Xico Sá e o Caminho das Crônicas (2013)

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André Czarnobai | Oscar Pilagallo | Paulo Lima | Pablo Miyazawa | Vitor Birner 2013 dezembro — www.brasileiros.com.br A REVISTA MENSAL DE REPORTAGENS, TENDÊNCIAS, PERSONAGENS, CULTURA, POLÍTICA E ECONOMIA XICO SÁ E OS CAMINHOS DAS CRÔNICAS Conheça o homem que gosta de contar boas histórias e os relatos de quem acompanhou a carreira deste jornalista e escritor subversivo

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Conheça o homem que gosta de contar boas histórias e os relatos de quem acompanhou a carreira deste jornalista e escritor subversivo (Trabalho de Conclusão de Curso)

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Brasileiros | 1André Czarnobai | Oscar Pilagallo | Paulo Lima | Pablo Miyazawa | Vitor Birner

2013 dezembro — www.brasileiros.com.br

a revista mensal de reportagens,tendências, personagens,

cultura, política e economia

XICO SÁE OS CAMINHOS DAS CRÔNICASConheça o homem que gosta de contar boas histórias e os relatos de quem acompanhoua carreira deste jornalista e escritor subversivo

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colaboradores

editorial

[email protected] MAstropietro

suelen DoMingues

Anne BArBosA

tAlitA rAMos

pAtríciA soBrinho

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Design gráficoLuiz Zonzini

revisão De textoJessica Grant

orientAçãoFrancisco Bicudo

iMpressãoAlphagraphics

Nesta edição, trazemos um especial sobre a vida de Francisco Reginaldo de Sá Menezes, Xico Sá,

o jornalista e cronista que saiu do sertão idealizando ser um grande escritor e que trouxe à tona a crônica da vida real. Hoje, Xico é sucesso nas redes sociais, com mais de 130 mil

seguidores em seu perfil no Twitter, além de milhares de leitores diários em seu blog na versão online do jornal Folha de S. Paulo.

Nossa equipe conversou com teóricos, amigos e familiares que estiveram ao lado desse jornalista e cronista durante toda a sua trajetória. Propusemos-nos a realizar uma reportagem que pudes-se viajar pelos vários mundos de Xico, como o do estudante so-nhador, o do repórter investigativo, o do gonzo, o do cronista, e de muitos outros. Como forma de se aproximar da linguagem do perfilado, a Brasileiros apresenta para você, leitor, um jogo de pa-lavras típicas do nordeste ao longo da matéria.

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XiCo SáA trajetória do cearense com mais de 30 anos de carreira que rompeu as amarras da profissão com um estilo irreverente em seus textos.

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Nascido no interior do Ceará, o jornalista com mais de 30 anos de carreira que carrega grandes furos de reportagem

também se destaca no cenário atual da crônica brasilei-ra. Até agora, treze livros compõem sua trajetória literária, como o romance Big Jato, além de prêmios e participa-

ções especiais na televisão

NA CRÔNICA DE

XICO SÁ

por ANNE BARBOSA, ARIANE MASTROPIETRO, PATRÍCIA SOBRINHO, SUELEN DOMINGUES E TALITA RAMOS

Era sábado e a crônica daquele dia de agos-to ainda não estava pronta. Xico senta-se em frente ao seu notebook posicionado ao lado da querida Lettera 22, no seu novo endereço na Cidade Maravilhosa. A casa

ainda não tinha o jeito dele, o canto dele, o cheiro dele, pois tinha acabado de se mudar, mas um espa-ço já havia sido escolhido para a criação dos textos. Alguns livros, jornais e revistas sobre a escrivaninha não foram suficientes daquela vez, nem muito inspi-radores. Dali, escuta os vizinhos, que gritam agonia-dos para o mundo tudo aquilo que, em tese, deveria pertencer apenas aos dois. É uma discussão amorosa. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Xico não con-segue ignorar o acalorado embate afetivo e já sabe qual vai ser o enredo arretado do texto do dia: o amor, claro. Mas não só de crônicas vive Xico Sá. O tam-bém jornalista, que sempre sonhou em ser escritor, já conquistou um espaço privilegiado na chamada gran-de imprensa. Atualmente, é referência em diferentes assuntos, como futebol, política, boemia e o universo feminino, mas não está vinculado a nenhum veículo.

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Com 51 anos de vida “duvidosos”, ele carrega na mala de experiências mun-danas um empencado1 de bagagem cultural, profissional e, o mais impor-tante, tudo isso vivido com muita cria-tividade e sem perder suas raízes nor-destinas, obviamente. “Xico é Xico”, definiram Ronaldo Bressane, Pablo Myazawa, Célia Dias de Sá, Rita e Pinky Wainer, Rita Couto e tantos ou-tros com quem a Brasileiros conversou e que aparecem nesta reportagem.

O cearense garante que, apesar da fama que adquiriu após trabalhos na televisão, como Cartão Verde, da TV Cultura, e Saia Justa, da GNT, o que gosta mesmo e o que lhe dá o maior dez2 é escrever. Enquanto alguns la-mentam seu afastamento do jornalis-mo diário e outros apontam-no como um dos principais cronistas brasilei-ros da atualidade, ele segue viagem, participando ativamente do cenário do jornalismo e também da literatu-ra contemporânea brasileira. Lá se foram anos empestando3 as redações deste Brasil com seus conselhos, tex-tos e apurações. Diário de Pernam-buco, Diário do Nordeste, Tablóide Esportivo, Diário Popular, Correio da Bahia, O Tempo, Correio Braziliense, Continente, Revista V, Veja de Brasí-lia, Revista da Folha, Vogue Homem, Bravo!, Tpm, Trip, revista Elle, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Pau-lo... A lista é longa. E, para o bem de todos, não ficou só por aí.

Dentre as muitas características que dão contornos aos estilos cronista e jornalista de Xico Sá, a capacidade de percepção é uma de suas princi-pais aliadas na criação de seus textos. “Minha maior felicidade é quando eu

1 Acompanhado de um monte de coisas, de gente2 Gostar muito3 Deixar um lugar cheio de alguma coisa

acerto alguma observação da vida e escrevo. É uma obsessão que eu persigo, e eu me acabo de felicidade quando dizem: ‘Ah, você está acompanhando minha vida, só pode’. Aí eu acho que eu tenho um trabalho, que tem uma história”, conta. Essa preocupação com os detalhes ajudou a construir seu estilo que, hoje, é facilmente identificável. Rita Couto, mestre em Semiótica das Literatu-ras e professora de Teoria Literária da Universidade Nove de Julho (Uninove), lembra que “durante um tempo, com os meus alunos de Letras, trabalhei algu-mas crônicas brasileiras e tirava o nome dos autores. Os textos de Xico Sá eram os que os alunos respondiam na hora, porque o estilo dele é muito próprio.”

Cercado por livros que vão de Graciliano Ramos a Nelson Rodrigues, Xico começou a compor sua carreira literária com cunhão4 no início da década de 1980, e hoje acumula obras como Modas de Macho e Modinhas de Fêmea, de 2003, e o romance de destaque Big Jato, de 2012. “Eu acho que ele é casado com a literatura e casado com o jornalismo. Ele não consegue viver sem escre-ver. Acho que escrever, para ele, é respirar”, conta Célia Dias de Sá, prima dele.

