. Quanto aos alunos de
violão, foi preciso criar um interesse no instrumento em grande parte dos alunos, assim como
criar modelos musicais a seres objetivados, o que foi feito com a utilização de variados
exemplos sonoros e visuais de violonistas nacionais e internacionais (solistas, grupos
musicais, populares e eruditos). Alguns dos alunos de violão admitiram terem escolhido o
curso de música por acreditarem que seria um curso fácil e mais prazeroso do que outros
cursos oferecidos pelo instituto.
Ainda, sobre a realidade das aulas coletivas, destaco que a metodologia utilizada foi,
inicialmente, uma alternativa necessária devido à quantidade de alunos matriculados, uma vez
que seria impossível realizar aulas individualizadas. Todavia, foi uma ótima escolha, que
permitiu uma rica interação social entre os alunos, trocas saudáveis de gostos musicais e
repertórios compostos de variados gêneros. Durante as aulas, alunos com mais facilidade em
determinados exercícios auxiliavam outros com mais dificuldade, fato que fazia com que se
sentissem úteis e importantes para o grupo.
Ao final do quarto bimestre e, portanto, do ano letivo, foi possível a utilização de
notação musical tradicional com os alunos de instrumento. Eles já conseguiam ler e tocar
figuras rítmicas simples como colcheias e semicolcheias, reconhecendo seus respectivos
valores e pausas, apesar de demonstrarem certo repúdio quanto à prática da leitura musical e,
muitas vezes, preferirem recorrer à tablatura ou “tirar músicas de ouvido”. Estas práticas
também foram incentivadas e declaradas como práticas que se complementam e não devem se
contrapor, especialmente quando pensamos em um mercado musical contemporâneo.
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Da cozinha para o palco: relato de experiência de um projeto de extensão
na comunidade Renascer
José Edmilson Coelho FalcãoUniversidade Federal da Paraíba
Josélia Ramalho Vieira)
Universidade Federal da Paraí[email protected]
Resumo: Relato de experiência da construção de uma performance do curso de extensão MECT - Musicalização Através do Ensino Coletivo de Teclado/Piano, durante o evento “Música e Performance” 1. O relato descreve como a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) de Carl Rogers2 norteou a ação valorizando o indivíduo dentro do coletivo direcionando humanisticamente a musicalização através do ensino coletivo de teclado/piano culminando na performance propriamente dita.
Palavras-chave: Ensino coletivo de piano, arranjos didáticos, extensão universitária.
Introdução
Este trabalho visa apresentar o relato de experiência vivenciada por mim enquanto
bolsista, do processo de construção de uma performance (produto), com os alunos do curso de
extensão do MECT – Musicalização Através do Ensino Coletivo de Teclado/Piano. O curso
fundado no primeiro semestre de 2009 e coordenado pela Prof.ª Josélia Ramalho Vieira, tem
como principal objetivo a reflexão e prática do ensino coletivo tomando por base as ideias
rogerianas. O MECT atende a duas turmas, a turma 1 funciona no LECT – Laboratório de
Ensino Coletivo de Teclado/Piano (no Campus) e a turma 2 no Centro Comunitário Santa
Luzia, localizado na comunidade do Renascer II, Cabedelo-PB.
Esta comunicação relata como a Abordagem Centrada na Pessoa influenciou as ações
pedagógicas que culminaram com a performance no evento “Música e Performance” na
UFPB, realizada pela Turma 2 do MECT.
1 Música em Performance é um evento semestral que reúne apresentações dos alunos dos cursos de Bacharelado, Licenciatura e Sequencial em Música da UFPB. São seis recitais por dia envolvendo centenas de alunos e professores, além da comunidade em geral.
2 Carl Rogers (1902- 1987) humanista e psicólogo norte-americano autor da teoria da Abordagem Centrada na Pessoa – ACP.
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A nossa “cozinha”
As atividades da turma 2 se desenvolvem na cozinha do Centro Comunitário, o único
espaço que, em última instância, sobrou para que as aulas do MECT pudessem acontecer. A
nossa estrutura nesta sala improvisada é composta por um piano de armário muito velho e
quatro teclados amadores, com no máximo cinco oitavas, instrumentos estes adquiridos
através de doações de pessoas da comunidade. Os alunos são todos das vizinhanças do
Centro Comunitário que atenderam à divulgação feita através de panfletos em locais e
instituições públicas e religiosas do bairro. As aulas, com duração de duas horas, são
realizadas à noite, uma vez por semana.
A ACP
“As ideias de Carl Rogers evoluíram com o passar dos anos para uma filosofia de
vida, visão de mundo e de homem, chamada Abordagem Centrada na Pessoa ou ACP”
(DIAS; SILVA, 2010). O pressuposto onde estão baseadas as proposições da ACP é a crença
na capacidade inata ao ser humano que lhe impulsiona a progredir. Encontram-se dentro do
indivíduo, segundo a ACP, “todos os mecanismos necessários para lidar consigo e com o
outro” (Op. Cit.). Este impulso foi denominado de Tendência Atualizante. (ROGERS, 1961,
p. 253).
Aprender como pessoa inteira significa uma aprendizagem “unificada, a nível da
cognição, dos sentimentos e das vísceras, além de uma percepção clara dos diferentes
aspectos deste aprender unificado” (ROGERS, 1977, p. 145).
As principais características da ACP são: confiança no impulso do indivíduo,
proeminência nos aspectos afetivos, privilégio da situação imediata, criação de um espaço
para o crescimento do outro, além da ênfase na aprendizagem, a adaptação do currículo do
curso ao aluno e a participação ativa deste em todo o processo de ensino-aprendizagem.
Carl Rogers (1902-1987) valoriza a relação empática entre duas pessoas em qualquer situação, incluindo a relação professor–aluno. Para ele, a qualidade das relações humanas permeia todas as atividades em que pessoas estão atuando e, sob esta premissa, desenvolve suas teorias relacionadas à terapia e à educação. Nesta, defende um ensino em que o aluno tenha alto grau de participação no processo e, sem descartar a necessidade de limites, acredita que a valorização da contribuição pessoal do aluno promove um ensino mais significativo e com resultados mais eficientes para sua atuação social. (ROGERS apud GLASER, 1986, p. 27)
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Existem atitudes do professor que facilitam a aprendizagem. Estas atitudes são: a
congruência, a aceitação e a empatia.
Quando o professor tem a habilidade de compreender as reações íntimas do aluno, quando tem a percepção sensível do modo como o aluno vê o processo de educação e de aprendizagem, então, cresce a possibilidade de aprendizagem significativa. (ROGERS, 1973, p. 112)
A ACP como referencial no MECT
Dentro do processo do ensino/aprendizagem aplicado no MECT, os próprios alunos
expõem suas aspirações musicais e os professores/bolsistas/colaboradores tentam facilitar a
criação de um espaço favorável para que haja uma aprendizagem significativa. Tentamos
tomar as atitudes de aceitação, consideração positiva, respeitando o aluno como parte
importante no processo do ensino aprendizagem, observando, todavia, o nível da bagagem
musical de cada um, a partir desta valorização e reconhecimento das singularidades de cada
aluno, se constroem arranjos para a prática de conjunto.
Metodologia
A educação musical tradicional concebia os seres humanos como máquinas decodificadoras de uma linguagem escrita e dedicava a maior quantidade de energia ensinando a decifrar as notas para que fosse possível transferi-las ao instrumento [...]. Também se concentrou intensamente no ensino da técnica. Diríamos que as duas observações fundamentais foram: como proceder para ler música escrita e, depois, como proceder para executá-la. (GAINZA, 1988, p. 116).
A prática de ensino aprendizagem adotada no MECT, entra em confronto direto com
ensino tradicional de música pautado na técnica, na teoria dissociada da prática. Até que
ponto podemos aplicar a congruência proposta por Rogers “quando cada pessoa, incluindo o
professor, está buscando/trilhando caminhos tão diversos através das mesmas notas?”
(VIEIRA, 2010, p. 7). O projeto de extensão tem a proposta de ensinar um instrumento dito
de elite, o piano, de uma forma coletiva. O contexto é um bairro de periferia com alto índice
de violência, baixa autoestima dos alunos sobre os quais pesa um grande preconceito. Neste
sentido nos orientamos por Kebach que afirma:
[...] do ponto de vista epistemológico, ambos, morador da favela e pessoa pertencente à família abastada, têm a possibilidade de se desenvolverem musicalmente, pois nasceram com estruturas orgânicas similares (o com mínimas diferenças). Ou seja, o funcionamento cognitivo de ambos é
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idêntico. As oportunidades é que serão diferentes. (KEBACH, 2008, p. 24).
A pedagogia do ensino da música na atualidade deve ter como objetivo a realização
do processo de aprendizagem musical de dentro para fora, resgatando aspectos que foram
relegados pela educação tradicional como é o caso da utilização do ouvido, “a mente musical
só pode entender verdadeiramente trabalhar dentro do contexto que ou o ouvido lhe fornece”
(GAINZA, Op. Cit., p. 117), afirma categoricamente a autora, que qualquer indivíduo não
sendo portador de deficiência auditiva grave, necessita de experiência no campo de sua
audição, no processo de ensino aprendizagem.
No caso de ensino de jovens e adultos as especificidades segundo USZLER (2000)
vão desde a motivação pessoal, habilidades cognitivas e motoras distintas da criança iniciante
o que demanda do professor uma metodologia mais específica.
Para USZLER (Op. Cit., p. 60) o ensino de piano para jovens e adultos possuem suas
vantagens e desvantagens, vejamos algumas destas especificidades:
Vantagens:
Maior tempo de concentração quando as atividades são variadas e
interessantes;
O fato de o piano ser um instrumento projetado para ser tocado por um
jovem ou adulto, dado as suas dimensões físicas;
O jovem ou adulto possui altura suficiente para obter uma visão periférica de
todo o teclado;
O domínio mais apurado sobre seus movimentos corporais;
Desvantagens:
Interessa-se mais em chegar a definições do que experimentá-las;
O jovem ou adulto quer alcançar sempre resultados imediatos, com rapidez e
muita força, acarretando tensões desnecessárias;
A indisposição em aceitar que o aprendizado de novos movimentos e gestos
denota tempo, sendo fruto de muita prática de tentativas de erros e acertos,
além de pensar que o adulto possua maior facilidade em compreender e
traduzir as informações em ações rápidas e eficientes.
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O cansaço é mais frequente na hora de praticar o instrumento, pela
sobrecarga do dia-a-dia;
A partir desta pequena amostra podemos perceber o quanto devemos repensar a
forma tradicional do ensino de piano para os mesmos, buscando não relegar estas informações
no planejar das nossas ações pedagógicas no processo ensino-aprendizagem.
No curso de extensão do MECT as aulas seguem o modelo de ensino coletivo de
instrumento.
As aulas de piano em grupo estabelecem-se, normalmente, nos moldes pedagógicos do ensino do piano como instrumento musicalizador. Neste contexto educacional, a metodologia, baseada na aprendizagem de música por audição e por imitação, em improvisações e criações, emprega canções folclóricas, tradicionais e de domínio público, além da música popular e daquelas que fazem parte do cotidiano do aluno. Os processos de leitura e escrita musicais são abordados criteriosamente por meio de repertório adequado a cada fase cognitiva do estudante, porém, devem ser precedidos e sustentados pelas experiências sem partitura. (MARINO; RAMOS, 2003, p.44).
Do processo ao produto
O caminho percorrido da cozinha para o palco exigiu vários elementos para a sua
execução. Os principais foram: a escolha de repertório, a confecção dos arranjos, os ensaios e
a apresentação propriamente dita.
Um arranjo consiste em adaptar ou reescrever uma composição com certa liberdade, fato que suscita o conceito de composição. Para isto subentende-se que é necessário um domínio relativo de estruturação musical [...]. (BOYD apud CERQUEIRA, 2009, p.133).
Tomando por base o trabalho de Uzsler (2000) em relação aos níveis de
aprendizagem pianísticas, analisamos aluno por aluno e determinamos o nível de cada um.
Depois de definido os níveis de cada aluno, começou o processo de composição do arranjo
utilizando do repertório utilizado em sala. Finalmente as músicas já arranjadas passaram a ser
ensaiadas e nesta fase sofreram alguns ajustes e modificações. Como por exemplo, escolhas
de timbres nos teclados, mudança de texturas nos arranjos, planejamento dinâmico, entre
outros.
O repertório contou com as músicas Asa Branca, Além do Arco-Íris, Bate o Sino,
Noite Feliz.
As características básicas de cada arranjo são: uma base harmônica, a melodia, e uma
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segunda voz, divididos entre cada aluno dentro de suas possibilidades de execução. Esta
personalização realizada em cada arranjo funciona como um estímulo para os alunos tendo em
vista que todos, independentemente do nível, participam ativamente da execução da obra
musical, lhe propiciando a sensação poder realizar uma atividade musical com um nível
elevado, que para maioria dos alunos era tido como improvável ou muito distante de sua
capacidade.
Os ensaios aconteceram dentro do período das aulas onde os alunos foram agrupados
em número de dois por instrumento, inicialmente em um total de 10 alunos envolvidos na
atividade pedagógica. Os alunos executavam os arranjos das músicas em pequenas partes,
somando uma a outra até conseguirem uma execução completa da música. Nesta ação
sempre se observava e se aplicavam as indicações de dinâmica indicadas na partitura e seus
significados.
A atividade de ensaio se intensificou com a proximidade do evento, fazendo com que
a maior parte da aula fosse destinada para o mesmo, todavia sempre acrescentando
informações novas sobre termos musicais, na medida em que apareciam os questionamentos
por parte dos alunos.
Nos últimos dias definimos a quantidade de instrumentos para serem transportados
para a sala do evento e divisão dos alunos para cada instrumento.
Resultados
Ganhos Técnicos
Observamos um desenvolvimento na prática de conjunto, obediência à regência,
experimentação dos conceitos de melodia, contorno melódico, acordes e harmonia. Reflexão e
vivência sobre os elementos básicos contidos nos arranjos, como timbres, andamentos,
dinâmicas, como também a interação como ouvintes do evento com repertórios, instrumentos
e outras formas de expressão artística ainda não experimentada pelos mesmos em face da
privação social imposta pela condição sociocultural dos envolvidos.
Ganhos Pessoais:
A pedagogia do ensino do instrumento calcada na ACP, que valorizou o indivíduo,
elevou a autoestima dos alunos, agora eles tinham visto e participado de algo grande e
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substancial no tocante ao fazer musical. Ficou perceptível nas lágrimas dos parentes dos
alunos que não se tratava de mais uma apresentação, mas sim “A” apresentação, o realizar de
um sonho, o transpor das barreiras e dificuldades impostas pelas condições sociais de cada
envolvido. Antes do encerramento do semestre, foi realizado um questionário visando avaliar
e nortear as ações no MECT.
Como você se sentiu como parte ativa dos arranjos musicais?Aluno a: - Me sinto muito bem, pois são partes muito importantes na música. Aluno b: -Foi melhor para perder o meu medo. Aluno c - Me senti útil.Aluno d -Me senti muito bem.Você acha que foi ouvido quando quis expressar seus pensamentos?Aluno a - Sim.Aluno b -Sim. Porque eles me deram atenção.Aluno c - Sim.Aluno d -Sim. (VIEIRA, 2010a)
A repercussão pós-apresentação foi positiva, recebendo tanto dos alunos da
graduação em música da UFPB quanto dos professores muitos elogios e palavras de incentivo
a iniciativa do projeto em iniciar tal atividade de musicalização através do ensino coletivo de
piano.
Ganhos pedagógicos
A experiência proporcionou, como bolsista, uma visão mais ampla acerca da
abordagem pedagógica a ser aplicada no processo de ensino aprendizagem da música,
focalizando principalmente o aluno em suas mais amplas necessidades. Pudemos observar
que, ao lado dos alunos, podemos produzir conhecimento através das práticas musicais
valorizando as relações interpessoais e perpassando as fronteiras além da cozinha de projeto
de musicalização.
Conclusão
Concluímos a partir dos resultados alcançados na construção da performance que, o
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processo de musicalização através do ensino coletivo de teclado/piano quando calcado em
uma pedagogia musical centrada na pessoa, produziu benesses que ultrapassaram o mero fazer
musical, com o uso integrado da prática e a teoria musical, quebrando barreiras sociais e
culturais preestabelecidas no cotidiano de cada aluno envolvido, além de favorecer o processo
de ensino aprendizagem um rápido rendimento e uma assimilação de práticas e conceitos
musicais mais sólidos e duradouros pelo aluno.
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Referências
BASTOS, Maria Bernadete Berno. O Educador e o processo de musicalização através de teclados acústicos e eletrônicos. Dissertação (Mestrado em Educação Musical). Conservatório Brasileiro de Música, Rio de Janeiro, 1999.
CERQUEIRA, Daniel Lemos. O arranjo como ferramenta pedagógica no ensino coletivo de piano. Revista MÚSICA HODIE, Goiânia, n.1, p. 133, 2009.
DIAS, Isadora; SILVA, Mamede. Um pouco sobre a Abordagem Centrada na Pessoa.Disponível em: <http://www.carlrogers.org.br/acp.htm>. Acesso em: 11 ago. 2010.
GAINZA, Violeta Hemsy de. Estudo de psicopedagogia musical. Tradução de Beatriz A. Cannabrava. Coleção novas buscas em educação. 2ª ed. São Paulo: Summus, 1988. p: 116 - 117.
GLASER, Scheilla R. Instrumentista & professor: contribuições para uma reflexão acerca da pedagogia do piano e da formação do músico-professor. Dissertação de Mestrado em Música, IA-UNESP, São Paulo, 2005.
MARINO, Gislene; RAMOS, Ana Consuelo. Piano 1: arranjos e atividades. Belo Horizonte: Edição das autoras, 2001. (Coleção Inventos e Canções).
MONTANDON, Maria Isabel. Piano Suplementar – função e materiais. In SEMPEM, 1, 2001, Goiânia. Anais... UFG: Goiânia: SEMPEM/UFG, 2001.
ROGERS, Carl. Tornar-se Pessoa. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1961.
______. Liberdade para aprender. Belo Horizonte: Interlivros, 1973.
______. Pode a aprendizagem abranger ideias e sentimentos? In: ROGERS, Carl, ROSENBERG, Rachel L. A pessoa como centro. São Paulo: Edusp, 1977. p. 143-161.
USZLER, Marienne. The Well-Tempered Keyboard Teacher. 2ª ed. New York: Shirmer Books, 2000, p. 3-34.
VIEIRA, Josélia Ramalho. Arranjos de piano em grupo por licenciandos em música da UFPB: relato de experiência. In ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 18, 2009, João Pessoa. Anais... João Pessoa: ABEM, 2009. P. 293-302.
VIEIRA et al. MECT - Musicalização através do ensino coletivo de teclado/piano: acerca da abordagem centrada na pessoa em um projeto de extensão universitária. Texto não publicado, 2010.
______. MECT - Musicalização através do ensino coletivo de teclado/piano. Relatório Final, 2010a.
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Educação musical em um projeto social:
um estudo de caso em João Pessoa/PB
Marcel Ramalho de Mello*
Universidade Federal da Paraí[email protected]
Maura PennaUniversidade Federal da Paraíba
Resumo: A presente comunicação expõe os resultados de uma pesquisa feita no segundo semestre de 2010, que teve como objetivo principal analisar práticas de ensino e aprendizagem de música desenvolvidas no contexto educativo não-formal de um projeto social no município de João Pessoa/PB. A metodologia utilizada baseou-se em revisão bibliográfica, pesquisa documental, observações das aulas de música de um núcleo do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil de João Pessoa e entrevistas semi-estruturadas com quatro profissionais envolvidos no projeto. Após a análise das observações das aulas e das entrevistas realizadas, ficou clara a ênfase na função social e ética do PETI em detrimento às funções estéticas das aulas de música, e como esse valor é norteador na estruturação e planejamento das aulas do núcleo observado. Assim, vemos como ponto-chave na educação musical no PETI em João Pessoa a preocupação maior em tirar as crianças e adolescentes das ruas e de qualquer possibilidade de risco social, utilizando como meio as aulas de música, cujos objetivos pedagógicos específicos ficam em segundo plano.
Palavras-chave: Educação musical, Projeto Social, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.
Introdução
O trabalho aqui apresentado expõe os resultados de uma pesquisa feita durante a
segunda metade de 2010, que teve como objetivo principal analisar práticas de ensino e
aprendizagem de música desenvolvidas no contexto educativo não-formal de um projeto
social no município de João Pessoa, Paraíba.
Nossa pesquisa caracterizou-se como estudo de caso – mais especificamente, um
estudo de caso múltiplo –, que se caracteriza por focalizar um fenômeno particular (ou mais
de um fenômeno) e por ter como produto final uma descrição “densa” desse fenômeno
(ANDRÉ, 2005, p. 17-18).
De acordo com Libâneo (1999, adaptado por OLIVEIRA, 2000), espaços não-
formais de ensino são caracterizados por ONGs, projetos sociais, associações comunitárias,
* Bolsista de Iniciação Científica da Universidade Federal da Paraíba e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
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espaços diversos que oferecem cursos livres (como igrejas) etc. Ou seja, espaços de ensino
que não são regulamentadas pela legislação educacional vigente no país. A área de educação
musical tem dado especial atenção a esses espaços, com diversas análises de práticas neles
desenvolvidas (CANÇADO, 2006; PENNA, 2006; OLIVEIRA, 2006, entre outros).
Tendo como foco o estudo de práticas educativo-musicais desenvolvidas em espaços
não-formais de ensino, escolhemos um projeto social como objeto de pesquisa. O Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil foi selecionado, levando em consideração a sua força
dentro da cidade de João Pessoa. Foram selecionados para a pesquisa dois núcleos do PETI,
que ofereciam, dentre outras atividades, uma aula de percussão por semana. No entanto,
diante dos limites deste texto, apresentamos aqui apenas a pesquisa feita em um dos núcleos,
localizado em uma comunidade de baixa renda de um bairro de classe média de João Pessoa.
Devido ao tráfico de drogas na área, os índices de violência nessa comunidade são altos,
tendo inclusive atingido dois alunos de música do PETI, como veremos adiante.
Metodologia
Desde o início e durante toda a pesquisa, uma pesquisa bibliográfica foi feita,
baseada na literatura em educação musical, educação e metodologia científica, a fim de
alicerçar o nosso trabalho.
Para coletar os dados da pesquisa, utilizamos como principal técnica a observação
das aulas e atividades desenvolvidas. Como cada aula tinha duração de duas horas,
planejamos inicialmente observar oito aulas, o que não pôde ser totalmente realizado, como
discutimos adiante. Utilizamos, ainda, entrevistas de caráter semi-estruturado feitas com a
coordenadora (interina) e o coordenador da área de Música do PETI em João Pessoa, assim
como com a coordenadora do núcleo escolhido e o oficineiro de percussão da turma
observada.
Também foi realizada uma pesquisa documental relativa ao projeto, com destaque
para a Portaria nº 458, de 4 de Outubro de 2001, que estabelece as diretrizes e normas do
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.
A análise dos dados foi de cunho analítico e interpretativo, pelo caráter qualitativo
desta pesquisa, buscando compreender as concepções, as práticas e estratégias que
caracterizam o processo de ensino e aprendizagem musical. Ao longo da análise,
entrecruzamos diferentes fontes de dados e relacionamos o que encontramos em nossa
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pesquisa com outros estudos já realizados a respeito do mesmo tema, procurando detectar e
compreender os pontos em que os dados de nossa pesquisa reforçam ou se diferenciam desses
estudos.
O PETI
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil foi implantado pelo governo federal
no Brasil em 1996, inicialmente no Mato Grosso do Sul, sendo, aos poucos, introduzido em
outros estados (CARVALHO, 2004, p. 2-3). Apesar de ser um projeto federal e de ser dessa
instância que vem a maior parte dos recursos financeiros para sua realização, o PETI é
gerenciado em conjunto pelo estado e a prefeitura de cada cidade, que complementam com o
que for financeiramente necessário (BRASIL, 2001, p. 6). O objetivo do programa é
“erradicar, em parceria com os diversos setores governamentais e da sociedade civil, o
trabalho infantil nas atividades perigosas, insalubres, penosas ou degradantes nas zonas
urbana e rural.” (BRASIL, 2001, p. 2).
Por meio de atividades complementares à escola, o PETI tem como prioridade
manter crianças e adolescentes (de 7 a 14 anos e de famílias com renda de até ½ salário
mínimo) participantes desse programa na escola e fora de qualquer atividade de trabalho
(BRASIL, 2001, p. 2). A exceção se dá com relação à assistência que pode ser oferecida a
crianças com 15 anos em situação de extremo risco, vítimas de exploração de mão-de-obra e
também vítimas de exploração sexual, onde o atendimento “dar-se-à através das estratégias
operadas pelos Programas Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano e Sentinela”
(BRASIL, 2001, p. 2).
As atividades complementares à escola podem acontecer nas unidades escolares ou
nas unidades de apoio nas comunidades, e tem como objetivo “o desenvolvimento de
potencialidades das crianças e adolescentes com vistas à melhoria do seu desempenho escolar
e inserção no circuito de bens, serviços e riquezas sociais” (BRASIL, 2001, p. 3).
Além disso, o PETI tem como um dos focos mais importantes as famílias dos jovens
atendidos pelo programa, para que elas possam, através de alternativas de geração de emprego
e renda, assumir a sua responsabilidade com relação ao processo de desenvolvimento de suas
crianças e adolescentes.
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O PETI em João Pessoa
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil foi implantado em João Pessoa no
ano de 20001, e hoje a cidade conta com 28 núcleos que atendem aos seus 65 bairros. Dos 28
núcleos, 142 oferecem aulas específicas de música. Segundo a coordenadora interina do
projeto, todos os outros núcleos do PETI também trabalham com música, mas de forma
indireta, ou seja, a música é utilizada nas oficinas de pintura, educação física etc.
As atividades desenvolvidas no PETI de João Pessoa são todas de cunho lúdico-
pedagógico e artístico-cultural, tendo por objetivo desenvolver a curiosidade, o pensamento e
novas habilidades através de atividades que envolvam a arte e a brincadeira. Estas atividades
são determinadas de acordo com a demanda da comunidade atendida.
Cada núcleo do PETI possui um coordenador, que tem a função de organizar as
atividades desenvolvidas nos núcleos, que não se limitam apenas ao espaço físico dos
núcleos: há viagens e apresentações dos alunos em outros lugares que não a comunidade
atendida. Esses coordenadores são selecionados por meio de indicação de pessoas da
comunidade ou da prefeitura, e têm vínculo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social como cargos comissionados.
Para as atividades de cada área, cada núcleo possui oficineiros, que têm a função de
desenvolver habilidades específicas. Pagos em sua maioria com recursos da própria prefeitura,
estes oficineiros são contratados como prestadores de serviço também por meio de indicação
de pessoas da comunidade ou da prefeitura, mas há uma entrevista, na qual a formação e a
compreensão do oficineiro em relação ao PETI e sua proposta são os pontos mais importantes
a serem considerados.
Além de atender jovens envolvidos com trabalho infantil, o PETI em João Pessoa
também tem como foco jovens que não estejam trabalhando, mas que estejam em uma
situação de risco. Assim, o PETI faz um levantamento dentro da comunidade atendida para
que também façam parte do programa jovens que possam acabar se dedicando ao trabalho
cedo demais, às drogas, à criminalidade etc.
1 Segundo a coordenadora interina do projeto. Por outro lado, o coordenador da área de música do PETI cita 2004 como o ano de implantação desse Programa em João Pessoa.2 Aqui também o coordenador da área de música concede uma informação diferente da concedida pela coordenadora interina: segundo ele, são 15 os núcleos do PETI que possuem aula de música. Tal incompatibilidade nessas informações mostra talvez a falta de informação de um ou do outro profissional, além de uma provável distância nas relações entre as pessoas responsáveis pelo projeto.
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Educação Musical no PETI em João Pessoa
As atividades de música oferecidas pela PETI em João Pessoa são de canto coral,
violão, flauta e percussão, e acontecem em 14 bairros. É importante ressaltar que os núcleos
dos bairros não oferecem todas as atividades de música acima citadas, impreterivelmente;
essas variam de núcleo para núcleo, podendo, por exemplo, um núcleo oferecer três atividades
de música e outro núcleo oferecer apenas uma.
A periodicidade das aulas varia de núcleo para núcleo. A turma que observamos
tinha uma aula de percussão por semana, que deveria ter duração de duas horas, o que nunca
aconteceu, muito pelo fato de depois de uma hora de aula os alunos já estarem cansados e
dispersos, insistindo para que a aula acabasse.
A sala onde ocorria a oficina não possuía ventilação, era pequena, empoeirada e
escura. De qualquer forma, cremos que não se deve exigir uma sala acusticamente bem
estruturada para uma aula de música em comunidades carentes como as aqui observadas.
Processos pedagógicos desenvolvidos no núcleo do PETI
Como a turma observada estava prestes a gravar um CD, as aulas consistiam apenas
de ensaios para essa gravação. Na verdade, a única alusão à percussão nos encontros era um
atabaque que o oficineiro tocava e as baquetas que um aluno batia uma na outra. Os outros
alunos cantavam em coro uníssono, com alguns solos de uma aluna, as músicas do futuro CD,
que consistia de composições de artistas locais e cujas letras versavam sobre criminalidade,
trabalho infantil, PETI, Estatuto da Criança e do Adolescente e drogas.
Nessas aulas, o único objetivo era fazer com que os meninos decorassem a letra e
cantassem no ritmo correto (talvez essa sendo a única característica que aproxime esses
encontros de aulas de percussão), mas sem preocupação com a internalização dos elementos
da música, nem com princípios básicos da técnica vocal ou aspectos expressivos. Já que essas
aulas tratavam basicamente de um trabalho de canto, observações mais consistentes a respeito
desses aspectos por parte do oficineiro poderiam ter sido feitas.
Nos primeiros encontros, percebemos os alunos bastante intimidados com a nossa
presença, por vezes nos olhando, como se esperassem por um tipo de “aprovação” ou “nota”.
Claramente, tratava-se do efeito do observador, que é conhecido nas ciências humanas. No
entanto, percebemos que isso aos poucos foi mudando e já no 4° encontro nos pareceu que os
alunos não mais se sentiam intimidados ao cantar.
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Como mostra Macedo (2000):
[...] o processo de observação não se consubstancia num ato mecânico de registro. Apesar da especificidade da função do pesquisador que observa, ele está inserido num processo de interação e de atribuição de sentidos. [...] À medida que a interação progride, ocorrerão, sem dúvida, acréscimos e modificações no estado inicial das informações. (MACEDO, 2000, p.151)
O oficineiro, bacharel em Música com habilitação em Percussão, utilizava de
estratégias de motivação bastante esparsas, que não passavam de comentários em relação à
energia do grupo, pedidos para que os alunos cantassem em pé ou cantassem dançando ao
ritmo da música ensaiada. Já na primeira aula, a dispersão é tanta que dois cantores, um deles
sendo a solista, lêem uma revista enquanto ensaiam.
Posteriormente, através de entrevista com o oficineiro, descobrimos que essa aluna
solista havia sido baleada alguns dias antes, e que ainda não havia se recuperado
psicologicamente do acontecido, o que explicava, portanto, a sua falta de concentração. Como
um PETI é um projeto que atende principalmente comunidades mais carentes, esse tipo de
acontecimento não era raro. Também no período em que estivemos observando as aulas,
houve o assassinato de um dos alunos do núcleo (mas não das aulas de percussão).
No decorrer das aulas observadas, o único momento em que os alunos mostraram
uma empolgação foi na ocasião em que três músicos (um cantor, um flautista e um
violonista), que também iriam gravar o CD, vieram de outro núcleo do PETI para ensaiar com
as crianças. Como o ensaio desse dia contava com mais pessoas, todos se reuniram na sala
principal do núcleo, que era maior, mais clara e mais ventilada. Com a oportunidade de fazer
música com outros músicos e não apenas com um coral, a animação tomou conta dos alunos
assim que o ensaio começou.
Interessante notar que, apesar de as crianças demonstrarem habilidades em dançar ao
ritmo da música, bater a pulsação e com alguns alunos demonstrando excelentes habilidades
de criação com o atabaque presente na sala, o oficineiro não demonstrava qualquer intenção
de trabalhar essas habilidades com os alunos. Pensamos que esses momentos poderiam ter
sido mais bem aproveitados, com exercícios de percussão que, de fato, desenvolvessem as
habilidades e capacidades rítmicas dos alunos, já que esse, teoricamente, era o objetivo da
oficina.
A quantidade de observações feitas foi apenas seis, abaixo do que havíamos
planejado. Isso aconteceu pelo fato de que algumas aulas foram suspensas em virtude da
gravação do CD e uma aula foi suspensa em decorrência do assassinato acima mencionado.
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A função da música no PETI
Para os profissionais envolvidos no PETI, a oficina de música cumpre uma função
mais social e ética do que estética. Mais do que dominar uma nova linguagem e aprender, de
fato, música, o estudo da música serve para tirá-los do perigo da rua, desenvolver a auto-
estima, o trabalho em conjunto, ou ainda para acalmá-los, fazer os jovens perceberem o seu
valor etc. O mais importante são esses objetivos extra-musicais. Nas palavras da
coordenadora interina do Programa,
O que mais interessa, que é mais importante, é o resgate dessas crianças enquanto cidadãos, da vivência social. E a gente desenvolve muitas atividades no sentido de resgatar a auto-estima dessas crianças. Porque a música, ela desenvolve a sensibilidade, a música desenvolve a auto-estima, a música desenvolve o trabalho em conjunto, a música desenvolve a percepção de talentos, a música desenvolve memória, atenção.
O oficineiro também expressa a mesma opinião:
A gente chega num canto, vê os meninos que são altamente discriminados, não é? Eles mesmos não sabem o valor deles e a gente chegar e descobrir os valores deles, fazer eles saberem que eles têm valor. [..] Então isso não tem nem como a gente classificar, é uma coisa enorme, uma mudança enorme, tanto na parte musical, mas principalmente na mudança deles pessoal.3
Hikiji (2006), em uma pesquisa de campo sobre o aprendizado musical no Projeto
Guri, no espaço da FEBEM4 de São Paulo, também percebeu a força desse tipo de discurso
em proponentes de projetos sociais:
Ouvi da coordenadora do Projeto Guri, Elizabeth Parro, que o objetivo do projeto não é “formar músicos”, mas “mostrar para a criança uma condição de vida melhor”. A ênfase do projeto está, evidentemente, nos aspectos sociais e éticos vinculados às suas atividades, não no estético. A prática musical é vista como uma forma de ocupação do tempo dos jovens e como via de acesso ao exercício da cidadania, tal qual compreendida pelos propositores da intervenção. (HIKIJI, 2006, p. 65)
Neste sentido, como discute Ilari (2007, p. 41), a música tem uma “função
adaptativa”, na medida em que permite “passar o tempo em segurança, sem correr riscos”:
Enquanto fazem música, seja através da execução instrumental, dos jogos simbólicos ou de programas de rádio, os indivíduos passam um tempo
3 A transcrição da entrevista foi feita mantendo as construções de frase usadas pelo oficineiro, entendendo que essa era a sua forma de se expressar. 4 Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
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“tranqüilo” e desenvolvem inúmeras habilidades e competências, musicais e extramusicais. (ILARI, 2007, p. 41)
A preocupação em mostrar resultados
Outro ponto bastante presente tanto nas observações quanto nas entrevistas foi a
preocupação dos profissionais envolvidos com o projeto em mostrar resultados para a
sociedade, através de performances e gravações de CDs (apesar de essa não ser uma exigência
do governo federal). Durante a realização dessa pesquisa alguns núcleos do PETI de João
Pessoa estavam gravando o seu terceiro CD, e o núcleo que pesquisamos estava justamente
ensaiando as músicas para essa gravação. Várias apresentações por toda a cidade estavam
agendadas, como meio de divulgação do trabalho e do que foi feito durante todo o ano.
No entanto, a audição do CD revela uma grande distância entre a gravação realizada
e os ensaios por nós observados, em termos de qualidade. Fica claro o trabalho realizado no
estúdio pós-gravação, “aprimorando” o produto final5, o que ficou evidente até mesmo para
alguns participantes do projeto: “Uma criança presente na sala, que canta no CD, percebe [ao
ouvir a gravação] a diferença na música. Na canção “Não dê emprego à criança”, ela comenta:
“Tiraram ‘eles’ e colocaram ‘elas’”. (Caderno de campo – 18 de novembro de 2010)
De qualquer forma, o objetivo de uma performance ou uma gravação de um CD para
o PETI ou qualquer outro projeto social não é a fruição puramente estética por parte da
platéia. O mais importante é mostrar para a sociedade que os jovens são capazes de algo. Mais
uma vez, esse aspecto também pôde ser observado por Rose Hikiji (2006) em sua pesquisa:
“A ênfase não é necessariamente no plano estético, mas no ético. O julgamento do espetáculo
assistido levará mais em conta o fato do projeto ser algo ‘bom’ – para os jovens, para a
sociedade – do que sua capacidade de produzir o ‘belo’”. (HIkIjI, 2006, p 69).
Considerações finais
A importância de trabalhos sociais da amplitude do PETI é inegável. No entanto, no
que se refere ao espaço observado nesta pesquisa, fica claro que o comprometimento com a
área de educação musical precisa ser reavaliado.
Com uma abordagem pedagógica desconectada da realidade e das expectativas dos
alunos, sem efetivamente procurar desenvolver habilidades musicais, o oficineiro revelava,
5 Aspectos como a afinação do grupo, a emissão vocal e a correção da letra, adotando a concordância nominal e verbal da gramática normativa, puderam ser claramente percebidos.
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em sua prática, a falta de uma formação pedagógica consistente em educação musical,
provavelmente por ter apenas um bacharelado.
Tendo em vista as comunidades que esse projeto atende, os objetivos de assistência
às crianças e adolescentes e suas famílias são, sem dúvida, relevantes. Entretanto, se é através
da música que proponentes de projetos sociais como o PETI pretendem contribuir para a
mudança da realidade social, entendemos que, ao lado de propósitos éticos e sociais, objetivos
musicais devem ter mais força e consistência, o que exige profissionais com formação e
experiência, preparados para lidar com a diversidade de condições de trabalho, de vivências
musicais e expectativas dos alunos.
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Educação Musical Infantil e Meio ambiente: Uma experiência de
conscientização e reflexão
Elisama da Silva Gonçalves Santos Universidade Federal da Bahia
Resumo: Este trabalho é um relato de experiência fruto de um Projeto de EstágioSupervisionado, do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal da Bahia, realizado, em uma Escola da rede de ensino privado de Salvador. Este estágio está sendo desenvolvido com uma turma de educação infantil com o objetivo de proporcionar as crianças uma vivência musical significativa atrelada à conscientização da preservação do Meio Ambiente. Levantando questões como a importância da conservação da Natureza, a busca pela conscientização ainda na infância, o papel da educação musical no contexto infantil, a didática do educador musical e possibilidades para o ensino de música escolar, levando em conta especificidades musicais e a interdisciplinaridade na escola.
Palavras-Chave: Educação Musical, Meio ambiente, Educação Infantil.
Introdução
Atualmente, vivemos em uma sociedade onde a luta pela sobrevivência e a corrida
pelo crescimento econômico põe em risco o bem-estar do nosso planeta. São diversas ações
do Homem investidas contra a natureza, ao longo do tempo, que comprometem a própria
existência humana.
Desmatamentos, aterramentos, exploração exacerbada dos recursos naturais,
poluição do ar, rios e outros espaços são uns dos fatores preponderantes na degradação do
meio ambiente. Para modificar esta realidade, diversos setores da sociedade, se articulam para
combater práticas de destruição do nosso ambiente natural através de um processo de
conscientização social, apostando na educação como uma forma mais eficaz de
conscientização e reflexão. Tendo como foco a formação educacional do ser humano que vai
desde a infância até o fim da vida. Segundo Pedrini (1997), para diminuição dos problemas
ambientais;
O homem percebeu a necessidade de repensar seu modelo estratégico de crescimento econômico e desenvolvimento social. Ao fazê-lo decidiu criar
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meios para reverter a exploração não planejada de seus recursos ambientais. O homem criou leis que previam multas e privação da liberdade. Mas estas medidas não foram suficientes e decidiu associar o processo educativo para conceber estrategicamente sua sociedade (PEDRINI, 1997 p. 21 e 22).
É possível ressaltar que a Educação mostra-se como uma possível porta de reflexão
das atitudes para com o ambiente. As tentativas de conscientização são veiculadas através de
diversos meios de comunicação, porém, no contexto educacional Brasileiro é na Escola que a
maioria dos esforços estão sendo concentrados para a formação de cidadãos críticos e
reflexivos para com a natureza.
Um processo de formação que começa na infância, por isso o Tema Meio Ambiente,
definido pelo Ministério da Educação como Tema Transversal, deve estar presente no
desenvolvimento de todas as disciplinas. E tratando-se de Educação Musical, este relato vem
mostrar que é possível um diálogo entre Música e Meio Ambiente que proporcione o
desenvolvimento musical da criança e a consciência da preservação ambiental.
Educação Ambiental e Educação Musical Infantil.
De acordo com Dias (1991), “a evolução dos conceitos de EA (Educação Ambiental)
esteve diretamente relacionada à evolução do conceito de meio ambiente e ao modo como
este era percebido”. A partir da década de 60 diversos conceitos sobre Educação Ambiental
surgiram sendo definida pela Internacional Union for the Conservation of Nature como
processo de reconhecimento de valores de conceitos, voltado para o desenvolvimento de
habilidades e atitudes necessárias à compreensão das inter-relações entre o homem, sua
cultura e seu entorno biofísico. No Brasil a Lei de Educação Ambiental 9795/1999 dispõe
sobre pressupostos e aplicabilidade em sociedade, de acordo com a Lei;
Art. 1.º Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
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É necessário considerar que a construção destes valores sociais de conservação
começa na infância. Uma faixa etária de importância crucial na construção de personalidade e
valores que serão levados por toda a vida.
A Música enquanto disciplina na escola também deve ser pensada e desenvolvida de
forma a contribuir para formação de um cidadão crítico sobre o meio em que vive. É a partir
desta reflexão que este relato mostra um Trabalho de Educação Musical, fruto de um Estágio
Supervisionado, que vem sendo desenvolvido com crianças na faixa etária de cinco anos de
idade, de uma Escola da rede de Ensino Privado da Cidade de Salvador durante o ano
corrente. Um dos principais objetivos do projeto é a Musicalização Infantil, utilizando a
abordagem TECLA (Swanwick, 2003), atrelada ao desenvolvimento da Consciência
ambiental e Preservação do Meio ambiente. Para isso, antes de pensar na articulação Musica x
Meio Ambiente, faz-se necessário uma reflexão sobre a importância da Música na Educação
Infantil. Segundo o Referencial Curricular da Educação Infantil;
A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas etc. Faz parte da educação desde há muito tempo, sendo que, já na Grécia antiga, era considerada como fundamental para a formação dos futuros cidadãos, ao lado da matemática e da filosofia. A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos, assim como a promoção de interação e comunicação social, conferem caráter significativo à linguagem musical. É uma das formas importantes de expressão humana, o que por si só justifica sua presença no contexto da educação, de um modo geral, e na educação infantil, particularmente (BRASIL, RCNEI, 1998).
O trecho acima nos leva à reflexão do quanto é importante a presença da Música na
Educação Infantil para formação de um cidadão consciente do seu papel em sociedade. O
processo de formação psicológica da criança está intimamente atrelado ao cultivo de aspectos
do interior emocional humano e a música surge como uma ponte de desenvolvimento da
sensibilidade, criatividade e integração social. Por isso é tão importante “falar sobre música,
sobre sua presença na vida das crianças e na educação infantil, apontando para sua
indispensável contribuição à formação de seres humanos sensíveis, criativos e reflexivos”
(BRITO, 2003, p. 12). Com isso, torna-se importante o “fazer musical” atrelado a realidade
do educando e da comunidade escolar proporcionando aos educandos o acesso a Música
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enquanto Linguagem Artística e área do Conhecimento e ao mesmo tempo um caminho para a
formação de seres humanos que busquem um mundo melhor.
Metodologia
Contexto do Estágio
Esta proposta do Ensino de Música e Questões Ambientais está sendo desenvolvida
dentro do Estágio Supervisionado, pré-requisito para cumprimento das atividades da
disciplina Prática do Ensino do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal da
Bahia. O estágio vem sendo realizado no Colégio Adventista de Salvador na Educação
Infantil na turma do Infantil III no turno vespertino. Essa turma possui oito crianças na faixa
etária de 5 anos de idade que possuem música no currículo escolar desde o Infantil I, ou seja,
do total de oito crianças apenas 2 nunca vivenciaram música na escola.
O Colégio possui Música como disciplina curricular em todas as séries, sendo
facultativo a partir do 6º ano, onde os alunos podem escolher outras disciplinas artísticas. A
escola dispõe de um Conservatório de Música dentro do seu espaço, onde são realizadas aulas
do Curso livre de Música e do Ensino Regular da Escola, possuindo Diversos Instrumentos,
uma Orquestra e Bandas Musicais. De todo modo, é uma Escola que possui uma
efervescência musical muito grande proporcionando um contexto artístico muito construtivo
para a formação dos educandos.
O tema anual da Escola é Meio Ambiente, tendo sido mera coincidência com a
Proposta de Estágio relatada, pois, este tema só foi divulgado quando todo o meu Projeto já
estava pronto. Para descrever a experiência vivida em Sala de aula faz-se necessário deixar
claro que a criança já experimenta uma diversidade sonora desde o útero da mãe, e na medida
em que vai crescendo e entra no contexto escolar, ela leva para a sala de aula suas
experiências sonoras e sua forma de ver o mundo. As aulas possuem uma duração de 45
minutos, a metodologia está sendo fundamentada na perspectiva pedagógica da educação
musical e seus aspectos cognitivos, afetivos e sociais por meio da abordagem TECLA de
Keith Swanwick, que parte da utilização da Técnica, Execução, Criação, Literatura e
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Apreciação dentro do fazer musical em sala de aula interligado ao Meio ambiente, que é
representado pela Fauna, Flora, o ambiente da criança e o Planeta Terra em Geral.
Caracterização das aulas
Às vezes, o profissional docente em formação levanta questões de como trabalhar
musicalização infantil com crianças que ainda não dominam a leitura e a escrita. Este foi um
dos principais questionamentos com os quais me deparei quando fui informada de que iria
trabalhar com uma turma da Educação Infantil. E na construção do Projeto, a preocupação
com O Meio Ambiente e formas de trabalhar conceitos musicais em sala de aula foram a
união perfeita para o desenvolvimento do projeto.
Desde o início do ano alguns conceitos musicais vêm sendo desenvolvidos. Para as
atividades da I Unidade, os conteúdos escolhidos foram Propriedades do Som e Pulsação e
Ritmo. Em Propriedades do Som realizamos diversas atividades de Percepção do Ambiente
Sonoro e representação deste ambiente em desenhos feitos pelas crianças, atividade muito
importante no desenvolvimento da Percepção Sonora do Ambiente delas. Segundo Fonterrada
(2006) para Schafer;
Era preciso aperfeiçoar os modos de apreensão do som, valorizar sua importância, nem sempre adequadamente percebida, e conscientizar as pessoas a respeito do som ambiental, tornando-as cúmplices no processo de construir um ambiente sonoro adequado a elas e à comunidade na qual viviam (FONTERRADA, 2006. p. 2).
Nas Atividades de Intensidade associamos com o tamanho dos animais, com canções
que trazem o animal que caminha mais pesado, exemplo; O Elefante e o mais leve A
Formiguinha. Em Altura, trabalhamos com o som dos animais, graves e agudos, exemplo;
Passarinho, Leão, Gato e o Cachorro. Em Duração, com animais que andam mais rápido e/ou
mais lento, como o Elefante, a Zebra e outros. Assim como a utilização da diversidade sonora
do mundo animal para trabalhar Timbre em sala.
É uma forma bem Didática de associação sonora com o Mundo Animal, as crianças
se identificam bastante com a Fauna, por ser algo do cotidiano deles, estarem presentes em
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livros didáticos, desenhos animados e canções do repertório infantil. Em Pulsação e Ritmo,
diversos exercícios foram realizados para o desenvolvimento da percepção rítmica das
crianças. Atividades de Apreciação, execução e improvisação sobre o ritmo de alguns
animais. Utilizando o Cd da Coleção Passeio no Zoológico (Alda Oliveira, 2003), foi possível
realizar movimentos corporais do ritmo de alguns animais como Elefante, Zebra e Cavalo,
execução instrumental com Baldes e representação rítmica da percepção da criança através de
desenhos.
A História Sonorizada e a Paisagem Sonora também vêm constituindo-se como umas
das atividades onde podemos refletir sobre O Meio Ambiente de forma ainda mais direta. Em
Sonorização de Histórias, utilizei um Projeto da Escola que é O Projeto Ciranda da Leitura,
onde todos os Professores ao Final da Unidade devem contar uma história e os educandos
reinventá-la, dramatizá-la ou Sonorizar, no caso de Música, escolhi um Compositor Clássico,
Mozart e contei a história. As palavras a serem sonorizadas diziam respeito a objetos do
mundo musical, como Piano e Violino, aos animais; o Cavalo, e fenômenos da natureza;
como a Chuva, Ventos e Trovões. Construímos com a turma um cartaz com as figuras que
foram sonorizadas onde foi possível executar com a voz e instrumentos musicais.
