Yemanjá Quer hablar Contigo

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A alemoa da pensão Dona Gertrudes tinha ali no Gasômetro, perto do Presídio Central, em pensão de quinta categoria. Herana que ficara dos seus pais, gente interior, no início dos anos quarenta. "sta#eleceram$se ali com o o# ramo de Hotelaria. "m uma placa entalhada de madeira, colocada na fachada do pr'dio con familiar*, que de familiar s+ tinha a fachada, pois na crise das !ac li#erar e tornar$se um pequeno prostí#ulo de alta rotati!idade, ou c -angô( )Um lupanar*. Dos clientes, restaram somente os aposentados e os cai&eiros pensionistas. Com a crise, passou a fa er !istas grossas aos pom#inh por ali, para fa er seus programas ha#ituais. "m 'poca anterior não aceita!a programas ou pernoites/ h+spedes, somente com #agagem. 0as os tempos mudaram. 1empo #icudos, o dinheiro curto, cri situaão prec2ria. 3oluão/ refa er o oramento e li#erar geral." fo que Deus quiser. 1inha ela uma grande amiga, 4osefina de 5#a, la!adeira de mão cheia, de uma pontualidade a toda pro!a, cho!esse ou fi esse sol, l2 esta!a 6era como Dona Gertrudes, chama!a a amiga7 a lhe entregar as roupas h+spedes. negra 4osefina de 5#a criou seus filhos la!ando no tanque, trou&as roupas, len+is de uma al!ura impec2!el, camisas e calas engomadas roupas passadas no ferro a car!ão, tra#alho de primeira, tudo feito digna de controle de qualidade total. Gertrudes dona da pensão e 4osefina a la!adeira fi eram$s nisso, insepar2!eis. 5 primeiro con!ite de !isita partiu da mais humilde, !endo a outra p isolados ali naquela pensão, sugeriu( )Dona Gertrudes, a senhora não de passar o fim de semana l2 em casa9* ceitou. "scrito num pedao de papel o endereo, esta#elecido o hor2rio de su da linha do ôni#us da 3ão 4os'. De manhã, cedinho, se mandou para o :o fim da linha do ôni#us 3ão 4os', ali esta!a a amiga a lhe esperar da honra daquela !isita.

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A alemoa da penso

Dona Gertrudes tinha ali no Gasmetro, perto do Presdio Central, em frente Usina, uma penso de quinta categoria. Herana que ficara dos seus pais, gente humilde vinda do interior, no incio dos anos quarenta. Estabeleceram-se ali com o objetivo de explorara o ramo de Hotelaria.

Em uma placa entalhada de madeira, colocada na fachada do prdio constava: Penso familiar, que de familiar s tinha a fachada, pois na crise das vacas magras tivera ela de liberar e tornar-se um pequeno prostbulo de alta rotatividade, ou como diria Airton de Xang: Um lupanar.

Dos clientes, restaram somente os aposentados e os caixeiros viajantes e alguns pensionistas. Com a crise, passou a fazer vistas grossas aos pombinhos que circulavam por ali, para fazer seus programas habituais.

Em poca anterior no aceitava programas ou pernoites; hspedes, somente com bagagem. Mas os tempos mudaram. Tempo bicudos, o dinheiro curto, crise financeira, situao precria. Soluo; refazer o oramento e liberar geral.E foi o que fez, e seja o que Deus quiser.

Tinha ela uma grande amiga, Josefina de Oba, lavadeira de mo cheia, pessoa honesta e de uma pontualidade a toda prova, chovesse ou fizesse sol, l estava a amiga da Obar, (era como Dona Gertrudes, chamava a amiga) a lhe entregar as roupas da penso e dos hspedes.

A negra Josefina de Oba criou seus filhos lavando no tanque, trouxas e mais trouxas de roupas, lenis de uma alvura impecvel, camisas e calas engomadas com polvilho, roupas passadas no ferro a carvo, trabalho de primeira, tudo feito dentro dos conformes, digna de controle de qualidade total.

A Gertrudes dona da penso e Josefina a lavadeira fizeram-se amigas, e pe amiga nisso, inseparveis.

O primeiro convite de visita partiu da mais humilde, vendo a outra passar os domingos isolados ali naquela penso, sugeriu: Dona Gertrudes, a senhora no me daria honra de passar o fim de semana l em casa? Aceitou.

Escrito num pedao de papel o endereo, estabelecido o horrio de sua chegada no fim da linha do nibus da So Jos. De manh, cedinho, se mandou para o local combinado. No fim da linha do nibus So Jos, ali estava a amiga a lhe esperar, feliz, radiante diante da honra daquela visita.

Para subirem o Morro da Polcia, passaram pelo Campo da Tuca, indo na direo da Volta da Cobra, caminho pedregoso de difcil acesso, suando em bicas, cobertas por um guarda-chuva para proteger-se do mormao escaldante daquela manh, l se foram elas de braos dados, rindo -toa.

Chegaram e Dona Josefina comeou as apresentaes daquela que era a razo de tanta luta, sua famlia, mais parecendo uma tribo. Todos de banho tomado, ali estavam para fazer as honras da casa, doze entre meninos e meninas.

Nada melhor que deixar uma visita vontade que uma boa caipirinha, cachaa de barril, limo galego, acar a gosto e trs pedrinhas de gelo. Pronto, ali estava o coquetel de recepo.

Enquanto, na cozinha, a filha mais velha tratava dos comestveis: galinha ao molho pardo era pedida que uma boa anfitri no dispensasse de pr mesa, salada de couve-flor coberta por maionese e tomate, cebola e pimento picadinho, arroz de forno, e o mais importante, tudo regada cerveja muita cerveja, que as duas eram de se esbaldar no lquido precioso; de preferncia a nmero 1, aquela do Ronaldinho, estupidamente gelada, com colarinho branco, vestidinha de noiva, essa a preferncia nacional, brindavam a cada abertura de uma garrafa.

tarde foi servido um pudim de leite, coisa do manjar dos Deuses.

Assim foi o fester que estabeleceu o coroamento daquela amizade.

Bem, ali naquele encontro tentaram desvendar todos os mistrios. Entre as confidncias uma a ressaltar, o porqu do nome Josefina de Oba. Entre risos e gargalhadas e brincadeiras ela explicou que seu nome no era este, Oba era seu Orix. Diz Dona Josefina: Quando a gente entra para a Religio Africana perde o sobrenome e adota o nome do Orix de cabea, e assim era.

A amiga pede desculpa por ter lhe chamado durante anos de Obar, pois pensava ser seu sobrenome, voltavam a rir de tanta confuso.

Mas ali ao p do morro ficou o convite de breve regresso, um feliz retorno, e o mais importante, o convite para a festa de aniversrio de seu Orix Obar.

No queremos que ela aprenda o nome da Oba de uma hora para outra.

Chegado o grande dia, sem experincia nenhuma, l vai Dona Gertrudes ao seu primeiro Batuque. Debutou em uma festa grande, pois Dona Josefina no media sacrifcios quando se tratava do aniversrio de seu Orix; a fartura saltava aos olhos, era uma botar pra derreter, no queria decepcionar sua Me de Santo com Ax de misria, para isso trabalhara todo o ano para ter muita fartura naquele nico dia. Dizia: As contas gente v como paga depois.

Dona Gertrudes foi sua convidada de honra. Encantou-se, extasiou-se, maravilhou-se, deslumbrou-se e finalmente ocupou-se de seu Orix. Sim, de seu Pai Xang. E agora? Eu tambm me pergunto, e agora?

Bem, agora a gente vai saber pra que servem as amigas.

Daquele dia em diante foi redobradas a vigilncia e dedicao da amiga.

Zelo e ateno de Dona Josefina de Oba, para ento sua melhor amiga.

Sim agora ela, as duas, sabiam o porqu de tanta afinidade.

Eram as duas filhas de Oba com Xang, na razo inversa e almas gmeas da Religio Africana.

No demorou um ano e l estava ela, Dona Gertrudes, de obrigao ao seu Orix Xang Aganj, levando como madrinha amiga Josefina de Oba. No se soltaram mais, dia e noite, inverno e vero eram carne e unha. Inseparveis amigas, agora irms de religio, nos Batuques da vida. O lindo era ver na cozinha, no salo, onde estava uma, a um passo atrs estava a outra. Beleza pura era ver os seus Orixs chegarem juntos na balana, ali frente do tambor na dana do Aluj. A negra e a branca, dois corpos voando em dana divina.

Na alegria e na tristeza, na sade e na doena, companheiras inseparveis.

Quando os trabalhos da penso exigiam maiores cuidados e a Dona Gertrudes estava impossibilitada por doena, Quem tem criana e filhos pequenos para criar, sabe das dificuldades, l subia o morro com pacotes de remdios e mantimentos a amiga Gertrudes dar seu apoio moral e financeiro.

Tinha Dona Gertrudes um compromisso com seus hspedes no domingo pela manh: servir o caf, coisa que requeria obedincia de horrio, mas os Batuques no obedecem a critrios nem para iniciar, que dir para terminar.

E na manh de domingo era aquele sufoco. Como diria minha V Jovita: Era uma corridiria. Despacha urgente o Xang da Gertrudes, ela tem compromisso. Corre rpidas a amiga Josefina de Oba, com a tarefa de despachar aquele Orix. No quartinho ajudando a sair de dentro daquele Ax, a amiga ainda apressava: Vai, guria, corre, teus clientes esto te esperando.

Pobre Gertrudes saa em louca disparada, morro abaixo na direo do fim da linha do nibus So Jos, a tempo de pegar o primeiro horrio. Ali sentada no nibus ia feliz, carregando numa mo a sacola com seu Ax, na outra o mercadinho que a amiga preparara antecipadamente.

Conta-se que certa feita, observando todos os cuidados que mantinham, esqueceram e foram a um Batuque em Viamo. Lugar longe, parada 32, perto da Santa Isabel, os horrios de nibus desencontrados e deu. Foi naquele dia, o grande desastre...

Despachado o Xang da Gertrudes e a Oba da Josefina, saem os dois Orixs em Achro, na direo da faixa em busca de uma conduo, nibus soa a partir das 8h. Meu Deus, e os clientes como ficariam! Pegaram um txi, um Chevrolet 51, Ford de Bigode, e foram para a penso. L chegando, correm para a cozinha e fazem o caf mais gostoso que se tomou naquele estabelecimento.

E tenho dito e quem souber que conte outra.

Mas como? Voc no pode terminar esta histria assim!

E o caf?

Bem, esta parte eu no vou contar, porque no sei falar a lngua dois Achros. Mas, j que vocs insistem, vou tentar contar visto pelo lado de um dos hspedes que me relatou os fatos.

Conta ele que chegaram aquelas duas perturbadas direto da avenida Borges de Medeiros com seus trajes de carnaval, vestimentas estranhas, tendo em vista serem parecidas com as roupas de C.T.G., ou vestidos de prendas.

Fizeram elas uma algazarra naquela cozinha, falando uma linguagem de criana e dizendo palavres, do tipo na pia na cola, peido da vaca, boi de tipa, jaguatirica, peido da penosa, ag suza, alemo, malame, puta e boneco.

Tomaram um estoque de Pepsi Cola, coisa de louco, tch.

Riam o tempo todo, no se sabe do qu.

Brincaram com todos os clientes, chamando todos de boneco, falando determinadas confidncias de cada um. Terminado o caf, recolheram e lavaram a loua, se despediram de todos e foram dormir.

Nunca mais o caf da manh de domingo naquela penso foi o mesmo. Era s ter Batuque, sabamos, amos ter um show parte.A guerra no Partenon

Elas entraram em uma demanda louca, nem os Orixs sabem o motivo. Ali no Partenon ningum sabia a razo, e por mais que tentassem no conseguiram persuadi-las de para tal guerra.

Alguns ainda buscavam razes plausveis de toda a contenda que, sabiam, ia iniciar.

Existiam os maldosos, que tinham inveja da competncia das duas. Estes puseram mais lenha na fogueira, queriam ver o circo pegar fogo.

Outros, com o nico objetivo de ficar com os despojos do combate (filhos de Santo, netos, clientes), desenvolviam estratgias de guerra com as fofocas correndo soltas, do tipo: Eu sei, mas estou quieta, ou Se eu abro minha boca, no vai sobrar nada, tentavam minar os alicerces daquelas estruturas.

