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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF
PROCESSO, JURISDIÇÃO E EFETIVIDADE DA JUSTIÇA III
GIOVANNI OLSSON
ISAAC COSTA REIS
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P963
Processo, jurisdição e efetividade da justiça III [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Giovanni Olsson; Isaac Costa Reis - Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-412-9 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Desigualdade e Desenvolvimento: O papel do Direito nas Políticas Públicas
CDU: 34
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Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Efetividade. 3. Direitos sociais.
4. Interpretação. XXVI EncontroNacional do CONPEDI (26. : 2017 : Brasília, DF).
XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF
PROCESSO, JURISDIÇÃO E EFETIVIDADE DA JUSTIÇA III
Apresentação
O XXVI Encontro Nacional do CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Direito, ocorrido em Brasília entre os dias 19 e 21 de julho de 2017, teve
como tema central "Desigualdades e Desenvolvimento: o papel do Direito nas Políticas
Públicas."
Ao longo de três dias, professores e pesquisadores de todo o Brasil debateram as principais
questões ligadas aos aspectos práticos e teóricos de sua atividade. Nesse contexto, os Grupos
de Trabalho intitulados "Processo, jurisdição e efetividade da Justiça" ocuparam importante
lugar, já que tratam do escopo último do aparato judicante do Estado: a efetividade do acesso.
Na tarde do segundo dia do evento, foi apresentada a produção acadêmica de Programas de
Pós-Graduação por docentes, mestrandos e doutorandos de todo o país, sob a coordenação
dos Professores Dr. Giovanni Olsson, da Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(UNOCHAPECÓ) e Dr. Isaac Reis, da Universidade de Brasília (UnB).
Os trabalhos foram agrupados em blocos temáticos, visando possibilitar um diálogo mais
profícuo em torno dos temas.
Um primeiro bloco agrupou artigos que discutiram o princípio da cooperação entre os
sujeitos do processo, inscrito no Código de Processo Civil de 2015, bem como sua
repercussão na esfera recursal e na relação com outros institutos e teorias. Seguiu-se um
conjunto de trabalhos que tomaram como objeto de pesquisa o modelo de precedentes e o
modo como ele tem sido gestado e gerido por um Poder Judiciário cada vez mais atuante. O
terceiro bloco de trabalhos teve como foco o estudo dos meios alternativos de solução de
conflitos como afirmadores da autonomia individual e do ideário de democracia deliberativa,
muitas vezes ameaçado pela morosidade e pelo caráter binário (perde/ganha) do processo
contencioso oficial. O último grupo de pesquisas tratou de questões processuais práticas,
como o impacto do Novo CPC na prática dos Juizados Especiais, debates relativos ao
processo executório, à tutela de evidência, ao agravo de instrumento e à coisa julgada.
Aos longo das discussões, foi ressaltada a necessidade de se produzir pesquisas empíricas
que revelem o verdadeiro significado da noção de "acesso a" e "efetividade da" justiça do
ponto de vista dos cidadão e cidadãs, tendo-se em mente a íntima conexão entre os
procedimentos, estatais ou não, de gestão de conflitos e o exercício da cidadania no Estado
Democrático de Direito.
Vê-se, assim, que as contribuições das autoras e autores presentes ao grupo de trabalho, bem
como os intensos debates ocorridos, demonstraram relevância inquestionável para a
qualidade da produção acadêmica nacional na área do Direito, conectando questões outrora
tidas como puramente técnico-processuais à realização efetiva de direitos e do ideal
democrático.
Profª. Drª. Edith Maria Barbosa Ramos (UFMA)
Prof. Dr. Giovanni Olsson (UNOCHAPECO)
Prof. Dr. Isaac Reis - UnB
OS EFEITOS DA ALTERAÇÃO DA TESE JURÍDICA DO INCIDENTE DE RESOLUÇAO DE DEMANDAS REPETITIVAS
THE EFFECTS OF THE AMENDMENT OF THE LEGAL THESIS OF THE REPETITIVE DEMANDS INCIDENT
Bruno Marcelo Ferreira FernandesAdalberto Simão Filho
Resumo
O presente estudo versa sobre os efeitos da revogação da tese firmada em incidente de
resolução de demanda repetitiva. Pretende-se compreender as consequências dessas
alterações, em relação aos princípios da segurança jurídica, previsibilidade e isonomia do
direito, escopos desse novo instrumento de busca de resolução de conflitos de massa.
Palavras-chave: Novo código de processo civil, Lei 13.105/20115, Incidente de resolução de demandas repetitivas, Ações repetitivas, Mudança de entendimento
Abstract/Resumen/Résumé
The present study deals with the effects of the revocation of the thesis signed in incident of
resolution of repetitive demand. It is intended to understand the consequences of these
changes, in relation to the principles of legal certainty, predictability and isonomy of the law,
scopes of this new instrument of search of resolution of mass conflicts.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: New code of civil procedure, Law 13.105/2015, Incident of settlement of repetitious claims, Repetitious actions, Change of understanding
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1. INTRODUÇÃO
Esse artigo aborda os efeitos da alteração de mudança de entendimento do incidente de
resolução de demandas repetitivas, como se aplica o direito, quando há uma nova interpretação
jurídica sobre o precedente.
A principal pergunta que se coloca é que, em caso de revogação da tese firmada em
incidente de resolução de demanda repetitiva, a nova tese deve ter seus efeitos modulados? A
questão enfrentada nesse trabalho é como tem se portado o direito moderno, com foco nos
princípios da segurança jurídica, previsibilidade e isonomia, que passam a conceder efeitos
prospectivos, mesmo diante de inconstitucionalidades.
Trata-se de um trabalho analítico e teórico, que foi desenvolvido através do método
dedutivo.
