XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA · A reflexão sobre a organização política é tão antiga...
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XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA
TEORIA E FILOSOFIA DO ESTADO
ANDRÉ LEONARDO COPETTI SANTOS
MARIA CREUSA DE ARAÚJO BORGES
MATEUS EDUARDO SIQUEIRA NUNES BERTONCINI
Copyright © 2016 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
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T314Teoria e filosofia do Estado [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UNICURITIBA;
Coordenadores: André Leonardo Copetti Santos, Maria Creusa De Araújo Borges, Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini – Florianópolis: CONPEDI, 2016.
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Congressos. 2. Teoria do Estado. 3. Filosofia doEstado. I. Congresso Nacional do CONPEDI (25. : 2016 : Curitiba, PR).
CDU: 34
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Florianópolis – Santa Catarina – SC www.conpedi.org.br
Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP
Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR
Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBAComunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-376-4Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: o papel dos atores sociais no Estado Democrático de Direito.
XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA
TEORIA E FILOSOFIA DO ESTADO
Apresentação
A reflexão sobre a organização política é tão antiga quanto a própria filosofia, ou melhor
dizendo, é contemporânea dos primeiros passos dados pelos gregos na constituição de um
espaço de racionalidade voltada à discussão dos assuntos da cidade. Tucídides em sua
“História da Guerra do Peloponeso, Aristóteles, em suas “Política” e “Ética à Nicômaco”,
Platão na “República” e em “As Leis”, ou ainda Jenofonte em suas obras “Memorabilia” e
“Ciropedia” são os precursores de uma tradição de pesquisa e pensamento que hoje constitui
um vastíssimo campo de trabalho especulativo acerca do Estado e de todas as formas de
organização do espaço público, cujas origens estão nas cidades antigas. O legado desses
pensadores antigos, reforçado por nomes como Santo Agostinho, Maquiavel, todos os
contratualistas e iluministas, passando por Tocqueville, Marx, enfim, por um sem número de
filósofos, é o que hoje chamamos de filosofia política, ou filosofia do Estado.
As perguntas colocadas por esses filósofos políticos do passado seguem vigentes em nossas
sociedades; são questões eternas cujas respostas são moduladas pelas vicissitudes dos
fenômenos das organizações políticas de nosso tempo. Com o acontecimento da globalização
nos últimos 30 ou 40 anos, e com todos os efeitos dela emergentes que recaíram sobre os
Estados nacionais, remodulando boa parte de suas estruturas, funções e possibilidades de
ação, a filosofia do Estado reencontrou hoje um novo lugar no universo intelectual que evoca
os debates apaixonados da época da Revolução Francesa, dos quais brotaram múltiplas
construções filosóficas sobre o Estado e sobre a democracia. Guardadas todas as proporções,
uma efervescência comparável à que se sucedeu no Clube dos Jacobinos no período pré-
revolucionário, reapareceu nos espaços acadêmicos nessas últimas décadas, revitalizando um
domínio de atividades há tempos enfraquecido, desde o surgimento das ciências sociais em
fins do século dezenove e começo do século passado. O reaquecimento de velhas perguntas
aplicadas a novíssimos contextos tem atraído a atenção de um público heterogêneo, desde a
sociologia, passando pela ciência política e pela filosofia, até chegar aos bancos das escolas
de Direito.
É nesse cenário entusiasmado de debates acerca do Estado que o CONPEDI tem
protagonizado, através de seus exitosos congressos, a criação de um imenso espaço cultural
de investigação, encontros e discussões acerca dessa temática. Chegamos ao XXV Congresso
do CONPEDI, desta feita realizado na emblemática Curitiba, as Curitibas de Paulo Leminski,
nas próprias palavras do poeta:
IMPRECISA PREMISSA
(quantas curitibas cabem numa só Curitiba?)
Cidades pequenas,
como dói esse silêncio,
cantinelas, ladainhas,
tudo aquilo que nem penso,
esse excesso
que me faz ver todo o senso,
imprecisa premissa,
definitiva preguiça
com que sobe, indeciso,
o mais ou menos do incenso.
Vila Nossa Senhora
da Luz dos Pinhais,
tende piedade de nós.