4 Com coragem

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o CRAVo que NASCeu No SeRTãoFoi no Crato, município do interior do estado do Ce-ará, que o “macho jurubeba” veio ao mundo, mas, por um tempo, foi difícil precisar se tal aconteci-mento se deu em 1962 ou em 1963. Pois a vida do boêmio Xico Sá se inicia com essa confusão engra-çada, que renderia uma ótima crônica tragicômica, como ele mesmo gosta de fazer. O pai do jornalista, o senhor Francisco Nildemar de Menezes, costuma-va registrar seus filhos só quando já estavam gran-des o suficiente para ir à escola. Na vez de Xico, o pai mareado5 registrou o filho com o ano de nasci-mento errado. Só depois de crescido que Xico se deu conta. “Mas, rapaz, não posso ter nascido em 1963. Sou de 3 de outubro e meu irmão de 13 de novembro, registrados no mesmo ano. Era um mês de diferença, da mesma mãe. Pai louco, né?”, conta Xico. Foi aí que ele resolveu alterar o seu registro. Hoje, o ano de seu nascimento é 1962 e a comemo-ração é feita no dia 6 de outubro. São 51 anos, mas que ainda são duvidosos para muita gente.

Durante uma conversa no calçadão de Copacaba-na, Rio de Janeiro, Xico revela que sua infância não foi no Crato. “Minha mãe estava lá, por acaso, e eu nasci”, disse. Ainda bebê, ele foi levado para Santana do Cariri, também no interior do Ceará. Sua menini-ce6 foi repleta de brincadeiras e de tudo o que se tem de mais simples e tradicional. Ficou muito tempo no mato, morando no sítio das Cobras, na zona rural. “Era aquela coisa de felicidade completa, menino solto.”

Essa vivência nordestina parece estar em tudo o que Xico faz. Para Edma Góis, pesquisadora do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Con-temporânea (GELBC) da Universidade de Brasília (UnB), essas referências refletem nos textos e no estilo do cronista. “Tudo tem ligação direta com as suas origens do Cariri e do Recife. As escolhas dos personagens e do próprio cenário denunciam isso. Os textos marcam essa figura do homem macho do nordeste. É uma figura controversa, problemática, mas que ainda existe em algum canto, e ele mesmo problematiza com humor.”

A relação estreita de Xico com a arte de escrever começou cedo. Ele diz que teve a sorte de contar com a influência de um professor da escola, aos treze anos

5 Esquecido6 Infância

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JuVeNTude Xico Sá no auge de seus

18 anos, em Recife

iNFÂNCiA Foto tradicional de Xico aos 10 anos, na escola

LeMBRANÇAPara Xico, a arte de es-crever começou cedo

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PAuSAXico no encontro Segundas intenções, da Biblioteca de São Paulo

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de idade. “O nome dele era Geral-do Bilé. Bilé no sentido de malu-co mesmo. No interior, cara que lê muito o povo acha que é maluco. Ele me deu os meus primeiros li-vros. Ele me dava e eu lia muito”, conta. Um dos autores que mais o marcou foi Graciliano Ramos, tal-vez até uma paixão à primeira vis-ta. “Fiquei alucinado. Quando eu li, disse: ‘Quero ser escritor’. Já tinha lido muito Monteiro Lobato, José Mauro de Vasconcelos, mas foi Graciliano que me pegou mesmo.”

Atualmente, o romance faz par-te de seus principais hábitos de leitura. “Eu lia muita biografia, até que passei a acreditar só em ficção. Eu não consigo ler outra coisa. Essa semana eu li os contos de Nabokov. Quando vou dormir, é chá e livro.” Quase como um ri-tual, ele substituiu a oração pela leitura. Xico conta que depois da faculdade perdeu um pouco essa crença. “Era onde eu me ampara-va, diante de qualquer angústia, eu tinha um canto pra me ampa-rar. Havia um conforto. Agora, eu acredito muito nos livros, às ve-zes, me salvo nos livros”, insiste.

Além dessa grande proximi-dade com os livros, uma paixão desde menino por rádio impulsio-nou Xico a começar sua carreira levando os textos que escrevia so-bre os acontecimentos de seu dia a dia para a rádio Vale do Cariri. “A primeira notícia que eu redi-gi na vida foi quando eu estava vendo um jogo de futebol e o cara sacou uma arma e atirou no ou-tro. Para narrar aquilo, eu escrevi a seguinte manchete idiota: ‘Jogo de bola acaba em bala’, e levei para a rádio. Para eles, foi um trocadilho incrível.”

eM CAdA NoVA AVeNidA

“Ele tem uma maneira de redigir muito particular, que o torna infinitamente melhor do que tudo o que está por aí”, garante Claudio Tognolli, jornalista e professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), do outro lado da linha. Para ele, o diferencial se dá por Xico estar sempre amparado nos livros da alta literatura, como Gilberto Freire.

A admiração de seus ex-colegas de profissão não para por aí. Aliás, curiosidade: os trabalhos de Xico não se resumem às redações espalha-das pelo Brasil e já deram, e ainda darão, muito o que falar. Foi lá no Recife, na década de 1980, que o cearense inclusive chegou a atuar au-xiliando as pessoas na travessia de ruas, quando era fiscal de trânsito na

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Companhia Municipal de Transportes Coletivos. “Era ajudando velhinhas a atravessarem a rua. Quando im-plantavam alguma avenida, eu tinha que ir lá para au-xiliar as pessoas”, lembra Xico, aos risos.

De volta ao mundo das letras, quando já estudava Jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um dos estágios de Xico foi em um semaná-rio chamado Tablóide Esportivo. Lenivaldo Aragão, que trabalhou com o jornalista na redação, lembra detalhes sobre a entrada do amigo: “Magro, feio, sambudo, venta de papagaio, parecia um per-sonagem de Graciliano Ramos no seu romance Vidas Secas, ou daquela figura descrita por Luiz Gonzaga, atribuída a sua pessoa na chegada ao sul do país”. Aragão conta que uma das características que mais contempla nos trabalhos de Xico é o fato de nunca ter es-quecido suas raízes. “Essa ca-racterística, apesar da influên-cia da convivência de muitos anos na Paulicéia Desvairada, Xico faz questão de manter.”

Após passar por Brasília, a convite da revista Veja, Xico chegou para trabalhar em São Paulo no dia 1º de abril de 1990, na redação do jornal O Estado de S. Paulo. “Eu não me via fora do Nordeste se não fosse em São Paulo. Não podia ser outro can-to, aí eu já fui para Brasília com a ideia de ‘na primeira oportuni-dade eu corro pra lá’.”

Apesar de já ter passado por mêimundo7, como na revista Trip, no Diário Popular, na revista Elle e em outros trabalhos na TV, internet e rádio, foi na Folha de S. Paulo que Xico ganhou destaque, tendo inclusive sido reconhecido com prêmios. Em 1991 ele pisou pela primeira vez na redação da Folha, e já em 1993 es-tava recebendo um prêmio na área: o Prêmio Esso de

7 Muita coisa

Jornalismo, na categoria Reportagem Especializada, com a matéria Anatomia de uma Licitação, ao lado do jornalista Oscar Pilagallo, na qual denunciavam um cartel de empreiteiras que ditavam os preços e defi-niam, entre as empresas, as vencedoras das licitações.

