XI COLÓQUIO HABERMAS II COLÓQUIO DE FILOSOFIA … · clovis ricardo montenegro de lima (org.)...
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XI COLQUIO HABERMAS
&
II COLQUIO DE FILOSOFIA DA INFORMAO
Os limites para a liberdade comunicativa 22, 23 e 24 de Setembro de 2015
-
CLOVIS RICARDO MONTENEGRO DE LIMA (ORG.)
ANAIS
XI COLQUIO HABERMAS
E
II COLQUIO DE FILOSOFIA DA
INFORMAO
Rio de Janeiro
2016
-
2014 EDITORA Salute
Ficha catalogrfica elaborada por
Mrcio Finamor CRB7/6699
Formatao: Marcio Finamor e Tirza Cardoso
Diagramao e arte capa: Tirza Cardoso
C719 Colquios Habermas e II Colquio Filosofia da Informao (11. : 2015 :
Rio de Janeiro).
Anais do 11 Colquio Habermas e 2 Colquio de Filosofia da Infor-
mao / 11 Colquio Habermas e 2 Colquio de Filosofia da Informa-
o, 22-24 setembro 2015, Rio de Janeiro, Brasil; organizado por Clvis
Ricardo Montenegro de Lima. Rio de Janeiro: Salute, 2016.
540 p.
ISBN: 978-85-68478-02-8
1. Habermas, Jurgen. I. Lima, Clvis Ricardo Montenegro de, Org.
II. Ttulo.
CDD 193 (22 Ed.) CDD 193 (22 Ed.)
Este trabalho est liceniado sob a Licena Atribuio-No
Comercial 3.0 Brasil da Creative Commons. Para ver uma cpia
desta licena, visite http://creativecommons.org/licenses/bync/3.0/br
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SUMRIO
APRESENTAO ........................................................................................................................... 7
MESAS REDONDAS ...................................................................................................................... 9
LIBERDADE COMUNICATIVA E FORMA DIREITO ..............................................................................................10
LUIZ REPA USP/CEBRAP .................................................................................................................................... 10
TEORIA DO DISCURSO E POLTICA DO RECONHECIMENTO ..............................................................................20
LUIZ BERNARDO LEITE ARAUJO ................................................................................................................................. 20
SOBRE A LIBERDADE JURDICA EM HABERMAS ...............................................................................................34
DELAMAR JOS VOLPATO DUTRA [UFSC/CNPQ] ........................................................................................................ 34
LIBERDADE COMUNICATIVA COMO AO DEMOCRATIZANTE E EDUCADORA OU PORQUE A DEMOCRACIA
EXIGE O PRINCPIO PERFORMTICO DA TOLERNCIA? ...................................................................................51
JORGE ATILIO SILVA IULIANELLI ................................................................................................................................. 51
DA POTNCIA LIBERDADE: EXPRESSO, COMUNICAO E VERDADE ..........................................................58
SOLANGE PUNTEL MOSTAFA .................................................................................................................................... 58
DENISE VIUNISKI DA NOVA CRUZ .............................................................................................................................. 58
AO E COMUNICAO: CONTRIBUIES DE HANNAH ARENDT E JRGEN HABERMAS PARA A
COMPREENSO DO LCUS DA DIALOGIA, DA TICA E DO PROTAGONISMO NO FAZER INFORMACIONAL ......69
HENRIETTE FERREIRA GOMES ................................................................................................................................... 69
COMUNICAES COORDENADAS ...................................................................................................... 86
A LINGUAGEM E SEU POTENCIAL EMANCIPATRIO: UM ENSAIO SOBRE OS REFUGIADOS NO BRASIL E SUA
INTEGRAO ..................................................................................................................................................87
GABRIELA GARCIA ANGELICO ................................................................................................................................... 87
A MEDIAO DE CONFLITOS SERVINDO PARA AMPLIAR O ACESSO JUSTIA SOB O ALICERCE NO AGIR
COMUNICATIVO ........................................................................................................................................... 104
ELISANGELA PEA MUNHOZ (P.MUNHOZ) ............................................................................................................. 104
A POSITIVAO DE PRECEITOS MORAIS EM SEDE DE DIREITO DO CONSUMIDOR: UMA ANLISE
HABERMASIANA ........................................................................................................................................... 122
CNDIDO FRANCISCO DUARTE DOS SANTOS E SILVA ................................................................................................... 122
A PRIORIDADE DO JUSTO SOBRE O BOM NA TICA DISCURSIVA DE JRGEN HABERMAS ............................. 139
GILCELENE DE BRITO RIBEIRO ................................................................................................................................. 139
AGIR COMUNICATIVO E DISCURO: DE QUE JOGO ESTAMOS FALANDO? ....................................................... 162
MARCELO BAFICA COELHO .................................................................................................................................... 162
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5
AS POTENCIALIDADES DOS DIREITOS HUMANOS ENQUANTO TICA, REGULAO, LGICA E LINGUAGEM:
UMA PROPOSTA HABERMASIANA PARA A CONSTRUO DE CONHECIMENTOS CRTICOS NAS RELAES
INTERNACIONAIS .......................................................................................................................................... 181
JOS GERALDO ALBERTO BERTONCINI POKER ............................................................................................................ 181
BEATRIZ SABIA FERREIRA ALVES .............................................................................................................................. 181
VANESSA CAPISTRANO FERREIRA ............................................................................................................................. 181
ASPECTOS JURDICO-FILOSFICOS ACERCA DO SUPERENDIVIDAMENTO: A CONTRIBUIO DA TICA DO
DISCURSO ..................................................................................................................................................... 203
CNDIDO FRANCISCO DUARTE DOS SANTOS E SILVA ................................................................................................... 203
ANA BEATRIZ TERRA CRIPPA .................................................................................................................................. 203
DEMOCRACIA DELIBERATIVA E A AVALIAO DE IMPACTOS REGULATRIOS .............................................. 220
CLVIS RICARDO MONTENEGRO LIMA ..................................................................................................................... 220
ANNA CAMBOIM ................................................................................................................................................. 220
DILZA RAMOS BASTOS .......................................................................................................................................... 220
CRTICA PS-MODERNIDADE SEGUNDO HABERMAS: UM DILOGO SOBRE O PREFIXO PS ..................... 240
JOO PAULO RODRIGUES ...................................................................................................................................... 240
DEMOCRACIA E COMUNICAO: PARMETROS PARA UMA DEMOCRACIA RADICAL ................................... 259
CHARLES DA SIVA NOCELLI ..................................................................................................................................... 259
DIZER NO: A LIBERDADE COMUNICATIVA NAS REVISES DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO ............. 275
MARINA VELASCO ................................................................................................................................................ 275
ENTRE A LIBERDADE COMUNICATIVA E O DISCURSO DE DIO: POSSIBILIDADES DE PESQUISAS A PARTIR DE
HABERMAS ................................................................................................................................................... 291
ANDR SPURI GARCIA ........................................................................................................................................... 291
ELAINE SANTOS TEIXEIRA CRUZ ............................................................................................................................... 291
JSSICA DE CARVALHO MACHADO ........................................................................................................................... 291
KARINE MARTINS FERNANDES TINCO ..................................................................................................................... 291
RICA ALINE FERREIRA SILVA .................................................................................................................................. 291
VALDER DE CASTRO ALCNTARA ............................................................................................................................ 291
JOS ROBERTO PEREIRA ........................................................................................................................................ 291
ENTRE A RAZO E O CONCEITO MORAL DO JUSTO: DESAFIOS CONTEMPORNEOS DAS POLTICAS DE
IMIGRAO .................................................................................................................................................. 314
MARCELO PEREIRA DE MELLO ................................................................................................................................ 314
ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO: COESO INTERNA ENTRE DIREITOS HUMANOS E SOBERANIA POPULAR
EM HABERMAS ............................................................................................................................................. 326
ANDR GUIMARES BORGES BRANDO.................................................................................................................... 326
HABERMAS E A DESOBEDINCIA CIVIL .......................................................................................................... 346
CHARLES FELDHAUS .............................................................................................................................................. 346
HABERMAS, NACIONALISMO E INTOLERNCIA ............................................................................................. 362
ANDR JACQUES LOUIS ADRIEN BERTEN ................................................................................................................. 362
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LIBERDADE E POLTICA: A IDEIA DE INDIVIDUALIDADE COMO REFERNCIA NA BUSCA PELA GARANTIA DE
DIREITOS HUMANOS NA TEORIA POLTICA DE HABERMAS. .......................................................................... 377
DIOGO SILVA CORRA ........................................................................................................................................... 377
NARRATIVA PROCESSUAL: TICA NO DISCURSO JURDICO ............................................................................ 398
JOS ANTONIO CALLEGARI ..................................................................................................................................... 398
MARCELO PEREIRA DE MELLO ................................................................................................................................ 398
O ESTADO DE EXCEO COMO LIMITE DA LIBERDADE COMUNICATIVA NAS POLTICAS EDUCACIONAIS ...... 414
MARCELO FARIAS LARANGEIRA ............................................................................................................................... 414
A PERSPECTIVA PS-METAFSICA DO AGIR COMUNICATIVO: ....................................................................... 428
A SUPERAO DOS LIMITES DE UMA FUNDAMENTAO DA ONTOTEOLGICA E AS RESTRIES AO
EMPODERAMENTO DO SUJEITO MONOLGICO ........................................................................................... 428
JOVINO PIZZI ....................................................................................................................................................... 428
O FACEBOOK COMO ESFERA PBLICA: ANSEIOS E LIMITES DA DEMOCRATIZAO DO ESPAO PBLICO VIA
INTERNET ...................................................................................................................................................... 449
CAMILA MOURA .................................................................................................................................................. 449
O SUJEITO PRONOMINAL E A GRAMTICA COMUNICATIVA: ELEMENTOS PARA UMA GRAMTICA DA JUSTIA
..................................................................................................................................................................... 468
JOVINO PIZZI ....................................................................................................................................................... 468
DELAMAR JOS VOLPATO DUTRA ............................................................................................................................ 468
O USO DA LINGUAGEM ORIENTADO PELO ENTENDIMENTO: TEORIA CRTICA E O PENSAMENTO
HABERMASIANO ........................................................................................................................................... 470
ANA PAULA DA SILVA BEZERRA ............................................................................................................................... 470
SRGIO G. M. PAUSEIRO ....................................................................................................................................... 470
OS PRINCPIOS DA MORAL NUMA SOCIEDADE PS-SECULAR: A PERSPECTIVA DE JURGEN HABERMAS ....... 479
ANDERSON DE ALENCAR MENEZES .......................................................................................................................... 479
RELIGIO E ESFERA PBLICA EM RAWLS E HABERMAS ................................................................................. 491
WESCLEY FERNANDES ........................................................................................................................................... 491
UMA ABORDAGEM HABERMASEANA PARA OTIMIZAR O DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAES: O CASO
DA BIBLIOTECA DIGITAL DE TESES E DISSERTAES BRASILEIRA ................................................................... 522
BRUNA CARLA MUNIZ CAJ ................................................................................................................................... 522
CLVIS RICARDO MONTENEGRO DE LIMA ................................................................................................................. 522
MARCIA H. T. DE FIGUEREDO LIMA ......................................................................................................................... 522
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7
APRESENTAO
O Colquio Habermas vem sendo realizado anualmente e tem se constitudo em um espao
privilegiado de debate de ideias daqueles que buscam ir alm do comunitarismo republicano
vulgar e do liberalismo fora de lugar, tendo por principal referncia a obra do filosofo alemo
Jurgen Habermas. Este autor no apenas um dos maiores pensadores vivos, mas um grande
humanista que intervm na histria do seu tempo como mostram seus artigos recentes sobre a
crise dos imigrantes na Europa.