Aqui, absorvendo os ares de uma cidade que transpira cultura, mais uma vez, estamos a
discutir a instituição do Estado, nas mais diversas possibilidades que nos trouxeram os
verdadeiros protagonistas desse XXV Congresso do CONPEDI: os pesquisadores que
participaram desse grande evento científico e cultural, e, em particular, no nosso
microcosmos, os participantes do Grupo de Trabalho 40, sobre Teoria e Filosofia do Estado,
com os seguintes trabalhos:
• Autonomia financeira e poder municipal: a crise do federalismo brasileiro, as políticas
públicas locais e alternativas fiscais, de Giovani da Silva Corralo e Bruna Lacerda Cardoso;
• Fins do estado na sociedade contemporânea: problemas da metodologia jurídica, de
Ramonilson Alves Gomes;
• Direito e filosofia política em Platão e Aristóteles, de Flávio Pansieri e Rene Erick Sampar;
• Estado, desigualdade e direito: uma análise do papel do Estado e do Direito na sistema
capitalista, de Jean Carlos Nunes Pereira;
• Estado pós-nacional, justiça e globalização. Precisamos de marte para resolver nossos
problemas de metajustiça?, de Luiz Gustavo Levate e Camila Menezes de Oliveira;
• Supranacionalidade: necessária (re)leitura da soberania estatal e ordenamento jurídico
internacional, de Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes e Rodrigo Fernandes;
• Participação cidadã, cosmovisões indígenas e Estado democrático: o papel inovador da
teoria da Constituição frente ao novo constitucionalismo latino-americano, de Patricia Maria
dos Santos;
• O Estado de Direito como pressuposto do controle dos poderes públicos, de Mateus
Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini e João Alfredo Gaertner Junior;
• Capitalismo dependente e superexploração do trabalho: elementos para uma análise do
Estado e do Direito na periferia capitalista, de Rafael Caetano Cherobin;
• O poder do Estado e o poder popular: qual deve prevalecer para resguardar direitos
fundamentais constitucionais e a democracia brasileira?, de Fernanda Eduardo Olea do Rio
Muniz e Antonio Walber Matias Muniz;
• A tentativa de compreensão do estado moderno levando em conta os conceitos de povo,
soberania e democracia para Jefferson e Rousseau, de Marcos Vinícius Viana da Silva e Jose
Everton da Silva;
• Da (in)aplicabilidade da reserva do possível frente ao princípio da separação de poderes, de
Lucas Fortini Bandeira;
• O compromisso estatal com a política econômica no Estado capitalista, de Eduarda de
Sousa Lemos;
• Nomos, interpretação legal e violência: Robert Cover no mapa da globalização jurídica, de
Maurício Pedroso Flores;
• O Estado, a Constituição econômica e sua sustentabilidade: análise dos desafios e
possibilidades contemporâneas, de Sâmela Cristina de Souza e Bruno Gadelha Xavier;
• Breve estudo acerca da proposição de Jürgen Habermas para a compreensão da
racionalização, de André Luiz de Aguiar Paulino Leite;
• A predicação necessária entre Estado e Direito, de Daniel Nunes Pereira;
• O exaurimento do Estado em face da social democracia, de Eduardo Felipe Veronese;
• A ideia da categoria ético-jurídica dos direitos humanos como centro de gravidade global:
reflexões sobre o futuro do Estado, de Gustavo Vettorazzi Rodrigues;
• Concepções das formas estatais atreladas as sociedades: a fragilidade do Estado
democrático de Direito diante o povo ícone, de Clarice Souza Prados;
• Impactos da (não) internalização do stare decisis na jurisdição constitucional brasileira, de
Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral e Pedro Henrique Arcain Riccetto;
• Elementos principiológicos axiomáticos do terceiro setor, de Kledson Manuel Castanheira
Rodrigues.
Os trabalhos apresentaram um ótimo nível de reflexão e, cremos, contribuem
significativamente para o desenvolvimento dos campos de conhecimento dedicados ao
Estado e à democracia. A todos os que se interessam por esses territórios temáticos,
recomendamos a leitura desses artigos que, antes de mais nada, materializam um
compromisso de seus autores com uma sociedade mais democrática, mais justa e mais
solidária.
Prof. Dr. André Leonardo Copetti Santos - URI/UNIJUÍ
Profa. Dra. Maria Creusa de Araújo Borges - UFPB
Prof. Dr. Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini - UNICURITIBA
SUPRANACIONALIDADE: NECESSÁRIA (RE)LEITURA DA SOBERANIA ESTATAL E ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL
SUPRANATIONALITY : REQUIRED (RE)READING OF STATE SOVEREIGNTY AND INTERNATIONAL LAW
Fernanda Sell de Souto Goulart FernandesRodrigo Fernandes
Resumo
O presente artigo tem por objetivo analisar o fenômeno da supranacionalidade e as
consequências para o Estado contemporâneo e o Direito, tanto na esfera nacional quanto
internacional. O assunto é de fundamental importância, pois, eleva a interpretação do modelo
estatal a um novo horizonte de leitura, mais adequado às vivências do século XXI, onde a
globalização sem regras interfere diretamente na democracia, soberania e ordenamento
jurídico. Propõe-se o estudo do tema, através da análise da possibilidade de transição das
formas tradicionais de organização do poder público para um novo panorama de governança
que seja compatível com o cenário global.