O primeiro capítulo contextualiza os tempos atuais, em que se vê o aumento de
demandas em massa, em razão, dentre outros fatores, da globalização do mercado, acesso
facilitado de maior quantidade de pessoas ao comércio, expansão dos direitos dos
consumidores. Ante a este cenário atual, o modelo de processo civil de 1973, criado para
solucionar demandas individuais, mostrou-se retrógrado, ineficiente e incapaz de dar vazão ao
grande número de processos que ingressam todos os dias no judiciário.
No segundo capítulo é abordado o histórico do incidente de resolução de demanda
repetitiva, sua influência trazida do direito alemão, peculiaridades e natureza jurídica.
No terceiro capítulo se adentrará na temática do trabalho, sobre os efeitos da mudança
de entendimento referente ao incidente de resolução de demanda repetitiva. Quais as
consequências da mudança de entendimento e a alteração. Quem está sujeito a essa mudança.
E quais os efeitos prospectivos ou retroativos.
2. A SOCIEDADE ATUAL E AS DEMANDAS EM MASSA
A evolução das sociedades, marcada pela concentração demográfica, universalização de
serviços, virtualização das relações jurídicas, contribuiu em larga escala para o aumento de
demandas a serem solucionadas pelo Judiciário.
É certo que em sociedades de massa há elevado número de relações jurídicas similares,
que versam sobre um mesmo fundamento jurídico. Nesses casos, vê-se que apesar de o pedido
e causa de pedir próximos (fato jurídico), mas com partes diversas, discute-se a mesma tese
jurídica, o que aproxima as demandas pela afinidade, oportunizando inclusive eventual reunião
de processos (litisconsórcio facultativo simples), dando ensejo a macrolides.
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Para Zanferdini e Gomes (2014, p. 181), as demandas em massa não compreende ações
idênticas sobre o viés da repetição das partes, pedido e causa de pedir, da maneira que se
apresenta nos casos de litispendência. Também não se fala em hipótese de conexão ou
continência. A identidade dessas ações definidas como demandas em massa, se aproximam no
que diz respeito a tese apresentada por ela. Vale ressaltar ainda que essas ações não se limitam
às causas de direitos individuais homogêneos.
Segundo Bondioli (2013):
As macrolides se apresentam como um grande desafio para a ciência do processo. É
que se espera de todo e qualquer processo que ele não consuma mais tempo, energia
e dinheiro do que o estritamente necessário para a sua solução, seja efetivo e traga
segurança e orientação para as relações econômicas e sociais. E a multiplicação de
litígios judiciais, ainda que idênticos, aumenta o volume de serviço do Poder
Judiciário sem que haja incremento na sua capacidade de absorção de trabalho.
Ademais, a proliferação de processos similares, até por uma questão estatística,
incrementa as chances de soluções diferentes para uma mesma situação da vida.
Nessas condições, convive-se com uma série de fatores negativos para a otimização,
efetividade e previsibilidade do processo e é preciso neutralizá-los.
Os jurisdicionados, em busca de soluções para esses litígios de massa, batem às portas
do judiciário assíduos por padronização e celeridade. A padronização, neste caso, tem ligação
direta com a sensação de justiça e isonomia. Já a celeridade implica a efetivação em tempo
hábil, a fim de tornar o trabalho do Judiciário eficaz.
Quanto à isonomia, é tida como o símbolo da democracia. Significa a igualdade de todos
perante a lei. Quando duas pessoas que têm o mesmo conflito a ser dirimido recorrem ao
Judiciário e, após longo trâmite processual, apresentam soluções diametralmente opostas, um
sagrando-se vencedor e outro perdedor, diante de idêntica situação fática e jurídica, prevalece
a sensação do sistema tratar situações idênticas de maneira desigual e injusta.
No que tange à celeridade este é o fator que mais recebe críticas por parte da população
ao judiciário. Fernando Moreira (2016) diz que “a celeridade e a razoável duração do processo
é assegurar o seu desenvolvimento pelo lapso temporal necessário a atingir seu verdadeiro
escopo: a pacificação social por meio de uma tutela jurisdicional efetiva”.
Ocorre que o sistema brasileiro utilizado para a resolução dos conflitos, calcado em
demandas individualizadas, que considera única cada ação, já não se mostra mais apto a
solucionar a tutela desses conflitos contemporâneos, eivados de natureza repetitiva.
Nesse viés, o Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) traz dois
interessantes microssistemas para tratamento de resoluções de demandas repetitivas, que é
composto pelo: incidente de resolução de demandas repetitivas (novidade no ordenamento
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jurídico brasileiro) e os recursos extraordinário e especial repetitivos (já previsto no Código de
Processo Civil de 1973).
3. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
3.1 Origem do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
O incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, novidade trazida pelo código
de processo civil de 2015, foi inspirado no direito alemão, criado para resolver um grande
número de demandas do mercado de capitais. (CABRAL, 2007, p. 123)
O caso paradigma alemão diz respeito a empresa Deutshe Telekom que, entre 1999 e
2000 (NUNES, 2016), veiculou informações na mídia que levaram muitos indivíduos a
investirem nessa empresa, cuja capitação de investimento na época chegou a mais de 13 bilhões
de euros. Ocorre que em fevereiro de 2001, a empresa anunciou uma queda nos ativos de seu
portfólio, que, por conseguinte gerou um grande declínio no valor nominal de suas ações.
Por volta de 15 mil investidores, representados por 700 advogados diferentes,
ingressaram no Tribunal de Frankfurt, para requerer reparação de danos face aos prejuízos
decorrentes das informações falsas veiculadas na mídia. Passados mais de 3 anos, sem que
tivesse sido marcada qualquer audiência, as partes ingressaram com recursos constitucionais,
perante o Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht), sob a alegação de
violação ao princípio da razoável duração do processo.