E comeou a guerra, primeiro com a suspenso de visitas e as ameaada veladas te bordo a feitio, te mostro o poder, para os filhos o aviso: Ai daquele que eu ver visitando esta negra.

Para ns, meros espectadores, a insegurana era total; a diviso de sentimentos, no podamos acreditar no que estava acontecendo, mas fazer o que, nos perguntvamos!

Sabamos que elas representavam para o Batuque o poder, a magia e o que tinha de mais belo.

Ver tudo isso dividido em frangalhos no passava pelas nossas ricas cabecinhas, mas sabamos que se elas batessem de frente era o que aconteceria.

E comeou a guerra dos Amals. Foi um tal de ver Amals voando por cima dos telhados, e no eram para pedir perdo ou misericrdia, nem pensar em justia; era para provocar destruio mesmo.

Como torpedos, a lana-chamas, granadas, todas armas mortferas, eram usadas sem economizar munio.

Buracos (bal) no se fechavam mais, pareciam abertos em constantes sacrifcios.

Sapata do Buraco, Leba, nem aguardavam suas oferendas l dentro, estavam ali sentados beira do barranco, pois o buraco estava repleto das maiores feitiarias que a mente humana e a magia dos Orixs poderiam conceber.

Lod, Avag, Agel, lan, Soboruc, atentos, mantidos de prontido.

Aquelas encruzilhadas das cercanias das casas amanheciam.

Repletas de oferendas e despachos, fazendo tremer a bacia do Partenon.

Os mais antidos e com algumas pendncias ou dbitos com aquelas duas casas correram a se calar, no eram bobos de deixar a porta aberta, vai que sobre alguma coisa por a, na dvida, vamos nos proteger, porque destas duas pode-se esperar tudo.

E como dizia mestre Joozinho do Bar: No vai sobrar nada, aguardem e quem viver ver.

E vieram, na calada da noite, doenas inexplicveis, dores nunca sentidas, acidentes de carros, incndio da casa, filhos antigos abandonando o barco, os mais novos temerosos, tremendo, mas ali firmes na esperana de ver o fim de tudo aquilo, mesmo sentindo que aquilo mais parecia o final do mundo, o Apocalipse.

O tempo foi passando, pragas e doenas deram lugar ao choro, lgrimas e ranger de dentes, mas nunca, em momento algum, o arrependimento. Aquelas duas no cederiam por nada deste mundo, eram vinho da mesma pipa, se que pode-se chamar de vinho o gosto ocre do vinagre.

Mas o Batuque no podia esperar, a vida continuava.

Resolvem as duas fazer um toque para os Orixs, no mesmo dia e hora, objetivando agradecer a vitria em suas lutas e demandas e batalhas.

Vitria, vitria! No sei de quem, mas sabe-se l o que se passava naquelas cabeas, nem os Orixs sabiam, que dir ns, humanos.

Vou visitar a V com o objetivo de conseguir uma trgua, mas a Poderosa, em cima de seu trono, sentencia: Meu filho, tua me tem que aprender que as orelhas no so maiores nem mais altas que a cabea, e completou: Aqui no Partenon quem manda sou eu: Jovitya de Xang Agod. Cruz credo! Ave Maria! V.

Tento ponderar: Mas a senhora bem que podia perdoar a me.

Ela, com aquela calma, responde: Sim, meu neto, mas tem gente que no aprende com beijo na boca, mas sim com o chicote no lombo.

Pensei comigo: No vai sobrar nada.

E foi o que aconteceu.

Comeou o horror, madeira grossa despencou lombo abaixo, fogo que no acabava mais.

Meu Deus, ela no vai agentar por muito tempo, vai ter que ceder, pelo menos pedir uma trgua.

Mas que nada, parece que quanto mais demanda vinha, mais ela batia de frente.

Veio o aniversrio da me, acabou em tragdia.

O marido leva um tiro na frente de casa, brigando com o melhor filho de Santo.Polcia, delegacia, e finalmente manchete de capa de Zero Hora, em letras garrafais: Aniversrio de me de Santo acaba em guerra.

Ali era o incio do fim, demonstrando que todos ns morreramos abraados na burrice e ignorncia daquelas duas, no haveria mais dilogo, no haveria mais trgua, o Partenon viraria um campo de guerra.

Era o rochedo contra o mar, e ns, os pequenos mariscos, condenados a nos espatifar nas pedras.

Pensei: este Batuque vai salvar estas duas da imploso, haver paz e tranqilidade em nossa bacia.

E veio o Batuque. Mil vezes no tivesses vindo, ali estava tudo o que no era para prestigia-las, era para ver o estrago que tinha no casco do bero e fazer uma previso de quando o Titanic afundaria.

E de olho nas sobras dos despojos de guerra.

O couro comendo solto, Batuque rolando.

Bem, vamos fazer uma pequena descrio da parte fsica desta mais que um palmo, ou seja, 25 cm; isso por si s j apavora.

Agora, imagine quatro tambores e quatro ages, rufando no Aluj, sabendo-se que as paredes eram de madeira.

Pensem, acreditem, quem estava l viveu esta experincia nica na vida, nunca mais aconteceu e nem vai acontecer no prximo milnio, aquele foi o Batuque do sculo.

Aquilo era uma guerra exposta a quem quisesse aprender as estratgias de combate dignas de um Rambo II no Vietn.

Os visitantes saam, dos sales e ficavam em frente s casas, com os olhos esbugalhados, admirando a coragem, afilhados, convidados, amigos que combinaram se encontrar no Batuque, ali na frente, no sabiam em qual entrar, pareciam cachorros quando caem do caminho de mudana.

E veio a sada do Eco.

Bem, aqui um captulo parte.

Nem os prprios Orixs sabiam de que casa saram, em que casa deveriam retornar, foi gente gritando aqui meu pai, por aqui minha me, por meu pai Bar foi grande a confuso.

Teve um Bar que chegou a adentrar o salo errado e danar at a porta e ser deslocado com a frase: Calma meu pai, o senhor est em casa errada, j devolvendo sua quartinha.

Mas se algum de s conscincia entrasse em qualquer um dos sales e olhasse na cara das duas no veriam nada, absolutamente nada, uma nica ruga na testa.

Para elas tudo era normal, riam felizes, no estavam nem a para o que estava acontecendo.

Acreditem, quando algum perguntava pela me ou pela filha a resposta era sempre a mesma: Vai bem, graas a Deus, parecia que haviam combinado dar aquela resposta.

Perguntadas pelo Batuque que estava acontecendo ao lado a resposta tambm era idntica: No sabia o que estava acontecendo.

O Perigo era, se o cristo3 insistisse na pergunta, ter que ouvir como resposta que no estavam ouvindo os tambores.

E assim, foi, e hoje, lembrando estes fatos dolorosos eu me pergunto: quem afinal venceu a guerra no Partenon?

Ningum!

Esta a verdade, resposta que me vem coma dor e a tristeza que senti naquele dia; ningum ganhou.

Perdemos todos ns, perdeu a Religio Africana, perdeu minha V, perdeu minha ms, e acima de tudo perdi eu, que fiquei para contar a histria.A Yans da Loirinha

Estes casos acontecem todos dias, minha av sempre dizia: O diabo no mais esperto por ser diabo, mas por ser velho.

Contam os mais antigos que Me Din de Sapata tinha o cuidado de ensinar suas filhas as feituras e feitios nos primeiros anos de aprendizado, com todo zelo e responsabilidade. Como se no bastasse, fazia um acompanhamento (praias, matas, cruzeiros, encruzilhadas, cemitrios).

Nos trabalhos, quando executados fossem, onde fossem l estava ela de planto, mantendo tudo sob controle, dedicao que todos elogiavam ao ver aquela Me de Santo ali junto ao seu povo.

Quando algum perguntava a razo de tanta dedicao, ouvia de Me Din a seguinte observao: Meu filho Deod, delega-se poderes, mas no se delega responsabilidade; a responsabilidade ser sempre minha.

claro que poucos sabiam que tudo isso era acrescido de 20% de comisso sobre o faturamento bruto, que Me Din no era boba de pagar os ingredientes do feitio, do tipo: varas de marmelo, velas, canjicas, milho de pipoca e aves e adjacentes isso tudo era descontado na fonte, pois no queria saber de enredo com os Orixs.

L estava um Eb arriado por alguma filha de Me Din, l estava ela com a sineta na mo e debulhar-se em rezas e saudaes Alupo, Ogunh, Reparrei bela Oi, Ka-Cabelecile.

Conta-se que seguida alguma filha queria aplicar o velho conto do vigrio na velha, mas esta, sempre de olhos abertos, pois pra boba ningum ia lhe tirar.

Certa feita, uma filha de Santo vai casa de Me Din para o acerto de grande Eb, explicadas a conjetura da demanda, estabelecida as condies do pagamento, o preo do material, o numerrio, fica estabelecido entre a Loirinha e a negra velha um meio-a-meio de uma grana preta.

A filha, a poderosa, loirinha de Yans, pensa: Esta velha ta se fazendo de louca querendo a metade desta grana, eu no sou boba de entregar de mo beijada, vou fazer sozinha este feitio, depois conto para ela que o cliente no veio e babau tchau pra ti, ela fique a v navio.

A me, dona Din de Sapat 40 anos de Religio, 60 de vida. A loirinha chegando ontem no Batuque, carregando as fraldas, trazendo na boca o bico seco pra chupar, tentando lograr a velha, imaginem s a tragdia.

Bem, vamos aos fatos dentro do relato de quem viveu aprendeu!

Chega o dia, se no estou enganado, chega a noite, pois de dia, Me Din antevendo o golpe, vai aos Bzios s pra dar uma olhadinha. Alupo paizinho, alupo paizinho, o que de pronto o Bar Ajel salta com o aviso: To te logrando, abre o olho. Cruz credo Ave Maria!

A negra velha monta na vassoura do Pai Xapan.

-Mas se esta puta pensa que vai me lograr, ta muito enganada.

Fecha os Bzios e voltando-se para o quarto de Santo, onde, em seu Okut, em paz celestial, dorme a Yans da loirinha. A negra velha, a esta altura dos acontecimentos virada num demnio, saca da prateleira a vasilha da Yans e arreia no cho, em cima coloca sete varas de marmelo, e com o tom ameaador pergunta:

-Mas afinal para que eu te fiz? Pra tu comandares a cabea duma sem-vergonha?

-Tu est vendo, esta puta querendo me lograr e tu no fazes nada?

Pois eu vou deixar aqui sobre teu Okut estas sete varas de marmelo, se tu no chegares na cabea daquela louca antes dela botar a mo no dinheiro na volta tem pra ti.

.Dito isso chamou um neto e foi, e foi com tudo, na direo da casa da filha a Loirinha da Yans, onde sabia iniciava-se a pequena cerimnia de limpeza, segurana e abertura de caminhos.

Chegando em frente da casa aguarda, na espreita, na camufla, s aguardando os acontecimentos. Foi quando ouviu a sineta comeou a tocar. Era a loirinha comeando os trabalhos, que de antemo havia avisado dona Din, que no sairia por falta de verba do consulente.

Mas foi s iniciar e a negra velha prendeu-lhe o grito:

-Reparrei Bela Oi vem que o mundo todo teu.

No que de pronto saltou a Yans, que veio at a porta em dana e solta a sua risada h, h, h, h. De cara Me Din avana casa adentro, faz a chegada no Orix, Yans bate cabea e sada a Me de Santo dando seu Ax, e entrega os trabalhos ao encargo de sua Me Din que segue o ritual como estivesse sozinha.

Terminada a obrigao; abaixa-se, recolhe o dinheiro que estava arriado no cho e retira-se do recinto, no sem antes fazer uma pequena recomendao em tom de advertncia a Yans dizendo:

-Tira tudo que aconteceu hoje da cabea de tua filha.

J na rua, ao passar pelo primeiro cruzeiro, sada o Bar Ajel e Yans e solta uma grande risada h, h, h, h, h.

Foi assim que a Yans da loirinha voltou em seu Okut para a prateleira s e salva evitando uma violenta surra de Ax de vara de Marmelo.