Palavras-chave: Supranacionalidade, Estado, Soberania
Abstract/Resumen/Résumé
This article aims to analyze the supranational phenomenon and the consequences for the
contemporary state and the law, both in the national and international levels . The issue has
fundamental importance, therefore, raises the interpretation of the state model to a new
horizon of reading, more suited to the experiences of the XXI century where dissolute
globalization interfere directly in democracy , sovereignty and law. It is proposed to study the
subject, by the analysis of the possibility of transition of traditional forms of government
organization to a new panorama of governance that is compatible with the global scenario.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Supranationality, State, Sovereignty
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INTRODUÇÃO
A tecnologia e a globalização, impulsionadas pela economia capitalista, propiciaram
o encurtamento de distâncias entre os Estados, resultando num compartilhamento social,
cultural, político e econômico de modo que se tornou impossível gerenciar a sociedade
através dos modelos adotados outrora, limitados ao ordenamento jurídico interno de cada país
e às esparsas normas jurídicas de direito internacional.
O monopólio da produção legislativa e a soberania, peculiaridades do Estado
Contemporâneo, devem ser necessariamente questionados e revistos diante de novos atores
sociais oriundos das transformações recentes pelas quais passa a humanidade e, mais ainda,
diante dos graves problemas da economia globalizada, como a fome, pobreza, doenças,
catástrofes ambientais, escassez e exploração do trabalho, guerra, entre outros.
Desta forma, tornou-se imprescindível a releitura e a readequação dos padrões
jurídicos tradicionais, de modo a se evitar um colapso social de nível global, bem como para
gerir a convivência harmônica entre os diferentes Estados independentes, notadamente no que
se refere ao conceito de soberania e atuais regras de direito internacional, pois o binômio da
supremacia na ordem interna e independência na ordem externa não é mais suficiente para
atender as novas demandas.
Conforme se verificará, a globalização sem regras – naturalmente – fez surgir novos
conflitos sociais, políticos e jurídicos que precisam ser regulados. Sob este viés, observa-se o
surgimento de novos direitos que precisam ser protegidos, inclusive fundamentais,
imprescindíveis para convivência harmônica das nações e sobrevivência duradoura da
humanidade.
O artigo traz como problematização: A globalização realmente fez surgir novos
conflitos de ordem global? O ordenamento jurídico vigente no Estado contemporâneo é
suficiente para regular este novo panorama? Há necessidade de repensar o conceito de
soberania e criar instrumentos supranacionais de governança?
Tendo em vista a problematização apresentada, que relaciona Estado e Direto neste
novo cenário supranacional, a discussão foi desenvolvida em quatro partes. A primeira trata
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da variedade conceitual e aponta as correntes doutrinárias acerca da natureza jurídica de
Estado e a segunda parte realiza uma breve análise do contexto histórico-evolutivo do Estado.
Já na terceira parte discorre-se acerca da falência do modelo tradicional de Estado, surgimento
de novos conflitos e a necessidade de reinventar-se, de modo a atender novos anseios sociais.
A quarta parte, por sua vez, analisa o fenômeno da supranacionalidade e sua relação com o
Direito.
I – CONCEITO DE ESTADO
Há grande variedade conceitual em relação ao Estado, tendo em vista os fatores
subjetivos e temporais que remontam sua própria história. Cassese1 informa que, em
pesquisa realizada em 1931, identificou 145 empregos diferentes da categoria “Estado”.
Neste sentido Dallari2 ensina que encontrar um conceito de Estado que satisfaça a
todas as correntes doutrinárias é absolutamente impossível, pois sendo, o Estado um ente
complexo, que pode ser abordado sob diversos pontos de vista e, além disso, sendo
extremamente variável quanto à forma por sua própria natureza, haverá tantos pontos de
partida quantos forem os ângulos de preferência dos observadores.
Assim, explica o autor, por mais que os doutrinadores se esforcem para chegar a um
conceito objetivo, haverá sempre um quantum de subjetividade, vale dizer, haverá sempre a
possibilidade de uma grande variedade de conceitos.
Na festejada obra "O Príncipe", Maquiavel3 foi o primeiro a utilizar o vocábulo
Estado na acepção política utilizada usualmente, ao afirmar que: "todos os Estados, todos os
domínio que tiveram e têm poder sobre os homens, são estados e são ou repúblicas ou
principados”.
Há duas correntes clássicas no estudo do Estado que encaram o fenômeno sob
acepções diferentes. O primeiro tem sua origem em Aristóteles, evoluindo para São Tomás de
Aquino, Vico, Hegel, Marx e Engels. Aquele parte do pressuposto de que o homem é um
animal político (politikon zoon), de modo que o Estado é uma consequência da inclinação
natural humana à socialização.