Em uma atitude simples, mas ousada, o Tribunal alemão instituiu que se utilizaria de
um procedimento-modelo, denominado Musterverfahem, para operacionalizar o grande
número de demandas idênticas. Nunes (2015) explica que o legislador reagiu com a edição da
lei de procedimento-modelo, para tratar as demandas do mercado de capitais, devido a inércia
do Judiciário, objetivando facilitar o tratamento das causas propostas contra a empresa
Deutsche Telekom.
Esse instituto alemão foi utilizado como modelo para a criação do incidente de resolução
de demandas repetitivas, previstos nos artigos 976 a 987 do Novo Código de Processo Civil de
2015.
3.2 Conceito do incidente de resolução de demanda repetitiva brasileiro
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O incidente de resolução de demandas repetitivas consiste em um instrumento
processual que visa estabelecer uma tese jurídica única, para a pacificação de demandas
repetitivas. Esse incidente é formado a partir de casos concretos, com demandas que se repetem.
Sofia Temer define que “o objetivo precípuo do incidente é fixar um único entendimento sobre
questão de direito, que deverá ser seguido pelo próprio tribunal e pelos juízos inferiores quando
estes forem julgar demandas em que se discuta tal questão” (TEMER, 2016). Marinoni (2016,
p. 161) conceitua que o objetivo do IRDR: “é uma técnica processual destinada a criar uma
solução para as questões replicadas em múltiplas ações pendentes, é um meio que poderá ser
suscitado para solucionar casos existentes ou futuros.
É sabido que o direito brasileiro foi formado a partir do sistema da Civil Law, oriundo
do direito Romano, que tem por ideia de segurança jurídica, o juiz vinculado e subordinado à
lei. Assim, a compreensão e interpretação da lei é feita pelo magistrado. Donizetti (2015)
defende que “a lei interpretada de vários modos, inclusive a partir de percepções morais do
próprio julgador, não se mostra mais suficiente a assegurar aos jurisdicionados a mínima
segurança jurídica de um Estado Democrático de Direito”.
Esse novo instrumento jurídico apresentado pela lei 13.105/2015 não se preocupa em
dar solução a uma lide ou a determinado caso concreto, mas sim em formar um padrão decisório
que seja capaz de aplica-lo a casos análogos, sejam este presente ou futuros.
Trata-se de um método em que se busca afastar que situações idênticas sejam
submetidas a soluções diferentes e em tempo díspares, de modo a causar um descrédito no
sistema processual por parte de seus integrantes. Assim, não se pode deixar, analisar ainda que
o processo nada mais é do que um instrumento de pacificação social. (ZANFERDINI; GOMES,
2014, p. 189)
Silva (2015) bem conceitua que esse projeto do IRDR está voltado à uniformização da
jurisprudência dos tribunais, para que assim se afaste ao máximo decisões conflitantes, de
maneira a conferir um tratamento coerente a demandas idênticas.
As razões de decidir, que formaram a tese jurídica, tem grande importância, pois é isso
que dá significado ao precedente. Assim, o precedente está pautado essencialmente na sua
fundamentação. A razão de decidir (ratio decidendi) nada mais é do que a interpretação da
norma consagrada na decisão. (MARINONI, 2016, p. 161). Na fundamentação poderá conter
diversas teses jurídicas.
É evidente que numa decisão não há somente teses jurídicas, mas também há
questionamentos marginais, definidos na doutrina como obter dicto. Esses questionamentos têm
relevância apenas na contextualização do caso concreto, sendo irrelevante para a formação da
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decisão. A identificação da ratio em um decisão é que mostra o caminho trilhado pelo
magistrado na construção da conclusão da tese. A ratio é extraída do relatório, fundamentação
e dispositivo da decisão.
A obter dicta possui apenas eficácia persuasiva na decisão, cabendo à ratio decidendi
eficácia vinculante.
3.3 Rito do Incidente de resolução de demandas repetitivas
O pedido de instauração do incidente é dirigido ao presidente do Tribunal de Justiça ou
Tribunal Regional Federal e a competência para julgamento da lide e fixação da tese jurídica é
determinada pelo regimento interno de cada Tribunal.
O presidente ao receber o pedido de instauração do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas realiza o juízo de admissibilidade. Em seguida, remete-o ao órgão
colegiado competente para processamento e julgamento.
Admitida a instauração do incidente, o relator suspende todos os processos pendentes,
que versem sobre mesma questão de direito, no Estado ou região, pelo prazo de um ano. Quando
houver dúvidas, o Relator poderá requisitar informações sobre o andamento e peculiaridades
do caso concreto que deu origem a instauração do IRDR, ao juízo de primeiro grau. Logo após,
intima o ministério público, para se manifestar em 15 dias, caso haja interesse.
O julgamento deve ser realizado no prazo de um ano e, de acordo com o art. 980, do
CPC, “(...) terá preferência sobre os demais feitos ressalvados os que envolvam réu preso e os
pedidos de habeas corpus”. Ao final deste prazo determinado pela lei, finda-se a suspensão dos
processos pendentes, objeto do incidente, ressalvada decisão fundamentada do relator, de forma
contrária, nos termos do art. 980, CPC.
Importante notar que o legislador se preocupou com a qualidade da discussão das teses
jurídicas a serem abordadas no incidente. Nesse sentido, o novo Código de Processo Civil prevê
a possibilidade de o relator, antes de instaurar o incidente, ouvir todos os interessados na
controvérsia, inclusive órgãos e entidades, podendo inclusive realizar audiências públicas, a fim
de ampliar o espectro da discussão.
Nas palavras de Temer (2016, p. 94):
“Na sessão de julgamento deverá ocorrer a exposição do objeto do incidente, ou seja,
da questão de direito a ser solucionada, com a identificação da controvérsia e dos
argumentos apresentados pelos sujeitos condutores, sobrestados, amici curiae,
Ministério Público, enfim, todos que tenham contribuído para o debate”.
