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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E CULTURA JURÍDICAS SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS JULIA MAURMANN XIMENES LEONEL SEVERO ROCHA

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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA

SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E CULTURA JURÍDICAS

SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS

JULIA MAURMANN XIMENES

LEONEL SEVERO ROCHA

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Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

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Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie

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Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMGProfa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP

Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA

S678

Sociologia, antropologia e cultura jurídicas [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI

Coordenadores: Sérgio Henriques Zandona Freitas, Julia Maurmann Ximenes, Leonel Severo Rocha – Florianópolis: CONPEDI, 2017.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-552-2Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça

CDU: 34

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Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br

Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Realidade Social. 3. Cultura. XXVICongresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).

Universidade Federal do Maranhão - UFMA

São Luís – Maranhão - Brasilwww.portais.ufma.br/PortalUfma/

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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA

SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E CULTURA JURÍDICAS

Apresentação

O XXVI Congresso Nacional do CONPEDI foi realizado em São Luís - Maranhão,

promovido pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI) em

parceria com a Universidade Federal do Maranhão – UFMA, por meio do seu Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito e Instituições do Sistema de Justiça, no período de

15 a 17 de novembro de 2017, sob a temática “DIREITO, DEMOCRACIA E

INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE JUSTIÇA”.

O Grupo de Trabalho “Sociologia, Antropologia e Cultura Jurídicas” desenvolveu suas

atividades na data de 16 de novembro de 2017, no Campus da Universidade CEUMA, em

São Luís-MA, e contou com a apresentação de dezessete artigos científicos que, por suas

diferentes abordagens e aprofundamentos científico-teórico-práticos, possibilitaram

discussões críticas na busca de aprimoramento do renovado sistema brasileiro das ciências

sociais.

Os textos foram organizados por blocos de temas, coerentes com a sistemática do respectivo

Grupo de Trabalho, podendo-se destacar nas pesquisas as discussões sobre a sociedade pós-

moderna, complexa e líquida, com a apresentação, sob viés crítico, de caminhos e soluções

aos problemas abordados.

A coletânea reúne gama de artigos interdisciplinares, maduros e profícuos, que apontam

questões relativas à corrupção sistêmica e as políticas sociais, o “jeitinho” e a

“malandragem” brasileira, questões relativas a via alternativa de resolução de conflitos e a

análise sociológica dos conflitos judiciários brasileiros, as comunidades indígenas e suas

terras, o agronegócio, o etnodireito e o princípio da igualdade, a posse e a propriedade, com

viés de territorialidades rivais, bem como os territórios tradicionais pesqueiros, a sociedade

burguesa, os conflitos afetivos, a instituição policial e a crise do setor público, o

estruturalismo construtivista, as técnicas de ensinagem no Direito, mapas mentais e a

consequente evolução do profissional com atuação no Direito e, finalmente, a ideologia da

universalidade dos Direitos Humanos.

Como se viu, aos leitores mais qualificados, professores, pesquisadores, discentes da Pós-

graduação, bem como aos cidadãos interessados nas referidas temáticas, a pluralidade de

relevantes questões e os respectivos desdobramentos suscitam o olhar sobre os avanços e

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retrocessos dos direitos sociais no Brasil e a necessidade de se evoluir na discussão sobre o

comportamento humano e a sociedade de indivíduos, grupos e instituições.

Assim, os coordenadores do Grupo de Trabalho - SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E

CULTURA JURÍDICAS, agradecem a colaboração dos autores dos artigos científicos e suas

instituições multiregionalizadas, pela valorosa contribuição ao conhecimento científico e

ideias para o aprimoramento democrático-constitucionalizado do Direito brasileiro.

Finalmente, de forma dinâmica e comprometida com a formação do pensamento crítico

contemporâneo, o convite do CONPEDI, por meio dos organizadores da presente publicação,

para uma leitura prazerosa dos artigos apresentados, com a possibilidade de (re)construção

crítico-evolutiva do homem e da sociedade, ambos voltados na concretização de direitos e

garantias fundamentais insculpidos na Constituição de 1988.

São Luís/MA, novembro de 2017.

Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes - IDP

Prof. Dr. Leonel Severo Rocha - Unisinos

Prof. Dr. Sérgio Henriques Zandona Freitas - FUMEC

Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação

na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.

Equipe Editorial Index Law Journal - [email protected].

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BAUMAN E A CRÍTICA À MODERNIDADE LÍQUIDA

BAUMAN AND THE CRITICISM TO LIQUID MODERNITY

Roberto SiquinelSandra Mara Maciel de Lima

Resumo

O artigo tem por objetivo identificar as contribuições epistemológicas e metodológicas de

duas obras de Zygmunt Bauman para o campo jurídico. Os temas discutidos nestas obras se

complementam e permite-nos concluir que vivemos apenas reagindo às crises recentes, sem

projetar um futuro sólido para as próximas gerações. Por meio de pesquisa bibliográfica, foi

possível identificar que ambas as obras utilizam o método indutivo e o empirismo científico

como padrão.