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Aristóteles4 destaca que "aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode
resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto.” Assim, no estudo da origem do
Estado, o filósofo grego apresenta uma descrição das etapas pelas quais a humanidade teria se
desenvolvido, iniciando-se como - naturalmente - na família e, em seguida, às formas mais
complexas de sociedade, tais como sociedade política ou Estado.5
São Tomás de Aquino6, por sua vez, adota idêntico posicionamento ao afirmar que o
homem é por sua própria natureza, animal sociável e político, vivendo em multidão, ainda
mais que todos os outros animais, o que se evidencia pela natural necessidade.
Nesta linha de raciocínio, formado o Estado de modo natural, é preciso de um
dirigente para organizar e coordenar a vida do homem, o qual deve ter por finalidade o bem
comum. Se, pois, a multidão dos livres é ordenada pelo governante ao bem comum da
multidão, o regime será reto e justo, como aos livres convém, acreditava Aquino7.
A segunda corrente é a contratualista, que explica que a sociedade política é produto
da vontade entre os homens, e não uma evolução natural, tendo como principais
representantes Hobbes8, Locke9 e Rousseau10.
Para Hobbes, o Estado seria um Leviatã ´- Deus mortal - onde cada indivíduo
transferiria seus poderes sobre si mesmo para um único homem ou assembléia de homens, em
busca da proteção do bem comum. O erro do soberano é a fraqueza. Já para Locke, o juízo
imparcial e a força comum do Estado Civil, tem um papel de reforço dos direitos naturais não
alienados através do contrato social. Os indivíduos, ao contrário de Hobbes, abrem mão de
um único direito, que é o de fazer justiça com as próprias mãos. Neste caso, o Estado deve
preservar os direitos naturais preexistentes ao homem, controle do Executivo pelo Legislativo
e do governo pelo povo, de tal forma que o Poder é delimitado, constituindo o cerce do
liberalismo.
E, por fim, Rousseau pontua que é princípio indiscutível que somente a vontade
geral pode dirigir as forças do Estado segundo sua finalidade que é o bem comum. A defesa
deste bem, sufoca as possibilidades individuais do cidadão, pois este é absorvido por este todo
que forma o Estado.
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Verifica-se que ideia central das teorias contratualistas é que os seres humanos, que
primitivamente viviam num estado de natureza, para vencer o estado de guerra instaurado
pela ausência de um poder político organizado e centralizado, resolvem reunir-se para, através
de um contrato social, originar o Estado. Isso significa que o Estado seria a criação deliberada
e consciente da vontade dos indivíduos que o compõe, necessário para a organização das
várias vontades individuais.11
Nesta vertente, Wolkmer12 aduz que o Estado não é um ser abstrato, neutro e distante
dos conflitos sociais, bem como não está inteiramente separado, não está acima e tampouco é
superior à sociedade, pois trata de uma realidade criada e moldada pela própria vontade da
sociedade para servir, representar e tomar decisões que atendam ao interesse de seus
integrantes.
Mas, como já salientado, o tema não é pacífico e existem várias teorias a respeito,
tanto que Lênio Streck e José Luis Bolzan asseveram não ser possível falar em "Teoria Geral
do Estado", mas sim em "Teorias do Estado", haja vista sua diversidade no decorrer do
contexto histórico. Aduzem que o Estado é um fenômeno original e histórico de dominação,
sendo que cada momento histórico e seu respectivo modo de produção engendram um
determinado tipo de Estado.13
Ressaltam que, para Jellinek, a Teoria Geral do Estado, parte de pressupostos a-
históricos, tendo como modelo o Estado Alemão do final do século XIX, portanto, uma teoria
idealista que tem um tipo ideal de Estado, teoria esta depois difundida por Max Weber. O
Estado, portanto, seria invariável, com características constantes e caráter universal através do
tempo e espaço.14
Por outro lado, enaltecem a concepção propagada por Heller, seguida pelos autores
acima mencionados, que busca entender o Estado como realidade, como formação real e
história, a partir de sua ligações com o Estado social, ao passo que não é possível uma teoria
"geral" do Estado, mas sim uma teoria do Estado, em concreto, levando em conta aspectos
específicos e reais.15
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Bobbio alerta ainda que vários doutrinadores optaram por substituir a palavra
"Estado" por "Sistema Político", sob o argumento de ser um termo axiologicamente mais
neutro.16
Como visto, o conceito de Estado não é rígido e varia de acordo com o contexto
histórico ao qual está inserido, sendo moldado pelas circunstâncias e anseios sociais e não o
contrário, ou seja, a sociedade não se reduz ao modelo estatal imposto por muito tempo.
Contudo, para fins deste trabalho, pode-se afirmar que Estado caracteriza-se, pois, como uma
organização soberana, com capacidade de determinar o uso do poder, cujo monopólio é
atribuído ao próprio Estado, exercendo função de comando e coerção.17
II - CONTEXTO HISTÓRICO-EVOLUTIVO DE ESTADO
A doutrina aponta quatro diferentes períodos distintos e peculiares em relação ao
contexto histórico de Estado: Estado Antigo, Estado Medieval, Estado Moderno e Estado
Contemporâneo ou período pós-moderno.