A partir de 2014 o Colquio Habermas passou a ter simultaneamente um pequeno Colquio
de Filosofia da Informao, que rene os interessados nesta rea emergente do pensamento
interdisciplinar. Este Colquio buscar responder uma demanda daqueles que estudam
Filosofia e Cincia da Informao com diversos focos, particularmente da Epistemologia, da
tica e da Poltica. Neste caso o Colquio est aberto a outras abordagens filosficas.
O grande tema orientador dos Colquios de 2015 foi Os limites para a liberdade
comunicativa?. Esta questo foi originalmente motivada pelo terror em Paris, mas foi
rapidamente atualizada para os brasileiros por uma questo mais prxima do seu cotidiano: a
forte campanha feita pelos meios de comunicao contra o governo eleito de modo
democrtico. Isto torna mais importante diferenciar o conceito de liberdade comunicativa.
O ano de 2015 teve como um de seus marcos iniciais a tragdia do assassinato de 12
jornalistas do Charlie Hebdo. Vrias pessoas em muitos quadrantes do mundo se uniram em
defesa da liberdade de expresso, ainda que em muitos casos com a conscincia crtica da
necessidade de uma tica na construo de tal liberdade, sem espao para a disseminao de
dios ou intolerncias.
Liberdade comunicativa no liberdade de expresso. No se trata da capacidade de poder
usar o discurso, mas da capacidade deliberativa diante do discurso, de poder dizer sim ou no,
na interao discursiva intersubjetiva que ergue pretenses de validade. Como chama ateno
Siebeneichler (2014), a liberdade comunicativa est imbrincada em nossa capacidade de
autoria responsvel, sendo fundamental para a radicalizao da democracia. A liberdade
comunicativa no uma condio metafsica, seno uma atitude do falante diante das
circunstncias, sendo ele mesmo, o falante, em relao a outro(s) falante(s) quem delibera
sobre a razoabilidade das pretenses de validade erguidas em determinado discurso.
Habermas prope simultaneamente a superao da viso antagnica das liberdades subjetivas
(liberalismo) e da autodeterminao poltica (republicanismo). Autonomia privada e pblica
so cooriginrias. A fora cogente dessa cooriginariedade implica numa relao em
permanente tenso, pois o consenso no a ausncia do dissenso, seno o cumprimento das
exigncias de nossa obrigao comunicativa. A interao entre autonomia privada e pblica
requer o reconhecimento de um conjunto de direitos subjetivos, fundamentais para o exerccio
da radicalizao da democracia (Habermas, 1996, p. 122-123).
Os eventos na Frana so mais um exemplo de quo desmesurada, grave e assassina pode ser
a intolerncia. Deve ou no haver mecanismos sociais que constranjam os meios de
comunicao a ter um comportamento minimamente em acordo autoria responsvel como
proposta, por exemplo, por Habermas? Conceitos que se aplicam performance moral de
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pessoas individuais devem servir a constrangimentos institucionais polticos e legais? Como
traar limites entre a linguagem crtica, bem ou mal humorada, e a ofensa e disseminao do
dio? Conceitos como autoria responsvel e liberdade comunicativa favoreceriam a traar tais
critrios?
Interessa-nos aprofundar este debate. Assim o Colquio Habermas chegou sua XI edio e o
Colquio de Filosofia da Informao a sua II edio, realizados de 22 e 24 de setembro de
2015 no Rio de Janeiro. Foram submetidos 34 artigos originais nas comunicaes
coordenadas e 12 artigos dos conferencistas nas mesas redondas. uma produo intelectual
extremamente para Colquios relevante nestes tempos de pontuaes produtivistas.
A publicao dos Anais destes Colquios acontece em uma poca extremamente tensa da
nossa sociedade, dividida e incapaz de reconhecer o outro. As nossas histricas desigualdades
impem que branco e preto se reconheam. Uma sociedade democrtica implica em
reconhecer as diferenas. A incluso social comea pelo reconhecimento das diferenas, e no
pela sua diluio.
A negao do outro s pode ser enfrentada pelo esforo de entendimento, que comea pela
possibilidade de falar e de discutir. O pensamento de Habermas enfrenta ao mesmo tempo
liberais reacionrios e republicanos utilitaristas. A democracia um valor inegocivel.
precisa falar, mas falar nos limites da liberdade comunicativa e da autoria responsvel.
Referncias:
HABERMAS, Jrgen. Direito e democracia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. v. 1.
SIEBENEICHLER, Flavio. Consideraes sobre o conceito de liberdade comunicativa na
filosofia habermasiana. Logeion, v. 1. n. 1, p 43-58, ago./fev. 2014. Disponvel em:
. Acesso em: 12 fev. 2015.
http://revista.ibict.br/ciinf/index.php/fiinf
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MESAS REDONDAS
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LIBERDADE COMUNICATIVA E FORMA DIREITO
Luiz Repa USP/CEBRAP
1 INTRODUO
Eu gostaria de aproveitar essa oportunidade para discutir o conceito de liberdade
comunicativa em Habermas a partir da questo de saber se e at que ponto esse conceito
capaz de propiciar uma fundamentao de carter normativo para o conceito complementar de
liberdade subjetiva de ao, vale dizer, para o conceito complementar de autonomia privada.
Uma vez que Habermas recusa a oferecer uma fundamentao normativa para a forma do
direito, e ao mesmo tempo a forma do direito recobre por si mesmo os princpios da liberdade
subjetiva, a questo se torna na interrogao sobre se, afinal, Habermas no oferece, j em
Facticidade e validade, uma fundamentao normativa das liberdades subjetivas
independentemente da forma direito e independentemente de argumentaes morais, ou seja,
unicamente a partir da liberdade comunicativa na qualidade de conceito nuclear da autonomia
pblica. (Nesse aspecto, no pretendo me referir a supostas modificaes posteriores na
estrutura e no contedo do argumento, como aquelas referidas importncia da dignidade
humana na fundamentao dos direitos fundamentais).
primeira vista, preciso confessar que tudo isso parece ser impossvel e mesmo
ocioso, j que o conceito de liberdade subjetiva de ao evidentemente introduzido por
Habermas como uma espcie de dispensa normativa em relao s obrigaes em que se
fundam a liberdade comunicativa. Eu cito a passagem em que Habermas introduz a noo de
liberdade comunicativa como contrapolo da liberdade subjetiva de ao:
Junto com Klaus Gnther, eu entendo a liberdade comunicativa como a
possibilidade reciprocamente pressuposta na ao orientada ao entendimento de
tomar posio em relao aos proferimentos de um defrontante e em relao s
pretenses de validade levantadas com elas, dependentes de reconhecimento
intersubjetivo. Com isso esto ligadas as obrigaes das quais se dispensam as
liberdades subjetivas juridicamente protegidas. (...) A autonomia privada de um
sujeito de direito se deixa entender essencialmente como a liberdade negativa de se
retirar do espao pblico das obrigaes ilocucionrias recprocas, rumo a uma
posio de observao mtua e influncia recproca. A autonomia privada se estende
to longe que o sujeito de direito no precisa se justificar, no precisa indicar razes
publicamente aceitveis para seus planos de ao. Liberdades subjetivas de ao
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justificam a sada da ao comunicativa e a recusa das obrigaes ilocucionrias;
elas fundamentam uma privacidade que libera da carga da liberdade comunicativa
mutuamente concedida e exigida. (1994, p. 152-153).