A Paisagem Sonora é uma atividade que faz parte do Projeto de Estágio e será
desenvolvida em sala onde vamos contextualizar a Floresta e a Cidade, refletindo sobre as
diferenças sonoras e questões ambientais, utilizando como material, revistas, figuras e
cartazes. É importante ressaltar que sempre durante as atividades há uma conversa sobre os
animais. Quem conhece aquele animal, quem poderia imitar os sons, reflexões de
preservação, cuidados para com a floresta e os animais da natureza e uma auto-avaliação da
aula.
Repertório e Registro das Atividades
O repertório utilizado em sala também está intimamente ligado à vivência musical e
a uma aproximação com questões da Natureza. Como já foi dito, vem sendo utilizado o Cd
Coleção Passeio no Zoológico (Alda Oliveira, 2003), Cd Musicando (Cristina Lemos,
Solange Maranho Gomes), Canções do Repertório Popular Infantil e Para fazer Música I e II.
O registro torna-se algo importante não só como uma forma de avaliação, mas, um objeto de
reflexão do que é produzido em sala de aula e como os alunos apreendem a música. Por isso
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realizamos em sala desenhos, ditados sonoros, e a construção de Cartazes da História
Sonorizada, coletando este material e unificando através da construção do Portfólio de cada
educando, além de filmagem de algumas aulas com a devida autorização da Coordenação.
Objetivos e Perspectivas
Esse processo inicial de desenvolvimento da consciência infantil sobre a natureza, a
identificação sonora e a recriação dos sons do ambiente através dos instrumentos é uma ponte
de ligação para um dos maiores objetivos do Estágio, que é a Conscientização da importância
da Preservação por meio da Reciclagem, e neste contexto está inserido a Construção de
Instrumentos com Material Reciclado e amostra deste material para a Comunidade Escolar,
como uma forma de conscientizar as crianças da importância da reciclagem para diminuição
dos problemas ambientais.
A relação Educador e Educando
Em meio a tantas perspectivas e ações rumo à reflexão sobre o Planeta em que
vivemos, é importante ressaltar que a consciência sobre as práticas devem ser pensadas no
seio da coletividade. A relação de Ensino e aprendizagem não pode ser ofuscada por um
educador que não percebe a construção do conhecimento como um processo. Portanto faz-se
necessário a reflexão em sala de aula com as crianças, uma conversa aberta sobre o que
aprendemos ou que queremos aprender, uma auto-avaliação e a criação e improvisação, que
são atividades fundamentais para que a criança possa se expressar de forma musical e pessoal
em sala de aula.
Segundo Teca Alencar de Brito (2003), a música também é uma linguagem cujo
conhecimento a criança deve construir. A criança precisa ser ouvida, assistida e entender que
ouvir também é fundamental para perceber o seu semelhante e o seu ambiente.
Conclusão
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É preciso ressaltar que esta é mais uma abordagem didática dentre as diversas formas
de se pensar o cotidiano do ensino de música em sala de aula. Embora a temática Meio
Ambiente esteja presente, faz-se necessário ampliar o leque de possibilidades em sala,
trabalhando Educação Musical de forma específica e também interdisciplinar. As crianças tem
se envolvido nas atividades, é possível perceber um crescimento musical muito grande não só
através dos registros como também durante o processo, as aulas têm sido bastante
descontraídas, mas sem perda do comprometimento com as atividades e os objetivos. É
notável a identificação que elas trazem para com o mundo animal, as árvores, as paisagens e
sons do ambiente. Segundo a Lei 9795 de 1999, a Educação Ambiental não deve ser
disciplina isolada no currículo, mas, de acordo com o art. 2º; deve ser desenvolvida como uma
prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do
ensino formal.
O processo de Musicalização de crianças “começa espontaneamente, de forma
intuitiva, por meio do contato com toda a variedade de sons do cotidiano, incluindo aí a
presença da música.” (BRITO, 2003, p. 35). A percepção do ambiente sonoro da criança e a
compreensão do meio sócio-cultural em que ela vive são peças fundamentais para a
construção do conhecimento musical infantil.
Por isso, esta é uma proposta de ensino que pretende priorizar antes de tudo o contexto
musical dos educandos, e as especificidades da música na infância, onde a prioridade da
prática musical está na vivência que a educação musical pode proporcionar. Bem como,
contribuir para a formação de cidadãos comprometidos com a Preservação do Meio Ambiente
e priorizando a Educação Musical como um “meio para o desenvolvimento da expressão, do
equilíbrio, da auto-estima e autoconhecimento, além de poderoso meio de integração social”
(BRASIL, 1998, p. 49). Para concluir, faz-se necessário pensar que para existir uma
sociedade consciente de suas ações para com o ambiente, é preciso agir de forma reflexiva, a
formação de uma geração consciente sócio-culturalmente requer anos, mas é possível mudar
através da Educação. A escola ainda é um dos principais meios onde a criança tem os seus
primeiros contatos com o mundo externo, é onde aprende a conviver em sociedade e
desenvolve a percepção de si e do ambiente em que atua.
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FONTERRADA. Marisa Trench de Oliveira. Música e meio ambiente - três eixos para a compreensão do pensamento de Murray Schafer. Disponível em:< http://www.musimid.mus.br/2_doctos/Marisa%20Fonterrada%20Schafer%20Musica%20e%20Meio%20ambiente.pdf >. Acesso em: 17/04/2011.
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Educação Musical na escola CETL: um ano musicalizando os seus alunos
Janieri Luiz da Silva Faculdade de Natal (FAL)[email protected]
Resumo: Esta comunicação é um relato de experiência de um ano, 2010/2011 com a temática de Educação Musical na escola. O objetivo é entender como se deu o processo do ensino de musica no CETL (Centro Educacional Teresa de Lisieux). Também será descrito a metodologia que é empregada durante as aulas, tanto quanto, o objetivo e os conteúdos ministrados. Nosso objetivo vai além de relatar o trabalho e a de fomentar idéias, pois o principal é agregar multiplicadores, que lutam por uma educação musical de qualidade.
Palavras-chave: Educação Musical, Conteúdos, Metodologia.
Introdução
A música deverá tornar-se obrigatória a partir de agosto de 2011 nas escolas
brasileiras, algumas instituições de ensino já tomaram o primeiro passo e adotaram a música
desde 2008. Com a validação da lei 11.769 a música entra como conteúdo obrigatório e que
deve ter objetivos da mesma forma que outros conteúdos também obrigatórios da grade
curricular, seja no ensino infantil, ensino fundamental e no ensino médio. Pensar nessa música
na sala de aula é pensar também na quantidade de profissionais que ainda não estão
capacitados e em um mercado de trabalho que não tem o número de profissionais necessários
para exercer a função de professor. Segundo o Portal Aprendiz em entrevista com os
secretários de educação afirma que “a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas, por
um lado, trará melhoria na formação cultural do aluno. Mas, por outro, terá um obstáculo: a
falta de profissionais capacitados para atuar nas salas de aula.” (PORTAL APRENDIZ,
2010).
A Educação Musical escolar ainda é tratada no Rio Grande do Norte de forma muito
diversificada, existem escolas que focam o ensino da música através do ensino do
instrumento, de forma a não proporcionar ao alunado outras experiências, sendo a meta só a
aprendizagem do instrumento. Em outras só existe aulas de música em alguns níveis de
ensino como no fundamental I (Séries que compreendem do 1º ao 5º ano) com flauta doce e
coral infantil, e em algumas instituições, essas aulas acontecem em momentos extra sala de
aula, não fazendo parte da rotina da escola, sendo uma aula particular não incluindo todos os
alunos da escola.
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Algumas escolas dispõem de materiais para que a música possa ser trabalhada como:
instrumentos de bandinha rítmica, violões, teclados, instrumentos de sopro. Enquanto outras
não têm um instrumento musical sequer, necessitando da criatividade do professor para o
desenvolvimento do trabalho, com o uso de materiais recicláveis na construção de
instrumentos alternativos.
Contexto de Ensino
O Centro Educacional Teresa de Lisieux (CETL), fundado em 1994 é localizado na
cidade de Parnamirim, RN. Hoje funciona da Educação Infantil ao Ensino Médio. Adotou a
educação musical desde fevereiro de 2010, inserindo a mesma desde Nível D (Educação
Infantil) ao 9º ano do Ensino Fundamental, e que tem como meta fazer com que os alunos
vivenciem os conteúdos, experimente-os, contextualize-os, não com o objetivo de formar
músicos, mas com o intuito de que os alunos compreendam a linguagem musical. Após um
ano de educação musical nesta escola 2010/2011 chega-se o momento de refletir quais foram
os avanços advindos com essa disciplina e como se deu o desenvolvimento da mesma, desde
o emprego de conteúdos, da metodologia empregada nos diferentes níveis de ensino, fazendo
assim uma avaliação de todo o processo de ensino-aprendizagem musical.
FIGURA 1 – Estrutura da escola
A Proposta Pedagógica Da Educação Musical No CETL.
Como já foi citado acima, o CETL (Centro Educacional Teresa de Lisieux) adotou o
ensino de música como obrigatório desde 2010. Os objetivos do ensino de música nesta
escola surgiram da necessidade de fazer com que os alunos vivenciassem a linguagem
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musical, além de aprender aspectos importantes da mesma como: história da música
ocidental, história da música popular brasileira, percepção musical, solfejo, leitura rítmica e
etc. Consideramos esses conteúdos importantes por fazerem parte do processo cultural dos
nossos alunos além de ajudá-los no seu desenvolvimento escolar, seja através da sensibilidade
e do próprio aprendizado. O CETL é uma escola regular e adotou o ensino da disciplina
Educação Musical como essencial a todos os seus alunos e preza pela qualidade desse ensino
A proposta utilizada para embasar o ensino de música no CETL visa sempre os
PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), onde o aluno é chamado a apreciar, produzir e
refletir sem esquecer a sua origem e principalmente o seu ambiente musical ao qual já está
habituado. Pois segundo esses parâmetros:
Qualquer proposta de ensino que considere essa diversidade precisa abrir espaço para o aluno trazer música para a sala de aula, acolhendo-a, contextualizando-a e oferecendo acesso a obras que possam ser significativas para o seu desenvolvimento pessoal em atividades de apreciação e produção(PCNs – Arte, 1997, p.53).
Além de pensarmos nesse ensino de música contextualizado com a realidade do
aluno pensamos também nos benefícios que esta linguagem artística iria trazer. A aquisição
de valores sociais antes de proporcioná-los outras experiências musicais. Quer dizer, antes do
conteúdo propriamente dito, o respeito ao próximo, a convivência, a interação são trabalhadas
através de jogos e conteúdos musicais. Experiências essas que viriam de forma progressiva
nos diferentes campos da música, fossem nas atividades de leitura rítmica, de solfejo, de coral
infantil, da flauta doce, da musicalização e da Educação Musical em si para as séries do
fundamental.
A música, como qualquer conhecimento, entendida como uma linguagem artística, organizada e fundamentada culturalmente, é uma prática social, pois nela estão inseridos valores e significados atribuídos aos indivíduos e à sociedade que a constrói e que dela se ocupam (LOUREIRO, 2001, p.113).
A Educação Musical no CETL durante o ano de 2010/2011 foi uma proposta
vivencial, quer dizer, os alunos fossem eles da Educação Infantil ou do Fundamental são
chamados a perceber a música primeiramente dita, antes de estudar qualquer aspecto teórico,
ou seja, é necessário estimular o gosto pela linguagem, que por mais que eles gostem
necessitam ampliar o seu conhecimento, sejam através de apreciações, dinâmicas musicais e
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outras atividades. É necessário entender como se deu o processo de desenvolvimento dessas
atividades, para poder aprender quais são os elementos teórico-musicais envolvidos nelas. É
necessário proporcionar ao alunado uma educação musical significativa, uma educação que
consiga conciliar teoria e prática e não torná-los meramente mecanizados.
A música na vida do ser humano é tão importante como real e concreta, por ser um elemento que auxilia no bem estar das pessoas. No contexto escolar a música tem a finalidade de ampliar e facilitar a aprendizagem do educando, pois ensina o indivíduo a ouvir e a escutar de maneira ativa e refletida.(ONGARO, SILVA, RICCI, 2006, p.3).
Acreditamos que uma proposta de Educação Musical de qualidade não deve ser
encontrada só em um método e sim no conjunto de vivencias e experiências que possam ser
proporcionadas a esse aluno. A canção que muitas vezes em escolas é tratada como o produto
para apresentações, no CETL ela é um meio de vivência musical riquíssimo para o
aprendizado dos alunos. “É inegável o valor da canção na iniciação musical das crianças, não
só pelo seu aspecto sintético, globalizador, mas também pelo seu poder de despertar a
sensibilidade afetiva” (ROCHA. 90 p.28).
O ritmo nas atividades de Educação Musical e Musicalização vêm sempre de forma
gradativa. É necessário o aluno vivenciar o ritmo, experimentando de forma corpórea, ou seja,
as atividades precisam ser desenvolvidas de forma a sensibilizar ritmicamente o aluno,
proporcionando um autoconhecimento rítmico. Fazendo com que o mesmo aprecie, produza e
reflita sobre o está fazendo. Aprender o que é uma pulsação, compreender uma divisão
binária, ternária, quaternária ou estudar elementos da teoria musical é algo que deve ser
pensado após todos esses momentos vivenciais. Seja como um estudo inicial para o
aprendizado de flauta doce, ou para o canto coral e também para as vivências em Educação
Musical. Não esquecendo que essas atividades rítmicas além de sensibilizar o aluno como já
foi citado auxiliará na coordenação motora, no desenvolvimento cognitivo, essencial na
formação do indivíduo.
O ritmo tem um papel importante na formação e equilíbrio do sistema nervoso. Isto porque toda expressão musical ativa age sobre a mente, favorecendo a descarga emocional, a reação motora e aliviando as tensões. Qualquer movimento adaptado a um ritmo é resultado de um conjunto completo (e complexo) de atividades coordenadas (CHIARELLI;
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BARRETO, 2005).
O coral infantil do CETL é formado pelas turmas do 1º, 2º e 3º ano, hoje em torno de
50 alunos. As turmas têm o seu repertório passado nas aulas separadas, mas também existe o
momento em conjunto, momento esse de promover a interação e principalmente a
socialização entre eles. O repertório do coral é sempre de caráter infantil e apropriado a sua
faixa etária de 6 a 8 anos. As apresentações são todas de acordo ao calendário oficial da
escola para que o mesmo possa mostrar o seu trabalho junto à comunidade escolar.
O trabalho do coro é solidário. O canto coral privilegia a união entre as pessoas e a socialização, além de proporcionar um conhecimento de caráter cultural. O canto coral é assim, tido como uma atividade importante na formação social da criança e do adolescente. A música faz parte da vida das pessoas e as escolas não podem desconsiderar isso (BRÉSCIA, 2003 p.84).
Entrando para a área instrumental no CETL temos aula de iniciação à flauta doce
para os alunos do 4º e 5º anos, onde o processo de musicalização é iniciado através da flauta.
Mesmo começando com o instrumento o aluno não é condicionado a regras da teoria musical,
e sim o mesmo passa por todo o processo de familiarização e experimentação do instrumento.
Esse processo se dá desde o conhecimento da flauta, passando pelo trabalho das propriedades
sonoras, onde os alunos aprendem alguns parâmetros já utilizando a flauta como instrumento
facilitador, até a execução de algumas canções.
Nas turmas do 6º ao 9º ano, a música é definida como uma disciplina que possibilita
aos alunos o acesso à linguagem artística e a toda sua estrutura, tendo seus conteúdos em
sequência, desde o processo histórico musical de acordo com o conteúdo, podendo ser erudito
ou popular, até atividades de percepção rítmica, solfejos e vivências corporais musicais.
Tendo como premissa o conhecimento da estrutura do processo musical antes da execução do
instrumento, experimentando diversos materiais sonoros, seja instrumentos recicláveis,
materiais de bandinha rítmica e etc. O Papel do professor é ir aproveitando as experiências do
aluno e favorecer o processo de aprendizagem futuro.
No caso da educação musical, que deve ser oferecido pelo ensino formal para promover o efetivo desenvolvimento dos alunos poderia ser a ampliação de sua bagagem musical: não porque o conhecimento musical cotidiano seja “inferior”, mas porque ele certamente é limitado, cabendo à educação formal interferir para ampliar e conduzir a formação educacional
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das pessoas (BENEDETTI; KERR, 2008, p. 41).
Os objetivos e conteúdos da educação musical nos diferentes níveis de
ensino no CETL que foram trabalhados durante o ano 2010/2011.
Educação Infantil
Vivenciar a música em todas as suas formas desde cantar a conscientização dessas
atividades;
Desenvolver a sensibilidade rítmica, auditiva no trabalho com o som;
Estimular as crianças à participação principalmente no desenvolvimento do convívio com
os colegas.
Conteúdos
1º trimestre
Vivências Musicais – Método Willems de educação musical
As propriedades sonoras
Timbre
Altura
Intensidade
Duração
2º Trimestre
Vivências Musicais – Método Willems de educação musical;
As notas Musicais;
A percepção;
Os jogos musicais;
A bandinha rítmica.
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3º Trimestre
Percepção auditiva;
Percepção rítmica;
A canção;
1º, 2º, 3º ano – Coral Infantil
Proporcionar ao aluno um aprendizado sobre o uso correto da voz;
Propor interação entre os alunos já que coral é grupo, e grupo precisa de participação,
empenho e consonância de todos;
Desenvolver uma correta afinação, postura e impostação de voz ao cantar;
Aprender noções de teoria musical para que possa aplicar na prática coral.
Conteúdos
1º Trimestre
O som
As Notas
As propriedades Sonoras
O vocalize
A postura
As canções
2º Trimestre
A Melodia
A música Clássica
A música Popular
O compositor
O interprete
As canções
A respiração
3º Trimestre
Percepção Rítmica e Melódica
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As Canções e o trabalho vocal
4º e 5º ano – Flauta doce
Proporcionar o aprendizado em flauta doce;
Desenvolver a percepção musical seja ela melódica ou rítmica;
Desenvolver a respiração para uma melhor execução instrumental.
Conteúdos
Conteúdos que fazem parte dos três bimestres.
O processo de respiração para execução na flauta;
As notas musicais;
As Figuras musicais;
A leitura musical;
As canções para flauta.
Educação Musical – 6º ao 9º ano.
Analisar diferentes estilos e processos musicais na tentativa de colocá-los em prática;
Conscientizar sobre a importância da expressão corporal e dos procedimentos de
aquecimento do corpo.
Conteúdos 1º Trimestre:
O cantar;
O Falar;
Os Ritmos Brasileiros;
A criação Musical;
A Musicalização nos diferentes níveis.
Conteúdos 2º Trimestre e 3º Trimestre
Figuras Musicais;
A Fisiologia da voz;
O Aquecimento vocal;
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O Aquecimento corporal;
O Trabalho com intervalos musicais.
Considerações finais
Pensar em Educação musical é ter a consciência da responsabilidade e da
importância ao lecionar a mesma, tanto para o profissional como para a escola. Para o
profissional, a segurança na difusão do conteúdo, no planejamento e principalmente nos
objetivos a ser atingidos. Para a escola, na estrutura física para as aulas, nos recursos
necessários para o desenvolvimento nesse trabalho.
Vejo a educação musical no CETL progredindo a cada dia. Lembrando bem, a
educação musical faz parte da rotina dos alunos, é algo que já estão habituados. Os nossos
alunos não se sentem pressionados a tocar um instrumento musical. Eles têm a consciência
que antes de tudo desenvolver a consciência musical através de vivências rítmicas, melódicas
é mais importante.
A proposta da educação musical da Educação Infantil ao 9º ano do Ensino
Fundamental, é algo de grande valia, é acreditar nos benefícios que a música pode trazer aos
seus alunos sem cobrar nenhum ônus financeiro além da mensalidade normal, sendo uma das
primeiras escolas de Parnamirim a dispor de um profissional formado na área para lecionar
essas aulas.
Após um ano podemos dizer que acreditamos sim na Educação Musical e
principalmente nos resultados obtidos com ela. Que nos orgulhamos em termos investido
nessa área, pois sabemos o quanto ela auxilia na aprendizagem de todos os indivíduos.
Educação Musical para todos é o que defendemos e acreditamos. Uma educação onde todos
os professores sejam capacitados e que os alunos sintam prazer em participar, pois a música
deve fazer parte das alegrias da vida da mesma forma que alegra os nossos ouvidos.
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Referências
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CHIARELLI, Lígia Karina Meneghetti; BARRETO, Sidirley de Jesus. A Importância da Musicalização na Educação Infantil e no Ensino Fundamental - A Música como Meio de Desenvolver a inteligência e a interação do ser. Disponível em: <http://www.iacat.com/revista/recrearte/recrearte03/musicoterapia.htm >. Acessado em: 02 de Abril de 2011.
LOUREIRO, Alícia Maria Almeida. O ensino de música na escola fundamental: um estudo exploratório. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: PUC/Minas. 2001.
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PORTAL APRENDIZ. Secretarias apontam falta de professores de música com boa formação. Disponível em: < http://aprendiz.uol.com.br/content/niuocrukip.mmp>. Acessado em: 04 de Maio de 2011.
ROCHA, Carmen Maria Mettig. Educação Musical Método Willems. 2º Edição, Salvador: Faculdade de Educação da Bahia. 1990.
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Educação musical não formal a partir da roda de samba: uma proposta de
extensão atuando na formação de educadores musicais
Eduardo Conegundes de Souza Universidade Federal de São Carlos
Resumo: O presente artigo busca apresentar o desenvolvimento de um projeto de extensão universitária envolvendo a parceria entre o curso de Educação Musical da UFSCar e o Núcleo de Samba Cupinzeiro, associação cultural sem fins lucrativos que atua desde 2001 na cidade de Campinas-SP. Entendendo a indissociabilidade dos processos de pesquisa, ensino e extensão, esta parceria teve o objetivo principal de proporcionar a construção de saberes e acomplementação da formação dos licenciandos em Educação Musical no contato com manifestações da cultura popular e ações educativas desenvolvidas por agentes integrantes da instituição parceira. Através de oficinas, rodas de samba e da construção de um ambiente virtual de ensino-aprendizagem, buscamos integrar a formação dos licenciandos a práticas culturais concretas, aos processos comunitários e de sociabilidade, potencialmente enriquecedores para a formação dos futuros educadores musicais. Paralelamente, o projeto visou proporcionar uma alternativa viável de acesso a atividades culturais e formativas à população, além de gerar nos alunos e participantes reflexões acerca dos processos culturais vivenciados, entendendo-os como ações coletivas que envolvem também processos nãoformais de educação em meio à prática cultural nos seus diversos níveis.
Palavras-chave: Educação Musical, Educação Não-formal, Samba.
Apresentação
A fonte motora para o projeto aqui apresentado foi o desejo de estabelecer pontes
possíveis entre os saberes construídos em meio a práticas da cultura popular com as atividades
de ensino, pesquisa e extensão no interior da Universidade Pública.
Para isso foi estabelecida uma parceria entre o Núcleo de Samba Cupinzeiro e a
UFSCar (Curso de Educação Musical). Tal parceria foi formalizada através de projeto
aprovado via Proext1.
O referido núcleo é uma associação sem fins lucrativos que vem desenvolvendo
atividades culturais abertas à comunidade na cidade de Campinas SP. Ela iniciou suas
atividades no ano de 2001 e vem desenvolvendo ações culturais e educacionais em torno da
Roda de Samba como manifestação aglutinadora de seus participantes em torno da prática
musical do samba enquanto importante matriz musical e cultural brasileira. A prática mensal
das Rodas de Samba do grupo se dá em espaços mantidos em parceria com outras entidades
1 Proext/SP 2009 Cultura - Programa de Apoio à Extensão Universitária às Universidades no Estado de São Paulo. Fundo Nacional de Cultura
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comunitárias, culturais e movimentos sociais, sendo este um dos fatores fundamentais para o
estabelecimento de um contato estreito entre o grupo e a comunidade. As atividades da
associação têm como base a quebra da relação entre músicos (artistas) e platéia. O Núcleo
Cupinzeiro busca, portanto, gerar uma relação que vai além daquela que se estabelece com a
cultura enquanto bem de consumo. Ou seja, busca inserir a todos os participantes como
sujeitos ativos, propositores e produtores do processo cultural comunitário.
A aproximação e atuação junto a esta associação, num primeiro momento abriram a
percepção para uma série de procedimentos de recuperação e difusão da memória cultural
dessa manifestação em meio a um processo que também poderia ser considerado como de
educação não-formal. A partir dessa percepção foi realizada uma pesquisa de mestrado,
desenvolvida durante os anos de 2005 e 2006, intitulada “Roda de Samba: espaço da
memória, educação não-formal e sociabilidade”.2 A partir dessa pesquisa foi possível fazer
um acompanhamento das diversas atividades culturais e comunitárias ligadas à prática do
grupo em questão, bem como de outros dois grupos com atuações similares3. A partir de um
conjunto de observações em campo e posteriores análises com base em estudos bibliográficos,
foi possível perceber a ligação das ações observadas com processos de educação não-formal e
educação musical no desencadeamento do conjunto de atividades culturais desenvolvidas
pelos grupos pesquisados.
Durante a pesquisa observamos um processo de construção identitária ligada à
prática da roda de samba enquanto momento comunitário destinado não somente a execução
musical, mas também à troca de saberes sobre a história da manifestação, sua constituição
sócio-cultural, formação de repertório, bem como de difusão de compositores ligados ao
período de constituição do samba enquanto gênero musical.
A partir disso, a ação e construção coletiva que se estabeleceu no decorrer do projeto
de extensão aqui apresentado, se deu a partir do conjunto de atividades constituídas a partir da
roda de samba desenvolvida pelo grupo parceiro. A prática do grupo se fundamenta na
pesquisa histórica e na recuperação da memória do samba e de seus processos sócio-
históricos. Essa busca pela memória capaz de gerar um novo sentido para todo o repertório
musical praticado é gerado pela pesquisa fonográfica, pelo contato com antigos sambistas e
com o acesso a registros históricos diversos.
2 Essa pesquisa de mestrado teve financiamento da Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
3 Os grupos pesquisados foram o Projeto Nosso Samba com atividades desenvolvidas no município de Osasco – SP e Gremio Recreativo de Tradição e Pesquisa Morro das Pedras atual Terreiro Grande – São Paulo - SP.
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Com isso, a prática da roda de samba se torna um traço marcante de convergência
dos participantes do projeto, principalmente no que diz respeito à construção de espaços de
interações humanas, trocas de saberes em diversos níveis e de expressão em torno da cultura
musical do samba.4 A partir da observação dessas práticas e dos estudos bibliográficos
realizados, pudemos relacionar esta como sendo uma ação cultural desencadeadora de um
processo de educação não-formal realizado em meio a pratica cultural e musical coletivas.
Cultura, Educação Não-Formal e Experiência
Para o presente relato é fundamental buscarmos estabelecer qual noção de educação
permeou nossas atividades e o quanto ela está imbricada nas ações culturais propostas.
Portanto conforme Maria da Glória Gohn, podemos conceber educação enquanto:
[...] modos, formas e processos de atuação dos homens na história. Ela se constrói na história, está constantemente se modificando mas, ao mesmo tempo, é continuamente influenciada por valores que se sedimentam em tradições, e que são transmitidos de geração a geração. (GOHN, 1993, p.51).
Podemos verificar que a educação pode ser abordada enquanto forma de ensino e
aprendizagem adquirida ao longo da vida dos cidadãos e “consiste no processo de absorção,
reelaboração, e transformação da cultura existente nos grupos sociais”. (GOHN, op. cit, p.51).
A autora ainda nos coloca que a leitura, interpretação e assimilação dos fatos e
acontecimentos sociais são fundamentais para a aquisição e construção dos saberes.
A partir dessa primeira aproximação do que entendemos como processo de educação
ocorrendo de modo indissociável da cultura, podemos considerar que a educação escolar,
formal, oficialmente legitimada como possibilidade de acesso ao conhecimento estruturado ao
longo da história, deve ser abordada enquanto uma das formas de educação. Outras formas
podem ser caracterizadas conforme o grau de sistematização dos saberes, bem como a partir
das ações e métodos desenvolvidos para a transmissão e construção de saberes.
Até recentemente se considerou a educação não-escolar como sendo decorrente de
processos informais, espontâneos ou naturais, ainda que carregados de valores e
representações. Porém, ao considerarmos os estudos que vem sendo realizados dentro da
4 Com isso esses grupos retomam papel semelhante ao dos cordões nos anos 10, 20 e 30 e das escolas de samba dos anos 30 aos 70, tendo papel educacional e organizador de atividades culturais comunitárias em espaço urbano e periférico. Sobre esse processo ver: SIMSON, Olga R. de Moraes von. Brancos e Negros no Carnaval Paulistano. QUEIROZ, Maria Izaura Pereira de. Carnaval Brasileiro: O Vivido e o Mito.
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sociologia da educação, este campo não-escolar pode ser caracterizado por diferentes formas
de atuação educacional em ambientes não-escolares. Segundo Almerindo Janela Afonso, “a
educação informal ocorre nos espaços de possibilidades educativas no decurso da vida dos
indivíduos como a família, tendo, portanto, caráter permanente”. (AFONSO, 1992, p. 72).
O que buscamos destacar aqui é que em meio à prática cultural de grupos
organizados, outras possibilidades de educação não escolar vêm sendo desenvolvidas e
observadas, principalmente a partir da década de 1980 no Brasil, sendo designada dentro do
campo não-escolar como educação não-formal.
Esse tipo de ação cultural e educacional, além de não se opor à processos formais de
educação, também engloba planejamento sistematizado, pois, deve responder às demandas
dos seus agentes, desenvolvendo assim, metodologias a partir de tempos e espaços
específicos, e portanto, diferentes do sistema formal (escolar). É importante ressaltar ainda
que, embora a educação informal e a não formal atuem no campo não escolar, também trazem
características que as diferenciam entre si. Não raro encontramos o uso dos termos informal e
não formal como sinônimos.
Portanto para uma melhor visão dessas especificidades, vejamos a caracterização
dada por Afonso:
Por educação formal, entende-se o tipo de educação organizada com uma determinada seqüência e proporcionada pelas escolas enquanto que a designação educação informal abrange todas as possibilidades educativas no decurso da vida do indivíduo, construindo um processo permanente e não organizado. Por último, a educação não-formal embora obedeça também a uma estrutura e a uma organização (distintas porém das escolares) e possa levar uma certificação (mesmo que não seja esta a sua finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita a não fixação de tempos e locais e a flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto. (AFONSO, op. cit., p. 86)
Essa diferenciação e a conseqüente caracterização de uma área específica da
educação não-formal, vem sendo formada a partir da observação de diferentes práticas,
permeadas por relações educacionais, realizadas por espaços associativos, ONG's,
movimentos sociais, igrejas, sindicatos, partidos políticos e espaços culturais. Embora não
obedeçam a uma série de requisitos formais, esses espaços passaram a construir diferentes
modos de vivenciar, compreender e sistematizar o processo de ensino-aprendizagem.
Para Gohn a importância que as diferentes modalidades de educação não-formal tem
adquirido nos últimos anos deve-se não apenas à aquisição pura e simples de conhecimentos.
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Se nos detivermos apenas nesses aspectos estaremos fazendo uma análise reducionista e
utilitarista. Para a autora:
A maior importância da educação não-formal está na possibilidade de criação de conhecimentos novos. O agir comunicativo dos indivíduos voltado ao entendimento dos fatos e fenômenos sociais do cotidiano, baseia-se em convicções prático-morais, elaboradas a partir das experiências anteriores, segundo as tradições culturais e as condições histórico-sociais de um certo tempo e lugar. O conjunto desses elementos fornece o amálgama para a geração de soluções novas, construídas face aos problemas que o dia-a-dia coloca nas ações dos homens e mulheres. (GOHN, 1997, p.04)
Portanto, a autora nos faz compreender que ao estudarmos a educação não-formal
desenvolvida junto a grupos sociais organizados, devemos atentar para as questões das
metodologias, modos de funcionamento, organização coletiva, por serem estes os aspectos
transmitidos e construídos pelos participantes, sendo o que possibilita o fazer cultural e seu
processo de continuidade.
Com isso, ao longo do projeto de extensão e pesquisa paralelamente desenvolvido, os
pontos até o momento levantados apontam para a possibilidade de um contato significativo de
troca de saberes entre alunos de licenciatura em educação musical, comunidade participante
dos encontros e o grupo cultural na construção de práticas abertas à comunidade mais ampla.
Ao pensarmos no processo acadêmico dos alunos de graduação (licenciandos em
educação musical), a vivência de processos como esses observados nas atividades do Núcleo
de Samba Cupinzeiro, podem se tornar experiências de grande relevância para a formação do
futuro educador musical. A experiência, portanto, ganha importância enquanto contato e
imersão no mundo empírico, com a cultura e a sociedade.
Em Heidegger podemos encontrar a seguinte definição do experienciar:
[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em “fazer” uma experiência, isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer, “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo. (HEIDEGGER, in BONDÍA, 2002, p. 25)
Portanto, nessa perspectiva o sujeito da educação pode participar de experiências e
assim viver cada novo saber num processo de exposição, de significação, de receptividade,
travessia e perigo próprio da vida sendo vivida. Esse passa a ser um processo fundamental
para a geração de significados e leituras do mundo, da música com a qual se tem contato, da
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cultura e das próprias ações educacionais em meio às relações que se travam durante as
práticas culturais.
O profissional formado pelas licenciaturas em Música ou Educação Musical, hoje,
atua em meio a uma grande diversidade cultural, e em espaços sociais diversos. Com isso, há
uma necessidade da aproximação de seus estudos teóricos com práticas educacionais e
culturais concretas. No caso das atividades vivenciadas a partir do presente projeto os alunos
puderam ter uma referência da atuação de agentes culturais com formações diversas em
contexto não-formal. Portanto, nesse contato os estudantes tiveram a oportunidade de
estabelecer relações de trocas de saberes, observar, compreender, e a partir da formação
acadêmica refletir sobre as possibilidades de desenvolvimento de metodologias de ensino e
aprendizagem a partir de referências culturais, neste caso, provindas da cultura popular e da
educação não-formal. Embora haja um grande crescimento desse campo educacional não-
formal, os alunos de licenciatura tem pouco contato através da grades curriculares com as
praticas e metodologias provindas desse campo durante a graduação. Nesse sentido, o projeto
de extensão pôde ampliar os horizontes dos licenciando no sentido da complementação da
formação dos alunos envolvidos.
Essa inter-relação de nossos alunos com tais práticas culturais as quais podemos
relacionar ao campo da educação não formal, têm grande potencial de contribuir para que o
estudante de licenciatura em música possa vivenciar práticas musicais coletivas e processos
educacionais em contextos culturais diversos. Portanto, ao licenciando imerso como
participante de atividades dessa natureza se abrem novos horizontes de pesquisa relativa à
educação musical e a cultura em meio ao movimento dinâmico dos grupos sociais.
O Percurso das Ações e Reflexões
A metodologia para o desenvolvimento do projeto de extensão proposto foi baseada
em três frentes de atuação: Realização de Oficinas, Rodas de Samba e ao oferecimento do
Curso de Extensão via ambiente virtual de ensino-aprendizagem.
O projeto contemplou 4 alunos de Licenciatura em Música como bolsistas do projeto
e portanto membros da equipe de planejamento e execução das atividades. Além dos
bolsistas tivemos uma média de 15 alunos licenciandos que participaram das oficinas
ministradas e das atividades culturais abertas à comunidade em geral.
Ao todo foram seis encontros realizados com a frequência mensal. Em cada encontro
ocorrido aos finais de semana foi oferecida uma oficina ministrada pelo professor
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coordenador do projeto em parceria com o Núcleo de Samba Cupinzeiro. As oficinas
ocorreram no período da manhã (das 09 às 12hs) sempre seguida de uma roda de samba
realizada no período da tarde e noite. (das 18 as 22hs). As rodas foram planejadas de modo a
terem um intervalo, momento em que era oferecido um caldo de feijão a todos os presentes.
Este foi um procedimento trazido pelo grupo e mantido no projeto como forma de trazer o
sentido comunitário e de construção da manifestação cultural envolvendo os diversos aspectos
da cultura.
As Oficinas foram ministradas pelos membros da Associação de Samba Cupinzeiro
buscando compartilhar com os licenciandos e com o público em geral as suas experiências de
pesquisa e de prática com o samba. Para isso, foram realizadas discussões sobre temas
relacionados à cultura e à memória do samba, aspectos que envolvem a organização coletiva
do grupo, pesquisa e organização de repertório, além de aspectos práticos, tais como: o papel
dos instrumentos dentro da manifestação, linguagem e estruturação desse gênero, bem como,
formas de tocar e interagir musicalmente.
Diretamente relacionado ao trabalho das oficinas, houve a construção do ambiente
virtual de interação. Ele se deu em princípio pela construção do Blog intitulado “Na Roda de
Samba”. A partir dos conteúdos gerados pelas oficinas foi construído esse ambiente. Com isso
foi possível dar acesso a conteúdos trabalhados durante as atividades presenciais, bem como
repertório executado e informações históricas referentes ao gênero e a manifestação em si.
Assim pudemos manter um contato com os participantes de modo a termos uma continuidade
e aprofundamento dos temas abordados nas oficinas, mesmo nos períodos que se deu entre os
encontros presenciais. Esse ambiente foi bastante significativo para o desenvolvimento do
projeto, visto que teve nos seis meses de atividades uma grande freqüência de acessos (1500
ao todo). Esse recurso se mostrou eficaz na continuidade e aprofundamento do processo de
formação dos participantes. Os materiais disponibilizados em forma de hipertextos, áudio
visuais, textos bibliográficos e links proporcionaram discussões acerca do samba, da educação
e da lógica contemporânea de difusão da cultura realimentando as oficinas em seus conteúdos.
As Rodas de Samba como práticas coletivas puderam proporcionar aos participantes
a vivência de muitos dos aspectos trabalhados e discutidos nas Oficinas e no ambiente virtual
de ensino e aprendizagem. Ao mesmo tempo, essas atividades geraram um processo de
discussão e busca de conhecimentos que se fazem presentes na realização da roda, e que
passam a ser necessários para aqueles que buscam participar efetivamente de sua realização.
Assim, pudemos potencializar o aprendizado e a aquisição de um repertório comum,
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fundamental para que os interessados pudessem se inserir na manifestação como sujeitos
pertencentes ao grupo pela identificação e pelo conhecimento coletivizado.
Conforme as experiências que temos tido no uso de ambientes virtuais de educação,
o uso do Blog como recurso de interação e disponibilização de conteúdos conjugadas às
interações presenciais têm a capacidade de potencializar o processo de trocas e construção de
conhecimentos. Além desse processo de formação gerado pelas Oficinas e pelo ambiente
virtual, as Rodas de Samba se caracterizam como uma possibilidade de acesso da comunidade
local e regional a uma alternativa cultural e musical. Ao longo do projeto tivemos uma
freqüência de 150 pessoas por encontro.
Com isso, a metodologia proposta, buscou estabelecer um ciclo em que a prática
cultural é a base impulsionadora de reflexões, trocas de saberes, busca por conhecimentos e
de interações humanas capazes de significar e reconstruir a relação com os saberes e com a
cultura. Cada encontro se torna a oportunidade de participação efetiva e de aprofundamento
das relações com o grupo de participantes e o fazer cultural. Nesse processo cada indivíduo
acessa os saberes a partir de suas referências e se relacionam numa imersão capaz de levar a
etapas sucessivas de contato com os diversos saberes. Com isso, cada novo encontro
possibilita a construção de novos níveis de desenvolvimento cognitivo. Nessa experiência que
envolve a prática musical coletiva e reflexiva, pretendemos dinamizar o que Pierre Lévy
(2000) chama de “inteligência coletiva”. Esse processo passa pelo reconhecimento da
diversidade colocada em diálogo para a construção e ampliação dos saberes. Nesse sentido, o
aprendizado passa a significar: pesquisa, interação, prática coletiva e construção de saberes
em diversos níveis, estando fundamentalmente baseado no diálogo e na interação humana.
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Educação musical e religião: reflexões sobre o processo de
ensino/aprendizagem de música na Congregação Cristã no Brasil
Carlos Renato de Lima Brito
Universidade Federal do Ceará [email protected]
José Robson Maia de Almeida Universidade Federal do Ceará
Resumo: Este trabalho apresenta uma pesquisa em andamento, cujo sujeito é o ensino de música da Igreja Evangélica conhecida como Congregação Cristã do Brasil. Nota-se que a diversidade religiosa no país permite o desenvolvimento de culturas musicais diversas e o ensino de música é transmitido aos religiosos através dessas culturas. Entre as religiões praticadas no Brasil, as Igrejas Evangélicas têm notável preocupação com o ensino de música entre seus adeptos, isso como forma de providenciar a música dos cultos. O objetivo da pesquisa é conhecer os processos de ensino-aprendizagem de música realizados pela Igreja Congregação Cristã, observando a existência de motivações religiosas, verificando a presença de ensinos formais, informais e não-formais nestes processos e de metodologias tradicionais e/ou inovadoras. A natureza da pesquisa é qualitativa, sendo realizado um estudo de caso. A coleta dos dados se dará em entrevistas semi-estruturadas com dez músicos oficializados da Congregação do Brasil em Juazeiro do Norte, CE. A pesquisa se demonstra relevante, uma vez que cada Igreja Evangélica tem se tornado um núcleo de educação musical carente de avaliação e aperfeiçoamento e, além disso, a pesquisa destaca uma relação interdisciplinar entre música, pedagogia e religião.
Palavras-chave: Educação, música, religião.
Evangélicos no Brasil
O cenário religioso brasileiro possui uma rica diversidade de crenças, cultos e
representações simbólicas. O tronco religioso brasileiro enriquecido pelas raízes ameríndias,
africanas e européias, transporta vida para galhos, folhas, flores e frutos das religiões
institucionalizadas por séculos de desenvolvimento aos núcleos informais de aglomeração
religiosa.
Nesta variedade de manifestações religiosas impressiona o crescimento e a inserção
na sociedade brasileira das Igrejas Evangélicas. Mendonça (2009, p. 10) destaca os dados
deste crescimento:
Desde as últimas décadas do século XX, o cenário do cristianismo no Brasil tem sido marcado pela expansão do pentecostalismo. A pesquisa Datafolha sobre a religião dos brasileiros revela que, de 1996 a 2007, houve um
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declínio de católicos declarados de 74% para 64%, um aumento de evangélicos não-pentecostais de 4% para 5%, e um crescimento de evangélicos pentecostais de 11% para 17%.
Evangélicos e Educação Musical
Além do crescimento numérico, da inserção evangélica na sociedade brasileira, das
manifestações midiáticas e da abertura para um novo mercado religioso nos moldes
estadunidenses, o que é amplamente analisado por Mendonça, impressiona a capacidade
histórica dos evangélicos em promover educação musical entre os fiéis. Isto é
apropriadamente destacado por Fontoura e Silva (2010, p.1):
Nas igrejas Evangélicas do Brasil, a música vem sendo parte integrante desua liturgia desde os seus primórdios. Nesse contexto, a sua prática dá-se através da execução vocal e instrumental, contemplando formações musicais diversas. No intuito de alimentar tal prática musical as igrejas dispõem do ensino de música em seus templos.
Freitas (2008, p. 8), embasada numa pesquisa feita pelo IBGE publicada na revista
Veja, reforça:
(...) 35% músicos brasileiros evangélicos dentre os participantes da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – OSESP. A pesquisa também revela que os músicos evangélicos concentram-se nas seções de metais e madeiras das orquestras brasileiras e afirma que as igrejas que mais formam músicos são a Assembléia de Deus, a Igreja Batista e a Congregação Cristã no Brasil.
As Igrejas Evangélicas, herdeiras da Reforma Protestante do século XVI,
compartilham de uma preocupação com a educação musical para utilizar a música como meio
de evangelização e como componente da formação intelectual do indivíduo. Sobre o
posicionamento do reformador alemão Martinho Lutero, Schalk (2006, p. 37) escreveu:
Para Lutero, a música era parte indispensável da boa educação, não somente a música voltada a si mesma, mas também em relação à função que ela poderia desempenhar na vida dos jovens quando participam do culto; ele defendeu a educação musical e promoveu sua inclusão no currículo escolar sempre que teve oportunidade.
Esta preocupação em ensinar música aos fiéis foi historicamente transmitida às
Igrejas Evangélicas implantadas no Brasil pelo esforço missionário empregado no século XIX
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especialmente por organizações religiosas norte-americanas. A respeito disso, destaca Braga
(1960) que a senhora Sarah Kalley, junto com seu marido doutor Robert Kalley, fundou a
primeira Igreja Evangélica com cultos realizados em língua portuguesa no Brasil. Dava aulas
de música para melhorar o canto congregacional desde 16 de setembro de 1863 e possuía uma
lista de freqüência em que anotava os atrasados e os faltosos por motivo de doença (BRAGA,
1960, p.113). Robert e Sarah Kalley foram responsáveis pela publicação do primeiro hinário
evangélico no Brasil, uma coletânea de canções religiosas usada na liturgia e no ensino de
música nas Igrejas Evangélicas. O hinário Salmos e Hinos foi publicado em 1861, utilizado
pela primeira vez no dia 17 de novembro (BRAGA, 1960, p.111).
Numa contribuição para o crescente número de pesquisas que enfocam o
relacionamento entre a educação musical e a religiosidade evangélica, este projeto se propõe a
estabelecer os parâmetros para a pesquisa do ensino de música realizado numa das
denominações evangélicas que definidamente possuem um projeto de ensino de música aos
membros interessados em tocar um instrumento musical: a Congregação Cristã. A pesquisa
elaborada pretenderá enxergar as motivações religiosas reivindicadas de modo explícito ou
não-verbal que levam os devotos a se dedicarem ao ensino/aprendizado de música. Esta
dedicação pessoal motivada tem gerado números impressionantes de músicos e bandas
religiosas formadas e ligadas à Congregação Cristã.
Objetivo Geral
Conhecer os processos de ensino-aprendizagem praticados dentro da Congregação
Cristã, fazendo uma ponte entre a religiosidade desta denominação evangélica e o seu
processo educativo-musical.
Objetivos Específicos
Observar a existência de motivações religiosas no ensino e na aprendizagem de
música, como fator de melhoria no desempenho do professor e do aluno;
Verificar como ensinos formais, informais e não-formais estão presentes no ensino
de música da Congregação Cristã e como eles são importantes para as recentes discussões da
educação musical na realidade brasileira;
Conhecer a existência de metodologias tradicionais e/ou consagradas empregadas no
ensino de música da Congregação Cristã ou novas metodologias que melhor se aplicam a este
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contexto eclesiástico;
Promover uma reflexão crítica a respeito das metodologias de ensino de música nas
Igrejas Evangélicas e demais instituições religiosas.
Justificativa, problema da pesquisa e referencial teórico
A primeira motivação pessoal da pesquisa a respeito do ensino de música na
Congregação Cristã decorre da surpresa ao ouvir de um amigo um depoimento de como ele
próprio aprendera a tocar violino no período em que fazia parte da Congregação Cristã. Este
meu amigo relatou como foi iniciado em apontamentos de teoria musical e solfejo dentro da
Igreja pela aplicação de uma metodologia definida, sendo ensinado por outro membro da
Congregação Cristã. Relatou ainda que, depois de certo tempo de treinamento em Solfejo foi
iniciado no violino e teve de passar por algumas fases de desenvolvimento para poder tocar na
Igreja. Este amigo tornou-se, antes do afastamento da Congregação Cristã, um professor
dentro da Igreja, sendo evidência de um ciclo educacional musical. A surpresa foi intensa
porque eu mesmo fazia parte de uma Igreja Evangélica e estava muito interessado no ensino
de música na Igreja, lecionando lições de violão e teclado na mesma instituição, com o
objetivo de acrescentar mais técnica à música praticada nos cultos. Fiquei surpreso por
perceber que aquela instituição alcançava resultados que eu não achava serem possíveis.
Uma segunda motivação da pesquisa a respeito do tema é estar envolvido por
formação acadêmica nestas duas pontas da discussão proposta: a religião e a educação
musical. Sou bacharel em Teologia pela Faculdade Kurios, Maranguape-CE, fiz o Curso
Livre de Teologia com Ênfase em Exegese pelo Seminário Batista do Cariri, Crato, CE, e
estou ligado à religião pela vocação de pastor evangélico na Igreja Batista Regular do Novo
Juazeiro, Juazeiro do Norte-CE. Além dos conhecimentos adquiridos na sala de aula e da
prática sacerdotal, ensino música na Igreja desde os 16 anos. O conhecimento formal e
legitimado em educação musical se deu pelo ingresso no curso de Licenciatura em Música da
Universidade Federal do Ceará no ano de 2010.
Uma terceira motivação em estudar o tema é ter um colega de turma da Congregação
Cristã que aprendeu a tocar tuba na Igreja e agora é um dos instrutores e músicos oficializados
da denominação. O modo como este colega interage com os assuntos da educação musical, se
posiciona criticamente diante das metodologias propostas e tem disciplina em relação aos
estudos, despertou em mim uma curiosidade em estudar as suas origens musicais e religiosas.