Palavras-chave: Epistemologia, Metodologia, Pós-modernidade, Sociedade de consumo, Desigualdade social

Abstract/Resumen/Résumé

The article aims to identify the epistemological and methodological contributions of two

works by Zygmunt Bauman for the legal field. The themes discussed in these works

complement each other and allow us to conclude that we live only by reacting to recent crises

without projecting a solid future for the next generations. Through bibliographical research, it

was possible to identify that both works use the inductive method and scientific empiricism

as standard.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Epistemology, Methodology, Postmodernity, Consumer society, Social inequality

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Introdução

A sociedade chamada pós-moderna nasceu com a globalização da economia.

A partir da abertura das fronteiras e da superação da época de descobrimento da

industrialização, passou-se a pensar e ver o mundo de forma diferenciada,

atribuindo-se à linguagem o papel transformador dessa sociedade para o estágio da

pós-modernidade.

No cenário filosófico, a linguagem passou a ter papel fundamental nas

relações humanas, pois deu sentido à realidade. Sobre a linguagem como

característica do pós-moderno, Habermas pontua ser um “agir comunicativo”,

destacando ser a comunicação como a dimensão última das sociedades modernas

(HABERMAS, 1987, p. 11). A linguagem, portanto, se sobreporia às coisas reais e

seria a responsável pela rápida transformação dos conceitos até então arraigados

na civilização.

Milhões de pessoas pensam que sim, mas na verdade não entendem a

linguagem dos computadores, e ela é responsável pela comunicação em nossa

sociedade. É dela o monopólio das informações, que são selecionadas em função

do interesse comercial e do controle da massa. É essa comunicação que dita a

mainstream, criando vontades e até mesmo conceitos que são incorporados pelos

seres humanos como algo certo e definitivo.

A globalização, chamada por alguns de ocidentalização globalizada, segundo

Amartya Sen é vista de duas formas, uma otimista e outra pessimista. A primeira a

consideram uma contribuição maravilhosa da civilização ocidental para o mundo, de

onde surgiram os grandes desenvolvimentos mundiais (Europa), tais como a

Renascença, o Iluminismo e a Revolução Industrial, e que proporcionaram melhoria

dos padrões de vida no Ocidente, espalhados hoje pelo planeta. De forma

diametralmente oposta, o capitalismo é visto como uma forma de dominação por

países ocidentais ambiciosos e agressivos, que estabelecem regras de comércio

exterior e relações de negócios que não atendem aos interesses das populações

mais pobres do mundo (SEN, 2010, p. 17 e 18).

Snowden – Herói ou Traidor, do premiado diretor Oliver Stone, é um filme que

conta a história (baseada em fatos reais), de um funcionário do Serviço Secreto dos

EUA, Edward Joseph Snowden, que descobre que seu país não está mirando e

vigiando terroristas, mas mirando o mundo inteiro com o intuito de obter o máximo

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de informações para exercer supremacia e controle econômico e social. Desiludido

com o mundo da inteligência secreta, Snowden vaza documentos sigilosos, inclusive

para aliados dos EUA. Ele é declarado espião, traidor, e sai de seu País. Atualmente

Snowden reside na Rússia, mas sob alerta constante de que o governo russo o

enviará a sua terra natal.

O filme foi lançado em 2016, mas retrata algo que ocorre há décadas: somos

fortemente influenciados em nossas decisões. Desejamos aquilo que nos fazem

acreditar que é nosso desejo. O interesse econômico tenta (e infelizmente está

conseguindo) prevalecer a qualquer custo numa sociedade díspar, onde há 1% das

pessoas no mundo controlando quase toda a riqueza do planeta, enquanto 99%

perecem por ausência de comida, educação, sabedoria (não apenas informação),

sedentos por bens de consumo e preocupados apenas com seus interesses

próprios, individuais.

Essa é a era da pós-modernidade que Zygmunt Bauman rebatizou de

modernidade líquida, título da primeira obra analisada no presente artigo (BAUMAN,

2001). Segundo Bauman, houve uma transformação da sociedade de produção em

uma sociedade de consumo1, a sociedade do “eu”, contaminada pela cultura do

imediatismo, do prazer, da individualização, gerada a partir da ausência de nossa

própria identidade num mundo sem forma definida. A liquidez que aparece no título

diz respeito à fluidez das relações. Nada é mais sólido como antes, tudo se

transforma em questão de segundos, as ideias, os pensamentos, a interação entra

as pessoas. Vivemos num mundo de alta tecnologia, afogados em informações, mas

carentes de sabedoria. Não conseguimos mais conservar as formas durante muito

tempo, tudo dura enquanto deve durar, enquanto alguém que utiliza da linguagem

para alcançar a todos diz que deve durar. As crises das manchetes de hoje

substituem as de ontem e assim sucessivamente. A sociedade escorre pelas mãos e

nada é sólido o bastante para durar.

Na segunda obra objeto do presente estudo, A Riqueza de Poucos Beneficia

a Todos Nós? (BAUMAN, 2015), o autor analisa a ideia, que se tornou comum, de

que a melhor maneira de ajudar os pobres a sair da miséria é permitir que aqueles

que são ricos se tornem cada vez mais ricos e com isso possam gerar mais

1 Em 1970, Jean Baudrillard publicou um livro com esse título “La société de consummation” pela

Éditions Denoël, de Paris, o que demonstram que muito antes da era de informação e tecnologia que vivemos hoje pesquisadores apontavam que a sociedade estava mais preocupada com o ter do que com o ser.