Essa passagem no parece oferecer nenhum sinal de que o conceito de liberdade
comunicativa pudesse apresentar um ponto de apoio para uma resposta afirmativa minha
questo. Ou seja, no parece ser possvel uma fundamentao normativa da liberdade
subjetiva por meio da liberdade comunicativa, uma vez que a liberdade subjetiva se define
como negao da liberdade comunicativa. Ela significa uma sada e uma recusa em relao
aos pressupostos da racionalidade comunicativa, em que se funda a liberdade comunicativa de
tomar posio de sim e no. Isso significa que o sujeito de direito, baseado na estrutura do
direito, pose assumir a atitude prpria da ao estratgica: se tornar o observador que reduz
seus parceiros a objeto de manipulao.
Em grande parte, essa maneira de considerar a liberdade subjetiva como negao da
liberdade comunicativa, ou ainda, a autonomia privada como negao da autonomia pblica,
que torna impossvel, para Habermas, uma fundamentao normativa da forma do direito e,
com isso, das liberdades subjetivas que imediatamente se ligam a essa forma.
No se trata aqui da recusa de fundamentar moralmente o direito em toda a sua
extenso, isto , no que concerne ao seu contedo. A recusa de uma fundamentao moral do
direito tem a ver em primeiro lugar com a teoria da modernidade e, em segundo lugar, com a
concepo democrtico-radical em que Habermas quer inserir a soberania popular. Ou seja,
uma fundamentao moral do direito significaria ainda uma concepo tradicional de
hierarquias de tipos de normas, como existentes no mundo pr-moderno. E interessante
observar que, para Habermas, Kant ainda seja afetado por essa falta de modernidade, em que
a esfera do direito no teria sua autonomia prpria. Como paradigmtico da tradio do direito
natural liberal, a filosofia kantiana do direito ainda submete a legalidade ao princpio moral do
imperativo categrico. Da resultaria uma subordinao do direito moral, que no seria
compatvel com a idia de uma autonomia realizada no medium do prprio direito (1994, p.
153).
Em vez de uma fundamentao moral do direito, Habermas prefere falar de uma relao
de complementao, a qual s pode ser entendida, por sua vez, de um ponto de vista
sociolgico, isto , desde o ponto de vista de uma reconstruo da evoluo social. Desse
ponto de vista, a forma do direito [Rechtsform] apresenta-se como uma inveno necessria,
destinada resoluo de desafios para integrao social no contexto da emergncia das
sociedades modernas. Trata-se de uma exposio que elucida a forma direito em funo de
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sua complementao com a moral, mas que detm especificidades prprias que no podem ser
fundamentadas moralmente. Essas se devem, em ltima instncia, ao carter institucional do
direito, que ao mesmo tempo coage e libera um espao de manobra para aes estratgicas, ou
seja, justamente o tipo de ao que a liberdade subjetiva autoriza, em detrimento da liberdade
comunicativa.
De um ponto de vista sociolgico, a moral e o do direito se diferenciam radicalmente
por seus papis e estruturas, pois, enquanto a moral ps-tradicional representa apenas uma
forma de saber cultural, o direito positivo constitui, alm disso, um sistema de ao, dotado
de obrigatoriedade no nvel institucional (HABERMAS, 1994, p. 137). A relao de
complementao s pode ser pensada, nesse caso, como uma relao funcional. a isso que
corresponde afirmao segundo a qual a forma direito no de modo algum um princpio
que se possa fundamentar seja epistmica seja normativamente (HABERMAS, 1994, p.
143).
Portanto, Habermas descarta a possibilidade de uma fundamentao normativa da
direito devido s suas caractersticas formais bsicas. Ou seja, a relao jurdica no leva em
conta a capacidade das pessoas em ligar sua vontade por meio de idias normativas, mas
apenas sua capacidade de tomar decises racionais com respeito a fins, isto , a liberdade de
arbtrio (HABERMAS, 1994, p. 144). Dessa reduo da vontade livre que se autodetermina
moralmente sua liberdade de arbtrio, deriva, alm disso, a delimitao da forma jurdica s
condies externas da ao e a excluso do carter da motivao, moral ou estratgica,
detendo-se apenas na conformidade regra. Alm disso, a liberao do arbtrio dos atores
seria o verso da medalha do carter coercitivo de leis que limitam os espaos de ao a
partir de fora.
Todas essas caractersticas formais do direito positivo impedem uma fundamentao
normativa que, para Habermas, s seria possvel, no contexto das sociedades modernas, pela
normatividade inerente aos pressupostos lingusticos do discurso. Soma-se a isso o prprio
fato de a forma direito ser uma inveno evolutiva da sociedade. Enquanto tal, no est
excluda a possibilidade de nova inveno, colocando alternativas quela do direito positivo
moderno. O fato de Habermas reconstruir to somente o direito positivo moderno se deve
impossibilidade de encontrar alternativas a ele no contexto das sociedades modernas,
conforme sua teoria da evoluo social.
Eu cito uma passagem bastante elucidativa a respeito do carter sociolgico e histrico
da fundamentao do direito em Habermas:
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Se a crtica se dirige contra a concepo dos direitos enquanto tal, a contraparte tem
de propor, ento, ou alternativas ao direito, como Marx o fez em sua poca, ou pelo
menos concepes de direito alternativas. Com esse tipo de questionamento eu no
tenho nenhum problema, uma vez que no proponho nenhuma fundamentao
normativa para a condio jurdica. (...) Por ora, no vejo um equivalente funcional
para esse tipo de estabilizao das expectativas de comportamento (mediante
direitos subjetivos igualmente distribudos). A esperana romntica em um sentido
no-pejorativo do jovem Marx em um definhamento do direito dificilmente se
cumprir em sociedades complexas de nosso tipo. (1998, p. 346).
O que vale para a forma do direito em geral deve valer para suas implicaes em termos
de liberdade subjetiva. Pois liberao do arbtrio corresponde enfim a instaurao de
liberdades subjetivas de ao que delimitam a autonomia privada. Essas liberdades subjetivas
so intrnsecas, dessa maneira, forma do direito, e no derivam imediatamente de um
princpio moral.
Porm, a forma direito e a liberdade subjetiva que ela pressupe representam um
desafio no s ao discurso moral enquanto tal, mas ao discurso como instncia de
fundamentao normativa em geral. Ou seja, no possvel fundamentar normativamente a
forma direito porque ela fere a normatividade imanente ao discurso, autorizando todos os
elementos da ao estratgica. Como mostra Gnther, a tese habermasiana de que a forma do
direito no um princpio que se possa fundamentar normativamente significa em ltima
instncia que a forma do direito como tal no derivvel a partir da teoria do discurso. Das
pressuposies inevitveis da ao comunicativa, nenhum caminho leva ao direito em termos
de teoria da fundamentao (Gnther, 1994, p. 478).
E aqui preciso observar que, se a forma do direito representa uma reduo de
normatividade e uma liberao para agir estrategicamente, ento, mesmo no mbito prprio
do uso pblico das liberdades comunicativas, mesmo no ncleo da autonomia pblica, deve-
se contar com uma possibilidade de instrumentalizao, pois os direitos de comunicao e de
participao em que se baseiam a autonomia pblica tambm so direitos no aspecto
estritamente jurdicos.
Da que, segundo Habermas, falar em direitos negativos e positivos no a melhor
maneira de alcanar a especificidade da forma do direito (1994, p. 164). Tambm no espao
intersubjetivo e pblico do processo poltico-democrtico da formao da vontade o direito
libera uma perspectiva estratgica, uma vez que ele no pode obrigar a um emprego de
direitos subjetivos orientado pelo entendimento (1994, p. 165).
Tudo isso aponta para a impossibilidade de uma fundamentao normativa do direito e
da autonomia privada que ela pressupe formalmente. Mas seria precipitado em derivar da
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uma simples relao de oposio, pois o ncleo da teoria discursiva dos direitos fundamentais
formado justamente pela tese de que h uma co-originariedade entre autonomia pblica e
autonomia privada, entre soberania popular e direitos fundamentais. No poderamos
acrescentar: entre liberdade comunicativa e liberdade subjetiva?
Lembremos os traos principais da argumentao habermasiana a respeito da co-
originariedade entre soberania popular e direitos subjetivos de liberdade.
A ideia fundamental consiste em que o princpio da democracia, o qual detm fora de
legitimao, se deve ao entrelaamento do princpio do discurso e da forma direito
(HABERMAS, 1994, p. 155):
Esse entrelaamento eu entendo como uma gnese lgica de direitos, que pode ser
reconstruda passo a passo. Ela comea com a aplicao do princpio do discurso ao
direito de liberdades subjetivas de ao em geral constitutivo como tal da forma
direito e termina com a institucionalizao jurdica das condies de um exerccio
discursivo da autonomia poltica, com a qual a autonomia privada posta [gesetzt]
abstratamente de incio pode ser configurada. Por isso o princpio da democracia s
pode aparecer como cerne de um sistema de direitos. A gnese lgica desses direitos
forma um processo circular, no qual o cdigo do direito e o mecanismo para a
gerao de direito legtimo, isto , o princpio da democracia, se constituem co-
originariamente. (HABERMAS, 1994, pp. 155-6).