Para a filha, que no se lembra de nada, fica a lio:

Mais vale um pombo na mo que dois voando. minha mestra, com carinho.

Ela era o brao direito de minha av Jovita, nada se fazia naquela casa sem o seu conhecimento e total determinao.

Conquistara este posto com esforo e muito trabalho, era um animal para o servio.

Todos reconheciam sua liderana, capacidade e conhecimento.

Quaisquer dvidas corriam a lhe perguntar: frentes, oferendas, despachos, ajunts, Okuts, rezas e feituras.

Tudo estava ali na ponta da lngua. Vai azeite de dend na frente do Ogum? Vai... Respondia de pronto. Inhame-inhame do Od com mel? ... O Lod come com o Avag? Come....

Od casa com Yemanj? No. O filho no casa com a me. E completava: o casal mais perfeito da Religio Africana Od e Otim, s casam entre si.

Nas rezas era considerada uma fera, independente de cant-las, sabia de que lados eram: (Ijex - Jje - Ijex - Oi - Cabinda).

Conhecia sua sonncia, gutural, nasal, linguodental, e fazia questo de pronunciar diversas vezes para que aprendssemos, ouvssemos os sons, e seu real significado.

Ficava furiosa quando algum aportuguesava as rezas.

Corrigia-nos aos gritos: Gente, cantem em Yourub, isso a que vocs esto cantando um fiasco.

Lendas e danas, coreografia, cerimoniais e rituais. Ria dos erros que cometamos e dava uma risada escrachada, um riso solto e contagiante, era feliz ensinando religio como cultura e conhecimento.

Todos sem exceo a respeitavam.

No estava ali para brincadeiras, sabia de sua importncia e, ao mnimo erro, as cobranas viriam.

Entristecia-se ao saber que alguma coisa no deu certo em seus ensinamentos, tinha orgulho de ver um Orix danando como ela havia ensinado.

Quando algum se destacava em tarefas distribudas por ela dentro do quarto de Santo ou na cozinha, fazia questo de elogiar perante todos; sempre frisando da importncia de fazer bem feito, pois todo trabalho que fazamos era para os Orixs.

Negra Regina de Yemanj, um passo atrs da av Jovita, sombra do poder, como um co de guarda, altivo e tenaz.

Com ela aprendi a falar com os olhos, para que palavras, dizia ela, se tu j sabes o que vou dizer?

Comandava sem palavras, s no olhar, um peloto de gente, sua presena era suficiente para nos sentirmos seguros.

Em qualquer parte da casa que estivesse, sabia de antemo o que acontecia nas outras peas. Vai l na cozinha e ajuda a Conceio, ela no vai conseguir erguer aquele balde.

Corria, e l encontrava a Conceio lutando para erguer um enorme balde. Leva este chinelo pra Me, ela vai precisar, corria com o chinelo na mo, dei dois passos e ouvi o grito: Deod, cad o meu chinelo? Ta aqui V.

De dentro da cozinha sabia o que acontecia no salo e em que reza aconteceria.

- Deod, cuida deste amal enquanto vou fazer a chegada da Oxum da Conceio.

- Mas Regina, a Oxum nem ta no mundo!

- Vai chegar agora nesse momento, boca aberta, corre l e faz a chegada, corri e no passar a porta do salo vi a Oxum da Conceio chegando.

Conhecia a todos e todos a conheciam. Humanos e Deuses tinham para com ela uma deferncia especial.

Seu Ax era diferenciado, os Orixs cochichavam ao p de seu ouvido.

Ax bem esfregado, com pompas e salamaleques.

Sua presena nos Batuques, como visita, era alvo de agradecimento e referncia do Orix dono da casa.

Ao trmino de cada festa, tinha direito ao desfile, pelo salo. Era conduzida at a porta com salva de palmas.

Alguns abusavam e cobriam-na de flores.

Para ns, seus discpulos, era para ns uma honra v-la ali garbosa, charmosa, estrela do show dentro do Batuque.

Regina de Yemanj, a poderosa Regina de Yemanj, tornou-se uma lenda viva do Batuque.

Casou-se, como todos casam.

No deu certo, no se ouviu uma queixa ou resignao.

Voltou ao convvio daquela casa, como se nada tivesse acontecido.

No houve lamrias ou queixumes.

Perguntada sobre o que deu errado, respondia: Os Orixs assim determinaram. Cabe a eu acatar.

Do casamento trouxe o real sentido de toda a sua vida, o prncipe de seus sonhos, sua riqueza maior.

Tudo que pedira a sua Me Yemanj, o filho Carlos de Od.

Ali estava o que lhe deu foras para continuar sua luta.

Trabalhava numa empresa multinacional, como faxineira.

Trabalho duro, limpeza pesada, mas daquela boca nunca se ouviu uma queixa: ao contrrio, era agradecida por tudo que conquistara na vida.

Negra Regina de Yemanj.

A poderosa negra Regina de Yemanj, minha musa inspiradora, um exemplo a ser seguido; um verdadeiro estandarte da religio. Yalorix da mais conceituada, minha professora do culto afro, ensinamentos estes que carrego comigo at os dias de hoje.

Suas palavras eram de incentivo: No desiste Deod, mesmo nos momentos mais difceis, tu nunca estars sozinho, teu Pai Od estar sempre contigo.

Vero dos anos setenta, mar vermelha, tempestade no mar. Assustado, o povo assiste a tudo com medo e insegurana, maremotos, enchentes.

A Me Yemanj comeo furiosa este ano.

Algumas coisas no deram certas.

O que ser desta vez, todos se perguntavam.

Os mais antigos dizem: Abre os olhos, fecha tua porta, desgraaria est solta.

Excurso praia de Tramanda, todos correm para o nibus, os meninos levam tambores, violes, ages, agogs, fazendo a maior algazarra.

O nibus vai sair na madrugada, s 2 horas, levam consigo lanches, fiambres, galinha enfarofada, bolos fritos, garrafa trmicas de caf e frutas.

uma comilana s...

L vai o nibus, e dentro o prncipe de Od, o filho dileto de Regina de Yemanj, o filho nico, aos risos e brincadeiras.

Ao se despedir da Me ouve inmeras recomendaes: Cuidado com o mar, com o mar no se brinca, se tu comeres melancia no entra na gua, e por a se seguem as mil e uma recomendaes.

Despediu-se, no poderia ir junto, o trabalho no permitia, era planto l na companhia multinacional.

Nestes tempos bicudos temos que cuidar de manter o servio, ta difcil conseguir trabalho nos dias de hoje.

Parte o nibus e parte o corao daquela me, sentia uma certa pontinha de opresso, coisa que todas as mes sentem ao verem seus filhos partirem.

Mas que bobagem impedir o divertimento daquele menino! Tiraria da cabea aqueles maus pensamentos.

noite ele estaria de volta, sorridente, para lhe contar as travessuras da excurso.

Foi uma algazarra soa a viagem, chegando perto do mar s recomendaes de praxe: Cuidado com a gua, respeitem a bandeira vermelha, tomem banho perto dos salva-vidas, mantenham-se uns perto dos outros.

Se cuidem!

Mas o mar tem seus segredos e Me Yemanj tem seus mistrios.

Ali estava o mar lmpido, sereno, convidando: vem.E ele foi.

Foi ao encontro de sua Me Yemanj, na primeira onda, desapareceu como que engolido.

doce morrer no mar, nos braos de Yemanj, canta Dorival Caymi.

Ali nos braos de Yemanj, o prncipe Carlos de Od navega e despede-se.

Dona Isaura, responsvel pela excurso, ajoelha-se beira mar, e chora, aquele choro desesperado. Minha Me, no podes fazer isso comigo, devolva o filho da Regina, ela tua filha.

A Me Yemanj devolve o corpo minutos depois.

Sim, ela viera buscar seu filho, Carlos de Od.

L no Rdio toca aquela msica: Brilhou, brilhou, brilhou no mar, l no mar tem uma estrela, e esta estrela de Yemanj.

volta, o silncio, a dor, o menino ali coberto apenas pelo manto azulo.

A me ali, aguardando o corpo: Vem, vem meu filho, vem para os braos de tua me. Foi a nica frase que se ouviu.

Daquele momento em diante, Regina de Yemanj calou-se para o mundo, nem um soluo, nem uma lgrima, simplesmente o silncio.

Macerou as ervas e flores, com cravo e mel.

Com as guas de Oxum banhou com carinho e meiguice o corpo de seu menino, em silncio.

Procurou as roupas e achou o seu melhor Ax.

Camisa branca de mangas longas, punhos de renda francesa, colete azulo, jab de rendas, tudo aquilo lhe fora dado pelo padrinho Joo Carlos de Od.

Ali est vestido para o funeral seu prncipe.

Vai ao quarto de Santo, apanha o Buri.

O mais doce Buri que cobriu o eled do seu menino.

Volta e coloca debaixo de sua cabea a quartinha, coloca embaixo de seu pescoo, como se fosse uma almofada.

Adornou sua cabea com uma coroa de flores.

Terminadas as cerimnias, aguarda o s sete dias para a feitura do Arissum.

Ela mesma fez questo de comandar a cozinha.

Tudo do melhor, tudo do bom, no deixou faltar nada.

Ali vigilante, com frieza, postura que demonstrou segurana aos iniciados no Arissum.

No aceitou nenhuma palavra de consolo, desconhecia qualquer gesto de consolo, compaixo ou piedade.

noite chegaram os tamboreiros para iniciar o toque.

Reuniu-se com eles e decidiu qual as rezas a serem executadas, suprimiram algumas, acrescentou outras, mas no abriu mo de cantar.

Algum ainda tentou dissuadi-la de tal compromisso, mas foi gesto em vo, ningum poderia impedir sua deciso, estava irredutvel, ela iria at o fim.

Cantou e como cantou, com a voz embargada de amor e devoo, encheu aquele salo de ternura e emoo, com os mais belos axs para seu anjo.

J na execuo de quebra das vasilhas, desmanchando a feitura e libertando os Orixs, foi com sua mo que executou, ela fizera compromisso com aqueles Orixs, ela mesmo os libertava.

E foi assim que Me Regina de Yemanj terminou o Arissum de seu filho Carlos de Od O meu prncipe, assim o padrinho, Joo Carlos de Od, o chamava desde o dia que viu nascer na cabea daquele menino o Od.

A porta de abriu e por ela passou tudo que a Religio Africana tinha de dignidade, transparncia e fundamento.

Por ali passou ela, a minha mestra, Me Regina de Yemanj, e por aquela porta nunca mais voltou...

A Tanga do Gabeira

1970, ano em que o Brasil sagrou-se Tricampeo do mundo de futebol, lembro-me ainda da marchinha Vamos juntos, vamos pra frente Brasil, salve a seleo, de repente aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mo, salve a seleo. Pelas ruas, bares, botecos, dentro nibus, cantavam esta maldita marchinha, tanto que ela virou um Hino Nacional.

O povo, enlouquecido pela seleo, dava razo ao que dizia o dramaturgo Nelson Rodrigues: A Seleo Brasileira de Futebol a Ptria de chuteiras. Ele tinha certeza absoluta nesta afirmao, poderia ter havido mais empolgao em outras copas, mas, naquela Copa do Mundo extrapolaram, acredito que nunca mais ser como aquela, e quem viveu aqueles dias sabe como foi. 1970, ano do decalco para os carros do tipo: Ame-o ou deixe-o.

Poderia haver frase mais ordinria que esta?

No, no poderia. Aqui afirmo eu. Mas, minha av Jovita de Xang, abrindo disputa para a frase mais calhorda, exige a sua participao e acrescenta esta: Ruim com ele, pior sem ele. E para no mais haver discusses dou por empate tcnico.

Juventude do MDB, ali onde fermentavam as novas idias, gerao amordaada como afirmou o ento professor de cursinho pr-vestibular professor Fogaa, quando escreveu um livro tendo como ttulo Gerao Amordaada. J tnhamos passado pelos horrores dos anos 64. Em nossa inocncia, pensvamos que tinha terminado, ledo engano.

Ah! Se ns soubssemos!

A cobra ia fumar, e como fumou!