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empregos, rendas, enfim, condições melhores de vida àqueles que estão

abandonados pelo Estado. Entretanto, os dados analisados pelo autor e que são

apresentados em sua obra apontam para um caminho diverso da ideia geral,

mostrando que o mercado não está corrigindo a desigualdade, mas ao contrário,

incentivando o individualismo do mundo do consumo.

A desigualdade social criou um abismo intransponível, capaz de tornar meros

consumidores controlados àqueles que no passado lutaram pelos direitos civis e

públicos.

O presente artigo tem por objetivo identificar as contribuições epistemológicas

e metodológicas de duas obras de Zygmunt Bauman para o campo jurídico.

O artigo apresenta inicialmente, a trajetória de vida de Bauman, desde sua

origem na Polônia até sua consagração como escritor e professor de sociologia na

Inglaterra, bem como seu recente falecimento. Na sequência, buscar-se-á identificar

as contribuições epistemológicas e metodológicas da obra “Modernidade Líquida e

“A Riqueza de Poucos Beneficia a Todos Nós?”.

Trajetória de Zygmunt Bauman

Zygmunt Bauman nasceu na cidade de Poznán, na Polônia, em 1925, tendo

ingressado, aos 19 anos, no serviço militar durante a 2ª Guerra Mundial. Ocupou o

posto de oficial do corpo de segurança interna de seu País durante o período de

1945 a 1953. Nesse período cursou sociologia na Universidade de Varsóvia, e mais

tarde, na fase conclusiva de seu mestrado, tornou-se professor assistente da mesma

instituição, em 1954. Bauman teve grande influência da doutrina marxista, mas ao

longo de sua carreira acadêmica demonstrou que defendia as ideias da ética de

Marx e não as ideias marxistas tal qual foram difundidas.

Em decorrência de seu posicionamento contrário ao governo polonês, em

1968 foi demitido da universidade, sendo obrigado a sair da Polônia também por ter

descendência judia. Reconstruiu sua carreira no Canadá, Estados Unidos e

Austrália, até chegar à Grâ-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular de

sociologia da Universidade de Leeds. Mais tarde voltou a lecionar em Varsóvia,

tendo recebido o título de professor emérito em ambas as universidades.

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Zygmunt Bauman faleceu na cidade de Leeds, Inglaterra, em 09 de janeiro de

2017, aos 91 (noventa e um) anos de idade. Uma perda irreparável para a

sociedade e para a sociologia, pois era um homem que pensava na civilização

moderna, levantando questões notórias, mas que poucas vozes tinham a coragem

de bradar. Foi, e continuará sendo, um sociólogo humanista, ferrenho combatente

dos ideais neoliberais, Bauman fez duras críticas aos sistemas de governo que

deixaram as empresas dominar o mercado e tornar os cidadãos em consumidores

reféns.

A gigantesca obra de Bauman é representada por um conjunto de mais de

cinquenta livros, sendo destes quase quarenta publicados no Brasil. Entre os anos

de 1957 e 2016 (primeira e última publicação original, respectivamente) mostrou ser

um homem sempre a frente de seu tempo, produtor incansável de textos, onde

traduzia para as palavras os anseios, sofrimentos e necessidades vividas pela

civilização moderna.

Através da bibliografia de Bauman percebe-se a constante preocupação com

a humanidade e com as consequências que os males da pós-modernidade trazem

ao cotidiano das pessoas. Mesmo antes de iniciar a leitura de qualquer de suas

obras o leitor poderá ser provocado a pensar. Basta ler alguns dos títulos de seus

escritos e terá em mãos material suficiente para desenvolver um raciocínio crítico a

respeito de cada tema proposto.

Por fim, Bauman recebeu o prêmio Amalfi2 por sua obra Modernidade e

Holocausto e o prêmio Adorno3, pelo conjunto de sua obra.

Contribuição Epistemológica da obra “Modernidade Líquida”

A obra em referência é resultado da análise de cinco conceitos básicos que

organizam a vida humana compartilhada, e que na visão de Bauman são:

emancipação, individualidade, tempo/espaço, trabalho e comunidade. O autor

analisa o que esses conceitos (que para fins do presente artigo os chamaremos de

contribuições) significam para o ser humano em tempos atuais, tão transformados e

diferentes do passado.

2 Prêmio europeu de Sociologia e de Ciências Sociais.

3 Prêmio alemão concedido pela cidade de Frankfurt em 1998.

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A primeira contribuição de Bauman aparece quando trata da necessidade de

libertação do indivíduo em relação à sociedade, chamada por ele de “emancipação”.

Mas essa libertação não significa o abandono de tudo que está à sua volta a fim de

seguir um caminho de nômade em meio a um deserto, mas sim encontrar-se dentro

da própria sociedade por suas vontades, seus próprios desejos.