O sistema de direitos que surge do entrelaamento do princpio do discurso e da forma
direito apresentado em uma seqncia de cinco categorias de direitos fundamentais. As trs
primeiras categorias formam o cdigo jurdico, pois determinam o status das pessoas de
direito. Trata-se aqui justamente dos direitos que garantem a maior medida possvel de
liberdades subjetivas de ao, dos direitos que estabelecem o status de membro de uma
associao jurdica e, por fim, os direitos que garantem a possibilidade de postulao judicial
e proteo jurdica das pessoas individuais (HABERMAS, 1994, pp. 155-6). Essas trs
primeiras categorias de direito garantem a autonomia privada dos sujeitos de direito
unicamente no sentido de eles se reconhecerem mutuamente como destinatrios da lei.
Somente a quarta categoria permite que esses sujeitos de direito assumam tambm o status de
cidados, isto , de autores da prpria ordem jurdica. Trata-se aqui dos direitos de
participao igual nos processos de formao da opinio e da vontade. Essa quarta categoria,
que garante a autonomia pblica, tem um carter reflexivo, j que permite interpretar e
configurar concretamente em termos jurdicos tanto as primeiras categorias como a si prpria.
Na configurao poltica de todas essas categorias surge uma relao de implicao delas com
a quinta categoria dos direitos fundamentais de bem-estar social, tcnico e ecolgico, isto ,
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direitos sociais, em sentido amplo, que permitem materialmente o exerccio da autonomia
privada e pblica.
de se observar que essas categorias so introduzidas em abstrato, sem um contedo
particular, varivel conforme o contexto sociopoltico. somente com a quarta categoria que
todos os direitos fundamentais recebem uma positivao jurdica concreta. Esse aspecto
importante para entender como as trs primeiras categorias, que sustentam a autonomia
privada, se relacionam com a quarta, que garante a autonomia pblica.
No papel de autores, os cidados j no dispem mais de nenhuma outra linguagem que
no envolva as trs primeiras categorias do direito. nesse sentido que elas possibilitam a
autonomia pblica, sem restringi-la, ao mesmo tempo em que, por meio da autonomia
pblica, as trs primeiras recebem uma positivao jurdica concreta. Com isso se tornaria
compreensvel a co-originariedade de autonomia pblica e privada. Enquanto linguagem
prpria do direito, as categorias dos direitos privados no podem ser vistas como direitos
naturais ou morais, que apenas esperam ser colocados em vigor, nem podem ser meramente
instrumentalizados para fins de uma legislao soberana (HABERMAS, 1994, p. 161).
A idia fundamental da co-originariedade se revela ento na impossibilidade de que a
autodeterminao poltica dos cidados se exercite no medium do direito, sem as trs
primeiras categorias do direito. Por sua vez, essas categorias no podem ser legitimadas e
ganhar uma forma jurdica positiva, sem o direito de comunicao e participao no processo
de formao da vontade. Deixo de lado aqui como exatamente esse crculo se instaura, mais
especificamente, deixo de lado o carter insaturado que Habermas atribui aos direitos
subjetivos de liberdade de ao.
Todo o esforo de Habermas apresentar uma co-originariedade entre direitos
fundamentais e soberania popular que faa justia ideia de uma democracia radical,
portanto, a ideia de que no haja um limite prvio soberania, e, por outro lado, faa dos
direitos fundamentais que garantem a autonomia privada uma condio prpria da
democracia.
Assim, na construo da gnese lgica dos direitos fundamentais, nada pressuposto
antes da prxis poltica de autodeterminao, a no ser duas coisas: o princpio do discurso e o
conceito de forma jurdica. A juno desses dois elementos forma imediatamente as trs
primeiras categorias constitutivas do cdigo jurdico. Enquanto tais, essas trs primeiras
categorias no devem ser vistas como direitos naturais ou morais que comandam o exerccio
legislativo. Elas so antes condies necessrias que s possibilitam o exerccio da
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16
autonomia poltica. Na qualidade de condies de possibilidade elas no restringem a
soberania do legislador (HABERMAS, 1994, p. 161-2).
Dessa maneira, os direitos subjetivos que garantem a autonomia privada se apresentam
como condies de possibilidade dos direitos polticos no sentido de que que eles constituem
a linguagem jurdica da democracia, o medium em que ela se exerce, firmando o conceito de
pessoa jurdica entendida como destinatria das leis. Nenhuma determinao jurdica pode se
realizar sem um cdigo de direito que estabelece a noo de sujeito de direito. Por outro lado,
esses mesmos direitos subjetivos s podem se instaurar positivamente de acordo com o
processo legislativo criador de leis, sustentado pelos direitos polticos de participao.
No entanto, a relao de dependncia recproca em que se traduz a ideia de
cooriginariedade no se esgota nessa relao de carter estrutural. Alm disso, h uma relao
de natureza material entre a autonomia privada e a autonomia pblica que remete justamente
relao entre liberdade comunicativa e liberdade subjetiva.
Pois o direito de comunicao e de participao no processo de formao da vontade e
da opinio instaurado com a quarta categoria de direitos fundamentais, sendo
institucionalizado e regulado juridicamente, de modo que os pressupostos de igualdade e
simetria, inscritos nas condies de possibilidade de um discurso isento de dominao,
recebem uma configurao jurdica determinada. Porm a liberdade comunicativa de tomar
posio de sim ou no em relao s normas pressupe tambm uma liberdade subjetiva e
negativa de abster-se.
Seguindo Klaus Gnther, pode-se dizer que no haveria liberdade comunicativa se no
houvesse tambm a liberdade negativa de no participar da comunicao pblica, o que por
sua vez garantido pelas leis que sustentam a autonomia privada. Eu cito:
A liberdade de tomar uma posio (...) s possvel no interior de um espao de
obrigaes recprocas. Dizer sim ou no sinceramente sempre significa aceitar as
obrigaes inerentes ao jogo de pretenses de validade, dvidas e contrarrazes.
Mas a anlise da liberdade comunicativa no seria suficiente se ela no acarretasse
a liberdade de retirar-se da comunicao, isto , de sair [step out] das obrigaes
ilocucionrias recprocas. Sem essa terceira possibilidade de escolher sair (...) a
liberdade comunicativa no seria uma espcie de liberdade de modo geral. A deciso
de comunicar tem de ser livre. (cf. GNTHER, 1998, p. 236).
Embora Habermas se refira a Gnther no que diz respeito ao conceito de liberdade
comunicativa, ele no retira com toda evidncia esse tipo de consequncias. Por outro lado, de
modo algum a tese da co-originariedade se estabelece unicamente em funo do mdium do
direito para o qual indispensvel a autonomia privada, ao mesmo tempo em que os direitos
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17
de autonomia privada precisam ser positivados por meio da legislao, e portanto por meio
dos direitos de autonomia pblica. Habermas tambm considera o aspecto qualitativo da
deliberao, que propiciado pela autonomia privada.
Eu cito uma passagem de A incluso do outro em que esse aspecto qualitativo, material,
da co-originariedade, mais nitidamente destacado:
A intuio [da cooriginariedade] se expressa no fato de que, por um lado, os
cidados s podem fazer uso adequado de sua autonomia pblica se eles so
suficientemente independentes em virtude de sua autonomia privada igualmente
assegurada; mas que eles tambm s podem chegar a uma regulao consensual de
sua autonomia privada se eles fazem um uso adequado de sua autonomia poltica
enquanto cidados. (1998, p. 302)
Se a autonomia privada foi descrita, como mostramos, como a liberdade negativa de
retirar-se do espao pblico das obrigaes ilocucionrios, nessa passagem ela parece ser a
condio indispensvel para indispensvel para o uso pblico da liberdade comunicativa. Mas
se Gnther tem razo em sua linha de raciocnio, e se a tese da cooriginariedade aponta
tambm para isso, parece que estamos reintroduzindo para o interior do discurso uma
possibilidade de fundamentao normativa que foi rejeitada anteriormente. Se no h
liberdade comunicativa sem a liberdade negativa, ento teramos de supor que esta tem de
fazer parte dos pressupostos pragmticos do discurso isento de dominao. Enquanto tal
pressuposto, no seria difcil fundamentar normativamente a autonomia privada, uma vez que
no h liberdade comunicativa sem ela. Isso significa que a autonomia privada no mais
suportada pela forma do direito, ela passaria para o lado do princpio do discurso, enquanto
representao mais abstrata de todos os pressupostos pragmticos da fala.
No entanto, Habermas no parece nunca ter dado efetivamente esse passo terico, que
em Gnther visvel. E, at onde posso ver h duas razes fortes para tanto. A primeira
prpria da teoria da ao e do discurso. A possibilidade de sair da comunicao por mor da
qualidade da comunicao teria de significar, na viso de Habermas, uma autorizao para
passar a uma atitude no-comunicativa que se enraizaria paradoxalmente na ao
comunicativa. Essa realizao cumprida pelo direito, sem que ele dependa da gramtica
normativa da ao comunicativa e do discurso (se deixarmos de lado o aspecto da justa
distribuio de direitos). Certamente, Habermas no nega na teoria do discurso que o
participante possa se isentar de tomar posio. Mas essa iseno no supe a possibilidade de
sair da comunicao. Ela no representa a autonomia privada no interior da autonomia
pblica.