O Estado antigo teve surgimento aproximadamente 3.000 anos a.C., com os povos
egípcios, babilônicos e persas, desenvolvendo-se com bastante intensidade na Grécia (Polis) e
Roma (civittas). Nesta fase o Estado era formado através da violência, pois aumentava e
diminuía suas fronteiras de acordo com as conquistas ou derrotas das guerras, por isso, o
território era indefinido e a população heterogênea. O exercício do Poder era concentrado em
uma única pessoa que acumulava as funções políticas, militares e religiosas.
Ocorre que no final desta era, o Estado romano tinha tornado-se uma máquina
imensa e complicada, destinada exclusivamente à exploração dos súditos; impostos,
prestações pessoais ao Estado e gravames de todas as espécies mergulhavam a massa do povo
numa pobreza cada vez mais aguda. As extorsões dos governadores, dos fiscais e dos
soldados reforçavam a opressão, tornando-a insuportável.18
Em 476 d.C., com a queda do Império Romano, originou-se o chamado Estado
Medieval. Nesta época, três fatores foram preponderantes: a invasão dos Bárbaros; o
feudalismo; e o Cristianismo.
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Aduz Dallari19, sobre o período, que estavam presentes certos elementos (como o
Poder superior; o Imperador; a pluralidade sem definição hierárquica de Poderes menores e a
variedade imensa de ordens jurídicas) que ditavam um quadro de instabilidade, gerando o
“germe da criação do Estado Moderno”, qual seja, a necessidade de ordem e de Autoridade.
Tratava-se claramente de um período de grande perplexidade jurídico-social, haja
vista a inexistência de uma ordem jurídica definida e organizada, o que propiciava o aumento
do Poder das autoridades religiosas.20
Diante deste cenário deficiente, ganha espaço o Estado moderno, sendo possível
afirmar que três foram os fatores – de origem medieval – que determinaram o surgimento do
Estado Moderno: (i) a existência de pequenas unidades territoriais politicamente resistentes ao
tempo; (ii) o desenvolvimento de instituições mais duradouras, mas também impessoais; e
(iii) a necessidade de centralização do poder político.21
O Estado moderno, assim, rompe com a política fragmentada ao regionalismo feudal
e também com a universalização do cristianismo e inicia um período histórico completamente
diverso, fixando firmemente o conceito de soberania, delimitação territorial, submissão às leis
e organização política e administrativa. Esta tipologia de Estado fora marcada por quatro
períodos peculiares: Absolutismo; Liberalismo; Estado Social de Direito e Estado
Democrático de Direito.
Diversos doutrinadores definem o período absolutista como a marca definidora de
uma era histórica em que o poder foi obtido e exercido sem qualquer regra limitadora, sem
controle de espécie alguma e, em última análise, sem legitimidade jurídica.22
E, numa espécie de transição entre a época medieval e o Estado absolutista, houve o
Estado Estamental (de estamentos), formado pela concentração da Alta Nobreza, Baixa
Nobreza, Clero e Burguesia. Ou seja, o Poder era dividido dentre as classes existentes, que
representavam os seus.23
O absolutismo começou a ruir com as revoluções liberais burguesas, que pleiteavam
a limitação do Poder Estatal e a proteção dos direitos individuais, dando origem ao
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denominado liberalismo. O Estado liberal é assente na ideia de liberdade e, em nome dela,
empenhado em limitar o poder político tanto internamente, pela sua divisão, como
externamente, pela redução ao mínimo de sua funções perante a sociedade. 24
O Estado, de acordo com este modelo, é essencialmente legitimado como “estado
mínimo", garantidor das liberdades e autonomias individuais através de proibições ou
interferências na esfera privada dos cidadãos.25 Para a lógica universalista do liberalismo,
renunciou-se ao dogma da não intervenção do Estado na vida econômica ou social.26
Marcado pela livre iniciativa e preponderância do capitalismo, o Estado Liberal
começou a ser questionado a partir de várias crises de ordem econômica e guerras bélicas,
dando-se início, assim, à fase social, denominada Estado social de direito.
O Estado social é, também, produto da pressão das massas. É um ente que cria
direitos do trabalho, de previdência social, de educação, um Estado que intervém na economia
como distribuidor, dita o salário, que manipula a moeda, regula os preços, combate o
desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as
profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de
abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na
sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e
social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em
grande parte, à área de iniciativa individual.27
E, por fim, para completar as fases do Estado Moderno, adveio o Estado
Democrático de Direito, caracterizado pela legitimidade do Poder pelo povo e respeito aos
mandamentos constitucionais. O Estado constitucional visa preservar a garantia de justiça, no
sentido de que os direitos e deveres já se encontram previamente definidos e a submissão aos
mandamentos constitucionais limita o risco de decisões arbitrárias das autoridades estatais, ou
seja, o Estado Democrático de Direito é uma forma de exercício do poder estatal de forma
limitada e disciplinada.28
Este modelo de Estado, atualmente, é adotado em quase todos os países ocidentais e
no Brasil está expressamente previsto no artigo 1° da CRFB/88.