Uma dessas questões é a possibilidade de que o que se sente como liberdade não seja de fato liberdade; que as pessoas poderem estar satisfeitas com o que lhe cabe mesmo que o que lhes cabe esteja longe de ser “objetivamente” satisfatório; que, vivendo na escravidão, se sintam livres e, portanto, não experimentem a necessidade de se libertar, e assim percam a chance de se tornar genuinamente livres. (BAUMAN, 2001, p. 27)

Bauman explica que essa emancipação deve ser entendida como o

reconhecimento, pelo próprio indivíduo, da liberdade objetiva, boa, justa. O autor

detalha que a transformação constante da sociedade, entretanto, seda o indivíduo

de maneira que ele passa a duvidar se a liberdade seria algo bom ou ruim, ou seja,

se a emancipação poderia acarretar-se tamanhas responsabilidades e riscos que o

melhor seria permanecer naquele estado inerte, sem as preocupações que os

“libertos” teriam. Ser emancipado, desta forma, não seria significado de felicidade.

Mas o ponto principal destacado por Zygmunt Bauman em relação à

emancipação está relacionado a solução dos problemas instaurados no seio da

sociedade, pelo fato da natureza privada das demandas, conforme demonstra o

recorte a seguir:

Como sempre, o trabalho do pensamento crítico é trazer à luz os muitos obstáculos que se amontoam no caminho da emancipação. Dada a natureza das tarefas de hoje, os principais obstáculos que devem ser examinados urgentemente estão ligados às crescentes dificuldades de traduzir os problemas privados em questões públicas, de condensar problemas intrinsecamente privados em interesses públicos que são maiores que a soma de seus ingredientes individuais, de recoletivizar as utopias privatizadas da “política-vida” de tal modo que possam assumir novamente a forma das visões da sociedade “boa” e “justa”. Quando a política pública abandona suas funções e a “política-vida” assume, os problemas enfrentados pelos indivíduos de jure em seus esforços para se tornarem indivíduos de facto passam a ser não aditivos e não cumulativos, destituindo assim a esfera pública de toda substância que não seja a do lugar em que as aflições individuais são confessadas e expostas publicamente (BAUMAN, 2001, p. 68-69).

Observa-se, portanto, que a pós-modernidade destacou da política pública o

encargo da resolução dos problemas, transferindo-o à iniciativa privada, de forma

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que apenas a coletivização das questões privados pode produzir força capaz de ser

representativa e exigir das autoridades públicas a tomada de medidas protetivas de

seus direitos.

O segundo conceito, que entendemos como contribuição epistemológica de

Bauman diz respeito à “individualidade”, por ele tratada pelo viés da restrição do

indivíduo num mundo controlado, onde a individualidade é reduzida e a vida move-

se como que se fosse programada em decorrência da vigilância e opressão.

Como Karl Marx descobriu, as ideias das classes dominantes tendem a ser as ideias dominantes (proposição que, com nossa nova compreensão da linguagem e de seu funcionamento, poderíamos considerar pleonástica). Por pelo menos 200 anos foram os administradores das empresas capitalistas que dominaram o mundo – isto é, separaram o factível do implausível, o racional do irracional, o sensato do insano, e de outras formas ainda determinaram e circunscreveram a gama de alternativas dentro das quais confinar as trajetórias da vida humana. Era, portanto, sua visão do mundo, em conjunto com o próprio mundo, formado e reformado à imagem dessa visão, que alimentava e dava substância ao discurso dominante (BAUMAN, 2001, p. 73).

Bauman cita o modelo fordista como exemplo da sociedade moderna em

sua fase pesada, sólida, onde fábricas enormes, maquinaria pesada e força de

trabalho maciça eram necessárias para sobreviver no mundo, amarrando os

trabalhadores a seus lugares e impedindo sua mobilidade, cerceando sua

individualidade. Embora parecesse ruim, esse sistema dava alguma segurança aos

indivíduos, no sentido de saber o rumo do barco (BAUMAN, 2001, p. 77).

Hoje, no mundo pós-fordista, com o chamado capitalismo leve, não se sabe

para onde navegar num mar de incertezas, sem referências plausíveis. O controle e

a vigilância permanecem, mas sem um referencial ao indivíduo, que deve buscar

sozinho seu caminho. Bauman ensina que no pós-moderno tudo corre por conta do

indivíduo, cabendo-lhe descobrir o que é capaz de fazer e em que essa capacidade,

em seu grau máximo, poderá servir melhor (BAUMAN, 2001, p. 81).

A terceira contribuição epistemológica refere-se ao “tempo/espaço”. Bauman

analisa a diferença entre espaço civil e espaço público no mundo líquido atual.

Segundo o autor, civil é o espaço em que as pessoas possam compartilhar como

personae públicas, sem serem instigadas, pressionadas ou induzidas. Um espaço

onde os indivíduos possam confessar seus sentimentos íntimos e exibir seus

pensamentos, sonhos e angústias, um lugar onde prevaleça o bem comum. Já o

espaço público tem se mostrado distante desse primeiro modelo, na medida em que

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se tornaram inacessíveis, vazios, e para ilustrar cita o exemplo da praça La Défense,

em Paris, que não é nada convidativa à coletivização. O espaço público no mundo

líquido, segundo Bauman, também tem a função de servir para o consumo, onde

indivíduos estão juntos no mesmo local, mas cada um com seus interesses

individuais.