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A Congregação Cristã “é a mais antiga denominação pentecostal do país, onde está
prestes a completar 100 anos de seu surgimento pelo italiano Luigi Francescon” (SILVA,
2010, p.1). As celebrações religiosas possuem um esquema geral, o repertório é
compreendido de 450 hinos, contidos no hinário “Santos Cânticos”, mas os hinos são
escolhidos no momento da celebração. Há uma forma definida de ensino de instrumentos
musicais, um programa de testes que levará o aluno a ter a permissão para tocar no culto e
uma divisão muito clara nos papéis dos gêneros dentro das celebrações (SILVA, p.10).
Algumas perguntas podem ser propostas: Que metodologias de ensino/aprendizagem
de música são utilizadas pela Igreja? Será que existe alguma relação entre a doutrina
sustentada pela Congregação Cristã e o ensino de música promovido por ela? A religião pode
ser um fator ou pode conter fatores motivadores do aprendizado musical? Que fatores destes
estão presentes na Congregação Cristã?
Um entendimento maior sobre as metodologias de ensino praticadas na Igreja
Congregação Cristã se faz necessário porque as Igrejas Evangélicas têm produzido em seus
templos músicos profissionais e professores de música. De acordo com Freitas (2008, p. 20),
músicos iniciaram seu aprendizado musical nas Igrejas Evangélicas e depois, como forma de
ampliar seus conhecimentos, ingressaram em cursos de música fora da Igreja ou se inseriram
no mercado musical, especialmente em bandas militares ou de civis. Também é importante
refletir sobre as práticas de ensino de música nas Igrejas, porque estas metodologias podem se
apresentar deficitárias e ineficientes em áreas da formação do músico. Tratando de uma das
dificuldades enfrentadas no ensino de música nas Igrejas Evangélicas, escreve Freitas (2008,
p.21):
A afinação dos instrumentos é uma vertente que depende da prática individual de cada aluno. Quanto mais estudo, mais o aluno se habitua com o som de seu instrumento e com a afinação do mesmo. Os alunos iniciantes possuem muita dificuldade e os professores sem formação adequada, sentem muitas dificuldades para explicar a importância da afinação.
Esta pesquisa pode oferecer respaldo teórico para que problemas como esses possam
ser enfrentados na prática de ensino de música realizada dentro das Igrejas.
Existe uma necessidade de interdisciplinaridade entre as várias áreas do
conhecimento. A vida não pode ser entendida em departamentos herméticos e fragmentados,
nem o estudo dela pode ser concebido assim. A pesquisa pode promover uma interação entre
a música, a pedagogia e a religião.
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Metodologia
A natureza desta pesquisa é qualitativa configurando-se como um estudo de caso.
Serão escolhidos cinco músicos oficializados da Congregação Cristã no Brasil e serão feitas
com eles entrevistas semi-estruturadas na cidade de Juazeiro do Norte, CE. A coleta dos
dados em cada entrevista será feita com um gravador eletrônico e um diário de campo.
Tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. Usada como principal método de investigação ou associada a outras técnicas de coletas, a observação possibilita um contato pessoal e estreito com o pesquisador com fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. (LUDKE; ANDRE, 1986, p. 26).
Além das entrevistas, o autor da pesquisa se propõe a participar de um culto
realizado pela Congregação Cristã e de um ensaio regional. Para estas ocasiões os métodos de
coleta de dados serão a observação e o registro escrito das impressões do autor. A necessidade
deste segundo método de coleta de dados se explica no fato de que a música dos cultos é o
objetivo final da metodologia de ensino de música praticada pela Congregação Cristã. Não
haveria como entender todo processo educacional sem ver o produto maior dele.
Considerações finais
Não é possível negar a presença de professores e alunos nas escolas e no ensino de
música provenientes de uma educação musical iniciada dentro de Igrejas Evangélicas e nem é
possível negar o volume de músicos profissionais que iniciaram seus estudos nesse contexto.
Cabe ao pesquisador fomentar a discussão e avaliar se este ensino é realmente eficaz, fazendo
com que o aluno desenvolva a capacidade artístico-musical de forma plena e substancial.
Costumes e doutrinas religiosas devem ser consideradas à luz da História e da crença dessas
religiões, num esforço de entender as práticas de dentro para fora daquele grupo social, para
não incorrer no erro de fazer juízos incompatíveis com a visão objetiva e racionalizada da
produção do conhecimento.
Alguns resultados parciais apontam para a conclusão de que a presença da educação
musical na Igreja Congregação Cristã no Brasil se deve pela ênfase positiva dada ao papel da
música nos cultos e na formação individual encontrada nos reformadores do século XVI e nos
missionários que trouxeram o cristianismo evangélico ao Brasil no século XIX. Além disso, a
religião e a doutrina evangélica se incorporam à educação musical, uma vez que, se o aluno
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estiver pronto, participará de modo destacado da celebração religiosa, tocando seu
instrumento musical ou cantando, estando em comunicação direta com o que se crê ser mais
elevado e transcendente.
Apesar dessas contribuições, resultados parciais da pesquisa demonstram que a
educação musical realizada nas Igrejas Evangélicas limita-se bastante ao repertório religioso
ligado às denominações estabelecidas e, provavelmente, se limita a metodologias
conservadoras de ensino, como um método de Solfejo criado no século XIX. É importante
que o músico em formação tenha contato com músicas de diversas culturas e tenha a
disposição novas metodologias que complementem o seu aprendizado e o preparem para o
momento de diversidade que caracteriza o século XXI. Deste modo este ensino precisa ser
avaliado.
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Ensinar e Aprender História da Música: Desafios e Contribuições para a
Educação Musical no Século XXI
Keila Souza Fernandes da Cunha Conservatório Pernambucano de Música
Centro de Educação Musical de Olinda [email protected]
Resumo: Este trabalho se constitui num breve relato de experiência que elabora algumas considerações sobre o ensino-aprendizagem da disciplina História da Música no universo de uma escola especializada, o Conservatório Pernambucano de Música (CPM), mais especificamente o curso técnico, refletindo sobre os desafios que atingem o ambiente educacional escolar e que de certa forma são inerentes ao mundo contemporâneo, como por exemplo, as novas metodologias utilizadas em sala de aula, os recursos diversificados para auxiliar o ensino-aprendizagem, o perfil dos discentes nos cursos de nível técnico do CPM e suas aspirações, objetivos profissionais, e por último, os conteúdos didáticos, que talvez representem, em maior grau, um obstáculo a ser superado ou compreendido pelos discentes. Os objetivos desta vivência em sala de aula são, dentre outros, contribuir através da compreensão do estudo da História da Música para a formação destes estudantes, apresentando a utilidade do estudo da disciplina direcionado às suas carreiras musicais, bem como proporcionar a compreensão de que no passado e no presente, a música como arte e como cultura não pode estar desvinculada da prática social na qual o homem está inserido e para tanto precisa de uma historicidade ampla e, portanto, compatível com as propostas da Educação Musical do século XXI.
Palavras-chave: História da Música, ensino-aprendizagem, educação musical.
História da Música: Considerações Iniciais
Nas escolas com ensino especializado em música já é de praxe haver em suas grades
curriculares a disciplina História da Música que em sua maioria apresenta-se divida por
períodos e por temas, de preferência, em ordem cronológica. A quantidade de semestres que
são destinados ao estudo da referida disciplina varia conforme a divisão curricular proposta
pelo corpo docente juntamente com a coordenação pedagógica de cada instituição de ensino
que a faz. Sem me ater à quantidade ou durabilidade de semestres que são destinados à
História da Música, o que importa é ressaltar o fato de que esta disciplina atualmente se
encontra na maioria dos cursos de nível técnico e superior em música de todo o Brasil,
merecendo, portanto, uma atenção especial.
Essa “atenção especial” já surtiu até num evento a nível nacional e internacional
realizado pelo Departamento de Música de Ribeirão Preto, que é vinculado à Escola de
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Comunicação e Artes da USP, no período de 04 à 07 de agosto de 2010, constituindo assim
no “I Simpósio Internacional para a Pedagogia da História da Música”, tema do evento onde
foram amplamente apresentadas e discutidas principalmente práticas pedagógicas e propostas
curriculares que atualmente alicerçam esta disciplina em cursos de graduação no Brasil e no
exterior. Foram apresentadas comunicações por participantes de diversas universidades
brasileiras e ao fim do evento aconteceu um fórum para estabelecer uma Associação
Brasileira de Professores de História da Música, que, infelizmente, ainda não foi reconhecida
nacionalmente.
Todo este destaque que aqui faço ao referido evento serve para ilustrar que a História
da Música, longe de ser aquela disciplina que aparenta sempre estar próxima de se
“aposentar” dos cursos de música recebendo nomes de “velha” e “cansativa”, e que boa parte
dos alunos cumprem somente por obrigatoriedade, pode ser uma forte aliada na construção de
uma vivência musical mais enriquecida e menos centrada num único objeto de estudo. Bem
como é útil para mostrar como esta disciplina pode contribuir para que os desafios que
acompanham as novas dinâmicas da Educação Musical do século XXI sejam encarados de
forma consciente e utilitária e principalmente para que os discentes usem o conhecimento
histórico-musical de uma forma extensiva à sua formação musical, não se restringindo apenas
à uma sala de aula.
Ação e Reação: A História da Música no “olhar” do educando
Como no I SIPHM há quase um ano atrás, trago aqui algumas considerações que
faço neste relato de experiência da minha prática docente, desta vez no curso técnico de
música do Conservatório Pernambucano de Música (CPM), como professora da referida
disciplina, tanto na categoria da música erudita como também na da música popular. O curso
técnico do CPM foi há pouco tempo, aproximadamente um ano e meio, regulamentado pelos
órgãos competentes vinculados ao Governo do Estado de Pernambuco e desde então recebe
alunos ingressos através de uma prévia seleção a ocuparem suas vagas para os cursos de
técnico em Instrumento, Canto, Regência e, muito em breve, o de Composição. Nas três
modalidades de ensino oferecidas, a disciplina História da Música é obrigatória, e dentro de
um período de três anos ela tem a duração de um ano, o que equivale a dois semestres onde os
conteúdos são divididos de acordo com seus períodos. Uma boa parte dos alunos deste
referido curso foram alunos do próprio CPM, em anos anteriores, outros vieram de fora da
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instituição, mas já estudaram música em outros lugares. São poucos os que não tiveram
anteriormente uma preparação musical sistematizada por escolas ou bandas.
Recentemente fiz um pequeno levantamento através de um simples questionário
onde pude averiguar em cinco turmas, qual o interesse dos alunos do curso técnico do CPM
pela disciplina de História da Música. No questionário indaguei sobre questões como
interesse pessoal, identificação com a disciplina, pontos positivos e pontos negativos,
utilização de recursos, abordagem metodológica e por último sobre métodos avaliativos. O
resultado das respostas foi bastante homogêneo, principalmente no diz respeito à utilização de
recursos para dinamizar as aulas, prevalecendo o uso do livro e/ou de apostilas, áudio,
imagem (datashow, figuras), o tipo de abordagem metodológica onde o professor conduz o
desempenho das aulas permitindo a participação dos alunos, e por fim, uma avaliação mais
objetiva e aberta. Os resultados foram surpreendentes principalmente no quesito da
abordagem metodológica utilizada pelo docente em sala de aula, pois o resultado deu maior
pontuação para uma metodologia que proporcionasse uma abertura à participação dos alunos
no desenvolvimento das aulas, e este resultado correspondeu com a parte relacionada aos
pontos negativos que indicou, entre outros fatores, a figura do “professor(a)” como
responsável pelo aspecto “cansativo” e “enfadonho” que esta disciplina possui, sendo
acompanhado pelo fato deles, os alunos(as), não conseguirem estabelecer uma ligação do
conteúdo da disciplina com suas práticas musicais.
Mesmo sem ser uma pesquisa de caráter científico, ou seja, destinado a uma
investigação mais minuciosa de acordo com os procedimentos acadêmicos, pude perceber que
atualmente a disciplina de História da Música não é somente apoiada pelo corpo docente das
instituições especializadas no ensino da música, mas também pelos alunos, neste caso,
especificamente os do curso técnico que já vislumbram uma formação profissional
direcionada, e que percebem a importância da disciplina mesmo que não haja uma
identificação desejada ou um interesse pessoal profundo por parte dos mesmos. Diante destas
colocações provocadas pelo questionamento, que chamei de ação e reação, destaco alguns
pontos através de interrogações, que desejo expor neste breve relato: Qual a real utilização da
História da Música nas escolas com ensino especializado em música? Como tornar a História
da Música uma disciplina aberta aos desafios que permeiam a Educação Musical no século
XXI? É a partir destas duas indagações que tentarei refletir brevemente nas considerações a
seguir.
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Por Uma História da Música Prazerosa e Conseqüente
Visto que os cursos técnicos prioritariamente visam à qualificação profissional do
indivíduo para o mercado de trabalho, devemos compreender que o discente de um curso
técnico em música também projeta sua formação para o exercício da prática musical seja ela
qual for. Atualmente a maioria dos temas e debates que permeiam eventos como este,
relacionados à Educação Musical no Brasil, apontam para questões relacionadas com o “fazer
musical” dentro das perspectivas contemporâneas de educação que envolve diversidade,
sociabilidade, emancipação, pluralidade, humanização, dentre outras, e estas estabelecendo
ligações com as diversas áreas do conhecimento e do ensino musical. Onde podemos então
situar a História da Música nesse universo educativo? Incrivelmente, a História da Música
aparece em quase todas as áreas da música, seja para os cursos de instrumentos, de regência,
de composição, etc, e ainda nos níveis básico, médio e técnico e superior.
Sendo assim é deveras importante compreender a razão de se estudar História da
Música de modo que esta possa contribuir não somente para uma determinada prática
musical, como muitos propagam ser esta a única função da História da Música, mas também
para a formação profissional ampla de um(a) futuro(a) músico(ista) que será atuante num
mundo globalizado e permeado pelas idiossincrasias das sociedades do século XXI, um(a)
profissional que compreende seu papel enquanto músico e artista, mas também como ser
social histórico, que é formado e que forma através de sua música, através das relações
estabelecidas com o meio no qual está inserido. Ou seja, a História da Música não é somente
uma disciplina “informativa”, mas também ou principalmente ela é “formativa”, segundo
Selva Guimarães, que faz suas considerações sobre o ensino de história de uma forma geral,
mas que é positivamente adequado ao universo do ensino da música: “A nosso ver, ensinar
história no atual contexto sociopolítico e cultural nos conduz à retomada de uma velha
questão: o papel formativo do ensino de história.” (FONSECA, 2006, p. 245).
E seguindo esta afirmação sobre o papel formativo da história amplio algumas
considerações buscando apresentar e ao mesmo tempo (tentando) responder as duas
indagações que fiz neste relato anteriormente. De fato a “real utilização” que a História da
Música pode ter, acredito que vai mais além das básicas aplicações de estilos relacionados aos
períodos da história da música ocidental nas interpretações e performances, pois utilizar
apenas o “modelo” de uma execução barroca, por exemplo, em busca de uma excelente
interpretação, requer a leitura de uma partitura, a observação das suas regras de grafia,
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dinâmica, sonoridade e execução, o que não significa a compreensão dos processos pelos
quais esta música foi feita, para que função e para qual público ela foi destinada, por quais
meios ela foi divulgada, como a sociedade da época a recebeu/recebe, como a atualmente
podemos fazer uma re-leitura da mesma música. Enfim, uma série de fatores que através do
estudo da História da Música podem ser vivenciados de modo objetivo e coerente com o fazer
musical, como pondera Pedro Demo sobre a questão da teoria e da prática fazendo a história
acontecer:
Todavia, a prática é condição necessária de historicidade concreta, para poder acontecer. Teoria que nunca acontece, jamais se dirigiu à realidade, ou melhor, foge dela. A prática é limitante, pois não consegue executar toda a riqueza da teoria, mas não há história real sem prática. (DEMO, 1999, p. 103-104).
A utilização da História da Música nos currículos escolares não serve apenas para
“enriquecer” uma grade curricular ou ser mais uma disciplina teórica que dá “suporte” à
prática musical na carreira dos futuros técnicos em música. Ela precisa ser significativa em
sua utilidade e para tal é necessário o diálogo entre o conteúdo histórico-musical e a prática
atual, proporcionando conscientização de que a “música” é também um sujeito histórico pois
é produzida e organizada pelo homem, o responsável pela existência da história. E essa
aproximação pode e deve ser mediada pelo professor no espaço da sala de aula, utilizando os
conteúdos didáticos, os depoimentos, os recursos diversos, o debate, enfim, tudo com o intuito
de diminuir as distâncias que possam separar ainda mais o conhecimento do conhecedor,
novamente respaldado em James Pinsky e Carla Pinsky: “Quanto mais o aluno sentir a
História como algo próximo dele, mais terá vontade de interagir com ela, não como uma coisa
externa, distante, mas como uma prática que ele se sentirá qualificado e inclinado a exercer”.
(PINSKY; PINSKY, 2008, p. 28).
Quanto à questão sobre tornar a disciplina História da Música aberta aos desafios
próprios da Educação Musical no século XXI, é importante aqui frisar rapidamente, pois este
já seria um tema com muito material para outro ensaio, qual o perfil destes alunos(as) que
hoje estão procurando os cursos de música em escolas especializadas, de onde eles vem e com
que interesse estão envolvidos no mesmo, uma vez que é na sala de aula o espaço onde se
juntam estas “fontes” de informações, conteúdos e histórias diversas, sendo este o momento
que o professor tem para construir, dialogar, aproximar, questionar, no sentido que está
direcionado ao processo amplamente comentado do “ensino-aprendizagem”, como
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apropriadamente afirmou Jusamara Souza:
Pensar na educação musical, nessa perspectiva, parte da consciência da época em que vivemos, significa pensar também nos alunos que estão em sala de aula como sujeitos desse contexto histórico-cultural complexo e dinâmico. Hoje, os alunos representam uma geração que nasce, vive em meio a processos de transformação da sociedade contemporânea e suas repercussões no espaço social que habita, os quais presencia e dos quais participa. (SOUZA, 2004, p. 10)
É justamente para atender esses discentes que são pertencentes às novas gerações nas
sociedades contemporâneas do século XXI que devemos repensar nossa prática educativa,
neste caso especificamente o ensino de História da Música, pois é para a formação e o
desempenho musical destes indivíduos, alunos e alunas de hoje, regentes, cantores,
concertistas, compositores e professores de amanhã, que estamos oferecendo uma parcela de
conhecimento e que esta parcela poderá ser usada no mercado de trabalho, que, aliás, também
se constitui num desafio ao músico da contemporaneidade, visto as inúmeras possibilidades
de atuação e ao mesmo tempo sua massificação pela indústria midiática, vinculadas ao
marketing, à propaganda e à publicidade. Como afirma Neide Esperidião:
Com isso, os cursos de formação profissional dos Conservatórios deverão reconfigurar os seus currículos para que haja uma interligação com o mundo de trabalho e as necessidades atuais do mercado profissional do músico. É nesse sentido que os sujeitos envolvidos no processo ensino/aprendizagem dos Conservatórios, podem e devem refletir sobre suas práticas educativas, pois, além da formação profissional, estamos também formando o cidadão”. (ESPERIDIÃO, 2002, p. 72)
A disciplina História da Música não pode ser relegada à segundo ou terceiro plano na
formação de alguém que vive e atua com música, pois a própria música já é um produto do
homem e o homem é um ser social, ou seja, socialmente definido. A música é tão
essencialmente humana quanto a história, visto que a música é “organizada” pelo homem e a
história se estabelece pela própria existência humana, portanto, o desdobrar de aspectos
musicais seguramente não pode desvincular-se da sua historicidade. Tomando de empréstimo
um autor da Etnomusicologia para enfatizar este dado na Educação Musical, relacionado ao
ensino de História da Música, segundo John Blacking, mesmo as estruturas musicais, que
normalmente são consideradas objeto de estudo em campos estéticos e estilísticos da música,
necessitam de respostas extra-musicais para que possam ser compreendidas e estas respostas
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podem ultrapassar até mesmo aspectos históricos:
Disto decorre que qualquer juízo sobre a musicalidade humana deverá dar conta de processos que são extra-musicais, e que se deveria incluir nas análises musicais. As respostas para muitas importantes questões sobre a estrutura musical podem não ser estritamente musicais. Por que há preferência por certas escalas, modos ou intervalos? A explicação pode ser histórica, política, filosófica ou racional, em termos de leis acústicas. (BLACKING, 1976, p. 620)
Um exemplo claro disto, ou seja, tanto de uma razão extra-musical histórica e
política, para um “resultado” musical, é a declaração dos autores Grout e Palisca: “A história
da música ocidental, em sentido estrito, começa com a música da Igreja Cristã” (GROUT;
PALISCA, 2007, p. 16). No mesmo capítulo os autores não somente evidenciam a estreita
ligação da música ocidental com a música da Igreja Cristã, como também revelam que esta
música litúrgica, o cantochão, estava diretamente relacionada aos dogmas do catolicismo e
seu interesse em unificar toda a Europa com os ideais da Igreja Cristã apoiados pelos
monarcas francos:
Notar-se-á que tanto o registro sistemático por escrito das melodias do cantochão como a sua atribuição à uma inspiração divina coincidem com uma enérgica campanha dos monarcas francos no sentido de unificarem o seu reino poliglota.Um dos meios necessários para se alcançar este objetivo era uma liturgia e uma música de Igreja que fossem uniformes e constituíssem um elo de ligação entre toda a população.(...) O registro das melodias por escrito terá então sido um dos meios de garantir que os cânticos seriam doravante interpretados em toda a parte da mesma forma. (GROUT; PALISCA, 2007, p. 59)
Considerando nas citações acima o fato de uma construção musical ter um sentido
“extra-musical”, fica quase impossível estudar ou vivenciar esta sem que sejam conhecidas as
razões pelas quais ela foi estruturada. Sendo assim, o espaço da sala de aula nas escolas
especializadas em música deve ser otimizado a fim de que tudo contribua para a compreensão
do discente de qual seja a postura da História da Música para sua carreira profissional como
um todo. E os recursos didáticos? Sim, eles podem sim auxiliar o professor(a) nesta
construção, mas é coerente ponderar sobre a utilização desses recursos de modo que sejam
somados fatores como prática pedagógica + acesso aos conteúdos + resultados otimizados, ou
seja, a fim de que os possíveis recursos disponíveis à prática educativa não apenas sejam
acessíveis, mas positivamente utilizados na formação musical do discente, pois até os
melhores recursos só serão adequadamente aproveitados se utilizados de acordo com a
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proposta pedagógica da disciplina e do curso, e esse “saber ser” utilizado é ter o
conhecimento de causa, de conteúdo, de consciência, segundo Selva Fonseca: “O professor,
ao diversificar as fontes e dinamizar a prática de ensino, democratiza o acesso ao saber,
possibilita o confronto e o debate de diferentes visões, estimula a incorporação e o estudo da
complexidade da cultura e da experiência histórica.” (FONSECA, 2006, p. 244). Então,
tratando-se de recursos didáticos destinados à auxiliar a via dupla que é o ensino-
aprendizagem, a educação musical no século XXI experimenta uma gama de possibilidades, e
a História da Música, especificamente, materiais que vão além do “tradicional” livro e da
“intocável” partitura, visto que até pouco tempo atrás era praticamente a única fonte
documental considerada “segura” nos estudos históricos musicais. Atualmente, o livro e a
partitura somam-se às gravações de áudio, filmes, imagens, e principalmente da internet com
suas inúmeras condições de acessibilidade. É na busca de uma reflexão significativa de
algumas atitudes que podem fazer a diferença no ensino-aprendizagem da História da Música,
que possamos, talvez, tornar esta disciplina “prazerosa e conseqüente” para todos que temos
contato com ela.
Conclusão de Um Começo
Sem pretender finalizar definitivamente com este tema, proponho que se elaborem
mais debates sobre as questões acima citadas, pois, se desejamos estar na medida do possível,
de acordo com as novas propostas educativas que cercam as diretrizes da educação musical no
Brasil, dois aspectos devem ser lembrados: o papel que a música pode exercer na formação de
um profissional e cidadão, e como esta formação será utilizada para encarar os desafios que
compõem as sociedades contemporâneas. Diante de propostas e possibilidades que as escolas
de música especializadas oferecem para esta formação, principalmente as de formação técnica
e profissional, é pertinente destacar e relacionar a afirmação de Luis Ricardo S. Queiroz: “A
educação musical precisa pensar a disciplinaridade como base na interdisciplinaridade”
(QUEIROZ, 2004, p. 105), ao lugar que a História da Música ocupa na própria educação
musical e como esta pode ser uma forte aliada nesta objetivação formativa e para que os
meios sejam desenvolvidos conjuntamente, professor e aluno, através do diálogo educativo e
significante, conduzindo à uma prática musical não apenas cumpridora de “regras” e
“modelos”, mas de forma consciente e acima de tudo que proporcione a emancipação do
aprendiz.
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GROUT, Donald J ; PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. 5ª ed. Lisboa, Gradiva, 2007
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla B. Por uma História Prazerosa e Conseqüente. In: KARNAL, Leandro (org). História na Sala de Aula: Conceitos, Práticas e Propostas.Contexto, São Paulo, 2008
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Ensino coletivo de instrumentos de banda: processos de aprendizagem dos
fundamentos de se tocar metais
Fabrício Dalla Vecchia UFBA
Joel Luis da Silva UFBA
Resumo: Para Colwell e Hewitt (2010), Whitener (1997) e outros autores, respiração, embocadura, postura e emissão do som fazem parte dos fundamentos técnicos indispensáveis para se tocar instrumentos de sopro da família dos metais como trompete, trompa, trombone, bombardino e tuba. Eles apresentam conceitos desses fundamentos e de como ensiná-los, contudo não especificam como ensiná-los no contexto de ensino coletivo de instrumentos homogêneos ou heterogêneos. Este trabalho relata uma pesquisa de mestrado que teve como objeto os processos de ensino e aprendizagem destes fundamentos no âmbito do ensino coletivo de instrumentos de banda. A pesquisa investigou como professores têm ensinado tais fundamentos neste contexto de ensino. Foi utilizado o delineamento de estudo de campo para abordar diferentes realidades, englobando escolas regulares, escolas de música, ONG, bandas e orquestras. Os instrumentos de coleta de dados foram entrevistas semi-estruturadas, questionários, observações, anotações de campo e registros em vídeo e áudio. Os resultados da pesquisa demonstram que as concepções dos professores pesquisados sobre os fundamentos técnicos são semelhantes às apresentadas pelos teóricos abordados. São reportadas considerações para um processo de educação musical fluente através de instrumentos de sopro.
Palavras-chave: Ensino coletivo; Grupo instrumental; instrumentos de metal; técnica instrumental.
Introdução
Este estudo tem por tema o aprendizado dos fundamentos técnicos de se tocar
instrumentos de metal no âmbito do ensino coletivo. Um dos motivos deste estudo enfocar tal
tema é que, conforme Pereira (2000), há uma grande carência de cursos regulares para formar
professores destes instrumentos no Brasil. Quanto à abordagem do ensino coletivo, segundo
Cruvinel (2005), ele tem se mostrado eficiente, principalmente, na iniciação de novos
músicos. Estudos que tratem deste tema ainda são poucos e muito recentes em nosso país.
Bozzini (2006) trata da técnica de instrumentos de metais, independente do contexto.
Já ligado ao ensino coletivo destes instrumentos existem os trabalhos de Santana (2000),
Moreira (2007) e Nascimento (2007). Estes apresentam experiências de grupos musicais que
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obtiveram êxito com a forma coletiva de ensino de instrumentos de banda.
A partir da análise destes autores citados, surgiram as seguintes questões que
serviram de diretrizes para este trabalho: Quais fundamentos de se tocar metais têm sido
ensinados por professores no ensino coletivo? Como eles os têm ensinado? Quais são suas
concepções sobre os mesmos?
Revisão de literatura
Verificou-se através dos autores Hunt (1963), Reger (1967), Manning (1975),
Colwell e Hewitt (2010), Whitener (1997) e Bozzini (2006) que uma base técnica sólida para
o instrumentista de metal precisa necessariamente conter os seguintes fundamentos:
respiração, compreendendo inspiração, expiração, respiração baixa, coluna ou fluxo de ar;
embocadura, englobando formato, proporção, posição e vibração dos lábios; postura,
envolvendo a relação corpo, braços, mãos e dedos ao instrumento; e emissão do som que
compreende a aplicação simultânea dos fundamentos anteriores. Usou-se a sigla REPE para
se referir a estes fundamentos onde R significa respiração, E embocadura, P postura e E
emissão do som.
Foram revisados vídeos estrangeiros e nacionais. Deles analisamos os que
acompanham os métodos estadunidenses das editoras Belwin, Hal Leonard e Alfred. Estes
trazem DVD, CD e programas de computador com o objetivo de estimular o desenvolvimento
técnico-musical junto ao instrumento.
O projeto da Fundación del Estado por el Sistema Nacional de las Orquestras
Sinfônicas Juveniles y Infantiles da Venezuela (FENOSJIV) dispõe de tutoriais em DVD para
cada instrumento da Orquestra Sinfônica. São muito detalhados e, além da técnica e dos
fundamentos, tratam também da história, funcionamento do instrumento e sua manutenção.
No Brasil, temos notícias de apenas dois vídeos disponíveis comercialmente que
tratam do ensino de instrumentos de metal, ambos para trompete. O primeiro é o VHS de
Cascapera (SD) que foi relançado em DVD . O segundo é o DVD de Oliveira (2004), lançado
pela editora Keyboard Ltda . Silva (2007) elaborou um método para o ensino a distância de
trombone, como parte de sua dissertação, que possui um vídeo que aborda os fundamentos
técnicos. O bandalarga para clarineta de Silveira (2009) é uma, entre várias apostilas, que faz
parte do Programa de Atualização para Bandas de Música do Estado do Rio de Janeiro. O
bandalarga é composto de livro didático e vídeo aula em DVD para cada instrumento da
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banda em separado, que tem por objetivo melhorar a qualidade das Bandas do estado a médio
e a longo prazo. Vídeos amadores e vídeo-aulas de professores em geral, são bem frequentes
no youtube, porém, devido a possibilidade de trazerem conceitos e demonstrações duvidosas,
vídeos do youtube não fizeram parte da pesquisa.
Metodologia
Verificou-se que a metodologia de pesquisa quali-quantitativa de natureza descritiva
seria a mais apropriada, vez que a mesma abrange processos de ensino e aprendizagem de
instrumentos musicais em bandas e orquestras de contextos diversos e parte da coleta de
dados foi composta por dados quantitativos. Uma das características da pesquisa descritiva é
"obter informações sobre o estado atual de um fenômeno existente, tais como condições,
práticas e situações" (PHELPS et al, 1993, p. 221). Essa característica foi presente na
pesquisa por buscar conhecer a realidade dos processos de ensino-aprendizagem e seus
conceitos na comunidade educacional, formada por pessoas que utilizam o método Da Capo –
Método elementar para o ensino coletivo e/ou individual de instrumentos de banda
(BARBOSA, 2004).
O delineamento de estudo de campo foi desenvolvido por meio de observações
acompanhadas de anotações em diário de campo, entrevistas e questionários. Também foram
utilizadas filmagens e fotografias para captar informações a respeito dos grupos pesquisados
como indica Gil (2002) para este tipo de pesquisa.
O universo da pesquisa compreendeu professores que utilizam ou utilizaram o
método Da Capo. Logo, o uso deste método foi o critério adotado para determinar a amostra
da pesquisa. Foram listados 60 regentes-professores de bandas e orquestras com este perfil. A
amostra se constituiu de 20, destes 31 regentes-professores, que responderam ao contato por
endereço eletrônico ou telefone. Eles eram das cinco regiões do Brasil. Foram seis do estado
de São Paulo, quatro de Salvador, três de Curitiba e três de São José dos Pinhais – PR, e
apenas um informante de cada uma das seguintes cidades: Rio de Janeiro - RJ, Várzea Grande
– MT, Itabaiana – SE e Oriximiná – PA. São Paulo é o estado onde se encontra o maior
número de professores-regentes que utilizam o método Da Capo.
Além dos professores, 43 alunos que trabalharam com o método Da Capo
compuseram a amostra de respondentes da pesquisa. A maioria dos professores e alunos
informantes era de grandes centros urbanos, como São Paulo, Salvador e Curitiba, cidades
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que possuem universidades com cursos superiores nestes instrumentos.
Figura 1 – O uso do método Da Capo no Brasil.
Fonte: VECCHIA, F., Pesquisa de campo, 2008.
Esses professores são empregados por prefeituras, ONG, incluindo associações de
diversos segmentos que, geralmente, estão vinculadas a alguma instituição cultural. Alguns
exemplos mais significativos pesquisados são a Banda UFBERÊ da Sociedade 1º de Maio em
Salvador e o Projeto GURI no estado de São Paulo. A UFBERÊ, primeira Banda formada
com o método Da Capo em 1998, tem integrantes que já se tornaram professores e alunos de
graduação na Escola de Música da UFBA. O GURI é um dos maiores projetos de ensino de
música no país, atende mais de 30.000 crianças e adolescentes.
O tratamento e análise dos dados ocorreram a partir do cruzamento de dados sobre as
estratégias de ensino-aprendizagem descritas pelos professores nos questionários.
Não há fontes precisas a respeito do número de professores que utilizam ou
utilizaram o método Da Capo de maneira coletiva devido a sua recente publicação (2004).
Segundo o autor do mesmo, este número é de, aproximadamente, 200 (BARBOSA, 2007).
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Vez que se atingiu 10% dos professores conhecidos que utilizam o método, a amostra pode
ser considerada significativa se considerarmos o universo da pesquisa.
Apresentação e análise dos dados
Na análise dos dados, verificou-se que os processos didáticos mais ocorrentes no
ensino dos instrumentos de metais podem ser distribuídos em três pilares principais: 1) passo-
a-passo que é a seqüência de procedimentos ou primeiros passos que trata dos procedimentos
básicos para a emissão do som; 2) REPE (Respiração, Embocadura, Postura e Emissão do
som), fundamentos básicos para se tocar metais e 3) tabela de problemas, causas e possíveis
soluções comuns a jovens iniciantes. Verificou-se que há muita semelhança entre o conteúdo
proposto por Colwell e Hewitt (2010) e Whitener (1997) e o identificado na prática dos
professores pesquisados. Por exemplo, o professor de Oriximiná-PA, que utiliza o
procedimento de demonstrar como o lábio vibra no bocal para produzir o som, exatamente
como indicado por aqueles autores. A diferença mais significativa entre estes autores e os
resultados foi que 60% dos professores pesquisados não instruem seus alunos a umedecer os
lábios para favorecer a vibração dos mesmos. Já os autores Lautzenheiser (2006) e Colwell e
Hewitt (2010) indicam tal procedimento.
Dentre as estratégias de ensino observadas se destacaram o uso de imagens mentais
(metáforas e analogias) e de modelos (exemplos) sonoros realizados pelo próprio professor ou
por alunos mais experientes. Estas estratégias estão mais presentes na etapa introdutória,
anterior ao início da utilização do método Da Capo. Esta etapa consiste em aulas de naipes ou
instrumentos mais semelhantes. O método propõe que os fundamentos de respiração,
embocadura, postura e emissão do som sejam introduzidos durante esta etapa introdutória e
desenvolvidos em seguida. A etapa seguinte consiste em aulas coletivas com todos os naipes
presentes, trabalhando leitura de partitura, percepção, criatividade e prática de banda
simultaneamente.
Conclusões e recomendações
A análise dos dados demonstrou que estes professores-regentes estão atualizados em
relação as publicações científicas mais relevantes da área, como apontadas no início deste
artigo, e possuem competências compatíveis com os conhecimentos encontrados na revisão
bibliográfica nacional e estrangeira na área. Isto, provavelmente, se deve ao fato de a maioria
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dos pesquisados ter formação musical em nível técnico ou superior e trabalharem em grandes
centros urbanos.
Conclui-se que um processo de educação musical fluente, através dos instrumentos
de metais, passa pela construção dos fundamentos de respiração, embocadura, postura e
emissão (REPE). A etapa introdutória destes fudamentos tem duração, em média, de duas
aulas, onde o aluno aprende a emitir a primeira nota. Constatou-se que o andamento da aula e
o processo de educação musical do aluno e do grupo podem ser prejudicados se, na etapa
introdutória, a fixação desses fundamentos for superficial. Foi possível observar que a carga
horária destinada à etapa introdutória, às estratégias de abordagem e à assimilação dos
fundamentos de respiração, embocadura, postura e emissão do som influem diretamente no
desempenho das práticas coletivas de ensino musical de iniciantes em instrumentos de metal.
A forma coletiva de ensino de instrumentos de sopro e o uso de material didático
brasileiro específico para esta forma de ensino, é recente no Brasil, o método de Barbosa
(2004) é o único publicato até então 2010. No entanto, o ensino coletivo tem demonstrado
que, além de viável, é também eficiente e ganha cada vez mais espaço entre os professores de
música. Mesmo entre aqueles professores que iniciaram o aprendizado de forma tutorial.
Seria relevante investigar mais profundamente a relação entre a duração da etapa
introdutória e os resultados obtidos pelos alunos no aprendizado do instrumento. Também se
faz mister verificar as implicações do emprego de material audiovisual no aprendizado dos
fundamentos técnicos junto ao ensino coletivo de instrumentos de metais, bem como o uso
deste tipo de material em cursos de formação de professores-regentes em caráter presencial,
semi-presencial ou à distância e em cursos de formação continuada para professores.
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Referências
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COLWELL, Richard e HEWITT, Michael P. The Teaching of Instrumental Music. New Jersey: Prentice Hall, 2010.
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Entre o silêncio e o ruído útil: Estudo qualitativo do ambiente sonoro de
uma escola pública de Fortaleza
Leila Uchôa do Nascimento Saldanha1
Universidade Federal do Ceará [email protected]
Gracyella Melissa de Oliveira Leão1
Universidade Federal do Ceará [email protected]
Danilo Ramalho Gurgel1
Universidade Federal do Ceará [email protected]
Marcos Chaves Lessa de Castro1
Universidade Federal do Ceará [email protected]
Gerardo Silveira Viana Júnior2
Universidade Federal do Ceará [email protected]
Resumo: O presente artigo apresenta os resultados obtidos a partir de uma pesquisa realizada em uma escola pública da cidade de Fortaleza. Trata-se de um trabalho que tem por objetivo verificar em que medida os estudantes e professores estão conscientes do ambiente sonoro da Escola e de sua interferência sobre o processo de ensino-aprendizagem, bem como entender a relação entre o educador musical e essa temática. Os resultados obtidos fornecerão subsídios para uma intervenção pedagógica com o intuito de contribuir para uma ampliação da sensibilidade musical dos envolvidos neste contexto, tornando efetiva a integração entre Universidade e Escola Pública.
Palavras-chave: Educação Musical, Ambiente Sonoro, Escola Pública
Introdução
A criação do termo Ecologia Sonora, por Murray Schafer em 1991, despertou o
interesse dos músicos-educadores para o entendimento da relação entre os aspectos relevantes
da paisagem sonora e o desenvolvimento de uma audição inteligente dentro da comunidade
escolar.
1 Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET/UFC do Curso de Música (Licenciatura)2 Tutor do Programa de Educação Tutorial – PET/UFC do Curso de Música (Licenciatura)
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A partir das discussões que envolvem a temática da Ecologia Sonora, o Programa de
Educação Tutorial (PET) do Curso de Licenciatura em Música da UFC desenvolveu um
projeto com a proposta de investigar a paisagem sonora de escolas da rede pública de
Fortaleza, situada no entorno da Casa José de Alencar, no Bairro de Messejana, proximidades
de onde funcionava o curso.
Por meio da aproximação entre a Universidade e a instituição de ensino, o projeto
visa realizar uma intervenção pedagógica, de forma a contribuir no processo de
conscientização de gestores e estudantes acerca da importância do papel do educador musical
na construção de um ambiente sonoro propício para atividades educativas.
Paisagem Sonora e Educação Musical
A partir da década de 1970, o canadense Murray Schafer desenvolveu um projeto
intitulado “The Soundscape Project” com o objetivo de analisar as características sonoras dos
ambientes rurais e urbanos. O pesquisador e músico criou o termo “soundscape” na tentativa
de fazer uma analogia com a palavra “landscape”, referindo-se à paisagem. Por paisagem
sonora, Schafer entendia “qualquer porção do ambiente sonoro vista como um campo de
estudos.” (Schafer, 1991, p.366), ou “qualquer campo de estudo acústico." (Schafer, 2001,
p.23).
No Brasil, segundo Fonterrada (2004), o cuidado com as questões que cercam o som
ambiental é praticamente inexistente. Entre os poucos programas de conscientização sobre o
assunto, podemos encontrar o controle dos níveis de ruídos nas áreas de proximidade de
hospitais e residências, além do controle de ruídos produzidos por aparelhos domésticos.
(...) o som ambiental e as questões que o cercam têm, ainda, pouco espaço de divulgação. Em alguns países desenvolvidos, existe uma certa preocupação a esse respeito, mas nos países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil, a questão é praticamente inexistente (FONTERRADA, 2004, p.43).
Em Schafer (1991), encontramos uma preocupação com a paisagem sonora
contemporânea, que se tornou uma das principais fontes de conflitos na atualidade, sendo
responsável por grandes transtornos que afetam a saúde da população.
A multiplicação irrestrita de máquinas e a tecnologia em geral resultaram numa paisagem sonora do mundo, cuja intensidade cresce continuamente. Evidências recentes demonstram que o homem moderno está ficando gradualmente surdo. Ele está se matando com som. A poluição sonora é um
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dos grandes problemas da vida contemporânea (SCHAFER, 1991, p. 289).
Os sons de curta duração e alta intensidade podem resultar em uma perda temporária
ou permanente da acuidade auditiva de um indivíduo, além de problemas extra-auditivos,
como o aumento de batimentos cardíacos, alterações digestivas, irritabilidade, ansiedade,
insônia, entre outros. Segundo Colleoni e colaboradores:
[...] na faixa de freqüências baixas, iniciando-se com as freqüências infra-sônicas (abaixo de 16Hz), os efeitos do ruído não são auditivos, e dentre eles estão enjôos, vômitos, tonturas, etc. À medida que a freqüência aumenta, os efeitos são diferentes e podemos encontrar alterações na atenção e concentração mental, no ritmo respiratório, ritmo cardíaco, aumento da irritabilidade, perda de apetite e estados pré-neuróticos (Colleoni et al., 1981).
Diante dessa realidade, a Educação Musical se apresenta como uma importante
ferramenta para introduzir no ambiente escolar uma reflexão embasada sobre o assunto. O
som e o ambiente sonoro devem estar ligados ao processo de aprendizagem e às práticas
educativas na Escola, favorecendo uma relação entre o ensino de Música e a Paisagem
Sonora.
Metodologia
Para entender a configuração sonora do ambiente escolar, a pesquisa adotou uma
abordagem qualitativa, que possui um caráter descritivo e subjetivo. Neves (1996) faz a
seguinte afirmação sobre esse método de investigação: “Um conjunto de diferentes técnicas
interpretativas que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo
de significados.”
A pesquisa se desenvolveu a partir de visitas semanais à escola, onde utilizamos o
recurso da observação participante como principal instrumento para perceber a paisagem
sonora da instituição de ensino. Com a utilização de um diário de campo, procuramos
descrever os aspectos sonoros em diferentes momentos do dia. Observamos as salas de aula,
os corredores, as salas da direção e coordenação, o pátio e dependências externas.
Durante a pesquisa procuramos também compreender como os envolvidos nesse
contexto sonoro percebem esse ambiente. Para isso, realizamos entrevistas semi-estruturadas
com professores, gestores e estudantes.
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O Ambiente Sonoro da Escola
A escola pesquisada destina-se ao ensino médio e tem sua sede localizada no bairro
de Messejana, zona urbana da cidade de Fortaleza. Trata-se de uma escola grande, com 1476
alunos, que conta com um quadro de 70 professores 3. A instituição possui um espaço amplo,
com pátio arborizado, biblioteca multimídia, laboratório de ciências e três laboratórios de
informática. As salas são de médio porte e sem tratamento acústico adequado, resultando
numa intensa competição sonora entre os espaços.
Observamos dentro das dependências da escola vários tipos de ruídos, oriundos de
sons naturais, sons provenientes das atividades realizadas pelos usuários do espaço, e sons
externos.
A escola encontra-se em uma das avenidas mais movimentadas de Fortaleza e,
devido à ausência de isolamento acústico nas salas de aula, os ruídos produzidos pelo intenso
trânsito na região interferem diretamente no andamento das aulas. Observamos o barulho das
buzinas, dos freios, dos motores dos carros de grande e pequeno porte, entre outros ruídos,
que tornam o ambiente de ensino desagradável.
Durante a realização da pesquisa, a escola passava por reformas em sua estrutura
física, e mesmo em horário de aula, as obras aconteciam normalmente. Ruídos intensos eram
produzidos por furadeiras, martelos, carrinhos de mão, conversas paralelas entre os
funcionários, entre outros.
Nos corredores, mesmo durante as atividades em sala de aula, os usuários do espaço
físico arrastavam seus calçados no piso. Professores e funcionários também contribuíam para
o estresse sonoro abrindo e fechando portas, carregando acessórios pesados, como correntes,
chaves, pulseiras e botas, produzindo sons que ressoavam em todo ambiente escolar.
No decorrer das aulas, observamos uma mudança significativa no que diz respeito ao
som emitido pelos professores, que utilizavam a voz em intensidade moderada no início das
aulas e, ao longo do tempo passavam a gritar, resultando numa forte competição sonora entre
as salas de aula, entre os estudantes e professores, além da constante competição com os sons
externos. Os estudantes cada vez mais inquietos gritavam, batiam palmas, assobiavam,
gargalhavam, enquanto os professores, com a finalidade de chamar a atenção destes,
3Dados obtidos com o setor administrativo da escola.
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esforçavam-se vocalmente e usavam de vários artifícios, como o ato de bater objetos nas
mesas para obter a concentração dos jovens.
As salas não possuem uma boa condição acústica e nenhuma privacidade com
relação às outras salas da instituição, deixando o ambiente sonoro bastante confuso.
A sala da diretoria e coordenação tinha um ambiente bastante agradável, possuía ar
condicionado, as janelas permaneciam fechadas, impedindo a entrada de ruídos indesejáveis,
possibilitando a existência de um local prazeroso para se desenvolver uma atividade
profissional. Nesse espaço, verificamos apenas alguns sons produzidos pelos professores e
outros funcionários que organizavam o material para as aulas, barulhos produzidos pelas
teclas dos computadores, e o som produzido pelo telefone, este, numa tonalidade agradável,
interferindo muito pouco na qualidade do ambiente.
No intervalo e no término das aulas, observamos os momentos de maior intensidade
sonora, nos quais as conversas paralelas formavam o ambiente sonoro desordenado.
Os sons naturais eram quase imperceptíveis. Embora a escola apresentasse um
ambiente arborizado e de visualizarmos os pássaros, todos os outros ruídos se sobrepunham
aos sons produzidos pela natureza.
As entrevistas
Com a finalidade de compreender as percepções dos educadores sobre o ambiente
sonoro da instituição, entrevistamos o diretor pedagógico, o coordenador de gestão, e
professores.
No que concerne à Educação Musical, percebemos falta de um entendimento mais
aprofundado sobre o assunto, o que dificulta a interferência em uma formação saudável do
ambiente sonoro. Em relatos obtidos através das entrevistas direcionadas aos educadores e
gestores, encontramos certa preocupação com a o ensino das artes, embora essa preocupação
seja acompanhada pela falta do real entendimento da importância da educação artística para a
formação do indivíduo, como podemos perceber no dizer do diretor pedagógico: “o trabalho
com artes é importante para que talentos sejam revelados”. Além disso, observamos que a
presença da música na escola se restringe às atividades de entretenimento, como
apresentações em datas comemorativas.
Percebemos certo desconhecimento sobre ecologia sonora e a falta de consciência
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sobre a importância da temática para o desenvolvimento das atividades letivas, dificultando a
discussão sobre o assunto e a participação do educador musical para o aproveitamento dos
sons na prática pedagógica.
Considerações Finais
A discussão sobre a relevância da ecologia sonora no espaço escolar é fundamental
para elucidar a relação entre paisagem sonora e educação musical, esclarecendo a importância
desse relacionamento para uma abordagem diferenciada do ensino de música, restringido, por
vezes, ao ensino de instrumentos e realizações de festividades.
Por meio dos resultados obtidos através da pesquisa, percebemos os diferentes sons
que compõem a paisagem sonora da escola. A partir desse reconhecimento, destacamos a
necessidade de promover discussões acerca do assunto para reconfigurar o ambiente sonoro
escolar, despertando um ouvir consciente capaz de perceber os sons que compõem esse
ambiente sonoro no qual estamos inseridos para então organizá-los e, até mesmo nos
apropriarmos destes para fins criativos, e a Educação tem um papel importante nesse
processo. Em Fonterrada, encontramos:
Para compreendermos esse processo de ouvir, reconhecer, criar e organizar os sons é preciso que nos aproximemos deles, que o reconheçamos como fenômeno físico, existente na natureza, e captado pelos nossos ouvidos. Mas o som também pode ser criado por nós e, para isso, lançamos mão dos meios os mais diversos (Fonterrada, 2004, p. 8).