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18
A segunda razo tem a ver com a teoria do direito. Como vimos, Habermas no v
nenhuma outra possibilidade de reconstruo do direito que no seja ligada ao direito positivo
moderno. Uma vez que a autonomia privada s pode se dar pelo medium do direito, ela
necessita de um cdigo jurdico primrio com que se estabelece o sentido de um sujeito de
direitos. Com isso, a autonomia privada juridicamente informada no pode ser deduzida das
condies procedimentais do discurso, na exata medida em que a forma direito tampouco o
pode. Ela passa a depender, para alm das propriedades formais do direito, de argumentaes
de natureza moral introduzidas nos processos de formao poltica da vontade.
Portanto, embora a teoria habermasiana apresente a cooriginarieade entre autonomia
privada e autonomia pblica de tal modo que a liberdade subjetiva possa aparecer como uma
condio interna da liberdade comunicativa, e com isso se apresente a possibilidade de uma
fundamentao normativa da autonomia privada para alm da forma direito e para aqum da
argumentao moral, esta possibilidade teoricamente impedida pelo fato de Habermas ligar
intimamente a autonomia privada e a forma do direito, recusando a essa, desde o incio, uma
derivao a partir do discurso. A ambiguidade do direito, sempre remetido possibilidade da
ao estratgica, condena de antemo a liberdade subjetiva a ser uma condio indispensvel
da liberdade comunicativa, e, no entanto, nunca ser um momento dela.
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New York Press.
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TEORIA DO DISCURSO E POLTICA DO RECONHECIMENTO1
Luiz Bernardo Leite Araujo Professor Associado do Departamento de Filosofia da Universidade do Estado do Rio deJaneiro
(UERJ) e Pesquisador do CNPq na modalidade Produtividade em Pesquisa.
1 INTRODUO
A poltica do reconhecimento ocupa a ateno de Habermas desde o momento em que
irrompe na cena principal do debate filosfico-poltico contemporneo. Se a dcada de oitenta
do sculo passado foi amplamente dominada pelo debate entre liberalismo e comunitarismo,
cujo foco central residira na dupla oposio entre o justo e o bem, de um lado, e entre o
indivduo e a comunidade, de outro lado2, a dcada de noventa trouxe tona a pergunta sobre
se, e em que medida, sociedades democrticas deveriam ser realmente caracterizadas em
funo do conjunto de direitos bsicos individuais que elas asseguram aos seus cidados. Com
efeito, para diversos autores, associados de modo mais ou menos estreito ao que se
convencionou denominar multiculturalismo, as decises pblicas em sociedades
democrticas pluralistas deveriam assegurar, tambm, direitos especficos a grupos. Noes
como direitos coletivos, direitos de grupos e direitos culturais passaram a dominar os
debates polticos, uma vez estabelecida, no entanto, a ideia de direitos iguais para todos os
cidados como o ncleo de uma sociedade justa.
No h, verdade, um tratamento sistemtico do tema na teoria discursiva de
Habermas, mas h certamente uma contribuio significativa a partir dessa perspectiva
terica, a comear pela anlise do prprio termo multiculturalismo e das questes envolvidas
no debate. notvel, neste sentido, a pronta interveno habermasiana contribuio
1 Este artigo, aqui parcialmente retomado, foi publicado originalmente em lngua espanhola. A referncia completa a seguinte: ARAUJO, L. B. L. Habermas y la poltica del reconocimiento o multiculturalismo.
Revista CUHSO (Universidad Catlica de Temuco, Chile), Volumen 14, N 1 (2007): 23-34. 2 Sobre essas duas oposies fundamentais, as quais, apesar de no darem conta integralmente do debate, fornecem uma perspectiva geral suscetvel de enquadrar anlises detalhadas dos diversos registros dessa
complexa discusso, cf. BERTEN, A., DA SILVEIRA, P., POURTOIS, H. (eds.). Libraux et communautariens.
Paris: PUF, Collection Philosophie Morale, 1997. Vide tambm a excelente apresentao de MULHALL, S.
and SWIFT, A. Liberals and communitarians. Oxford: Blackwell, 1992.
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21
reconhecidamente inaugural da discusso promovida por Charles Taylor em seu ensaio sobre
a poltica do reconhecimento3. Em sua crtica4, o filsofo alemo registra que, embora
estejamos diante de fenmenos relacionados com lutas pelo reconhecimento de identidades
coletivas, e, portanto, com a defesa comum contra a opresso, a marginalizao e o
desrespeito a grupos minoritrios, primariamente definidos em termos culturais, seja no
mbito de uma cultura majoritria, seja no interior da comunidade dos povos, h diferentes
nveis de anlise. necessrio, portanto, no apenas distingui-los segundo a especificidade de
cada luta pelo reconhecimento, mas tambm diferenciar os planos discursivos nos quais os
debates esto situados, ainda que o alvo principal seja o mesmo sistema de direitos fundado
no indivduo. Dentre esses fenmenos, destacam-se o feminismo, a luta das minorias tnicas e
culturais, o nacionalismo e o (neo)colonialismo.
Enquanto a causa feminista pode ser descrita apropriadamente como de
reconhecimento de uma interpretao especfica baseada em diferenas de gnero,
transformando assim a relao entre os sexos e afetando diretamente os papis masculinos
historicamente sedimentados5, a luta das minorias tnicas e culturais diz respeito ao
reconhecimento de tradies e de formas de vida marginalizadas por uma cultura majoritria
cujos membros, apesar de terem a autocompreenso modificada em alguma medida, no
alteram necessariamente seus papis em decorrncia de uma interpretao revisada das
conquistas e interesses dos membros dos grupos minoritrios6. Movimentos nacionalistas, por
seu turno, visam sobretudo a autodeterminao poltica de povos que se vem como grupos
homogneos sob o pano-de-fundo de um destino histrico comum7, e, desse modo, pretendem
3 TAYLOR, Ch. The politics of recognition, in: GUTMANN, A. (ed.). Multiculturalism: examining the politics of recognition. Princeton: Princeton University Press, 1994, pp. 25-73. Trata-se de uma edio
expandida, incluindo o comentrio de Habermas (ver a nota seguinte) edio alem da obra original
Multiculturalism and the politics of recognition: an essay. Princeton: Princeton University Press, 1992. Cabe
destacar tambm, no contexto inaugural do debate sobre o tema, a obra de Iris Young (Justice and the politics of
difference. Princeton: Princeton University Press, 1990) que declaradamente buscava uma alternativa entre o
individualismo atomista e o comunitarismo coletivista atravs do foco preferencial na diversidade dos grupos
tnicos e culturais. 4 HABERMAS, J. Struggles for recognition in the democratic constitutional state, in: GUTMANN, A. (ed.). Multiculturalism: examining the politics of recognition, op. cit., pp. 107-148 (republicado em: HABERMAS, J.
The inclusion of the other: studies in political theory. Cambridge (Mass.): The MIT Press, edited by Ciaran
Cronin and Pablo De Greiff, 1998, pp. 203-236). 5 Para uma viso geral da poltica feminista, cf. BENHABIB, S. Multiculturalism and gendered citizenship, in: The claims of culture: equality and diversity in the global era. Princeton: Princeton University Press, 2002.
Sobre o enfoque em minorias nacionais e grupos tnicos, cf. KYMLICKA, W. Multicultural citizenship: a
liberal theory of minority rights. Oxford: Clarendon Press, 1995. 6 Sobre o enfoque em minorias nacionais e grupos tnicos, cf. KYMLICKA, W. Multicultural citizenship: a liberal theory of minority rights. Oxford: Clarendon Press, 1995. 7 Quanto questo do nacionalismo, cf. TAMIR, Y. Liberal nationalism. Princeton: Princeton University Press, 1993; MILLER, D. On nationality. Oxford: Oxford University Press, 1995; GANS, C. The limits of nationalism.
Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
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constituir uma comunidade de destino, ao passo que o anticolonialismo se dirige contra uma
ordem internacional baseada na hegemonia da cultura ocidental8, cujos valores particulares se
impem de forma intervencionista em nome da universalidade. Por mais vinculados que
estejam uns aos outros, tais fenmenos no podem ser confundidos, sob pena de obscurecer a
complexidade de uma realidade marcada pela diversidade no interior da prpria diversidade.
O caso do Qubec, por exemplo, sempre lembrado na literatura multiculturalista, ilustrativo
dessa complexidade, devendo ser situado, a juzo de Habermas, na fronteira entre o segundo e
o terceiro casos, na medida em que a aspirao da minoria francfona canadense - parte
tendncias separatistas de parcela da populao - a de tornar-se um Estado dentro de um
Estado, constituindo-se assim, na outra ponta do enlace federativo, em maioria cultural em
face de outras minorias domsticas.