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III – FALÊNCIA DO MODELO TRADICIONAL DE ESTADO
Após o término do século XX, a sociedade atual se depara com desafios impostos
por incertezas e hesitações no âmbito de suas relações com o Estado, notadamente em virtude
das transformações sociais, tecnológicas e científicas inéditas na história da humanidade. Este
cenário, também é constatado nas relações entre os Estados no cenário internacional, pois,
novas demandas são propostas sem que haja a respectiva resposta no ordenamento jurídico
disponível.
O Estado contemporâneo é marcado pela complexidade existente nas relações de
poder e convivências nascidas de laços comerciais e industriais nacionais e internacionais que
formam uma nova ordem econômica envolvida por posturas de fusão de empresas, de
privatizações e delegações de serviços públicos, por questões ambientais, por problemas que
acentuam a necessidade de gestões para a preservação da saúde pública, de ser protegida a
liberdade de iniciativa e de disciplinamento da comunicação acelerada entre os povos, em
razão das tecnologias avançadas postas à disposição do homem pela informática. 29
Miranda30 também reconhece a fragilidade do Estado moderno:
Nesta situação, o próprio Estado – o Estado moderno de tipo Europeu – dir-se-ia
estar ameaçado ou em crise: pela dificuldade ou pela impossibilidade de satisfazer
maiores e mais diversificadas necessidades colectivas, por tendência centrífuga de
diversa natureza, por diversos processos de integração regional ou continental e pela
globalização.
Esta fragilidade está diretamente ligada à necessária releitura do conceito de
soberania, que se deve à interdependência que se estabelece contemporaneamente entre os
Estados, que aponta para um maior atrelamento entre as ideias de soberania e de cooperação
jurídica, econômica e social, o que afeta drasticamente a pretensão à autonomia.31
De igual forma, Habermas32 apontando para um possível esvaziamento da soberania
diante do fenômeno da globalização:
A globalização do trânsito e da comunicação, da produção econômica e de seu
financiamento, da transferência de tecnologia e poderio bélico, especialmente dos
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riscos militares e ecológicos, tudo isso nos coloca em face de problemas que não se
podem mais resolver no âmbito dos Estados soberanos. Salvo melhor juízo, tudo
indica que continuará avançando o esvaziamento da soberania dos Estados
nacionais, o que fará necessária uma reestruturação e ampliação das capacidades de
ação política em um plano supranacional que, conforme já vínhamos observando
ainda está em fase incipiente.
A crise de governança decorre tanto da obsolescência do modelo estatal, limitado
pelas fronteiras territoriais, como também da insuficiência do sistema e da lógica jurídica do
Direito Internacional para a eficaz tutela planetária do meio ambiente e da sustentabilidade.33
Nesta esteira, nos dizeres de Ulrich Beck34, o Estado atual apresenta-se diante de um
cenário de desmanche de sua natureza unitária e também da sociedade nacional, novas
relações de poder e de concorrência, novos conflitos e incompatibilidade entre atores e
unidades do Estado nacional por um lado e, pelo outro, atores, identidades, espaços sociais e
processos sociais transnacionais.
Com efeito, num mundo cada vez mais integrado, o desenvolvimento e a crescente
visibilidade das desigualdades representam a ameaça mais grave para a paz e a segurança de
todos, porque as violações dos direitos são tanto mais insuportáveis quanto mais contradizem
suas solenes proclamações, pois geram resistência rebelião e violência, porque somente com a
força das armas e portanto com a guerra pode-se defender de um mundo fundado numa tal
divergência de riqueza e condições de vida.35
Com o evidente enfraquecimento do Estado Moderno, notadamente pela sua
impotência e incapacidade de impor sua soberania às novas demandas trazidas pelo inevitável
fenômeno da globalização, inelutavelmente, a construção de um Estado Transnacional, que
compreenda e busque disciplinar os direitos dos novos modelos e atores sociais, impõe-se a
cada dia.
IV – EMERGÊNCIA DO ESTADO TRANSNACIONAL E O DIREITO
Paulo Márcio Cruz36 explica que o conceito de soberania, primeiro, encontra-se junto
ao Estado Absoluto, caracterizando o poder estatal como único e exclusivo sujeito da política;
depois, com o surgimento do Estado Constitucional Moderno, passa a ser referido à Nação,
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mediante contribuições teóricas de Sieyès. A democracia veio corroborar a identificação da
soberania com o povo. Já depois da Segunda Guerra Mundial, o Estado Constitucional
Moderno deve interagir no plano internacional, vinculando-se a obrigações externas através
de tratados bilateriais, convenções multilaterais ou do costume. A existência da sociedade
internacional, no entanto, não agride a soberania do Estado Constitucional Moderno, enquanto
foi este quem, voluntariamente, aderiu à obrigação. Ocorre que, com a progressiva inter-
relação e interdependência entre Estados, a consolidação de uma ordem jurídica internacional,
pela interação cultural, tudo isso impulsionado pela globalização interdependente, força a uma
revisão e reformulação do próprio conceito de soberania absoluta.