S Deus sabe, que ali a Ditadura Militar ia arrochar, era o aperto final, no ia sobrar nada, ia ser sangue e ranger de dentes, e foi.

L na vila, as informaes sempre chegaram primeiro, no se sabe como, mas chegavam quentes, sadas do forno, em primeira mo. Ningum era bobo de no fechar o corpo. Corri minha V Jovita de Xang e relatei o pouco que eu sabia. Ela sentada em frente sua mesa de bzios, joga os bzios diz: Tu vais cair, mas teu Pai Od vai te segurar, e completou: Estes malditos milicos no tm mais fora que os Orixs. Volta aqui amanh, vou fechar o teu corpo, pois tu e teus amigos sereis presos e muitos deles no voltaro.

Agradeci os conselhos e so dali trmulo, com as pernas bambas, sentia o medo a percorrer minha espinha, no era medo s por mim, eu j havia sido torturado, mas lembrava-me dos mais jovens e pensava: Ningum vai agentar uma nova presso. Meninos ainda acreditavam e compravam idias de liberdade, inocentes crianas, falando em pegar armas. Meu Deus! Quanta pureza eu vi naqueles rostinhos cheios de espinhas, nos discursos inflamados pela democracia, no fundo dos pores daquela vila miservel.

E a copa comeou. L no Mxico, Jairzinho virava o furaco da copa. Aqui, o furaco entrava em erupo e comeamos a cair, um a um, parecia boneco de Boliche, s vezes caamos s dzias. Era um horror.

No nibus do Partenon, algum passa por mim e diz: Desce na prxima.

S ouvi a frase, desci. Era um companheiro, de posse da lista dos que j estavam guardados nos pores da Ditadura. Passei os olhos rapidamente ali, e pelo que li, e me horrorizei: Mas tudo isso! No pode ser!. Passou-me a outra lista, li com o suor pingando, l estava o que me fez tremer em pleno sol de meio-dia: meu nome ali com todas as letras.

Agradeci e segui meu caminho, nem nibus quis pegar, preferi seguir a p o restante do trajeto. Fui em busca de minha V Jovita, ali no Partenon. Quando cheguei l, ela j me aguardava.

- Meu filho os homens j estiveram aqui tua procura, a polcia militar ta no teu encalo.

Perguntei: O que fao agora?. Estava desorientado, no sabia nem para onde ir! Dito isso, as lgrimas grossas vieram com tudo, no suportava mais aquela angstia. A negra velha abraou-me com carinho, aqueles braos gordos me acercaram, minha cabea colocada entre os seios volumosos, como a oferecer proteo, sentia a ansiedade louca doer no peito, explode-a compulso de chorar, lgrimas quentes correm sobre o busto negro que me acolhe. Sim, ela sabia que eu ia cair.

Sabia de antemo os horrores que me aguardavam, mas no ficaria de mos atadas, tomaria uma atitude, pois sim, dizia ela: Eles que me aguardem.

Ado infeliz vem c... Ado animal, tu no v que eu to te chamando... Corre o Ado... O que , V! Eu estou aqui.

Ela ordena: Vai correndo ali no avirio e me traz trs galos, vamos criatura! Pega aqui o dinheiro. Dito isso sacou de dentro do suti um leno vermelho, desenrolou com calma, e dali tirou o dinheiro necessrio para as compra das aves.

Fomos at a cozinha, onde ela procurou demonstrar tranqilidade, eu molhado de suor. Meu filho, toma este caf enquanto a V Jovita d um jeito no Amal para o Xang, uma frente pro Bar, porque filho de Bar no nasceu para ficar preso, pro teu pai Od eu fao depois uma oferenda dentro da mata.

O tempo, o maldito tempo; vilo da histria corre, e como corre depressa. Terminando de preparar as oferendas, vamos ao quarto de Santo, ali eu vi o Poder emanar da V Jovita e de seu Orix Xang.

Comeou entoando a reza de misericrdia de Xang: Nagor naguiachaoro ago ii, Omadibau, Lai lai omodibai ai amodibau lai lai omodibau ai.

Ali diante do quarto de Santo, ajoelhado, sem camisa, molhado de suor, com as duas mos erguida seguro uma gamela com Amal. Aguardava cerimnia que se seguia.

Eu a tenho registrado na retina de meus olhos para nunca mais esquecer. O Ado ergue o galo sobre o Amal e ela corta e o Achor (sangue) cai sobre aquele Amal, ela com a sua mo apanha um pouco e passam em meu rosto, braos, peito e costas. Quando arreio o Amal, meu pai Xang chega. Levo um susto, pois no aguardava sua presena, fao sua chegada, cumprimento-o e aguardo.Ele me d seu Ax e diz:

- Meu filho toda a luta em busca de justia vlida, mesmo esta to estpida e nojenta, agora tu vais passar por um momento difcil, mas tu vais voltar vivo, aqui estarei te aguardando. Dito isso foi despedir-se e foi embora.

O povo enlouquecido nas ruas d-lhe foguete, feliz o povo besta, comemora o Tricampeonato. Festa para os jogadores! Vo ser recebidos pelo presidente Mdici.

Quanto riso, quanta alegria, mais de mil palhaos no Poro.

O pau come solto, pau-de-arara, cheque nos culhes, afogamento, porrada a torto e a direito, e os calhordas circulam com seus carres com o decalco (Ame-o ou Deixe-o). Ali naquele poro, aquele bando de adolescentes queria amar, queriam ficar em seu pas. Todos estavam ali porque queriam ficar no seu pas.

O tempo, desgraado tempo, trs consigo as marcas da tortura que carrego no corpo, com vergonha de ir praia expor a dor e sofrimento que passei, mas que no quero esquecer jamais.

Tempo, maldito tempo, lies que a vida escreve em nossa pele feito tatuagem. Tempo, o de festejar, tempo beleza. Festa desta vez a nossa, festoar marcha cvica, volta do exilados, nossos irmos banidos chegam. Corrida na direo dos Aeroportos para esperar. Fernando Henrique Cardoso, Gil, Caetano, Darci Ribeiro, Gabeira, Miguel Arraes e Francisco Julio. Corrida para as fronteiras, vem Brizola e outros tantos, eles chegam assustados, ns mais ainda.

Ali na Rua da Praia, em todas as bancas de revistas, estampam a foto do Gabeira. Comprei rpido, aqui est em minhas mos a revista Veja. Traz na capa a foto do companheiro de tanga roxa, feita de croch se esbaldando em plena praia de Copacabana. Um lindo Gayrrilheiro urbano. Ai, meu Deus! Tem d, Gabeira!... No faz isso comigo. Af Maria, ai V Jovita! E agora, o que eu conto l em casa?... Senti saudade das porradas que levei e me perguntei: E se eu contar pra V Jovita, ela me mata. Lembrei-me da frase que a av usava para momentos ridculos e imbecis da vida: Ca assa boca, menino.

Voltei l no Partenon cumprindo com minhas obrigaes ao Pai Xang, mas a revista Veja, esta minha av nunca viu.Beto, o Tamboreiro

- A tua V ta em casa?

S um momentinho, eu vou cham-la. V...V a Dona Isaura que ta aqui te chamando.

- J vou guri, grita l do fundo do ptio V Jovita.

- Ali, parada junto ao porto Dona Isaura de oxum Demum, segurando com as duas mos, um enorme pacote.

- Curiosidade, o que ser que tem dentro (pergunto aos meus botes)?

- Entra Isaura, mas o que te trs aqui? Com este mormao, que dia de co fez hoje! A gente no tem paradeiro, vai...vai entrando.

- Deod, vem c guri... Deod vem c...

- To aqui V...

- Cruz credo se fosse uma cobra tinha me mordido.

- Vai ali no armazm e me traz um pacotinho de Q-suco.

Corro at um armazm vou num p e volto no outro, elas continuam conversando invariavelmente sobre doenas.

Mas hoje parece que o assunto outro, dada a discrio e as inmeras vezes que ouo a Dona Isaura se desculpar, depedem-se e a visita parte.

Agora vou saber o que tinha naquele pacote enorme.

- V, o que a Dona Isaura lhe deu de presente? A senhora nem ta de aniversrio!

-Ela vira uma fera, Ca assa boca infeliz, agora tu deu pra ta escutando conversa atrs das portas ?

- Mas V! Eu no...

- J de disse, no te interessa saber, agora tenho que te dar satisfao de tudo o que acontece?...

E terminou ali o assunto.

Voltei s minhas lides de consertar uma cerca.

De repente ouo uma cano no rdio, era o ? Altemar Dutra se debulhando numa dor de corno de doer.

Penso, mas de onde vem esta msica? O rdio da V foi roubado.

Terminadas as tarefas vou dentro de casa me despedir, e o que vejo? Ali em cima da Frigidaire, aquele enorme rdio Phillips, ali estava o presente novinho em folha, ela podia voltar a escutar suas novelas da Rdio Gacha e se debulhar em lgrimas novamente, finjo que no vi, me despeo e parto.

Pego o nibus So Jos, Partenon, rumo minha casa.

No nibus sento-me ao lado do Beto.

Pergunto: E ai cara, como que vai?

- Bem, e tu?

- Eu vou bem, graas a Deus.

- E as festas? Tens tocado muito?

- No, ando meio parado, foi a resposta.

E fim de papo.

Beto, o filho da Dona Isaura de Oxum Demum, o melhor tamboreiro do Partenon, aquilo sim era tamboreiro, no estes perturbados que andam tocando por a, sabia tudo das rezas, e de florear um Ax.

Era considerado um monstro, uma fera no tambor.

Mas tinha um problema; andava metido com drogas, e botara a sua carreira a perder. Pena, rapaz to jovem, futuro promissor, cara nas drogas e adeus tambor.

A V comentava com outra amiga: O Beto, eu vi dentro da barriga da me ocupada pela Oxum, os primeiros sons que ele escutou na sua vida foram de um tambor, mas se meteu com ms companhias, e veja no que deu!

- A me vem passando o diabo com este menino, tu no acreditas, vendeu o tambor do compadre Chico para comprar droga, e olha que aquele tambor era do Xang e tinha comido quatro patas. A Isaura at fez um Buri nele, mas no adiantou de nada, este guri mesmo da p virada. Tambm, filho de Exu Soboruc com Oya, no fcil dominar estas feras.

- Perdemos o contato com o Beto de Soboroc, lenda viva do som do Batuque.

Um belo dia, Batuque no Faustino de Xang, gente fina, considerado no fundamento, nome por demais conceituado, ali no Partenon.

Aniversrio do Pai Xang, casa cheia, pra mais de duzentos convidados.

Estamos ali esperando iniciar o Batuque.

As horas passa, o clima comea a ficar tenso, tem alguma coisa estranha acontecendo, e nada de iniciar a festa.

Riou-se um clima de descontentamento, o ar comea a ficar pesado, mas afinal o que est acontecendo aqui?

Todos se perguntam!

E a resposta veio como um balde de gua fria.

No tem mais Batuque.

O tamboreiro no vem mais.

Meu Deus! Que irresponsabilidade deste desgraado, mas eu mato ele.

Foi quando algum lembrou o nome do Beto.

Sim, o Beto mora aqui pertinho, manda chamar ele e pronto, esta terminado o problema.

Engano; disse algum.

O Beto ta guardado ali na dcima Segunda Delegacia de Polcia no Partenon.

Bem, j temos a informao e o Faustino apanha a sua Simca Chamborg e parte em louca corrida na direo da delegacia, que fica ali pertinho.

Gozando do mais alto prestgio no Partenon, imagino no foi difcil conseguir aquela liberao, como de fato no foi.

Volta o Faustino, trazendo a tira colo o Beto, o maior tamboreiro do Brasil, risos de satisfao nos corredores, ali estava a certeza de uma grande festa.

Eu vi o Beto tocar algumas festas, mas igual aquela nunca, superou todo o grau de expectativa, era uma loucura.

Mos, voz, tudo harmoniosamente perfeito, humanos, Deuses, todos realizados com aquela que foi a melhor apresentao do Beto, o filho de Dona Isaura de Oxum Demum.

Terminando o Batuque, no apagar das luzes, no fim do espetculo, no cair das cortinas, comea a cantar para Oxal.