Esses lugares encorajam a ação e não a interação. Compartilhar o espaço físico com outros atores que realizam atividade similar dá importância à ação, carimba-a com a “aprovação do número” e assim corrobora seu sentido e a justifica sem necessidade de mais razões. Qualquer interação dos atores os afastaria das ações em que estão individualmente envolvidos e constituiria prejuízo, e não vantagem, para eles. Não acrescentaria nada aos prazeres de comprar e desviaria corpo e mente da tarefa. A tarefa é o consumo, e o consumo é um passatempo absoluta e exclusivamente individual, uma série de sensações que só podem ser experimentadas – vividas – subjetivamente (BAUMAN, 2001, p. 124-125).

Bauman explica que o espaço público hoje tem se destinado aos chamados

“templos do consumo”, que são meros ajuntamentos de pessoas, que nenhuma

manifestação pública, de interesse público, proferem. Esses espaços públicos nada

tem de coletivos, pois tornaram-se locais de mero acumulo de pessoas com

finalidades consumistas individuais.

O autor acrescenta, ainda, que as pessoas não vão para esses espaços para

conversar ou socializar. Os encontros devem ser breves, e aqueles que não estão ali

para fazer o mesmo (tais como mendigos, desocupados) são convidados a se

ausentarem.

Quanto ao tempo, Bauman faz críticas severas ao modelo de imediatismo

presente na pós-modernidade, no sentido de que a exigência da transformação

constante das coisas impede que o indivíduo pense a longo prazo e de forma

coletiva.

A nova instantaneidade do tempo muda radicalmente a modalidade do convívio humano – e mais conspicuamente o modo como os humanos cuidam (ou não cuidam, se for o caso) de seus afazeres coletivos, ou antes o modo como transformam (ou não transformam, se for o caso) certas questões em questões coletivas (BAUMAN, 2001, p. 160).

Observa Bauman que os eleitores são muito parecidos com consumidores e

que os políticos são muito parecidos com homens de negócio. Todos fazem

escolhas racionais baseadas na instantaneidade, que significa, na visão do autor,

buscar a gratificação evitando as consequências, e particularmente as

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responsabilidades que essas consequências podem implicar (BAUMAN, 2001, p.

162).

Como quarta contribuição tem-se o tema “trabalho”, onde Bauman trata do

progresso e da modificação do sistema de trabalho, que hoje encontra pouco

estímulo por parte do Estado, substituído pelo capital em sua tarefa de aperfeiçoar o

mundo. Segundo o autor, o progresso não é mais pensado como nação, de forma

coletiva, mas individualizado e por isso desregularizado e privatizado.

Segundo Bauman, na sociedade sólida, o trabalho tinha papel fundamental.

Quaisquer que tenham sido as virtudes que fizeram o trabalho ser elevado ao posto de principal valor dos tempos modernos, sua maravilhosa, quase mágica, capacidade de dar forma ao informe e duração ao transitório certamente está entre elas. Graças a essa capacidade, foi atribuído ao trabalho um papel principal, mesmo decisivo, na moderna ambição de submeter, encilhar e colonizar o futuro, a fim de substituir o caos pela ordem e a contingência pela previsível (e portanto controlável) sequencia dos eventos. Ao trabalho foram atribuídas muitas virtudes e efeitos benéficos, como, por exemplo, o aumento da riqueza e a eliminação da miséria; mas subjacente a todos os méritos atribuídos estava sua suposta contribuição para o estabelecimento da ordem, para o ato histórico de colocar a espécie humana no comando de seu próprio destino. O “trabalho” assim compreendido era a atividade em que se supunha que a humanidade como um todo estava envolvida por seu destino e natureza, e não por escolha, ao fazer história. E o “trabalho” assim definido era um esforço coletivo de que cada membro da espécie humana tinha que participar (BAUMAN, 2001, p. 172).

Mas na modernidade líquida o trabalho teve seu papel original alterado,

desvirtuando suas funções precípuas.

Bauman menciona que

No mundo humano labiríntico, os trabalhos humanos se dividem em episódios isolados como o resto da vida humana. E, como no caso de todas as outras ações que os humanos podem empreender, o objetivo de manter um curso próximo aos projetos dos atores é evasivo, talvez intangível. O trabalho escorreu do universo da construção da ordem e controle do futuro em direção do reino do jogo; atos de trabalho se parecem mais com as estratégias de um jogador que se põe modestos objetivos de curto prazo, não antecipando mais que um ou dois movimentos. O que conta são os efeitos imediatos de cada movimento; os efeitos devem ser passiveis de ser consumidos no ato (BAUMAN, 2001, p. 174).

Pelo recorte acima, mais uma vez, e agora no trabalho, identifica-se a

individualização, o pensar em si próprio, o imediatismo, o consumo pessoal

subjetivo, como característica do comportamento humano. O trabalho mudou de

caráter, transformando-se em um ato único, isolado e, portanto, distante do interesse

coletivo.

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O último conceito trazido por Bauman diz respeito à “comunidade” como

sinônimo de segurança para o indivíduo que se vê hoje num mundo individualizado e

responsável por todas as suas atitudes. Sua intenção é escapar desse risco e

encontrar abrigo na uniformidade, em locais onde seus vizinhos com eles se

parecem. Essa segurança está relacionada a estar trancado e vigiado por guardas

armados em condomínios com muros altos e intransponíveis.