Quanto aos diferentes nveis de anlise desses fenmenos diversos, Habermas
distingue os discursos poltico, filosfico e jurdico, demonstrando particular interesse pelo
aspecto legal do problema. No primeiro nvel, com efeito, a querela sobre o multiculturalismo
parece renovar o debate sobre a modernidade que havia sido interpretado pelo autor sob o
signo de um projeto inacabado9, opondo agora o radicalismo ps-moderno ao tradicionalismo
pr-moderno na nova configurao do politicamente correto, que pouco contribui para a
compreenso da questo e ainda menos para sua soluo poltica. No plano filosfico, o que
est em jogo a compreenso intercultural, cujas dificuldades aparecem claramente em todos
aqueles fenmenos associados ao multiculturalismo, os quais reintroduzem o tema clssico da
racionalidade e suas pretenses de universalidade10, tanto cognitivas quanto normativas, na
relao entre sociedade global unificada e sociedades locais fragmentadas, movendo-se entre
o holismo e o contextualismo. Do ponto de vista jurdico, a discusso fundamental trazida
pelo multiculturalismo reside na interpretao do Estado democrtico de direito, reveladora da
tenso entre o princpio do igual tratamento das pessoas e a busca de proteo de suas
identidades culturais, em torno da qual Habermas reitera suas reservas em face do liberalismo
clssico, no opondo-lhe uma leitura comunitarista como a de Taylor, que adota a falsa pista
da oposio entre uma poltica de universalizao dos direitos individuais e uma poltica de
8 Em relao justia global e temas correlatos, cf. HELD, D. Democracy and the global order: from the modern state to cosmopolitan governance. London: Polity Press, 1995; RAWLS, J. The law of peoples; with The idea of
public reason revisited. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1999; CRONIN, C. and DE GREIFF, P.
(eds.). Global justice and transnational politics: essays on the moral and political challenges of globalization.
Cambridge (Mass.): The MIT Press, 2002. 9 Cf. HABERMAS, J. Der philosophische Diskurs der Moderne. Frankfurt: Suhrkamp, 1985 [O discurso filosfico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, trad. de A. Marques et alii, 1990]. 10 Sobre o assunto, cf. HABERMAS, J. Nachmetaphysisches Denken. Frankfurt: Suhrkamp, 1988 [Pensamento ps-metafsico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, trad. de Flvio Siebeneichler, 1990].
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considerao pelas diferenas culturais11, mas sim corrigindo uma compreenso inapropriada
dos princpios liberais a fim de demonstrar que o sistema de direitos, corretamente entendido,
no cego s diferenas culturais e no precisa ser contrastado com um modelo que
introduz uma noo de direitos coletivos estranha ao sistema12.
Em ambas as passagens Habermas se refere aos dois tipos de liberalismo -
procedimental e substancial - distinguidos por Taylor, ou, na nomenclatura de Michael
Walzer, liberalismo 1 e liberalismo 2, advertindo que no se trata de uma simples correo da
poltica da igual dignidade pela poltica da diferena, mas de um ataque ao ncleo
individualista da concepo moderna de liberdade. Em sua anlise, com efeito, Taylor
distingue os ideais de dignidade e de autenticidade em torno dos quais forjou-se a identidade
moderna, cada um dos quais remetendo a um princpio norteador de carter universalista,
porm radicalmente diferentes um de outro. De um lado, o da igual cidadania fundada em
direitos compartilhados por todos os indivduos. De outro lado, o do reconhecimento das
pessoas e dos grupos em sua profunda alteridade. Evidentemente, o filsofo canadense
consciente do fato de que, no primeiro caso, trata-se de uma potencialidade humana
generalizvel, baseada na mesma capacidade de agir de acordo com princpios morais
aceitveis por todos os agentes racionais, enquanto que, no segundo caso, apesar de tratar-se
igualmente de um potencial humano universal, que o de formar e definir a prpria
identidade como indivduo e tambm como membro de uma cultura, o princpio do igual
respeito pelas pessoas dirige-se a uma particularidade. Contudo, exatamente pela referncia
a uma caracterstica universal, ainda que distinta, que h exigncia de reconhecimento por
aquilo que resulta do potencial humano, de modo que a negao do igual respeito s culturas
infringe o princpio fundamental da igualdade. Como diz Taylor, ao denunciar o primeiro
modelo de liberalismo inspito s diferenas por sua aplicao uniformizadora de regras e sua
suspeita em relao a metas coletivas, a forte demanda por um igual respeito a todas as
culturas funda-se na premissa de que reconhecimento forja identidade, de forma que todos
deveriam desfrutar da suposio de que sua cultura tradicional tem valor13. Taylor fala em
suposio ou ainda em hiptese inicial de igual valor das culturas, consciente do problema do
11 O termo comunitarismo utlizado aqui em sentido restrito, dizendo respeito a uma forte impregnao tica da poltica e do direito e no a uma atitude de rejeio da modernidade em sua totalidade, que no se aplica
certamente anlise tayloriana. Cf. TAYLOR, C. Sources of the self: the making of the modern identity.
Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1989 [As fontes do self: a construo da identidade moderna. S.
Paulo: Loyola, 1997]. 12 HABERMAS, J. Struggles for recognition in the democratic constitutional state, in: The inclusion of the other: studies in political theory, op. cit., p. 207 e p. 210. 13 TAYLOR, Ch. The politics of recognition, in: GUTMANN, A. (ed.). Multiculturalism: examining the politics of recognition, op. cit., p. 66 e p. 68.
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nivelamento s avessas, isto , de que a poltica do reconhecimento pode acabar tornando tudo
idntico, mantendo porm a tese central, criticada por Habermas, da divergncia entre as
polticas do universalismo e da diferena no seio do liberalismo.
Torna-se importante, nesse ponto, recordar alguns elementos estabelecidos por
Habermas em sua compreenso democrtico-procedimental dos direitos14, a qual determina
sua posio no debate sobre o multiculturalismo. Com efeito, sua afirmao de que o sistema
de direitos no cego s diferenas culturais, e tampouco a condies sociais desiguais,
depende integralmente de uma tese fundamental adotada pela teoria discursiva, a saber, a tese
da relao interna, portanto no contingente, entre Estado de direito e democracia, para cuja
demonstrao necessrio, nas palavras de Habermas, o esclarecimento das seguintes
proposies: o direito positivo no pode ser submetido simplesmente moral; a soberania do
povo e os direitos humanos pressupem-se mutuamente; o princpio da democracia possui
razes prprias, independentes da moral15. Cabe destacar o fato de que o esclarecimento
dessas proposies o que permite a Habermas apontar o equvoco da oposio construda
por Taylor entre a poltica universalista da igual dignidade de todos os cidados e a poltica do
reconhecimento das identidades de indivduos e grupos, a qual baseada numa interpretao
paternalista do sistema de direitos que ignora a conexo interna entre autonomia privada e
autonomia pblica. Trata-se, pois, de antepor a uma leitura seletiva do liberalismo moderno
uma interpretao que resgate a inter-relao de duas intuies normativas fundamentais que
satisfazem, de um lado, o critrio moral do universalismo igualitrio, exigindo o respeito igual
por todos, e, de outro, o critrio tico do individualismo, segundo o qual cada um tem o
direito de conduzir sua vida de acordo com suas prprias preferncias e convices.
Tal relao interna apreendida com base na releitura de duas interpretaes
contrrias e conflitantes na filosofia poltica, representadas pelo liberalismo clssico e pelo
republicanismo cvico. Na tradio liberal, que remonta a Locke, a nfase posta no carter
impessoal das leis e na proteo das liberdades individuais, de tal modo que o processo
democrtico compelido por (e est ao servio dos) direitos pessoais que garantem a cada
indivduo a liberdade de buscar sua prpria realizao. Cristalizou-se aqui uma viso
individualista e instrumentalista do papel dos cidados. A cidadania concebida com base no
14 Refiro-me ao mais importante tratado habermasiano em filosofia poltica e do direito (ao qual est diretamente vinculada a obra de teoria poltica j citada, publicada quatro anos depois): HABERMAS, J. Faktizitt und
Geltung. Beitrge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats. Frankfurt: Suhrkamp,
1992 [Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2 vols., trad. de
Flvio Siebeneichler, 1997]. 15 HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade, op. cit., vol. 2, p. 310
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modelo de uma pertena organizacional capaz de fundamentar uma posio jurdica, ou seja,
os indivduos permanecem exteriores ao Estado, contribuindo de certa forma para a sua
reproduo, atravs de eleies e pagamento de impostos, a fim de conseguir em troca
benefcios organizacionais. Na tradio republicana, que remonta a Rousseau, a primazia
atribuda ao processo democrtico enquanto tal, entendido como uma deliberao coletiva que
impele os cidados busca de um entendimento sobre o bem comum. Nesta viso, a liberdade
humana tem sua mxima expresso no na busca de preferncias privadas e sim na
autolegislao mediante a participao poltica. A cidadania vista atravs do modelo da
pertena a uma comunidade tico-cultural que se determina a si mesma, ou seja, os indivduos
esto integrados na comunidade poltica como partes num todo, de tal maneira que, para
formar sua identidade pessoal e social, necessitam do horizonte de tradies comuns e de
instituies polticas reconhecidas16.