Schafer (2001) também desenvolve toda uma preocupação sobre a necessidade de se
criar um novo método educativo relacionado à paisagem sonora, da qual o homem deve ser o
principal agente criativo. Para ele, as pessoas são “seus compositores e executantes,
encarregados de dar-lhe forma e beleza” (SCHAFER, 2001, p.18-19).
Percebemos, portanto, a importância do educador musical na discussão e abordagem
dos temas relacionados à ecologia sonora, entendendo que as questões sonoras devem estar
relacionadas com as práticas educativas para que se compreenda a educação musical em sua
real dimensão.(...) a educação musical não é apenas uma atividade destinada a divertir e entreter as pessoas, tampouco um conjunto de técnicas, métodos e atividades com o propósito de desenvolver habilidades e criar competências, embora essa seja parte importante de sua tarefa. O mais significativo na educação musical é que ela pode ser o espaço de inserção da arte na vida do ser humano, dando-lhe possibilidade de atingir outras dimensões de si mesmo e
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de ampliar e aprofundar seus modos de relação consigo próprio, como outro e com o mundo (FONTERRADA, 2008, p.117).
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Referências
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Estudo das competências para diminuição da ansiedade no palco
Wênia Xavier de MedeirosUFRN/ Pós-Graduação em Música
Pedro Henrique Machado Freire UFRN/ Pós-Graduação em Música
Resumo: A idéia deste artigo surgiu a partir dos conteúdos trabalhados na disciplina Psicologia da Performance no Curso de Pós-Graduação (latu sensu) em Práticas Interpretativas em Música do Século XX e XXI da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN). Assim, desenvolvemos um trabalho de educação musical na esfera pública a nível estadual. A experiência descrita foi baseada em aulas e audições de percussão erudita com crianças e jovens entre 07 e 24 anos de idade, na Escola de Música Anthenor Navarro (EMAN), primeira escola de música do estado da Paraíba, voltada para a formação de intérpretes. O objetivo do trabalho é fazer um levantamento sobre as dificuldades encontradas pelos músicos no desempenho da performance e contribuir com os intérpretes para a diminuição da ansiedade no palco, a partir dos dados obtidos. Na segunda etapa da pesquisa, serão desenvolvidas junto à equipe da escola, posteriormente, ações educativas de orientação com os alunos. Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados a pesquisa bibliográfica e documental e aplicação de questionários. Foram aplicados 30 questionários durante o primeiro semestre de 2011 em fase de análise dos resultados.
Palavras-chave: performance musical, competências musicais, ansiedade no palco.
Introdução
Este artigo foi idealizado a partir dos conteúdos trabalhados na disciplina Psicologia
da Performance no Curso de Pós-Graduação (latu sensu) em Práticas Interpretativas em
Música do Século XX e XXI na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Dessa forma,
encontra-se em fase de desenvolvimento um trabalho em educação musical na esfera pública
a nível estadual. A experiência descrita foi baseada em aulas e audições de percussão erudita
com crianças e jovens entre 07 e 24 anos de idade, na Escola de Música Anthenor Navarro
(EMAN), primeira escola de música do estado da Paraíba, voltada para a formação de
intérpretes, no modelo conservatorial. O objetivo do trabalho é fazer um levantamento sobre
as dificuldades encontradas pelos músicos no desempenho da performance e contribuir com
os intérpretes para a diminuição da ansiedade no palco, a partir dos dados obtidos. Na
segunda etapa da pesquisa, serão desenvolvidas junto à equipe da escola, posteriormente,
ações educativas de orientação com os alunos. Foram utilizados como instrumentos de coleta
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de dados a pesquisa bibliográfica e documental e aplicação de questionários. Foram aplicados
30 questionários durante o primeiro semestre de 2011 em fase de análise dos resultados
A pesquisa surgiu a partir da constatação na prática de que os alunos apresentavam
dificuldades em suas audições muito além da transmissão musical e de questões da orientação
técnico-interpretativas que ocorrem nas aulas de instrumento. Essas dificuldades basicamente
estavam relacionadas ao controle do estado emocional apresentando ansiedade ou
nervosismo, o que em parte, prejudicavam suas apresentações. As causas relatadas diziam
respeito entre outras coisas, ao sentimento de stress da pressão da performance, à falta de
auto-confiança, ao medo do erro, às dificuldades de concentração.
Dessa forma, nos propusemos a validar um estudo americano em João Pessoa (PB),
denominado “Estudo das sete competências” (GREENE, 2001) e, a partir dos dados coletados
e seus resultados, desenvolver ações de orientação com os alunos junto à coordenação da
escola. O material chegou às nossas mãos a partir da disciplina Psicologia da Performance do
Curso de Pós-Graduação em Práticas Interpretativas em Música do Século XX e XXI da
Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN).
Estudo das competências
O estudo contém noventa e seis questões que não consistem em um teste. Foi
desenvolvido depois de nove anos de estudo com mais de cinco mil atletas e três mil artistas.
Como ferramenta de avaliação e de diagnóstico, o estudo delineia as tendências de
performance e não traços de personalidade, sem tomar medidas de caráter ou defeitos. Não é
um estudo de incursão ao passado, mas um olhar para o futuro. Em uma escala de cinco itens
de 1 a 5 (5= muito verdadeiro para mim, 4= mais ou menos verdadeiro para mim, 3= às
vezes/sem certeza, 2= não é muito verdadeiro para mim, 1= falso para mim), os intérpretes
responderam questões relacionadas às suas atitudes, valores e comportamento com finalidade
do auto-conhecimento.
Esta concepção baseia-se em um programa que auxilia os alunos/intérpretes a
superarem suas dificuldades no desempenho da performance. Dessa forma, o estudo mostra
que não existem milhares de fatores influenciando o resultado do desempenho mas, cerca de
vinte e quatro fatores divididos em sete categorias.
Análise das competências
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As sete categorias a serem identificadas e analisadas, chamadas aqui de competências,
são divididas em 1) determinação, 2) energia, 3) perspectiva, 4) coragem, 5) Foco, 6)
Equilíbrio e 7) Flexibilidade ou resiliência.
A determinação é considerada a força da intenção e consiste na soma da motivação
inerente, ou a unidade interior que impulsiona para um objetivo com o compromisso ou quão
investido se está em sua missão e a vontade de vencer que é a força interna da decisão que
pode estar relacionada com motivações externas como o desejo de dinheiro, poder ou
reconhecimento.
A energia envolve equações entre a energia ideal ou o nível em que melhor
desempenha, a energia da performance ou o nível que desempenha melhor aquela ação, a
capacidade de relaxamento e a capacidade de estimulação.
A perspectiva é como sua visão molda o resultado de seus esforços e é afetada pela
auto-confiança, ou a maneira como se sente perante si mesmo ou suas habilidades, pela
comunicação intrapessoal, ou seus comentários com você mesmo e a expectativa ou os ponto
de vista que enxerga melhor com os olhos mentais.
A coragem é a habilidade de agir, apesar do medo. Exige a capacidade de risco, que é
a atitude de tomar a iniciativa em vez da defensiva, exige a capacidade de risco frustrado que
é a quanto se pode lidar com o medo do risco desconhecido e exige capacidade de risco com
êxito, que mede o quão zelosamente se recebe as conseqüências bem sucedidas.
O foco possui quatro aspectos: a atitude, que significa a capacidade de estar aqui e
agora, com atenção para o momento presente; a intensidade que se refere ao total da energia
que empreende no objetivo em foco; a duração, que é a medida de quanto se pode sustentar
essa intensidade e a tranqüilidade mental que é a capacidade de se conseguir superar o ruído
perturbador do pensamento cognitivo.
São considerados equilibradas aquelas pessoas que demonstram estar à vontade sob
situações de pressão. O termo equilíbrio é utilizado neste caso para descrever quatro
situações: a capacidade de tomar decisões, a negociação, a presença e multitarefa.
A flexibilidade é a capacidade de reagir com adversidade e perseverança apesar dos
erros ou fracassos. Vai consistir na capacidade de se recuperar de um fracasso, na
capacidade de lutar, erguer-se e não se fazer de vítima e a tenacidade mental que é a
capacidade de triunfar.
“Pisando no palco”
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Associado a identificação e análise destas sete competências, o estudo ainda em fase
de análise, evidenciou que podemos agrupar a preparação para a performance no palco em
quatro categorias: a organizacional, a artística, a psicológica e a física. Além dessa
categorização, Cardassi (1999, p. 251) afirma que a performance no palco pode ser dividida
em três etapas: antes, durante e depois do recital ou apresentação. Assim, durante o período da
pesquisa estão sendo discutidas e elaboradas atividades com o intuito de colaborar para a uma
melhor preparação e consequentemente uma maior diminuição da ansiedade.
A preparação organizacional diz respeito a produção do recital ou da audição em si,
desde a elaboração de convites, cartazes, programa (folder), seleção de figurino para todos os
alunos, reserva do auditório para apresentação, transporte de instrumentos, estantes,
acessórios e a divulgação do evento. No caso, das audições da escola, os alunos não
participam desta etapa, embora em muitos recitais, sejam os próprios alunos que cuidem da
organização. A organização fica a cargo da coordenação da área. Este fator talvez contribua
para a diminuição da ansiedade e permita que o aluno concentre-se nas demais fases de
preparação.
A preparação artística das audições e recitais inicia-se com a escolha do repertório,
definição da ordem de execução das peças, estudo em sala de aula, estudo extra-classe, tendo
em mente os objetivos almejados.
Uma vez que a escolha do repertório revela a intenção do intérprete e sua maneira de
pensar a música, por ex. obras de vários estilos com uma trajetória histórica, dois estilos
contrastantes, um único estilo, um único compositor. No caso dos alunos de percussão, os
alunos iniciam suas participações nas audições com peças de acordo com o conteúdo
programático e o nível de dificuldade que conseguem executar. São solicitados inicialmente
nos primeiros semestre solos simples de caixa e percussão múltipla e, posteriormente solos de
teclados (xilofone, marimba, vibrafone) de 2 e 4 baquetas e tímpanos. São sugeridos dois
recitais solo durante os seis anos de curso com instrumentação diversificada (por ex. uma
peça de caixa, uma de múltipla, uma de teclado com duas baquetas, uma de teclado com
quatro baquetas, uma de vibrafone, uma de tímpanos, sendo pelo menos uma das peças de
música brasileira).
Definido o repertório, escolhe-se a ordem de execução das peças. A escolha é pessoal
e dever ser criativa, confortável e consciente da intenção, sendo recomendado aos alunos
experimentar várias possibilidades antes da definição.
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Todo o programa é estudado sob a orientação de um professor. O trabalho de cada
peça isoladamente é apenas uma parte da preparação artística. Sugere-se que o aluno toque
todo o programa pelo menos uma vez ao dia para acostumar-se com a energia despendida
durante o recital, mantendo o foco de concentração.
O próximo passo é o estudo do programa do início ao fim, simulando a situação real
de performance, expondo-se a situações que podem ser geradoras de alguma ansiedade. Estas
situações ás vezes iniciam-se com uma apresentação para os amigos.
Solicita-se aos alunos que escrevam quais são os objetivos almejados ao início para
confrontá-los ao final da performance, evidenciando os pontos conquistados e os que devem
ser melhor trabalhados.
A preparação Física envolve uma boa alimentação, exercícios de relaxamento, de
respiração, exercícios físicos e esportivos além de intervalos no estudo de instrumento.
O estudo ininterrupto no instrumento por horas é improdutivo e danoso à saúde. Além
de fazer intervalos durante o estudo do instrumento, é indicado aos alunos desenvolverem
hábitos saudáveis de alimentação, consultando se possível um profissional da área de nutrição
e praticar exercícios físicos para o seu dia-a-dia.
Sentar-se em boa forma, manter boa postura ao instrumento, fazer aquecimentos e
alongamentos diminuem o risco de lesões físicas. A prática de esportes é altamente
recomendada, principalmente exercícios aeróbicos, como natação e caminhadas, associados a
alongamentos. Exercícios de relaxamento e o domínio da respiração diafragmática são
também importantes para a diminuição do stress para todos os instrumentistas.
A preparação psicológica envolve os aspectos de comportamento, atitudes e valores
que contribuirão para a diminuição da ansiedade na performance. Todos os artistas um dia
sentem ansiedade. Mesmo os mais experientes sentem alguma apreensão antes de entrar no
palco. A ansiedade da performance pode trazer situações clínicas que variam de pessoa para
pessoa, apresentando sintomas físicos e mentais.
Entre os sintomas corporais da ansiedade encontrados estão: tensão muscular,
agitação, tremores, aceleração dos batimentos cardíacos, suor, ondas de calor ou frio, boca
seca, náusea, aumento do nível de adrenalina e vontade de ir constantemente ao banheiro. Os
sintomas mentais da ansiedade são os seguintes: pensamentos derrotistas, distração, falhas de
memória e sensação de pânico (Roland, 1998). Muitos intérpretes buscam receitas simples
para lidar com a ansiedade, mas a solução para esse problema só é possível através da prática
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de estratégias terapêuticas, e da adaptação dessas estratégias para a experiência individual do
intérprete (Salmon, 1992)
Deve-se ter consciência a ansiedade e de que ela é normal e não negá-la. Ela pode ser
transformada em fatores positivos. A ansiedade deve ser encarada como uma excitação, um
desejo de entrar no palco e tocar, transformando-a em energia da performance. Até um certo
nível, a ansiedade aumenta a habilidade de realizar tarefas, de maneira adequada e mais
rápida. A partir daí, o efeito da ansiedade é de uma perda de controle e a performance tendo a
perder a qualidade. Para Green (1986) existem dois jogos durante a performance e nestes o
controle do pensamento é primordial. O jogo exterior, que é a música em si com seus desafios
técnico interpretativos e o jogo interior, que acontece na mente do intérprete e produz os
obstáculos mentais, como falta de concentração e nervosismo.
Otimismo, habilidade e motivação fazem parte das respostas efetivas nos diálogos
interiores. A prática diária de diálogo interior positivo pode mudar a resposta mental no
tempo que precede o recital, encarando assim o desafio e estabelecendo a auto-confiança, tão
fundamental para uma performance a contento. Os diálogos interiores positivos podem
facilitar a aceitação do erro durante a execução. No palco, com a percepção aguçada em
estado de hiper-vigilância (Salmon, 1992), os erros parecem mais graves do que na verdade
são. A aceitação do erro deve ser um objetivo dos ensaios. Além da resposta mental positiva,
o recital deve ser encarado como um desafio e não como uma ameaça. A ameaça, real ou
imaginária, desencadeia fatores em nosso organismo. Se o recital é encarado como uma única
chance de sucesso, a ansiedade aumenta e compromete o nível da apresentação, mas se é
encarado como parte do seu desenvolvimento artístico a ansiedade tente a diminuir.
A concentração deve ser outro objetivo fundamental para o bom desempenho do
músico, mantendo o foco no que realmente interessa naquele momento e afastar pensamentos
irrelevantes. Em relação ao stress, as soluções são sempre individuais, assim como a escolha
de rituais. Alguns por exemplo, preferem o isolamento, outros a companhia de amigos, as
distrações. Outra estratégia para diminuir o stress e a ansiedade é a prática de ensaios mentais
(Roland, 1998), que nada mais são do que imaginar o resultado sonoro acompanhando com as
partituras. A execução de rituais simples nos dias que precedem a apresentação ou recital,
como ler um trecho de um livro ou escutar determinada música, tendem a gerar uma situação
de conforto devido à familiaridade e à repetição da atividade.
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Conclusão
O desempenho da performance de intérpretes nem sempre está relacionado apenas às
questões da aprendizagem musical e às questões da orientação técnico-interpretativas que
ocorrem nas aulas de instrumento. Existem dificuldades, no campo das práticas
interpretativas, que incluem controle do estado emocional, ansiedade da performance ou
nervosismo, comprometendo o resultado final da interpretação no palco. Mais do que um
produto, a performance é uma construção, um processo que inclui etapas antes, durante e
depois da apresentação e envolve a preparação organizacional, artística, física e psicológica.
Estudos como o de Greene (2001) ajudam os intérpretes a superarem suas dificuldades
no desempenho da performance. A adaptação desse estudo com alunos de uma escola de
música pública estadual em João Pessoa tem o intuito de contribuir com a diminuição da
ansiedade no palco e consequentemente melhorar a qualidade da performance, a partir do
levantamento dos dados obtidos nos questionários aplicados. A pesquisa encontra-se em
andamento e os dados coletados estão em fase de análise. Na segunda etapa da pesquisa, serão
desenvolvidas junto à equipe da escola ações educativas de orientação com os alunos.
Posteriormente às atividades orientadas, os questionários serão novamente aplicados e
comparados com os resultados iniciais.
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Referências
CARDASSI, Luciane. Pisando no Palco: Prática de performance e produção de recitais.1999.
GREEN, Barry (with W. Timothy Gallwey). The Inner Game of Music. London: Pan Original, 1987.
GREENE, Don. Fight your fear and win: seven skills for performing your best under.Pressure. NY: Broadway books, 2001.
ROLAND, David. The Confident Performer. London: Heinemann, 1998.
SALMON, Paul & MEYER, Robert. Notes From The Green Room: Coping with Stress and Anxiety In Musical Performance. New York: Lexington Books, 1992.
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Experiências Musicais: compartilhando experiência docente na Faculdade
Santa Catarina
Ibrantina Guedes de Carvalho Lopes FASC/ETECM
Resumo: A música na formação inicial de pedagogos constitui-se o tema desta comunicação. O presente trabalho consiste em relato de experiência docente ainda em desenvolvimento vivenciada com estudantes do curso de licenciatura em pedagogia na Faculdade Santa Catarina por quatro semestres. O trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma:apresentação, uma breve fundamentação teórica na qual a ação se ancora; descrição do relato de experiência docente, sendo pontuadas, em seguida, algumas aprendizagens que demandam da ação educativa.
Palavras-chave: educação musical, formação de professores, educação básica.
O ponto de partida
A música está presente no contexto escolar, embora nem sempre essa realidade seja
percebida como experiências musicais. No contexto da educação básica é recorrente a
presença da música tanto nas festas, nos intervalos recreativos, como também na perspectiva
de recurso didático com a finalidade de ensinar os mais variados conteúdos, valores, hábitos
aos estudantes. A música apresenta-se, portanto, transversal à proposta de outras disciplinas.
Loureiro (2003) discute que a presença da música na escola como forma de “entretenimento
lúdico e institucionalizado” ou mesmo enquanto “suporte didático” para outras disciplinas
torna a música menos importante que as demais no contexto escolar. Nesse sentido, a autora
aponta que o ensino de música na escola se propõe à construção de conhecimento em
oposição à velha concepção recreativa atribuída à música. (LOUREIRO, 2003, p.147). Para
Penna (1995), a proposta de música na escola regular corresponde ao resgate de metodologias
capazes de selecionar, ordenar e articular conteúdos significativos, de modo a desvendar os
princípios da linguagem musical. (PENNA, 1995, p.136)
Segundo Figueiredo, a utilização da arte enquanto forma de entretenimento ou
facilitadora de aprendizagens em outras disciplinas aponta para a concepção acessória e para o
tratamento pouco importante, superficial e genérico justificando, dessa forma o espaço no
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qual a arte, mais particularmente a música, ocupa na formação de professores no curso de
pedagogia. (FIGUEIREDO, 2004, p.60)
Outro ponto digno de atenção, segundo o autor acima citado, consiste na defesa da
concepção de que o artista nasce feito e de que para aprender música são necessários talentos
especiais. Para o autor, essa concepção impede que ações efetivas associadas ao ensino de arte
ocupem um lugar na formação dos profissionais que exercerão magistério tanto na educação
infantil quanto nas séries iniciais do ensino fundamental. (FIGUEIREDO, 2004, p.60)
Nesse sentido, Couto e Santos (2009) desconstroem a concepção de que “a prática
instrumental não é a única maneira de adquirir conhecimento em música e de demonstrar
conhecimento”. (COUTO; SANTOS, 2009, p.87). Esse mesmo pensamento é argumentado
por Penna (1991) quando admite que o conhecimento musical se processa não apenas no
âmbito escolar, mas também em outros espaços informais. (PENNA, 1991, p.20-21)
Considerando que serão os professores polivalentes ou generalistas os responsáveis
por organizar situações didáticas relacionados a todas as áreas do conhecimento no ensino
infantil como também nas séries iniciais do ensino fundamental, faz-se necessário a
implementação de ações que os instrumentalizem durante a formação inicial no sentido de
potencializar e apontar caminhos efetivos também para o ensino de música. (BELOCHIO,
2000; FIGUEIREDO, 2004; QUEIROZ; MARINHO, 2007).
O presente trabalho consiste em relato de experiência docente em desenvolvimento
vivenciada com estudantes do curso de licenciatura em pedagogia na Faculdade Santa
Catarina; já se contam quatro semestres. Nesse sentido, se apresenta semelhante à travessia na
qual se faz necessária a ação do primeiro passo para o início da mesma, já que “estando do
outro lado da rua, ninguém estará em seguida no outro, a não ser atravessando a rua.
(FREIRE, 2008, p. 27).
Reconhecendo o espaço da ação
A faculdade constitui-se em instituição privada de ensino superior que foi pensada
e estruturada por uma mantenedora de orientação confessional, de sorte que no período
diurno, no mesmo espaço físico funciona o colégio de ensino fundamental e médio. A
faculdade possui uma boa estrutura física, disponibilizando salas específicas para a equipe
gestora e técnica, além de sala de vídeo, auditório, salas de aula amplas e climatizadas que se
encontram frequentemente limpas e organizadas a cada turno. A faculdade conta ainda com
biblioteca e laboratório de informática que atende a comunidade acadêmica e dispõe de
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equipamentos eletrônicos que normalmente são utilizados enquanto ferramentas pelos
docentes durante a ação pedagógica. Além da equipe gestora, as ações acadêmicas são
assessoradas por núcleos específicos tais como o Núcleo de Apoio Pedagógico, Núcleo de
Projetos e Pesquisa Científica, Núcleo de Carreira, Núcleo de Estágio que se ocupam dentro
de suas competências com docentes e discentes. A faculdade abriga os cursos de
Administração, Ciências Contábeis e Licenciatura em Pedagogia
O curso de Licenciatura em Pedagogia é vivenciado em oito períodos no período
noturno e possui por finalidade formar profissionais para o exercício da docência na educação
infantil, séries iniciais do ensino fundamental, ensino médio bem como em outras áreas nas
quais se encontrem previstos conhecimentos pedagógicos. Além da matriz composta por
disciplinas obrigatórias e eletivas, os discentes contam com a defesa pública de um trabalho
de conclusão de curso como pré-requisito para a obtenção do grau em caráter de graduação.
Experiências musicais
Experiências Musicais é hoje uma disciplina que já integra o corpo de disciplinas
obrigatórias, no entanto foi estruturada inicialmente para compor a matriz curricular do curso
de Licenciatura em Pedagogia em caráter de oficina, de sorte que apesar da proposta se
apresentar inovadora, figurava entre as disciplinas eletivas. A partir do ano de 2009,
impulsionada pela sanção da lei 11.769/2008 na qual a música se torna conteúdo obrigatório
na educação básica, a disciplina passa a ser compreendida enquanto oportunidade para
instrumentalizar o pedagogo em formação inicial já que, será este profissional diante da
atuação em caráter polivalente, em muitas situações de ensino se ocupará de propor e
implementar algumas experiências musicais em sala de aula. Com a carga horária de 40h/a, a
disciplina é vivenciada em um semestre letivo no quinto período do curso.
A disciplina se propõe, em caráter prático, vivências de experiências que envolvam
sons, ritmos e instrumentos alternativos numa metodologia, cujo viés teórico que a
fundamenta, justifica o tema educação musical enquanto instância mais ampla. Os objetivos
transitam dentro da concepção teórico-prática que, por exemplo, vão desde a compreensão de
como o som se transforma em linguagem musical à construção de proposta de educação
musical em diferentes níveis. De forma ambiciosa, as competências específicas propostas para
o pedagogo ao final da disciplina contemplam a compreensão da importância do ensino de
música para a aprendizagem da criança e a elaboração de proposta pedagógica em educação
musical.
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A metodologia de ensino proposta pela disciplina busca promover um processo
dialético no qual a articulação entre a prática e a teoria contempla os participantes enquanto
sujeitos ativos do processo de construção de conhecimentos (FREIRE, 1998). Assim, prioriza-
se a vivência das experiências musicais, sendo em seguida propostas desconstruções das
vivências e reflexões críticas a partir de leituras de textos selecionados (PENNA, 1991).
Os conteúdos trabalhados na disciplina encontram-se agrupados em quatro temas:
educação musical, sons e ritmos, apreciação musical e busca de material alternativo. Os temas
são vivenciados sob o ponto de vista da educação musical, embora se ressalte que os
conteúdos podem ser organizados interdisciplinarmente ou mesmo que as discussões também
se apresentam de forma transversal ao conteúdo de outras disciplinas. A perspectiva da ação
educativa visa, portanto, desconstruir a concepção de que a música é apenas coadjuvante de
outras disciplinas. Por exemplo, perceber os sons normalmente causa um estranhamento para
a maioria das estudantes que ainda não haviam pensado na possibilidade, mas consideravam
pertinente trabalhar o mesmo conteúdo vinculado às ciências biológicas ou à educação
ambiental.
O processo avaliativo contempla adoção da uma concepção diagnóstica, formativa e
somativa de avaliação, no qual o aluno/a também avalia as aprendizagens construídas no
processo. Nesse sentido, os instrumentos de avaliação são diversificados.
Na faculdade não há sala específica e apropriada para aula de música, nem
instrumentos musicais, de sorte que os materiais sonoros mais utilizados são os CDs e DVDs,
fato que possibilita um olhar crítico sobre o material circulante na mídia contemporânea e que
está ao alcance dos educadores e educandos na escola e fora dela. Nestes quatro semestres de
vivência, pensar sobre o repertório enquanto possibilidade pedagógica, selecionando-o e
construindo sequências didáticas impulsionou um destaque para apreciação musical e para a
escuta de uma diversidade de gêneros musicais. Outros materiais didáticos mais utilizados são
o corpo, a voz e os materiais alternativos que vão sendo pesquisados ao longo da disciplina
culminando com a confecção de instrumentos e agrupamento dos mesmos em uma bandinha
rítmica, nesta perspectiva a atividade se apresenta prazerosa para as educadoras em formação.
Na formação da bandinha, a sequência didática se processa em um primeiro momento a partir
da escolha de repertório, criação de ostinatos rítmicos, quando cada instrumento se
responsabiliza por tocar um deles. Em seguida, busca-se um esforço para notação musical que
durante o processo encontra-se no âmbito não convencional, já que não se dispõe de tempo
suficiente para o aprofundamento do tema.
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A disciplina também se articula a ações interdisciplinares nas quais se destacam a
participação no projeto “Entra na roda com a gente: para cantar, brincar, dançar e conviver”,
ação voluntária de recreação que integrou dois Encontros de Iniciação Científica propostos
pela faculdade. Também faz parte do processo pedagógico da disciplina a participação efetiva
no trabalho de campo no qual é observada a presença ou ausência da música no espaço
escolar. Normalmente as licenciandas adentram o espaço escolar para também observarem
questões veiculadas em outras disciplinas e elaboram um relatório de observação
contemplando todas as questões propostas.
Aprendizagens construídas a partir da experiência docente
Algumas aprendizagens que demandam da experiência docente precisam ser
pontuadas e analisadas a partir dessa iniciativa da faculdade. A primeira é o caráter inovador
da possibilidade da formação do pedagogo a partir do estudo sistematizado de uma linguagem
artística específica como é a música.
Reveste-se de significado perceber que Experiências Musicais figura entre as
disciplinas obrigatórias indicando um lugar de prestígio e uma possibilidade de formação que
intenciona contemplar de forma efetiva a música na formação inicial dos pedagogos. No
entanto, há de se admitir que a carga horária, por exemplo, ainda é insuficiente para cumprir
tão ambiciosa intenção, apontando para a necessidade de outras ações no espaço da faculdade
que viabilizem a busca de conhecimento nessa área. Na realidade, ao final de cada semestre
percebe-se que a disciplina contribui para formulações de questionamentos relacionados aos
temas veiculados na educação musical.
A partir de depoimentos das alunas, foram verbalizados interesses pelos temas
trabalhados na disciplina corroborando para a construção de outro olhar para a música no
contexto escolar, já que no início da disciplina faz-se necessário desconstruir algumas ideias,
dentre elas a de que os conteúdos de música encontram-se relacionados ao talento, portanto
uma aprendizagem voltada para poucos. Outra ideia, semelhante a esta, de que só sabe música
quem toca um instrumento musical. As desconstruções necessárias apontam para o
encaminhamento também de proposta de apreciação musical que viabilize o adentramento aos
espaços escolares da música que os alunos e alunas ouvem e que se reveste de significado
sociocultural para os mesmos, constituindo-se em temas a serem refletidos por pedagogos em
formação. Essa compreensão aponta para o fato de que estes materiais disponíveis no
cotidiano se transformam em possibilidades educativas no espaço escolar.
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Diante do exposto, a oportunidade de vivenciar experiências musicais no curso de
pedagogia de uma faculdade de ensino privado aponta para um caráter inovador e diferencial
na formação inicial dos pedagogos possibilitando reflexão de que música constitui-se em área
específica do conhecimento. Esse espaço, porém, não desfaz a incógnita inicial das
licenciandas que percebem a música como mais um trabalho que sobrecarrega os educadores
polivalentes das séries iniciais.
As possibilidades da ação educativa apontam as ênfases na construção de uma
proposta na qual professor e aluno se posicionam enquanto sujeitos do processo elaborando
um projeto viável e contextualizado que permita inclusão de temas instigantes e específicos à
área de música.
Faz-se necessário ainda a organização efetiva do trabalho docente no sentido de
perceber nos materiais acessíveis e disponíveis a possibilidade de se transformarem em
materiais didáticos. Além de se considerar quão significativas são as músicas que fazem parte
das preferências discentes, as experiências de ouvir o entorno sonoro, as possibilidades de
apreciação musical; a compreensão dos elementos que constituem a construção musical.
Dessa forma, os desafios apontam para consolidação de ações educativas voltadas à formação
inicial e continuada de pedagogos, possibilitando aprofundamentos, pesquisas e outras
vivências musicais.
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Referências
BELLOCHIO, Cláudia Ribeiro. Educação Musical: olhando e construindo na formação e ação de professores. Revista da ABEM, Porto Alegre n.6, p.41-47, 2001
COUTO, Ana Carolina Nunes; SANTOS, Israel Rodrigues Souza. Por que ensinar Música na escola? Reflexões sobre conceitos, funções e valores da Educação Musical Escolar. Opus,Goiânia, v.15, n.1, p. 75-90, jun. 2009.
FIGUEIREDO, Sérgio Luiz Ferreira de. A preparação musical de professores generalistas no Brasil. Revista da ABEM, Porto Alegre, v 11, p.55-61, 2004
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 49. Ed São Paulo: Cortez, 2008.
______. Pedagogia da autonomia 7ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
LOUREIRO, Alícia Maria Almeida. O ensino de música no ensino fundamental. Campinas: Papirus, 2003.
PENNA, Maura. Reavaliações e buscas em musicalização. São Paulo: Loyola, 1990.
______. Ensino de Música: Para além das fronteiras do conservatório. In PEREGRINO, Yara Rosas (coord.) Da camiseta ao museu: o ensino das artes na democratização da cultura. João Pessoa: Editora Universitária, 1995. p. 129-140.
QUEIROZ, Luiz Ricardo Silva; MARINHO, Vanildo Mousinho. Educação musical nas escolas de educação básica: caminhos possíveis para a atuação de professores não especialistas. Revista da ABEM, Porto Alegre, n.17, p.69-76, 2007.
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Flauta doce no ensino fundamental: uma experiência de educação musical
no município de Porto Alegre – RS
Jonas Tarcísio Reis Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) / SMED-POA
Resumo: Este trabalho versa sobre uma experiência de ensino e aprendizagem de flauta doce em conjunto, paralela a atividades de canto coletivo, realizada em uma escola da rede municipal de ensino de Porto Alegre – RS. O recorte do trabalho aqui apresentado compreende as atividades pedagógico-musicais desenvolvidas durante o primeiro trimestre de iniciação a flauta doce, com alunos de turmas de quarto e quinto anos do ensino fundamental. A ênfase das intervenções educativo-musicais construídas se deu sobre práticas de interpretação musical. Este trabalho busca contribuir no campo de estudos que focam aeducação musical com flauta doce e as práticas de educação musical no âmbito da educação básica.
Palavras-chave: educação básica, flauta doce, prática de conjunto.
Introdução
Atualmente, no Brasil, a área de Educação Musical vive um momento singular,
desencadeado por inúmeros fatos e acontecimentos derivados da sua história mais recente,
circunscritos dentro do universo das últimas duas décadas, principalmente. Esse momento é
marcado pelas ações da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM) e de outras
entidades de classe e organizações que se dedicam à música, seu ensino e aprendizagem,
pesquisa e reconhecimento social de sua importância na formação de uma sociedade moderna,
complexa e que se volta à formação integral dos cidadãos. Essas ações culminaram na sanção
da Lei 11.769, de Agosto de 2008 (BRASIL, 2008). A presente lei altera a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996 (BRASIL, 1996), e institui a música como
conteúdo obrigatório, mas não exclusivo no âmbito da educação básica nacional. Isso quer
dizer que, a música não pode continuar sendo excluída da educação formal, como vinha
sendo, uma vez que a disciplina Arte já englobava a música, porém, isto não incidia - por
inúmeros fatores - no desenvolvimento de ações educativo-musicais inseridas dentro dos
currículos escolares como disciplina, conteúdo ou componente obrigatório.
Mas, agora a realidade modifica-se, e as ações de diversos segmentos sociais,
apoiadas pela nova lei, mobilizam grande número de sujeitos sociais interessados na
implementação da Lei 11.769/2008, para levar a música, novamente, a ocupar um status,
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anteriormente perdido, de área do conhecimento indispensável à formação dos estudantes
brasileiros dos três níveis da educação básica nacional, a saber: educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio. Assim, neste contexto, viemos, por meio deste texto,
compartilhar ideias de educação musical desenvolvidas no âmbito do ensino fundamental, em
uma escola pública no estado situado na região mais austral do Brasil. Acreditamos que
poderemos colaborar no movimento de discussão das possibilidades de ensino e
aprendizagem musical brasileiro.
O lugar da Educação Musical na Escola Cidadã
As fontes empíricas deste artigo provêm de aulas de música realizadas junto à rede
municipal de educação de Porto Alegre – RS, com turmas de quarto e quinto anos do ensino
fundamental no sistema ciclado de ensino1 da rede, em uma escola situada na periferia da
cidade referida. É um trabalho de reflexão sobre práticas educativo-musicais desenvolvidas
com jovens da classe baixa da população da capital do Rio Grande do Sul, inseridos no
contexto sócio-cultural das culturas de massa, do capitalismo industrial globalizado
neoliberal. Porém, esses jovens fazem parte e são sujeitos de um processo e de uma proposta
de educação pública contra-hegemônica, de inclinação libertadora e construtivista, que
procura trazer resultados significativos para a sociedade através de um ensino almejador da
superação anulativa dos processos antidemocráticos de opressão, de competição, de injustiça,
e, portanto, por assim se apresentarem, são de desumanização do homem. Fala-se do Projeto
Pedagógico da Escola Cidadão da cidade de Porto Alegre – RS (PORTO ALEGRE, 1996).
Nessa perspectiva, Azevedo (2009, p. 178), comentando sobre a experiência político-
pedagógica da Administração Popular (ver AZEVEDO, 2007) em Porto Alegre, no período de
1989 a 2005, afere que:
Na educação essa política expressou-se no projeto Escola Cidadã. Este projeto tinha como diretriz democratizar a gestão e o acesso ao conhecimento. Através de intenso processo de participação reestruturou a instituição escola, recriando o currículo, as formas de organização do ensino, as concepções e políticas de avaliação e oportunizou um intenso processo de formação aos educadores, criando espaços de formação e discussão, produzindo uma massa crítica interessada na construção de uma educação comprometida com a emancipação (AZEVEDO, 2009, p. 178).
1 As escolas da rede municipal de educação do Município de Porto Alegre, desde o ano de 1997, estão organizadas por ciclos de formação, onde o ensino fundamental está dividido em três ciclos, que por sua vez estão subdivididos em três anos cada um, totalizando nove anos de estudos nesse nível de ensino.
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O autor ainda coloca que o projeto da Escola Cidadã fora calcado na Pedagogia da
Esperança, de Paulo Freire, e na Pedagogia do Conflito, de Boaventura de Souza Santos.
“Ambas as proposições tornaram-se referências para a discussão e a concretização de um
projeto educacional encharcado de cumplicidade com conceitos e valores humanizadores”
(AZEVEDO, 2009, p. 181). Um projeto educativo genuinamente emancipatório, regado na
democratização da escola, à participação da comunidade na estrutura gestora da instituição
escolar, e à ampla e ostensiva formação continuada dos educadores. É um projeto que vai à
contramão da expansão político-econômica e sócio-cultural das propostas neoliberais que
assolam os sistemas educacionais do Brasil e do mundo, sejam eles públicos (federais,
estaduais, municipais) ou privados.
É uma proposta que contraria as políticas educacionais públicas baseadas na
meritocracia, na exclusão, na repetição, na classificação dos educandos e na competição, onde
os processos avaliativos são externos e certificativos, “sem a participação dos sujeitos
avaliados, quantitativas, verificação de produtos, comparação com as performances dos países
centrais, centro em determinadas áreas do conhecimento em detrimento de uma visão integral
do ser humano” (idem, p. 177).
Dentro deste contexto a música está inserida da seguinte maneira na rede de ensino
do município:
A música faz parte da proposta da RME-POA/RS, integrando documentos oficiais do município desde o ano de 1996. Neste sentido, de acordo com a proposta, a música deve ser desenvolvida nos três ciclos de formação. De acordo com as bases curriculares, no I, II e III ciclos as turmas de alunos serão atendidas no componente arte-educação, que se apresenta através das modalidades artes cênicas, artes plásticas e música. Assim, cada especificidade artística será desenvolvida em um dos anos do ciclo. Salienta-se que a ordem de oferecimento das disciplinas artísticas para os anos-ciclo deve ser planejada pelas escolas, considerando-se suas especificidades e, principalmente, seus projetos políticos pedagógicos (WOLFFENBÜTTEL, 2009, p. 35).
As ações pedagógico-musicais com a flauta doce
O objetivo geral da proposta era trabalhar a aprendizagem de flauta doce em
conjunto paralela às atividades de canto coletivo. Como objetivos específicos, almejávamos:
propiciar o acesso a cultura musical formal, por meio da prática de conjunto e da interpretação
instrumental; contribuir para uma formação mais completa dos alunos; desenvolver a
musicalidade do grupo beneficiado, trabalhando e explicitando aspectos musicais até então
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não apresentados formalmente a estes indivíduos, usando músicas que, possivelmente, não
faziam parte do seu universo cotidiano, ou da cultura que anda ao lado das mídias e de outros
meios de difusão de conhecimento
As aulas de música eram semanais, com a duração de dois períodos por turma. Na
escola não havia uma sala de aula específica para a música, nem estantes para partituras. Mas
a escola tinha uma flauta doce soprano para cada aluno, o que significava a possibilidade de
todos tocarem ao mesmo tempo. Tínhamos, também, felizmente, a visão da direção e dos
colegas docentes favorável ao trabalho musical com flauta doce. Isso contribuiu muito para o
processo de musicalização, pois não existiam reclamações da comunidade escolar quanto à
profusão de sons advinda das aulas de música, e podíamos tocar com tranquilidade, sem nos
preocuparmos em estar incomodando alguém.
Durante as aulas, o professor fazia uso de um teclado para acompanhar as músicas
tocadas pelos alunos na flauta doce, cujas quais também eram cantadas na sala de aula. As
notas trabalhadas foram: Dó, Si, Lá e Sol. Inicialmente, no primeiro contato dos alunos com a
flauta doce, fora aprendida uma música com as notas Si e Lá, em um desenho rítmico
composto por semínimas e colcheias. A música usada foi “Bem-ti-vi”, retirada de Suzigan e
Mota (2001). Paralelo ao aprendizado desta música, trabalhamos as sete notas musicais e o
seu solfejo, com o auxílio do teclado. Os alunos aprenderam a cantar a letra desta canção ao
mesmo tempo em que aprenderam a tocá-la no instrumento de sopro. O canto e a
interpretação instrumental aconteciam intercalados. Em algumas aulas, enquanto alguns
alunos cantavam, outros tocavam ao mesmo tempo, de modo a formar um arranjo.
Após, trabalhamos o aprendizado da música “O Trem de Ferro”, retirada do
cancioneiro folclórico brasileiro. Essa música é muito conhecida em diversas regiões do
Brasil, mas, atualmente, pelo que temos notados nas escolas que trabalhamos na região
metropolitana de Porto Alegre, está ausente dos ambientes escolares, em decorrência da
invasão da cultura de massa propagada pelas mídias. Na aprendizagem desta música
incorporamos duas novas notas: Dó e Sol. As figuras rítmicas continuaram a ser as mesmas
usadas na música “Bem-ti-vi”, o que facilitou a compreensão musical sobre a nova música,
uma vez que a célula rítmica a ser utilizada era extremamente semelhante a da música
anteriormente aprendida. Também cantamos a letra da canção.
Depois de aprendida, os alunos foram incentivados a comporem acompanhamentos
rítmico-corporais para acrescentar ao arranjo cantado e tocado. Isso fora feito em grupos de
cinco alunos, por turmas. Alguns alunos usaram palmas, passos e batidas na região torácica
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no ritmo da canção para acompanhar os demais colegas que tocavam e cantavam. Todos os
grupos tiveram a oportunidade de apresentar os seus arranjos para turma toda. Foi um
momento de muita alegria para os alunos, pois se sentiram capazes de criar produtos musicais
genuinamente seus, uma vez que não estavam só recriando música na flauta ou através do
canto, mas sim desenvolvendo algo novo em termos de música. Surgiram também alguns
arranjos na forma de ritmos derivados de obras do gênero musical “Funk Carioca”, muito
presente entre as culturas mais populares, e largamente disseminado entre os jovens em idade
escolar. Na atividade de criação musical os alunos puderam trazer o conhecimento musical
formado fora da sala de aula de música. Houve a interlocução entre o saber formal e o saber
informal (ver ARROYO et al., 2000)
Nas aulas, durante os primeiros contatos com as músicas novas, os alunos tocavam
todos juntos. Em seguida, à medida que as dificuldades técnicas e rítmicas eram superadas, o
professor buscava ouvir individualmente os educandos a tocar, para ajudar na identificação de
aspectos a serem melhorados nas interpretações. Isso ajudava, também, os alunos a sentirem
que as suas práticas musicais individuais eram de suma importância para qualidade da prática
coletiva, e para o professor. Assim, buscavam se dedicar cada vez mais na aprendizagem. Eles
se sentiam desafiados quando o professor mencionava pontos que necessitavam de melhoria,
o que os levava a processos necessários de reflexão sobre seu próprio fazer, e de compreensão
e identificação do que e de como melhorar aquilo que o professor pedia. Os detalhes a serem
melhorados na interpretação musical com vistas à construção de uma prática musical com
maior expressividade variavam entre os apontamentos a seguir apresentados.
Através da prática de conjunto de flauta doce foi possível trabalhar a precisão e a
fluência rítmica. Trabalhamos basicamente com músicas que exigiam uma divisão rítmica
bastante simples, englobando apenas duas figuras de duração distintas; semínimas e colcheias.
A afinação também foi alvo de nosso trabalho, considerando de modo imediato a construção
de conhecimento perceptivo musical, uma vez que estávamos lidando com um instrumento
que pode oferecer variações de afinação dependendo da corrente de ar posta em vibração e
também da montagem e encaixe das peças formadoras do instrumento, que podem ficar
levemente frouxas em decorrência de necessidades performáticas específicas ou pela
desatenção, fato este, muito comum entre discentes iniciantes no instrumento, ainda mais em
um contexto onde a profusão de sons emanados de diversas fontes ao mesmo tempo pode
confundir a audição e identificação da fonte de sons desafinados.
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O controle da corrente de ar posta em movimento na construção dos fraseados
musicais também fora alvo de nossas intervenções pedagógico-musicais. Por tratar-se de
alunos iniciantes o nível de cobrança variou de uma turma para outra no que concerne a
obtenção de homogeneidade da coluna de ar, principalmente, em decorrência da diversidade
inerente ao corpo discente delas, o que incidiu, diretamente, no tempo de prática necessária a
compreensão e construção de uma prática musical homogênea em termos de sonoridade a ser
obtida como produto musical na interpretação das músicas trabalhadas ao longo do trimestre.
Enfatizamos também a necessidade de uma postura corporal adequada ao
instrumento, visto que os alunos tocavam sentados em suas carteiras e, às vezes, de pé, ou
sentados em roda. Quando sentados, buscávamos que eles não escorassem os cotovelos nas
mesas, nem sentassem com o tronco do corpo curvado, pois tais posturas implicariam
diretamente no modo de interpretação musical, bem como no controle da respiração, o que
resultaria na obtenção de interpretações musicais poucos ideais.
Sem exceções, todos os alunos demonstravam gostar enormemente das aulas de
música. Paravam o professor nos corredores da escola para saber quando seria o “dia da
música”, e também para sanar dúvidas sobre algum conteúdo abordado em aula.
Alguns alunos também tocavam em casa, pois puderam comprar a flauta doce
soprano. Outros só tocavam na escola, por falta de recursos financeiros. Mas o que foi
cobrado dos alunos de desenvolvimento técnico e musical com a flauta doce não excedia o
que era possível trabalhar no espaço tempo dos dois períodos semanais por turma. Claro que
isso não era o ideal, mas era o tempo que dispúnhamos. Ao final do trimestre, as aulas não
pararam, seguiram e acrescentamos instrumentos de percussão que a escola comprou por
nossa recomendação. Mas como o espaço do texto se esgota por aqui, deixamos a análise dos
outros dois trimestres de aula para posteriores trabalhos. Por ora, sigamos às considerações
finais.
Considerações finais
Nas aulas de música aqui relatadas buscamos, sempre, deixar os alunos se
expressarem individual e coletivamente através da música, mostrando suas ideias musicais e
ampliando seu conhecimento musical.
Na aula de flauta doce o aluno é sujeito e produtor do seu conhecimento, pois
necessita fazer para aprender, não é copiando simplesmente o que está no quadro que
desenvolve a cognição musical. Na aula de música é preciso existir o fazer musical, seja este
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individual ou coletivo, na forma da interpretação ou criação musical, e logicamente, não é só
ouvindo que se aprende música, muito embora seja uma atividade bastante rica e positiva a
apreciação musical, mas sendo esta de caráter ativo, e não uma apreciação passiva
simplesmente. Ativa no sentido de estar atrelada a reflexão sobre a obra ouvida, bem como a
descoberta e compreensão dos elementos formadores da música apreciada. Então, o eixo
formado por atividades de apreciação, criação e interpretação musical, enriquecidos pela
reflexão musical, reflexão sobre estes fazeres musicais, constitui-se como uma alternativa
viável no âmbito da educação musical na educação básica.
Embora nas práticas pedagógico-musicais desenvolvidas durante um trimestre, aqui
analisadas, a ênfase tenha se dado sobre a interpretação musical, não deixamos de dar
oportunidades aos educandos para criarem acompanhamentos rítmicos com o corpo para as
músicas aprendidas, contemplando a construção de arranjos musicais, e dando a chance deles
trazerem para a sala de aula os seus conhecimentos musicais informalmente adquiridos.
A apreciação musical também aconteceu em muitos momentos, principalmente
quando o professor tocava e pedia para os alunos observarem quais as diferenças entre a sua
interpretação e as interpretações ouvidas em um determinado CD, ou à que algum colega da
classe havia realizado. Nestas atividades o objetivo era compreender que elementos ainda
faltavam nas interpretações dos alunos, auxiliando-os a prestar atenção aos fraseados,
dinâmicas, controle das correntes de ar, postura corporal, digitação dos dedos e afinação do
instrumento.
Por fim, trazemos uma reflexão teórica de caráter mais geral sobre as atividades
desenvolvidas: assim, frente ao quadro sociocultural ao qual a figura da escola está inserida, o
educador precisa pensar o contexto dos sujeitos educandos juntamente com a construção de
processos educacionais que possam fazer emergir momentos educativos complexos,
problematizadores da realidade, da vida cotidiana, produtores de subjetividades. É
imprescindível trilhar atalhos em direção contrária a Mercoescola (AZEVEDO, 2007) e a
padronização do ser-estar do homo-sapiens no mundo hodierno. Atalhos estes que levam a
instauração de um estado e convívio social vocacionado para a solidariedade entre os seres
humanos, independentemente da sua origem econômica, social, cultural ou religiosa.
Perspectivados na troca mútua de conhecimentos e na propagação e produção de cultura como
um bem a ser compartilhado por todos e estar acessível a todos. É o enraizamento e a criação
de um sentido novo de existir no mundo com o outro e ver-se no outro como a si próprio,
como seu semelhante e cúmplice de uma coletividade humana positiva e humanizada, onde
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“conhecer é reconhecer e progredir no sentido de elevar o outro da condição de objeto à
condição de sujeito” (SANTOS, 2000, p. 30).