A imagem que se projeta da comunidade é a de uma ilha de tranquilidade que

a cada dia se torna mais valiosa em decorrência dos interesses e propaganda que

os investidores e incorporadores atribuem aos imóveis onde é possível criar esse

arquipélago de segurança e convivência.

Bauman diz que

O mundo comunitário está completo porque todo o resto é irrelevante; mais exatamente, hostil – um ermo repleto de emboscadas e conspirações e fervilhante de inimigos que brandem o caos como sua arma principal. A harmonia interior do mundo comunitário brilha e cintila contra a escura e impenetrável selva que começa do outro lado da estrada. É lá, para esse ermo, que as pessoas que se juntam no calor da identidade partilhada jogam (ou esperam banir) os medos que as levaram a procurar o abrigo comunitário (BAUMAN, 2001, p. 215).

O trecho mostra que a comunidade fechada, enclausurada, vigiada e

monitorada é, para a modernidade líquida, a saída para a ausência de armas de

defesa para todos. Diz Bauman que é razoável que indivíduos mais fracos e mal-

armados procurem a força do número para compensar sua impotência individual

(BAUMAN, 2001, p. 223).

Bauman explica que a segurança é uma questão individual e os poderes

públicos pouco podem fazer. Enquanto isso, as imobiliárias assumem o problema

daqueles que podem pagar para morar em verdadeiras fortalezas.

A ideia força de Bauman quando trata da comunidade é de um conjunto de

pessoas que se unem não para discutir questões coletivas e de interesse público,

mas exclusivamente para obter a segurança que o mundo individualizado não lhes

fornece. A comunidade aparece na modernidade líquida como mais um caminho

para a satisfação das necessidades especiais.

Contribuição Metodológica da obra “Modernidade Líquida”

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A retórica de Bauman impressiona, tanto pela simplicidade com que traça a

linha de raciocínio, no intuito de que mais pessoas compreendam o que quer dizer,

quanto pela profundidade de suas colocações.

Ele é incisivo, cirúrgico em suas colocações, e utiliza de uma técnica

diferenciada da maioria dos sociólogos. Inicia seus capítulos com referências a fatos

históricos, contos, livros de ficção científica, notícias jornalísticas e dados que

demonstram a realidade humana para, a partir de fatos concretos, invocar grandes

pensadores como Adorno, Marx, Weber, Hegel.

A técnica metodológica de Bauman dá sentido ao texto, pois sempre que

possível faz referência a uma situação de fato e a partir dela expõe seu pensamento

de forma clara e rica em argumentos.

O texto corre solto como se estivesse palestrando, citando exemplos e em

inúmeras oportunidades levanta questionamentos que são por ele mesmo

respondidos.

A metodologia de Bauman parte da observação de fatos através do raciocínio

indutivo e do empirismo científico. A base para os questionamentos de Bauman são

informações concretas, dados reais e que refletem o modo que a sociedade vive

atualmente.

Contribuição Epistemológica da obra “A Riqueza De Poucos Beneficia Todos

Nós?”

Através de dados estatísticos Bauman mostra o abismo existente entre as

classes e que vem se ampliando vertiginosamente. A desigualdade entre ricos e

pobres nunca foi tão grande, mas o ponto que surge na obra do autor é: quais

realidades sociais os números refletem?

Uma tentativa de resposta afirma que a desigualdade sempre foi justificada

com base no argumento de que aqueles que estão no topo da escala contribuíam

mais para a economia, desempenhando o papel de “criadores de emprego”

(BAUMAN, 2015, p. 22).

A história, através de dados sociais mostra que a experiência de trinta anos

de disparidade entre ricos e pobres não alcançou o progresso econômico prometido,

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pois houve aumento do desemprego e decréscimo produtividade na produtividade.

Ou seja, quanto mais polarizada a economia, mais propensas a crises profundas e

impactantes.

Bauman desperta dúvidas no leitor, vejamos:

[...] haverá verdade naquilo em que tantos de nós acreditamos, a que todos nós somos pressionados e tangidos a acreditar, e que estamos lamentavelmente tentados e inclinados a aceitar? É verdade, em suma, que a riqueza de poucos beneficia todos nós? É verdade que toda interferência na desigualdade natural dos seres humanos é prejudicial à saúde e ao vigor da sociedade, bem como a seus potenciais criativos e produtivos, que todos têm o interesse de ampliar e defender até o mais alto nível? É verdade que a diferenciação de posições, capacidades, direitos e recompensas sociais reflete as diferenças de talentos naturais e das contribuições de seus membros para o bem-estar da sociedade? O resto do argumento tentará mostrar porque essas e outras crenças semelhantes são mentirosas e porque têm pouco ou nenhuma chance de jamais se tornarem verdades e cumprir sua (enganosa) promessa. Ele também tentará descobrir por que, apesar da inverdade cada vez mais evidente dessas crenças, nós continuamos a negligenciar a duplicidade de suas promessas e a não desvendar o verdadeiro caráter da total improbabilidade de que venham a cumpri-las (BAUMAN, 2015, p. 27 e 28).