Segundo Habermas, as divergncias no so inteiramente surpreendentes se levarmos
em conta o fato de que o pensamento democrtico moderno forjou-se em meio a um conflito
interno entre duas noes radicalmente distintas de liberdade, exemplarmente comparadas por
Benjamin Constant sob os ttulos de liberdade dos modernos e liberdade dos antigos17. A
tradio liberal atribui maior peso primeira, sobretudo liberdade de conscincia e de
pensamento, ao passo que a tradio republicana d maior importncia segunda,
particularmente s chamadas liberdades polticas iguais. Sendo assim, ambas concorrem a
partir de concepes unilaterais que concebem, por um lado, os direitos humanos como
expresso da autodeterminao moral, e, por outro lado, a soberania popular como
expresso da autorrealizao tica. De acordo com a interpretao liberal, os cidados no se
distinguem essencialmente das pessoas privadas que fazem valer seus interesses pr-polticos
contra o aparelho estatal, e por isso a prioridade recai sobre as liberdades negativas que
asseguram o exerccio da autonomia individual. Segundo a interpretao republicana, a
cidadania se atualiza somente na prtica de autodeterminao coletiva, razo pela qual o
primado incide sobre a autonomia poltica dos cidados, que constitui um fim em si mesmo e
que ningum pode realizar perseguindo privadamente interesses prprios, pois pressupe o
caminho comum de uma prtica intersubjetiva. Assim, o liberalismo e o republicanismo
16 Sobre esses dois conceitos concorrentes de cidadania, vide os seguintes ensaios, respectivamente de 1988 e 1990, retomados em Direito e democracia: entre facticidade e validade (vol. 2): A soberania do povo como
processo (pp. 249-278) e Cidadania e identidade nacional (pp. 279-305). Cf. tb. On the relation between the
nation, the rule of law and democracy, in: The inclusion of the other: studies in political theory, op. cit., pp.
129-153. 17 Cf. CONSTANT, B. De la libert des anciens compare celle des modernes, in: De lesprit de conqute et de lusurpation. Paris: Flammarion, 1986, pp. 265-291 [A edio original de 1819].
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tendem a ressaltar apenas um dos aspectos da autonomia dos indivduos como base da
legitimidade democrtica. Ao defender uma relao interna entre autonomia privada e
autonomia pblica, a Teoria do Discurso pretende fazer justia a ambas as tradies, isto ,
proporcionar uma justificao do Estado de direito democrtico na qual direitos humanos e
soberania popular desempenham papis distintos, irredutveis, porm complementares.
de uma tal justificao que provm o modelo procedimental da teoria discursiva da
moral e da poltica, uma vez que para demonstrar a tese de uma relao interna entre
democracia e estado constitucional necessrio introduzir um princpio de validao
imparcial de normas, conceitualmente anterior prpria distino entre a moral e o direito,
cuja formulao a seguinte: So validas as normas de ao s quais todos os possveis
atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos
racionais18. O princpio do discurso (D) permite evitar tanto uma interpretao moralizante
do direito quanto seu confinamento em afirmaes comunitrias de valores compartilhados,
apontando para um modelo de legitimao que solda a ciso liberal-republicana. Em face do
problema de integrao das sociedades modernas pluralizadas e secularizadas, nas quais as
ordens normativas devem ser mantidas sem as garantias metassociais de natureza religiosa ou
metafsica, Habermas adota uma compreenso procedimental da razo prtica em cujo cerne
est a expectativa da qualidade racional dos resultados obtidos atravs da ampla e livre
discusso entre os participantes de processos argumentativos fundados no princpio do
discurso. Enquanto princpio de justificao imparcial das normas de ao em geral, o
princpio do discurso (D) est igualmente na base da moralidade e do direito. E graas a
uma diferenciao de usos da razo prtica19 que Habermas insiste no delineamento sutil entre
tal princpio, que explicita o sentido da imparcialidade de juzos prticos, e sua especificao
como princpio moral (U) - segundo o qual toda norma vlida deve satisfazer a condio de
que as consequncias e efeitos colaterais, que (previsivelmente) resultarem para a satisfao
dos interesses de cada um dos indivduos do fato de ser ela universalmente seguida, possam
ser aceitos por todos os concernidos20 - ou como princpio da democracia (De) - de acordo
com o qual somente podem pretender validade legtima as leis jurdicas capazes de encontrar
18 HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade, op. cit., vol. 1, p. 142. 19 Na esteira de Kant, Habermas distingue as dimenses tica, pragmtica e moral da razo prtica. As questes
ticas dizem respeito quilo que bom para mim ou para ns, ao passo que as questes pragmticas se referem a
meios apropriados para determinados fins prticos. As questes morais, por seu turno, tm a ver com aquilo que
valido para todos, na acepo kantiana de um dever universal. Vide, em particular: HABERMAS, J.
Erluterungen zur Diskursethik. Frankfurt: Suhrkamp, 1991, pp. 100-118. 20 HABERMAS, J. Conscincia moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, trad. de Guido A.
de Almeida, 1989, p. 86 [Moralbewusstsein und kommunikatives Handeln. Frankfurt: Suhrkamp, 1983].
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o assentimento de todos os parceiros do direito, num processo jurdico de normatizao
discursiva21. A nova formulao do princpio do discurso (D) possui dupla vantagem,
oriunda de seu alto grau de abstrao, em relao quela originalmente apresentada por
Habermas22. Em primeiro lugar, as normas de ao s quais ela se refere no prejulgam o
contexto em que esto inseridas, cabendo ao princpio da democracia (De) a especificao
como normas que manifestam as propriedades formais das normas jurdicas. Em segundo
lugar, os discursos racionais envolvem variadas formas de argumentao que esto abertas a
contribuies e informaes relacionadas a temas morais, tico-polticos e pragmticos,
incumbindo ao princpio moral (U) a restrio do amplo espectro de questionamentos para o
tipo de discurso no qual apenas argumentos morais so decisivos.
Embora distintos, os princpios da moral e da democracia no esto ordenados
hierarquicamente. Para Habermas, ao contrrio, eles so complementares, de tal modo que a
legitimidade jurdica no pode ser assimilada validade moral, como no caso do
jusnaturalismo, e tampouco o direito deve estar completamente separado da moral, como
defende o positivismo. O direito compreendido como um complemento funcional da
moralidade ps-tradicional, compensando assim vrios de seus dficits, tais como os da
indeterminao cognitiva e da incerteza motivacional. Alm disto, Habermas defende que o
princpio da democracia no est subordinado a um sistema de direitos, e sim que eles se
constituem de modo co-originrio, explicando-se reciprocramente. Por isso, afirma o autor,
o princpio da democracia s pode aparecer como ncleo de um sistema de direitos23. A
ideia bsica que o sistema de direitos pode ser desenvolvido a partir da interligao entre o
princpio do discurso e a forma jurdica, processo a que Habermas d o nome de gnese
lgica dos direitos. Tal sistema de direitos, reconhecido por cidados que desejam regular a
vida em comum por meio do direito positivo, delineia as condies gerais necessrias para a
institucionalizao de processos democrticos de discusso no mbito do direito e da poltica.
Habermas aponta cinco categorias bsicas de direitos, que incluem direitos maior medida
possvel de iguais liberdades subjetivas de ao, ao status de membro na comunidade poltica,
proteo jurdica individual, ao exerccio da autonomia poltica e a condies bsicas de
21 HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade, op. cit., vol. 1, p. 145. 22 Na obra Conscincia moral e agir comunicativo, de 1983, Habermas havia formulado da seguinte maneira o
princpio D: s podem reclamar validez as normas que encontrem (ou possam encontrar) o assentimento de
todos os concernidos enquanto participantes de um Discurso prtico (p. 116). Ao falar agora em normas de
ao em geral, sem expressar um sentido especfico de validade normativa, e em discursos racionais, que
podem comportar justificaes discursivas de carter moral, tico e pragmtico, Habermas considera que h um
espao amplo para a deduo dos principios da moral e da democracia, por meio de especificaes adequadas, a
partir do princpio discursivo. 23 HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade, op. cit., vol. 1, p. 158.
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vida que possam garantir a oportunidade de exercer as outras categorias de direitos elencados.
Quando introduzimos o sistema dos direitos desta maneira, conclui Habermas, torna-se
compreensvel a interligao entre soberania do povo e direitos humanos, portanto a co-
originariedade da autonomia poltica e da privada. Com isso no se reduz o espao da
autonomia poltica dos cidados atravs de direitos naturais ou morais, que apenas esperam
para ser colocados em vigor, nem se instrumentaliza simplesmente a autonomia privada dos
indivduos para fins de uma legislao soberana. Nada vem antes da prtica de
autodeterminao dos cidados, a no ser, de um lado, o princpio do discurso, que est
inserido nas condies de socializao comunicativa em geral, e, de outro lado o medium do
direito24. Como se pode notar, a questo central da legitimidade abordada atravs da
racionalidade prpria do direito moderno, assegurada pelo vnculo entre a autonomia privada
e a autonomia pblica de cidados integrados socialmente atravs do agir comunicativo25.
O modelo habermasiano de democracia procedimental - termo que serve para
designar a tentativa de realizao dos direitos vinculados s duas formas de autonomia dos
cidados pela incorporao de discursos pragmticos, tico-polticos e morais em marcos
institucionais -, introduzido tambm pelo contraste entre as alternativas clssicas -
republicana e liberal. Como o modelo republicano, rejeita-se a viso do processo poltico
como sendo, primariamente, o da competio entre preferncias privadas. Como o modelo
liberal, entretanto, considera-se a viso de uma cidadania unificada e ativamente motivada por
uma concepo compartilhada do mundo como irrealista nas sociedades modernas pluralistas.
Tais modelos procedem, na verdade, de um mesmo conceito de sociedade centrada no Estado,
embora este ltimo seja tido, num caso, como o protetor de uma sociedade econmica, e, no
outro caso, como a institucionalizao de uma comunidade tica. Na viso liberal, a
constituio do Estado de direito o aspecto capital para o equilbrio dos interesses de
sujeitos privados que buscam a satisfao de suas expectativas concorrentes. Na viso
republicana, a formao de uma comunidade tico-poltica estruturada o elemento central
para a autodeterminao democrtica de sujeitos vinculados na totalidade coletiva. A primeira
perspectiva prescinde da ideia de cidadania e do papel constitutivo da formao poltica da
opinio e da vontade, ao passo que a segunda menoscaba as fronteiras entre Estado e
sociedade civil atravs da excessiva politizao de uma esfera pblica voltada contra a
administrao burocrtica.