A caminhada supracitada pressupõe a constituição de novas relações teóricas e
sociais no âmbito do conhecimento musical significativo e transformador da realidade
momentânea do tempo presente rumo à projeção da estruturação de um futuro
promissoramente melhor, mais humanizado, democrático e igualitário, onde a distribuição de
riquezas e o capital cultural da humanidade sejam compartilhados entre todos os povos, entre
todos os seres humanos, sem hierarquizações ou supressões de um corpo cultural, de um
conjunto de saberes sobre outros. É o almejar estabelecedor de uma coletividade universal,
sem necessariamente abdicar das subjetividades nacionais, regionais e locais das diferentes
culturas mundiais. Assim sendo, nessas primeiras aulas coletivas e reflexivas musicais
procuramos dar os passos iniciais à concretização prática dessas ideias educativas mais
amplas.
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Referências
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AZEVEDO, J. C. de. Educação e Emancipação: Cenários de Esperança. In: FREITAS, Ana Lúcia de; MORAES, Salete Campos de (Orgs.). Contra o desperdício da experiência: apedagogia do conflito revisitada. Porto Alegre: Redes, 2009, p. 171-183.
____________. Reconversão cultural da escola: mercoescola e escola cidadã. Porto Alegre: Ed. Sulina e Ed. Universitária Metodista, 2007.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
BRASIL. Leis Ordinárias de 2008. Lei n° 11.769/2008. Altera a lei n° 9394/1996, de 20 de dezembro de 1996, lei de Diretrizes e Bases da Educação para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino de música na educação básica. Brasília, 2008. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/lei/L11769.htm>. Acesso em: 27 ago. 2009.
SANTOS, B. de S.. Para uma Pedagogia do Conflito. In: FREITAS, Ana Lúcia de; MORAES, Salete Campos de (Orgs.). Contra o desperdício da experiência: a pedagogia do conflito revisitada. Porto Alegre: Redes, 2009, p. 15-40.
____________. A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência. Para um novo senso comum; a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. Vol. 1. São Paulo: Cortez, 2000.
PORTO ALEGRE, 1996. Secretaria Municipal de Educação. Cadernos pedagógicos N° 9:ciclos de formação, proposta político-pedagógica da escola cidadã. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Secretaria Municipal de Educação, 1996.
SUZIGAN, M. L. C.; MOTA, F. Método de iniciação musical para jovens e crianças: flauta doce. Vol. 1. 2ª edição. São Paulo: Ed. G4, 2001.
WOLFFENBÜTTEL, C. R. A inserção da música no Projeto Político Pedagógico: o caso da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre/RS. Tese (Doutorado em Música) - Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
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Formação de professores de música na região de Sobral/CE: relato de experiência e parceria entre redes de ensino
Leonardo Borne
UFC - [email protected]
José Brasil de Matos Filho6ª CREDE / Escola de Música Maestro Wilson Brasil - Sobral
Resumo: O presente trabalho tem por propósito relatar o projeto de extensão intitulado “Formação de Professores em Música”, desenvolvido pela Universidade Federal do Ceará – campus de Sobral (UFC-Sobral) em parceria com a 6ª Coordenadoria Regional deDesenvolvimento da Educação (6ª CREDE/CE) e Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Sobral no ano de 2011 com, aproximadamente, 40 professores que atuam na área de música, porém sem formação específica, no 9º ano do Ensino Fundamental e 1º ano do ensino médio nas escolas públicas estaduais da região do Vale do Acaraú, região norte do estado do Ceará. A formação ocorre em encontros presenciais mensais e, semanalmente, em encontros em ambiente virtual. Como resultados parciais, apontamos que os participantes estão mais ativos e reflexivos quanto às práticas musicais desenvolvidas na escola, ao invés de simples reprodutores do ensino de música.
Palavras-chave: Formação de professores de música, parceria entre redes de ensino, relato de experiência.
Introdução
Em 18 agosto de 2008, como resultado “de uma articulação nacional iniciada pela
implantação das câmaras setoriais de linguagens artísticas em 2004 e continuada durante os
anos seguintes em fóruns, congressos, reuniões temáticas e seminários” (MATOS FILHO,
2011, p. 15), foi promulgada a Lei 11.769, que determina o retorno do ensino da música à
educação básica do Brasil. A lei prevê que as redes de ensino deveriam se adequar para
oferecer o componente curricular música em todas as escolas em um período de três anos,
portanto em agosto de 2011. Os Sistemas Educacionais estaduais e municipais, entretanto,
apenas muito recentemente têm se preocupado com a implementação do proposto na referida
lei.
A rede educacional pública do Estado do Ceará, por exemplo, tem buscado
alternativas de caráter emergencial, como a contratação de professores temporários com
formação pedagógica e/ou conhecimento musical, porém sem o conhecimento específico da
educação musical; ou ainda com conhecimento musical, porém sem o conhecimento da
educação.
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A 6ª Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação (6ª CREDE), órgão
vinculado à Secretaria Estadual de Educação (Seduc/CE) que abrange os 20 municípios da
região do Vale do Acaraú1, noroeste do Ceará, possui no seu calendário de formação
continuada um encontro presencial mensal para que os professores possam se capacitar e se
atualizar, formação essa dividida em 17 cursos2. No ano de 2011, a área de Linguagens e
Códigos e suas Tecnologias terá como foco prioritário, além da disciplina Língua Portuguesa,
a disciplina Artes, essa última focando os conteúdos a serem repassados aos formadores nas
competências e habilidades musicais a serem desenvolvidas pelos professores que atuam na
escola com a disciplina de música.
Os documentos orientadores do ensino da Arte nas escolas públicas do Estado do
Ceará, assim chamados Escola Aprendente, listam as seguintes competências e habilidades a
serem desenvolvidas:
Reconhecer a importância das linguagens artísticas e estéticas como instrumento de participação política, social, cultural e cidadã do homem, compreendendo os fundamentos conceituais das artes visuais, cênicas, musicais, audiovisuais e corporais, como recursos de informação, comunicação, interpretação, necessários à formação da cidadania.
Desenvolver processos de criação artística nas diversas linguagens da arte.
Compreender a história da arte em sua diversidade cultural refletindo e analisando os aspectos estéticos, filosóficos, históricos, sociais, culturais e antropológicos.
Compreender os movimentos artísticos no tempo e no espaço, situando-os no contexto da realidade socio-política e cultural e sua interferência nas transformações sociais.
Compreender as diversas culturas estabelecendo relação entre a música presente na escola, as vinculadas pela mídia e as produzidas por grupos locais, nacionais e internacionais. (CEARÁ, 2008, p.60)
Em levantamento realizado com os educadores inscritos no curso de formação de
professores de música, constatou-se que nenhum dos inscritos possui graduação em música;
1 A Secretaria da Educação do Ceará possui vinte coordenadorias regionais de educação que gerenciam as escolas estaduais e fazem um acompanhamento nas escolas dos 184 municipios do estrado. A 6ª CREDE, com sede em Sobral, abrange os seguintes municípios: Alcantaras, Cariré, Coreaú, Fecheirinha, Forquilha, Graça, Groaíras, Hidrolândia, Irauçuba, Massapê, Meruoca, Moraújo, Mucambo, Pacujá, Pires Ferreira, Reriutaba, Santana do Acaraú, Senador Sá, Sobral e Varjota.
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os professores responsáveis por ministrar a disciplina Artes têm formações em diversas áreas,
tais como letras, química, física, biologia, geografia, teologia. Outra constatação preocupante
refere-se ao fato que muitos professores são lotados para ministério da disciplina Artes com
critérios pouco preocupados com o oferecimento de um programa a ser desenvolvido, pois
muitos deles relatam pouca intimidade com o conteúdo a ser repassado e que sua lotação
aconteceu somente para complemento de carga horária.
Comungamos com Figueiredo e Rosa (2008) quando eles dizem: “Sendo a música
uma parte constituinte da Arte, nem sempre ela é entendida como uma área que possui
conteúdos específicos e desta forma não é assumida como uma disciplina propriamente dita”
(p. 03). Fica evidente, ao constatar que as graduações dos professores são diversas à música,
que a rede de ensino estadual ainda está trabalhando na criação da disciplina de música, ou
melhor, do componente curricular música na escola, não caracterizando-a como disciplina
própria.
Com essas constatações a Universidade Federal do Ceará – campus de Sobral (UFC-
Sobral), em parceria com a 6ª CRECE/CE, está desenvolvendo o projeto de extensão
“Formação de Professores em Música”, que busca o fortalecimento do ensino de música nas
escolas da rede estadual de ensino através da formação continuada e em serviço de
professores que atuam na área de música nessas instituições, formação essa em caráter
emergencial, haja vista a falta de recursos humanos com formação acadêmica específica para
atuarem na área de música, como relatado anteriormente.
As Parcerias Estabelecidas
A formação ocorre em sistema de parceria, como já dito, onde a 6ª Crede (instância
estadual) oferece a demanda de participantes, um professor formador, apoio logístico e
material de consumo. O espaço físico para realização do projeto é cedido pela Prefeitura de
Sobral (instância municipal), na Escola de Música Maestro Wilson Brasil. Cabe à
Universidade Federal do Ceará (instância federal), através de um professor, elaborar o
material didático em conjunto com o professor formador advindo da CREDE/CE, bem como
gerenciar o ambiente virtual de aprendizagem onde ocorre parte da formação e ministrar parte
dos encontros presenciais realizados.
2 Formação em: Português, Inglês, Espanhol, Artes, Educação Física, Matemática, Física, Quimica, Geografia, História, Sociologia, Filosofia e capacitações para os Conselhos Escolares, Coordenadores Pedagógicos e professores dos Centros de Multimeios, Laboratórios de Ciencias e , Laboratórios de Informática.
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O calendário de formação da 6ª CREDE/CE prevê apenas um encontro mensal para a
capacitação dos professores, o que poderia se tornar inviável para uma formação significativa
em música. Para tanto, a solução encontrada foi ampliar essa carga horária através da
educação a distância. Dessa forma, fica a cargo dos encontros presenciais a maior parte das
atividades de cunho prático e do fazer pedagógico-musical, através de dinâmicas e propostas
diferenciadas, tais como palestras, seminários, vivências (musicais e pedagógicas) e debates,
priorizando as atividades práticas e relacionadas com o fazer musical da escola. Os conteúdos
abordados serão definidos em acordo com as orientações curriculares oficiais, sendo elas a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96); os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM, 2002); os Referenciais Curriculares Básicos para o
Ensino Médio do Estado do Ceará (RCB – Quinto Ciclo, 2002) e os textos da Coleção Escola
Aprendente (Metodologias de Apoio da Seduc/CE).
O projeto se desenvolverá ao longo do ano de 2011, assim dividido para fins de
consolidação de carga horária para certificação que se dará através da Pró-Reitoria de
Extensão da Universidade Federal do Ceará:
50 horas de atividades presenciais (10 encontros mensais de 5 horas/aula);
40 horas de atividades online (dedicação de mais 2 horas semanais para as
atividades postadas na plataforma Sócrates da Universidade Federal do
Ceará);
30 horas de elaboração de um PPI – Projeto de Produção Individual;
momento de criação de um artigo, comunicação, relato de experiência ou
Plano de Ação a ser desenvolvido por cada professor em sua escola,
socializado entre os professores participantes do curso de formação.
Assim como dito anteriormente, os encontros presenciais (dez) acontecem na Escola
de Música Maestro José Wilson (Escola de Música de Sobral), consolidando assim uma
efetiva parceira entre os três níveis administrativos: Prefeitura de Sobral, através da Secretaria
Municipal da Cultura e Turismo; Governo Estadual, através da 6ª Coordenadoria Regional de
Desenvolvimento da Educação e Governo Federal, através da Universidade Federal do Ceará
– campus de Sobral.
Os encontros a distância também têm o foco no desenvolvimento dos conhecimentos
pedagógico-musicais. Esses abordaram e permeiam os mesmos conteúdos que os encontros
presenciais, porém em caráter mais teórico e reflexivo, propiciando a troca entre os
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participantes através do debate e da discussão online, bem como a criação de propostas
metodológicas e pedagógicas a serem utilizadas em suas práticas docentes.
Não se poderia, dessa forma, imaginar um programa de formação continuada que
vise à mudança de postura pedagógica do professor sem a preocupação de promover o
envolvimento dos responsáveis pela gestão das escolas. Pensando nisso, os encontros de
formação também recebem coordenadores pedagógicos das escolas para o repasse de toda
temática abordada. Também são elaborados relatórios de cada formação que são repassados
aos diretores de todas as 41 escolas atendidas como forma de garantir a ampla publicidade e o
posterior acompanhamento, por parte dos gestores escolares, de todas as atividades
desenvolvidas, tanto nos encontros presenciais como nas atividades a distancia.
Outro ponto importante a se destacar é a busca pelo fortalecimento de um sentido de
trabalho em equipe, de uma ação de intersetorialidade dentro da escola. Assim, através do
diálogo com todos os setores envolvidos nos encontros de formação, procura-se garantir o uso
dos recursos e ambientes existentes na escola, como os centros de multimeios, bibliotecas
escolares e laboratórios de ciências e de informática, sempre na persecução de melhoria dos
processos de ensino aprendizagem.
Proposta Metodológica das Formações
Na busca por resposta aos grandes desafios que se apresentam nas escolas públicas
de ensino médio dos municípios da abrangência da 6ª Coordenadoria Regional de
Desenvolvimento da Educação, como as altas taxas de repetência, o elevado índice de evasão
e, consequentemente, a baixa proficiência obtida dos alunos em exames padronizados,
procurou-se promover a melhoria das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores a
partir da formação continuada pautada na produção individual e coletiva do conhecimento
através de um programa de formação continuada em serviço na busca da consecução de
competências necessárias ao ato de ensinar, associando a teoria e a prática.
Nesse sentido, a Formação Continuada de Professores da 6ª CREDE/CE em 2011,
tem como foco a aprendizagem dos alunos na escola de jovens. Seguirá uma base pedagógica
subsidiada pelos documentos anteriormente elencados, em especial nas orientações didáticas
da Coleção Escola Aprendente que propõe o ensino da arte
de forma contextualizada, de modo que o estudo dos conceitos e dos elementos básicos de cada linguagem seja evidenciado no projeto pedagógico, com foco no desenvolvimento de competências e habilidades,
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numa perspectiva de ressignificar o aprendizado efetivo da Arte em conformidade com os PCNEM. (CEARÁ, 2008, p. 52).
Os PCNEM (2002) asseguram aos alunos do ensino médio o direito do
desenvolvimento da sensibilidade expressiva em arte e, para tanto, “orienta que os professores
de Arte possam se aperfeiçoar continuamente em seus saberes e sobre o exercício da atividade
docente, para intermediar a formação artística e estética dos estudantes” (BRASIL, 2002).
O Ministério da Educação tem se preocupado em garantir o oferecimento de um
ensino médio de qualidade, de acordo com os indicativos sobre a organização curricular para esta etapa da educação básica, adequados às perspectivas da sociedade moderna, capazes de fomentar e fortalecer as experiências exitosas desenvolvidas pelos Sistemas de Ensino, consoante ao contexto de suas unidades escolares (BRASIL, 2009. p.03)
No plano estadual, um dos eixos norteadores da Secretaria da Educação do Ceará
defende a educação básica como vetor de promoção do desenvolvimento pessoal, social e
econômico, tendo em vista a construção de um estado sustentável na busca incansável pela
elevação do nível de aprendizagem dos alunos das escolas de sua rede de ensino.
Seguindo o pensamento do Ministério da Educação e de acordo como o previsto nos
eixos norteadores da política de educação pública do Estado do Ceará, além de considerar os
documentos de apoio, construiu-se uma proposta que visa favorecer um nivelamento
conceitual entre os professores de Arte do 9º ano do Ensino Fundamental e do 1º ano do
Ensino Médio – séries contempladas pelo oferecimento da disciplina Música nas escolas da 6ª
CREDE/CE.
O programa segue a proposta curricular constante nas orientações didáticas da
Coleção Escola Aprendente, documento norteador da matriz curricular do ensino médio das
escolas públicas do Ceará que preveem o desenvolvimento e aprofundamento dos seguintes
conhecimentos musicais:
História da Musica Universal: grandes obras e autores.
História da Música Brasileira Popular e Erudita: apreciação, análise e decocificação da obra.
Movimentos artisticos: contribuição na formação da cultura brasileira.
Instrumentos musicais nas diversas culturas e possibilidades sonoras: acústicas, eletroacústicas, eletrônicas e novas mídias.
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Gêneros, estilos e formas musicais nos diversos contextos históricos.
Influência da mídia e da cultura de massa na formação musical dos alunos.
Hinos oficiais do Brasil e do Ceará: fundamentação histórica, composição literária e musical e autores. (CEARÁ, 2008, p.57).
É importante notar que a proposta desenvolvida pelos documentos oficiais do estado
do Ceará não se propõe a repassar competências de interpretação musical; também há
nenhuma ou raras referências a algum tipo de prática interpretativa instrumental ou vocal nas
atividades previstas, nenhuma ou raras referências a momentos de apreciação musical
presencial ou por meios de reprodução de som e imagem e por fim nenhuma referência a
momentos de visitas, aulas de campo ou dialogo com músicos, interpretes, compositores
locais, regionais ou nacionais.
Buscamos, então na nossa formação, subsidiar diversos momentos de fazer musical
para os professores que ali estão, pois acreditamos que, em algumas formações em música, há
uma “ênfase muito grande no verbal, em detrimento da prática artística. Por mais importante
que seja falar de música, essa prática não pode substituir a musical” (FONTERRADA, 2004,
p. 38). Em outras palavras, para aprender música, devemos fazer música.
Repercussões e análises preliminares
O projeto de extensão “Formação de Professores de Música”, desenvolvido em
parceria entre a UFC/Sobral e a 6ª CREDE/CE, está atuando na formação de professores da
rede de ensino estadual do Ceará que atuam na área de música, porém sem formação
específica. Através de uma proposta que engloba atividades práticas – de fazer música – em
encontros presenciais, e atividades mais reflexivas e teóricas – de pensar música – em
encontros a distância, buscamos o fortalecimento da educação musical na região norte do
estado do Ceará.
Ainda que, conforme o planejamento das aulas dos professores cursistas, a música só
seja abordado nos últimos dois meses do ano em sala de aula, muitas das propostas e
reflexões já são postas em uso por esses docentes. Eles, inclusive, fazem questão de
compartilhar e dar visibilidade a esses usos, como nos relatos a seguir:
Não conhecia esse tipo de exercício, achei bem interessante. E o melhor, é que dá mesmo um resultado positivo na voz. Ao final da semana, devido à
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quantidade de aulas, minha voz fica bem desgastada, rouca e depois da prática dos exercícios senti uma melhora significativa. (KET-)
também não conhecia esses exercícios, mas posso dizer que eles são muito proveitosos para o uso e o aquecimento da voz. pode ser usado tanto para cantar quanto para aquecer a voz antes de dar aula. gostei muito. Legal! (LEO-)
O Material sobre a VOZ está otimo!!! Vou montar um coral da escola, quem tiver algum material sobre o assunto envie para meu email. (DOR-)
[...] na formação de Abril realize dinâmicas igual a da ultima formação para fazermos com nossos alunos em sala!!! (DOR-)
Pode-se notar que a formação, além de qualificar e dar pistas aos professores de
como ensinar música mesmo sem conhecimento específico, incita as inovações e a reflexão
acerca da aula, tanto que vemos nas falas deles as iniciativas que são utilizadas na escola,
como montar um coral, ou ainda para sua própria qualidade de vida enquanto docente, como
os depoimentos da qualidade da voz.
Também é importante salientar a necessidade desses cursistas em busca de material
de ensino, como nas falas de DOR-. Ainda que possamos debater a questão de programa de
aula, como a chamada receita de bolo, acreditamos que, neste momento de formação
emergencial, onde estamos formando professores para atuarem provisoriamente com música,
eles carecem e necessitam de idéias para serem trabalhadas em sala de aula com música.
Buscamos, então, indicar material pertinente para as suas práticas, porém sempre buscando
esse posicionamento crítico e reflexivo, que saibam distinguir e utilizar esses materiais para
transformar a sua aula, buscando a consciência que a aula de música não é aula para ensinar
músicas.
Com o mesmo grau de importância, é necessário notar que essa iniciativa de
formação relatada traz uma série de questionamentos que podem e devem ser levantadas, tais
quais, como está a articulação nas outras CREDEs do Ceará acerca da implementação da
música como componente curricular obrigatório? Como as redes de ensino no nordeste
brasileiro, e no Brasil como um todo, estão interpretando a lei 11.769/08? E, mais destacado
ainda, efetivamente teremos música na escola ou apenas mais um componente para os
gestores das escolas se preocuparem e alocarem professores com carga horária a serem
complementadas?
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Referências
BRASIL. Ministério da Educação – Secretaria da Educação Básica. Programa Ensino Médio Inovador – Documento Orientador. Brasilia, DF. 2009. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15134:divulgacao&catid=195:seb-educacao-basica&Itemid=1071> Acesso em 11 abr 2011.
CEARÁ, Secretaria da Educação. Metodologias de Apoio: Área de Linguagens, Códigos esuas Tecnologias. Fortaleza, CE, Seduc, 2008. (Coleção Escola Aprendente – volume 2)
FIGUEIREDO, Sérgio Luiz F.; ROSA, Dyane da Silva. Um estudo sobre a Legislação para o Ensino de Música nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental nas Três Capitais da Região Sul do Brasil. In: DAPesquisa, v. 1 n.3, p. 1-12, 2008. Disponível em <http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume3/numero1/musica/dyane-sergio.pdf>Acesso em 14 abr 2011.
FONTERRADA, Marisa Trench O. Reflexões a respeito do ensino de música em escolas que não são de música. In: Anais do II Encontro de Pesquisa em Música da Universidade Estadual de Maringá. Maringá: UEM, 2004.
MATOS FILHO, José Brasil de. Escola de Música de Sobral: gestão de um ambiente de Educação não Escolar. Plano de Ação Educacional de Curso de Especialização em Gestão e Avaliação da Educação Pública. CAED, UFJF, Sobral, Ceará, 2011.
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Formação de professores em música e concepções de educação musical
Conceição de Maria Cunha1
Universidade Estadual do Ceará [email protected]
José Álbio Moreira de Sales2
Universidade Estadual do Ceará [email protected]
Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir as relações entre concepções de educação musical e a formação dos professores de Arte formados em música que atuam em escolas do município de Fortaleza. Do ponto de vista metodológico, trata-se de uma abordagem qualitativa, fundamentado nas concepções de Schön (2000) e nos estudos musicais de Souza (1996), Arroyo (1999) e Kraemer (2000). Na etapa do estudo de campo, foram investigados cinco professores, todos licenciados em música pela Universidade Estadual do Ceará. Através dos dados coletados nos depoimentos, pode-se observar que os atores investigados atribuem suas concepções de educação musical a um processo de reflexão, resultante dos conhecimentos e amadurecimento adquiridos no curso de graduação, no curso pós-graduação e na práxis do cotidiano escolar. Tais concepções no entanto, de acordo com as falas dos investigados, podem sofrer mudanças e adaptações, na medida em que esses professores são envolvidos na complexidade do trabalho docente e do contato com o “chão da escola” de educação básica.
Palavras-chave: Formação de professores, profissionais reflexivos, concepções de educação musical.
1. Introdução e aspectos metodológicos
Para compreender a problemática da docência em Arte na educação básica é
necessário entender aspectos da formação do professor, em especial, suas concepções de
ensino de Arte, que podem resultar de seu percurso de formação. Colaborando com a
ampliação das discussões sobre a formação do professor de musica, este artigo tem por
objetivo discutir as relações entre concepções de educação musical e a formação dos
professores de Arte, egressos do curso de música da UECE que atuam em escolas do
município de Fortaleza.
Abordar aspectos das relações que permeiam a formação do professor de arte em
Fortaleza é, antes de tudo, um assunto complexo que envolve situações, por vezes,
conflituosas. Alguns dos questionamentos sobre a prática docente aqui apontados podem
1 Mestre em educação pela Universidade Estadual do Ceará. 2 Prof. Dr. do Mestrado Acadêmico em Educação da Universidade Estadual do Ceará.
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envolver demandas relacionadas com o currículo do curso de graduação e com a política de
formação para o ensino de arte na escola.
Durante séculos, o ensino da música era direcionado para o desenvolvimento do
virtuosismo musical. Os métodos utilizados eram repetições exaustivas de exercícios técnicos
com instrumentos e voz, treinamento da escuta musical, visando desenvolver o ouvido
absoluto. As mudanças na educação foram responsáveis pelo abandono desse ensino
mimético, refutado especialmente por não levar em conta desenvolvimento psicomotor e
cultural do aluno. Os estudos da área de educação musical preocupam-se as discussões sobre
método (Dalcroze, Kolály, Orff, Villa-Lobos), e prática (Koellreutter, Gainza, Swanwick,
Schafer) de ensino, contudo, ficam de lado as discussões sobre a formação de professores e
sua relação com as propostas desses teóricos da educação musical.
Do ponto de vista da metodologia, trata-se de uma pesquisa com abordagem
qualitativa, com aporte etnográficos, cuja coleta de dados foi realizada, tendo como
instrumento, observação simples, registro em diário de campo e entrevista semi-estruturada.
Para a realização da pesquisa foram selecionados cinco professores, licenciados em música
que lecionam a disciplina de arte educação em escolas públicas de Fortaleza. Para preservar o
anonimato dos investigados utilizamos as notas musicais da escala pentatônica para
identificá-los em nossa pesquisa.
Visando compreender as relações entre a formação acadêmica dos professores
pesquisados e suas concepções de educação musical, o texto teve como embasamento teórico
os estudos sobre o profissional reflexivo, fundamentado em Donald Schön (2000), Sacristán
(2005) e Pimenta (2005), bem como nos estudos musicais de Souza (1996), Arroyo (1999) e
Kraemer (2000), os quais abordam concepções epistemológicas do ensino da música na
contemporaneidade.
Descreveremos, a seguir, as propostas teóricas sobre o professor como profissional
reflexivo e algumas ponderações referente as concepções de educação musical na
contemporaneidade, depois analisaremos, à luz desses fundamentos, as relações entre a
formação acadêmica em música e as concepções de educação musical dos professores
investigados, em seguida, as conclusões a que chegamos.
2. Os professores como profissionais reflexivos
Discussões sobre a reflexividade na prática foram defendidas por Donald Schön,
que vem proporcionando debates acadêmicos sobre a prática docente. Nos estudos, o autor
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configura as questões da prática profissional como “crise de confiança no conhecimento
profissional” (SCHÖN, 2000, p. 15), onde há problemas possíveis de serem resolvidos
mediante aplicação de teorias e técnicas desenvolvidas na pesquisa. Para ele, esses problemas
fazem parte do “plano elevado”, aquele que resolve dificuldades com a prática. No entanto,
ressalta que “na parte baixa, pantanosa, problemas caóticos e confusos desafiam as soluções
técnica” (SCHÖN, 2000, p. 15), onde estão os problemas humanos.
Nessa região “pantanosa” se encontra também questionamentos educacionais e, com
eles, aqueles direcionados a formação do professor, permeada por questões sociais, culturais,
políticas e econômicas. No “pântano” a sociedade vem atribuindo e cobrando da escola
soluções de problemas que estão além de suas responsabilidades, no entanto, o professor,
profissional que está imbricado nas relações cotidianas da escola, faz parte do cerne dessas
questões conflituosas e está no eixo das “crises” questionadas por Schön (2000, p. 18)
dizendo que “se as profissões especializadas são acusadas de ineficientes e inadequadas, suas
escolas são acusadas de não conseguir os rudimentos da prática ética e efetiva”, o que ele
denomina de “crise de confiança na educação”. Essa crise de confiança, em especial, na
formação do professor, pode ser uma consequência de uma formação aligeirada, bem como a
falta de informações culturais por parte dos professores, haja vista que muitos trabalham mais
de dois turnos, dificultando a busca por melhores conhecimentos culturais e,
consequentemente, novas informações aos alunos podem ser negligenciadas, como cita
Sacristán (2005, p.85): “Ninguém pode dar o que não tem. E se os professores não cultivam a
cultura, não podem dar cultura; se eles não a possuem em profundidade, não podem ensiná-la
sequer nos níveis mais elementares”.
Schön (2000) argumenta ainda que as universidades modernas que se dedicam a
pesquisa têm suas fundamentações na racionalidade técnica, valorizando, em primeiro lugar,
os conhecimentos científicos, os quais devem ser aplicados no ensino prático, desejando que
os alunos aprendam a aplicar os conhecimentos científicos apreendidos na resolução de
problemas da prática cotidiana. O mesmo defende o “conhecer-na-ação”, como o talento
artístico que demonstra suas competências no julgamento da performance.
Esse talento artístico que o autor enfatiza está relacionado ao conhecimento tácito,
um conhecimento na ação. Defende que a “reflexão-na-ação reflete naquilo que produz, “o
repensar de algumas partes de nosso conhecer-na-ação leva a experimentos imediatos e a mais
pensamentos que afetam o que fazemos (...)” (SCHÖN, 2000, p. 34). Tais reflexões estão
configuradas também na educação.
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Os estudos de Donald Schön vêm contribuindo e fundamentando pesquisas
direcionadas a prática docente. Pimenta (2005) comenta que seriam necessárias mudanças nos
currículos para que a formação de professores possa se adequar as ideias de Schön, bem como
no projeto político pedagógico, na autonomia dos professores e das escolas.
Nesse sentido, de acordo com Sacristán (1999) as relações técnicas pedagógicas que
envolvem a profissão do professor estão refletidas em funções diversas, dentro da sala de
aula, pois além de ensinar os conteúdos básicos do currículo escolar, o profissional da
educação deve ser um mediador de conflitos e questionamentos vivenciados em sala. Para o
autor “esta diversidade provoca uma profusão de saberes potencialmente pertinentes, aspectos
que tendo em conta a concepção de programas de formação. (...) Cada tarefa do docente exige
conhecimentos específicos, sendo diferente o grau de apoio e a influência da componente
pessoal face à do fundamento científico” (SACRISTÁN, 1999, p. 77/78).
Gómez (1995, p.110) comenta que “no modelo de formação de professores como
artistas reflexivos, a prática adquire o papel central de todo o currículo, assumindo-se como
lugar de aprendizagem e de construção do pensamento prático do professor”. Contrapondo o
pensamento desse autor, com as demandas práticas dos conteúdos curriculares estudados na
formação docente, criam possibilidades de reflexões-na-ação, na medida em que esse
profissional percebe as relações que circulam seus fazeres em sala de aula, que seria o
conhecer-na-ação.
Mas como esse profissional, em especial, o professor de música, envolvido na
complexidade de uma educação e cultura que segue um modelo globalizante, influenciado
pela economia, pode desenvolver habilidades para mediar as relações cotidianas em sala de
aula? Entre as possíveis respostas se encontram a formação inicial e continuada do professor
que, ancorada nos conteúdos curriculares, pode questionar a prática docente e outros
conhecimentos adquiridos fora da academia.
Na busca de uma compreensão mais ampla do debate atual sobre o ensino de música
na atualidade, a análise das concepções de educação musical nos remetem a uma
contextualização do fenômeno.
3. Concepções de educação musical na contemporaneidade
No final do século XIX alguns educadores musicais já apontavam métodos de
musicalização que poderiam ser desenvolvidos em salas de aula visando iniciação de crianças
no ensino de música. Defendiam métodos que as estimulassem para o desenvolvimento de
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suas percepções rítmicas, melódicas e estéticas. De posse dessas informações, surgem em
nossa mente as seguintes perguntas: o que desejamos com o ensino da música na escola? Que
práticas musicais podem ser melhores desenvolvidas para atender as necessidades dos alunos
na escola? A formação do educador musical atual atende as necessidades da escola? Buscando
respostas para essas perguntas faremos uma incursão sobre algumas corrente de “educação
musical”, analisanso os estudos de Kraemer, o qual vem levantando questionamentos sobre o
ensino da música, o qual aponta duas concepções do que viria a ser educar musicalmente:
1) a prática músico educacional encontra-se em vários lugares, isto é, os espaços onde se aprende e ensina música são múltiplos e vão além das instituições escolares, 2) o conhecimento pedagógico musical é complexo e por isso sua compreensão depende de outras disciplinas, principalmente as ciências humanas (KRAEMER, 2000, p. 50).
Na primeira concepção percebe-se que as relações musicais são construídas
culturalmente em determinadas circunstâncias, sejam elas intencionais ou não. Já na segunda
observa-se que ele destaca a complexidade do ensino da música, já que trata das relações
entre o indivíduo e a música, sendo necessário que o educador musical possua conhecimentos
amplos para que possa melhorar os ensinamentos aos educandos.
Vê-se que as relações musicais na contemporaneidade estão cada vez mais
imbricadas a complexidade das relações sociais e culturais dos indivíduos, no caso, alunos e
professores. Como atender as demandas escolares com o multiculturalismo presente no
contexto escolar, incorporando toda a complexidade cultural e os desafios sociais contidos na
educação básica? Ainda na compreensão de KRAEMER (2000),
A pedagogia da música tem perguntas sensíveis sobre a percepção e sobre o conhecimento, sobre julgamentos estéticos, sobre o pensamento, sobre a maneira de agir e sentir, sobre o conhecimento de caráter linguístico e icônico da música, sobre a experiência corporal e estética, sobre a ética e cultura com vistas a abarcar os problemas de apropriação e transmissão da música (KRAEMER, 2000, p. 53).
Numa probabilidade de responder a pergunta acima, o educador musical pode
vislumbrar as possibilidades e os limites para atender as demandas da sala de aula,
estruturando um currículo que possa contemplar questões éticas e culturais dos educandos,
instigando-os a migrar culturalmente para um estágio superior os quais se encontravam.
Souza (1996, p. 29) aponta elementos relacionados às práticas pedagógicas em sala de aula
como “ações pedagógicas significativas” [grifos dos autores], com “objetivos, justificativas,
experiências e condições de ensino-aprendizagem resultantes de uma reflexão profunda, num
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diálogo permanente com a realidade sócio-cultural”, proporcionando o conhecer-na-ação e a
reflexão-na-ação. As ações pedagógicas do professor planejadas e bem estruturadas podem
refletir em resultados satisfatórios no processo de aprendizagens dos educandos, porém, dados
quantitativos de pesquisa como Sistema Permanente de Avaliação do Estado do Ceará
(SPAECE) e Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), por exemplo,
comprovam os reflexos da educação brasileira negativa quando se trata das condições de
ensino-aprendizado em escolas cujas situações materiais e sociais, da escola e alunos,
interferem no desempenho escolar, consequentemente, numa ascensão cultural.
Nessa perspectiva, as concepções de educação musical, apontadas por Kraemer,
ainda são pertinentes a reflexões e indagações de educadores musicais que buscam definir o
que seria “educação musical” nessa complexidade. Assim, pesquisa apoiadas na
fenomenologia e sociologia, buscando nas relações cotidianas respostas científicas para
afirmar algo decisivo. Del Ben (2002) fundamenta-se na fenomenologia social de Schutz,
enfatizando os aspectos subjetivos do comportamento das pessoas. Arroyo (2000), apoia-se
nos estudos antropológicos de Clifford Geertz, visando compreender teias de significados e
interações das ciências sociais, analisando aspectos culturais na educação musical. Tais
estudos visam compreender as querelas que permeiam a complexidade do ensino de música
nas escolas, podendo serem refletidas a seguir.
4. Relações entre formação acadêmica em música e concepções de
educação musical
A relação com a música faz parte da formação do homem, seja no entretenimento ou
no desenvolvimento social e cultural dos indivíduos. Buscamos apresentar o perfil de
formação de cada sujeito pesquisado, a partir dos dados coletados. Foram investigados cinco
professores, licenciados em música, que ensinam arte educação nas escolas públicas
municipais de Fortaleza, visando conhecer as relações entre a formação acadêmicas em
música destes e suas concepções de educação musical. Como achado inicial dos dados
coletados sobre formação podemos dizer que, a maioria dos professores afirma ter buscado a
formação em nível de graduação em música, com o objetivo de ampliar seus conhecimentos
musicais. Embora alguns já trabalhassem com música, através de prática em bandas, regência
de coral, violão e outros instrumentos, também afirmam que foram as informações teóricas e
práticas obtidas na graduação que possibilitaram o aprimoramento nos desenvolvimentos de
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suas atividades musicais, como cita um deles, afirmando que “ao fazer o curso de música, eu
pude, como professor, fazer um trabalho de arte educador.” (PROFESSOR SOL)
No entanto, a academia também proporcionou conhecimentos teóricos para aqueles
músicos autodidatas, que aprenderam um ou mais instrumento musical estudando só ou em
grupos, não participando de escolas especializadas em música, utilizando recursos didáticos
diversos como: folhetos com músicas cifradas, vendo e ouvindo outros músicos tocando.
Nesse entremeio, muitas dúvidas relacionadas a teoria da música e harmonia permeiam entre
aqueles que se dizem autodidatas. Em uma das entrevistas, um dos atores da pesquisa afirma
que o curso de música passou a dar respostas para ações musicais que antes já utilizava.
Eu já tinha toda uma prática musical, já tocava violão, guitarra e tal, mas no curso, em si, ele me deu respostas pra várias coisas. Por exemplo: eu percebia quando eu estava tocando um acorde de Sol com sétima e que resolvia num Dó. Eu sabia a toda hora: “é um Sol com sétima, provavelmente vem um Dó”, e lá no curso eu fui entender o porquê dessa resolução. (PROFESSOR MI)
Fica claro, pelas falas dos professores entrevistados que os conhecimentos
acadêmicos contribuíram tanto na compreensão da lógica musical, presentes na teoria e na
harmonia, como também na reflexão da prática. Essa “reflexão-na-ação”, apontado por
Donald Schön (2000), onde o professor, com os conhecimentos adquiridos no curso superior,
vislumbra aplicar teorias e técnicas desenvolvidas por pesquisadores, o que Schön denomina
de “plano elevado”, estão presentes nas falas do professor Sol.
Por outro lado, a formação acadêmica possibilitou novos conhecimentos
relacionados a pedagogia da música, técnicas e propostas educacionais que poderiam ser
aplicadas em sala de aula, com o objetivo de ampliar o desenvolvimento musical, social e
sensitivo dos educandos, apontados por educadores. Essas teorias são relevantes porque
direcionam o ensino da música para concepções do que pode vir a ser o ensino da música na
escola por esses educadores musicais citados
A contribuição principal foi mais na época que a gente depara com os pedagogos, né? Talvez a partir de Edgar Willens, Dalcroze, Carl Orff, que, a partir dali, a gente percebe como seriam várias formas de ensinar a música (...). A lógica é que a gente veja a teoria desses pedagogos musicais e procure aplicar na sala de aula, mas nem sempre é tão fácil. (...) (PROFESSOR DÓ)
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Essa reflexão é pertinente, pois possibilita a “reflexão-na-ação”, bem como
“conhecer-na-ação” o desenvolvimento prático daqueles que dizem o “como pode ser”
ensinado musicalmente, no entanto, como aponta Schön (2000, p. 15) “na parte baixa,
pantanosa, problemas caóticos e confusos desafiam as soluções técnica”.
Nesse sentido, os conhecimentos adquiridos no curso superior de música
contribuíram positivamente no desenvolvimento musical e cultural dos atores, aprimorando
um saber musical que trouxeram da formação anterior ao seu ingresso no curso de graduação.
Essas informações, concebidas no âmbito do curso de graduação, se articulam na formação de
conceitos do que vem a ser educação musical para os atores, concepções diversas que foram
refletidas em suas práticas, nos fazeres em sala de aula.
Das falas dos sujeitos entrevistados foram selecionados os seguintes trechos,
resumindo suas concepções do que denominamos na investigação de educação musical:
O desenvolvimento musical de alguma forma. De alguma forma você vai utilizar a música para tentar obter o desenvolvimento dos alunos através da música. (PROFESSOR DÓ)
Educação musical é você se utilizar dos artifícios que a música tem pra educar o adolescente na escola. (PROFESSOR RÉ)
Bem, educação musical, do ponto de vista de ser trabalhado em sala de aula, eu entendo como uma disciplina que tem por objetivo educar o ouvido as concepções musicais do aluno. (PROFESSOR MI)
Falando de sala de aula, acho que seria a questão dos conhecimentos mais elementares da área de música. Mas, é essa questão de ritmo, melodias. (PROFESSOR SOL)
Educação musical para mim é justamente levar os alunos a perceber a questão da música, a sensibilidade da música, a importância da música no dia-a-dia. (PROFESSOR LÁ)
Nota-se que as concepções pontuadas pelos atores da pesquisa podem estar
impregnadas pelas concepções relacionadas com suas formações musicais anteriores a
graduação, podendo, também, estar permeadas por concepções articuladas com os estudos
durante o curso de graduação em música, ou ainda nas pós-graduações. Como todos são
licenciados em música e especialistas em arte, tais percepções puderam ser melhores
refletidas com as leituras e discussões adquiridos nas pós-graduações, questionando sobre o
ensino da arte e da música na escola, fazendo perceber a posição de arte educador e não,
necessariamente, ser mais um professor de música. Sales e França (2009, p. 96) ressaltam que
a “formação do professor não deve ser vista como estática, portanto é um conceito em
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movimento, que articula forma-deforma-forma e que se renova a cada deformação”, fato
observado nas falas dos professores investigados.
5. Conclusões
Com base nos achados da investigação sobre as relações entre formação dos
professores de música e suas concepções de educação musical, podemos traças as seguintes
conclusões:
a) as concepções de educação musical dos professores investigados passam por
mudanças e adaptações, na medida em que estes saem da universidade e passam a exercer a
docência, entrando em contato com a realidade do ensino de arte;
b) para os professores as relações com a prática da docência são complexas e, muitas
vezes, colocam em xeque os métodos de educação musical que apontam “como deveria ser” o
ensino da música de uma maneira mais consciente, dos sons produzidos musicalmente.
Concluímos que o resultado prático da investigação para o ensino de música é a
ampliação do debate sobre os aspectos teóricos e práticos dos métodos de educação musical,
difundidos pelos teóricos da pedagogia musical e sua aproximação com a realidade do ensino
de música em escolas da educação básica.
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Formação e Fazer Musical no Coral da UFC: ações multiplicadoras nos
anos 1980
Eduardo Teixeira da Silva
Universidade Federal do Ceará [email protected]
Resumo: A presente pesquisa tem por objetivo traçar e analisar a trajetória do Coral da Universidade Federal do Ceará durante a década de 80, enfocando o seu papel de espaço de formação musical e humana dos sujeitos que integraram o grupo como coralistas. Para a realização desta pesquisa elegemos o uso da história oral como metodologia básica de trabalho. Por meio de entrevistas recolhemos depoimentos construídos a partir da memória de ex-coralistas, que revelaram não só histórias individuais, mas também do grupo, e da relação entre o grupo e a sociedade. Ao analisar os relatos recolhidos junto aos ex-coralistas, observamos que o material obtido nas entrevistas proporcionam, além de uma reconstrução detalhada da trajetória coral na UFC, algumas discussões como: a relação do Coral da UFC com o Cenário Artístico Musical local, identificando as contribuições do Coral no movimento coralista de Fortaleza; e o seu papel como um espaço de formação musical e humana dos sujeitos que foram coralistas no grupo.
Palavras-chave: Coral, formação, memória.
Introdução
O percurso de pesquisa
No início do ano de 2009 iniciei um trabalho como bolsista do Projeto Bolsa Arte –
Música, viabilizado pela Pró-Reitoria de Extensão da UFC, com uma pesquisa sobre os 50
anos de História do Coral da UFC. Sob orientações dos professores Elvis Matos e Erwin
Schrader, realizei uma série de entrevistas junto aos sujeitos que fizeram ou fazem parte da
atividade coralista na UFC, no intuito de colher material para a celebração dos 50 anos do
Coral da UFC. Tal celebração previa a realização das seguintes propostas: uma exposição, um
documentário ou a elaboração de um livro.
Após o processo de execução e transcrição das entrevistas, passamos a fase de
análise dos relatos recolhidos junto aos integrantes e ex-integrantes do grupo. Nesse
momento, constatamos que o material obtido pelas entrevistas proporcionaria mais que uma
reconstrução rica em detalhes da trajetória do Coral da UFC. O conteúdo que obtivemos
proporcionaria discussões relacionadas com o papel do Coral da UFC no cenário artístico de
Fortaleza, mais especificamente no que se refere à difusão da Música Vocal, como também
sobre o processo de formação musical e humana de seus integrantes.
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Coral da UFC: “coral-escola”?
Sobre a constatação de que o Coral pode ter se constituído como um espaço de
musicalização e humanização, Moraes1 revela:
Muita gente que por lá passou dedicou-se à música ou enriqueceu sua vida com valores estéticos humanos vivenciados, pela primeira vez, naquele coral. [...] Assim, posso dizer que o Coral da UFC, nestes aspectos, foi um coral-escola (2007, p.147).
A partir do termo “coral-escola”, expresso por Morais, construímos a seguinte
questão geral para o desenvolvimento de nossa proposta de pesquisa: O Coral da UFC pode
ser considerado um “coral-escola”, no qual se constituiu um espaço de formação musical e
humana dos sujeitos que fizeram parte do grupo? Ou seja, podemos considerar que: mais do
que um grupo musical representante de uma instituição, o Coral pode ser considerado um
espaço não-formal de (in)formação musical e de enriquecimento com valores artísticos e
éticos?
Para investigar essa questão (problema), esta pesquisa buscará trabalhar a partir,
essencialmente, dos relatos orais de ex-coralistas que vivenciaram o cotidiano de trabalho do
Coral da UFC durante a década de oitenta. Assim, utilizaremos parte das entrevistas que já
foram realizadas durante o ano de 2009, e buscaremos reelaborar o roteiro de perguntas.
Incluiremos questões que ainda não estavam postas naquele ano (2009), e iniciaremos novo
processo de entrevistas, agora focando apenas sujeitos que fizeram parte do contexto dos anos
oitenta.
No contexto dos anos 1980, Matos identifica ter havido uma efervescência do
movimento coral em Fortaleza, “no qual o Coral da Universidade do Ceará lideraria todo um
movimento de multiplicação de corais, politização de coralistas e experimentação estética
(MATOS, 2006, p.243).
Ao iniciarmos a análise dos dados que já coletamos, verificamos a existência de
aspectos recorrentes nos relatos que nos ajudaram a delinear o percurso da pesquisa. Um
desses relatos apresenta a seguinte exposição:
[...] o Coral da UFC foi uma grande escola. Quando eu entrei no Coral da UFC eu nem fazia música ainda, eu fui fazer música depois, depois eu virei músico, virei regente. E estar no Coral da UFC naquela época era muito especial, era tudo muito especial, porque o coro, na minha leitura hoje, era
1 Maria Izaíra Silvino Morais foi regente do Coral da UFC durante a década de oitenta.
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uma experiência muito importante naquela época, e hoje eu consigo ver, pelo que eu aprendi, que o coro tinha uma técnica muito boa, e todos aprendiam um repertório maravilhoso, a própria técnica vocal com a dona Leilah, então era sempre uma experiência muito boa, e é difícil dizer o que foi mais especial. [...] o Coral da UFC foi referência nacional com relação ao movimento coral, e acredito que ele proliferou uma geração muito legal de musicistas, de novos regentes que hoje a gente tem aí trabalhando na cidade como músicos, que saíram do Coral da UFC, eu acho que é uma contribuição muito grande. Tem aí Erwin, Elvis, eu, a Aparecida, a Lili, vários, tem um monte de gente trabalhando com música, e está fazendo isso graças a essa intervenção do Coral da UFC. Eu me descobri musicista, e me descobri regente dentro do Coral da UFC. [...] graças ao Coral da UFC, eu hoje sou um regente de coro, trabalho na cidade essencialmente com atividade coral, não faço outra coisa, trabalho somente com isso, e acredito que outras pessoas estão vivendo com isso, que estão vivendo de música graças ao Coral.2
A partir desse relato é possível observar que apesar de o Coral não se configurar
como uma escola formal de ensino musical, nele constituiu-se um espaço de experimentação
do fazer/aprender música, que contribuiu para muitos sujeitos descobrirem-se musicistas,
regentes. Tal depoimento sugere que o Coral poderia constituir-se em um espaço de
democratização, de acesso, do saber musical.
A legislação brasileira sobre o Ensino de Música
A história da Educação Musical brasileira do século XX (e também do século XXI)
mostra que o conhecimento musical sempre encontrou dificuldade de atingir o plano da
educação formal nacional, da qual poderia ser propagado um movimento de democratização
de tal conhecimento.
Revisitemos alguns pontos relativos ao histórico da legislação brasileira no que toca
o ensino da arte musical.
O prática do Canto Orfeônico, idealizada e implementada por Villa-Lobos desde a
década de 1940, seria substituída pela Educação Musical durante a década de 1960. Segundo
Fonterrada, a proposta apresentada nessa substituição não diferia profundamente da anterior
(2008, p.214). Mas no início da década de 1970, quando foi implementada a Educação
Artística em substituição à Educação Musical nas escolas, ocorreu o enfraquecimento da
atuação da classe dos educadores musicais nas escolas públicas e privadas. Para a autora, a
partir desse último contexto o ensino formal de música nas escolas brasileiras iniciaria um
longo período de regressão.