Xico também fez história com o caso PC Farias, um dos grandes marcos em sua trajetória jornalística. No governo de Fernando Collor de Melo, o tesoureiro da

campanha presidencial, Paulo César Farias, foi acusado de fraude por seu próprio irmão. PC, como era conhecido, fu-giu do país em junho de 1993, quando a mídia se mobilizou para procurá-lo. Durante 18 meses, Xico manteve-se sem-pre próximo do círculo familiar e de amizades do ex-tesoureiro. Acabou conquistando a con-fiança da fonte e de sua famí-lia. E foi tomando cerveja em um bar em Maceió que Xico ouviu, de uns homens que tra-balhavam com PC, onde ele es-tava. “Eu escolhi ficar em Ma-ceió porque conhecia as fontes todas que me ligavam a ele e elas estavam lá. De repente, um fala para o outro: ‘Ah, ele está em Londres’. Na hora eu não disse nada e até conversei com os caras. Aí fui atrás dos irmãos, que eram mais minha fonte, até eles confirmarem”, confessa. O furo foi publicado na Folha de S. Paulo no dia 21 de outubro de 1993. “Ele era o jornalista que mais tinha aces-so ao PC Farias, em grande par-te porque, naquela altura, tinha

muita gente que só queria falar dele para escorraçar, e o Xico tratava a coisa da maneira mais profissional, mais jornalística”, lembra Pilagallo.

Sua vida no jornalismo rendeu frutos e reconheci-mento, mas ele sentia de perto a responsabilidade da profissão. “Eu tinha um pesadelo permanente quan-do eu fazia essas matérias mais sérias, que era ter

Eu tinha um pEsadElo

pErmanEntE quando eufazia essasmatérias

mais sérias,que era tererrado tudo

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XICO SÁ, CONDENADO?

errado tudo. [...] Você escreve que o cara superfaturou um milhão e isso é uma matéria que no outro dia vai derrubar gente. Eu dormia achando que não era um milhão, eram cem”, conta.

Em abril de 2005, Xico entrou na onda da internet. O Carapuceiro foi seu primeiro blog, no qual pôde transportar suas crônicas do papel para o mundo virtual. Lá, os assuntos variavam entre amores platônicos, jornalis-mo picareta e “gonzolendas”, como define o próprio blog. O Carapuceiro parou de ser atualizado em 2012, quando Xico passou a escrever crônicas

no site da Folha. “Ele já conquistou o lugar dele na literatura do jeito que ele é. Era o sonho dele de mui-tos anos, de viver só como escritor. Hoje ele já pode. O jornalismo não é mais só para sobreviver, ou por obri-gação. Ele faz porque ele realmente gosta”, conta Célia.

iNÍ Cioo jornalista em sua primeira entrevista com o poeta Joã o Cabral de Melo Neto

oLHARA observação faz parte de seu trabalho

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dia 3 de maio de 2000, página 11 do jornal Diário Popular. Na matéria, Xico condenou a ação de policiais militares na repres-são ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), por con-ta da ocupação da sede do instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (incra), em São Paulo. Foi Xico que acabou sendo condenado em primeira instância, processado pela PM, a quatro meses de prisão por causa do título o MST e os sem--cérebro, que desagradou ao comando da PM.

o jornalista relata que os militantes foram surrados, ti-veram os cabelos raspados e, sem roupa, foram presos no Carandiru. o juiz, Ruy Alberto Leme Cavalheiro, considerou o texto pesado demais contra os policiais e aceitou o argu-mento de que a matéria teria abalado toda a corporação. “Transitada esta em julgado terá o acusado seu nome lan-çado no livro do rol dos culpados”, afi rmou Leme Cavalheiro, no fi nal da decisão de 29 de novembro de 2002.

“depois de muito trabalho, meus advogados conseguiram recorrer e fui absolvido. Mas isso atrapalhou muito a minha vida. Na época, tentava alugar uma casa e os proprietários alegavam que não podiam alugar para mim por causa da condenação. Atrapalhou muito a vida prática”, confessa Xico.

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CARTão VeRde... do AMoR! “Os dois assuntos que mais gosto de escrever são mulher e futebol. Não tive coisa de casa, foi rua mes-mo. Foi outro mundo”, confessa Xico Sá, que desde Recife já es-crevia crônicas sobre esses temas nas horas vagas. Mais tarde, esse hobby, que se tornou profissão, levou-o também para um programa na televisão, o Cartão Verde.

Sua participação, de 2008 a 2012, na TV Cultura, foi um mar-co importante para a carreira de Xico, pois conseguiu se destacar e ganhar ainda mais visibilidade na área esportiva. O jornalista não es-conde seu gosto pelo programa, e admite que foi o único que fez até hoje sem lamuriar, “porque eu ti-nha mais prazer, era futebol, mais relaxado”, conta.

Sua saída no programa se deu após a morte do ex-jogador e amigo Só-crates, que ainda é motivo de emoção para Xico. “Eu fiquei baixo astral, quando o Sócrates morreu ficou pesado fazer (o programa). Fui a um pro-grama só e não foi legal. E não era nem só na hora de entrar no ar, era mes-mo chegar na TV Cultura, nós sempre chegávamos antes ou íamos jantar, e depois tinha cerveja. Quando eu fui e não teve isso, foi muito doloroso.”

O que ficou da época foram boas histórias com as quais Vitor Birner, que trabalhou ao lado do jornalista no programa, diverte-se ao recordar. “Eu lembro que algumas vezes o diretor queria entrar em alguns assun-tos, ou cumprir a pauta de uma maneira linear, e não conseguia porque o Xico e o Magrão (Sócrates) eram incontroláveis. O Xico era incontrolável, mas divertidíssimo.” E complementa: “Também era muito provocador. As provações no programa inclusive ficavam mais leves. Depois, quando íamos tomar cerveja no bar, a coisa desandava mesmo”.

A relação de suas crônicas com o Cartão Verde deu tão certo que um de seus personagens virou de supetão8 o mascote do programa. Edgar, o corvo, foi inspirado em Edgar Allan Poe, escritor americano de contos de suspense e terror. O personagem é uma ave agourenta, especializada em secar os grandes e favoritos times no futebol.

8 De repente

eSPoRTe Participação de Xico no programa Cartão Verde

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Os romances de Xico também não ficavam de fora do programa. Birner lembra que os convidados ficavam surpresos com as conver-sas do jornalista, porque ele não se fazia9. “Imagina o convidado che-gando num programa de futebol, onde ele acha que vai encontrar um cara que vai falar de futebol, e aí aparece o Xico Sá falando do amor, da vida, das relações, do sexo, da noite, misturando tudo. Eu lembro que, quando o Mano Menezes foi ao programa, ele ficou com cara de quem se perguntava ‘de que plane-ta apareceu esse sujeito?’”

Além do programa de televisão, suas crônicas futebolísticas tam-bém renderam grandes compara-ções com um escritor que o inspira. “Xico Sá recupera muito Nelson Rodrigues na forma peculiar de ver o mundo, sobretudo quando fala-se em futebol. Ele preocupa-se com o que está em volta do futebol, com as adjacências do jogo, com as ime-diações, e não só com o jogo em si. Isso é uma linguagem original, po-ética, própria, particular pra fazer uma análise. Neste sentido, eles se aproximam muito, eles veem a mesma coisa que todo mundo vê, mas escrevem algo inesperado”, conta Rodrigo Brandão, jornalista e colunista do jornal Tribuna Im-pressa de Araraquara. Rita Couto também tem sua opinião sobre essa maneira singular de escrever. “Ele é um cronista de futebol, e não um comentarista, porque vai além do comentário sobre futebol através da linguagem. É uma linguagem ambígua, bem humorada. O texto dele não é um texto que briga com nenhum time, nenhum torcedor, ele tem o próprio estilo dele.”