Assim, como ensina Cruz37, no mundo atual, pelo movimento da globalização foram
abertos novos pressupostos democráticos que impulsionam a uma maior solidariedade
universal e um desenvolvimento comum solidário. A definição de soberania, de absoluta
revela-se relativa, especialmente por força do fenômeno da integração em comunidades
supraestatais, além da reflexão da perda do poder normativo do Estado diante da consolidação
da ordem jurídica internacional e novas fontes do direito.
Neste sentido, vale destacar tanto as comunidades supranacionais (UE, p. exemplo),
quanto as empresas de caráter transnacional, que implicam em verdadeira limitação ao
conceito tradicional de soberania, dada a necessidade de se adequar parâmetros internos de
política e legislação a este relacionamento. Outro agente fundamental neste processo de
transformação do conceito de soberania são as Organizações Não Governamentais (ONGs).
Estas entidades, que podem ser enquadradas em um espaço intermediário entre o público,
representado pelos organismos internacionais, e o privado, representado pelas empresas
transnacionais, atuam em setores variados, tais como: ecologia (Greenpeace), direitos
humanos (Anistia Internacional), saúde (Médicos Sem Fronteiras) etc.38
Este novo modelo seria pautado através do diálogo e consenso, pois evidente que
para sua viabilidade, há de haver a superação das concepções atuais propagadas pelas
instituições nacionais, comunitárias ou internacionais existentes, sendo que sua legitimidade
reside no pacto de uma pacífica convivência de subjetividades políticas, culturais e sociais
diversas e virtualmente em conflito, instituído com ela, pacto que, graças à universalidade dos
direitos fundamentais que estipula, serve para garantir a todos uma tutela, respeito e valor
equivalentes.39
87
Por isso, é preciso repensar o Estado Constitucional Moderno a partir da ideia de
uma nova ordem pública supranacional, em que exista solidariedade democrática entre povos,
o que exige ultrapassar as barreiras econômicas, sociais, raciais e culturais que dividem os
Estados Modernos. Diante desta perspectiva é que se abre a ideia de Estado Transnacional,
nas palavras de Beck40: “Estados transnacionais são portanto Estados fortes, cujos poderes de
conformação política nascem a partir de resposta cooperativas à globalização.”
Na mesma vertente intelectual, Marco Aurélio Greco citado por Cruz e Bodnar41
aduz que Estado Transnacional é aquele que vê o outro não como oposto exclusivo e
excludente, mas como elemento integrante da sua própria realidade. A “diferença” deixa de
ser vista como algo destrutivo ou ruim, passando a ser vista como algo complementar que
define o universo em que nos encontramos.
Não obstante tratar-se de reflexão contemporânea, não se pode olvidar que o
pensamento cosmopolita há muito tempo vem sendo desenvolvido por teóricos das mais
diversas áreas das ciências humanas e sociais. No campo jurídico, para David Held e Garret
Wallace Brown42, o cosmopolitismo possui um sentido que se alimenta em Kant e, apesar dos
diversos prismas, sustenta-se na constituição e limitação de princípios normativos e morais de
respeito ao valor humano e justiça global.
De acordo com Held e Brown43, o cosmopolitismo desenvolvido por Kant foi
fundamental porque ele foi o primeiro cosmopolita a esboçar uma visão bastante abrangente
do direito cosmopolita. Além disso Kant (...) desejava acima de tudo criar um sentido
universal de direito público cosmopolita, e é por esta razão que nós podemos entender que o
seu cosmopolitismo atua como um precursor importante para muitos debates contemporâneos
sobre justiça global.
O fenômeno da supranacionalidade ou também chamada transnacionalidade, nos
dizeres de Marcos Leite Garcia44, dá-se a partir das chamadas demandas transnacionais, que
por sua vez estão relacionadas com a questão da efetividade dos chamados direitos difusos e
transfronteiriços. Desta maneira, as demandas transnacionais são questões fundamentais para
o ser humano e que vem sendo classificadas pela doutrina como “novos direitos”.
88
Sobre esses chamados “novos direitos”, Garcia45 ainda adverte que os debates sobre
as questões transnacionais, primeiramente, versa sobre a guerra e a paz, que permanece sendo
uma questão central transnacional; depois, apresentam-se demandas mais novas, como o
direito ambiental, direito do consumidor, direito ao desenvolvimento dos povos etc.