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Concluída a etapa de instrução, o relator determinará uma data para o julgamento do
incidente. O julgamento prosseguirá na seguinte ordem, nos termos do art. 984:
i- O relator fará a exposição do objeto do incidente; ii- Poderão sustentar suas razões,
sucessivamente: ii.i) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo
de 30 (trinta) minutos; ii.ii) os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, prorrogável
diante do número de inscritos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias
de antecedência.
Ao final desta fase descrita acima, o relator profere seu voto junto com os demais
julgadores. Esse julgamento abrangerá todos os fundamentos suscitados no processo para a
formação da tese jurídica discutida, sendo favoráveis ou não.
O precedente fixado no incidente vincula todo o Poder Judiciário e Executivo do Estado
ou região.
Caso não seja observada a tese do incidente já decidido naquele tribunal, caberá
reclamação, ressalvado os casos em que houver revisão do incidente. Quando a tese fixada se
referir a prestação de serviço realizada por ente ou órgão da administração pública, a decisão
será comunicada à agência reguladora competente para que fiscalize a sua aplicação.
3.4 Da obrigatoriedade da aplicação da tese fixada em IRDR
A tese do incidente de resolução de demandas repetitivas se formam não com o transito
em julgado da sentença, mas sim com o decurso do prazo para interposição de recursos. A tese
quando fixada assume status de norma e passa ter aplicação obrigatória nos casos análogos à
decisão dada ao incidente.
O magistrado, dentro dessa nova perspectiva de aplicação de precedentes deve obedecer
às teses fixadas em IRDR, tanto nos casos pendentes quanto nos casos futuros. Com isso, se
houver casos idênticos aos julgados no incidente, não há outra opção ao magistrado, senão a
aplicação da tese.
Caso o magistrado entenda que os fatos analisados são diferentes do caso paradigma, em que
foi fixado o precedente, cabe ao mesmo realizar a distinção (distinguishing).
A distinção consiste em uma técnica que o magistrado ao identificar diferenças entre as
teses analisadas, afastar a aplicação do precedente de maneira fundamentada. A utilização dessa
técnica demanda um alto grau argumentativo por parte do magistrado. Importante esclarecer
que, neste caso o julgamento diverso da tese fixada não caracteriza o desrespeito ao precedente
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obrigatório, mas sim a aplicação de entendimento diverso a um fato diverso. Cruz e Tucci
definem que se trata de um método que verifica se o caso julgado está em conformidade com o
caso paradigmático. (TEMER, 2016, p. 174). Caso não haja aproximação entre os casos em
análise, poderá o magistrado fazer a distinção, de forma a alegar que o julgado em questão não
está vinculado a decisões anteriores e assim poder decidir de maneira adversa.
3.5 Critérios para a revogação de precedente e a coisa julgada
O § 4º, do art. 927, do Código de Processo Civil, prevê que “a modificação de enunciado
de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos,
observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios
da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”.
A redação do referido artigo citado acima mostra uma preocupação do legislador em
conferir maior estabilidade ao direito. Embora, refira-se apenas a casos repetitivos, compreende
também os precedentes, uma vez que a principal função das cortes superiores seja firmar tese a
respeito de precedentes com repercussão geral. Desta feita, houve um lapso do legislador, ao
construir a redação desse artigo. Nas palavras Marinoni (2016, p. 358):
O precedente deve ser revogado quando não mais corresponde aos padrões de
congruência social e/ou de consistência sistêmica. O precedente deixa de corresponder
aos padrões de congruência social quando passa a negar proposições morais, políticas
e de experiência”.
A mudança de entendimento sobre determinado precedente deve assegurar os valores
de segurança e estabilidade. A redação do art. 927, § 4º do CPC deixa bem claro que o
magistrado deve justificar sua decisão de forma a afastar ao máximo atos prematuros de
revogação. Essa exigência prevista na lei de “adequada e específica” justificação impõe aos
magistrados um pesado ônus argumentativo para poder afastar determinado precedente.
Além desses argumentos, ainda é necessário considerar, os valores da uniformidade,
previsibilidade, confiança, dentre outros. Somados a isto, a corte deve sopesar os riscos
oriundos em maior e menor grau da alteração ou revogação de um precedente, bem como suas
consequências na sociedade.
O overruling é o instrumento utilizado pelo magistrado para fazer a revogação do entendimento
paradigmático consubstanciado no precedente. (DONIZETTI, 2015). Por esse meio o
precedente é modificado pela alteração dos valores sociais, ou revogado. Nos casos em que
houver a revogação, cabe ao órgão julgador construir uma nova tese.
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O sistema brasileiro se vale do princípio tempus regit actum, que tem aplicação
unicamente para a lei, que se traduz por vigência à época do ato jurídico. Nesse modelo só se
leva em conta a lei e não a jurisprudência aplicada a época. Com o ingresso do modelo do
instrumento de precedente, derivado do stare decisis, há uma mudança de aplicação do
precedente, como forma de maior garantia da segurança jurídica. Donizetti (2015) define que
“respeitam-se tão somente as relações acobertadas pela coisa julgada e às vezes o direito
adquirido, olvidando-se que tais garantias gozam de idêntico status constitucional. As normas
– num sentido amplo – do tempo da constituição é que devem reger o ato, e não somente a lei.”
Atualmente tem prevalecido o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que uma
mudança de entendimento não deve retroagir para atingir a coisa julgada, ainda que se trate de
matéria constitucional. A ideia é assegurar que a coisa julgada não seja relativizada e também
que a res judicata não seja revista. Nesse viés se o precedente agora passa a ser visto como uma
espécie normativa, ao lado dos princípios e das leis, e deverá ser imunizado nos casos em que
haja alteração de entendimento.