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o que LHe dá PRAZeR: SeR CRoNiSTADefinir o que faz uma pessoa se sentir inteira e completa na profissão costuma não ser uma tarefa fácil. Para Xico Sá, a resposta é simples. “Eu gosto muito dessa coisa de texto curto. O que me dá mais prazer é a crôni-ca”, confessa. São nas crônicas de cada dia que Xico se encontra. Atual-mente, elas são escancaradas10 no blog da Folha desde fevereiro de 2012.

Há uma fronteira entre jornalismo e literatura. Mas é uma fronteira permeável que permite certa convivência. As crônicas são um bom exem-plo disso. Depois de passar pelas principais redações jornalísticas do país, Xico parece ter encontrado a fórmula certa para expor seu trabalho. Para Fernando Resende, doutor em Ciências da Comunicação pela Uni-versidade de São Paulo (USP), essa trajetória entre a redação e a crônica parece revelar um traço comum. “Sair dos limites impostos ao jornalismo e abraçar a crônica parece ser uma alternativa para aqueles que querem ‘respirar’ e expandir os limites do que se entende por ‘fato’!” Ele com-pleta: “O interessante é pensar o quanto, muitas vezes, esses trabalhos, pelo uso complexo das linguagens, revelam muito mais verdades do que o jornalismo supostamente o faz”.

Contudo, isso não quer dizer que os autoquestionamentos não existam.

10 Exibidas, mostradas

“Às vezes eu penso: ‘Por que eu não escrevo uma coisa mais séria? Fui um repórter investigativo, fiz coisas importantes para o país’. Aí, meia hora depois eu digo: ‘O amor também é político, vou continuar nisso’.” Ronaldo Bressane acredi-ta que é nesse tema que ele acerta em cheio. “Para falar de amor, ele é insuperável. A perspectiva do Xico não é de cima, é de baixo. Ele tem um olho para as fragilidades, os er-ros, o fracasso”, conta.

Os temas tão cotidianos parecem querer se aproximar das pessoas de uma forma humilde, sem embura-car11. Isso torna-o muito mais huma-no aos olhos dos leitores e amigos. “Eu não acho que os textos do Xico

11 Entrar sem pedir licença

iNSPiRAÇão Nelson Rodrigues faz parte das leituras de Xico

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fujam do senso comum. Eu acho que ele busca o senso comum. Ele fala de temas populares, de sexualidade, comportamento, drogas, e são te-mas do dia a dia, que agradam a todos”, afirma Tognolli.

E de onde vem essa inspira-ção? “É uma investigação, por isso que a coisa da alma do repór-ter é importantíssima para o cro-nista, porque você está apuran-do a vida inteira”, revelou Xico. Porém, não basta ter só o talento arrochado12. Tem que fazer a dife-rença. “Ele faz com que as pesso-as gostem de coisas que elas não gostariam se fossem feitas por ou-tras pessoas”, diz Birner.

Teóricos e amigos também apontam alguns problemas nos textos de Xico. “Eu tenho medo que ele fique muito na mesma linha e que comece a se repetir, mas confio na inteligência dele”, disse Ivana Arruda Leite, escri-tora e socióloga. “O que eu acho é que talvez o Xico Sá tenha se tornado, o que é muito comum para quem faz o que ele faz, um personagem dele mesmo”, reto-ma Tognolli. Já Bressane afirma que “ele copia mui-ta coisa e cola dentro do texto. Inclusive dos próprios textos dele. O que às vezes é até ruim para ele”.

12 Valentão

Todavia, Xico tem uma defesa. “Um dia eu vi Nel-son Rodrigues falando que se você não se repetir,

ninguém vai notar você no mun-do. Aí, eu passei a usar muito mantra. Primeiro eu perdi a ver-gonha de repetir, depois eu pas-sei a usar como prática mesmo, isso é totalmente copiado dele.”

Além das repetições, as me-táforas e citações excessivas nos textos de Xico também são alvos de críticas. Edma aponta isso como um risco para o en-tendimento do leitor. “Muitas vezes ele faz referências a au-tores e filmes dos quais gosta, mas que não necessariamente as pessoas viram, como uma polifonia, comunicando algu-ma coisa que talvez o leitor não consiga acessar.”

Exageros à parte, o que eles não duvidam é que Xico é ple-no como cronista. “O charme dele é ser essa figura a margem do trilho. Ele achou o caminho dele, que é essa mistura louca de jornalismo, literatura e auto-ajuda. O Xico é um cronista ex-

celente, ele é romancista, e se bobear, a gente ainda vai descobrir outras coisas que ele é também. Deve ser poeta. Deve ter poesia escondida”, diz Ivana.

sair dos limitEs

impostos ao jornalismo

e abraçar a crônica parece ser uma alternativa para

aqueles que querem respirar

(Fernando Resende)

CoMPANHeiRA Lettera 22, máquina antiga que ainda acompanha o cronista

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Tudo Foi PeLA CRôNiCANa televisão, Xico também parti-cipou do programa Saia Justa, do GNT, de 2010 a 2013, no qual dis-cutia temas polêmicos relacionados ao universo feminino. Desde 2012, o programa Amor e Sexo, da TV Glo-bo, acolhe o jornalista que participa da bancada dando pitacos sobre te-mas quentes, como comportamentos femininos e vida sexual. A opinião dele? “Eu sofria muito no começo, de ter que ser infinitamente mais banal. Hoje eu não sofro mais por-que, pô, eu tenho que ganhar um dinheiro também, eu mereço. Faço de forma relaxada, mas era muito sofrido”, complementa, debochado.

Na rua, a tal da “fama” começou a ser percebida. No bar, na calçada, e até mesmo na praia, Xico é abor-dado diversas vezes por fãs que o re-conhecem, querem tirar foto e arran-car uma casquinha do macho rei13.

13 Cara, amigo

Quando o reconhecimento é apenas pela aparição na TV, Xico demons-tra certo desconforto, quase que uma tristeza. Mas se alguém diz: “Li sua última crônica e estava muito boa”, ou “acompanho o seu blog”, até o macho do sertão derrete-se.

Mas como a televisão entrou na vida de um jornalista, cronista e es-critor, apaixonado pela arte de escre-ver? Xico diz que a TV só surgiu na sua vida por conta de seus trabalhos como cronista. “Nunca caí lá porque tenho um rostinho bonito”, conta. “No início eu me incomodava muito, porque eu digo ‘passei a vida inteira escrevendo e vem nego me elogiar por meia hora de TV’, mas o que aca-bou acontecendo foi que muita gente que gostava da televisão, passou a ser leitor. Então teve uma migração muito grande, isso é legal.”

A mãe de Xico tem grande par-ticipação nessa aceitação. Ele con-ta que sempre que reclamava des-sa fama pela banalidade, ela dizia

com sabedoria: “Filho, deixe de frescura, foi você quem quis ser re-conhecido, agora aguente”. Ele faz questão de não esquecer.