É necessário, pois, que as Nações e seus nacionais tomem consciência da emergente
necessidade de aproximação, da criação de novos espaços públicos de debates e
regulamentações jurídicas e, também, da submissão às decisões de órgãos supraestatais
previamente formados. Salienta-se que não há que se falar em ausência de Estado ou perda
total da soberania, mas sim em supranacionalidade, um conceito que denota a existência de
um espaço de interação global entre os diversos Estados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão trazida neste trabalho pretende demonstrar a necessidade de se repensar
o modelo tradicional de Estado contemporâneo diante de sua incapacidade de lidar com
questões de grande importância relativamente recentes, oriundas do fenômeno da
globalização.
O impacto do capitalismo global, os novos atores sociais, como as grandes
multinacionais, as questões ambientais e relações de consumo, demonstram que a soberania
estatal está condicionada aos ditames de relações externas que não encontram solução no
atual direito internacional e por isso mesmo precisa reinventar-se de modo a adequar-se a este
novo contexto.
Assim, a proposta de reconstrução da sociedade perpassa pela ascendência da
política, do social e do cultural sobre a atual prevalência da razão econômica, mediante “um
redescobrimento do bem comum, de um saber-viver juntos e de um novo sentido para a
aventura de viver.”46
É neste cenário que surge a supranacionalidade, cuja proposta é buscar uma inter-
relação entre os Estados soberanos, de modo a criar novos espaços públicos de debates e
regulação de novas demandas de ordem mundial, sendo que cada um cede uma parte de sua
89
soberania a fim de garantir a ordem e também – ao extremo – a própria manutenção da vida
humana na terra, pautado na solidariedade e união de esforços.
Trata-se, sem dúvida, de um processo natural de desenvolvimento da humanidade,
assim como ocorrera em outros momentos históricos, cabendo aos Estados e seus cidadãos a
conscientização da necessidade desse encurtamento de distâncias e superação das diferenças.
O processo de unificação da Europa e outras formas de alianças como o
MERCOSUL, apesar de ainda precários (mais este do que aquele) não deixam de ser um
começo para a construção desta nova sociedade supranacional.
Não há dúvidas de que referido projeto universalista comporta dificuldades enormes
no plano teórico-jurídico. Todavia, essas dificuldades, mais que de caráter jurídico, são
obstáculos políticos derivada da falta de disposição das grandes potencias e das grandes
empresas multinacionais a submeter-se aos limites e vínculos de uma esfera pública
heterônoma, tais como o monopólio jurídico e as forças nas mãos da ONU e à criação de
adequadas instituições internacionais de garantia primária e secundária dos direitos
fundamentais.1
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têm como meta alguma vantagem, e aquela que é a principal e contém em si todas as outras se
propõe à maior vantagem possível. Chamamo-la Estado ou sociedade política". 6 TOMÁS DE AQUINO. Do Reino ou do Governo dos Príncipes ao Rei de Chipre. In:
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Trad. de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 78
17 FERNANDES, Rodrigo.; PADILHA, Rafael. Transnacionalidade e os novos rumos do
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18 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 14. ed.
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Prieto Sanchís e Afonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011, caps. XIII e XIV, p.
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Soethe e Milton Camargo Mota. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004. p. 147. 33 CRUZ. Paulo Márcio. Da soberania à transnacionalidade: democracia, direito e estado
no século XXI. Editora Univali: 2011. 34 BECK. Ulrich. O que é globalização? Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra,
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no século XXI. p. 60. 37 CRUZ. Paulo Márcio. Da soberania à transnacionalidade: democracia, direito e estado
no século XXI. p. 61-62. 38 STRECK, Lebio Luiz. BOLZAN DE MORAES, José Luis. Ciência política e teoria do
Estado. p. 140. 39 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Teoría del derecho y de la democracia. Vol. 2. Teoria
de la democracia. p. 544. 40 BECK. Ulrich. O que é globalização? p. 192. 41 GRECO, Marco Aurélio. Globalização e tributação da renda mundial. Apud CRUZ,
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Transnacionais. Direito e Transnacionalidade. 2011. p. 55-72.
42 Held, David and Brown, Garret Wallace. The Cosmopolitanismreader. 2010. p. 254
93
43 Held, David and Brown, Garret Wallace. The Cosmopolitanism reader. 2010. p.09. 44GARCIA, Marcos Leite. Novos direitos fundamentais e demandas transnacionais. Anais
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12 de junho de 2010. 45GARCIA, Marcos Leite. Novos direitos fundamentais e demandas transnacionais. Anais
do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza – CE nos dias 09, 10, 11 e
12 de junho de 2010. 46 CRUZ. Paulo Márcio. Da soberania à transnacionalidade: democracia, direito e estado
no século XXI. p. 61-62. p.112.
94