Na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, Recurso Especial, n°
14.945-0/MG, os precedentes judiciais buscam “alcançar a exegese que dê certeza aos
jurisdicionados em temas polêmicos, uma vez que ninguém ficará seguro de seu direito ante
jurisprudência incerta.
Quando se está diante de uma decisão que faz coisa julgada assegura-se que nenhuma
alteração estatal poderá mudar o resultado obtido entre as partes naquela lide. Garante-se assim,
ao cidadão, confiança em seu próprio caso de que não haverá retroatividade, mesmo em caso
de inconstitucionalidade de sentença já proferida. A única maneira de ocorrer o desfazimento
da coisa julgada é se houver vício grave, que possibilita a rescisão, nos termos do art. 966, CPC
de 2015.
Já com relação ao precedente, esse garante previsibilidade e estabilidade nas demandas
que versem sobre a mesma matéria de direito, enquanto que a coisa julgada garante a
inalterabilidade do direito no caso concreto. Nas palavras de Marinoni (2016, p 111):
O judiciário pode deixar de interpretar a lei em determinado sentido, mas a
interpretação da lei, cristalizada em sentença acobertada pela coisa julgada, jamais
poderá ser alterada de modo a roubar o benefício outorgado àquele que obteve a tutela
jurisdicional do direito.
A fundamentação das decisões é um mecanismo para afastar a discricionariedade e a
arbitrariedade dos magistrados. Nas palavras de Ramires (2010, p. 41):
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É preciso diferenciar a fundamentação válida de suas simulações. Fundamentar
validamente não é explicar a decisão. A explicação só confere à decisão uma falsa
aparência de validade. O juiz explica, e não fundamenta, quando diz que assim decide
por ter incidido o caso “tal ou qual norma legal”. A atitude do juiz que repete o texto
normativo que lhe pareceu adequado, sem justificar a escolha, não vai além do que
faria se não explicitasse de forma alguma o motivo da decisão. Diz Streck que “jamais
uma decisão pode ser do tipo ‘Defiro com base na minha lei x ou na súmula y’”. Essa
escolha livre de sentido não fundamenta o julgado, a não ser para alguém ainda tão
imerso no paradigma racionalista que acredite que a lei tenha um sentido unívoco e
pressuposto. Ao juiz contemporâneo não pode bastar, ao dar cabo a uma discussão, a
mera declaração de vencedor, repetindo as razões deste como quem enuncia uma
equação matemática. Ao contrário, e preciso que o julgador, no mesmo passo em que
diz por que acolheu as razões do vencedor, afirme as razões pelas quais rejeitara a
interpretação dada pela parte sucumbente.
No projeto de lei do novo código de processo civil apresentado ao Senado (PLS nº
166/2010), que resultou na lei 13.105/2015, havia a discussão sobre a possibilidade de “reduzir
fundamentação à mera motivação”. Dessa maneira, a motivação seria os apontamentos feitos
pelo magistrado de forma individual e solitária. O dever de fundamentação está ligado
diretamente ao princípio do contraditório. A fundamentação afasta a possibilidade da livre
convicção motivada de decidir do magistrado conforme a sua consciência, o que afasta o risco
tanto de validade quanto da eficiência dos julgados. (STRECK, 2010)
Nessa linha, o § 1º do art. 486 do Código de Processo Civil estabeleceu que não se
considera fundamentada uma decisão judicial que não enfrente todos os argumentos suscitados
na demanda. Nesse sentido, a aplicação de um precedente em um determinado julgado demanda
a demonstração, por parte do magistrado, de que o caso em julgamento se amolda aos julgados
que deram origem ao precedente a ser aplicado. Para tanto, o magistrado precisa enfrentar todas
as teses suscitadas pela defesa, sejam a favor ou contrárias aos precedentes.
4. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO REFERENTE A JURISPRUDÊNCIA
DOMINANTE
4.1 Efeito vinculante e mudanças de entendimento
Interessante definir o que realmente vincula na decisão proferida. O que é definido no
precedente em decisão de IRDR como padrão decisório? Todo o padrão decisório vincula ou
não?
Ressalta-se que na fundamentação da decisão há argumentos que se caracterizam como
ratio decidendi, ou seja, são os motivos principais das teses decididas, bem como obter dictum,
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questões marginais, ditas de passagem como mero complemento, e que não são fundamentais
à tese fixada.
Para se compreender a tese jurídica fixada no IRDR é preciso contextualizar e indicar:
quais são as categorias fáticas e sobre quais questões de direito esta é apreciada; apontar quais
os fundamentos suscitados pelo tribunal; e analisar a conclusão a que se chegou desta análise,
com uma só solução. De acordo com Zaneti Jr (2014, v 235, p. 159), deverá haver unicidade
entre questão fático-jurídica, e a ratio decidendi deverá ser estabelecida a partir dos
fundamentos determinantes, compreendidos como fatos relevantes e o direito estabelecidos no
precedente”.
A fundamentação tem objetivo de convencer, determinar o padrão decisório e a solução
final. Nunes e Lacerda (2014, p. 366) ensina que a fundamentação:
É como uma radiografia argumentativa, defendendo que ‘os acórdãos, na atualidade,
deveriam possuir uma linearidade argumentativa para que realmente pudessem ser
percebidos como verdadeiros padrões decisórios (standards) que gerariam
estabilidade decisória, segurança jurídica, proteção da confiança e previsibilidade. De
sua leitura deveríamos extrair uma ‘radiografia argumentativa’ daquele momento
decisório.
A importância da argumentação se dá pela extração do padrão decisório adotado para
julgar casos futuros. Poderá conter no julgamento do IRDR fundamentos refutáveis para a
construção da tese jurídica, ainda que sejam persuasivas. Esses fundamentos são pertinentes a
fim de diferenciar decisões de afetação e fixação definitiva do objeto do incidente.