Os amigos de Xico falam de suas aparições na televisão com tom mais de goga14, mas não as desaprovam. “Eu acho interessante o Xico na te-levisão, porque ele não faz dentro dos padrões, ele faz do jeito dele. Quando foi fazer o Saia Justa, eu falei: ‘Você está louco’, e ele me respondeu: ‘Mas, rapaz, eu vou lá e conto os meus ca-sos’. E deu muito certo”, comenta Marcelo Mendez, jornalista e amigo do cronista. “Eu pego no pé dele, eu falo que ele é um ícone pop alterna-tivo e ele fica irritado porque ele não quer ser ícone de nada. Faz parte do nosso bullying de amigos. [...] O Xico não interpreta personagem nenhum, é aquilo mesmo. O máximo que ele vai fazer é ficar um pouquinho mais mo-derado”, conta Birner.

14 Deboche

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NA TV Xico se prepara para mais uma gravação

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XiCo é XiCoQuase como um camaleão, Xico é irreverente também em sua vida pessoal, a começar pelo estilo. Os óculos despojados e as camisas que parecem vir dos anos 70 compõem a figura icônica que ele mesmo criou. Paulo Lima, fundador e edi-tor da Trip, conta de onde vem o traje. “Ele me contou que é um tio dele que compra as camisas. Acho que a expressão é essa: camisas de domingo. É um tio lá do interior do Ceará que fornece as camisas exóti-

cas.” O editor, que assume ser uma pessoa que não faz elogios à toa, não esconde: “Eu queria que tivesse um monte de Xiquinhos aí pelo mundo, de óculos e camisas de domingo, espalhando coisa boa para todo mundo.”

O estilo não se resume apenas ao visual. Silvio Oliveira, que foi editor do Jornal do Commercio, no Recife, foi o responsável pelo “x” da ques-tão. “Fui fazer uma cobertura dessas de treino do Náutico e no outro dia estava assinado Xico com ‘x’, foi daí que rolou. Eu fiquei espantado na hora, mas as pessoas gostaram: ‘Pô, aí é legal, chama a atenção’. Pior é Xuxa, né?”, confessa Xico.

O título de enrolador, conhecido principalmente pelas mulheres que passaram por sua vida, é mais uma característica que compõe a perso-nalidade de Xico. Junio Barreto sabe bem como isso funciona. “A gente estava no lançamento do filme de um amigo e aparecia uma japonesa linda, por quem ele apaixonou-se. Na saída do cinema, a gente encontrou a japonesa. No mesmo instante, ele pulou no pé da menina e começou a

CoPACABANA o “Macho Jurubeba” no

calçadão da Cidade Maravilhosa

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e barbosa

capa | perfil

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Brasileiros | 19

beijá-la. A moça ficou tão agoniada que foi embora deixando o sapato. Depois disso, ele ficou três dias com o sapato no bolso tentando encontrar a garota e dizia para os amigos: ‘Veja que cheiro maravilhoso!’.”

“Galinha todo mundo sabe que ele é, mas é uma característica, não um defeito”, confessou Rita Wainer, amiga e ex-namorada do jornalista. A galinhagem chinfrim15 também não parece incomodar os amigos, que se divertem com a situação. “Ele construiu uma carreira incrível. Isso foi muito bom e o fez ficar famoso. Agora as mulheres correm atrás dele. Ele é uma graça.” A opinião vem de Vitor Birner, que sabe muito bem como é a experiência da noite paulistana ao lado do Xico. “Eu não consigo entender, porque não é beleza, ele, assim como eu, não é um privilegiado nesse aspecto.”

Viver um caso de amor com Xico não é para qualquer uma. Rita Wainer foi uma delas. Os dias ao lado de Xico costumavam render boas histórias. “Teve um dia, quando morávamos na mesma casa em São Paulo, que ele chegou em casa todo arranhado, cheio de mato na cabeça. Eu fiquei desesperada: ‘O que aconteceu?’, eu perguntei. E ele respondeu: ‘Matei um cara. Estava subindo a rua, aí vieram me assaltar, eu o empurrei para cima de um ônibus e ele morreu. Saí correndo, chamei um amigo pra ver, e não sabíamos o que faríamos com o corpo, se chamaríamos a polícia ou não...’ E então ele começou a chorar. No dia seguinte, na época do Orkut, eu vi o seguinte recado na página dele: ‘Adorei rolar na grama com você’. Perguntei por que ele não havia dito a verdade e a resposta foi: ‘Você me olhou com uma cara de quem precisava de uma história muito boa, então eu achei que você não ia gostar se eu falasse a verdade’.”

Essas experiências com as mulheres resultaram em muita reflexão. Xico reconhece as maluquices do passado e assume a preocupação em repeti-las. “Eu tenho um grande medo de decepcionar as pessoas. Esse drama homem-mulher é um drama em que hoje eu estou infinitamente melhor, mas entendo um pouco como não causar uma grande decepção. Isso me incomoda e talvez por isso que vire muito assunto das minhas crônicas, porque ninguém vai ser perfeito, mas acho que a gente pode decepcionar menos.”

SALVAÇão que VeM doS LiVRoSGeraldo Bilé, professor de Xico, não era tão Bilé como as pessoas fala-vam. Ele foi um dos responsáveis por incentivar o gosto pela leitura do jornalista e escritor. “Acho que ele via algo a mais em mim: ‘Esse cara vai ser dos livros’.” Com os anos, as palavras saíram da sua mente e foram para o papel, fazendo nascer distintas obras.

Modos de Macho & Modinhas de Fêmea (2003) é um livro que tenta fazer uma homenagem às mulheres e produzir um simples manual com-portamental dos homens. Toda essa discussão é feita em crônicas que são perfeitamente amarradas. Outro sucesso é o Chabadabadá, Aventuras

15 Vagabundo, sem valor

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IVo Pesso

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MoMeNToS Xico Sá na noite

LiGAÇão Xico e Rita Wainer, ex-namorada

e, hoje, melhor amiga

eSTiLo Pequena caixa com

seus óculos preferidos

e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha (2010), com-posto por crônicas inéditas e textos anteriormente publicados em gran-des revistas e jornais.

Xico também publicou Cabelle-ros Solitários Rumo ao Sol Poente (2007), um livro com uma lingua-gem nova: o portunhol. “Era um movimento de inventor, que é uma brincadeira com a história do por-

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tuguês isolado na América Latina inteira, como a única língua diferen-te. Começou mesmo com o livro Mar Paraguayo, do Wilson Bueno, em que ele mistura português, espanhol e guarani. A partir disso, começou a brincadeira de ‘vamos todos em grupo escrever em portunhol’, que é a língua de qualquer bêbado depois da meia noite”, conta.

Esse estilo durou uns cinco anos. Notícias nacionais e internacionais sobre o livro e o estilo portunhol foram publicadas e o que era brincadeira tornou-se sério em alguns momentos. “As autoridades levaram a sério, a ponto de fazermos um grande lançamento com manifesto na embaixada brasileira em Assunção. Teve um momento em que eles acharam que era uma coisa para juntar a América Latina e a gente deixava também para ver até onde ia aquela história, que era uma grande brincadeira”, afirma.

Assim como Caballeros, o livro Catecismo de Devoções, Intimidades & Pornografias (2006) foi publicado pela Editora do Bispo. Esses livros foram produzidos de uma forma mais caseira. “O livro dele vinha em-brulhado em uma meia de mulher, era incrível. Em minha opinião, era um texto forte, como o Xico não estava acostumado a publicar. Eu acho que até então ele nunca tinha sido tão forte, ousado, e era deslumbrante. Ele não sabe, mas eu acho esse negócio de modas, modinhas, chato, eu gosto quando ele pega pesado, quando ele vai fundo. Ele sabe ir, ele fez isso com os livros que publicou aqui com a gente (na Editora do Bispo)”, conta Pinky Wainer, fundadora da Editora do Bispo e artista plástica.