Ali ele consegue me levar s lgrimas, choro dentro do canto mas no paro de cantar, quero responder estas rezas at o final, o que fao.

O Beto chama e o povo responde, quela que seria a misericrdia de Oxal, estaria ele pedindo esta misericrdia?

Oxal lerum Oxal lerum olofilo orixal olofilo bab

Vem o manto de Oxal, cobrindo todo o salo e os participantes da festa.

Moedas e dinheiro de papel, so jogados para cima do manto, (porque ser que no se faz mais este cerimonial nos dias de hoje???).

Terminada a festa, os Acheros tomam conta do salo, a torta comea a ser servida.

Atam, Amal, e diversos pratos percorrem o salo, ofertados aos convidados.

Faustino de Xang entrega ao Beto um mao de notas, que reunira daquele manto, agradece, e faz alguns elogios e despede-se.

Algum traz um enorme mercadinho e entrega nas mos do Beto.

Ouve-se uma pessoa chamando: Beto...Beto...Beto, teu txi chegou.

L vai o Beto, o maior tamboreiro do Brasil, despedindo-se de todos, saindo para a rua, l em frente seu txi lhe aguarda.

Uma viatura preta e branca da P.M., com dois soldados, vo conduzi-lo aos seus aposentos na dcima Segunda Delegacia de Polcia do Partenon.

L em sua cela, o Beto vai saborear o mercadinho e oferendas recebidas dos Orixs.

O Beto, o maior Tamboreiro do Brasil.

Tempo depois, encontrei-o, no mesmo nibus, So Jos, Partenon, ali com uma companheira e duas lindas crianas. Era ele, o Beto, o maior Tamboreiro do Brasil.

O Beto, aquele que vendeu o rdio da V Jovita.Branco no recebe SantoContam os mais antigos uma histria acontecida no incio dos anos quarenta, que fao questo de relatar como ela me chegou aos ouvidos, tendo o cuidado de no distorcer os fatos e deturpar o real sentido, at pela emoo e espanto que causou-me, pela forma pela qual me relatou minha V Jovita de Xang.

A Rua Baronesa do Gravata, ali no Bairro Cidade Baixa, faz parte do mapa traado pelos caminhos do Batuque, Bacia das mais consideradas, hoje histrica pelo tudo que aconteceu ali.

Seus casarios antigos ainda hoje fazem parte do tombamento que a Prefeitura fez para preservar a histria.

A populao daquele lado da cidade era uma mistura do povo negro com emigrantes Portugueses e parte da populao mais carente vinda do interior em busca de trabalho, em sua maioria emigrantes italianos, gente da roa, gente humilde e trabalhadora.

Nessa mistura de raas e crenas tinha o Batuque o seu espao garantido.

Na poca andava o Batuque de mos dadas com a Religio Catlica, que em suas festas tinha a participao efetiva nas comemoraes, como de Santa Brbara (Yans) e Santo Antnio (Bar).

O ponto culminante era a presena macia do povo negro na festa de Nossa Senhora dos Navegantes (nossa Me Yemanj), dia 2 de Fevereiro, com procisso naval pelo Rio Guaba.

Tudo tinha continuidade com a passada na quermesse, que durava uma semana, com jogos, divertimentos, churrasco, cerveja e melancia.

Esta fruta de Yemanj era para deixar qualquer um louco de tanto comer.

Havia respeito a todo o sincretismo da poca e que permanece at os dias de hoje, e a miscigenao de culturas daquele povo e das religies.

A Religio Africana (Batuque) tinha um tabu que sempre fora preservado, que branco no recebe Santo (Orix).

Isto permanecia intocvel de carter irrevogvel.

At aquela data nunca um Orix fora visto cavalgando um branco.

Isso por si s j era um tremendo preconceito, todos brancos por sua vez, o aceitavam passivamente, no obstante, fazerem parte do grupo religioso e terem efetiva participao no meio, trabalhando como se nada os tivesse a contrariar.

Eram elogiados pela dedicao e trabalho dentro das cozinhas.

Quando das matanas eram os mais trabalhadores, at por conhecerem melhor as lides do trabalho braal e campeiro para tirar couro dos cabritos e ovelhas e consertar as aves, l estavam os italianos e alemes, alegre e festivos, com suas risadas e brincadeiras, a trabalhar incansveis e participativos dentro da f.

Quando questionados o porqu de tanto trabalho respondiam: No pela negrada que trabalhamos. pelos Orixs.

Isso posto j era motivo de honra.

Srgio Luzzieti Fedrizzi, italiano de Caxias do Sul, conquistou a confiana de Me Helena de Yemanj.

Quando l chegou sua procura, tinha uma enorme ferida na perna que o incomodava h anos, no havia mdico e remdio que o curasse.

Ela, com banhos de ervas e um bom Ax de Xapan, fez a ferida desaparecer em uma semana. Aquilo por si s j o conquistou.

Trabalhava com consertos de fogo e, como viu o dela estragado, meteu a mo e, com algumas soldas na lataria, deixou-o novinho em folha.

Aproximou-se com visitas constantes em horrios estranhos, de olho na sobrinha de Me Helena, nega Estela de Oxum.

Terminou se amasiando com esta e, juntos, foram morar ali pertinho na favela da Ipiranga onde hoje o Palcio da Polcia Civil.

O prximo passo foi pra j. Um belo dia l estava ele feliz de trunfa vermelha e branca fazendo obrigao para Xang.

Nada mudou, as coisas continuaram como sempre foram.

Os anos foram passando e, com o tempo, tornou-se o brao direito de Me Helena, que nada fazia sem a presena do agora Srgio de Xang.

Estela de Oxum, a companheira, despertou sua curiosidade para os segredos da religio: lendas,rezas, feituras, ferramentas, Okuts, frentes e oferendas. Tornou-se perito no tema e profundo conhecedor das magias e feitios.

Por ser de confiana, adentrou e avanou dentro dos mistrios at ento proibidos ao mundo branco; para aquela casa dedicou os melhores anos de sua vida.

Mas o que passo a relatar era a quebra de tudo o que aquele povo negro acreditava ser de fundamento (branco no receber Santo) e que o fato ps por terra.

A grande festa de Yemanj de Me Helena, era, no ano, esperada com ansiedade pelo povo. Vinha gente de todo o interior do Estado e dos Pases do Prata (Paraguai-Uruguai-Argentina).

Festa por demais concorrida de Porto Alegre.

Chega o grande dia, l est o povo derramando pelo ladro.

Gente se empilhando, cada qual procurando o melhor lugar, comida farta sendo servida pelos corredores, no salo os tamboreiros executam as rezas, o povo canta e o som percorre o bairro todo. Uma magia. S os que conhecem este universo sabem o quanto belo este momento.

A cozinha sob o encargo do italiano Luiz de Xang ia de vento em popa, este desdobrando-se em comandos.

Vamos l gente, libera o amal, passa a bandeja, serve para o povo do fundo, acarajs, cocadas, quindins, melancias fatiadas; as bandejas seguiam cheias e retornavam vazias, todos se revezavam em atendimento pois estavam ali para servir e este quesito era para a Me Helena o mais importante. Dizia sempre Se queres ter fartura em tua casa, d comida pro povo.

Batuque chegando ao seu final, a nega Estela passa pelo marido e d um toque Nego, a Me Yemanj j vai embora, aproveita e vai toma teu Ax que eu cuido aqui da cozinha.

O Luiz d uma ltima olhada para ver se tudo vai correr bem.

Dirige-se para o salo.

Est difcil entrar de tanta gente que tem, mas ele consegue com esforo chegar at a Me Yemanj.

Ali est a doce Me lhe aguardando; bate cabea e recebe aquele abrao gostoso, quantas vezes ele chorou naquele ombro, mais aquela Me sempre soube lhe confortar.

Enquanto recebe o Ax um Bar dana se despedindo.

Bem, aqui deixamos nosso Luiz no conforto dos braos de Me Yemanj e voltemos ao Pai Bar que, despachando-se, canta seu Ax.

Dana at a porta na volta estende o brao interrompendo os tamboreiros e pede um Aluj no momento eu o som do s tambores atingem a fora e energia mxima, o que vemos: O Luiz, aquele Luiz l da cozinha, o italiano, o branco, sai dos braos da Yemanj, salta para dentro do salo num movimento louco e um berro que ecoou pela rua toda, e vai ao encontro dos tambores danando um Aluj com todo o vigor, braos, mos e pernas voavam, com habilidade e destreza.

No que de pronto o Bar manda os tamboreiros pararem e numa voz em tom ameaador diz: Mas o que isso, mas o que est acontecendo aqui, aonde que se viu um Orix cavalgar um branco?

Ali estava o desafio posto prova, um mal-estar percorreu o salo.

Alguns convidados contrariados ameaavam se retirar tal a afronta, outros duvidosos permaneciam calados, mas todos, surpresos, aguardavam o desfecho do fato ali exposto.

Correu a notcia rua afora e o salo j lotado ficou pequeno para tanta gente curiosa que correu para ali ver o que se passava.

Um silncio sepulcral manteve o clima de suspense e espanto, que aconteceria agora, todos se perguntavam.

Pretendia o Bar desmascarar o impostor? Teria Me Helena que passar semelhante vergonha, ela que sempre foi rgida em seus princpios e fundamentos?

O Bar pede ento um Aluj de Aganj, e convida o Xang do Luiz para acompanh-lo.

Esta era a prova definitiva.

Todos sabiam, nem um humano passaria por aquela prova, era dana do fogo, somente os Deuses podem executar aqueles passos.

L vai o Bar, tendo o Xang ao seu lado para a dana do fogo, os tamboreiros metem o brao, como a dizer: Ah!, vocs querem, pois vo ter.

O povo enlouquecido aplaude e sada Alup, Ka Cabecile.

Os tamboreiros j no agentam mais, no tem mais fora para tocar, os minutos passam, o tempo voa, aquilo parece uma loucura, no tem hora pra terminar.

Foi quando, l do cantinho do salo bem devagarzinho, levantou-se o Oxal velho do compadre Noca, com passos lentos, de mansinho, aproximou-se da referida dupla, e retirando o manto que cobria sua cabea jogou-o no cho do salo em frente aos tambores, e de pronto cessaram os tambores.

Novo silncio e Pai Oxal fala: Meus filhos, esta disputa no vai levar os senhores a lugar nenhum, os Orixs podem ser negros, mas a religio no tem cor.

Os dois Orixs, ajoelhados junto a Oxal, vo at a porta e na volta abraam-se e cumprimentando-se beijam as mos um do outro.

Pensei em terminar aqui esta histria, mas o tempo passou e ela ficou mais rica ainda.

Procurei ser o mais fiel possvel, no alterando em nada os fatos, mantendo a linha do que me foi contado.

Mas por que digo que ela ficou mais rica? Pelo fato do Xang ter ocupado a cabea de um homem branco? Talvez...pelo fato de Oxal ter dito que religio no tem cor? Talvez...Mas pela certeza absoluta e incontestvel, do bvio ululante que sem o povo branco a muito, mas h muito tempo nossa Religio Africana teria desaparecido tal o abandono e maltrato que tem sofrido pela maioria do povo negro.Com a mesma moeda

Anos setenta: tempos difceis pases em crise, dinheiro curto.

A Batuqueirada encolhida pouca festas a no ser as necessrias, do tipo obrigao ou aniversrio.

Naquele canto da bacia do Partenon nada, absolutamente nada acontecendo e todo mundo se perguntando: E a, fulano, quando que tu tocas? E a resposta sempre a mesma: quando os pais quiserem.

Como a dizer: - Com que dinheiro? Mas V Jovita no deixaria de maneira alguma de fazer a festa de aniversrio de Pai Xang.

No seria daquela vez que passaria em branco tal Eb.

Que diriam suas amigas se tal fato acontecesse?

Dar desculpas no estava em seus planos, ainda mais sendo ano de Xang.

E veio o to esperado dia.

Casa cheia, Batuque rolando, a felicidade estampada naquele rosto bonacho, sorriso de orelha a orelha, vendo o povo danar para seu Orix, a cada chegada de um Santo, ia ela prpria quebrar e desdobrar-se em agradecimentos.

De repente um burburinho, som que vinha da frente da casa, pessoas discutindo, se no fosse o som do tambor no se perceberia.