Interessante abordar como se opera a alteração de entendimento, bem como os conceitos
para que haja uma melhor compreensão do tema.
i) Distinção (distinguishing): trata-se do método no qual se faz uma comparação e
se define a diferença entre o caso em análise (caso concreto) e o precedente (paradigma). Cabe
ao julgador dois caminhos: a) fundamentar se for o caso que não há identidade entre o caso
julgado e o precedente suscitado; e b) aplicar o precedente ao caso sub judice, de maneira a
estender o entendimento conferido a casos anteriores, com matéria de direito similares.
ii) Revogação do precedente (overruling): é o método em que o precedente deixa
de ser aplicado e é substituído por outro precedente. É aplicado de duas maneiras: a) expressa
(express overruling): é o caso em que o Tribunal altera o entendimento sobre determinado
precedente, e passa a aplicar o novo entendimento; ou b) implícita ou tácita (implied
overruling): é a situação em que há a mudança de entendimento, sem que haja necessariamente
uma alteração expressa. Esse modo implícito não é admitido no direito brasileiro.
125
iii) Transformação (transformation): é o caso em que “a Corte nega o conteúdo do
precedente, mas deixa de expressar isso formalmente, através do overruling. Ou seja, no
overruling a Corte anuncia a revogação do precedente, enquanto na transformation isso não
acontece” (MARINONI, 2016, p. 260). Esse modo também é vedado no Código Civil, uma vez
que trata de superação implícita.
iv) Sinalização (signaling): técnica utilizada no direito estadunidense, em que a
Corte reconhece que o precedente está em desconformidade, e deve ser alterado. Nesse método
há uma definição dada pela superação do precedente. De acordo com a redação dada pelo
Enunciado n° 320 do Fórum Permanente de Processualistas Civis prevê: “Os tribunais poderão
sinalizar aos jurisdicionados sobre a possibilidade de mudança de entendimento da corte, com
a eventual superação ou a criação de exceções ao precedente para casos futuros”
Mello (2008, p. 237) em um estudo aprofundado apresentou como causa para a
superação de um precedente judicial, quando: (i) torna-se ultrapassado; (ii) há contraditório;
(iii) desuso em virtude de alterações jurídicas; (iv) encontra-se equivocado. Desse modo, tais
circunstancias conduzem a uma incongruência social e a uma inconsistência sistêmica. A
incongruência social está ligada à incompatibilidade da norma jurídica com a expectativa do
cidadão. Por sua vez, inconsistência sistêmica diz respeito a haver uma grande dissonância entre
a norma e a regras do ordenamento jurídico.
Essa mudança se dá sempre de forma fundamentada, adequada e específica, conforme
define o art. 927, § 4º, CPC. Marinoni (2016, p. 97) ensina que:
O precedente dever ser revogado quando não mais corresponde aos padrões de
congruência social e/ou de consistência sistêmica. O precedente deixa de corresponder
aos padrões de congruência social quando passa a negar proposições morais, políticas
e de experiência.
É certo que, em regra, uma mudança de entendimento a respeito de um precedente já
sedimentado pode causar sérios problemas, uma vez que rompe com a previsibilidade e com a
segurança jurídica. Tucci (2016) ensina que, como forma de evitar maiores transtornos, sempre
que ocorre a superação de determinado precedente, é que se criou o prospective overruling, ou
seja, a modulação dos efeitos da alteração do precedente.
Assim, na alteração de entendimento de determinado precedente, seus efeitos são
modulados, para o futuro, de forma a assegurar os princípios da segurança jurídica, isonomia e
proteção da confiança. A doutrina defende as seguintes correntes, em caso de alteração de
126
precedente pacificado, que são as de efeitos retroativos e as de efeitos prospectivo, conforme
definição abaixo:
i) Efeitos retroativos: oriundo do direito americano e inglês, o precedente, em
regra, retroage no tempo. Trata-se de nulidade em que a norma é extirpada do ordenamento
jurídico desde sua criação (ex tunc).
Segundo Peixoto (2015) citado por Ferreira (2016, p. 285):
Além do mais, a atividade judiciária é voltada ao passado, não ao futuro, como
essencialmente é a atividade legislativa, muito embora essa relação seja mitigada na
teoria dos precedentes. O tempo da decisão judicial na teoria dos precedentes é
dialético, por requerer uma consolidação do passado, do presente e do futuro. Do
futuro, por almejar tornar-se condutor das atividades dos jurisdicionados; do passado,
porque os fatos jurídicos assim ocorreram; do presente, pela junção da visão do
passado e do futuro. Mas, ainda assim, diverge do tempo da legislação, que não leva
em conta o passado. Como aponta Humberto Ávila, ‘enquanto a lei se destina ao
futuro, as decisões judiciais, em regra, vertem sobre o passado’. Isso faz com que a
regra seja a retroatividade do precedente; sendo a modulação dependente de razões
de direito relevantes”.
Para Peixoto, ainda, a redação do art. 926 deixa claro que a regra é que a revogação de
um precedente e sua superação terá eficácia retroativa. Ainda que a legislação preveja a
possibilidade da modulação, esta somente ocorrerá por decisão expressa. Desse modo, a
modulação é exceção e só ocorrerá, desde que haja fundamentação expressa do magistrado.
ii) Eficácia prospectiva: tem como escopo garantir a previsibilidade, a segurança
jurídica e o interesse social.
O § 3º, do art. 927, do CPC autoriza a modulação de efeitos dos precedentes, pelo órgão
julgador, com o fim de assegurar interesse social e a segurança jurídica, conforme o caso
concreto.