2 Entrevista com o Professor Luis Carlos Prata Costa em 10/07/2009.
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Em 1971 houve uma grande reviravolta no ensino da música nas escolas, com a promulgação da Lei n.5.692/71. Desde sua implantação, o ensino de música passou, e ainda vem passando, por inúmeras vicissitudes, perdendo seu espaço na escola, pois a citada lei extinguiu a disciplina educação musical do sistema educacional brasileiro, substituindo-a pela atividade de educação artística. Note-se a expressão utilizada: a disciplina substituída pela atividade. Ao negar-lhe a condição de disciplina e colocá-la com outras áreas de expressão, o governo estava contribuindo para o enfraquecimento e quase total aniquilamento do ensino de música [...] (FONTERRADA, 2008, p.217-218).
Somente com a promulgação da LDBEN n.9.394, em dezembro de 1996, que
promoveu nova reforma da educação nacional, seria elaborada uma nova proposta para o
ensino das artes. Tal reforma estabelece o ensino de arte como componente curricular escolar
obrigatório,3 contrariando a legislação anterior, que não reconhecia ao ensino da arte o status
de disciplina escolar alinhada às outras disciplinas componentes do fluxo curricular. Mas
ainda passariam alguns anos para que a legislação da educação nacional contemplasse a
inclusão do ensino de música no currículo escolar.
A música alcança o status de componente curricular escolar obrigatório através da lei
11.769, promulgada em 18 de agosto de 2008. Essa lei altera a LDBEN n.9.394/96,
acrescentando ao seu artigo 26 um sexto parágrafo (§6º), que traz o seguinte texto: “A música
deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o
§2o deste artigo”.4 Entretanto, essa nova proposta de encarar o ensino de artes na escola
formal, proposta pela atual legislação da educação nacional, ainda está encontrando muitas
dificuldades para a sua implantação na realidade das escolas brasileiras públicas e privadas.
Espaços não-formais de (in)formação musical
Após essa recapitulação de nossa história da educação musical nacional, constatamos
o quanto o saber musical esteve e está distante de ser acessível a todos. Observamos que o
ensino formal de música apresenta-se historicamente precário nas instituições formais de
ensino.
Alguns poucos meios de contato com situações formais de ensino musical seriam:
conservatórios, escolas de música, professores particulares; meios que não são acessíveis a
qualquer pessoa. Assim, não podemos perder de vista a importância dos espaços não-formais
3 O texto do parágrafo segundo (§2º), que faz parte do art.26 da LDBEN n.9394/96, diz o seguinte: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.4 Art. 1º da Lei nº.11.769, de 18 de agosto de 2008.
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que contribuíram e ainda contribuem para a formação musical daqueles que por questões de
natureza econômica não podem ter acesso ao conhecimento em escolas formais de música.
Tais espaços como Bandas de Música e Grupos Corais se constituem como verdadeiros
nichos de democratização do conhecimento musical. Almeida afirma: “As aprendizagens
adquiridas com a vivência na banda de música podem se constituir de experiências
importantes e ricas, bem como podem ser variadas e, não necessariamente, se restringir aos
aspectos musicais” (2010, p. 101). Nesse sentido, situamos o Coral da UFC como um desses
diversos espaços não-formais que cumprem o papel de tornar acessível a formação e o fazer
musical.
Também buscaremos discutir a hipótese de que o Coral desmistificaria o fazer
musical, no sentido de romper com a ideia tradicional de que o fazer musical seria um dom,
um privilégio. De acordo Oscar Zander:
O regente de coros enfrenta, geralmente, um grupo com menos base musical.[...] O regente de coros não só é uma pessoa que rege um grupo, mas principalmente alguém que deverá dar ou completar a formação musical de seus cantores e, com estes, moldar a música (2003, p.147).
A presente pesquisa propõe trazer os relatos de alguns sujeitos sobre seus processos
de formação musical e humana dentro de um espaço não-formal de (in)formação musical, o
Coral da UFC, de maneira a contribuir com reflexões e discussões sobre experiências
relacionadas ao fazer/aprender música no âmbito da Educação Musical realizada em um
grupo de canto coral.
Quadro teórico
Os Estudos desenvolvidos por Rogério e Albuquerque5, bem como o trabalho de
Matos6 (2008), trazem importantes discussões e reflexões sobre experiências de formação
musical que extrapolam o âmbito da Educação Musical formal, atingindo espaços extra-
institucionais de aprendizagem da música. Tais estudos enfocam as experiências musicais que
podem ser construídas no cotidiano familiar, entre amigos, em coros, nos bares, nos festivais,
na escuta do rádio e LPs etc, enfim, apontando para percursos de aprendizagem híbridas.
5 ALBUQUERQUE, Luiz Botelho; ROGÉRIO, Pedro. Pessoal do Ceará: um currículo musical híbrido. In. MORAES, Silvia Elizabeth (Org.). Currículo e formação docente: um diálogo interdisciplinar. Campinas: Mercado de Letras, 2008, p.185-201.6 MATOS, Elvis de Azevedo. Um Inventário Luminoso ou um Alumiário Inventado: uma Trajetória Humana de Musical Formação. Fortaleza: Diz Editor(a)cão, 2008.
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Esse conjunto de experiências musicais nos informa um percurso de aprendizagem. [...] essas vivências formam um currículo, no sentido de um percurso através do qual todos passam acumulando experiências, habilidades, conhecimentos, competências que serão necessárias para o desenvolvimento no universo musical mais amplo (ALBUQUERQUE; ROGÉRIO, 2008, p.197).
Essa concepção de currículo pode ser encontrada nos Estudos Culturais, nos quais
diversas formas de conhecimento são, de certa forma, equiparadas. Assim, “não há uma
separação rígida entre o conhecimento tradicionalmente considerado como escolar e o
conhecimento cotidiano das pessoas envolvidas no currículo” (SILVA, 2003, p.136).
Como o problema central de investigação nesta pesquisa é a questão do Coral da
UFC como um espaço não-formal de (in)formação musical dos sujeitos que o integraram,
estaremos estabelecendo diálogos com as discussões e reflexões trabalhadas na área da
Educação Musical que enfocam a importância da circulação de saberes musicais em
diferentes espaços de sociabilidade, neste caso a atividade coral.
No âmbito dessas discussões o ensino de música na escola formal pode ser
considerado, em muitos casos, distante do contexto musical da comunidade em que a escola
está inserida. Assim, podemos considerar que o ensino institucionalizado de música pode
estar, muitas vezes, produzindo uma cultura musical isolada da música que é produzida na
comunidade. Nesse sentido, recorremos ao conceito de subcultura da música escolar, que nos
ajuda a melhor entender essa situação:
Não me surpreendo se a “música da escola” parece para muitos jovens uma subcultura, separada da música que está fora dela no mundo, abstraída pelas restrições da sala de aula e currículo e sujeita aos curiosos arranjos paraavaliação. Temos de fazer melhor do que isso. Devemos considerar o envolvimento de músicos de várias espécies como parte de uma rede de educação musical [...] (SWANWICK, 2003, p.108).
A partir da década de 1980, o Coral passou a adotar um novo repertório, que seria
constituído essencialmente por música brasileira. Segundo o ex-coralista, e hoje regente-
assistente do Coral da UFC, Elvis Matos, naquele período
[...] a procura pelo Coral da UFC aumentava vertiginosamente desde 1981, quando Izaíra Silvino assumiu a regência do grupo. O grande atrativo estava no repertório que a maestrina escolhia para trabalhar, totalmente constituído de música brasileira, e na forma como este era executado (2008, p. 130).
O Coral a partir de 1980 trazia aspectos estéticos renovados: repertório, postura,
roupas e atitude vocal; dessa forma, contribuía para que estereótipos existentes na visão de
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pessoas que não sentiam quaisquer atrativos sobre o canto coral, pudessem ser rompidos, e
dessa maneira contribuiria para aproximar o canto coral, que tem como fim o trabalho musical
coletivo, da realidade da comunidade.
Outra perspectiva que será enfocada na pesquisa é a relação do Coral da UFC com o
cenário artístico em Fortaleza, identificando contribuições do Coral no processo de difusão do
movimento coralista na capital cearense. São exemplos dessas contribuições: o “Projeto de
Multiplicação de Corais”, realizado durante a década de 1980, onde os coralistas-bolsistas
elaboravam e executavam projetos de criação de corais em escolas da periferia de Fortaleza; o
“Projeto Nordeste – Encontros Musicais da UFC”7, sob a coordenação da Professora Izaíra,
trazendo para Fortaleza professores como Marcos Leal Leite e Samuel Kerr, alguns dos
responsáveis por introduzir novas linguagens ao canto coral brasileiro.
Procedimentos metodológicos da investigação
[...] a história oral, não como uma disciplina, mas como um método de pesquisa que produz uma fonte especial, tem-se revelado um instrumento importante no sentido de possibilitar uma melhor compreensão da construção das estratégias de ação e das representações de grupos ou indivíduos em uma dada sociedade (FERREIRA, 1994, p.14).
Para a realização desta pesquisa elegemos o uso da história oral como metodologia
básica de trabalho, buscando traçar a trajetória do Coral da UFC durante a década de oitenta a
partir das memórias de ex-coralistas do grupo.
Iniciamos as entrevistas no início de 2009, contando com o total de vinte e cinco
nessa fase inicial do trabalho de pesquisa.8 Assim, já contamos com uma razoável fonte de
estudos, mas que será complementada com a continuidade do processo de entrevistas, e de
reelaboração das questões, pois o andamento atual da pesquisa apresenta um delineamento
diverso da proposta de pesquisa trabalhada em 2009.
Consideramos que por meio de entrevistas que recolhem depoimentos construídos a
partir da memória de ex-coralistas, obtemos não só histórias individuais, mas também do
grupo, e da relação entre o grupo e a sociedade. Apesar das narrativas realizadas com ex-
coralistas serem individuais, isso não quer dizer que elas tragam narrativas individualizadas,
7 Nordeste – Encontros Musicais da UFC: ocorreram de 1982 a 1986, financiados pela FUNARTE; “aconteciam durante um mês (julho) e constavam de cursos de extensão, palestras, espetáculos didáticos, seminários de estudos para temas específicos, grandes corais etc” (Izaíra, 2007, p.190).8 Durante o processo de entrevistas foram feitas gravações em áudio e transcrições dos depoimentos de (ex) coralistas, sendo tais depoimentos recolhidos a partir de roteiros de questões, que serviram como guia durante as entrevistas.
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elas trazem elementos da cultura de uma sociedade, trazem elementos da relação indivíduo-
sociedade.
Para Stuart Hall e Hoggart as histórias individuais são traços da cultura de uma sociedade, portanto, são a mediação entre narrativas individuais – como histórias de vida, autobiografias – e a sociedade. São pura expressão da cultura, ou seja, dos diferentes sentidos e valores que formam o modo de vida de uma sociedade (apud COSTA; MAGALHÃES, 2001, p.78).
Na utilização do método da história oral como alicerce do desenvolvimento de
pesquisa, são necessários cuidados especiais em relação às entrevistas. Dentre esses cuidados
destacamos uma exigência essencial para estabelecer a cada entrevista um ambiente
adequado: a do respeito mútuo entre entrevistador e entrevistado, o que contribui para
estabelecer uma intermediação sem tensões.
Uma atitude superior dominadora, não contribui de modo algum para uma boa entrevista. O historiador oral tem que ser um bom ouvinte, e o informante um auxiliar ativo. Como diz George Ewart Evans, “muito embora os velhos sobreviventes fossem livros ambulantes, eu não podia apenas folheá-los. Eles eram pessoas”. Também os historiadores são pessoas(THOMPSON, 2002, p.43).
Consideramos que a fonte oral é especial para este trabalho porque proporciona
informações sobre aspectos específicos do grupo, como suas relações de funcionamento
interno e seu cotidiano de trabalho, tais como: ensaios, preparação vocal, leitura musical,
repertório, apresentações. Muitos desses aspectos do Coral só podem ser identificados e
aprofundados por meio dos relatos dos sujeitos que experimentaram a atividade coralista na
UFC. As “entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de
eventos conhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da vida diária”
(PORTELLI, 1997, P.27). Os dados específicos recolhidos nos depoimentos podem ser postos
em diálogo ou confronto com informações mais gerais do Coral encontradas em fontes
impressas, como: programas, cartazes, jornais, fotografias etc, o que contribui para o
enriquecimento da pesquisa.
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Formação reflexiva de professores de música à distância
Jordana Pacheco Eid
UnB – Universidade de Brasí[email protected]
Maria Isabel MontandonUnB – Universidade de Brasília
Resumo: Este texto relata minha experiência como tutora do curso de Licenciatura em Música a Distância da Universidade de Brasília (UAB–UnB). Uma disciplina do curso foi analisada em suas duas ofertas a partir das idéias teóricas sobre a formação prático-reflexiva de professores (Dewey, 1959; Schon, 2000; Pimenta, 2006), tendo como ponto de partida o questionamento sobre como desenvolver professores reflexivos em um curso à distância.
Palavras-chave: Formação de professores de música; educação a distância
A Universidade Aberta do Brasil (UAB) foi criada pelo Ministério da Educação em
2005 para oferecer ensino superior público de qualidade às diversas regiões do Brasil na
modalidade à distância. Dentro dessa política, o Departamento de Música da Universidade de
Brasília - UnB oferece o curso de Licenciatura em Música a distância (UAB) desde outubro
de 2007. Em sua primeira oferta, o curso atendia apenas alunos do estado do Acre que foram
selecionados a partir da prova específica, de caráter classificatório, e a prova do vestibular. Na
segunda oferta do curso, em 2009, novos pólos em Goiás e Tocantins foram também
atendidos. Em 2011 uma nova oferta selecionou alunos de três pólos em Goiás, Mato Grosso
e Minas Gerais.
O currículo do curso, segundo Narita (2008), fundamenta-se em três grandes núcleos
– Fundamentação Pedagógica, Formação Musical e Formação em Educação Musical – além
do núcleo de Acesso, que visa à familiarização com o AVA (Ambiente Virtual de
Aprendizagem) Moodle. De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Curso, um de seus
objetivos gerais é “Aprender com e na prática, observando e atuando”. Considerando que a
aprendizagem a partir da prática implica em processos de análise e reflexão sobre e nas
práticas docentes (Dewey, 1959; Schon, 2000; Zeichner, 1993; Pimenta, 2006), mediados pela
relação dialógica entre professores e alunos, este tem sido um dos desafios na situação de
ensino a distância.
Em minha experiência como tutora à distância da disciplina Prática de Ensino e
Aprendizagem Musical 2 (PEAM2) do Núcleo de Formação em Educação Musical do curso
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de Licenciatura em Música à distância da UAB/UnB, tive a impressão de que os alunos não
estavam refletindo sobre suas práticas, pois eu entendia que a reflexão acarretaria em
transformações das práticas, o quê, ao meu ver, não acontecia. Em um primeiro momento,
atribuí a “pouca reflexão” dos alunos às ferramentas e metodologias do curso, que
enfatizavam a observação de vídeos com práticas realizadas em outras disciplinas, discussão
de textos e elaboração de planos de aula que não eram executados.
Na segunda oferta da disciplina PEAM 2, as atividades de cada semana foram
reorganizadas, de forma a colocar uma prática docente no início do curso: na primeira semana
os alunos deveriam fazer uma gravação dando uma aula de música a alguém ou a um grupo e
postar no fórum de discussão. Neste fórum, os alunos deveriam assistir às aulas dos colegas e
fazer comentários. Nas semanas seguintes, os alunos deveriam ler textos, participar de fóruns
de discussão sobre estes textos (que tinham como objetivo fundamentar suas práticas
pedagógicas), participar de webconferência na qual a professora supervisora e os tutores à
distância dariam uma aula de música aos alunos de acordo com um modelo de educação
musical proposto , assistir a vídeos de aulas gravadas pela professora supervisora em outros
pólos (para conhecimento de outros modelos), fazer observações nas escolas da região,
elaborar planejamentos de aula, participar de aulas presenciais pilotos nos pólos (dadas por
alunos previamente selecionados com “bons” modelos de planejamentos), e por fim, realizar a
aula planejada na escola observada, postar esta aula em vídeo no fórum e fazer uma reflexão
sobre ela. Os fóruns de discussão foram constantes durante todo o curso como locais de
discussão das práticas.
No entanto, mesmo na segunda reedição da disciplina, minha conclusão foi
semelhante. Os alunos não mudavam suas formas de dar aulas, mesmo que concordando com
os textos e com nossas discussões.
Nesse contexto, várias questões surgiram como forma de analisar a situação em que
me encontrava. Como saber se um aluno “refletiu” sobre sua prática em um curso a distância?
Até que ponto a reflexão, por si só, é garantia de mudanças nas formas de dar aulas? Porque
os alunos, apesar de concordarem com os princípios e tendências educacionais discutidos em
textos, de seguirem roteiros de planos de aula, não modificavam a forma tradicional de dar
aulas? Até que ponto o problema era a distância física ou as ferramentas usadas pela
plataforma? Qual o papel do tutor no desenvolvimento de licenciandos reflexivos?
O debate sobre a formação de professores no Brasil e no mundo tem se desenvolvido
a partir dos conceitos de escola, ensino e currículo da época em que se insere (Pérez Gomes,
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1995). A partir da idéia do professor como “profissional responsável pela natureza e
qualidade do cotidiano educativo na sala de aula e na escola” (Idem, p. 95) e da preocupação
com os resultados escolares, a sociedade ocidental tem focado suas atenções na formação
destes professores.
Durante o século XX, quando o pensamento positivista reinava na sociedade, a
formação de professores privilegiava uma concepção baseada na transposição de teorias e
técnicas do conhecimento científico para a prática em sala de aula. Nesta concepção
epistemológica herdada do positivismo, a prática do professor se baseava no que muitos
chamam de Racionalidade Técnica, definida por Schon (2000, p. 37) como “a competência
profissional que consiste na aplicação de teorias e técnicas derivadas da pesquisa sistemática,
preferencialmente científica, à solução de problemas instrumentais da prática”. Essa
abordagem passou a ser questionada por não atender todos os problemas que surgem no exato
momento da prática docente, por separar tanto pessoalmente quanto institucionalmente a
investigação da prática (Pérez Gómez, 1995), por não dar ao professor seu papel como
construtor do conhecimento (Zeichner, 1993) e, principalmente, por considerar que ela não se
encaixa na realidade social, nos fenômenos práticos da complexidade, da incerteza, da
instabilidade, da singularidade e da diversidade de valores que fazem parte do cotidiano
escolar.
Como alternativa para a epistemologia da prática baseada na racionalidade técnica,
tem sido proposto a formação do professor como prático reflexivo (Dewey, 1959; Schon,
2000; Zeichner,1993; Pimenta, 2006; Nóvoa, 1992; Pérez Gómez, 1995; entre outros). Nela, a
percepção de situações problemáticas é condição para a reflexão. Ou seja, é necessário que os
formadores de professores tenham estratégias para ajudar os alunos a problematizarem sua
prática para que, assim, possam refletir sobre ela e conseqüentemente transformá-la.
Para Dewey, o pensamento reflexivo se origina na fase da perplexidade, na qual o
sujeito se encontra em um estado de dúvida, de dificuldade mental. Para que encontre a
solução para sua dúvida, sua questão, a fase seguinte se dedica à pesquisa, na qual o autor
explica que por meio de um pensamento regulado por um objetivo, o sujeito utiliza o
pensamento reflexivo para investigar e encontrar a resposta ao problema.
Partindo da idéia de experiência e reflexão na experiência de Dewey, Schon (2000)
coloca que o ensino prático-reflexivo também parte de um problema. No entanto,
diferentemente de Dewey, o sujeito não se depara com um problema em sua prática. Para o
autor, o profissional define, escolhe o problema através de um processo ontológico. A
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abordagem de situações problemáticas deve ser feita de forma diferente dependendo do
contexto individual.
Como aspecto central da prática profissional, Schon questiona a aplicação da teoria e
da técnica na resolução de problemas encontrados na prática – racionalidade técnica. O autor
coloca que existem ‘zonas indeterminadas da prática’, ou seja, situações inesperadas nas quais
não é possível transpor a teoria para a prática. Ele coloca como alternativa a valorização do
‘talento artístico’ profissional, ou seja, a competência através da qual os profissionais
realmente dão conta das zonas indeterminadas da prática. Schon sugere assim, uma
epistemologia da prática alternativa no qual o talento artístico profissional é entendido em
termos da reflexão-na-ação. Em sua visão, o professor deve refletir sobre a ação após ela
acontecer ou, o que ele chama de refletir-na-ação, onde ainda se pode interferir na situação em
desenvolvimento. Segundo Pimenta (2006), o processo de reflexão para Schon se inicia e se
finda na ação: primeiramente, o conhecimento na ação, ou seja, o conhecimento tácito já
interiorizado, o hábito, está presente. Quando há, no entanto, uma situação diferente, nova na
ação, o sujeito passa pelo processo de reflexão-na-ação para resolver as novas demandas no
momento em que surgem. Com isso, o profissional adquire um repertório de ações, chamado
de conhecimento prático. Este conhecimento, porém, necessita de nova reflexão, pois os
novos problemas superam o repertório criado “exigindo uma busca, uma análise, uma
contextualização, possíveis explicações, uma compreensão de suas origens, uma
problematização, uma apropriação de teorias sobre o problema, uma investigação, enfim”
(Pimenta, 2006, p.20). O sujeito, então, faz uma reflexão sobre a reflexão-na-ação para, a
partir daí, transformar sua ação.
Pude observar que a reforma que a disciplina PEAM 2 em que fui tutora sofreu da
primeira para a segunda oferta teve vários pontos positivos que poderiam contribuir para uma
maior reflexão dos alunos sobre suas práticas. Observando as leituras, notei que de acordo
com minha percepção, esta segunda proposta da disciplina está coerente com o debate sobre a
formação prático-reflexiva de professores, pois o propósito é partir as discussões da própria
atuação dos alunos em sala de aula juntamente com a discussão das idéias teóricas propostas
nos textos estudados, além de incentivar os alunos a buscarem conhecer com antecedência o
contexto onde realizarão a aula com o intuito de considerarem suas peculiaridades. Um ponto
importante que me marcou nas leituras foi perceber que para os alunos refletirem sobre sua
prática há a necessidade de encontrarem problemas nela. Eis aí onde permanece a questão:
Como fazer para os alunos perceberem os problemas de suas práticas? O fato dos alunos não
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verem problemas em suas práticas na disciplina PEAM 2 também na segunda vez em que foi
oferecida contribuiu para que eu continuasse com a impressão de que eles não refletem. Não
mais por eles não mudarem suas práticas, pois este seria um passo seguinte, mas
simplesmente por não a problematizarem. Minha atenção não era mais apenas sobre
mudanças, mas se os alunos percebiam que havia problemas nas suas aulas.
A dificuldade de professores de música perceberem problemas em suas práticas foi
tema de pesquisa de Scarambone (2009), que concluiu que “a realidade é muitas vezes
encarada como uma situação sem problemas, não fazendo parte questionamentos sobre suas
práticas” (p.84). Segundo a autora, quando os professores viam problemas, mas não sabiam
como resolvê-los, por não saberem sua natureza ou por não terem recursos teórico-
metodológicos para os auxiliarem nesta busca de soluções, a tendência era colocar a
responsabilidade dos problemas a fatores externos à sua ação (p. 86).
Como o debate atual sobre a formação de professores está focando a reflexão sobre a
prática como um aspecto importante, a formação de professores por meio da educação à
distância também tem se atentado para esta formação reflexiva. Pesquisadores como Mebius
(2005), Meneguetti (2004), Souza (2003), Filho (2007) e Carvalho (2009) investigaram a
formação de professores na EAD e, mais especificamente, a formação reflexiva destes
professores.
Meneguetti (2004), em sua pesquisa de mestrado, investigou um curso de pedagogia
à distância buscando compreender a construção da formação de professores
pesquisadores/reflexivos por meio da perspectiva de tutores do curso. A autora conclui que,
apesar do curso objetivar a formação do professor que pesquisa e reflete sobre suas práticas,
concretamente os tutores têm representações contraditórias sobre este processo. Segundo a
autora, os tutores incorporaram o discurso do curso sobre o alcance da formação do professor
pesquisador/reflexivo, mas apontam muitos limites para a concretização desta formação,
desde a precariedade das condições de trabalho e estudo até, por exemplo, o processo
avaliativo. A autora enfatiza que “parece haver uma disparidade entre o que se pretende com a
formação, o discurso e as condições estruturais e pedagógicas oferecidas pela instituição para
que ela ocorra”. (MENEGUETTI, 2004, p. 124).
A conclusão de Meneguetti me fez pensar até que ponto minha participação era
responsável pela dificuldade dos alunos problematizarem suas práticas. Apesar da idéia de
formação prático-reflexiva de professores não trazer em sua concepção uma metodologia de
como os formadores de professores devem atuar, como tutora, minha estratégia para motivar a
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reflexão dos alunos, ou seja, para ajudá-los a enxergarem problemas em suas práticas, foi
através de questionamentos, prática essa vivenciada no meu curso de licenciatura e também
sugerida pela supervisora do curso. A cada fórum onde os alunos deveriam postar vídeos e
fazer comentários sobre suas aulas e sobre as aulas dos colegas e também quando deviam
elaborar planejamentos de aula, eu os questionava sobre quais eram os objetivos da aula, se
foram atingidos, como eles sabiam se os alunos realmente haviam aprendido, qual foi o papel
do professor e dos alunos na aula, como eles lidaram com os imprevistos quando aconteceram
e etc., além de perguntar pontos específicos da aula de cada um. Em geral, pude perceber que
mesmo com a intenção da discussão de provocar a reflexão dos alunos sobre suas aulas e
também sobre as aulas dos colegas, na maioria das vezes os alunos não encontram problemas
em suas práticas, ou se encontram, não sabem dizer onde, por que e nem pensam em outras
possibilidades como solução para estes problemas, o que me remete às conclusões de
Scarambone (2009) sobre as dificuldades de perceber e lidar com problemas das práticas
docentes. Os comentários dos alunos são, em sua maioria, elogios às aulas dos colegas e
muitas vezes fundamentam o comentário com textos de forma equivocada. Não é possível
saber se os alunos não se sentem motivados ou dispostos a fazerem uma crítica produtiva à
aula do colega por não verem problemas realmente, por não se sentirem a vontade para
registrar suas críticas nos fóruns de discussão ou por não quererem ser criticados também. As
questões colocadas sobre as aulas são muitas vezes ignoradas, poucas vezes respondidas sem
reflexão de fato e apenas um pequeno grupo se dispõe a apontar problemas e discutir
possibilidades de transformação.
As peculiaridades de um curso a distância são várias. Primeiro, o formato tripartido.
Nos cursos à distância da UAB/UnB existem três professores que trabalham em uma mesma
disciplina. Há o professor autor que elabora a disciplina antes dela entrar no ar, o professor
supervisor que faz uma formação prévia com os tutores e os orienta durante a disciplina e os
professores tutores que mediam a disciplina com os alunos através da plataforma de interação.
Isso tem várias implicações e diferenças em relação ao ensino presencial.
Primeiro, o fato de termos que seguir o roteiro da disciplina, organizado por semanas
ou módulos. Na minha percepção, processos de “construção” podem ficar comprometidos
quando temos que passar de um tópico ou um tema para outro sem que o tema anterior tenha
sido esgotado. Segundo, a dificuldade de traçarmos caminhos não planejados pelo autor, mas
que podem surgir durante as discussões e conduções das temáticas. Terceiro, a
responsabilidade e competência do tutor na condução de discussões que possam motivar ou
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desenvolver o pensamento reflexivo. Quarto, a dificuldade de discussões em tempo real, em
que o professor tutor possa aproveitar a resposta do aluno como técnica de problematização.
Algumas questões continuam colocadas sobre a formação de professores reflexivos
por meio da EAD a partir da análise sobre a estrutura das disciplinas de práticas oferecidas
pelo curso à distância e sobre minha atuação como tutora: Que ferramentas podem ser
consideradas mais eficazes para este fim? Quais são os limites e possibilidades das
ferramentas Moodle, especialmente a dos Fóruns de Interação? Qual é o papel dos tutores na
promoção de alunos reflexivos?
Essa experiência gerou a problemática de minha proposta de pesquisa para o
mestrado em Educação Musical, que tem como objetivo compreender como os alunos
percebem a relação entre suas práticas docentes e sua formação em licenciatura em música
por meio da EAD, em que momentos e como o curso os ajudou a se conscientizarem e
transformarem suas práticas e que estratégias do curso ou dos supervisores e tutores são
reconhecidas como responsáveis pelas mudanças em suas práticas. Espera-se, com essa
pesquisa, conhecer a eficácia das ferramentas e ações dos atores envolvidos na formulação
dos cursos EAD para a formação de professores a partir da experiência e perspectiva dos
próprios alunos.
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Referências
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MEBIUS, Sonia Maria Castricini Biscacio. Educação a distância via web: A construção da práxis pedagógica através da teoria, do fazer dos “pioneiros” e da própria prática. Tese (Doutorado em Educação). São Paulo: UNICAMP, 2005.
MENEGUETI, Adriana Fátima. Professor pesquisador/reflexivo: O olhar de tutores da educação a distância. Dissertação (Mestrado em Educação). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2004.
NARITA, Flávia Motoyama. Licenciatura em Música na Universidade Aberta do Brasil (UAB): educação sem distância? Em: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 17, 2008, São Paulo. Anais... São Paulo: ABEM, 2008.
_______ . Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura em Música. Programa Universidade Aberta do Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 2009.
NÓVOA, António (Coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
PÉREZ GOMEZ, Angel. O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, António (Coord.). Os professores e a sua formação.Lisboa: Dom Quixote, 1992. p.93-114.
PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito- 4.ed.- São Paulo: Cortez, 2006. p.17-52.
SCARAMBONE, Denise Cristina Fernandes. O pensamento reflexivo de professores de piano sobre sua atuação docente: Dois estudos de caso. Dissertação (Mestrado em Música). Brasília: Universidade de Brasília, 2009.
SCHON, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem; tradução de Roberto Cataldo Costa – Porto Alegre: Artmed, 2000.
SOUZA, Cássia Virgínia Coelho. Programa de Educação Musical à Distância para professores das séries iniciais do ensino fundamental: um estudo de caso. Tese de doutorado. Programa Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA, 2003.
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SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. Tradução: Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Editora Moderna, 2003.
ZEICHNER, Kenneth M. A formação reflexiva de professores: Idéias e práticas. Lisboa: Educa
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Formas de inserção de pessoas cadeirantes no processo de ensino-
aprendizagem do canto lírico
Bárbara Simões de Lima Camargo Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Elke Beatriz RiedelUniversidade Federal do Rio Grande do Norte
Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo oferecer para pessoas cadeirantes o acesso personalizado ao ensino do canto lírico, ampliar a aplicabilidade da técnica vocal, dar oportunidade aos alunos de graduação da Escola de Música da UFRN a expandir horizontes profissionais aprofundando sua vivência com a diversidade e criar oportunidades de profissionalização para pessoas cadeirantes no canto lírico. Esse projeto tem a duração de um ano, dividido em quatro partes: pesquisa de referências bibliográficas, criação do curso de extensão de canto para o publico em questão, realização das aulas de canto em forma de laboratório, com recital final dos alunos, relatório do projeto visando participação em congressos e a realização de artigos sobre os resultados. Através da pesquisa bibliográfica e dos relatos da nossa orientadora que é uma cantora lírica cadeirante, estamos neste momento em vias de pesquisar e organizar o material que irá ser trabalhado em sala de aula. Já houve discussões com relação aos conceitos de postura, tipos de paralisias físicas, exercícios de respiração, definição de repertório e como abordar os assuntos: emissão, ressonância e articulação da voz com cadeirantes. Acreditamos que essa pesquisa será geradora de outras na área, abrindo a possibilidade de novos cursos e novas ações.
Palavras-chave: ensino-aprendizagem, canto lírico, educação musical inclusiva.
Colaboração para a desmistificação do portador de deficiência física
motora como uma pessoa à parte da sociedade
Um discurso muito comum dentro da área musical é: “A música é importante para formação de todos”. Mas será que na prática todas as pessoas têm as mesmas oportunidades em relação ao ensino musical? Será que uma pessoa com deficiência, seja ela qual for, está inserida nesse “todos” que tanto dizem? Será que os professores de música estão aptos a lidar com realmente todos? E o que dizer das escolas de cursos de música, será que estes estão dispostos e preparados para de fato possibilitar que todosusufruam de um ensino musical de qualidade? (LOURO, 2006, p. 25).
Louro (2006) em seu livro Educação Musical e Deficiência, no primeiro capítulo,
intitulado “A MÚSICA É PARA TODOS”: SERÁ MESMO???”, nos faz refletir sobre o
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ensino da educação musical especial. Quando nos referimos à educação musical especial, não
estamos falando de musicoterapia. “Musicoterapia é um processo sistemático que requer
planejamento e monitoramento no qual o que importa é relação da música com o paciente e
não da musica em si mesma.” (LOURO, 2006, p.64).
Quanto ao direcionamento pedagógico musical, apesar de surtir, muitas vezes, resultados tão benéficos quanto o de uma terapia que utiliza música, não pode ser considerado um processo terapêutico, uma vez que os objetivos pedagógicos musicais diferem, em principio, dos reabilitacionais. (LOURO, 2006, p. 66)
A partir do dia 24 de outubro de 1989 foi regulamentada a lei nº 7.853 que dispõe
sobre a política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência física na
sociedade. Essa lei decreta que os órgãos e entidades públicas federais têm como
responsabilidade promover a inserção, no sistema educacional, das escolas ou instituições
especializadas públicas e privadas. A educação especial deve contar com uma equipe
especializada e adotar orientações pedagógicas individualizadas. Embora o decreto acima
citado esteja em vigor, atualmente a sociedade vive um momento de transição para que se
possa, de forma plena, atender a inclusão de deficientes físicos. O preconceito ainda é
encontrado de forma direta ou indiretamente na comunidade.
O nosso projeto parte do ponto de vista de que não é a deficiência física que definirá
o sucesso ou o fracasso de um indivíduo na sua profissão, mas sim o seu talento e o seu
empenho em tal atividade; isto vale também para o (a) cantor (a) lírico (a). Porém existem
ainda poucos cantores líricos cadeirantes com carreiras de sucesso; estes profissionais sofrem
preconceito por parte da sociedade, seus trabalhos são pouco divulgados e consequentemente
pouco valorizados. Atualmente existe a inclusão de pessoas cadeirantes no canto lírico, mas,
no entanto, eles são submetidos ao ensino-aprendizagem através de técnicas tradicionais
usadas para o ensino de pessoas que não possuem nenhuma deficiência. Portanto, este projeto
tem como objetivo dar oportunidade aos alunos de graduação da Escola de Música da UFRN
de expandir horizontes profissionais aprofundando sua vivência com a diversidade,
proporcionar uma metodologia de ensino de canto sistematizado e voltado especificamente
para atender a alunos portadores de deficiência física motora, proporcionando assim
futuramente, oportunidades de profissionalização para esse publico em questão.
Usaremos como metodologia para o projeto a pesquisa de referências bibliográficas
para que a partir daí possamos preparar materiais, planos de aula e assuntos que serão usados
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em sala, criação do curso de extensão de canto na Escola de Música da UFRN para o publico
em questão, realização das aulas de canto em forma de laboratório, com recital final dos
alunos, relatório do projeto visando participação em congressos e a realização de artigos sobre
os resultados. Esperamos que a partir deste projeto, possamos contribuir para que a Escola de
Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte possa incluir de forma específica e
sistematizada alunos cadeirantes nos cursos regulares de extensão, básico, técnico e
graduação na habilitação em canto, criando a partir daí um maior leque de profissionais na
área.
Pesquisa de referências bibliográficas, discussões e resultados
Foi criado um grupo de pesquisa composto por uma professora orientadora, dois
bolsistas e uma voluntária. Os encontros ocorrem quinzenalmente para discussão acerca de
textos selecionados pela professora orientadora. O trabalho vem avançando através discussões
e pesquisas com relação aos conceitos de postura, tipos de paralisias físicas, exercícios de
respiração, definição de repertório e como abordar os assuntos: emissão, ressonância e
articulação da voz para cadeirantes.
Os conceitos de postura e de respiração foram os primeiros temas a serem abordados
em nossa pesquisa devido ao seu grau de importância para a prática do canto e por serem os
dois conceitos que mais afetam a performance do cantor que canta sentado, devido à diferença
que existe na postura sentada e na em pé, principalmente em termos de alongamento e
tonicidade muscular. Ao cantar é imprescindível a consciência da postura correta e a
promoção da prontidão do corpo para a postura mais eficiente possível. Sem dúvida a postura
mais adequada para o canto é a em pé, mas não é a única que pode ser utilizada, pois, existem
outras posturas como comprova este exercício de imaginação ativa.
Quando estiver sentado, de pé ou caminhando, mantenha a coluna reta, tomando cuidado para não vergá-la para trás. A cabeça também deve permanecer ereta, como se estivesse alinhada com um fio de prumo imaginário que começa no cóccix e se estende até um ponto central no seu topo (ZI, 1997, p.44).
A partir dessa linha de pensamento, defendemos que é perfeitamente possível obter
um bom desempenho no canto na posição sentada, ou seja, uma pessoa cadeirante que não
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tenha a musculatura abdominal e costal seriamente afetada, tem a capacidade de desenvolver
uma postura para o canto.
A respiração adequada está diretamente ligada à postura, pois a primeira depende da
segunda para ser efetiva. Quando respiramos passamos por dois processos: a inspiração
(entrada de ar nos pulmões) e a expiração (saída de ar dos pulmões). Existem três tipos de
respirações que devem ser utilizadas no canto, a abdominal, intercostal e torácica.
A autora Nancy Zi é cantora e professora de canto, devido a sua experiência em treinar
e proteger a voz ela desenvolveu uma técnica de respiração chamada de Chi yi. Chi significa
respiração, ar atmosfera. Yi significa arte. Daí o nome chi yi – arte de respirar (Zi, 1997, p.16).
Essa técnica parte de alguns princípios do chi kung, arte chinesa de controle de respiração. O
chi yi defende que todo ser humano possui um núcleo. “O núcleo se localiza no centro do
corpo medido da cabeça aos pés, ou seja, de cinco a doze centímetros abaixo do umbigo. O
corpo inteiro é coordenado por esse centro de equilíbrio físico, mental e emocional” (ZI,
1997, p.22). Ao cantarmos devemos manter uma condição de prontidão e alerta, essa
condição é chamada de apoio. “O sentimento de força que é essencial para a manutenção
deste estado de alerta permeia todo o corpo, mas está centrada na região pélvica e no baixo
ventre, em japonês chamado de Hara, em chinês de tanden” (HEMSLEY, 1998, p.30-31).
Ao focalizar a respiração no núcleo do nosso corpo podemos ser beneficiados, segundo
Nancy Zi, com a capacidade de canalizar seletivamente essa energia interior, reagir com
sabedoria a necessidades físicas e mentais, construindo a confiança e a intensificação da
presença pessoal, proporcionando vigor, entusiasmo e coordenação motora, cútis luminosa,
hálito refrescante e aprimoramento da fala e do canto. “A arte de respirar é benéfica para a
saúde, sejam quais forem as atividades e a profissão da pessoa” (ZI, 1997, p.16).
No livro A Arte de Respirar a autora disponibiliza exercícios para o aprimoramento do
chi yi. Colocamos em prática quatro exercícios com uma turma de cantores não deficientes.
Os exercícios praticados foram os 1A, 1B, 1C e 1D do primeiro capítulo do livro.
No exercício 1A é pedido que a pessoa se sente em uma cadeira com a coluna reta e os
pés bem firmes no chão separados por uma distância de quinze centímetros, em seguida
colocando as palmas das mãos com os dedos levemente separados sobre a parte inferior do
abdômen. Ao expirar colocando a ponta da língua atrás dos dentes da frente da arcada inferior
e ao inspirar colocando atrás dos dentes da frente da arcada inferior. Durante a expiração
contando lentamente de um a seis e na inspiração de um a sete. No exercício 1B a autora pede
que a pessoa que irá executa-lo se sente em uma cadeira com a coluna reta e com os pés
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separados por um distancia de 25 centímetros, com as palmas das mãos viradas para a parte
interna das coxas gradualmente inclinando e ao mesmo tempo deslizando as mãos em direção
aos tornozelos, nessa posição expirando e contando de um a quatro, segurando a respiração,
inspirando de um a cinco, segurando a respiração e deslizando lentamente as mãos para a
posição inicial. Para executar o exercício 1C é preciso ficar de joelhos no chão com a planta
dos pés para cima, as mãos nos quadris e os joelhos devem estar separados ao máximo,
tomando cuidado para não inclinar o corpo. Expirando e contando de um a seis, inspirando de
um a sete e ao mesmo tempo deslizando as mãos lentamente na lateral do corpo até esticar os
braços, expirando de um as seis e ao mesmo tempo lentamente voltando a posição original.
No exercício 1D pede-se que a pessoa fique em pé com os pés separados por um distancia de
45 centímetros e com a cabeça ereta entrelaçando as mãos atrás das costas com as palmas
viradas para baixo. Na expiração contando de um a seis e ao mesmo tempo inclinando
devagar para frente. Em seguida na inspiração contando de um a sete e ao mesmo tempo
voltando a posição original devagar.
O objetivo da prática desses exercícios foi o de saber se os alunos sentiram a ativação
do núcleo. Apesar dos exercícios terem sido praticados com alunos não deficientes, os dois
primeiros podem ser usados para o ensino de pessoas cadeirantes. De acordo com a autora
Nancy Zi, pessoas que usam cadeiras de rodas também podem praticar os exercícios de A Arte
de Respirar.
Se alguém tiver dificuldade para se mover, poderá fazer sentado ou deitado os exercícios que normalmente seriam feitos em pé. Também é possível adaptar movimentos como os de alongar e curvar para adequá-los a deficiências físicas (ZI, 1997, p.183).
A partir dos resultados acima expostos, é possível concluir que o processo de ensino-
aprendizagem do canto lírico pode ser adaptado e direcionado para as reais necessidades do
portador de deficiência física usuário de cadeira de rodas, oferecendo a ele a oportunidade de
pleno desempenho artístico e realização de seu sonho de profissionalização como cantor
lírico, e colaborador na construção de uma realidade mais humana e mais justa tanto para si
como para todos.
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Referências
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ZI, Nancy. A arte de respirar: Seis lições simples para aprimorar o desempenho, a saúde e o bem-estar. São Paulo: Pensamento, 1997. 238 p.
MARSOLA, Mônica. Canto: Uma expressão: Princípios básicos de técnica vocal. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001.
DEMORE, Givas (Org.). Apostila de canto. Santa Maria: Scribd, 2009/2010. 88 p. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/22151463/apostila-de-canto-Tecnica-vocal#source:facebook>. Acesso em: 07 dez. 2010.
INCLUSÃO social na legislação. Disponível em: <http://celinacb.br.tripod.com/toeinclusaosocial/id6.html>. Acesso em: 17 abr. 2011.
LOURO, Viviane Dos Santos; ALONSO, Luis Garcia; ANDRADE, Alex Ferreira de. Educação musical e deficiência: propostas pedagógicas. São José Dos Campos, SP: do Autor, 2006.
HEMSLEY, Thomas. Singing & Imagination. Oxford: Oxford University Press, 1998.
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Grupo de Música Percussiva Acadêmicos da Casa Caiada - UFC: a
universidade põe o “bloco” no carnaval de rua
Catherine Furtado dos Santos Universidade Federal do Ceará
Erwin Schrader Universidade Federal do Ceará
Resumo: O presente trabalho trata de um relato de experiência das atividades de formação musical e artística realizadas pelo Grupo de Música Percussiva Acadêmicos da Casa Caiada ao estrear desfilando na avenida principal no período carnavalesco em Fortaleza. O grupo é um projeto de extensão do Núcleo de Música Percussiva do curso de Música - Licenciatura da Universidade Federal do Ceará- UFC. O objetivo é analisar como aconteceram os processos de ensino e aprendizagem durante a organização, os ensaios e o desfile no carnaval de 2011. O interesse de apresentar o grupo de música percussiva da universidade na avenida é além de uma construção artístico-musical, uma iniciativa de aproximar áreas de formação cultural como o carnaval de rua e a universidade, podendo ser estes palcos formativos e musicais. Durante o trabalho, foram realizados registros em áudio e vídeo, diários de campo, entrevistas e fundamentações com o aporte teórico de autores próximos da temática, como Matos (2008), Penna (2008), Guerreiro (2000) e Tanaka (2009). Assim, o relato contribui para os trabalhos em educação musical, refletindo sobre práticas e diálogos musicais que aproximam a cultura popular brasileira e a academia.
Palavras-chave: Música Percussiva, Cultura Popular, Formação.
Acadêmicos da Casa Caiada
Fundado em 2008 como um projeto de extensão, sendo uma iniciativa da disciplina
de percussão, lecionada pelo professor Ms. Erwin Schrader1, o projeto “Acadêmicos da Casa
Caiada” faz parte do Núcleo de Música Percussiva2 da Universidade Federal do Ceará e
trabalha com jovens estudantes de escola pública, estudantes do curso de música e
comunidade em geral, com a coordenação e regência de Catherine Furtado3. A proposta do
grupo é desenvolver atividades de formação musical e produção artística em um contexto
coletivo de música percussiva. Os encontros acontecem no espaço da Casa de José de
1 Erwin Schrader: Mestre e doutorando em Educação Brasileira pela Faculdade de Educação da UFC. Professor do curso de música e coordenador do Núcleo de Percussão da UFC.2 Núcleo de Música Percussiva: projeto de extensão do curso de música que reúne os grupos: Acadêmicos da Casa Caiada, Brincantes Cordão do Caroá e Laboratório de Construção de Instrumentos. 3 Catherine Furtado: graduada em música pela UFC. Professora, percussionista e regente do grupo Casa Caiada.
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Alencar4, todos os sábados de 09 às 12h, com a disponibilidade de 160 instrumentos
percussivos diversos para os alunos.
O nome Acadêmicos da Casa Caiada foi idealizado pelo ritmista Descartes
Gadelha5, fazendo uma referência a casa onde morou o escritor José de Alencar, atualmente
integrada ao patrimônio da UFC. No início do projeto, o Mestre Descartes Gadelha realizou
várias oficinas de percussão para o grupo, empenhando-se em compor o primeiro samba-
enredo “Casinha Caiada”, composto em parceria com a cantora Inês Mapurunga6.
As atividades do grupo são organizadas sobre três propostas artísticas, desenvolvidas
de quatro em quatro meses ao longo do ano:
1° quadrimestre (novembro – fevereiro) – Preparativos para o desfile
carnavalesco de rua;
2° quadrimestre (março – junho) – Preparativos, ensaios e apresentações de um
espetáculo percussivo;
3° quadrimestre (julho – outubro) – Apresentações e Preparação da Semana de
Música Percussiva – SEMUP.7
O enfoque deste trabalho situa-se sobre as atividades do primeiro quadrimestre de
2011 – O Desfile Carnavalesco – tendo como objetivo analisar os processos de ensino e
aprendizagem, que permearam as atividades de organização para o evento carnavalesco.
A Construção de um Carnaval
A idealização de uma construção artística carnavalesca, com propósitos educacionais
e formativos, surge a partir de uma reflexão sobre como um grupo percussivo, fundado em
ambiente acadêmico, poderia participar de um evento da cultura popular. Nesse sentido foi
proposto um desafio aos integrantes do projeto, que nunca desfilaram em um cortejo e não
conheciam o carnaval de rua para desfilarem pela primeira vez.
As atividades do grupo Acadêmicos da Casa Caiada reiniciaram em janeiro de 2011.
O grupo resolveu desfilar com o samba-enredo “Casinha Caiada”. No instrumental percussivo
disponível no acervo da universidade, existiam 04 surdos graves. Em relação à quantidade
4 Casa de José de Alencar: Instituição cultural mantida pela Universidade Federal do Ceará e tombada pelo IPHAN em 1968. 5Descartes Gadelha: personalidade de grande importância a cultura carnavalesca da cidade de Fortaleza. Fundador de várias escolas de samba e grupos de maracatus. É cearense, artista plástico e ritmista.
6 Inês Mapurunga: geógrafa, cantora e compositora. 7 SEMUP: Semana de Música Percussiva da UFC.
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desses instrumentos, organizou-se a configuração da bateria seguindo uma proporção sugerida
pelo Mestre Descartes Gadelha: 01 surdo para 01 caixa, 01 chocalho, 02 agogôs, 02
tamborins, 01 repique, 01 cuíca e 01 surdo de corte, totalizando, ao final, um grupo
percussivo com 36 ritmistas.
Os ensaios aconteceram todos os sábados, mas também foi necessário realizar dois
encontros, em dias de domingo, para fazer um cortejo pelas ruas do bairro com o auxílio de
um carro de som. Questões de organização também foram fundamentais nessa etapa do
trabalho, direcionando funções aos participantes do grupo, como afinar os instrumentos,
preparar o figurino, organizar questões de logística, além de cuidarem dos contatos com os
organizadores do evento carnavalesco e com o transporte para o grupo. Tais tarefas
interferiram sobremaneira na sonoridade do grupo, visto que essas atividades desenvolvidas
possibilitaram um convívio maior entre os integrantes, permitindo uma integração e maior
tolerância para resolução de questões de organização e musical.