24 HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade, op. cit., vol. 1, pp. 164-165. 25 Para uma exposio sucinta da teoria poltica habermasiana, cf. On the internal relation between the rule of
law and democracy, in: The inclusion of the other: studies in political theory, op. cit., pp. 253-264.
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Ambos os elementos da normatizao constitucional e do processo poltico de
formao da opinio e da vontade so assumidos sob nova composio na teoria discursiva da
democracia: para ela processos e pressupostos comunicativos da formao democrtica da
opinio e da vontade funcionam como a comporta mais importante para a racionalizao
discursiva das decises de um governo e de uma administrao vinculados ao direito e
lei26. Habermas sugere um processo em dois trilhos, no qual h uma diviso de trabalho entre
o pblico fraco - a esfera pblica informalmente organizada, que abrange as associaes
privadas, instituies culturais, grupos de interesse com preocupaes pblicas, igrejas,
instituies de caridade, etc. - e o pblico forte - as corporaes parlamentares e outras
instituies formalmente organizadas do sistema poltico. A soberania popular, interpretada
de modo intersubjetivista, no se concentra em um ator coletivo que reflete a totalidade e age
em funo dela, como no modelo republicano, nem banida para o anonimato de
competncias jurdico-constitucionais, como no modelo liberal, mas faz-se valer como poder
produzido comunicativamente. Neste sentido, os discursos institucionalizados para a
formao poltica da opinio e da vontade so vitais para o exerccio da cidadania, na medida
em que o processo democrtico impele os participantes ao engajamento em perspectivas
recprocas e busca de interesses generalizveis. O cerne de uma compreenso genuinamente
procedimental da democracia, nos termos de Habermas, consiste precisamente no fato de que
o processo democrtico institucionaliza discursos e negociaes com o auxlio de formas de
comunicao que devem fundamentar a suposio da racionalidade para todos os resultados
obtidos conforme o processo, sendo seu ncleo dogmtico, no sentido de algo que no
podemos eludir, a ideia de autonomia, segundo a qual os homens agem como sujeitos livres
na medida em que obedecem s leis que eles mesmos estabeleceram, servindo-se de noes
adquiridas num processo intersubjetivo27.
A posio de Habermas no debate em torno do multiculturalismo, como j salientado,
determinada pela compreenso democrtico-procedimental dos direitos que tentamos
apresentar em suas linhas gerais. Trata-se de uma posio peculiar, uma vez que permite ao
autor endossar determinadas polticas da diferena que contribuam decisivamente para a
incluso dos cidados aos quais negado o pleno reconhecimento como membros de uma
comunidade poltica e, ao mesmo tempo, chamar a ateno para potenciais ameaas
autonomia individual associadas s demandas especficas de grupos, particularmente no que 26 HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, op. cit., vol. 2, p. 23. 27 HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, op. cit., vol. 2, p. 27 e p. 190. Para uma
breve apresentao do modelo habermasiano de democracia, cf. Three normative models of democracy, in:
The inclusion of the other: studies in political theory, op. cit., pp. 239-252.
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tange aos chamados direitos culturais. Desse modo, como em muitos outros temas tratados no
mbito da teoria discursiva, a postura de Habermas se caracteriza por um difcil equilbrio
entre igualdade e diversidade, defendendo uma concepo universalista sensvel s diferenas
nos recentes debates multiculturais. Entretanto, h dvida sobre a superioridade de sua
abordagem - comparada com as alternativas do liberalismo e do republicanismo, tais como
apresentadas pelo pensador alemo28 - para lidar com diferenas politicamente significativas
entre grupos tnicos, nacionais e religiosos29. Neste sentido, no so poucas as crticas ao
modo discursivo de tratamento da questo, seja porque subestimaria a importncia das
identidades culturais, seja por no estar suficientemente atento relevncia da cultura no
campo da poltica, seja tambm em razo de no reconhecer a profundidade da diversidade e
dos conflitos de valores nas sociedades pluralistas contemporneas30. Em breves palavras, o
desafio parece residir na comprovao de que o tipo de normatividade subjacente a uma
interpretao democrtico-radical do liberalismo poltico permite conjugar de modo
satisfatrio o ideal igualitrio da cidadania democrtica com as demandas legtimas de
indivduos e grupos aos quais as normas, embora justificadas do ponto de vista dos interesses
de todos, impem restries diferenciadas.
O desafio enfrentado por Habermas ao enfocar trs aspectos interligados e
diretamente vinculados ao tema do multiculturalismo: a ideia liberal de igualdade, os direitos
de grupos e o igual tratamento das culturas. No primeiro caso, o objetivo a defesa do
princpio da igualdade cvica contra as tentativas de descontruo do liberalismo. No segundo
caso, trata-se de apontar as consequncias ambivalentes dos direitos de grupos fundados pelo
multiculturalismo, os quais normalmente produzem o que Habermas chama de uma
28 O destaque importante, pois a apresentao feita por Habermas das duas interpretaes contrrias e
conflitantes na filosofia poltica possui valor heurstico e, nessa medida, destaca as caractersticas principais de
forma estilizada. notrio, por exemplo, o teor comunitarista desse republicanismo contrastado com o
liberalismo, o que pode ser confirmado em seu artigo: Multiculturalism and the liberal state. Stanford Law
Review, 47 (1995): 849-853. Sabe-se, entretanto, que nem o liberalismo e nem o republicanismo constituem
tradies polticas homogneas, a ponto de muitos de seus representantes serem enquadrados em ambas, dependendo dos aspectos salientados. O liberalismo poltico rawlsiano e a teoria discursiva habermasiana so, no
meu entender, exemplos notveis de tal ambivalncia. 29 A dvida lanada na prpria introduo, de resto muito instrutiva, feita por Cronin e De Greiff para a obra
The inclusion of the other. De fato, os editores afirmam que as teorias altamente abstratas dos direitos humanos
e da soberania popular nas quais ele prope fundar a democracia tanto no nvel nacional quanto no nvel
supranacional parecem ignorar os valores culturais que moldam as identidades de grupos [Editors
Introduction, pp. vii-xxxii; aqui, p. xxviii], sem deixarem de notar a fora e a originalidade de Habermas ao
tratar de uma ampla gama de questes no quadro de uma filosofia poltica singular. 30 Vide, p. ex.: YOUNG, I. Communication and the other: beyond deliberative democracy, in: BENHABIB, S.
(ed.). Democracy and difference: contesting the boundaries of the political. Princeton: Princeton University
Press, 1996, pp. 120-135; BAUMEISTER, A. Habermas: discourse and cultural diversity. Political Studies, 51
(2003): 740-758. THOMASSEN, L. The inclusion of the other? Habermas and the paradox of tolerance.
Political Theory, 34 (2006): 439-462.
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transformao dialtica da igualdade em represso. No terceiro caso, examina-se a
consistncia conceitual da interseo de liberdade e igualdade em casos de igual tratamento
das culturas, problema que tem a ver justamente com a razoabilidade normativa dos custos
que indivduos e grupos devem pagar para uma adaptao modernizao cultural e social.
Esses aspectos, tratados com mais detalhe em outra publicao31, acabam reforando alguns
tpicos da abordagem de Habermas sobre poltica do reconhecimento, destacando-se
principalmente as teses: (a) de que apenas um universalismo igualitrio sensvel s diferenas
pode preencher os requisitos indispensveis para a proteo da integridade vulnervel de
indivduos com histrias de vida distintas; (b) de que, embora a implementao dos chamados
direitos culturais para membros de grupos discriminados, de modo semelhante aos direitos
sociais, siga um desenvolvimento jurdico governado pelo princpio da igualdade cvica,
fundamental que tal expanso do conceito clssico de cidadania no viole direitos individuais
em nome de direitos coletivos, os quais, no sendo suspeitos per se, no entender de Habermas,
so legtimos na medida em que derivam dos direitos culturais do membro individual do
grupo; (c) de que, enfim, no apenas as normas, mas tambm as restries assimtricas delas
decorrentes, aceitas em bases normativas, so uma expresso do princpio de igualdade cvica
que norteia o uso pblico da razo32.
REFERNCIAS
ARAUJO, L. B. L. Liberalismo, identidade e reconhecimento em Habermas. Veritas, 52
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Princeton University Press, 2002.
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Paris: PUF, Collection Philosophie Morale, 1997.
31 Cf. ARAUJO, L. B. L. Liberalismo, identidade e reconhecimento em Habermas. Veritas, 52 (2007): 120-
136. 32 Tais aspectos permitem a Habermas retomar, cerca de dez anos aps os comentrios poltica do
reconhecimento de Charles Taylor, o tema do multiculturalismo na ocasio de uma crtica leitura ps-moderna
do liberalismo. Cf. HABERMAS, J. Equal treatment of cultures and the limits of postmodern liberalism. The
Journal of Political Philosophy, 13 (2005): 1-28.
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CONSTANT, B. De la libert des anciens compare celle des modernes, in: De lesprit
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HABERMAS, J. Conscincia moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
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_____________. Erluterungen zur diskursethik. Frankfurt: Suhrkamp, 1991.
_____________. Multiculturalism and the liberal state. Stanford Law Rev