Se um Cão Vadio aos Pés de uma Mulher-Abismo (2006), La Mujer És um Gluebo da Muerte (2007) e Tripa de Cadela & Outras Fábulas Bêbadas (2008) continuaram a lista. Encomenda de livros? Sim. Xico recebeu a proposta da Editora Objetiva para escrever Divina Comédia da Fama (2004). “É escrito por mim, mas é um livro de encomenda. A editora me contratou para escrever o livro. Eu dei o título e tal, inventei aquele formato, mas quando estava começando no Brasil mais profissio-nalmente essa história de fama, de celebridades.” Ele diz que acha legal fazer trabalhos de encomenda e que não tem problemas com isso, mas

tem sua opinião. “Eu jamais escre-veria, jamais escolheria esse tema. Me deram um dinheiro adiantado, fiquei meses pra escrever esse li-vro. É como se fosse uma pauta de uma revista.”

O livro Nova Geografia da Fome foi mais um de encomenda. “Foi um contrato, uma encomenda do Banco do Nordeste, de Fortaleza, por conta dessa minha parte como repórter social, mais ligado à área social. Eu tinha feito muita maté-ria de miséria no nordeste, e eles me contrataram pra fazer o livro.” Xico, juntamente com o fotógrafo Ubirajara Dettmar, percorreram 60 mil quilômetros para compor essa história. “Ali, eu boto mais minha alma, por conta da região, por con-ta do tema”, descreve.

Seu acervo literário não para por aí. No início dos anos 80 ele escreveu de forma amadora o livro Paixão Roxa, de poemas e poesias. Ainda no Crato, ele fez um livro pouco conhecido: Quando o Motivo é Liberdade. “Ninguém sabe desse livro. É um livro que saiu quando eu estava chegando no Recife, mas ele foi editado lá no Crato mesmo, pelo Instituto Cultural do Cariri, que é meio uma Academia de Le-tras de lá.” Célia Dias caçoa16 com a possibilidade de ele ser imortal no Instituto. “Se você me sacanear, eu vou inscrever você pra ser imor-tal do Instituto Cultural do Cariri, que tem que fazer um discurso, ir pra lá e tudo.”

O último livro de forma amadora foi Metaforância. “Uma mistura de metáfora com ânsia. Tudo poema. Era mais ou menos composto por poemas curtos, era muito influen-ciado, muito no mundo Paulo Le-

16 Zomba

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oBRAS Alguns dos livros do escritor

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minski, assim de haikai. Mas esses três livros, que eram feitos da forma mais amadora possível, era quase poesia--mimeógrafo”, diz Xico Sá.

Seu mais recente lançamento foge do universo das crônicas e poesias. Big Jato, de 2012, é um romance que também terá desdobramentos fora das páginas. O acervo literário de Xico não para por aqui, em breve sairá um livro quentinho do forno. Uma dica: pode ser sobre o uni-verso futebolístico. Não é que o professor Bilé acertou? Ele é mesmo um cara dos livros.

RiNdo dA PRÓPRiAdeSGRAÇAO cearense mais pernambucano e paulista do Rio de Ja-neiro abriu mais uma porta com o romance Big Jato, que foi lançado no dia 16 de outubro de 2012, na antiga Terra da Garoa. Toda a história estava bem guardada e emergiu por força superior. “Se um homem não conta, é um homem mor-to”, relata o próprio Xico na rápida introdução, intitulada Breve e Perfumado Prólogo. Mais conhecido como autobio-gráfico, Big Jato foi um acerto de contas com o mundo do próprio autor. Vale do Cariri, interior do Ceará, década de 1970. Um limpa-fossas, que leva o nome da obra, funciona como fio condutor do primeiro ao 33º capítulo para contar as jornadas diárias entre o garoto e o seu “velho”.

É na boleia do caminhão que o menino se dá conta de seu primeiro trabalho e de muitas lições da vida, como o encontro com o amor e o rock. As histórias, que brincam entre a memória e a ficção, resgatam a bonita passagem entre a infância e a adolescência. Um dos pontos mais for-tes da narrativa é o preconceito enfrentado, inclusive den-tro de casa, com a atividade exercida pelo pai, a de limpar a “sujeira” feita pelos moradores da cidade de Peixe de Pedra, que possivelmente corresponde à atual Santana do Cariri. O sustento da família vem da merda dos outros, mas para o menino, o trabalho do pai não é motivo de ver-gonha, ao contrário do que pensam a mãe e os irmãos.

O menino cresce entre a personalidade bruta do pai e o espírito de cidadão do mundo emergente do tio, que representam as mudanças culturais da região na época. O tio, que assume a voz da narrativa em alguns trechos, é um vagabundo de primeira que declara horror da peste17 pelo trabalho, tipo de exemplo que o velho não quer para o seu filho. E, apesar da vontade do menino em continuar com o Big Jato, as circunstâncias fazem com que o rumo do garoto se torne outro.

17 Grande, demais, em grande quantidade

2003

MeAdoS de 80

2004

2006

2007

2008

2010

2012

diViNACoMédiAdA FAMA

CATeCiSMo de deVoÇÕeS, iNTiMidAdeS &PoRNoGRAFiAS

CABeLLeRoSSoLiTáRioS RuMoAo SoL PoeNTe

NoVAGeoGRAFiA

dA FoMe

ModoSde MACHo& ModiNHASde FÊMeA

BiG JATo

CHABAdABAdá– AVeNTuRAS edeSVeNTuRASdo MACHoPeRdidoe dA FÊMeAque Se ACHA

PAiXãoRoXA

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MeTAFo-RÂNCiA

Se uM CãoVAdio AoS

PéS de uMAMuLHeR

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LA MuJeRéS uM

GLueBodA MueRTe

TRiPA de CAdeLA& ouTRAS FáBuLAS BÊBAdAS

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rindo da própria desgraça. “Não é um humor clichê. Eu me peguei chorando de rir com Big Jato, o que é algo bas-tante difícil. Não que isso seja negati-vo, tematizado, mas é difícil você en-contrar um escritor que trabalha essa veia do humor”, conta Rita Couto.

Pouco tempo depois de seu lança-mento, Big Jato fez despertar o inte-resse de tirar essa história do papel. Morgana Kretzmann e Diogo Camar-gos deram vida encangados19 a essa narrativa através de uma adaptação cênica da obra. “Depois de três meses de pesquisa, chegamos ao Big Jato, que havia sido lançado há apenas uma semana. Bingo! Encontramos a história perfeita para o que queríamos fazer”, conta Morgana Kretzmann, di-retora da peça homônima.

Com a ideia fixa de que a obra literária deve permanecer em uma adaptação teatral, Morgana e Diogo foram fiéis na apropriação dra-matúrgica do monólogo. “Big Jato é a prova de que o Xico não teve medo

19 Juntos. Indivíduo que anda junto ao outro

“- Roberto Carlos caga, papai?- Depois do disco de 1971, não

faz outra coisa, mas tudo em vol-ta está deserto, tudo certo, meu filho, esquece.