Parte da doutrina entende que esta modulação deve ser prospectiva, sob o fundamento
de que o precedente é pautado no princípio da proteção da confiança, do afastamento da
surpresa e da isonomia.
Nesse viés, Ferreira (2016, p. 291), apresenta brilhante exposição sobre o efeito ex nunc
da modificação do precedente:
A adoção da eficácia retroativa na mudança dos precedentes vinculantes gera uma
situação de insegurança total, com a alteração do regime jurídico de relações jurídicas
já praticadas, mas aparentemente regidas pelo precedente revogado. Em outras
palavras, a revogação do precedente vinculante não deverá atingir a vida, liberdade e
propriedade de pessoas que confiaram na tese jurídica nele adotada, tanto que
celebraram atos jurídicos com fundamento nele.
127
A eficácia retroativa decorrente da alteração de entendimento sobre determinado
precedente fere a segurança jurídica e a proteção da confiança de determinado sujeito que agiu
amparado na decisão de sua época. Ávila (2011, p.360) ensina que:
A confiança consiste no ato que determinado sujeito desempenha, calcado na validade
(ou aparência de validade) de uma norma. Tempos depois, por uma mudança de
entendimento se revoga aquela norma e se invalida o ato daquele indivíduo. Essa
alteração que retroage, traz insegurança jurídica e frustração às partes que agiram
amparadas em norma que se reconheciam como válidas.
A revogação de um precedente, além de ser fundamentada, deve assegurar a
estabilidade, a isonomia e vedar a surpresa injusta.
3.1.1 Da segurança jurídica
A segurança jurídica tem como escopo conferir estabilidade do sistema e a confiança
dos jurisdicionados no ordenamento jurídico estabelecido. Ademais, trata-se de princípio
fundamental que estrutura o Estado de Direito. MacCormick (2005, p. 18) apresenta que:
Entre os valores que ele (Estado de Direito) assegura, nenhum é mais importante, que
a certeza jurídica, exceto talvez pelos princípios que a acompanham, a saber, a
segurança jurídica de expectativas jurídicas e a garantia do cidadão contra
interferência arbitrárias por parte do governo e de seus agentes.
Para Reale (1994, p. 1996), o princípio da segurança jurídica e a certeza formam uma
díade inseparável. É preciso que o cidadão possa ter confiança de que suas relações e atos
jurídicos praticados sejam oriundos de situações duradouras e previsíveis. Assim, é
incumbência do Estado garantir um ambiente que proteja o cidadão de mudanças jurídicas,
visando ao desenvolvimento social do mesmo.
3.1.2 Previsibilidade
Previsibilidade é um subprincípio advindo da segurança jurídica.
Segundo Marinoni (2016, p. 98):
O advogado de commom law tem possibilidade de aconselhar o jurisdicionado,
porque pode se valer dos precedentes, ao contrário daquele que atua no civil law, que
é obrigado a advertir o seu cliente que determinada lei pode – conforme o juiz sorteado
para analisar o caso – ser interpretada em seu favor ou não.
Dessa feita, Corsale (1979, p. 340) define que a certeza da ação não encontra respaldo
na lei escrita, mas sim na norma individual abstrata, ou seja, a previsibilidade que está ligada à
128
interpretação judicial. Um ordenamento que não consegue prever uma decisão unívoca a
respeito de situações idênticas, não pode ser definido como jurídico. Vale ressaltar que, na
tradição da civil law, o legislativo detinha uma maior supremacia, e os códigos e leis deveriam
ser tão claros e abrangentes, ao ponto de não dar aso à dúvida do aplicador do direito. É certo
que esse modelo analítico não foi suficiente para dar conta de uma sociedade cada vez mais
complexa.
Não é por outra razão que Cardozo (1994, v. 73, n. 1, p. 34) apresenta em sua lição que
“a adesão ao precedente deve ser a regra, e não a exceção, supondo-se que os litigantes devam
ter fé na administração imparcial da justiça nas cortes”. A não observação ao precedente leva a
produção de decisões contraditórias e soluções injustas, diante de um mesmo caso concreto. Na
atual sociedade de demandas de massa, o precedente obrigatório é importante instrumento de
pacificação social, a fim de conferir isonomia e segurança jurídica aos jurisdicionados.
3.1.3 Estabilidade
Está ligada a manutenção de uma coerência de decisões já proferidas e do
reconhecimento global do sistema de produção de decisões por parte dos jurisdicionados.
Em outras palavras a estabilidade é condizente com a continuidade, e com o respeito a
decisões já proferidas antes. As decisões judiciais constituem atos de poder, e para tanto, geram
responsabilidades a quem as proferiu. Assim, não podem ser livremente desconstituídas. É
necessário que juízes e tribunais se enxerguem como integrantes de um mesmo sistema,
vinculados uns aos outros.
“O direito deve ser estável, no entanto não pode ser estático”. (RE, 1994, p. 47).
Marinoni (2016, p. 158) discorre que a ordem jurídica precisa de estabilidade para se poder
valer da segurança jurídica. Um estado em que não há a continuidade é considerado provisório.
3.2 A modulação dos efeitos através da “confiança justificada”
Os motivos que levam à mudança de entendimento sobre determinado precedente se dão
por conta da alteração da vida social, dos costumes e da falta de congruência social, com o
intuito de se aplicar norma jurídica mais adequada. Somente se admite a aplicação de um
precedente que fora revogado, calcado no princípio da segurança jurídica. A confiança à época
em que ocorreu os fatos amparados por aquele precedente em questão é que assegura a
prevenção contra a surpresa injusta.
129
Os efeitos prospectivos da decisão garantem que essa confiança justificada no sistema,
assegure previsibilidade e segurança ao direito, principalmente nos casos em que os precedentes
estão ligados à elaboração de contratos, planejamento e delimitação de condutas.