Ao final de cada ensaio, as atividades realizadas eram conversadas em grupo,
colhendo-se os depoimentos sobre as experiências vividas. Nos preparativos do figurino, por
exemplo, foi preciso reunir um maior número de pessoas para auxiliar na decoração das
camisas que seriam usadas pelos ritmistas, realizando encontros em horários extras para
auxiliar as atividades. Uma das integrantes do grupo relatou: “Chamei até minha mãe para
ajudar a terminar as camisas.”
Os Ensaios - A universidade vira barracão
Os ensaios iniciavam com uma seqüência de atividades de alongamento. A proposta
era preparar o corpo para a longa repetição dos movimentos na execução rítmica nos
instrumentos, e para a caminhada ao longo da avenida durante o desfile, tentando, ao máximo,
evitar o desconforto e a queixa de dores. Nesse sentido, foi criada uma dinâmica com os
instrumentos maiores, como surdos, que eram colocados nas costas dos ritmistas e com a
ajuda de outro colega, faziam com que os instrumentos deslizassem de forma lenta e
equilibrada. Desta forma, buscava-se uma experiência de compreender o instrumento como
extensão do corpo, exigindo uma maior concentração, equilíbrio e cuidado com o outro
colega ritmista. Após o preparo corporal, foram realizados, oralmente, exercícios com células
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rítmicas e convenções8 do samba-enredo. Através do uso de pequenas palavras e frases, a
oralidade servia de guia para o entendimento dos ritmos que seriam tocados.
Figura 1- convenção Figura 2 – ritmo do surdo de corte
A figura 1 representa o momento da convenção em que toda a bateria toca junta e, a
figura 2, é uma frase que exemplifica a célula rítmica do surdo de corte. Essa prática
pedagógica propiciou também um trabalho com dinâmica de som no instrumento,
possibilitando aos participantes executarem os ritmos em diferentes intensidades sonoras.
Segundo Guerreiro (2000), o trabalho da linguagem percussiva baseia-se, principalmente, na
transmissão oral e na imitação que acontecem através das exaustivas repetições nos ensaios.
Essas situações são favoráveis para o trabalho de criação e percepção musical, possibilitando
novas maneiras de ensinar e aprender.
Uma das principais características da linguagem percussiva popular é a oralidade, a transmissão oral de conhecimento, que lhe confere o status de música popular, deixando-a definitivamente de fora do pólo erudito. A linguagem percussiva é transmitida por observação e audição seguidas de imitação. Trabalha principalmente com a exploração do som e com a improvisação. (GUERREIRO, 2000, p. 271)
A prática da técnica instrumental foi voltada para o ensino da percussão em coletivo,
iniciando com um trabalho de baquetas que foram distribuídas para cada integrante. Em
seguida foram demonstradas formas de se segurar as baquetas, os movimentos de manuseio,
além de técnicas de agilidade e rudimentos9. Desta forma, os movimentos e exercícios eram
observados e executados, enfatizando e interligando as noções de dinâmicas trabalhadas
anteriormente na prática da oralidade. Foi possível perceber que os mais experientes
juntavam-se aos novatos para compartilhar alguma dica ou corrigir determinadas posturas.
Esse exemplo anterior foi uma forma de iniciar um trabalho de técnica instrumental
sem deixar que a aula se transformasse em um momento particular e privado para cada aluno,
mas sim, enfatizando a compreensão dos trabalhos em grupo, ou seja, através do ensino
coletivo da percussão.
8 Convenções: terminologia utilizada na área da percussão para indicar um arranjo rítmico que a bateria toda executa ao mesmo tempo.
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As vantagens pedagógicas que eu considero são inúmeras. Como você pode, por exemplo, oferecer pra um iniciante parâmetros muito mais facilmente. A pessoa que começa, ela tem do lado espelhos, como chamam. Então há pessoas que estão com as mesmas dificuldades que ela, ou com um pouco menos, mas naquele mesmo nível de aprendizagem (...) (CRUVINEL apudTOURINHO, 2005, p. 96)
No término dessa atividade os instrumentos foram distribuídos de acordo com a
habilidade inicial e preferência de cada participante, separando o grupo em naipes para que
pudessem exercitar ao máximo no instrumento escolhido. Naquele momento, começaram a
surgir líderes de naipe que organizavam os treinos e compartilhavam as habilidades.
Exercícios de atenção a regência foram realizados e fundamentais para desenvolver
no grupo a compreensão do gestual, demonstrando os momentos de entradas, de convenções e
de finalizações da música. Através desses foi possível exercitar mudanças de andamento. Em
alguns momentos, mantinha-se a bateria tocando as células rítmicas do samba e através de
sinalizações exercitavam-se mudanças no andamento possibilitando, através da expressão do
corpo, novas formas de interpretação do ritmo praticado. Segundo Penna (2008), a música é
uma obra de arte com função expressiva. Os elementos musicais não devem ser isolados no
processo de ensino e aprendizagem. A compreensão da música deve ser total, contendo
apreciações técnicas e subjetivas. Ao trabalhar a estrutura da música através do canto e da
apreciação da letra, o grupo sempre manifestava alguma reflexão quanto à dinâmica, à
coreografia e às sinalizações de regência. A prática de escutar e refletir a música colaborava
para que os ensaios pudessem acontecer de forma produtiva aprimorando detalhes no decorrer
das repetições.
Como linguagem artística, a música caracteriza-se por sua função expressiva. A própria forma de organização de seus elementos de linguagem- que segue princípios e padrões diferenciados, conforme o tempo (histórico) e o espaço (social) – determina o conteúdo expressivo da obra. Assim, o desafio é trabalhar os elementos musicais básicos em sua função expressiva, preservando, mesmo nas práticas elementares, o caráter artístico-expressivo da música. (PENNA, 2008, p. 58)
Foi através desta reflexão sobre a prática de aquecimento, que criamos o que
chamamos de “Esquenta10” do grupo. O “esquenta” surgiu quando uma parte da turma
“brincava” com o agogô e a outra respondia com repiques durante o intervalo do ensaio. A
brincadeira transformou-se em uma comunicação rítmica e, em seguida, outras pessoas
9 Rudimentos: exercícios de técnica de baqueta.
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aproximaram-se repetindo e tocando os toques criados. Segundo Tanaka (2009), a criação
acontece por repetições e destas partem as variações. No grupo, diante da batida espontânea
dos agogôs com os repiques, gerou uma repetição, transformando-se em brincadeira e
composição. Assim, a idéia evoluiu e criamos o nosso esquenta, compartilhando e
adicionando uma coreografia que finalizou a composição com o grupo completo.
Cabe lembrar que a repetição e a criação são dois momentos que praticamente se fundem nesses espaços de ensino não-formal. A criação é conseqüência da repetição, vinda em forma de variação decorrente da segurança que o ritmista passa a ter, do domínio suficiente para poder variar e não ter de repetir infinitamente igual. (TANAKA, 2009, p. 107)
Uma extensão dos ensaios foram os cortejos. Aos domingos, seguíamos tocando
pela rua da comunidade do bairro. Esses foram momentos que envolveram elementos
formativos como: o tocar em movimento e o contato com o público na rua.
E a presença dessas pessoas traduz a inserção da própria comunidade dentro do espaço educativo. Convive-se e aprende-se, também, sob os olhares dessas pessoas, aprendendo-se inclusive, a lidar com as suas interferências. O conhecimento específico que se adquire nesse espaço faz parte, também, de um saber da comunidade, aquilo que todos conhecem de algum modo. (TANAKA, 2009, p. 109)
Com o auxílio de um carro de som, ensaiávamos como se fosse à avenida e, ao
perceber a comunidade como platéia, o grupo motivou-se como se estivesse durante o desfile
de carnaval.
O Desfile
A concentração antes do desfile aconteceu no espaço da universidade com alguns
integrantes dando os últimos retoques com as lantejoulas nas camisas, outros afinando os
instrumentos e conferindo a sonoridade da bateria em geral. Depois almoçamos juntos e cada
participante contribuiu com um prato de comida ou bebida para a alimentação. Isso fez com
que a concentração fosse realmente um momento de integração, de socialização e cooperação.
Após a refeição fizemos mais um ensaio geral e fomos vestir o figurino. O transporte chegou
pontualmente e em clima de festa e muito samba chegou-se à avenida.
10 Esquenta: termo muito utilizado para determinar o momento que a bateria toca antes de apresentar o samba-enredo.
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Por ser o primeiro grupo a desfilar usando um horário alternativo o público não havia
chegado para o desfile. No nosso caso a proposta foi abrir o desfile das escolas de samba na
segunda-feira de carnaval, fazendo com isso a estréia de um grupo acadêmico no espaço da
cultura popular. Aproveitamos para organizar os instrumentos na posição original da bateria
para o desfile. Enquanto aguardava-se a autorização para iniciar o desfile, o grupo manteve-se
concentrado, realizando exercícios de alongamento seguindo a seqüência de atividades que
sempre eram conduzidas no início dos ensaios. Para o desfile foi necessário alugar um carro
de som próprio para apresentar o samba-enredo, pois a prefeitura apenas disponibilizava
equipamento móvel de som para os grupos cadastrados no desfile oficial.
Após algumas horas a organização do evento solicitou que o grupo se posicionasse
para o desfile. A avenida parecia longa e pela frente uma estréia, uma apresentação, uma
produção artística baseada em Educação Musical começaria. Não se sabia ao certo em que
momento iniciar a bateria. Tudo ainda era muito novo. Com a organização e a atenção do
grupo os problemas foram solucionados sem desgastes, com todos colaborando para acontecer
da melhor forma. “A fórmula é bem simples: a união faz a força”. (MATOS, 2008, p. 162).
Ao anunciarem pelo sistema de som a entrada do grupo “Acadêmicos da Casa
Caiada” iniciamos o “esquenta”. Parte do público que chegava para o desfile, já parava para
ver o que se passava. Ao finalizar o esquenta a bateria parava e todos cantavam o samba
enredo, enfatizando o refrão com o balançar dos chapéus. Durante o cortejo na avenida fomos
compreendendo de que forma faríamos o desfile. Decidimos fazer a seguinte seqüência: o
esquenta, cantaríamos o samba-enredo e a bateria retornaria novamente acompanhando os
cantores. Foi preciso entender, no momento do desfile, como chegaríamos ao final passando
por todas essas as etapas musicais interligadas, sem causar uma ruptura no desenvolvimento
do que chamamos de desfile-apresentação.
O trajeto começou a ter uma estrutura definida. Depois de a bateria tocar duas vezes
o samba, dávamos uma pausa e começávamos novamente o “esquenta” ou então repetíamos
apenas o vocal. Essa foi uma forma que encontramos para propiciar um pequeno descanso
tanto às vocalistas, quanto ao cavaquinista e a própria bateria. Foi perceptível um
aprendizado mútuo, contínuo e eficaz, resultando assim no final da avenida a finalização do
samba no momento esperado e, ainda com uma brincadeira lúdica de regência, pedindo as
“vibrações dos tambores” na qual com o toque e com o corpo em movimento
comemorávamos a estréia no desfile carnavalesco.
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Considerações finais
O relato de experiência tratou dos processos de ensino e aprendizagem que
aconteceram nos ensaios e no desfile do Grupo de Música Percussiva Acadêmicos da Casa
Caiada. A experiência marcou as atividades do grupo de percussão ao fazer interagir uma
produção artística desenvolvida no âmbito acadêmico com uma festa da cultura popular, o
Carnaval de Rua da Cidade de Fortaleza/CE.
No início do artigo foi relevante explicar como surgiu a idealização de desfilar na
avenida com o grupo, tratando sobre a participação do jovem na cultura carnavalesca de rua.
Entender essa dinâmica cultural da própria cidade ajudou-nos a elaborar ferramentas
pedagógicas para intervir e contribuir musicalmente em atividades futuras do projeto.
Portanto, deixemos para trás as práticas fixas da tradição, buscando construir alternativas que atendam às necessidades dos diferentes contextos em que a educação musical pode atuar, comprometendo-se sempre com um projeto de democratização do acesso à arte e à cultura. (PENNA, 2008, p. 63)
Através do conhecimento da cultura local, foi possível perceber várias maneiras em
que a formação musical pode ser realizada sem ser, obrigatoriamente, em âmbitos formais
e/ou fechados, aos moldes tradicionais, descobrindo assim novas possibilidades que se
encontram na rua, na comunidade e na vida.
Este relato tratou de três momentos em que as práticas educacionais e as experiências
culturais aconteceram. O primeiro foi A Construção de um carnaval, o segundo, A
Universidade vira Barracão e o terceiro O Desfile. No primeiro, relatamos sobre a
organização do grupo para concepção do desfile, enfatizando a importância da sistematização
e da divisão de funções em equipe, colaborando com as atividades em grupo.
No segundo momento, relatamos o espaço da universidade com um local para
ensaiar, construir figurino e para concentrar a bateria, favorecendo a formação, a socialização
e a construção do fazer musical. As atividades realizadas nos ensaios, identificando recursos
didáticos como a oralidade, a repetição e a criação nos processos de ensino coletivo na
percussão foi destaque na experiência vivida. O espaço acadêmico foi à concentração do
grupo e, deste, o ponto de partida para a apresentação na avenida. O desfile foi outra atividade
pedagógica, talvez até mesmo, o momento mais esperado pelo grupo. A experiência in loco
foi um marco nos processos de ensino e aprendizagem, pois tivemos contato e interagimos
com a cultura popular. Desfilar na avenida proporcionou ao grupo a vivência de um fazer
artístico musical em coletivo, aprendendo além das questões técnicas instrumentais toda uma
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prática musical completa e enriquecedora de cultura e conhecimento. “Educar e formar
música através do fazer vivo”. (MATOS, 2008, p. 78)
Através dessa experiência pudemos também identificar algumas dificuldades
ocorridas durante o trabalho: à desistência de 03 integrantes do grupo que por motivos
religiosos não podiam desfilar e, outros 02, por optarem em viajar para as praias. Outra
dificuldade foi à intervenção sonora de propagandas nas caixas de som no momento do desfile
do grupo, atrapalhando a audição do samba-enredo em determinados pontos na avenida.
Para o final deste relato concluímos que dos 36 ritmistas envolvidos, parte já tinha
desfilado com outros grupos na avenida, mas revela que o desfile e os ensaios foram,
consideravelmente, mais organizados e o sentimento de grupo foi mais consistente. Os outros
que desfilaram pela primeira vez consideraram a experiência uma das atividades mais
importantes do grupo e, dessa forma, aprender a tocar samba foi bem mais fácil e divertido.
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Referências
CRUVINEL, Flávia Maria. Educação Musical e Transformação Social: uma experiência com ensino coletivo de cordas. Goiânia: Instituto Centro-Brasileiro de Cultura, 2005.
GUERREIRO, Goli. A trama dos tambores: a música afro-pop de Salvador. São Paulo: Ed.34, 2000.
MATOS, Elvis de Azevedo. Um inventário Luminoso ou Alumiário Inventado: uma Trajetória Humana de Musical Formação. Fortaleza: Diz Editor (a) cão, 2008.
PENNA, Maura. Música(s) e o seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2008.
TANAKA, Harue. Diário de uma ritmista aprendiz. Editora da Universitária da UFPB, 2009.
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Licenciatura em música no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Pernambuco (IFPE) – Campus Belo Jardim: um exemplo de
interiorização das políticas públicas em educação musical
Arlindo Mozart Vieira do Nascimento IFPE
José Davison da Silva Júnior IFPE
Robson Rodrigues Ribeiro IFPE
Rosa Maria Oliveira Teixeira de Vasconcelos IFPE
Resumo: O artigo faz uma apresentação da implantação do Curso de Licenciatura em Música no IFPE – Campus Belo Jardim, no agreste pernambucano, contextualizando-a na história da instituição e no âmbito das políticas públicas em educação musical no Brasil. Ressalta os princípios que originaram e constituíram o curso e explana os pilares conceituais da estrutura curricular adotada. Com a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, esta instituição passou a oferecer cursos em nível superior, dentre os quais está o de Licenciatura em Música, que se insere no contexto da obrigatoriedade do ensino da música na educação básica, como opção de formação para o professor de música.
Palavras-chave: formação de professor, políticas públicas, licenciatura
Introdução
A interiorização é um tema que vem ocupando espaço na agenda midiática e no
discurso político. Mas, acima de tudo, é uma necessidade do Brasil. O investimento no
interior brasileiro tem o potencial não só de promover o desenvolvimento desta imensa região
do país como também de aliviar a pressão sobre as capitais e sobre as grandes cidades,
sobretudo no que se relaciona com as questões econômicas e demográficas.
Neste texto é apresentado um exemplo de interiorização das políticas públicas em
educação musical através da implantação do Curso de Licenciatura em Música no Instituto
Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE) – campus Belo Jardim.
Localizada no agreste pernambucano, a cidade abriga hoje o segundo curso superior de
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música do estado. Sua criação se deu a partir de diversos fatores e princípios, os quais serão
examinados à luz da história do IFPE e das políticas públicas para a educação musical no
Brasil.
Histórico
O Plano de Desenvolvimento Institucional do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de Pernambuco (2009) traz um relato histórico de sua criação. O ano de 1909 foi
o marco para a criação, em cada uma das capitais do Brasil, de uma Escola de Aprendizes e
Artífices, com o objetivo de ministrar o ensino profissional e gratuito através da formação de
operários e mestres. A Escola de Pernambuco iniciou suas atividades em 16 de fevereiro de
1910.
No ano de 1937 as Escolas de Aprendizes e Artífices passaram a ser denominadas
Liceus Industriais. A Lei Orgânica do Ensino Industrial de 1942 modificou a estrutura dos
Liceus, os quais passaram a oferecer o ensino médio. O ensino industrial ampliou-se para dois
ciclos, o básico e o técnico, passando a ser reconhecido como uma necessidade para o
desenvolvimento do país.
O atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco já foi
denominado como Escola de Aprendizes Artífices, Liceu Industrial de Pernambuco, Escola
Técnica do Recife, Escola Técnica Federal de Pernambuco e Centro Federal de Educação
Tecnológica de Pernambuco.
No ano de 1999, o Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco passou a
atuar na Educação Superior com cursos de formação de tecnólogos. Com a publicação da Lei
Nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, foi instituída no âmbito do Ministério da Educação a
Rede de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criados os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia a partir do potencial instalado nos CEFETs, nas escolas
técnicas e agrotécnicas federais e nas escolas vinculadas às universidades federais.
O objetivo do Instituto é promover a educação profissional, científica e tecnológica,
em todos os seus níveis e modalidades, desde a educação básica à superior, considerando o
princípio da indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão.
Políticas públicas em educação musical
O momento atual é um marco histórico nas políticas públicas em educação musical
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no Brasil. No dia 18 de agosto de 2008 foi sancionada a Lei nº 11.769, que estabelece a
obrigatoriedade do ensino de música nas escolas de educação básica, a qual surge em um
cenário no qual ocorreram muitas mudanças quanto à música na escola.
Na primeira metade do século XX as disciplinas Desenho, Trabalhos Manuais
Música e Canto Orfeônico integravam o currículo das escolas primárias. Até o ano de 1960
existiam pouquíssimos cursos de formação de professores na área de Artes e, portanto,
professores com alguma habilidade artística ou mesmo de outras áreas poderiam assumir tais
disciplinas (BRASIL, 1998).
Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº 4.024 de 1961 houve a
extinção do Canto Orfeônico e substituição pela Educação Musical, ministrada por
professores de canto e instrumento que não estavam preparados para lecionar a nova
disciplina, o que fez que diminuísse o ensino de música nas escolas. Em decorrência disso
surge a necessidade de formar professores de música (DENARDI, 2008).
A Lei Nº 5.692/71 tornou obrigatório o ensino da educação artística, entretanto não
especificou qual a modalidade a ser aplicada. O caráter polivalente da educação artística se
caracterizou por uma quantidade de atividades sem conteúdos próprios.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº 9.394, de 1996, normatizou a disciplina
de Artes como componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica. O
ensino de artes, contudo, continuou indefinido, sem garantir nenhum tipo de modalidade
artística.
É importante destacar que a Lei Nº 11.769 não foi aprovada na íntegra. Houve o veto
no parágrafo que especificava que o ensino da música seria ministrado por professores com
formação na área de Música. A música é obrigatória como disciplina na educação básica. Não
há exigência para quem vai ministrar a disciplina, no entanto, precisamos formar docentes
competentes para o ensino da música nas escolas.
Princípios que nortearam a criação do curso
A cidade de Belo Jardim, situada a uma distância de 183 km do Recife, é conhecida
na região do agreste de Pernambuco como Terra dos Músicos, seja pela tradição natural do
seu povo ou pelo trabalho desenvolvido há 122 anos pela Sociedade Musical Filarmônica São
Sebastião e há 75 anos pela Sociedade de Cultura Musical. Essa vocação musical da região é
um fato fácil de constatar. Numa conversa informal com moradores da cidade, por exemplo, é
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possível se informar acerca de dezenas, talvez centenas, de jovens músicos locais que já
ingressaram no mercado de trabalho, através de concursos públicos, e encontram-se atuando
principalmente nas bandas de música de corporações militares em vários lugares do Brasil.
Esta situação, a princípio positiva, esconde um lado negativo. Do lado positivo, os
conhecimentos musicais adquiridos nas bandas de música do agreste pernambucano, que
configuram uma educação musical não formal, contribuem para a continuidade desta rica
tradição ao mesmo tempo em que viabilizam oportunidades de realização econômica para os
jovens talentos musicais da região. Do lado negativo, a impossibilidade de cursar música
formalmente em nível superior, ou em qualquer nível, numa instituição local limita
severamente as opções desses jovens no ramo musical. Desta forma, os concursos militares
têm sido a única alternativa prática de algum retorno econômico para muitos músicos da
região, pois não exigem a comprovação de educação musical formal (certificados, diplomas,
etc.).
Também é possível apontar que neste contexto a educação musical fica reduzida
apenas ao seu aspecto performático numa tradição que incorpora muitos elementos da
disciplina militar, conforme conversas informais com integrantes dos grupos em atuação na
cidade de Belo Jardim. Além disso, através da educação musical não formal obtida nas bandas
de música, muitos jovens da região tornam-se músicos de fato, mas não de direito, pois são
impedidos de atuar profissionalmente em várias áreas da música na sociedade pela falta da
habilitação legal e ficam sem chance de aproveitar plenamente as oportunidades que o atual
cenário brasileiro oferece para seus profissionais.
Em primeiro lugar, portanto, a criação de um curso superior de Licenciatura em
Música no IFPE - campus Belo Jardim vem oportunizar a formação musical e a qualificação
profissional reconhecida em nível nacional para centenas de jovens hoje impossibilitados de
desenvolver suas potencialidades artísticas e pedagógicas no agreste pernambucano. É
importante ressaltar aqui a dificuldade de muitos desses jovens para se deslocar para a capital
com a finalidade de realizar seus estudos musicais, devido a fatores econômicos,
principalmente.
Diretamente associada à questão da vocação local está outra também pertinente: a da
demanda local por um curso superior de música. De acordo com o Relatório da Análise da
Demanda de Mercado para Implantação de Novos Cursos de Graduação, resultado de uma
pesquisa de campo realizada pela Autarquia Educacional de Belo Jardim – AEB e Faculdade
de Belo Jardim – FABEJA no ano de 2007, o curso de música foi o segundo mais citado na
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área de humanas e o terceiro mais citado na pesquisa geral. Vale ressaltar que esta pesquisa se
realizou em “vinte municípios do Estado de Pernambuco em um raio de aproximadamente,
100 km do município de Belo Jardim” (SILVA et al, 2007, p.13).
A princípio, pode parecer surpreendente tal demanda por um curso tão específico e
inusitado como o de música no agreste pernambucano. Entretanto, uma análise da inserção da
música na história e na cultura dessa região esclarece prontamente a demanda evidenciada
pela pesquisa acima referida. Os grupos musicais conhecidos como “Banda de Música”,
“Banda de Fanfarra”, “Banda Filarmônica”, “Banda Marcial” ou “Sociedade de Cultura
Musical”, são comuns em toda essa região, assim como em todo o interior nordestino, e
representam, por vezes, o único acesso da população local ao ensino e aprendizagem da
música, ainda que de maneira não formal. No site
http://catalogobandasdemusicape.wordpress.com/lista185pe/ encontramos uma listagem
(incompleta, diga-se) de 184 bandas em atividade somente no estado de Pernambuco. É raro o
município nordestino que não disponha de um grupo como este. A cidade de Belo Jardim, por
exemplo, acomoda dois desses grupos: a Sociedade Musical Filarmônica São Sebastião, que
já conta 122 anos de atuação, e a Sociedade de Cultura Musical, com 75 anos de existência.
Em segundo lugar, pois, a implantação do curso de Licenciatura em Música no IFPE
– campus Belo Jardim, vem atender a uma demanda social da região na qual a instituição está
inserida. Neste sentido, a oferta de um curso superior de Licenciatura em Música no agreste
de Pernambuco poderá contribuir de maneira decisiva para a qualificação profissional dos
músicos que atuam nos inúmeros grupos da região e possibilitará, ao mesmo tempo, a atuação
deles como professores de música, formal e legalmente habilitados para o exercício da
profissão docente.
Pensando um pouco mais além da situação musical local, verificamos que dentro do
cenário acadêmico nacional é possível encontrar duas opções de graduação na área de música:
os bacharelados e as licenciaturas. O bacharelado em música tem o objetivo de formar
instrumentistas concertistas, cantores, regentes e compositores. O caminho natural para estes
profissionais deveria ser a performance em orquestras ou grupos musicais de câmera e
similares. No entanto, dada a escassez de grupos orquestrais e camerísticos no Brasil, a
grande maioria dos egressos desta modalidade acaba atuando profissionalmente como
professores de instrumento em escolas de música, porém sem formação pedagógica
específica. Já a licenciatura, na maioria dos casos, tem o papel de preparar professores de
música com perfil para atuar na educação básica. Os cursos de Licenciatura em Música no
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Brasil, portanto, oferecem uma formação que não habilita os seus egressos para o ensino de
instrumento (PENNA, 2007; MATEIRO, 2009). Podemos, assim, concluir que ambas as
modalidades formativas deixam a desejar quanto à formação de professores de música que
possam atuar tanto no contexto geral da educação básica quanto no contexto específico do
ensino de instrumento, ou até em contextos não formais ou informais, que na atualidade
constituem um campo de atuação cada vez mais amplo para o professor de música.
Neste sentido, um terceiro princípio que norteou a implantação do Curso de
Licenciatura em Música no IFPE – campus Belo Jardim foi o de que este curso deveria aliar-
se a algumas instituições que estão inovando no cenário acadêmico nacional com uma
proposta curricular que seja capaz de abranger a formação do educador musical para atuar
tanto na educação básica quanto no ensino específico de instrumento ou em outros campos
emergentes na sociedade, tais como os do setor não formal ou informal.
Para tanto, outra consideração fazia-se necessária. Os cursos de graduação em
música hoje, no Brasil, em sua maioria incorporam um ensino e aprendizagem musical
baseados exclusivamente na música do repertório Ocidental (a chamada música clássica ou
erudita). Acerca de outras possibilidades de modelo, que inclua conteúdos “extra escolares”,
“assimétricos”, “informais”, oriundos da cultura popular de tradição oral, Sandroni comenta:
Parece-me que o emprego destas expressões denuncia antes de mais nada nosso desconhecimento dos modos pelos quais funcionam os variados aprendizados extra escolares. Elas refletem antes nossa ignorância sobre as “formas” e “sistemas” destes aprendizados do que a ausência, ali, de tais atributos. Não existe educação espontânea; ela não apenas transmite cultura, a educação é ela mesma um artefato cultural, e como tal, por definição, algo de elaborado, organizado. Que sua organização seja difícil de ver não nos autoriza a considerá-la inexistente. (SANDRONI, 2000).
Em quarto lugar, portanto, a proposta pedagógica do Curso de Licenciatura em
Música do IFPE – campus Belo Jardim considera que a tradição popular do povo nordestino e
brasileiro tem muito a contribuir para a formação do educador musical e que é fundamental
estabelecer um diálogo entre a tradição oral e a academia. Desta forma, um aspecto
importante desta proposta pedagógica é o seu perfil desenhado a partir da Música Popular.
Em quinto e último lugar, a implantação do curso de Licenciatura em Música no
IFPE – campus Belo Jardim vem somar esforços com toda a área da formação de professores
de música no Brasil diante da demanda criada a partir das mudanças recentes na LDB
(9394/1996). Com o retorno da obrigatoriedade do ensino da música nas escolas da educação
básica, os estabelecimentos de ensino terão três anos a partir da data de publicação da lei para
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se adequarem às exigências impostas legalmente. Diante desta realidade, é urgente licenciar
professores para atender a esta demanda.
Estrutura do curso
O Curso de Licenciatura em Música do IFPE – campus Belo Jardim tem como
objetivo a formação de professores de música, habilitando-os para atuar na educação básica,
em escolas especializadas de música, bem como nos campos instituídos e emergentes no
cenário musical brasileiro atual. Tomando como referência a Resolução CNE/CP Nº 01 de
09/04/2002 (BRASIL, 2002), que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena, bem como outros dispositivos legais, o Curso de Licenciatura em Música do
IFPE – campus Belo Jardim está orientado pelos seguintes princípios:
O ensino visando à aprendizagem do aluno;
O acolhimento e o trato da diversidade;
O exercício de atividades de enriquecimento cultural;
O aprimoramento em práticas investigativas;
A elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos conteúdos curriculares;
O uso de tecnologias da informação, da comunicação, de metodologias e estratégias
materiais de apoio;
O desenvolvimento de hábitos de colaboração e de trabalho em equipe.
A proposta do curso é que a formação do docente seja desenvolvida em torno de eixos
através dos quais se articulam dimensões que precisam ser contempladas na formação
profissional do professor, que sinalizam o tipo de atividades de ensino e aprendizagem e que
materializam o planejamento e a ação dos formadores de professores. Esses eixos estão assim
dispostos:
1. Eixo articulador dos diferentes âmbitos de conhecimento profissional;
2. Eixo articulador da interação e da comunicação, bem como do desenvolvimento da
autonomia profissional e intelectual;
3. Eixo articulador entre disciplinaridade e interdisciplinaridade;
4. Eixo articulador da formação comum com a formação específica;
5. Eixo articulador dos conhecimentos a serem ensinados e dos conhecimentos filosóficos
educacionais e pedagógicos que fundamentam a ação educativa;
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6. Eixo articulador das dimensões teóricas e práticas.
O curso está organizado segundo um padrão adotado por outras licenciaturas do
IFPE. Este padrão se desenvolve a partir de núcleos estruturadores que permitem, por meio de
projetos integradores, promover a autonomia do estudante e a contextualização de diversos
saberes, numa perspectiva que se pretende inter e transdisciplinar. Além disso, propõe uma
abordagem que privilegia a transposição didática dos conteúdos e a transversalidade dos
diferentes campos dos saberes.
O corpo docente, coletivamente, desenvolve projetos integradores para cada período
letivo, os quais serão vivenciados por todos os professores em formação, em cada
componente curricular, culminando, ao final de cada semestre ou período letivo, com a
socialização das reflexões, em estudos de caso e situações-problema vivenciadas ao longo do
período por cada turma e/ou grupo de estudantes.
Núcleos de Formação que Estruturam o Curso
Os componentes curriculares estão organizados em três núcleos que estruturam o
currículo, além da prática profissional, a saber:
1. O Núcleo Comum: composto pelos componentes curriculares Básicos (de saberes
basilares dentro da área de conhecimento musical e que estruturam os fundamentos
necessários à construção dos demais conhecimentos específicos da música) e pelos
componentes curriculares Pedagógicos (de saberes relativos à reflexão e à prática da
profissão docente). Os componentes do Núcleo Comum serão desenvolvidos numa
perspectiva integradora e serão trabalhados ao longo de toda a formação.
2. O Núcleo Específico: onde se concentram os conhecimentos relacionados à formação
específica docente, seja na perspectiva do aprofundamento dos conhecimentos artísticos,
científicos e tecnológicos relativos à habilitação escolhida, seja na perspectiva da
transposição didática dos conteúdos.
3. O Núcleo Complementar: formado a partir das disciplinas complementares para a
habilitação, onde serão vivenciados conteúdos que aprofundarão e enriquecerão a
formação do docente e permitirão, também, direcionamentos para áreas de interesse
particular, através das disciplinas optativas e eletivas.
Os três núcleos que compõem a organização curricular do curso são permeados por
atividades de Prática Profissional (Prática Pedagógica, Estágio Curricular Supervisionado e
atividades acadêmico-científicas e culturais).
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No seu primeiro de semestre de funcionamento (2011.1) o Curso de Licenciatura em
Música do IFPE – campus Belo Jardim conta com um corpo docente de oito professores
efetivos da área de música, o que permite oferecer habilitações nos seguintes instrumentos:
flauta transversal, clarinete, saxofone, trompete, trombone, tuba, violão, guitarra, bateria,
percussão e canto popular. Além disso, o curso conta com a presença de uma pedagoga,
responsável pela estruturação e acompanhamento pedagógico do curso, e com outros docentes
da instituição que têm atuado como professores convidados para componentes curriculares
das áreas de educação, metodologia científica, informática e língua portuguesa. Nos semestres
subsequentes esta prática deverá ser mantida com relação às disciplinas fora do domínio
musical.
Considerações finais
Em permanente diálogo com a realidade social, econômica e cultural da região e
contemplando a diversidade musical do Nordeste e do Brasil, o curso de Licenciatura em
Música do IFPE – campus Belo Jardim apresenta uma proposta de formação docente que se
propõe a preparar profissionais com espírito reflexivo, imaginativo, criativo e com excelência
prática em performance, capacitados para atuar em diferentes contextos, de acordo com as
demandas da contemporaneidade, seja na educação básica, em escolas especializadas de
música, em espaços não formais ou em outros campos instituídos e emergentes onde seja
requerida a presença de um educador musical.
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Referências
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BRASIL. Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação básica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11769.htm. Acesso em: 21 abr. de 2011.
BRASIL. Resolução CNE/CP nº. 1/2002. Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, 2002. Disponível em: http://www.mec.gov.br. Acesso em 16 abr. 2011.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1998.
DENARDI, Christiane. Professores de música: história e perspectivas. Curitiba: Juruá, 2008.
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO. Plano de Desenvolvimento Institucional. Recife, 2009.
MATEIRO, Teresa. Uma análise de projetos pedagógicos de licenciatura em música. Revistada ABEM, Porto Alegre, n. 22, p. 57-66, 2009.
PENNA, Maura. Não basta tocar? Discutindo a formação do educador musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 16, p. 49-56, 2007.
SANDRONI, Carlos. Uma roda de choro concentrada: reflexões sobre o ensino de músicas populares nas escolas. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 9., 2000, Belém. Anais... Belém: ABEM, 2000. p. 19-26.
SILVA, Ivanildo Mangueira; JÚNIOR, Clovis Gomes da Silva; FERREIRA, Ricardo de Oliveira. Relatório de Análise da Demanda para Implantação de Novos Cursos de Graduação pela Autarquia Educacional do Belo Jardim. AUTARQUIA EDUCACIONAL DO BELO JARDIM(AEBJ). FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO BELO JARDIM(FABEJA). Belo Jardim, 2007.
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Música como estratégia de humanização no Hospital Municipal Júlio Alves
de Lira
José Davison da Silva Júnior Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – Campus Belo Jardim
Resumo: Este trabalho apresenta um projeto de pesquisa, cujo objetivo geral é utilizar a música como estratégia para humanização dos pacientes internados no Hospital Municipal Júlio Alves de Lira. A música está inserida em vários contextos e exerce várias funções. A questão do atendimento humanizado tem sido pauta nas priorizações da iniciativa governamental. A prova disso é o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, lançado pelo Ministério da Saúde no ano de 2000, o qual valoriza a dimensão humana e subjetiva, presente em todo ato de assistência a saúde. Nesta proposta de humanização, a música se insere como meio para a melhoria da qualidade de vida do paciente internado no hospital, através do fazer musical, no qual o paciente tem um papel ativo na busca de sua melhoria e alta hospitalar. Baseado no referencial teórico da Musicoterapia sobre os efeitos da música no ser humano, as experiências musicais e a identidade sonora individual, espera-se que os pacientes relatem uma melhoria no internamento hospitalar a partir das atividades musicais vivenciadas.
Palavras-chave: Música, Humanização, Internamento hospitalar.
Introdução e objetivos da pesquisa
A música está inserida em vários contextos e exerce várias funções. Em nossa
caminhada acadêmica e profissional utilizamos, em um primeiro momento, a música no
contexto educacional, com função educativa, com o objetivo de torná-la acessível como forma
de conhecimento, através do estudo de sua teoria e história.
Com o passar do tempo percebemos que a música tem um papel significativo não
apenas na área educacional, mas também na área da saúde, através de efeitos fisiológicos,
psicológicos, intelectuais, sociais e transcendentes. Ou seja, existem interfaces entre Música,
Educação e Saúde. Apesar do objetivo imediato do educador musical de proporcionar ao
aluno a aquisição de conhecimento e habilidades musicais, o objetivo mediato da educação
musical pode ser alcançar um efeito terapêutico, principalmente se a pessoa está em uma
situação de vulnerabilidade.
O profissional na área da saúde busca caminhos para aliviar a dor alheia, melhorar a
qualidade de vida do paciente. Para este profissional, a doença se torna um constante desafio
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que o projeta para novas descobertas no avanço da ciência.
Nesta proposta de humanização, a música se insere como meio para a melhoria da
qualidade de vida do paciente internado no hospital, através do fazer musical, no qual o
paciente tem um papel ativo na busca de sua melhoria e alta hospitalar. As atividades
musicais de cantar, tocar um instrumento e ouvir música podem exercer um papel terapêutico
na melhoria da qualidade de vida do indivíduo.
O objetivo geral da pesquisa é utilizar a música como estratégia para humanização
dos pacientes internados no Hospital Municipal Júlio Alves de Lira.
Os objetivos específicos são: identificar as repercussões da música nas condições
clínicas dos pacientes internados no Hospital Municipal Júlio Alves de Lira; averiguar a
correlação entre níveis de estresse, em consequência do período de internamento, como os
resultados da utilização da música no Hospital Municipal Júlio Alves de Lira e; promover a
interação dos pacientes internados no Hospital Municipal Júlio Alves de Lira com a equipe
multidisciplinar por intermédio da música.
Referencial Teórico
Segundo Poch Blasco (1999), o valor terapêutico da música está no fato de a música
produzir, no ser humano, efeitos biológico, fisiológico, psicológico, intelectual, social e
espiritual. Todavia Costa (1989) conclui que o valor terapêutico da música não está somente
nos efeitos que o som pode provocar sobre o organismo e psiquismo humano, mas sim no
significado que é dado à música por cada ouvinte.
Todres (2006) em um apanhado de trabalhos científicos sobre o uso da música na
medicina observou que a música afeta as necessidades físicas, emocionais, cognitivas e
sociais e indivíduos de todas as idades. Ao fazer referências a alguns artigos, o autor relata
que a música é benéfica para pacientes com dor; alivia a ansiedade pré-operatória nas
crianças; age sobre o sistema nervoso autônomo; reduz os batimentos cardíacos, a pressão
arterial e a dor pós-cirúrgica; diminui a confusão e o delírio em idosos submetidos a cirurgias
eletivas de joelho e quadril; auxilia na redução de distúrbios de humor em pacientes
submetidos a tratamento com altas doses de quimioterapia seguido de transplante autólogo de
células-tronco.
A questão do atendimento humanizado tem sido pauta nas priorizações da iniciativa
governamental. A prova disso é o Programa Nacional de Humanização da Assistência
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Hospitalar, lançado pelo Ministério da Saúde no ano de 2000, o qual valoriza a dimensão
humana e subjetiva, presente em todo ato de assistência a saúde. A proposta de humanização
da assistência à saúde é um valor para a conquista de uma melhor qualidade de atendimento à
saúde do usuário e de melhores condições de trabalho para os profissionais (BRASIL, 2001).
O cuidar humanizado implica a compreensão e a valoração da pessoa humana
enquanto sujeito histórico e social. Para isso, deve-se considerar, acima de tudo, que para
desencadear um processo de humanização no ambiente hospitalar, não são necessários
grandes investimentos ou adaptações no ambiente físico. É primordial que haja sensibilização
com relação à problematização da realidade concreta, a partir da equipe multidisciplinar
(BACKES et al, 2005).
Dentre os objetivos do Programa Nacional de Humanização da Assistência
Hospitalar está à melhoria da qualidade e a eficácia da atenção dispensada aos usuários dos
hospitais públicos no Brasil e conceber e implantar novas iniciativas de humanização nos
hospitais que venham a beneficiar os usuários e os profissionais de saúde (BRASIL, 2001).
Uma proposta de implantar novas iniciativas de humanização na área hospitalar é a utilização
da música.
A música será utilizada através de atividade de ouvir música e/ou cantar e/ou tocar
um instrumento musical. As atividades musicais propostas estão relacionadas aos tipos de
experiências musicais em Musicoterapia apresentados por Bruscia (2000), a saber:
experiências de improvisação, na qual “o cliente faz música tocando ou cantando, criando
uma melodia, um ritmo, uma canção ou peça musical de improviso” (BRUSCIA, 2000, p.
124); experiências re-criativas, na qual “o cliente aprende ou executa música instrumentais ou
vocais ou reproduções de qualquer tipo musical apresentado como modelo” (BRUSCIA,
2000, p.126); experiências de composição, onde “o terapeuta ajuda o cliente a escrever
canções, letras ou peças instrumentais, ou a criar qualquer tipo de produto musical como
vídeos com música ou fitas de vídeo” (BRUSCIA, 2000, p.127); experiências receptivas, na
qual o cliente ouve música e responde à experiência de forma silenciosa, verbalmente ou
através de outra modalidade.
O repertório utilizado com os pacientes internados será escolhido pelos próprios
pacientes. De acordo com Benenzon (1985) existe uma identidade sonora que caracteriza cada
indivíduo, formado pelas experiências musicais vivenciadas durante toda a vida, as quais
compõem a história sonora individual. Conhecer e trabalhar com o repertório que faz parte da
identidade sonora individual torna as atividades musicais mais significativas, pois resgata algo
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familiar ao paciente.
É importante destacar que o trabalho a ser realizado não será Musicoterapia, pois os
pesquisadores envolvidos não são musicoterapeutas de formação, mas será uma proposta que
terá um efeito terapêutico. A esse respeito, Barcellos (1999) comenta que todas as atividades
que utilizam música podem ter efeitos terapêuticos, mas única atividade que tem objetivos
terapêuticos e se constitui em terapia é a Musicoterapia.
Metodologia
Pretende-se realizar uma pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem
qualitativa, tendo em vista a subjetividade que envolve a relação homem música. A pesquisa
qualitativa “propicia a construção de novas abordagens, revisão e criação de novos conceitos
e categorias durante a investigação” (MINAYO, 2006, p.57). Essas aberturas possíveis, no
campo da subjetividade, favorecem a construção de um trabalho que propõe uma interlocução
entre Ciência e Arte.
O presente estudo será realizado com os pacientes internados na clínica médica do
Hospital Municipal Júlio Alves de Lira, localizado em Belo Jardim - PE. O referido hospital
possui a capacidade de vinte leitos. Os pesquisadores serão docentes e discentes do curso de
Licenciatura em Música e Técnico em Enfermagem.
Fará parte da pesquisa cinquenta por cento dos pacientes internados no Hospital
Municipal Júlio Alves de Lira, com faixa etária acima de 18 anos idade, que estejam
conscientes e com condições clínicas e psíquicas para participar do estudo e concordem em
participar da pesquisa através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O principal instrumento de trabalho será a música. As atividades musicais que se
pretende executar são o canto, e/ou audição de músicas e/ou execução de instrumentos. Todas
as atividades serão propostas aos pacientes, os quais executarão dentro de suas possibilidades
físicas e psicológicas.
As preferências musicais serão escolhidas a partir das respostas obtidas após a
realização da primeira entrevista semi-estruturada, que será gravada em MP3. Posteriormente
será aplicada uma segunda entrevista semi-estruturada, gravada em MP3, para identificar o
efeito da música para os pacientes internados.
Para alcançar os objetivos utilizar-se-á de três etapas: primeira, uma entrevista semi-
estruturada para colher informações sobre o estado geral do paciente, sentimentos sobre o
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internamento e suas preferências musicais; segunda, visitas musicais nos leitos dos pacientes,
utilizando atividades musicais como ouvir, e/ou cantar, e/ou tocar, um instrumento musical
conforme preferências especificadas; terceira etapa, nova entrevista para identificar condições
clinicas e emocionais após vivência com a música e como se encontra os seus sentimentos
sobre o internamento.
Os dados obtidos nas entrevistas semi-estruturadas serão analisados a partir da
análise de conteúdo, a qual busca interpretar o material qualitativo. A análise de conteúdo
“visa a ultrapassar o nível do senso comum e do subjetivismo na interpretação e alcançar uma
vigilância crítica ante a comunicação de documentos, textos literários, bibliográficos,
entrevistas ou resultados de observação” (MINAYO, 2006, p. 308).
Considerações Finais
Este trabalho mostrou um resumo do projeto de pesquisa que pretende utilizar a
música no contexto da saúde, para melhoria da qualidade de vida dos pacientes internados.
A partir da análise dos dados coletados e da revisão da literatura, espera-se
identificar e refletir sobre os aspectos teóricos e práticos que contribuem para que a utilização
da música seja um meio eficaz para a humanização do paciente internado.
Este projeto possibilitará ao estudante ou profissional da educação musical conhecer
um novo espaço de atuação profissional, cujo objetivo será, não somente ensinar música, mas
utilizá-la como um meio para melhoria da qualidade de vida, aproximando-se do objeto de
atuação da Musicoterapia, buscando uma formação integral da pessoa. Espera-se,
principalmente, que a música atue com o efeito terapêutico de melhoria do humor do paciente
durante o internamento hospitalar.
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Música e computação: aprendizagem musical no âmbito da informalidade
Manassés Bispo da Silva1
Universidade Federal de [email protected]
Jaziel Vitalino Souza e SilvaUniversidade Federal de Pernambuco
Nelson Cavalcanti de AlmeidaUniversidade Federal de Pernambuco
Resumo: As tecnologias computacionais têm sugerido novas formas de pensar e organizar a educação, e novas facetas da educação à distância têm conquistado crescente espaço no processo educacional. No âmbito da educação formal, as plataformas de EAD têm sido cada vez mais sofisticadas. Entretanto, pesquisas recentes têm investigado a importância dos jogos digitais para a educação musical, estimulando a produção de novos softwares educacionais. Sob a prerrogativa de que a tecnologia está presente no cotidiano das pessoas, principalmente dos mais jovens, a produção destes softwares é projetada, geralmente, para um público específico e busca atendê-lo de forma integrada, ou seja: vários softwares são desenvolvidos para diferentes tecnologias, como os celulares inteligentes, os games, o computador, a web etc. A especificidade de públicos não é excludente, mas os projetos são desenvolvidos em função de características próprias de determinado grupo de pessoas, enquanto a integração de tecnologias possibilita um alcance maior de usuários. A educação musical poderá se valer dessas tecnologias para galgar recursos à educação musical formal, ou estimular o uso de softwares [musico-educacionais] em ambiente extraescolar, no âmbito da informalidade, já que é possível aprender brincando.
Palavras-chave: Softwares, entretenimento, informalidade, aprendizagem musical.
Introdução
A Educação Musical é um fator preponderante na formação do indivíduo. Seu espaço
nos currículos das escolas brasileiras é novamente garantido pela Lei 11.769, de 18 de agosto
de 2008. Esta garantia é uma ferramenta de inclusão cultural e de cidadania. Mas, enquanto o
poder público não providenciava este espaço merecido da Educação Musical na escola
pública, a rede privada de educação incorporou em seu currículo a Educação Musical como
disciplina ou como conteúdo da Parte Diversificada, de que trata o Art. 26 da atual Lei de
1 Parte deste trabalho também é resultado da pesquisa monográfica realizada pelo autor, durante o curso de especialização em Metodologia do Ensino da Música, realizado no Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX), em 2010.
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Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei 9.394/96); além disso, outros grupos
sociais trataram de fazer acontecer a educação musical fora da escola, e nela conseguiram
entrar. Como exemplo, podem ser citadas as organizações não governamentais (ONGs),
associações, igrejas e fundações de assistência social, entre outras. Almeida (2005) trata da
educação musical em três contextos: formal, não formal e informal. No âmbito da educação, a
formalidade remete a um cumprimento obrigatório de determinadas regras e está vinculada
aos parâmetros curriculares da escola. Neste aspecto, entendemos que embora as tecnologias
se valham do não formal e do informal, também se apoiam na formalidade, a exemplo dos
Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), os quais mediam cursos à distância, em vários
níveis de ensino.
A educação não formal se dá num ambiente extraescolar, alude a “demandas novas e
diferentes das que atende ordinariamente o sistema educativo” e “acolhe todos os programas
educativos que estão fora da escola”, enquanto a informalidade educacional, por sua vez, diz
respeito às demais atividades educacionais desenvolvidas sem parâmetros claros, sem uma
organização sequencial, ou sem amparo legal (ALMEIDA, 2005, p. 51). Estes dois últimos
tipos de educação – não formal e informal – são oriundos, portanto, de um espaço
extraescolar. E é este espaço que a tecnologia resgata: tanto o computador, quanto o celular,
os games, e as próprias redes sociais são um veículo que transporta música às pessoas.