A desigualdade social é, na visão de Bauman, controlada pelo sistema

capitalista. No passado o era por outro sistema, e se num futuro o sistema

econômico prevalecente for outro ainda, este também utilizará da desigualdade

social para manter uma aparente ordem. Segundo o autor, a desigualdade pode

mudar sua natureza, sua estrutura, mas sempre existirá como mecanismo tendente

a manter as coisas em uma suposta ordem, digeríveis, toleráveis, aceitáveis.

Considerada injusta do ponto de vista social, a desigualdade é “justificada”

pelos chamados “princípios de injustiça” citados por Dorling. Arrola-se a crença de

que:

O elitismo é eficiente (porque o bem só pode ser aprimorado por meio da promoção da capacidade que, por definição, relativamente poucos possuem de forma exclusiva); a exclusão é tão normal quanto necessária para a saúde da sociedade, ao mesmo tempo que a ganância é boa para a melhoria da vida; a desesperança daí resultante é inevitável e não pode ser contornada (DORLING apud BAUMAN, 2015, p. 31).

Diante dessa coleção de falsas crenças, Bauman explica que a maioria de

nós, a maior parte do tempo, aceita a oferta e abandona a vital tarefa de fazer o

melhor possível, conformando-se e anulando-se. Julgamos que nossa vida está

traçada daquela maneira e que devemos acreditar que o mecanismo deve funcionar

da forma programada. Escolhemos o mais cômodo. É difícil optar por algo que difere

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da mainstream, pois quanto mais alto for o custo social de uma escolha, menor será

sua probabilidade de ela ser eleita (BAUMAN, 2015, p. 34).

Bauman nos ensina que nossa trajetória é formada por dois fatores

autônomos, mas que juntos são determinantes para nossas vidas, quais sejam, o

destino e o caráter.

Um é o “destino”, uma classe de circunstâncias sobre as quais não temos nenhuma influência, coisas que “acontecem conosco”, que não são fruto de nossas ações (como o lugar geográfico e a situação social em que nascemos, a época do nosso nascimento). O outro fator é nosso caráter, que, pelo menos em princípio, temos a capacidade de afetar – influenciar, adestrar e cultivar. O “destino” determina a extensão de nossas opções realistas, mas, em última análise, é o nosso caráter que faz as escolhas entre elas (BAUMAN, 2015, p. 33).

Bauman ensina que antes desiguais eram as pessoas que viviam na pobreza,

mas hoje é a classe média que está se transformando no antigo “proletariado”, pois

as pessoas se sentem inseguras em relação a sua posição na sociedade.

Observa-se que o autor faz uma análise detalhada da sociedade e do quanto

a desigualdade social segrega, limita e separa as pessoas. Bauman demonstra que

o controle das camadas sociais criadas pelo capitalismo é aparentemente bom e

justo, mas trata-se de um engodo, uma farsa, e a história provou que nas últimas

três décadas essa desigualdade nada trouxe de benefício para a sociedade.

Contribuição Metodológica da obra “A Riqueza E Poucos Beneficia Todos

Nós?”

Bauman utiliza de um caminho diferenciado da maioria dos escritores para

trazer respostas aos questionamentos que ele próprio levanta a cada tema

abordado. Não se observa na metodologia do autor a busca de conceitos complexos

ou termos rebuscados do passado, ao menos nessa obra. Bauman é atual,

conectado aos recentes resultados de pesquisas científicas divulgadas por

organismos internacionais, notícias de jornais, frases de líderes políticos divulgadas

das mais diversas formas. O autor utiliza de elementos de estatística para levantar

questionamentos de cunho social, capazes de nos fazer refletir sobre nosso papel

na sociedade. Na obra em análise são raras as citações de grandes filósofos (mas

Karl Marx é presença constante), sociólogos, mas repletas de menções a trabalhos

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acadêmicos de pessoas para nós desconhecidas, mas por ele valorizadas pela

contribuição que seus estudos trazem para a sociedade. Realiza, portanto, uma

análise documental.

Observa-se tratar-se da aplicação do método indutivo, pois o autor parte de

dados reais específicos e levanta questões de ordem sociológica, de cunho geral.

Tal qual a obra Modernidade Líquida, percebe-se a presença marcante do

empirismo científico.

Considerações Finais

A primeira inexorável conclusão é a de que as obras de Bauman, aqui

estudadas, conseguiram traduzir o mundo em textos completos, abrangentes e ao

mesmo tempo pontuais em questões que nos fazem refletir sobre a civilização e

suas transformações. O autor fala sobre o cotidiano de nossas vidas e por isso

aproxima o leitor do texto.

Crítico da pós-modernidade, chamado por ele de modernidade líquida,

Bauman pode ser classificado como um sociólogo a frente de seu tempo, um

visionário. Ele conseguiu, no conjunto de sua obra, apresentar dados concretos das

mazelas da sociedade atual, que se tornou consumista e individualista.

Ao explicar a passagem da modernidade sólida para a líquida, Bauman

mencionou que praticar a arte de vida, tornar a vida uma obra de arte, em nosso

mundo líquido moderno, equivale a estar em estado de permanente transformação,

redefinindo a si mesmo de forma perene, tornando-se alguém diferente do que se

era até então; tornar-se outra pessoa corresponde a deixar de ser o que se foi, a

quebrar e jogar fora a velha forma, como uma cobra faz com sua pele ou alguns

moluscos com suas carapaças (BAUMAN, 2011).