- Aquele caubói caga, papai, o que o senhor gosta, o daquele filme que vimos no Cine Eldorado?

-Sim, filho, assim como amam, os brutos também cometem es-ses tresloucados gestos.

- Nunca vi ninguém cagando na tela do cinema, papai, nem os monstros, nem Godzilla.

- Cinema é mentira, filho.”(trecho do livro Big Jato)

Toda essa história é contada com a ajuda de referências, que vão de Charles Dickens até Graci-liano Ramos e Vinícius de Mora-es. Pilagallo disse que o jornalista encontrou um caminho importante em sua carreira. “Big Jato é um li-vro em que ele acabou descobrindo uma nova voz literária, que é uma coisa difícil, porque ele já tinha uma voz de cronista muito identifi-cada. E muita gente, até eu mesmo, achei que no livro ele ia usar essa voz (de cronista). Mas não, o livro dele é muito mais uma coisa pesso-al, é mais intimista, é mais lírico, é outro diapasão”, afirma.

Independentemente do gênero, os textos de Xico Sá são tidos como divertidos e únicos, sejam eles sobre amor, futebol ou cotidiano. Com Big Jato não foi diferente. O amor não cor-respondido, o trabalho pesado do pai e a vida dura no sertão, o que pode-ria compor uma típica desgraceira18, são tratados como se o autor estivesse

18 Confusão, drama, lasqueira, quiprocó

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1 2

eXPeRiÊNCiA Rita Couto, mestre em Semiótica das Literaturas, fala sobre a obra

capa | perfil

PALCo 1. Morgana Kretzmann (diretora), diogo Camargos (ator) e Xico Sá

2. diogo Camargos em cena

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de ousar, não teve medo de usar uma linguagem regionalista, reinventa-da e bem humorada para fazer uma grande obra. Entre tantos méritos que tem o livro, o que mais me cha-ma a atenção é a maneira com que Xico conduz a história, mostrando o rito de passagem do menino para a vida adulta. Isso é lindo, é comoven-te”, reforça Morgana.

A peça estreou no dia 15 de no-vembro de 2013 no Teatro do Jockey, Rio de Janeiro. A ideia é que tam-bém vá para o Vale do Cariri, para fazer jus ao cenário da peça e a toda a pesquisa realizada por Morgana e Diogo, além de São Paulo, lugar onde Xico morou por tantos anos.

Não fica só por aí. Big Jato tam-bém virará filme pelas mãos do cine-asta Cláudio Assis. “Fazer um filme do livro de Xico Sá é uma honra, pos-so não receber nem um tostão”, conta Cláudio. As gravações estão previstas para começarem em março de 2014 e contam com a participação dos atores Irandhir Santos, Dira Paes e Concei-ção Camarotti. É esperar para ver.

XiCo e ouTRAS ARTeSAs letras não formam a única paixão de Xico. Antes mesmo de pensar em ser escritor, ele já tinha uma ligação espe-cial com o mundo da comunicação, de forma mais ampla. Foi de lá que deri-varam outras paixões, no caso, a mú-sica. No final da década de 70, a sua rádio preferida costumava ser a BBC de Londres. Com os ouvidos colados no transmissor, Xico aprendeu inglês e a gostar de Beatles e Rolling Stones. “Nos anos 80, eu gostava muito do rock inglês inteiro, Smiths, muito, Morissey! Eu gostava pra cacete dele”, afirma.

Já no início dos anos 90, Xico voltou seus ouvidos para a música

brasileira e pôde acompanhar de perto a criação do Manguebeat, mo-vimento musical que surgiu no Re-cife, misturando maracatu com mú-sica eletrônica, funk, rock e hip hop. Em parceria com Fred 04, um dos criadores do movimento e vocalista do Mundo Livre S/A, ele chegou até a compor letras para o grupo.

Fadado ao romantismo e inspi-rado pelo próprio pai, Xico Sá teve uma formação musical também vol-tada para a música brega. Ele conta que costumava ouvir muito bolero cubano e outas canções apaixona-das. “Meu pai acordava sempre com Nelson Gonçalves ou boleros cuba-nos. Tinha um cara chamado Bien-venido Granda, que é um cantor de bolero cubano que ele amava.”

Xico fez algumas pontas em cli-pes musicais, como em Passione, de seu amigo Junio Barreto, onde inte-rage com a atriz Mariana Ximenes, e em Tenho, do cantor Sidney Magal, dançando de modo malamanhado20

20 Mal vestido, desajeitado

DIVU

Lgação

eM CeNAXico Sá e Mariana Ximenes no

clipe de Junio Barreto

com a atriz Débora Falabella.Passando da música para a séti-

ma arte, o jornalista participou de alguns filmes considerados lado B, aqueles “alternativos”. Em Deserto Feliz (2007), dirigido por Paulo Caldas, que aborda a explo-ração sexual, Xico foi corroteiris-ta, ao lado de Manuela Dias, Mar-celo Gomes e Paulo Caldas. Já em A Febre do Rato (2012), do diretor Cláudio Assis, que está produzin-do o filme Big Jato, ele é creditado como coautor da ideia original, ao lado do roteirista Hilton Lacerda.

Em O Cheiro do Ralo (2007), filme baseado na obra do cartunista Lourenço Mutarelli e dirigido por Heitor Dhalia, ele foi convidado a fazer uma participação e a escrever suas próprias falas. “É só filme de amigo que eu vou às vezes visitar o set. O Cheiro do Ralo, que eu sou amigo do Mutarelli e do Heitor, o di-retor, eu gostava do livro e o Mutarelli falou pro Heitor, que falou: ‘Vem cá e inventa teu texto, baseado no texto dele, mas que seja seu’”, assume.

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é GoNZo ou Não é GoNZo?Escrever em primeira pessoa, ser personagem da própria reportagem, entre as muitas faces de Xico Sá, é outra daquelas características que gera grande discussão. Será que ele é o nosso mais significativo representante do estilo gonzo de fazer jornalismo? Sem ter a mínima ideia ou a consciência do que era o famoso jeito de reportar e escrever idealizado nos Estados Unidos pelo jornalista norte-americano Hunter S. Thomspon, na década de 70, Xico car-regou algumas dessas características e as recriou à sua maneira.

Logo no início de sua carreira, ainda no Recife, quando trabalhou para os jornais O Rei da Notícia e O Príncipe, envolveu-se com suas matérias de modo tão imerso que até por morto chegou a se passar. “Tinha uma máfia das funerárias no Recife. Aí, eu me coloquei como um morto dentro do caixão”, conta o jornalista. O estilo gonzo, por meio de um texto variado do jornalismo literário, requer a participação do repórter na matéria e não delimita frontei-ras entre realidade e ficção. “Eu não tinha ideia e eu fazia. Fiz muita matéria no espírito gonzo, sem conhecimento. Eu acho que o gonzo não é uma escola do Hunter Thompson, é uma escola do jornalismo”, afirma.