3.3 Diferenças entre revogação e declaração de inconstitucionalidade do precedente
Trata-se de uma distinção salutar, no que diz respeito à revogação do precedente e à
declaração de inconstitucionalidade. Havia até a entrada em vigor do código de processo civil
de 2015, uma discussão na doutrina sobre a possibilidade de modulação de efeitos nos casos
em que era revogado um precedente. A dúvida, pois, à época, se dava por haver somente o art.
27 da Lei 9868/1999, que versava sobre a declaração de inconstitucionalidade por motivos de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social. É claro que são totalmente diversas as
razões de efeitos retroativos no que tange à inconstitucionalidade ou no caso de revogação de
precedente.
No caso de declaração de inconstitucionalidade de um precedente ou de uma lei, em
regra, se reconhece a existência de um vício pré-existente, que tem como consequência a
eficácia retroativa (ex tunc). Assim, neutraliza todos os efeitos produzidos por esse precedente
ou norma desde sua origem. Nas palavras de Mendes (1995):
O dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence à tradição do direito brasileiro.
A teoria da nulidade tem sido sustentada por praticamente todos os nossos importantes
constitucionalistas. (...) significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se em
favor da equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade. Afirmava-se, em favor
dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional
importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição.
Ainda que a Carta Magna tenha como regra garantida o efeito ex tunc para a declaração
de inconstitucionalidade, a doutrina mais moderna defende a modulação de efeitos pro futuro,
fundamentados a partir do princípio da segurança jurídica e da proporcionalidade. Nesse viés,
se reconhece a inconstitucionalidade, sem que haja o pronunciamento de nulidade da lei ou
precedente impugnado, de forma que seja mantida e modulado os efeitos das mesmas por prazo
certo e mantido os efeitos até o presente.
Como exemplo cita-se a ADIN 2.240 que questionava a criação do município de Luís
Eduardo Magalhães, sobre a inconstitucionalidade da norma. O STF, em decisão interessante,
declarou que havia inconstitucionalidade da lei, mas sem declarar a nulidade da mesma, a
mantendo vigente por um prazo de 24 meses.
A revogação do precedente ou de uma lei, por sua vez, método chamado de prospective
overruling no direito comparado, seus efeitos têm eficácia somente para o futuro. Os
jurisdicionados sujeitos ao precedente não são atingidos de forma retroativa, mas sim, o
precedente passa a surtir efeitos prospectivamente. Os efeitos da revogação pro futuro estão
previstos no novo código de processo civil, no art. 927, § 3º com a seguinte redação:
130
Art. 927, § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo
Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos
repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da
segurança jurídica.
O Fórum Permanente de Processualistas Civis, no enunciado nº 55, cuja redação: “Pelos
pressupostos do § 10 do art. 521, a modificação do precedente tem, como regra, eficácia
temporal prospectiva. No entanto pode haver modulação temporal, no caso concreto”.
Definiram que, de acordo com os pressupostos do art. 521, § 10, do Código de Processo Civil,
a regra da eficácia temporal será prospectiva, ressaltado que cabe ao magistrado a modulação
retroativa no caso concreto.
Macedo (2014, p. 369) ensina que:
A superação dos precedentes precisa necessariamente considerar a segurança jurídica,
que incide para proteger a confiança legítima. Perceba-se: a norma exarada por
precedente cria a expectativa legítima de sua continuidade pelos jurisdicionados, que
programam suas relações jurídicas em conformidade à juris dictio, merecendo
proteção, especialmente nos casos em que há longa linha de decisões que confirmam
um precedente originário, tornando bastante improvável a existência de uma
superação. Seria um verdadeiro venire contra factum proprium, o Judiciário afirmar
que as pessoas devem se comportar de determinada forma e, em seguida, puní-las por
terem agido exatamente da forma por ele determinada. Trata-se de ofensa à segurança
jurídica que agride o próprio Estado de Direito.
Na mesma linha, Ferreira (2016, p. 288):
A eficácia prospectiva dos precedentes vinculantes deve ser adotada como regra, com
fundamento no princípio da segurança jurídica, já que a eficácia retroativa rompe com
a exigência de que as leis e atos do Poder Público, não sejam lesivas à previsibilidade
e calculabilidade relativamente aos seus efeitos jurídicos, e que seja aplicado o os
princípios da confinça e da proteção.
Dessa maneira, a eficácia retroativa de um precedente vinculante gera insegurança
jurídica pelos agentes que já praticaram uma ação e que na ocasião agiram conforme era o
entendimento da época. A eficácia prospectiva se apresenta como um mecanismo apto a
assegurar que a certeza do direito não caia em descrédito de perda da estabilidade.
CONCLUSÃO
Nos últimos anos, o direito tem buscado meios mais eficientes para se resolver o
problema do número elevado de processos que batem todos os dias às portas do judiciário. Tem
se percebido o número crescente de demandas muito parecidas, em que causa de pedir e pedido
são muito próximos. Acrescenta-se a isso a discussão sobre a segurança jurídica e isonomia, na
mudança de entendimento dos tribunais.
De acordo com o que foi exposto nesse trabalho, se discutiu os efeitos da mudança de
entendimento no incidente de resolução de demandas repetitivas e quais as suas consequências.
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Embora a Carta Magna traga em seu bojo o efeito ex tunc, ou seja, de retroagir, caso seja
considerado inconstitucional determinada lei ou precedente, as doutrinas mais modernas e as
cortes superiores tem aplicado os efeitos pro futuro, de forma a validar atos eivados pela lei
considerada inconstitucional, como forma de garantia do princípio da previsibilidade, da
segurança jurídica entre as partes. No que pertine a revogação de uma lei ou precedente, seus
efeitos passam a surtir efeitos pro futuro, de forma que não atinja situações passadas.
132
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