Em uma de suas tantas entrevistas o sociólogo polonês utilizou uma palavra

que resume o estado da sociedade atual: interregno. Disse Bauman que esta

palavra significa que não somos uma coisa ou outra, que estamos num estado de

inércia, de ausência de visão a longo prazo, e que nossas ações consistem

principalmente em reagir às crises mais recentes. Mas diz que também as crises são

líquidas e que mudam constantemente.

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Ambas as obras examinadas demonstram sua crítica ao modelo neoliberal

que soltou as rédeas do sistema econômico nas mãos das grandes empresas, que

acabaram dominando o mercado e que hoje, sem freios, avançam fortemente em

áreas que deveriam ser de competência do poder público, tais como a saúde, a

educação, a segurança, entre outras.

Em sua obra Modernidade Líquida, Bauman abordou os temas emancipação,

individualidade, tempo/espaço, trabalho e comunidade.

Quanto à emancipação, que entende estar conectada ao conceito de

liberdade, Bauman destaca que os indivíduos se omitem de exercer plenamente sua

liberdade, pois isto acarretar-lhes-ia mais responsabilidades, inclusive aquelas de

natureza pública. O autor explica que as questões públicas passaram da política

pública para a “política-vida”, na medida em que a sociedade não age mais

coletivamente.

Em relação à individualidade Bauman destaca que na sociedade líquida, cada

um deve buscar sozinho seu caminho, mas diferente do passado, não há mais

referências sólidas a seguir. Os indivíduos não sabem sequer por onde começar a

procurar o fio condutor de suas vidas. Vivem sozinhos, individualizados, sem

conexões capazes de lhes dar segurança no que fazer. Mas o autor destaca que

essa solidão é relativa, porque a modernidade líquida é caracterizada pela vigilância

e controle dos atos dos indivíduos. Diz que esse controle não ocorre de forma

ostensiva e aberta como a retratada por George Orwell, na obra 1984, mas talvez a

forma de controle hoje seja mais cruel, pois cria em nós necessidades e vontades

que acreditamos ser nossas.

No que se refere ao tempo Bauman critica fortemente o imediatismo de nossa

sociedade, interessada apenas em satisfação automática para tudo que é realizado.

Não se pensa mais a longo prazo. O mundo pós-moderno tem como característica a

pressa em praticar os atos e obter resultados instantâneos. Isso é prejudicial ao

extremo, diz Bauman, porque não se está construindo nada para as gerações

futuras, que viverão também dos acontecimentos presentes ao seu tempo.

Relativamente ao espaço, o autor menciona que os espaços públicos que

deveriam servir para a reunião de pessoas com o intuito de debater questões

coletivas, são utilizados apenas como pontos turísticos nada convidativos às

discussões, mas voltados para os interesses individuais expressados através do

consumo. Os espaços públicos, segundo o autor, foram transformados em “templos

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do consumo”. Há pessoas lado a lado, que sequer conversam para não atrapalhar a

“concentração” do ato de comprar.

Em relação ao tema trabalho, Bauman aborda a ausência de estímulo do

Estado. Segundo o autor, não há fomento porque o progresso da nação não está

mais conectado ao trabalho, mas sim ao capital. Cada um pensa no trabalho como

forma individual de progredir.

Por fim, quanto à comunidade, Bauman a vê na modernidade líquida como

sinônimo de segurança, não mais como um conjunto de pessoas com objetivos de

tratar de questões coletivas e de interesse público. Observa-se a comunidade como

um porto seguro, longe das mazelas, incertezas e perigos que habitam o outro lado

do muro do condomínio que protege os integrantes dessa comunidade. O autor cita

que os investidores e incorporadores agradecem a visão de que comunidades

condominiais significam a saída para proteger o indivíduo. Ou seja, a comunidade foi

reduzida a um mero espaço fechado, vigiado, onde podemos falar e andar sem

preocupações.

Já na obra “A Riqueza de Poucos Beneficia a Todos?”, Bauman demonstra

que não aceita as justificativas para a desigualdade social. Ele rejeita todas as teses,

justificando suas respostas, inclusive com dados históricos. Diz que são os

indivíduos que acabam aceitando essa condição de desigualdade como algo natural,

porque sair da comodidade da aceitação significaria perder tempo em pensar no

outro. E num mundo individualista como esse em que nossa sociedade está

inserida, pensar no outro é deixar de pensar em si mesmo.

Por fim, ambas as obras demonstram a utilização do método indutivo e do

empirismo científico como padrão do autor.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. A riqueza de poucos beneficia todos nós? tradução Renato Aguiar. – – Rio de Janeiro: Zahar, 2015.

______. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

______. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien. – Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

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______. A Ética é Possível num Mundo de Consumidores? Tradução Alexandre Werneck. – Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

HABERMAS, J. Teoria de La acción comunicativa. Tradução M. J. Redondo. Madrid: Taurus, 1987.

SEN, Amartya. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. Tradução Bernardo Ajzemberg, Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

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