Mas o tambor parou, e aquilo adentrou o salo, a baixaria, a agresso gratuita, os desmancha-prazeres estavam ali com a torpe inteno de bagunar aquela festa.

A av Jovita assistiu a tudo aquilo calada. Para quem tinha feito tanto sacrifcio para a realizao daquela festa, aquela cena para mim foi um horror. Surpreendi-me, no pelo silncio, mas pela falta de atitude.

Quieta num canto, cabisbaixa e muda, observava o diz-que-me-diz, o bate-boca, as ameaas declaradas.

Deixou por conta dos Orixs, se aquilo estava acontecendo num dia to sagrado como aquele, eles que resolvessem ela no tomaria nenhuma atitude.

E assim terminou a festa de Pai Xang, manchada que foi pela falta de respeito e educao das visitas.

Pelo que soube dias depois, era um Pai de Santo muito famoso o responsvel pelo ocorrido.

O tempo passou e o tempo sempre foi o melhor remdio, j dizia av Jovita de Xang Agod.

Anos depois, um belo dia, chega sua casa um convite para um grande Eb a realizar-se na cada de um Pai de Santo. Aquele, mas j no to famoso, atravessando seu inferno Zodiacal com srias dificuldades no s financeira, como de sade; precisando da fora de V Jovita. Pensei: Este vai morrer seco esperado, a v no vai comparecer.

Mas, para minha surpresa, tudo aconteceu ao contrrio. Convocou todos seus filhos de santo, netos, bisnetos e amigos da casa, e fez questo de colocar o seu melhor Ax.

L fomos ns, felizes, para aquele Batuque.

Logo de chegada vi o porqu de to insistente convite. No tinha ningum, a no ser o dono da casa e meia dzia de filhos de santo.

Com a chegada daquele povo comandado pela V, a festa tomou outros ares, um novo colorido, uma energia louca invadiu aquela casa, at os tamboreiros foram motivados por aquela fora, e veio a Balana, momento supremo, pice do ritual.

Babalorixs e Yalorixs se do as mos, o tamboreiro comea a tirar as rezas de Xang. No comeo devagar quase parando e aos poucos num crescendo at sua voz atingir o pico mximo de fora e exploso.

Suas no podiam tocar aquele tambor com muita energia, mas agora pareciam no mais lhe pertencer, como se outra pessoa tivesse tomado conta daquela obrigao e pareceu-me tinha pressa de entregar.

O povo entusiasmado a cada chegada de um Orix recebia-os com gritos de saudaes, Alupo, Ogunh meu Pai, Reparrei bela Oi, Ka Kabecile, Oquebanbo Od, Oquebamba Otim, Ex, Eu-Eu, Abau, Ieieo, Omiod, Epa, Epa-Bab.

E, a cada saudao, tinha-se a impresso que despencava mais um Orix daquela rvore, e a seguir um Aluj redobrado.

Foi quando, num passe de mgica, aquela enorme negra salta para dentro do salo, quase duplicada em seu tamanho.

Sim, era Ele, meu Pai Xang, cavalgando sua filha V Jovita, ali em pleno Aluj se fazendo presente, como a perguntar: chamaram-me? Eu aqui estou! Presente... E foi para frente do tambor e com toda a fora que possa se imaginar danou e como danou, se que pode se chamar de dana, aqueles movimentos, pois seus ps pareciam no tocar no cho. Mos, braos e pernas voavam, como cercados por ventos e raios numa louca tempestade no deserto.

Seguiu-se o P de Vento de Yansn, que foi danando com energia e fora, o povo plasmado boquiaberto, estarrecido, diante de tanta beleza.

At aqui tudo bem, mas o que passo a relatar a seguir era o que, na minha inocente pureza de um Buri, nunca mais vou esquecer. Queimado no fundo da alma com ferro em brasa, a grande lio que minha ignorncia teria que aprender.

Terminadas as reverncias de chegadas dos Orixs, Xang pede o tambor para si e entoa o que seria sua misericrdia e foi: E nagoro naguia chaor nag Ieie nagor naguiaxar e o povo respondendo nag Ieie e naquela reza foi se despedindo indo embora e junto numa fila interminvel levando todos os Orixs seus filhos, que sentados uns no colo dos outros foram sendo despachados.

Meu Deus: Pensei isso no verdade, isso no pode estar acontecendo, um sonho, devo estar sonhando.

Foi ento que vi aquele Pai de Santo prostrado de joelhos no meio do salo, perante Pai Xang a pedir sua misericrdia e ouviu-se dele a clebre frase:

- Meu filho eu vim devolver tua moeda. Com o padre

Cidade pequena do interior. Anos cinqenta, domnio absoluto da religio catlica, poder sobre todas as coisas, meios de comunicaes, rdio e jornal, escolas, bibliotecas, tudo pertencia nossa Santa Madre Igreja Catlica, poder este que estendia-se sobre as decises polticas e partidrias, nada se fazia naquele pequeno municpio sem a participao e determinao da toda poderosa Igreja Apostlica Romana.

Ali as decises vinham de um triunvirato: prefeito, delegado e o padre. Acima de tudo o padre; este, por sua vez, exercia sobre os demais sua autoridade e tinha sempre a ltima palavra.

L nos Cafunds do Judas, ali onde o diabo perdeu as botas, recanto da vila, no meio de uma misria absoluta, ela, a perseguida Religio Africana, dava seus primeiros passos, conduzida pelas mos de Dona Dejandira de Oxum, mulher por demais bondosa, me de uma carrada de filhos, gente por demais trabalhadeira.

Todos os seus filhos homens foram criados nas lides do campo, lanando, domando e curando bicheiras nas fazendas no interior do municpio, reduto dos poderosos fazendeiros.

Ela, a Me por demais cuidadosa, atendia os filhos e para aumentar os parcos rendimentos da famlia, junto com as filhas mulheres, lavava para fora, cuidava da horta, pomares e da criao de animais domsticos.

Tinha uma longa caminhada dentro do conhecimento da Cultura Africana. Se perguntada nem saberia dizer quando se iniciou dentro da religio, sabia unicamente que aprendera de sua me, esta de sua av, e assim por diante. Este era o seu histrico.

Ali dentro daquela vila, tinha fama de ser uma grande conselheira daquele povo abandonado por Deus, conhecedora das ervas que curam, das mandigas que benzem, das oferendas que fazia aos Orixs buscando misericrdia, das rezas que buscam dar foras para continuar na luta pela vida.

Assim era conhecida naquele fim de mundo, onde a misria e as doenas andam de mos dadas.

Bendita era a Dona Dejandira de Oxum Demum, me de todos, ali de planto, administrando unicamente problemas e dificuldades e, mesmo assim, mantendo dignidade para os marginalizados da sociedade.

Todos os anos fazia festas memorveis aos seus Orixs, comilana da boa, fatura que saltava aos olhos, coisas por demais de linda, eram trs dias de comemorao, esperada por todos com grande ansiedade, tal era a abundncia.

O padre tinha sobre Dona Dejandira os olhos saltados, mantinha uma vigilncia constante, mesmo sabendo que ela nunca faltava aos cultos e festividades de sua igreja. Independente da afabilidade de suas contribuies nos dzimos, ela prpria engordava uma novilha para entregar ao padre para a comemorao da festa da padroeira Nossa Senhora da Conceio no dia 8 de dezembro, mas ele sabia de sua fama de curandeira e reconhecia o poder de suas curas. Mesmo sabendo de tudo isso, no abandonava a idia que isso era coisa do diabo e obra da feitiaria.

Mas o diabo faz a panela e sempre esquece a tampa. Vieram as eleies municipais, os candidatos eram muitos e o eleitorado era pouco, muito cacique para pouco ndio.

Daquele dia em diante comeou uma grande guerra na captura dos votos, aquele canto da vila era considerado curral eleitoral de um grande fazendeiro que tinha o cuidado de manter com Dona Dejandira uma amizade e favores sempre atendidos durante os longos anos de convivncia, ele sempre cuidou de zelar por aquela gente, com remdios, agasalhos, material para construo de alguns barracos e o trabalho em sua fazenda, nas colheitas, era daquele povo.

Dona Dejandira de Oxum o chamava de compadre, mesmo que das relaes nunca ele tivesse batizado nenhum de seus filhos, era um tal de compadre pra c, compadre pra l.

Estavam em plena campanha poltica, no exerccio pleno da democracia, que de democracia no tinha nada, pois tinham como candidato dentro do pleito o padre, este por sua vez exercia seu poder absoluto, ai daquele que no votasse nele, ameaas de expulsar da igreja e ainda por cima excomungar o desgraado e toda a sua famlia.

Pobre Dona Dejandira de Oxum, ali entre a cruz e a espada, sem saber que rumo tomar. Meu Deus, o que fazer? se perguntava, se voto no compadre, sou expulsa da igreja, se voto no padre os meus filhos e o povo desta vila miservel perdem o nico apoio que temos para sobreviver na hora da dificuldade. Independente disso, traio a quem nos tem dado emprego todo o ano, e agora o que fao?

O padre, sabendo da fora poltica e do poder de influncia que ela exercia sobre aquele povo miservel, passou a fazer visitas constantes casa de Dona Dejandira, marcao cerrada, ali no corpo-a-corpo.

O povo, vendo ela naquela indeciso, s para fazer a negra velha ficar mais atazanada, perguntava: E a, Dona Dejandira! Afinal, em quem a senhora vai mesmo votar? E a resposta era sempre a mesma Eu estou compadre, e tchau e beno.

A campanha chegando em sua reta final, presso total, a panela a todo o vapor, briga de cabos eleitorais dentro da vila, guerra feia, demanda ingrata, mas o povo no cedia, estavam todos com Dona Dejandira, iriam para onde ela fosse, eleies tem de quatro em quatro anos e barriga para encher todos os dias, no eram bobos de no seguir seu lder.

E todos rapidamente aprenderam a se defender da pergunta maldita: Com quem tu ests, fulano? e a resposta era sempre a mesma, que haviam aprendido com Dona Dejandira: Ns estamos compadre sim, compadre, mas o que ningum sabia, era que ela estava com o compadre fazendeiro, este realmente seu amigo e no com o padre seu desafeto.

Agradecia aos Orixs a bendita cacofonia, compadre, com padre, compadre, com padre, ria dando nfase na sonncia: Compadre.

Mas foi chegando o dia fatdico, a hora da verdade, a poderosa urna esperava os votos daquele povo.

O fazendeiro, sentindo a fora do de-porta-em-porta feita pelas beatas, corre a entregar uma novilha gorda, para uma churrascada e deleite do povo.

Mas Dona Dejandira no era boba e aproveita para repassar o presente para o padre, para a festa de sua igreja, com a seguinte frase: Aqui na minha vila, no sero presentes que levaro os votos, no deixo comprar a conscincia do meu povo. O padre agradece, feliz.

Bem, veio o grande dia e l se foi o povo exercer o direito democrtico, votar, mas agora fica a dvida cruel: em quem? Bem, a j querer demais, pois todos ns sabemos que o voto secreto, aguardemos a escrutinao.

Mas na noite anterior Dona Dejandira, antevendo a desgraaria que seria aquela eleio, corre na frente e derruba grande Eb na encruzilhada para Bar Lod e Oya Dir.

Aos gritos em plena encruzilhada, pede: Quero vento, muito aff (vento) muito aff sobre estas eleies.

Bem, meus leitores e eleitores, agora que a cobra vai fumar.

Foi s comear o dia e foi aquele temporal terrvel, coriscos, raios, relmpagos, vendaval de mais de 100 km por hora, coisa do demnio, loucura na vila, casas destelhadas, rvores derrubadas, cercas cadas, um fim de mundo, terminando naquela enxurrada.

Os fiscais vm buscar as urnas com uma caminhonete F-1000;

Tudo colocado em cima, passam uma corda, atam as urnas e saem em louca disparada, iriam entregar no frum, local onde escrutinaro aqueles votos, e ai saberamos a verdade fatal.

Dona Dejandira de Oxum, pe a mo no peito vendo a caminhonete partir, ali naquela urna vai seu corao e a felicidade do seu povo, pensa: Meu Deus, o que ser de ns daqui pra frente?