Mas, afinal, Xico é ou não é gonzo? Para Pablo Miyazawa, editor da Rolling Stone Brasil, edição nacional da revista que consagrou Hunter S. Thompson e sua escola, somente Thompson é o verdadeiro gonzo. “Depois

que Hunter se consagrou na Rolling Stone, surgiu muita gente querendo puxar para si o mérito de ter criado e elaborado esse estilo também. O gonzo, no caso do Hunter Thompson, caracterizava-se por ele, ele perso-nificava a pauta, ele personificava o personagem. As matérias que ele escrevia eram muito sobre ele mes-mo, sobre a experiência dele, no am-biente”, conta. Para Pablo, ao mesmo tempo em que Thompson criou algo muito rico quando mistura jornalis-mo, literatura e liberdade, também criou um monstro, pois muitos repór-teres até hoje tentam seguir por esse caminho. “Por isso que hoje eu acho difícil falar quais são os jornalistas que fazem gonzo, porque gonzo é o

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que Hunter Thompson fazia. Eu cita-ria o Arthur Veríssimo, da Trip, como um cara que conseguiu determinar um estilo pessoal, sendo parte do contexto. [...] Quem o lia, sabia o que podia esperar, porque eram matérias dele, ideias dele e acho que isso era o que motivava as pessoas a lerem Hunter Thompson.”

Com outro olhar e argumen-tos, o autor da monografia O Fi-lho Bastardo do New Journalism da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e teórico, André Czarnobai, defende que existe um momento gonzo, mas que não é algo fixo na vida de um repór-ter. “Existe alguém que em algum momento faz alguma coisa gonzo, mas não que ele vista esse man-to, que ele chame para si aquela responsabilidade de dizer: eu sou jornalista gonzo.” A mesma ideia é seguida por Paulo Lima. “Gonzo é aquele jornalista que se mistura com os fatos, passa a vivenciar os fatos, a ser parte dos fatos, da pau-ta e parte da própria reportagem. Eu acho que o Xico, se quiser e quando quer, faz isso muito bem.”

Por sorte do destino ou coinci-

dência, depois de bater sete freguesias21, Xico Sá foi parar na Trip. Feito um Branchur22, o jornalista, já sabendo o que era gonzo e quem era Hun-ter S. Thompson, chegou à revista para fazer uma série de reportagens, como Roberto Marinho, um especial sobre o Roberto Carlos, e Programas de Governo, sobre políticos envolvidos em orgias, onde pôde assumir o papel de repórter/personagem, com muito gosto e ao modo Thompson de ser. “Eu gostava de tudo aquilo, gosto de beber, gosto daquela forma de narrar o mundo, aquela forma maluca”, comenta Xico.

Hunter S. Thompson, assim como herói de histórias em quadri-nhos, andava por todos os cantos com seu fiel escudeiro, no caso, seu ilustrador, o britânico Ralph Steadman, pois suas aventuras e reporta-gens, ao invés de fotografadas, eram ilustradas. Isso acabou por ser uma das fortes características do estilo gonzo. Com a ideia de se assemelhar a Thompson, a revista Trip enviou Xico Sá, junto de seu amigo, o ilustrador Lourenço Mutarelli, até Brasília, para cobrir a queda de José Dirceu, ex--ministro da Casa Civil, em 2005.

21 Andar por vários lugares22 "Filósofo" muito citado no Ceará

“Bem-vindo à Brasilia, bem vindo à Brasilia que não passa no noticiário. A bizarrice está apenas comecando.“Boa noi-

te.” A nossa direita, a torre. Que já foi “suicidódromo” oficial da planicie.” (trecho da reportagem Jornal Nacional, publicada

na edicão 135 da revista Trip, em julho de 2005)

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GoNZo Paulo Lima, André Czarnobai, Cláudio Tognolli, oscar Pilagallo e Pablo Miyazawa comentam sobre o estilo Gonzo

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As palavras tipicas utilizadas nesta reportagem fo-ram retiradas do Dicionário de Termos Nordestinos - Palavras e expressões nordestinas pesquisa-das e dicionarizadas pelo paraibano de Cam-pina Grande e radicado em Maceió, Gilberto Albuquerque, a partir de textos colhidos da internet e aprofundados pela vivência pessoal.

Pois bem, Xico Sá então passa a ser considerado gonzo? A discussão vai longe. Pilagallo vai muito além na comparação. “Eu considero ele como se fosse um Bukowski (famoso poeta e escritor alemão), mas um pouco mais light”. Ele acredita que o jornalismo gonzo é algo muito decadente e que Xico não faz parte disso. “É quase um relato pessoal de uma vida desregrada, uma coisa que envolve bebedeiras e drogas. Eu acho que não é bem assim o caso do Xico”, e explica: “Ele é mais literário, o jornalismo gon-zo tem uma pretensão literária, mas que não se concretiza, ele meio que só chega perto, mas na verdade é só um relato mesmo.”

Tognolli, jornalista que tam-bém carrega algumas carac-terísticas gonzo, acredita que a escola criada por Thompson não é bem aceita no país de-vido aos costumes sociais. “O karma da brasilidade é que o jornalista não pode falar dele mesmo, jornalista não pode ser personagem das próprias histó-rias, e eu acho que o Xico Sá rompeu essa barreira.”

Xico acredita que exista uma associação com o estilo, mas sutil. “Eu acho que extrapola, acho que aí entram até minhas camisas, o jeito que eu me com-porto, a boemia, entra um boca-do de coisa não obrigatoriamen-te da reportagem. [...] Aí toma o gonzo como loucura qualquer, transporta o significado de lou-cura pra gonzo, do cara deliran-te pra gonzo, é uma transposição de sentido mesmo. [...] Acho que eu sou doido, no sentido de ser delirante, mas talvez por isso as pessoas associem.”

Contudo, quando perguntado se ele considera-se gon-zo, a resposta é não. “Eu sou um jornalista que tenta, por ter feito um caminho muito mais quadrado, conservador, talvez eu tente fugir um pouco disso, é só isso. Acho que o cara que é mais gonzo brasileiro é o Arthur Veríssimo, porque ele fez toda a trajetória assim, o modelo de repor-tagem dele, esse é o verdadeiro gonzo brasileiro.”

Bukowski, Hunter S. Thompson e até mesmo Nelson Rodrigues transitam no dia a dia de Xico não só como comparação, mas por meio de suas próprias leituras. Essas referências contribuíram para a formação de uma crítica forte à grande imprensa. “A cobertura, hoje, me incomoda, pois fazem sempre tudo igual. O repórter não é mais a matriz da coisa, estava no jornal quem trou-xesse uma puta história. Hoje, se não estiver na agenda da Dilma, do poder ou das celebridades, não entra”,

confessa.São mais de 30 anos de

carreira. Seja em uma conver-sa descontraída ou mesmo ou-vindo uma discussão amorosa entre os vizinhos, Xico se dis-põe a estar sempre de plantão, antenado e se inspirando para seus textos. Na crônica daque-le sábado de agosto, depois in-titulada como A D.R tipo Anjo Exterminador, amor, Xico con-fessa que não pediu para ou-vir aquilo. “Eu estava lendo e veio vasado assim, briga sem fim. Claro que eu fiquei aten-to para escrever. Procurei pre-servar mais ou menos a área, mas veio a crônica pronta.” No texto, Xico discorreu sobre “a expressiva fala da mulher”, “o silêncio do homem” e “como é triste o fim das histórias”. Pela leitura que ele fez da ausência do som ou do não-diálogo du-rante a discussão, achou que teria chegado a hora de acabar por ali mesmo. No final, a crô-

nica estava pronta e o texto daquele dia relevou, mais uma vez, as multifaces de Xico Sá.

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Eu considEro ElE como

sE fossE um Bukowski

(famoso poeta e escritor alemão), mas um pouco

mais light

(Oscar Pilagallo)

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