Através destes meios, músicas são compartilhadas, são compostas, criticadas ou capazes de
despertar o interesse pelo aprendizado de algum instrumento. A internet, também como
agente de informação, dispõe de vários aplicativos gratuitos que auxiliam a auto didática,
presente principalmente na vida dos mais jovens. Aliás, muitos softwares são constituídos de
atividades didáticas intuitivas e podem despertar a atenção das crianças. Todavia, mesmo que
um software seja projetado para fins de entretenimento, possivelmente dele se extrairá
elementos pedagógicos. Portanto, este trabalho é resultado de pesquisas realizadas pelo Grupo
de Pesquisa em Música Assistida por Computador (GPMAC), da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), e investiga, ainda que de forma preliminar, como se dá o processo de
aprendizado musical mediado por softwares, e sugere uma prática pedagógica musical no
âmbito das tecnologias computacionais.
Entretenimento na educação musical
Ao pensar em entretenimento a primeira ideia que nos surge é a de passatempo:
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jogos, revistas sociais, música (para relaxamento), e demais atividades sem um determinado
grau de responsabilidade, em detrimento da educação formal. Conforme Antunes (2008),
Piaget defendia que a aprendizagem é mais significativa quando o aprendiz é um sujeito ativo
no processo educativo. No caso dos jogos, temos uma analogia com a realidade, uma espécie
de metáfora do mundo real, pois os jogos funcionam como simuladores e promovem um
envolvimento entre o usuário e outros indivíduos ou objetos virtuais. Desde o antigo Egito os
jogos eram utilizados para a simulação de guerra (VILA; SANTANDER, 2003 apud
HAGUENAUER, 2007), mas a pedagogia no século presente, através das tecnologias
computacionais, tem se valido dos jogos como um estímulo para a qualidade de vida e para a
melhoria da educação, através de ações cooperativas. Segundo Guia e França (2005, p. 19),
“as atividades do jogo são meios essenciais para o desenvolvimento da representação mental e
constituem importantes indicadores do desenvolvimento cognitivo da criança”. Também
permitem “ampliar o potencial do uso de imagens, animações e interatividade, além de
resgatar o aspecto lúdico e prazeroso da aprendizagem” (HAGUENAUER, 2007, p. 2).
Os softwares Guitar Hero e Digiband
Para Swanwick (1994 apud NAVEDA, 2006), o uso da tecnologia computacional na
educação musical alarga as possibilidades de se realizar um impacto musical direto. Dentro
dessa perspectiva, poderemos citar, dentre outros, os softwares Guitar Hero, Rock Band e
Digiband, simuladores de instrumentos musicais. O pioneiro Guitar Hero, criado pela
empresa norte-americana Harmonix Music Systems, simula apenas guitarra, enquanto os dois
últimos simulam bateria, guitarra e contrabaixo. A interface destes jogos denuncia que foram
projetados para entretenimento, mas, por abordarem conteúdos musicais (com ênfase no
rock), as atividades do jogo facultam a construção de melodias e a percepção rítmica,
provocando no usuário sensação e experiência do fazer musical, num ambiente virtual.
Ambos os softwares permitem até três jogadores, fomentando o conceito de interação, como
mostram as figuras 1 e 2, na página seguinte.
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FIGURA 1 – Tela do Guitar Hero para três jogadores
FIGURA 2 – Criança Jogando Guitar Hero
Como apregoa Dewey (1976), a eficácia do processo educativo deve ter como
premissa a experiência. É o aprendiz como sujeito ativo no processo. Uma vez que vários
softwares de entretenimento trabalham o aspecto rítmico, os professores de música podem
extrair dos jogos digitais princípios pedagógicos e estimular os alunos a utilizarem softwares
musicais específicos para determinada disciplina. Esta proposição instiga maior conhecimento
das tecnologias e suas possibilidades didáticas, por parte de professores. Entretanto, este não é
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o foco de discussão.
Outro conceito presente em jogos é o de imersão, entendido como um mecanismo
cognitivo que transporta o indivíduo a ambientes não reais (RYAN, 2001). Embora esteja
fisicamente em frente ao computador, o usuário passa a se ver noutro lugar, como simula o
jogo (KUTOVA, 2007). Em seu blog2, Kutova comenta que
os usuários de jogos digitais entendem imersão como um grau de envolvimento com o jogo. Esse envolvimento cresce com o tempo e é controlado por barreiras. Só é possível mudar de um nível de envolvimento para outro através da remoção de barreiras. Porém, a remoção de barreiras, seja através da ação consciente do usuário, seja através da construção dojogo, permite o aumento do envolvimento, mas não o garante.
Educação musical à distância
Segundo Moran (2010), a Educação à Distância (EAD) tem atendido, num contexto
formal, a indivíduos com oportunidades fragilizadas, geralmente por fatores econômicos. Essa
demanda submetida ao tecnicismo dos anos 40, pode ser uma das causas do preconceito
sofrido pela EAD no Brasil, aponta Moran, embora a internet venha expandindo esta
modalidade, e tenha migrado do modelo por correspondência para o modelo digital. O autor
define Educação à Distância como
o processo de ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, no qual professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente. Apesar de não estarem juntos, de maneira presencial, eles podem estar conectados, interligados por tecnologias, principalmente as telemáticas, como a Internet. Mas também podem ser utilizados o correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o CD-ROM, o telefone, o fax e tecnologias semelhantes (MORAN, 2010,n.p.).
Apoiada pelas novas tecnologias, a educação musical à distância pode ser concebida
por duas óticas: a formal e a informal. A primeira, contemplada pelo art. 80 da LDBEN (Lei
9394/96), refere-se à EAD propriamente dita. A segunda pode ser caracterizada pelo uso de
softwares educativos. Neste caso, os desenvolvedores se relacionam com os aprendizes
através de uma interface gráfica de software. Muitas empresas, a exemplo da D’Accord Music
Software, planejam atividades musicais didáticas que possam ser desenvolvidas tanto
individualmente quanto coletivamente. Individualmente, quando um usuário instala o
2 Disponível em: <http://blog.kutova.com/2007/11/08/preferencias-individuais-versus-interesses-do-grupo/>. Acesso em: 05 jun. 2008.
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software em seu próprio computador ou iPhone. Já o uso coletivo dos softwares pode ocorrer
nos laboratórios das escolas, com a presença de um professor. No âmbito do uso coletivo
destes softwares, a formalidade pode prevalecer3, mas o informal acaba conquistando espaços
mediados pelo estímulo do professor e o interesse dos alunos, visto que o processo ensino-
aprendizagem transcende o ambiente escolar. Se o professor conquista o interesse do aluno
em relação a um software de entretenimento, certamente o aluno tenderá a utilizar este
software em ambiente extraescolar, sem obrigações de horários, e aprenderá com prazer. Vale
ressaltar que os jogos já fazem parte do cotidiano de muitos alunos; por isso, o professor de
música deve se atualizar quanto ao uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs)
em sala de aula, para conduzir bem as atividades.
Incontestavelmente, a música nunca esteve ausente das pessoas. A atmosfera está
repleta de eventos sonoros. São sons que vão se organizando de forma não convencional.
Entretanto, as realidades das novas formas de pensar, de organizar sugerem um processo
educativo informal quando uma criança instala um software instrucional de bateria em seu
micro, por exemplo, e vira um ‘músico’ virtual, adentra num universo digital e abstrai a
linguagem musical, constrói seu sotaque. Toca seu instrumento virtual aleatoriamente, e se
realiza. Essa realização é o elo que satisfaz dois extremos: o primeiro se refere aos
idealizadores ou construtores dos softwares didáticos; o segundo diz respeito ao usuário,
ávido de novidades tecnológicas e lazer virtual. Muitas vezes o usuário não é consciente da
construção do processo nem do processo em si, mas o prazer que sente ao interagir com o
computador é o que lhe interessa. Não defendemos que o professor deve ser substituído pelo
computador, mas este deve ser reconhecido como uma ferramenta importante em qualquer
processo educativo, inclusive no âmbito musical. Vários autores, como Fritsch (2003), Gamez
(1998) e Valente (2001) também defendem que os computadores não podem e não devem
substituir o educador musical, embora muitos professores manifestem abstinência à adoção
dessas tecnologias.
Uma vez que a interação do usuário com o computador, via software educativo
musical pode constituir um processo educativo num âmbito informal, é salutar converter este
processo para a formalidade ou para a não-formalidade. Como citado acima, a formalidade a
que nos referimos não tange ao modelo tradicional de ensino, inserido no paradigma
3 A formalidade pode prevalecer quando as atividades via software forem inseridas no cronograma de uma disciplina. Por exemplo, a ementa da disciplina de Percepção Rítmica prever aulas práticas no laboratório de informática da escola, utilizando um software específico.
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instrucionista, mas ao compromisso legal conferido à escola. Em se tratando da não
formalidade, salientamos que as organizações sociais tem-se constituído como um espaço de
atuação profissional para o professor de música, conforme Almeida (2005), e podem explorar
os conteúdos musicais fazendo uso das tecnologias que estejam ao alcance do público alvo.
Para ilustrar a relevância da educação musical à distância, no âmbito da
informalidade, transcrevemos uma tag do portal da D’ accord Music Software, referente ao
Bateria Player:
O Bateria Player é a solução ideal para as pessoas que sempre quiseram aprender a tocar bateria, mas não têm tempo. Ele é um professor virtual que ensina a tocar bateria de forma fácil de divertida, através de uma bateria virtual que interage com o aluno. Você pode aprender em casa, fazendo seu próprio horário e utilizando seu computador4.
Outros jogos digitais aplicados à música, a exemplo do Music Memory e do
Synthesia (disponíveis no portal baixaki.com), podem auxiliar o processo educativo musical,
concernente à performance instrumental. Enfim, o uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação – TIC pode enriquecer o ambiente de aprendizagem musical, onde os
indivíduos nele inseridos interajam entre si, construindo conhecimento.
A plataforma dos celulares
A web nos traz a oportunidade de romper as barreiras geográficas e temporais.
Através de seu uso, pode-se compartilhar uma mesma atividade, seja cooperativa ou
competitiva, fazer reuniões virtuais síncronas ou assíncronas, jogar simultaneamente, etc.
Uma coleta de sons de um determinado ambiente pode ser realizada a partir de um celular, por
exemplo. Já que estes aparelhos tem capacidade de gravar sons, outra possibilidade de seu uso
didático é a abordagem da questão da afinação ou entonação vocal: mesmo que a qualidade da
gravação não seja a mais desejável, o indivíduo pode gravar e reproduzir sua voz, para
análise, ou pode ainda cantar com um playback pré-gravado no celular.
À medida que o celular é reconhecido como uma espécie de microcomputador – pois
segundo Bozzetto (2008), o aparelho que invadiu o mercado para ser apenas um telefone
móvel, concentra várias possibilidades, tais como: “formas de compor, escutar, gravar,
procurar músicas”, e identificar chamadas através de toques personalizados – podemos
4 Disponível em: < http://www.daccord.com.br/produto.php?idProduto=17>. Acesso em: 5 abr. 2011.
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considera-lo um recurso importante para o ensino da música, visto que a apreciação e a
composição musical podem ser facultadas através da partilha de músicas ou captura de sons.
Entretanto, torna-se necessária uma reflexão sobre práticas pedagógicas musicais que
contemplem a utilização destes recursos, pois promovem interação, engajamento e
participatividade.
Softwares didáticos
No âmbito da informalidade também se encontram os softwares desenvolvidos para a
educação musical. Categorizamos pelo menos 41 softwares disponíveis no portal baixaki.com,
de acordo com a função principal à qual se destinam: ensino da composição, da teoria
musical, percepção musical, além de outros programas dedicados ao ensino de instrumentos
(40% do total pesquisado). Chamamos a atenção para o LenMus Phonascus, uma espécie de
professor virtual polivalente, que trabalha a teoria da música e a percepção musical e possui
um editor de partituras, com uma interface amigável. Seus cadernos de teoria, exercícios e
edição de partituras são integrados, permitindo o usuário fazer consultas ao conteúdo teórico,
enquanto faz um exercício de percepção (rítmica, melódica, harmônica ou cadencial). As
ferramentas do LenMus, inclusive as de edição, podem estimular o aprendiz a compor. Para
Keith Swanwick (2003), a composição permite que o indivíduo rompa com seu casulo e se
[re]descubra no mundo. É a expressão do “eu”, o espírito cri-ativo do aprendiz. Embora o
LenMus não seja configurado para o português, o professor poderá utiliza-lo em sala de aula
ou estimular seu uso individual, já que o programa é intuitivo.
Quanto ao uso individual de softwares musico-educativos, é importante que suas
interfaces valorizem a autoaprendizagem e sejam projetadas em parceria de pesquisadores da
área de música com pesquisadores da área de computação (KRÜGER, 2000), pois o grau de
satisfação do usuário será compatível com o grau de interação oferecido pelo programa.
Quanto mais satisfeito, mais o usuário imergirá, envolver-se-á com a máquina.
Considerações finais
A tecnologia, enquanto ferramenta pedagógica, enquanto meio e não um fim da
educação, é responsável por tornar o ensino e a aprendizagem mais prazerosos. A maioria
dos softwares que estão sendo analisados pelo GPMAC/UFPE permite interação do aprendiz
com a máquina e têm um viés construtivista. Além disso, aludem ao Behaviorismo de
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Skinner, definido pela díade resposta-estímulo, visto que ao fazer os exercícios propostos pelo
programa, o aluno é recompensado positivamente ou negativamente, através de pontuação.
Pamboukian, Grinkraut e Primerano (2008) reúnem uma série de diretrizes para o
desenvolvimento e avaliação de softwares, e Swanwick (2003) sugere que a música seja
ensinada musicalmente, de forma integrada, tendo o aprendiz como sujeito ativo no processo
de ensino-aprendizagem. As observações destes autores fomentam uma produção de
softwares musicais eficazes para o ensino da música, dentro ou fora da escola (portanto em
ambientes formal e informal, respectivamente).
Quanto aos jogos de entretenimento, é possível deles extrair conteúdos pedagógicos
para o ensino da música, pois os alunos já utilizam esses jogos em seus computadores.
Observadas as possibilidades educacionais conferidas pelas tecnologias computacionais, os
professores de música poderão programar atividades que contemplem esta realidade.
Entretanto, vale ressaltar que a ambiência informal facultada pelos softwares parece provocar
mais prazer no usuário; então, a educação musical poderá se servir dessa informalidade,
inclusive para atingir quem eventualmente não tivera oportunidade de ir a uma escola de
música. Ou seja, através das tecnologias computacionais, a educação musical poderá
massificar sua clientela, sem abrir mão do fator qualidade, e também poderá utilizar os jogos
educacionais e de entretenimento como recursos auxiliares para o ensino da música.
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Música, uma questão de atitude: um trabalho de musicalização utilizando
os festivais de música popular brasileira como fio condutor do aprendizado
Luan Sodré de Souza Universidade Federal da Bahia
Resumo: Este trabalho trata-se de uma reflexão sobre o ensino de música na escola regular, baseado em um relato de experiência com alunos do 2º e 3º ano do ensino fundamental. Este projeto teve como foco usar os festivais de música popular brasileira e os artistas que participaram do mesmo como fio condutor do trabalho de educação musical. O projeto foi realizado durante o ano letivo de 2010 em uma escola da rede de ensino privado de Salvador, com o objetivo de levar ao educando, através da educação musical, a reflexão sobre a música e o meio em que ele vive.
Palavras Chave: Educação musical, escola regular, interdisciplinaridade artística.
A música na escola
Quando se começa um trabalho com música dentro do currículo escolar, uma grande
dificuldade é selecionar o material. Pensar no repertório, selecionar os conteúdos, buscar a
metodologia que se enquadra melhor ao contexto, todas essas são ações que estão diretamente
ligadas ao início de todo trabalho com educação musical.
Desenvolver essas ações nem sempre é tão fácil, pois depende da linha pedagógica
que a escola segue, do projeto político pedagógico da instituição, do projeto unificado da
escola, se houver, dentre outras implicações. Para começar a avançar a respeito dessa
problemática o educador tem que estar muito seguro do seu papel naquela instituição, o papel
da sua disciplina, e qual seria a contribuição dele para a formação daquelas crianças. O espaço
da música na escola é um espaço para a criança vivenciar um processo de musicalização. E o
que é musicalizar? Segundo Maura Penna:
(...) musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para que o indivíduo possa ser sensível a música, apreendê-la, recebendo o material sonoro/musical como significativo. Pois nada é significativo no vazio, mas apenas quando relacionado e articulado ao quadro das experiências acumuladas, quando compatível com os esquemas de percepção desenvolvidos (Penna, 2010, p. 33).
Pensando dessa forma podemos destacar palavras importantes deste texto, a palavra
“sensível” que nos remete a sensibilidade musical, muito ligado a percepção musical. Outra
expressão importante é “experiências acumuladas”. Experiência, segundo o Aurélio é:
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Experiência. [Do lat. experientia, do v. experiri, 'experimentar'] S. F. 1. Ato ou efeito de experimentar (-se); experimento, experimentação. 2. prática da vida: É homem vivido, cheio de experiência. 3. Habilidade, perícia, prática adquiridas com o exercício constante duma profissão, duma arte ou ofício: É um professor com experiência, tem 20 anos de magistério. 4. Prova, demonstração, tentativa, ensaio: experiência química. 5. Filos. Experimentação (2). 6. Filos. Conhecimento que nos é transmitido pelos sentidos. 7. Filos. Conjunto de conhecimentos individuais ou específicos que constituem aquisições vantajosas acumuladas historicamente pela humanidade (FERREIRA, 1999).
Segundo Forquin (1982, apud PENNA, 2010, p. 63) não podemos esquecer que:
A apreensão da obra de arte não é nunca imediata; ela supõe uma informação, uma familiarização, uma freqüentação, únicos elementos capazes de propiciar ao indivíduo esses esquemas, esses sistemas de referencia, esse programa de percepção equipada, mais apta a criar no indivíduo o amor pela arte do que as efêmeras e ilusórias paixões à primeira vista (FORQUIN, 1982, apud PENNA, 2010, p. 63)
É notável que a maior parte das definições citadas fazem uma ligação da experiência
com a prática, palavras como familiarização, frequentação, sistemas de referência,
experimentar e habilidades dá um tom de conhecimento prático ao nosso diálogo. Nesse caso
podemos pensar a música na escola a partir da seguinte expressão: sensibilidade musical
adquirida através de experiências acumuladas com a prática. Como acumular essas
experiências? A aula de música na escola é um lugar para a criança fazer música, tocar
instrumentos, cantar, refletir, criar, experimentar, enfim, vivenciar. Todas essas são
experiências significativas que serão acumuladas e utilizadas no desenvolvimento da sua
sensibilidade musical. Esse fazer musical pode e deve ser organizado de forma que o
educando possa conhecer os conceitos musicais, mas de forma integrada a sua prática.
Isso não quer dizer que o ensino de música irá preocupar-se apenas com uma
execução desligada do contexto que aquela música pertence. Fernandes (2004), faz uma
citação de uma metodologia chamada proposta triangular onde o fazer artístico articula-se
com a contextualização histórica e a apreciação da obra de arte. Os PCN`s baseiam- se nessa
ideia, a proposta triangular estar muito presente nas artes plásticas, porém é aplicável em
qualquer área das artes. “A “proposta triangular” está centrada em três diretrizes, através das
quais o conhecimento em arte é adquirido com inter-relacionamento entre fazer, apreciar e
contextualizar historicamente a arte” (FERNANDES, 2004, p.77).
A abordagem TECLA, que está baseada em técnica, execução, composição, literatura
e apreciação traz um processo de musicalização preocupado tanto com o fazer musical
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(técnica, execução, composição), quanto com a contextualização do fazer (literatura,
apreciação). As duas abordagens não são de forma alguma opostas, eu diria que o modelo
TECLA seria uma forma minuciosa de ver a Proposta triangular.
(...) o objetivo específico da educação musical consiste em colocar o homem em contato com seu ambiente musical e sonoro, descobrir e ampliar os meios de expressão musical, em suma, “musicalizá-lo” de uma forma mais ampla (...). (Gainza, 1977, apud PENNA, 2010, p.48)
Não podemos esquecer que a aula é de música. A Lei 11.769/2008 fala da
obrigatoriedade do ensino de música nas escolas, é importante refletir as práticas de educação
musical que tem sido levadas para esse espaço. A partir dessa reflexão apresento um relato de
experiência com alunos do 2º e 3º anos do ensino fundamental, um trabalho de música que
utilizou o teatro e a dança como ferramenta interdisciplinar para o trabalho de musicalização.
Projeto Unificado e Subprojeto de música
Os festivais de música representaram em uma época da nossa história um modo de
falar, gritar e protestar contra o sistema em que vivíamos. Dentre esses festivais destaco o III
Festival de Música Brasileira, em 1967, onde tivemos canções como “Domingo no parque” de
Gilberto Gil e “Alegria, alegria” de Caetano Veloso, canções importantíssimas na história da
música popular brasileira, suas letras são carregadas de protesto e denúncias contra o sistema
da época. A música era e é um meio bastante eficaz de transmitir pensamentos e protestos
camuflados em metáforas que se delineavam em lindas melodias. Muitos artistas tiveram a
atitude de dizer o que pensava através de suas músicas e ir até os palcos de festivais tocá-las,
correndo risco de serem presos e até mortos.
No ano de 2010, impulsionado pelo FEMEG (Festival de Música da Escola
Girassol), evento que mobilizou toda a escola. Foi realizado um trabalho de iniciação musical
utilizando os festivais de música popular brasileira como fio condutor do aprendizado,
trabalhando no repertório canções de artistas que participaram desses festivais a exemplo de:
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Elis Regina, Vinícius de Moraes e ainda
artistas que não participaram concorrendo, mas, que estavam envolvidos no processo a
exemplo de Wilson Simonal. O projeto unificado da Escola Girassol no ano de 2010 foi “A
bola da vez é a atitude”, essa foi uma oportunidade importante de mostrar que podemos
expressar atitude através das artes, e nesse caso, mais precisamente através da música.
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Caracterização da turma
Esse trabalho foi feito na escola Girassol, uma escola particular de Salvador-BA que
procura seguir a linha construtivista. O projeto foi formado por alunos dos 2º e 3º ano do
ensino fundamental, com faixa etária entre 7 e 8 anos de idade. O trabalho foi desenvolvido
dentro da disciplina “música e movimento”. No turno matutino foram 3 turmas do 2º ano e 3
turmas do 3º ano, um total de 6 turmas, no vespertino, 1 turma do 2º ano e 1 turma do 3º ano,
totalizando 2 turmas.
Os alunos dos dois turnos fizeram o mesmo trabalho, porém, separados. Esses alunos
já tiveram um contato com a disciplina música nas séries anteriores. As aulas aconteceram
uma vez por semana com duração de 50 minutos, as turmas tinham uma média de 25 alunos.
Metodologia
Estrutura das aulas
As aulas foram divididas basicamente em quatro momentos: começavam com uma
roda rápida, um momento para conversar com os alunos, para eles trazerem as novidades para
roda, além de um momento para introduzir a aula, dizer o que eles iriam fazer naquele dia. O
segundo momento da aula era alguma atividade de integração, para o grupo ficar mais a
vontade para os trabalhos posteriores.
O terceiro momento da aula era o conteúdo musical do dia, que poderia estar ou não
fundido com o quarto momento que seria o do repertório. No conteúdo musical, trabalhamos
com Pulsação e Ritmo, onde fizemos muitas atividades de locomoção, de tocar junto com o
Cd e atividades de dividir o tempo usando as partes do corpo. Em seguida trabalhamos as
Propriedades do Som (altura, intensidade, duração e timbre), no inicio da primeira unidade
usei cartelas de duração e intensidade, fizemos atividades com o corpo trabalhando as alturas
e ouvimos instrumentos diferentes. Usei esse primeiro momento para conceituar cada
conteúdo. Na segunda e terceira unidade já não fazíamos essas atividades, trabalhávamos os
conteúdos através da execução das músicas. Os alunos executaram arranjos musicais
utilizando metalofone, baldes, pandeiros, caxixis, pau de chuva e triângulos. Os arranjos
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foram criados com eles durante as aulas, bem como as coreografias de algumas músicas.
O projeto
Nesse projeto em que trabalhei como organizador e professor, utilizei a montagem de
um musical como recurso para educação musical. Utilizamos a dança e o teatro como
ferramenta complementar do trabalho de música, sendo que os alunos foram avaliados
musicalmente.
A construção de um musical revela-se como um interessante recurso no ensino da Arte, na medida em que traz diversas possibilidades de expressão, englobando ao mesmo tempo o canto, a dança e a interpretação musical. A música trabalha o físico (audição, coordenação motora), o intelecto (memória, criatividade, prontidão, concentração) e os sentimentos. A dança lida com a consciência do corpo e do espaço ao redor, e o teatro estimula aauto-confiança e diminui a timidez (RAMOS, 2010, p.1).
A ideia era que os alunos montassem um festival de música, com as músicas
trabalhadas na sala. Cada turma representou um artista estudado. Nessa apresentação além da
parte musical, os alunos fizeram papéis de apresentadores, antes de cada apresentação eles
falavam um pouco do artista. Em algumas músicas tinham coreografias criadas por eles onde
eu fiz apenas o papel de organizar as ideias dos alunos. O musical é uma forma muito eficaz
de trabalhar aspectos tanto musicais como extra musicais.
Os aspectos sociais por onde os alunos apresentam uma sensível melhora da convivência em grupo, da confiança mútua e da solidariedade; os aspectos psicológicos por onde, na grande maioria das pessoas, ocorre a superação dos bloqueios e da timidez, o desenvolvimento da autoconfiança e a construção da auto-estima; os aspectos cognitivos, onde são desenvolvidos, além de conhecimentos gerais, as habilidades de memorização, imaginação e de criação; os aspectos do desenvolvimento musical, onde se percebe um evidente crescimento da sensibilidade rítmica, melódica e harmônica, através da execução vocal, instrumental e da vivência corporal; e por fim os aspectos do desenvolvimento artístico, revelando que os alunos desenvolvem a expressividade de um modo geral com o exercício de corpo, de execução vocal, de interpretação teatral e enfim da experiência artística e estética(DIAS; SANTA ROSA, 2007, p. 6).
Esse trabalho teve basicamente três etapas: na primeira: foram selecionados alguns
artistas que foram importantes para a história dos festivais de música no país. E que
trouxessem contribuições importantes para o nosso tema ATITUDE. Nesse momento
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ouvimos gravações originais, conhecemos os artistas, o contexto e a história de cada um
deles, além de trabalhar alguns temas transversais como as drogas, o meio ambiente e a
sociedade. Os alunos fizeram pesquisas sobre os artistas, na sala discutíamos as informações
encontradas. Essas pesquisas depois serviram de material de consulta para os alunos criarem o
texto dos apresentadores.
A segunda etapa foi a de criação dos arranjos e coreografias, todas as turmas
aprenderam todas as músicas, bem como todas as coreografias. Nesse momento colocávamos
em pratica os conteúdos trabalhados na primeira unidade, pulsação e ritmo e propriedades do
som. Na terceira etapa as músicas foram dividas entre as turmas, a partir desse momento, os
trabalhos foram específicos em cada grupo. Começamos a preparar o roteiro da apresentação,
usamos as pesquisas que foram feitas no início do projeto como material de consulta para
criar cada texto, isso foi feito por todos os alunos em grupos, eu fiz o papel de amarrar os
textos e separar em falas. Os apresentadores foram os que tinham interesse em exercer esse
papel.
Considerações finais
Os alunos mostraram-se muito estimulados ao final dos trabalhos, foram feitas
apresentações no teatro da escola para os pais. Nas apresentações era notável um misto de
nervosismo com responsabilidade, o apoio de um colega a outro, as últimas passadas de texto,
a tensão inicial, o cuidado no palco, e a alegria do final. Alguns pais relataram que seus filhos
ficavam em casa pesquisando sobre artistas que foram contemporâneos deles, esses pais
aproveitaram para mostrar Cd`s, ouvir com os filhos e contar histórias da adolescência.
Muitos alunos levaram Cd`s que tinham em casa ou que a avó emprestou, foi muito
bom ver que o trabalho de música tinha saído da sala de aula e expandido até as suas casas. A
aula de música foi além dos instrumentos da sala ou da fala do professor, nesse momento a
aula conseguiu atingir o mundo daquelas crianças e ampliá-lo, sendo esse o principal objetivo
do curso.
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Referências
RAMOS, João Mauricio Santana; Coro performático de adolescentes do Colégio Salesiano do Salvador: a construção de um musical como recurso para a educação musical. In: IX ENCONTRO REGIONAL DA ABEM NORDESTE. 2010, Natal. Rio Grande do Norte. Anais... Natal: ABEM, 2010.
PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre. Editora Sulina. 2ª edição revista e ampliada. 2010
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Aurélio Século XXI : o dicionário da língua portuguesa; 3º ed. Totalmente revista e ampliada. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
FERNANDES, José Nunes. Normatização, estrutura e organização do ensino da música nas escolas de educação básica do Brasil: LDBEN/96, PCN e currículos oficiais em questão.Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 10, 75-87, mar. 2004.
DIAS, Leila Miralva Martins; SANTA ROSA, Amélia Martins Dias. Companhia Artística Viver Bahia: identificando os elementos educacionais na prática de musicais. In: ANPPOM:Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música. Congresso da ANPPOM, XVII, 2007, São Paulo.
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Música no hospital: Educação musical ou musicoterapia?
Rosângela Silva do Carmo Universidade Federal da Bahia
Luiz César Marques Magalhães Universidade Federal da Bahia
Resumo: Este artigo tem o objetivo de discutir conceitos e ações específicas tanto da educação musical aplicada em ambiente hospitalar quanto da musicoterapia, apresentando diferenças e aproximações entre ambas. Após contextualizar a escola hospitalar, serão trazidas algumas definições de musicoterapia e de educação musical bem como atividades realizadas pelo professor de música em ambiente hospitalar acompanhadas dos fundamentos que embasam tal prática, o mesmo sendo feito com procedimentos realizados em sessões musicoterápicas, apontando os principais teóricos que fundamentam esses procedimentos. A fundamentação teórica estará baseada, entre outros, na pedagoga Ferreira, nos musicoterapeutas Bruscia e Barcelos; embasando a educação musical, Dalcroze, Alencar e Arroyo e, a partir de conceitos da educação musical e da musicoterapia, discute-se uma experiência de um professor de música na escola hospitalar, elucidando alguns objetivos da educação musical nesta modalidade de ensino. A conclusão sugere uma reflexão sobre a importância de delimitar o campo de atuação do educador musical em escolas hospitalares ainda que em alguns momentos determinadas atividades musicais resultem em respostas terapêuticas.
Palavras-chave: Educação musical, musicoterapia, hospital.
Introdução
Nos últimos 60 anos um fato no Brasil tem chamado a atenção de profissionais da
educação e da saúde: a inserção de crianças e adolescentes na escola hospitalar (BRASIL, Lei
Nº 1126). Quando em situação adversa de saúde, esta clientela necessita internar-se para
realizar tratamentos diversos, há uma interrupção dos estudos uma vez que ficam afastados da
escola. Considerando o direito à educação básica (Lei 9394/96) e a obrigatoriedade do ensino
de música na escola regular (BRASIL, Lei 11.769), crianças e adolescentes hospitalizados
(Resolução 41/95) tem o direito de iniciar e/ou continuar seus estudos mesmo estando no
hospital (FONSECA, 2003).
Observa-se que crianças e adolescentes ao se internarem para realização de
tratamento de saúde, interrompem vínculos importantes, como família, escola, amigos,
objetos pessoais. Também passam a morar no hospital, local que, por suas próprias
especificidades e demandas, tem aparência fria e distante. Além disso, enquanto pacientes,
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elas passam a ter contato com pessoas estranhas que, utilizando ferramentas desconhecidas,
lhe aplicam medicamentos às vezes dolorosos, provocando-lhes medo, ansiedade, insegurança
(GONÇALVES, 2001).
É neste contexto que se insere a escola hospitalar, apresentando propostas
pedagógicas que incorporam aprendizagem e ludicidade, possibilitando assim momentos de
alegria em meio às dores advindas do processo de adoecimento. Também é neste contexto que
a Educação Musical pode ter um papel fundamental, restaurando ao doente o papel de sujeito.
Além disso, proporciona aprendizagem significativa, experiência estética, e prazer artístico
(BRITO, 2003).
A impessoalidade do hospital, refletida no branco dos jalecos, na decoração fria das
paredes e pisos, é subvertida nas atividades musicais criativas. Absorta no fazer da música, a
criança consegue desviar o foco de sua atenção da doença para algo prazeroso, para o fluir da
vida. Este processo pode, em alguns momentos, suscitar emoções e sentimentos, e como
resultado acalmar, diminuir a ansiedade, ou mesmo funcionar de forma terapêutica, ainda que
este não seja o objetivo do professor de música que atua em ambiente hospitalar. Assim,
considerando este elemento imanente da música que proporciona resultados emocionais,
justifica-se a pergunta que traz o título: Música no hospital: Educação Musical ou
Musicoterapia? Efetivamente esta é uma pergunta retórica, certamente o mais importante é
tentar delimitar o universo de objetivos da educação musical e da musicoterapia, no sentido
de proporcionar clareza na identificação dos conceitos, e da atuação do professor de música
neste ambiente.
Conceitos de Musicoterapia e Educação Musical
Não são recentes e também não são poucos os esforços empregados pelos
profissionais da musicoterapia no sentido de definir conceitos, estabelecer objetivos e
delimitar espaço de atuação dentro do universo científico enquanto área da saúde. Segundo a
NAMT1, musicoterapia é “a utilização da música para alcançar objetivos terapêuticos:
recuperação, manutenção e melhoria da saúde física e mental” (BRUSCIA, 2000, p.7).
Postulando uma definição de trabalho, Bruscia afirma que “Musicoterapia é um processo
sistemático de intervenção em que o terapeuta ajuda o cliente a promover a saúde utilizando
1 National Association for Music Therapy
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experiências musicais e as relações que se desenvolvem através delas como forças dinâmicas
de mudança” (2000, p.22).
Segundo a Federação Mundial de Musicoterapia,
Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia), por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, em um processo destinado a facilitar e promover comunicação, relacionamento, aprendizado, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às necessidades físicas, mentais, sociais e cognitivas” (UBAM2).
Esta é a definição mais utilizada entre os musicoterapeutas. Talvez as principais
virtudes desta definição sejam a abrangência, a limitação da prática a profissionais
capacitados e a concepção da musicoterapia não como uma prática rígida e cristalizada, mas,
como processo “destinado a facilitar e promover comunicação, relacionamento, aprendizado,
mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos”.
Segundo as definições encontradas na literatura, a função da musicoterapia é clara e
difere consideravelmente da educação musical. Como vimos, uma está centrada no processo
terapêutico e em “atender às necessidades físicas, mentais, sociais e cognitivas” enquanto a
outra está centrada na transmissão de conhecimentos e na formação do aprendiz. Segundo
Dalcroze, a educação musical
[...] deve, e será um campo particular da música, e será na vida efetiva, ocupando-se dos ritmos do ser humano, fomentando nas crianças a liberdade dos seus atos musculares e nervosos, ajudando a triunfar sobre as resistências e inibições, harmonizando suas funções corporais com as do pensamento (DALCROZE, 1935, s.p.).
Ao tratar da educação musical na contemporaneidade, Margarete Arroyo sugere
algumas definições dizendo que cabe à educação musical a
[...] introdução ao estudo formal da música e todo o processo acadêmico que o segue, incluindo a graduação e pós-graduação”. “[...] o ensino e aprendizagem instrumental e outros focos”; “[...] o ensino e aprendizagem informal de música. Desse modo, o termo abrange todas as situações que envolvam ensino e/ou aprendizagem em música, seja no âmbito dos sistemas escolares e acadêmicos, seja fora deles” (2002).
Dessa forma, considerando a definição de educação musical acima mencionada, a
aula de música realizada em ambiente hospitalar, tem como objetivo proporcionar ensino e
2 União Brasileira das Associações de Musicoterapia.
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aprendizagem musical a crianças e adolescentes em situação de internamento para tratamento
de saúde, contemplando, assim, o item 9 da resolução 41/953 da Declaração dos Direitos da
Criança e do Adolescente hospitalizados. Apesar de ser um novo campo de atuação para o
professor de música, estas práticas tem fundamentação legal na Lei 11.769, que trata da
obrigatoriedade do ensino de música na escola regular, podendo, dessa forma, acontecer em
diversos espaços, no caso específico em ambiente hospitalar. Assim sendo, considerando o
exposto pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, a aula em
ambiente hospitalar faz parte de uma modalidade educacional (BRASIL, 2001 p. 27-28),
funcionando de forma pedagógica e englobando também o ensino de música. Assim, para
elucidar algumas particularidades desta prática, será apresentada uma experiência trazendo
aspectos presentes em uma aula de música em um hospital.
Uma experiência do ensino de música em escola hospitalar
Aos seis anos de idade, João4, paciente da Unidade de Tratamento Intensivo de um
hospital em Salvador, foi acometido por uma doença degenerativa cujo efeito deletério foi a
estagnação do desenvolvimento de todo o seu corpo, causando atrofia dos membros inferiores
e superiores; porém, o crescimento da cabeça foi mantido e as funções cerebrais, preservadas.
Como conseqüência, além da perda dos movimentos, a atrofia comprometeu os aparelhos
respiratório e fonador, levando-o a respirar com a ajuda de aparelhos e falar com dificuldade e
pouco volume.
No primeiro encontro com o aluno-paciente, a professora de música encontrou um
rosto adolescente no corpo de uma criança que, apesar da doença, encontrava motivos e
disposição para sorrir e estudar. Ao saber que teria aulas de música, João ficou muito animado
e recebeu a professora com um enorme sorriso; talvez pelo fato de gostar muito de música,
segundo informou sua mãe. Neste primeiro encontro, João encontrava-se deitado no leito5 e
coberto até o pescoço, deixando à vista o aparelho que o ajudava a respirar. Por conta do
comprometimento vocal ocasionado pela atrofia das cordas vocais, a voz do aluno era
3 Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência hospitalar.
4 Nome fictício.
5 Na Rede municipal de Salvador, as aulas de música no ambiente hospitalar acontecem “tanto em salas de aula e nos leitos de hospitais, quanto em casas de apoio e domicílios” (CARMO e CUNHA, 2010).
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projetada com forte rouquidão e de forma espaçada, mas, não o impediu de dizer os títulos das
músicas que mais gostava quando questionado pela professora.
Dar aula de música no hospital tem sido um desafio para os professores que atuam
neste ambiente. Neste caso específico, além da patologia do aluno-paciente, havia um
agravante: a aula aconteceu em um leito de UTI, onde os cuidados com a higienização foram
reforçados requerendo, além do jaleco uma capa, luvas de borracha e máscara, causando
desconforto na professora para tocar violão e cantar, mas, tais procedimentos eram
indispensáveis, uma vez que a imunidade do aluno-paciente encontrava-se baixa, o que
aumentava os riscos de contaminação.
Em uma das aulas, a professora iniciou cantando uma canção do repertório preferido
de João. O objetivo era acolhê-lo e propiciar um ambiente favorável à aprendizagem. Em
seguida, falou sobre a forma da música, e, cantando refrãos de outras canções, pediu que ele
identificasse o refrão da canção “Olhando a imensidão do mar”, que estava sendo trabalhada.
Ele identificou a forma da canção e falou a letra referente ao refrão. A professora perguntou
se ele gostaria de cantar o refrão da canção, João concordou e, acompanhado pelo violão,
ainda que com certa dificuldade, cantou. Ao final, João foi capaz de identificar a forma de
outras canções como “Quando a chuva passar”, interpretada por Ivete Sangalo, e “Estou
apaixonado”, interpretada por João Paulo e Daniel.
Com este breve relato não se pretende afirmar que João aprendeu “forma musical”
em apenas uma aula de música, mas, mostrar uma possibilidade de trabalhar conteúdos
musicais ao lado dos conteúdos curriculares que permeiam a prática exercida pela escola
hospitalar e promover o desenvolvimento de habilidades propostas pela educação musical.
Quando refletimos sobre as aulas de música ministradas a João, percebemos que o
contentamento demonstrado por ele a cada momento musical, sua interação com os conteúdos
trabalhados e a felicidade por ter aula de música, a despeito de sua doença e limitação, pode
sugerir uma resposta no sentido da aprendizagem e outra no sentido terapêutico, já que houve
melhoria da qualidade de vida, um dos objetivos claros da musicoterapia.
Entretanto, é importante não perder de vista que o principal objetivo da escola
hospitalar é a continuidade dos estudos e que, como lembra Bastião, a aprendizagem musical
não pode prescindir da musicalidade e expressividade que lhe é inerente: “O termo
‘expressividade’ é utilizado [...] para se referir às respostas ou reações do ouvinte ao
transmitir o que sente, pensa e vivencia em sua experiência pessoal e única com as músicas
escutadas” (2009, p. 60). Assim, entende-se que o ensino de música no contexto da escola
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hospitalar deve considerar a subjetividade do aluno-paciente, sim, mas o foco continua sendo
a aprendizagem, e, no caso específico, aprendizagem significativa em música.
A prática do ensino de música no ambiente hospitalar vem acompanhada de
especificidades que levam em conta o contexto do local, o estado de saúde do aluno-paciente
e o preparo do professor. A orientação é que as aulas realizadas nos leitos devem ter duração
mais curta para evitar o cansaço dos alunos-pacientes. Isso significa que atividades e
conteúdos devem ser selecionados e realizados de forma a contemplar e atender estas
demandas sem deixar de garantir a aprendizagem e continuidade dos estudos dos mesmos.
Questões práticas
As atividades desenvolvidas no ambiente hospitalar devem adequar-se às
especificidades do local e às limitações de saúde das crianças e adolescentes em situação de
internamento. Nesse sentido, as aulas realizadas no leito, por exemplo, funcionam de forma a
atender o aluno-paciente que não está apto a deixar o local e que se encontra em situação
limitada de saúde, podendo ser aula individual ou em grupo. Nesses casos, são realizadas
atividades com intensa utilização da canção que segundo Alencar,
[...] é um gênero musical que funde música e poesia. Cantando, as crianças imitam o que ouvem, desenvolvendo sua expressão musical, desde que essa atividade seja realizada num ambiente de orientação e estímulo ao canto, à escuta, à interpretação. [...] cantando coletivamente, aprendemos a ouvir a nós mesmos, ao outro e ao grupo como um todo. Dessa forma, desenvolvemos também aspectos da personalidade, como atenção, concentração, cooperação e espírito de coletividade (2003, p.93).
Mas, se para o leigo estas podem ser consideradas atividades de recreação ou
terapêuticas, para o profissional da educação musical a realidade é outra. Inseridas na canção
e fazendo parte do universo das práticas musicais utilizadas pelo professor de música em
ambiente hospitalar, encontram-se também atividades de apreciação, análise do texto musical,
audição, execução de pequenos instrumentos de percussão, criação de arranjo vocal, execução
de dinâmica vocal, forma da música. Trata-se de uma prática cuja prioridade é a experiência e
vivência musical valorizando a audição, expressão, interpretação, apreciação musical
(CARMO; CUNHA, 2010). Enfim, são diversas atividades que não necessitam de muita
movimentação física para o aluno-paciente, que não pode esforçar-se fisicamente, mas, que
resultam em intenso engajamento e atividade nas dimensões cognitiva e afetiva.
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Quando, porém, apesar das dificuldades próprias dos tratamentos de saúde a criança
não tem restrições físicas, quaisquer atividades musicais que envolvam movimento corporal
podem e são realizadas. Nestes casos, trabalha-se também com jogos de mãos e copos,
atividades de correr, pular, tocar instrumentos, fazer coreografia das músicas, roda dentre
outras.
Todas estas atividades realizadas em ambiente hospitalar devem ser construídas a
partir de métodos e técnicas da educação musical e, portanto, tendo em vista proporcionar
ensino e aprendizagem em música. Espera-se que o aluno-paciente experimente a música
musicalmente, ou seja, incluindo elementos de expressividade, noção de afinação, ritmo,
leitura e escrita musical, sempre considerando aspectos estéticos e afetivos. O objetivo deve
ser colocar o aluno em contato com o universo sonoro e assim proporcionar experiências
significativas em música.
Trazendo agora essas atividades musicais para o universo musicoterápico, Bruscia
(1987), propõe técnicas em musicoterapia improvisacional, no sentido de estabelecer o
objetivo clínico de cada uma delas. Dentre as diversas técnicas podem ser destacadas as de
empatia, estruturação, intimidade, dedução, procedimento, exploração emocional, dentre
outras. Cada uma destas técnicas são formadas por diversas ações e situações musicais
presentes também no ensino de música. Em todas ocorre a exploração do universo sonoro e
dos elementos musicais através da utilização da voz, do corpo, de instrumentos musicais, e de
outras fontes sonoras. Enfim, utiliza-se um leque de possibilidades musicais, porém, sempre
com fins terapêuticos.
O musicoterapeuta é aquele profissional qualificado para utilizar a música de forma
terapêutica, realizando atividades musicais como tocar instrumentos, cantar, imitar, re-criar,
criar arranjos musicais, improvisar, coreografar músicas, apreciar e compor canções, tendo
sempre em vista a recuperação da saúde ou melhoria da qualidade de vida do cliente. Assim,
as intervenções feitas por ele caminham sempre na direção clínica. Desta forma, durante toda
a sessão de musicoterapia, o terapeuta observa o cliente e principalmente suas respostas para,
a partir daí, manter ou redirecionar a atividade que está sendo realizada naquele momento
(BARCELLOS, 1999, p. 57). Aqui a música caminha de acordo com a necessidade clínica do
paciente e este é agente ativo no processo terapêutico.
O musicoterapeuta tem que acomodar e aceitar o gosto, o trabalho e os esforços musicais do cliente, sem julgamento, porque é com esse respeito básico [...] que se pode [...] construir uma relação terapêutica (BRUSCIA, 2000, p. 102).
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Dessa forma, não há espaço para imposição do gosto pessoal do terapeuta e sim
respeito e acolhimento do universo sonoro do cliente, pois, assim como a música pode
funcionar positivamente, uma intervenção equivocada pode gerar efeito negativo. Dessa
forma, pode-se observar que todas as técnicas musicoterápicas utilizam as mesmas atividades
musicais encontradas nas aulas de música, o que difere, entretanto, é o objetivo de cada uma
delas: enquanto o da educação musical é educacional o da musicoterapia é clínico.
Considerações
A música tem o poder de tocar o homem, de levá-lo a transcender o aqui e agora a
que está submetido: o estado de saúde em que se encontra o aluno-paciente, o diagnóstico
médico, o tratamento a que está submetido, os efeitos colaterais resultantes de algumas dessas
intervenções medicamentosas. Em alguns momentos, as práticas e atividades musicais afetam
o aluno-paciente de tal forma e com tanta intensidade que acaba trazendo uma resposta
terapêutica. E isso é inevitável, pois, quando a música vem e toca, ela não “pede licença” nem
“avisa” previamente que vai provocar ou suscitar determinadas emoções. É invasiva,
imprevisível e surpreendente.
Apesar deste poder inerente da música, isso não implica que a educação musical
realizada no ambiente hospitalar possa ser associada ou confundida com musicoterapia. Estas
são áreas distintas, embora utilizem a música como objeto de trabalho. Se há alguma
afinidade entre ambas, esta localiza-se neste aspecto.
As definições são incompletas por natureza. Historicamente, é comum às diferentes
ciências e áreas de atuação profissional terem que se adaptar a novas demandas, novas
descobertas e paradigmas. Assim, as fronteiras nem sempre são claramente identificadas. No
entanto, é fundamental destacar que, enquanto a musicoterapia visa o resultado terapêutico, a
educação musical objetiva a aprendizagem em música e a formação do aprendiz. A clareza
sobre a diferença existente entre estas duas áreas facilita a compreensão de ambas, além de
evitar possíveis confusões sobre o tema. Atividades musicais são utilizadas tanto pelo
musicoterapêuta quanto pelo professor de música, pois que compartilham do mesmo objeto de
trabalho. Dessa forma, é possível que em alguns momentos estas práticas se confundam ante o
olhar de um observador leigo. Mas um musicoterapeuta, mesmo utilizando as mesmas
atividades musicais usadas na educação musical, tem clareza de que seu objetivo difere de
forma contundente do objetivo do educador musical. Da mesma forma, ainda que ao utilizar
as mesmas atividades musicais aplicadas na musicoterapia, e às vezes promovendo no aluno-
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paciente, além da aprendizagem musical uma resposta terapêutica, o educador musical em
ambiente hospitalar deve ter claro que este não deve ser o seu objetivo. Ter esta clareza é
salutar para as duas áreas, no sentido de fornecer à comunidade atendida, aos profissionais da
música e à sociedade informações técnicas e específicas de cada uma, proporcionando uma
melhor compreensão e garantindo uma atuação adequada e eficaz tanto do musicoterapeuta
quanto do educador musical.
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