Mas mesmo assim no perde a confiana nos seus Orixs, eles sempre souberam cuidar daquela vila miservel, no seria agora que eles os abandonariam.

Vai a caminhonete por aquela encruzilhada, curva por demais perigosa, estrada de cho batido, areio solto, quase tomba mas o motorista exmio no volante controla a derrapagem e pe de volta sobre a pista o veculo, mas aquele simples movimento joga para fora a nossa urna, que eu no sou bobo de no estar fazendo minhas oraes e torcida na participao poltica partidria, pois o padre era da Arena e ns somos MDB.

Despenca lomba abaixo a nossa urna com os votos da vila de Dona Dejandira de Oxum, urna feita de madeira vagabunda, frutos daquelas concorrncias em que ganha sempre o mesmo, explode em mil pedaos, espalhando no meio daquela enxurrada os nossos votos, imagine se aproveitaramos alguma coisa dali.

Bem, est resolvido o primeiro problema, agora era s aguardar os candidatos para as comemoraes.

E venha o final da contagem de votos.

Para aqueles dois candidatos faltou meia dzia de votos para se elegerem.

No conseguiram atingir a vitria, coisa que infelizmente, apesar de todo o esforo de Dona Dejandira, amargaram a derrota.

Pois at hoje os di cantam de falo que tiveram votos na vila, e se achassem aquela urna poderiam decidir os novos rumos daquele pleito.

Bem, esta experincia chegou para aprendermos uma grande lio: precisamos ter candidato prprio da nossa vila, gente identificada com o nossos meio, comprometida com as nossas dificuldades.

Agora adivinha quem sempre foi a mais votada no pleito da outra eleio?

Sim, ela, nossa Me Dona Dejandira de Oxum, a primeira negra a ocupar uma cadeira na Cmara Municipal daquele municpio.Os Quindins de Hugo de Yemanj

Conta histria e sempre foi tema nos livros dos diversos escritores da cultura africana, esta, que uma prola do folclore Afro-Brasileiro...

Eu sou suspeito de contar, pois se trata de meu querido Bisav de Santo Babalorix Hugo de Yemanj.

Mas vou procurar ser o mais isento possvel, mantendo-me numa linha de narrativa imparcial, procurando relatar os fatos como me foram contados.

Anos de 1958, festa de Batuque, ali na Santa Maria, pertinho da PUC (Pontifcia Universidade Catlica), no Partenon, Casa Africana de Nao e Umbanda Oxossi Rei das Matas.

Para l se dirigiu um contingente de adeptos da religio, entre este o meu Bisav Hugo de Yemanj, menino na tenra idade dos seus 16 anos, mas louco por Batuque, no se sabe se por f ou amor, mas uma certeza absoluta, ele era doidinho por quindins, loucura esta declarada e estimulada pelos Orixs.

Nos Batuques, vendo ele a hora dos Beijes, as Oxuns com enormes bandejas oferecendo para o povo, ele no as saudava com mesura, mas, sim, se pegava aos gritos: Ieieo Oxum, Ieieo Oxum, minha Me querida. Quase pondo as Oxuns em polvorosa e pedindo discretamente com as duas mos estendidas, aqui Me, aqui minha doce Me, querida, adorada, aqui, ponha aqui nas minhas mos. Mas, as Oxuns no davam nem bola para ele e seus gritos.

Sabendo de antemo que os Orixs saudados voltam-se para quem os saudou, aquela era a tcnica usada para encher os bolsos de quindins, gesto usado at hoje pela maioria dos seus bisnetos.

Com os amigos, l estava ele, feliz com a beleza daquele quarto de Santo, mesmo porque no era pelas flores ou decorao, mas sim pela quantidade enorme de bandejas de quindins que avisara ao adentrar a porta.

Que maravilha, que beleza, viva a bonana, viva meu glorioso Pai Od, o dono da fartura, saudava ele.

Chegou a reza to esperada: Tala di bedi di ou, tala di bedi di ou, Oia senumal tala dibedi di ou, o primeiro que comeou a danar na roda foi ele, com a mais plena felicidade, ali vai ele, mas as Oxuns desconheceram tal agrado, parecia coisa combinada, coisa feita.

Enlouquecido, ele no se d por contente vendo as travessas de quindim serem distribudas ali, na frente de seus olhos.

Algumas Oxuns mais tiranas ainda pediam o obsquio dele entregar s outras pessoas mais atrs aqueles quindins, que mais pareciam uma batata doce, tal era o tamanho.

E passou a reza das Oxuns e nada dele ganhar um msero quindim. Isso no podia ter acontecido, logo com ele, devoto daquelas Mes, passou a Oxum da Me Moa, Oxum Panda, Oxum da Vera, Oxum Olob, Oxum do Serginho, Oxum Demum, at a Oxum de sua irm, Oxum Doc, no rendeu nada.

Mas ele continuava ali saudando aquelas Mes, e nada, nadica de nada de colocarem, naquelas duas mos estendidas, espalmadas, agitadas, um nico quindim.

Indignou-se, mas estes Santos esto ficando loucos, mas agora deu. Isso j um abuso. Ento um cristo seco por um quindim, e passar semelhante vexame em pleno Batuque em Casa de Oxum, se at o nego Valdemar que nem gosta de quindim ganhou, porque esta indiferena comigo, isso no vai ficar assim.

Ao sair l fora, para tomar um ar, foi motivo de chacota dos amigos que saboreavam, enchendo os boces com pedaos enormes e amarelos dos quindins, a dizer: E a Hugo, no eras tu o mimoso das Oxuns?

Revoltou-se.

Volta ao salo, ao passar pelo quarto de Santo da uma rpida olhada para dentro, eis o que v, ali estavam quatro enormes bandejas repletas de quindins, foi o que bastou. Salta para dentro do salo aquela Me maravilhosa, a Me Yemanj, sim pela primeira vez na vida, nascia a Me Yemanj de Pai Hugo.

Danando, vai at a porta. Feita a chegada, a Me Yemanj vai ao quarto de Santo e solicita uma daquelas famosas bandejas, do tal doce, aquele, aquele doce, pois se eu disser mais uma vez o nome largo este computador, no conto o resto da histria e corro para a primeira confeitaria, pois estou com gua na boca s de falar no nome daquele doce.

A Me Yemanj, de posse daquela enorme bandeja recheada de quindins, (Ave Maria! Disse o nome do doce), sai a entregar aos convidados, uma para eles, dois na boca do Hugo, sim na boca do Hugo, pois de Yemanj ele no tinha nada, era s fingimento.

Entregue a primeira, voltou e solicitou a outra bandeja e continuou obedecendo ao ritual anterior, no seria louco de quebrar o protocolo, um pra ti, dois pra mim.

Estranho, mas todo mundo notou o procedimento daquela Me Yemanj, como chegou, saiu, de uma simplicidade a toda prova, claro que acrescida de uma quantidade enorme de quindim naquele buxo.

Terminado o Batuque, j na rua junto aos amigos, dava violenta gargalhadas pela proeza; sim, ele fora capaz de se fingir de Yemanj para saborear uma bandeja de quindim, estmago forrado e colorido de amarelo, foi dormir feliz.

Segunda-feira vai casa de seu Pai de Santo. Bem, agora a porca vai torcer o rabo.

Tchau, amanh eu termino esta histria, com licena, vou ali na confeitaria e j volto.

Bem, eu aqui de volta, para terminar a histria.

Mas, que mal eu lhes pergunte meus amigos, j comeram quindim com guaran? No? Experimentem uma loucura! Dos Deuses!

Voltemos histria, aonde mesmo que eu parei?

Ah...Sim, o meu bisav vai at a casa do seu Pai de Santo...

Chegando casa vai at o quarto de Santo, ali postado com 16 varas de marmelo untadas no azeite de dend na mo, o Pai de Santo aguardava sua presena com uma simples pergunta: Estavam deliciosos os quindins da comadre Vera?

Meu Deus, fora descoberto, e agora?

- Meu filho, tire a camisa e ajoelhe-se aqui, disse o Pai de Santo, apontando para a porta do quarto de Santo.

Ajoelhou-se e aguardou.

Ali comeou a receber aquela violenta surra de Ax de vara, sem hora para terminar, aplicada com maestria, cada laasso penetrava no fundo da alma, cortando a carne, a sem-vergonhice, pondo no lugar vergonha, dignidade e respeito por tudo que era da religio. No momento seguinte ele teve o mais alto grau de conscientizao, compreendera a brincadeira brutal que cometera, ferindo os bons princpios de sua casa e de sua famlia e da religio.

As lgrimas quentes correram em seu rosto, um soluo se fez ouvir naquele quarto, onde at ento s se ouvia som das pancadas das varas, que desciam e subiam lanhando suas costas.

Mas o que ningum esperava aconteceu, sob aquele imenso sofrimento, e quando falo em sofrimento, no falo da dor fsica da surra de varas, mas da dor na alma coberta pela vergonha, nasce ela, sua Me Yemanj.

Bem, foi assim que aconteceu.

Deixou marcas que, sei, o tempo no vai apagar, lies que nesta rvore faremos tudo para manter vivas.

Mas hoje, se algum Babalorix resolvesse tomar uma atitude corretiva como aquela do Ax de varas, tenho a mais absoluta certeza, faltaria vara de marmelo no Mercado Pblico de Porto Alegre.Direto do Orn

Desperto com o barulho do telefone trim...trim...trim.

Acomodo-me melhor na cama e antes de apanhar o aparelho procuro o interruptor do abajur de cabeceira, preciso saber que horas so... Meu Deus, 3 horas da madrugada, quem ser o perturbado para ligar a uma hora desta?

Atendo al, al, quem?

Do outro lado da linha laguem me responde: ...Sou eu..., Eu quem, pergunto novamente, quem?

A resposta vem a mesma, sou eu s que desta vez, uma voz alterada por no ser identificada.

Sou eu, boca aberta, tu no ta me reconhecendo?

No sei quem e torno a perguntar: Quem est falando?.

- Sou eu, infeliz, tua V Jovita.

Cruz credo, Ave Maria, a esta hora, devo estar sonhando, mas calei-me, sabia que ela no gostava de ser contrariada, retorno a falar, desta vez demonstrando felicidade em receber seu telefonema.

Desculpe V, eu no reconheci sua voz, no passo seguinte pedi sua beno e recebi como resposta:

- Meu Pai que te abenoe em tom de crtica - onde j se viu esquecer minha voz?, resmungou ela, parecendo-me estar furiosa.

- O que tu ta fazendo? Perguntou-me. Meu Deus, a V ta ficando esclerosada, a esta hora me perguntar o que estou fazendo!

- Estava dormindo V, respondi.

Ela continuou: - mas tu parece que enriqueceu, dormindo at esta hora, parece puta de zona, que j ganhou o po de cada dia.

Tento ponderar: - mas V, isso j so 3 horas da madrugada, hora que todo o vivente est dormindo.

Ela d mais uma resmungada e conclui: - Ta bom, eu s queria me certificar do horrio.

- Como vai tua casa de Religio? pergunta ela.

- Vai bem, ela me contrape com outra pergunta.

- O que tu quer dizer com vai bem?. Ora, V, as coisas esto difceis pra todo mundo, eu estou tentando fazer o melhor que posso, mais se=i que no est fcil.

Com esta resposta, ouo sua risada debochada, risada solta, escrachada, silncio e a seguir uma reprimenda.

- Meu filho! Meu filho! Quando que tu vais aprender, Deod acorda, tu no s o salvador da Ptria, deixa estes lixos, e vais cuida do teu

Orix, parece que eu no te ensinei nada, ou tu desaprendeu, larga desta humildade franciscana, isso no tem lugar na nossa Religio, ta na hora, do bateu levou, estes infelizes esto destruindo o pouquinho que resta da Religio, ou tu te cala e te afasta ou tu tens que dar o troco, chega de carregar estas trolhas.

Tento ponderar: Mas V, eu aceito isso tudo como uma misso, no que ela ri.

- Misso? Carregar pedra! Isso no misso coisa nenhuma, meu filho, isso querer ser messias, este papel no serve pra ti, carregar este bando de sem-vergonha em nome da Religio Africana.

Por falar em Religio Africana, como vai indo os Batuques a?

- Vai bem, respondo.

- Tens ido a muitas festas?

- Sim, no perco uma nos fins de semana.

- Eu sei, tenho recebido notcias alvissareiras das festas, mas que mal eu te pergunte, o que te parece este bando de bichas vestidas de mulher danando no meio do salo? Coisa de louco...

E solta aquela enorme risada e completa: - eu bem que te avisei, e mais risadas, desta vez ela parece se contorcer de tanto rir, agora ouo uma tosse e pergunto: - a senhora est bem? Ela me responde: Estou com um chiado no peito, acho que o meu resfriado, pobre V sempre sofrendo deste resfriado e bronquite. Continua ela.

- incrvel onde foi para o Batuque, s vezes me reno com minhas amigas para comentar como era antigamente, elas ficam horrorizadas com o que esta acontecendo a.

Pobre V ah, se ela soubesse!!! Meu Deus, que horror que vergonha, temse vergonha de pr uma Ax para ir ver as festas nos dias de hoje, , mas isso ela nunca vai saber, morro e no conto.

- Deod, que mal eu te pergunte, o que era aquilo que tu foi no ltimo fim de semana? Tento me lembrar, no consigo e pergunto: -qual fim de semana V,no lembro!.

Vou te refrescar a memria - Naquele fim de semana que tu estavas com o Fernando Tamboreiro em visita quela casa de Religio.

Ah, sim, lembro-me, seu (no queria que ela soubesse, razo pela qual me fiz de esquecido).

- Mas o que era aquilo afinal? Agora seu que ela vai pegar pesado, conhecendo-a, sei no vai sobrar pedra sobre pedra, ela via demolir, toda essa lbia tem um nico intuito preparar o terreno para uma crtica cruel, violenta e cida, j vou me preparando, vem bomba.

Tento ludibria-la: - No estou entendendo. Ela j subindo nas tamancas.

- Tu ta ficando surdo ou te fazendo de louco, tu vais a um Batuque de visita onde seis irmos teus se ocupam no Jejo do Bar, isso por si s j um fiasco, estes Santos no te cumprimentam, no te do Ax, desconhecem tua presena e tu chama aquilo de Batuque?

Meu Deus! Que horror, ela sabe, e agora? O que fao?

Bem V, aqui isso, sempre foi assim, completo, ela retorna, desta vez furiosa.

- Mas tem que pegar um rabo de tatu e dar uma camassada de pau nestes infelizes, onde j se viu, desrespeitar um irmo. Agora chegou a hora dos cachorros mijarem na gente, eles esto se fazendo de porco guacho para cagar na cozinha.

- Credo V, a senhora ta pegando pesado.

- Tu queria o qu?

- V talvez eles tenham sido educados pela Me para agirem desta maneira

Ela volta, desta vez bufando de raiva.

- Se ela compactua com atitudes como esta, ela tambm merece uma grosa de pau, onde j se viu Orix que se diz Orix obedecer tal ordem!.

Pensei, agora ela vai aliviar, ledo engano, desta vez a vtima sou eu.

Tu tambm merece uma tusina de pau, onde j se viu um Babalorix metido a besta aceitar esta desmoralizao e ficar calado, tinhas que para o Batuque e exigir respeito.

Tento ponderar: - Mas V, eu era uma simples visita.

Ela no perdoa e conclui.

-Desde a hora que tu passou por aquela porta deixaste de ser uma visita j que era o mais antigo dentre teus irmos, eras responsvel por qualquer atitude que viesse desabonar os ensinamentos de tua Me,portanto tu outro sem-vergonha, deixando transparecer que tudo estava bem, atitudes como esta que levam a Religio para baixo, ah se eu tivesse a, tu ias ver, comia eles no Acar de fogo, s para criarem vergonha na cara.

- Credo, V, a senhora ta furiosa?

Ouvi do outro lado da linha um to que pareceu-me que saa fumacinha das orelhas da V.

Fez-se um longo silncio que pareceu-me durar um sculo e busquei com a voz pausada com humildade e respeito explicar as mudanas que nossa Religio vinha sofrendo nos ltimos anos e expus as perseguies, difamaes e ofensas que somos atacados.

Esgotado todo o repertrio o silncio da boa ouvinte que ela sempre foi, calei-me por no encontrar mais palavras.

Ela me perguntou: - terminou?, -sim v, terminei.

No que ela voltou determinada a encerrar aquela conversa.

Depois vocs no me perguntem porque razo a Religio do Edir Macedo cresce vertiginosamente, porque ele tem mostrado o lado ridculo, estpido e boal do que se comete em nome da Religio Africana.

Dito isso, desligou.

Acordei-me e corri para escrever esta estria, na certeza que ela voltar a me ligar direto do Orn.E bota pra gelar

Pai Tonico de Ogum, conhecido babalorix ali do Campo da Tuca, bairro da periferia de Porto Alegre, zona de populao pobre, em sua maioria trabalhador braal em subemprego, tinha seus Batuques concorridssimos pela populao local, dado o fester que era ali realizado.

Os comensais eram ricos na diversificao dos alimentos dos humanos e Deuses: Amal preparado com requinte por Dona Zefa de Oxum, especialista na arte da cozinha africana, muita carne de peito com mostarda, piro dgua traado no prprio molho da carne, quem comeu repetiu, sempre com rasgados elogios mo que bateu aquele Amal, sarrabulho de deixar o neguinho vesgo de tanto comer, acaraj feito com discrio e silncio, como rege o bom conhecimento orientado pelo fundamento milenar dos que sabem que a no-observncia destes preceitos vai desandar a massa e no tem como recompor, adeus acaraj.

Na alimentao dos humanos, uma equipe se revezava no tempero e preparo das carnes de cabrito, carneiros e aves as mais diversas, desde galinha de angola a galinha da colnia, carne de porco (em festa de Pai Tonico, Pai Od, o dono da fartura, era Rei, e para este Orix tinha Pai Tonico deferncia especial), tudo temperado com antecedncia para a melhor fixao do tempero, bem como na fartura do repasto e bebida dos humanos.

Terminado o Batuque, salo fechado em respeito aos Orixs, comeava o pagodo, com a participao dos conjuntos da vila contratados exclusivamente para a ocasio, que se revezavam para no deixar a peteca cair, e vamos que vamos no pagode.

Assim eram as festas do nosso Pai Tonico, mas o mais importante era dentre os convidados o conhecimento que, junto ao aniversrio do Orix de Pai Tonico ele, o prprio, comemorava o seu. Sabendo que nem bem terminava o Batuque iniciava a festa de aniversrio, o povo aguardava com ansiedade o ano todo este dia to especial, antevendo o que seriam as loucuras do ano vindouro.

Esta festa, no calendrio, estava classificada como o aniversrio de Babete do culto Afro-Brasileiro.

Bem, vamos festa: Salo ricamente decorado com as j conhecidas bandeirinhas coloridas para cobrir o teto., flores em vasos espalhados pelos cantos do salo. Quarto de Santo, com arranjos das cores de Pai Ogum, vela de 2 metros ostentando amor, poder e f neste pai que nunca deixou faltar o po de cada dia.

E o Batuque, este requer um captulo inteiro para descrever a

beleza dos Axs, o povo disputando tecidos e modelos, os mais variados, ricos em cores, nas rendas importadas da Casa X, loja especializada para os Batuqueiros.

Somente neste Batuque poderia-se imaginar a guerra das danas daqueles Orixs considerados P de Dana, aquilo era um espetculo digno de pagar ingresso, o povo provocando as disputas ora saudando um santo, ora saudando outro, e as coreografias estas executadas dentro da maestria de um bailarino do Bal Bolshoi; Salvai de palmas eram ouvidas a noite toda, mantendo o brilho e emoo daquela festa.

L estvamos aguardando o momento supremo, a chegada do Pai Ogum e todos sabamos da beleza daquele Orix, sua presena era ovacionada com saudaes de Ogumnh meu Pasi, Ogumnh chefe guerreiro, Ogumnh vendedor de demandas, Ogumnh senhor das guerras.

E foi o tamboreiro entrar no jejo do Ogum e aquele Pai se fez presente em sua dana sob chuva de flores e papel picado, foi at a porta e na volta um filho de joelhos ofereceu a espada para o ritual de apresentao da guerra,a espada que venceu batalha zunia por entre as cabeas e gesto enrgico de fora e magia.

Chegada a hora dos presentes o tamboreiro entoava a reza Omimoni oaupi oaupi or, Omimoni oaupi oaupi oro, os filhos corriam buscar os presentes para ofertar quele Pai to querido, amigo de todas as horas.

Valdemar de Ogum, compadre, irmo de Santo e lder do pagode adentrou ao salo carregando um engradado de cerveja Brahma ou seria Antrtica (h! Esta guerra das cervejas me confundem) que ofereceu ao Pai Ogum, agradecendo tudo que havia feito por ele naquele ano. O Pai colocando o engradado sobre os ombros e abraado ao Valdemar, deu uma volta no salo com as devidas saudaes e agradecendo, devolveu o engradado de bebida coma clebre frase: E Bota pra gela.Engana-se a todos, mas no se engana o Okut

Olibop o com eleci, eleci Okut .

Com esta reza, Od, Orix da caa, desenvolve uma linda coreografia com o dedo indicador da mo esquerda colocado junto cabea e o dedo indicador da mo direita indica o Quarto de Santo.

Dana e canta, e enquanto canta sorri, um sorriso enigmtico, maroto, que poucos conhecem o real significado.

Os mais antigos, sabendo deste segredo, riem desta revelao, sabem que algo vai ser descoberto, onde os mais novos tremem s de saber o real sentido desta dana e sua coreografia.

Od di pop pomi, Od di pop ao, Od pop a guem gu.

Com esta reza cobre-se com as penas e plumagens das aves as obrigaes, mas Od pode descobri-las e com ela revelar o que tem por baixo, eis ao o temor.

Ao som dos tambores, Od, com maestria, segue em seu bailado, dirige-se porta e l, estendendo a mo pra a rua, como se apanhasse alguma coisa, retorna ao Quarto de Santo.

Ali est o momento mgico, com os braos abertos sobre a obrigao cansagra-a, corfirma, avaliza, o Orix Od abenoando tudo que os humanos realizaram em seu nome.

Por ucriosidade e at por no saber, certa feita perguntei a minha v a razo daquele cerimonial, o porqu da espera to ansiosa das pessoas pela presena do Od.

Ela, naquela pacincia de ensinar, me responde: Engana-se alguns por algum tempo, mas no se engana todos pelo tempo todo.

Um belo dia a casa cai.

Do tipo a verdade tarda mas um dia vem.

Com aquela reza Olibop com eleci, eleci Okut Od, Orix da caa, estava a nos dizer Engana-se todos mas no se engana o Okut.

Ento era isso que Od em sua dana e gestos buscava nos mostrar, ali estava a revelao do mistrio.

Conta a histria que de certa feita um Pai de Santo autoritrio e macho, daqueles que conduzem, os filhos com um chicote aos gritos; do tipo eu que sei e o mundo esta errado, dono da frase: Eu tenho o corao do lado direito e da quero ver quem me opera, ou outra: Aqui no tem grgr para dizer Gregrio, aqui quem manda sou eu.

No era mais grosso por falta de espao.

Conhecido pela falta de educao e desrespeito aos mais antigos e pelas grosserias cometidas dentro das Casas de Religio, que tinham o desconforto de recebe-lo.

Independente de ser ou no convidado, impunha sua presena, tomando conta das obrigaes onde era simples visita, mas dizer o qu! Para aquela figura quando a educao no nos permite desabonar sua conduta, sendo ele visita na casa, todos agentavam quietos e calados, evitando assim, certos constrangimentos, alguns por educao, outros por medo da lngua do infeliz, esta era mordaz e venenosa, nada faziam.

Ningum tomava uma atitude.

A maioria das vezes o tratavam com uma deferncia especial, desde a chegada at a sada, quando da entrega do mercadinho. O animal mal saa do Batuque e seguia pela vila afora a despejar o cido daquela lngua maldita a dizer Estava linda a festa do fulano; mas um Ax de misria terrvel.

Ah! Lingia maldita! Ah! Boca de esgoto! Ah! In